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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO CONCEITO DE MISSÃO EM JOHN STOTT E RENÉ PADILLA: RELAÇÃO ENTRE PROCLAMAÇÃO DA PALAVRA E AÇÃO SOCIAL POR MARCOS AURÉLIO DA SILVA São Bernardo do Campo, SP. 2012

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

CONCEITO DE MISSÃO EM JOHN STOTT E RENÉ PADILLA: RELAÇÃO ENTRE PROCLAMAÇÃO DA PALAVRA E AÇÃO SOCIAL

POR

MARCOS AURÉLIO DA SILVA

São Bernardo do Campo, SP.

2012

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

CONCEITO DE MISSÃO EM JOHN STOTT E RENÉ PADILLA: RELAÇÃO ENTRE PROCLAMAÇÃO DA PALAVRA E AÇÃO SOCIAL

POR

MARCOS AURÉLIO DA SILVA

Dissertação de Mestrado apresentada à banca examinadora, em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre, sob a orientação do Prof. Dr. Jung Mo Sung.

São Bernardo do Campo, SP.

2012

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FICHA CATALOGRÁFICA

Si38c Silva, Marcos Aurélio da

Conceito de Missão em John Stott e René Padilla: relação entre

proclamação da palavra e ação social. Marcos Aurélio da Silva /-- São

Bernardo do Campo, 2012.

138fl.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo

Bibliografia

Orientação de: Jung Mo Sung

1. Missão integral da Igreja 2. Igreja e sociedade I. Título

CDD 266

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A dissertação de mestrado sob o título “Conceito de Missão em John Stott e René Padilla:

Relação entre Proclamação da Palavra e Ação Social”, elaborada por Marcos Aurélio da

Silva, foi apresentada em 19 de março de 2012, perante a banca examinadora composta

pelo Prof. Dr. Jung Mo Sung (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva

(Titular/UMESP) e o Prof. Dr. Alberto Kenji Yamabuchi (Titular/Faculdade Teológica Batista

de São Paulo).

________________________________________ Professor Dr. Jung Mo Sung

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________ Professor Dr. Leonildo Silveira Campos

Coordenador do Programa de Pós-Graduação Programa: Ciências da Religião. Área de concentração: Religião, sociedade e cultura. Linha de pesquisa: Religião e dinâmicas psicossociais e pedagógicas.

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Dedico ao

Mestre Evaristo Peroni Novaes (in memoriam).

O qual me deu a oportunidade de lecionar “Perícia Contábil” na Metodista.

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“Porque a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro, por cujo desenfreado desejo

alguns se afastaram da fé, e a si mesmos se afligem com múltiplos tormentos.

1 Timóteo 6.10

“Então Samuel tomou uma pedra e a colocou entre Masfa e Sem, e lhe deu o nome

de Ebenezer, dizendo: até aqui Iahweh nos socorreu”.

1 Samuel 7.12

“Ore e Labore”.

Regra de São Bento

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AGRADECIMENTOS

Agradeço e amo IAHWEH por ser “lâmpada para os meus pés e luz para o

meu caminho”.

Ao Prof. Jung Mo Sung que me orientou e sempre se fez presente.

Ao Prof. Geoval J. da Silva que me entrevistou no processo seletivo, foi

examinador na banca de qualificação e na defesa desta dissertação.

Ao Prof. Lauri E. Wirth que foi examinador na banca de qualificação e

suplente (UMESP) na defesa desta dissertação.

Aos professores examinadores externos: Alberto Kenji Yamabuchi

(titular/FTB.SP) e Ricardo Bitun (suplente/UPM) por aceitarem meu convite.

À Profa. Sandra D. de Souza que me entrevistou no processo seletivo e me

auxiliou no preparo do projeto de qualificação.

Ao Prof. James R. Farris pelo incentivo para meu ingresso no mestrado.

Ao Prof. Etienne A. Higuet e ao Prof. Rui de S. Josgrilberg por me acolherem

nos grupos de pesquisa do Programa da Pós-Graduação.

Aos demais professores da Pós-Graduação com quem fiz o curso.

Às funcionárias da UMESP: Regiane (secretaria da coordenação), Camila e

Vanete (secretaria da Pós-Graduação), Rita (da biblioteca) e a Zélia (da Editora).

Ao amigo Vitor C. de Souza, grande companheiro de estudos.

A todos e todas que oraram, rezaram e meditaram em meu favor.

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SILVA, Marcos Aurélio da. Conceito de Missão em John Stott e René Padilla: Relação entre Proclamação da Palavra e Ação Social.138fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião – Religião, Sociedade e Cultura) — Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2012.

RESUMO

No presente estudo sobre o tema “Conceito de Missão em John R. W. Stott e C. René Padilla” procurei analisar a relação entre proclamação da palavra e ação social contextualizada no Evangelho. Esta dissertação desenvolvida no Programa da Pós-Graduação em Ciências da Religião, pertence à linha de pesquisa “Religião, Sociedade e Cultura”. A metodologia adotada na coleta de dados foi de uma revisão bibliográfica. O questionamento que norteou a pesquisa foi: qual o conceito de missão mundial em J. Stott e de missão integral em R. Padilla? Com as respostas obtidas, foi realizado um comparativo entre a teologia de ambos. No primeiro capítulo foi apresentado o conceito de missão mundial na teologia de J. Stott. No segundo capítulo, foi apresentado o conceito de missão integral na teologia de R. Padilla. Já no capítulo três, foi realizado um comparativo no qual ficou demonstrado que J. Stott em sua teologia da missão mundial prioriza a proclamação da palavra pela igreja, deixando o serviço de ação social para segundo plano, ao priorizar a necessidade da salvação da alma do pecador que se arrepende, mediante a aceitação Jesus Cristo como seu salvador. Em contrapartida, R. Padilla em sua teologia da missão integral coloca a proclamação da palavra e a prestação de serviço mediante a ação social de forma conjunta e indissociável para concretizar o anúncio do Reino de Deus na sociedade.

Palavras-chave: missão – missão integral – missão mundial – palavra e ação social – igreja e sociedade.

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SILVA, Marcos Aurélio da. Conceito de Missão em John Stott e René Padilla: Relação entre Proclamação da Palavra e Ação Social.135fl. Thesis (Master’s Degree in Sciences of Religion – religion, society and culture) — São Paulo Methodist University, São Bernardo do Campo, 2012.

ABSTRACT

“The concept of Mission on John R. W. Stott and C. René Padilla” is a research that analyses the relation between the proclamation of the word and the social action as contextualized in the Gospel. This thesis, developed towards the granting of the Master’s Degree in Sciences of Religion, belongs to the “Religion, Society and Culture” research field. The bibliography revision was the methodology used for the data collection. The question that guided the research was: what is the concept of world mission in J. Stott and integral mission in R. Padilla? Among the answers it was possible to compare the theology of J. Stott and R. Padilla. In the first chapter, the concept of world mission in the theology of J. Stott was presented. In the second chapter, the concept of integral mission in the theology of R. Padilla was presented as well. In the third chapter, through a comparison it has been demonstrated that J. Stott emphasizes the proclamation of the word by the church, leaving the social service action as a second matter, because his priority is the need of salvation of the sinner, through repentance and the acceptance of Jesus Christ as the savior. On the other hand, R. Padilla sets the proclamation of the word and the service through social action in a joint way and making them inseparable in order to achieve the announcement of the Kingdom of God in society.

Key words: mission – integral mission – world mission – word and action –

church and society.

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SIGLAS E ABREVIAÇÕES

• ASTE > Associação de Seminários Teológicos Evangélicos

• AT > Antigo Testamento

• CIEE > Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos

• CLADE > Congresso Latino‐Americano de Evangelização

• EST > Escola Superior de Teologia (RS)

• FTL > Fraternidade Teológica Latino‐Americana

• FTL‐B > Fraternidade Teológica Latino‐Americana setor Brasil

• NT > Novo Testamento

• PL/74 > Pacto de Lausanne de 1974. Documento do Congresso Mundial de Evangelização.

• RD > Reino de Deus

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

CAPÍTULO I – EVANGELHO E MISSÃO MUNDIAL EM J. STOTT 18

1.1 ‐ Breve biografia de John Stott 18

1.2 Evangelho e Missão Mundial em J. Stott 22

1.2.1 – Evangelho e o Paradoxo Humano 29

1.2.2 – Evangelho e a Liberdade Humana 32

1.2.3 – Evangelho ‐ Cristo e Sua Cruz 35

1.2.4 – Evangelho ‐ Cristo e Sua Ressurreição 38

1.2.5 – Evangelho – Jesus Cristo é Senhor 40

1.3 ‐ A MISSÃO MUNDIAL DA IGREJA 43

1.3.1 – Missão Holística da Igreja 50

CAPÍTULO II – EVANGELHO E MISSÃO INTEGRAL – R. PADILLA 59

2.1 ‐ Breve biografia de R. Padilla 59

2.2 – O Evangelho Integral e a Evangelização do Mundo 63

2.2.1– A Evangelização e a Separação do Mundo 68

2.2.2– A Evangelização e o Compromisso com o Mundo 73

2.3 – A MISSÃO INTEGRAL DA IGREJA – R. PADILLA 77

2.3.1– Missão da Igreja no Mundo Contemporâneo 78

2.3.2 – Missão Integral: Ação Social e o Reino de Deus 89

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CAPÍTULO III – O CONCEITO DE MISSÃO NO PENSAMENTO DE J. STOTT E DE R.

PADILLA

96

3.1 – Missão no Pacto de Lausanne de 1974 – J. Stott e R. Padilla 96

3.2 – Conceito de Evangelho na Teologia da Missão de J. Stott e de R. Padilla 108

3.3 – Conceito de Igreja na Missão de J. Stott e de R. Padilla 116

CONSIDERAÇÕES FINAIS 124

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 132

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INTRODUÇÃO

Interessei-me em pesquisar na academia o tema objeto desta pesquisa,

“Conceito de Missão em John R. W. Stott e C. René Padilla: Relação entre

Proclamação da Palavra e Ação Social”, por tratar-se de um importante assunto no

campo da teologia da missão e por fazer parte do cotidiano das igrejas cristãs

evangélicas. A discussão sobre o tema tem um marco histórico no ano de 1974, por

ocasião do Congresso Internacional de Evangelização Mundial, em Lausanne, Suíça,

quando o debate da dicotomia “palavra e ação social” foi reacendido.

Neste congresso, em que J. Stott foi presidente da comissão de redação do

Pacto de Lausanne e também palestrante e em que R. Padilla foi palestrante, a questão

da missão mundial que apontava para a salvação das almas pela aceitação de Jesus

como salvador (conversão), proposta por J. Stott e outros teólogos, dentre eles Billy

Graham, sofreu um grande impacto com a visão da Teologia da Missão Integral

proposta por R. Padilla, Samuel Escobar e outros teólogos latino-americanos, que

apontaram para uma missão em que a proclamação da palavra e a ação social eram

indissociáveis.

Fazendo uma reflexão, eu me converti de forma consciente em 1984, aos 15

anos de idade, em uma igreja batista bíblica na periferia da zona sul de São Paulo, no

Jardim Ângela, onde congreguei até 1994, passando para outra igreja batista bíblica

em Santo André por motivo de mudança de residência. Desde sempre nas pregações

que ouvia, o foco era “aceitar Jesus” e com isso, estar eternamente salvo, sem uma

dimensão maior, isto é, sem ênfase nas obras. Minha vontade de alguns anos para cá

de compreender e refletir por meio de uma teologia sistemática e de dialogar com

autores e pessoas diferentes de minha confissão religiosa, livre de dogmas, foi a razão

principal de minha escolha pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

e pelo tema aqui proposto.

A partir de minha experiência religiosa aliada a uma grande vontade de realizar

uma reflexão teológica imparcial, escolhi J. Stott, pastor anglicano que identifiquei

após realizar várias pesquisas e levantamentos junto à Biblioteca da Faculdade de

Teologia, à Biblioteca Ecumênica e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da

Religião da Universidade Metodista e em outras bibliotecas externas. Em seguida,

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escolhi R. Padilla, pastor batista por indicação do meu orientador, a quem sou grato

por me colocar em contato com este teólogo, importante no mundo e em especial na

América Latina.

Nesta pesquisa a problematização do objeto foi colocada sob dois pontos

centrais: (1) qual o conceito de missão mundial na teologia de J. Stott; e, (2) qual o

conceito de missão integral na teologia de R. Padilla. Com as respostas obtidas,

realizei um comparativo entre a teologia da missão de cada autor, podendo observar

distanciamentos e aproximações em seus conceitos de missão.

Para Popper (apud LAKATOS & MARCONI, 2007, p. 76) “toda investigação

nasce de algum problema teórico/prático sentido. Este dirá o que é relevante ou

irrelevante observar e os dados que devem ser selecionados”. Com as respostas

aproximadas obtidas nesta pesquisa, fiz um comparativo analítico entre as teologias da

missão de Stott e de Padilla, as aproximações de outros teólogos ao pensamento de

ambos e as principais diferenças na teologia da missão entre eles. A concepção destes

problemas de colocação precisa (exata) na pesquisa é na verdade, uma recolocação de

antigas discussões teológicas sobre a missão, à luz de novos conhecimentos e

interpretações que vão acontecendo sobre o evangelho.

A dissertação, entretanto, não tem por objetivo promover uma discussão com

vários autores que trataram da teologia da missão que não se relacione com a missão

integral, nem comparar com clássicos da missão transformadora como David Bosch,

por ser esta, uma dissertação delimitada com foco centrado na teologia da missão de

dois teólogos: J. Stott e R. Padilla. Meus referenciais teóricos foram: Padilla, Stott e

Bosch, mesmo estando o último, não relacionado com a missão integral.

O estudo e pesquisa sobre o tema “missão” no mestrado em Ciências da

Religião, elaborado de forma metodicamente científica é relevante, justifica-se por

poder contribuir para uma reflexão sobre a Teologia da missão mundial e integral,

sendo útil tanto para a consulta de professores, estudantes e pesquisadores de religião

e de teologia, como para missiólogos, missionários, líderes religiosos e leigos que de

alguma forma estejam envolvidos ou interessados na práxis da missão. A relevância

social desta pesquisa na área de concentração de “religião, sociedade e cultura” se faz

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presente e justificada porque a missão de alguma forma está presente na igreja cristã

seja em maior ou menor grau, e sua prática e reflexão teológica são históricas.

O tema vem ocupando lugar de destaque no âmbito das igrejas evangélicas na

América Latina, mas passa a ter maior visibilidade a partir do Congresso Mundial de

Evangelização ocorrido em Lausanne em 1974, saindo de um reduto teológico

americano e europeu e passando a ser refletido por teólogos latinos e dos demais

países em desenvolvimento. Desde a retomada da reflexão teológica sobre as questões

do serviço social no evangelho, Padilla, dentre outros teólogos, tem se destacado por

sua contribuição ao pensamento de um evangelho integral.

O razão da escolha pelo pastor anglicano J. Stott para esta reflexão dissertativa

foi feita em decorrência de sua importância no trabalho evangélico que ele realizou

durante setenta e quatro anos de sua vida cristã. Fazendo aqui um breve resgate de seu

perfil pessoal e sua obra, informo que ele nasceu na Inglaterra, em abril de 1921, e

faleceu em julho de 2011. Era agnóstico até se converter ao cristianismo evangélico

quando tinha 17 anos. Foi ministro evangélico na Inglaterra desde 1945 até seu

falecimento, atuou como capelão da família real (de 1958 até 1991), foi escritor e

palestrante e durante sua vida permaneceu celibatário, um fato raro no meio

evangélico. Em 2005, a revista americana “Time” o indicou como uma das 100

pessoas mais influentes do mundo (Dias, 2011, p.3). No Brasil, por ocasião de seu

falecimento o Jornal “O Globo” anunciou o seguinte: “John Stott era considerado uma

das grandes lideranças mundiais evangélicas, que influenciou pastores, teólogos e

líderes cristãos em todo o mundo, especialmente na América Latina”.

Quanto à razão da escolha do pastor batista R. Padilla para essa dissertação

sobre a teologia da missão, ela se deve a sua importância no meio evangélico e a seu

trabalho em especial nos países latinos. Seu frutífero trabalho se desenvolveu em

várias frentes evangélicas, atuando ininterruptamente por sessenta e quatro anos.

Comentando brevemente sobre sua pessoa e obra, lembro que ele nasceu em um

humilde lar batista em Quito, Equador em 1932, (hoje com 80 anos) e se converteu

aos 15 anos de idade. Na adolescência morou na Colômbia e regressou para o

Equador. Estudou teologia, filosofia e fez mestrado nos Estados Unidos da América e

doutorado na Inglaterra. Desde sua conversão, foi um ativo militante do evangelho

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trabalhando com a Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE),

pregando a palavra e realizando serviços sociais em presídios, estação de rádio, em

missões evangélicas e em sua igreja local. É escritor, editor e o fundador e cofundador

de importantes instituições paraeclesiásticas, como a FTL - Fraternidade Teológica

Latino-Americana (1971) – à frente da qual ainda está no campo das publicações – da

Rede Miquéias e da Fundação Kairós. Há muitos anos morando na Argentina,

atualmente integra a equipe de pregação da Igreja Batista de La Lucila em Buenos

Aires.

A relação entre a proclamação da palavra e o serviço prestado por meio da

ação social, contextualizada no evangelho na Teologia da Missão Mundial de J. Stott e

na Teologia da Missão Integral de R. Padilla, suas diferenças e semelhanças de

pensamento, se constitui no debate central nesta dissertação em que é analisada a

diferença de pensamento de cada teólogo.

A metodologia adotada para a realização desta pesquisa foi a de uma ampla

pesquisa bibliográfica. Dentre as principais obras de J. Stott, posso destacar as

seguintes: “Ouça o Espírito Ouça o Mundo”, “Cristianismo Básico” – traduzido para

mais de sessenta idiomas e que vendeu mais de dois milhões de exemplares – e

“Discípulo Radical”, escrito em 2009 e publicado em 2010, um ano antes de seu

falecimento por idade avançada (aos 90 anos). Quanto às obras de R. Padilla, posso

aqui destacar as mais importantes: “Missão Integral: Ensaio Sobre o Reino de Deus e

a Igreja”, “O que é Missão Integral” e “Deus e Mamom – Economia do Reino na Era

da Globalização”, este seu último livro publicado em 2011. Outros autores foram

citados nesta pesquisa em diálogo com J. Stott ou R.Padilla, com o objetivo de se

indicar para qual tendência apontava a teologia de cada um, se para a missão mundial

ou para a missão integral e se faziam distinção ou associação entre a proclamação da

palavra e o serviço social.

A pesquisa mostrou que Stott apontou para uma missão mundial, centrada na

pregação da palavra e que Padilla defende uma missão integral, em que palavra e ação

social não podem ser separadas ou colocadas numa escala de prioridade. O método

comparativo empregado nesta pesquisa se refere ao estudo das semelhanças e

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diferenças no modo de pensar e de realizar a missão cristã na Teologia da Missão

Mundial de J. Stott e na Teologia da Missão Integral de R. Padilla.

Nesta dissertação o objeto de estudo foi de analisar qual a relação entre o

anúncio da palavra e a ação social no conceito de missão de J. Stott e R. Padilla.

Considerando que a igreja por meio de seus discípulos deve se propor a realizar a

missão de Deus, anunciando o evangelho, eu me propus nesta dissertação a verificar e

analisar como se dá tal missão em termos de reflexão e ação, isto é, pela práxis,

usando o conceito de missão proposto por aqueles autores.

A dissertação está composta por três capítulos. No primeiro, apresento o

evangelho e o conceito de missão mundial na teologia de J. Stott. No segundo,

apresento o evangelho e o conceito de missão integral na teologia de R. Padilla. Já no

terceiro e último capítulo, apresento um estudo comparativo entre as teologias da

missão de J. Stott e de R. Padilla, indicando semelhanças e diferenças entre os autores,

nas questões relacionadas ao evangelho, igreja e discipulado no contexto da missão

cristã evangélica.

As considerações finais oferecem um resumo da análise quanto à relação entre

a proclamação da palavra e o serviço social apresentado na Teologia da Missão

Mundial de J. Stott e na Teologia da Missão Integral de R. Padilla, buscando indicar

algumas semelhanças e diferenças entre o pensamento de ambos.

Acredito que as diversas referências bibliográficas e os referenciais teóricos de

J. Stott e de René Padilla aqui presentes, poderão suscitar novas pesquisas no campo

da missão e sua relação com a pregação e o serviço social.

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CAPÍTULO I – EVANGELHO E MISSÃO MUNDIAL EM J. STOTT

1.1 - Breve biografia de John Stott

John Robert Walmsley Stott – teólogo evangélico de confissão anglicana, nasceu

na Inglaterra em 27 de abril de 1921 e faleceu em Londres aos 90 anos de idade no dia

27 de julho de 2011, às 3h15min horas. Sua morte se deu em decorrência da idade já

avançada. Ela lhe acarretou problemas de saúde que lhe traziam muitos desconfortos e

ele viveu acamado numa casa de repouso próximo a Londres, em seus últimos dias de

vida. Celibatário, ele nunca se casou nem teve filhos. Neste período, recebia visitas

frequentes de suas sobrinhas Caroline e Sarah e de seu amigo Phillip Herbert, aos quais

agradece em seu último livro “O discípulo radical” publicado em 2010 no Reino Unido,

com tradução para o português e publicação já em 2011.

Até seus 17 anos de idade, Stott foi agnóstico. Ao ouvir a palavra de Deus por

meio da mensagem do reverendo Eric Nasch em 1938 ele se converteu ao cristianismo

evangélico, fé que abraçou até sua morte. O ritual fúnebre de corpo presente, se deu na

Paróquia de All Souls Church (Igreja de Todas as Almas), mesmo tendo sido

disponibilizada para isso a Catedral de São Paulo, pelo bispo de Londres. A família de

Stott assim desejou porque foi em All Souls que o falecido exercitou sua vida religiosa

até sua aposentadoria. A liturgia anglicana do passamento, seguiu o “Livro de Oração

Comum” e o cortejo fúnebre seguiu para o País de Gales, onde ele foi enterrado no

terreno de sua casa no litoral daquele país, conforme divulgado pela Igreja Anglicana.

Ele era um destacado evangélico no cenário mundial, pastor da Igreja All Souls

Church em Londres desde sua posse e consagração em 1950. Também serviu por vários

anos à família real inglesa na condição de capelão durante longos anos. Foi um grande

exemplo de vida cristã para várias gerações de cristãos, em especial, mas não somente,

para os protestantes de diversas denominações. Sua característica marcante era a

centralidade na Bíblia.

Stott estudou línguas modernas na Trinity College Cambridge e se formou em

primeiro lugar da turma, destacando-se em francês e teologia. Foi em Cambridge que

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obteve o grau de mestre em 1947. Recebeu o título de doutor honorário de várias

universidades na Inglaterra, Estados Unidos da América e do Canadá.

No ano de 1982, fundou e foi presidente do London Institute for Contemporany

Christianity e até 2003 foi vice-presidente da International Fellowship of Evangelical

Students. Além de missionário, conferencista e pregador do Evangelho, também foi um

profícuo escritor cristão, escrevendo mais de quarenta livros. Em 1954 foi publicado seu

primeiro livro, Homens Com Uma Mensagem. Destaca-se entre outras a obras O

Discípulo Radical, seu último livro escrito em 2009, publicado em 2010 por Inter-

Varsity Press, Nottingham, Reino Unido, já traduzido para o português e editado pela

Ultimato em março de 2011. Nos agradecimentos deste livro, Stott (2011, p. 7, 8)

destaca o apoio da Universidade de Saint Barnabas que lhe proporcionou “um contexto

adequado à reflexão e à escrita”, ao ministro religioso Stephen Bowen da Igreja St. John

em Felbridge, que providenciava sua ida e volta aos cultos nos domingos, quando se

sentia forte o suficiente para deixar a casa de repouso e dirigir-se à igreja. Outra obra de

destaque foi Cristianismo Básico – o que significa ser um verdadeiro cristão, publicado

em 1958 pela Inter-Varsity Press. Teve sua primeira edição lançada no Brasil pela

editora Vida Nova em 1964 com várias reimpressões. Este livro foi traduzido para mais

de 60 línguas e vendeu mais de dois milhões de exemplares pelo mundo.

Merece destaque o fato de que Stott foi durante longos anos – de 1959 até 1991

– foi capelão da família real britânica e que no ano de 2005, quando estava com 84 anos

de idade, foi indicado pela revista “Time” como uma das cem pessoas mais influentes

do mundo. Foi um reconhecimento público importante, porque partiu de uma

publicação sem vínculo com qualquer igreja, o que demonstrou uma admiração além

dos círculos religiosos.

No Congresso Internacional de Evangelização Mundial em Lausanne, Suíça,

realizado em julho de 1974, Stott foi o presidente da comissão que redigiu o “Pacto de

Lausanne” um documento com quinze itens, considerado por muitos cristãos o mais

importante documento da fé evangélica da segunda metade do século XX (cf.

FERNANDES & VEIGA , 2011, p.3), congresso este que “lançou Stott . Em Lausanne,

ele atuou também como presidente do grupo de trabalho sobre teologia e educação para

a evangelização mundial e destacou-se por defender o conceito de “evangelho integral -

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uma abordagem cristã mais ampla, abrangendo a promoção do Reino de Deus na

dimensão espiritual e na transformação da sociedade a partir da ética e dos valores

cristãos”. Acredito que o termo “integral” tenha se acentuado em seu vocabulário pela

convivência com outros cristãos latino-americanos, como R. Padilla, sendo este a

pessoa que se destacou em Lausanne (mas foi “lançado” pela FTL) e que nesta pesquisa

será comparado a Stott com o objetivo de se verificar pontos de divergência e de

convergência entre a Teologia da Missão Mundial e a da Missão Integral.

Em uma retrospectiva histórica, Dias (2011, p. 2) procurou fazer uma síntese

sobre algumas questões do pensamento de Stott no que se refere aos temas Cristo,

igreja, história, unidade, amizade, cruz, discipulado e morte.

Cristo – não nos envergonhamos de Jesus, que é o centro e o cerne do cristianismo. Igreja – o propósito de Deus não é salvar indivíduos e perpetuar seu isolamento. Deus se propôs a edificar a igreja, uma comunidade nova e redimida. A igreja está no centro do plano de salvação. Cristo morreu não só para nos redimir de toda iniquidade, mas também para reunir e purificar para si mesmo um povo entusiasmado pelas boas obras. História – a vida não acontece por acaso. Para muitos, o curso da história é semelhante a pegadas de uma mosca numa folha de papel em branco. Mas não é assim. A vida não é aleatória, sem sentido, ou absurda. Deus tem planos para nós hoje. Unidade – hoje em dia muitos dos nossos cristãos evangélicos não hesitam em ceder a tendências patológicas de que temos de fragmentar-nos. Para tanto, nos refugiamos em nossas convicções sobre a unidade invisível da igreja, como se a sua manifestação visível não importasse […] a nossa desunião continua sendo um grande empecilho para o nosso evangelho. Amizade – pergunto-me se valorizamos suficientemente a dádiva de Deus que é a amizade. Deus faz uso da necessidade humana da amizade para consolar-nos. Cruz – Deus revelou seu amor e sua justiça através da cruz. E ninguém é mais digno de confiança do que o Deus da cruz. Discipulado – o fundamental em todo discipulado é a decisão de não somente tratar Jesus com títulos honrosos, mas o seguir seu ensino e obedecer a seus mandamento. E por último: Morte – a perspectiva do discípulo radical é ver a morte não como o término da vida, mas como a entrada para ela.

Entendo que no pensamento de J. Stott, encontramos uma forma de pensar

tradicional e muito comum nas igrejas cristãs evangélicas, levando sempre ao ponto da

salvação por meio de Jesus Cristo do Novo Testamento. Jesus é o cerne da questão e

sem ele o cristianismo não faz o menor sentido. A igreja é uma congregação de pessoas

salvas e, por serem assim, espera-se que se comportem conforme tal. A história da

humanidade tem sentido, porque acontece segundo os planos de Deus. A unidade dos

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cristãos precisa ser trabalhada sempre e creio que foi essa uma das razões de J. Stott ser

aceito por tão diferentes manifestações cristãs. É na amizade entre os homens que Deus

revela a necessidade que se tem da ajuda mútua. Foi na cruz que Deus revelou amor e

justiça e por isso devem os cristãos carregar cada qual a sua própria cruz e segui-lo. O

discipulado é se fazer um discípulo ao lado de Jesus para seguir e obedecer aos

ensinamentos do Mestre. E numa visão bastante reconfortante, a morte não se apresenta

como um fim, mas como o início de uma nova vida com Deus.

A repercussão da morte de J. Stott foi grande no mundo cristão, com impacto

para o setor evangélico. Vou destacar algumas destas manifestações públicas que Dias

(2011, p. 4) trouxe em seu artigo:

Billy Graham (evangelista): O mundo evangélico perdeu um de seus maiores porta-vozes. Eu perdi um amigo. Estou ansioso para vê-lo novamente quando eu for para o céu. N. T. Wright (teólogo anglicano): dizer que devemos agradecer a Deus por ele é colocar em termos muito suaves. Todos nós somos enormemente beneficiados. Que possamos ser dignos desse legado. Russell Shedd (teólogo batista): Deus me deu várias oportunidades para ouvir e conversar com J. Stott. Sempre humilde, sempre cordial, sempre pronto para expor um texto da Palavra de Deus. Harold Segura (teólogo colombiano): sou parte da geração de líderes evangélicos latino-americanos que foi estimulada pelos textos de J. Stott a pensar a fé de maneira integral e a compreender que o evangelho tem dimensões extra-eclesiásticas. Durvalina Bezerra (diretora do Instituto Bíblico Betel Brasileiro): Stott ficou célebre e respeitado no mundo porque soube equilibrar a academia com a simplicidade, a erudição teológica com a fé evangélica, preservou o saber da mente com o calor do coração. Ele continuará vivo através do legado dos seus escritos. Jornal O Globo: John Stott era considerado uma das grandes lideranças mundiais evangélicas, que influenciou pastores, teólogos e líderes cristãos em todo o mundo, especialmente na América Latina.

Podemos perceber que diante das declarações acima, J. Stott era respeitado e

querido em vários segmentos evangélicos por seu caráter de bondade, humildade e amor

à palavra de Deus. Desde os conservadores americanos, ingleses, inclusive muitos

latino-americanos, todos o consideravam uma pessoa especial, que tratou o evangelho

de forma modelar, sempre muito centrado na Bíblia. A mídia anunciou sua morte com

tom de respeito e reverência. Nas palavras de Segura (apud Dias, 2011, p. 4), podemos

perceber que “Stott se preocupava com o ser humano integral”, ou seja, as necessidades

tanto materiais quanto espirituais, mesmo deixando entrever por meio de seus livros que

ele colocava a proclamação da palavra, isto é, a salvação de almas, em lugar de

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destaque. Em sua Teologia da Missão Mundial não existe ausência do cuidado com a

pessoa, com as necessidades terrenas.

Stott tinha sua mente e coração voltados para uma vida humilde, como

comprova a consulta internacional sobre estilo de vida simples, que se realizou em

março de 1980 na Inglaterra, quando ele reuniu oitenta e cinco líderes evangélicos de

vinte e sete países. Em seu último livro publicado em vida, “O Discípulo Radical” ele

diz que a simplicidade é uma das características do discípulo de Jesus. Passo a destacar

alguns trechos de uma referida consulta, quando Stott diz (apud DIAS, 2011, p. 7):

Só quando a nova comunidade se mostra mais claramente distinta do mundo em seus valores, padrões e estilo de vida é que ela apresenta ao mundo uma alternativa radicalmente atraente, e assim exerce sua maior influência por Cristo. Tencionamos reexaminar nossa renda e nossos gastos, a fim de gastar menos, para que possamos doar mais. É impossível proclamar com integridade a salvação de Cristo se ele, evidentemente, não nos salvou da cobiça, ou proclamar seu senhorio se não somos bons mordomos de nossas posses; ou proclamar seu amor se fecharmos nossos corações para os necessitados. Quando os cristãos se importam uns com os outros, e com os pobres, Jesus Cristo se torna mais visivelmente atraente.

Para que a igreja de Cristo seja vista pelas pessoas de fora da mesma como

diferente e atraente, precisa que seus membros apresentem um estilo de vida simples,

amoroso e preocupado com os necessitados. Amar ao próximo é doar parte de nossos

recursos, bens materiais e tempo, em prol dos necessitados porque é na doação que

Jesus se revela como Deus. Aqui emprego a palavra doação no amplo sentido de amar a

Deus que se traduz em respeitar e amar ao próximo, pessoa presente em nosso derredor.

1.2 Evangelho e Missão Mundial em J. Stott

Feita esta breve biografia de Stott, vou tratar do evangelho e da missão mundial,

segundo a teologia deste autor.

A palavra evangelho é de origem grega e já era utilizada no Antigo Testamento.

Jesus e os escritores do Novo Testamento recorrem a esta palavra constantemente, ao

anunciarem as “boas novas”. Ely Eser B. Cesar (2008, p. 406) define e dimensiona o

verbete evangelho da seguinte forma:

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A palavra evangelho, de origem grega, teve sua raiz utilizada antes do Novo Testamento, tanto na cultura hebraica quanto na grega. Nessas culturas, a boa notícia se referia a um evento que afetaria diretamente a vida das pessoas envolvidas. Em português, se adotou a expressão grega sem tradução. Jesus se vale dessa expressão concreta. Ele é o portador da enorme novidade do Reino de Deus que afetará a vida concreta de pessoas e comunidades e de seus horizontes de vida.

A vida concreta das pessoas, vivida em suas tarefas de sobrevivência pessoal e

familiar, possui uma conduta religiosa a que o evangelho cristão procura dar uma

dimensão de sentido a vida. O cristianismo apresenta o evangelho como algo em que as

pessoas devem buscar direção para suas atitudes concretas, planejar o futuro pessoal,

familiar e da igreja. As boas novas representam a esperança de se viver em paz, ter

coisas boas, ser consolado, e ser salvo desde agora. Pelo evangelho espera-se conquistar

vitórias, suportar provações e vencer os desafios que são naturais de nossa vida física, a

qual é indissociável da espiritual. A reflexão teológica pode atuar, muitas vezes de

forma crítica e reflexiva, mas sempre procuramos o bem para nossas vidas. O refugio se

dá na certeza de que Deus se envolve com nossa existência e nos ajuda a reorganizar a

vida, trazendo-nos a salvação.

Para Cesar (2008, p. 407), “em todos os evangelhos a missão de Jesus se

relaciona à presença de Deus, em Cristo, por meio de manifestações de amor na

realidade humana”. Vejo que é o amor de Deus, manifesto no evangelho por meio da

pessoa de Jesus Cristo, que promove e perpassa todas as esferas da vida do ser humano,

em sua individualidade e na vida coletiva, promovendo na vida, condições de

enfrentamento das lutas, dos desafios e de fraternidade na convivência humana. Este

amor irrestrito e incondicional, expresso na vida de Jesus, procura ser modelar para que

os homens ao menos tentem amar uns aos outros.

Ainda tratando um pouco sobre o amor, o evangelho o coloca como sentimento e

atitude central, porque Deus é amor e também fonte dele para todos aqueles que assim o

desejarem praticar. Carreiro (2008, p. 32) diz que: “O amor de Deus é aquela parte de

sua natureza que o move a doar-se a Si mesmo, em termos de afeição, e a manifestar

Seu interesse em atitudes de cuidado e autosacrifício pelo objeto do Seu amor”. A maior

manifestação do amor revela-se no envio por Deus de seu filho Jesus para morrer pelos

pecadores. O evangelho anuncia as boas novas, que nem sempre são prazerosas e

suaves, mas muitas vezes exortações e duras lições a serem aprendidas pelo ser humano

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para conseguir praticar o evangelho em sua integralidade. Somos levados pelo

evangelho a praticar o amor entre os seres humanos e devemos incluir neste amor o

respeito à natureza e a toda criatura com vida. Quem verdadeiramente ama a Deus, ama

a seu próximo e este é um elemento que une proclamação da palavra e ação social na

prática da missão mundial cristã.

O evangelho da missão mundial nos conduz a refletir e agir, pensando no ser

humano por completo, com suas necessidades materiais diárias, as angústias da alma e

sua preocupação com a salvação no presente mundo e na final dos tempos. Ao tratar da

participação de Deus na obra missionária, Stott (2006-b, p. 426) afirma que “o chamado

de Deus é para participarmos de sua missão no mundo”, pois o evangelho é muito mais

que um conjunto de doutrinas religiosas. Ele ultrapassa a salvação a ser obtida no futuro

(vida eterna), porque precisa ser praticado neste instante. Isto somente será possível se

cada pessoa levar a sério o mandamento de Jesus (Mc. 12.33) de “amar a Deus sobre

todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.

O evangelho cria as condições para a evangelização, a proclamação da boa

palavra, desperta a fé em outras pessoas de outras crenças ou até mesmo “sem religião”,

quando o cristão é um bom exemplo de vida concreta entre os homens. O evangelho

integral compreende viver de forma exemplar, isto é, amando ao próximo, temendo e

amando a Deus, refletindo isto em um estilo de vida que se preocupa com os

necessitados. Em sua grande maioria estes são os pobres no sentido de ausência de

recursos financeiros e dos meios básicos para a sobrevivência do corpo, como moradia,

vestimenta, alimentação, saúde e educação formal. Um estilo de vida simples permitiria

a muitos cristãos com maior poder aquisitivo participar mais da obra missionária e

assim (cf. STOTT, 2011, p. 61) “poder atender ao apelo de Deus no sentido de que

usem suas forças para defender os pobres, não para explorá-los”. Essa força se refere à

questão financeira e à capacidade de fazer justiça social.

Acredito também que o necessitado é aquele ser humano que precisa de cuidado.

Muitas vezes este é uma criança, por não saber prover suas próprias necessidades, o

idoso, por limitações físicas das mais variadas, o doente, por precisar de cuidados

especiais geralmente ligados à saúde e o pobre, que é o foco central, pelas limitações ou

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ausência absoluta de recursos para sobreviver materialmente. Uma “teologia do

cuidado” se faz presente no núcleo da missão mundial proposta por Stott.

O evangelho deve nos transformar primeiro, em pessoas melhores, amáveis e

dispostas a doar, como exemplos de cristãos praticantes da palavra, proclamando e

anunciando o evangelho pela pregação e também pela preocupação e feitos concretos na

vida das pessoas, sem distinção ou acepção de qualquer natureza. O anúncio do

evangelho precisa necessariamente vir acompanhado de ações concretas, que

possibilitem a melhora de vida das pessoas necessitadas. Na obra da missão mundial

proposta por Stott (2011, p. 68) “quando os cristãos se importam uns com os outros, e

com os pobres, Jesus Cristo se torna mais visivelmente atraente”.

J. Stott, apresenta um “manifesto evangelístico” (2000-c, p. 379-382) aqui

compilado, que ele elabora com base em Romanos, que nos ajuda a compreender o

significado do evangelho em sua teologia. Vejamos:

A necessidade de evangelizar: é preciso evangelizar porque enquanto as pessoas não ouvirem e aceitarem o evangelho elas continuarão perdidas. O alvo do evangelismo: toda a raça humana tem de ter a chance de ouvir o evangelho. A natureza da evangelização: evangelizar é compartilhar com os outros a boa nova do Cristo crucificado e ressurreto. A lógica da evangelização: para evangelizar é preciso enviar evangelistas, a fim de que as pessoas possam invocar a Cristo e ganhar a salvação. O resultado da evangelização: o evangelismo traz àqueles que creem bênçãos tais que despertam ciúmes nos outros. A esperança da evangelização: só se pode esperar que a evangelização seja bem-sucedida se ela for baseada na eleição de Deus. O alvo da evangelização: a evangelização introduz os convertidos na comunidade do povo de Deus, trazendo assim glória para Deus.

Segundo sua teologia, todos os seres humanos precisam ser alcançados pelo

evangelho e para que isto se torne possível eles precisam ouvir a palavra de Deus, uma

tarefa missionária que precisa ser realizada por todos os cristãos. Este alcance

missionário compreende todo o mundo, sem exceção, e isto para Stott é aquilo que ele

classifica de “missão mundial”. Evangelizar é um ato de amor ao próximo, porque

caracteriza uma preocupação com o futuro e o presente das pessoas. A fé cristã é o elo

entre Deus e os humanos, por meio do evangelho. Aqui, a palavra ciúme caracteriza

uma vontade provocada nos que ainda não aceitaram o evangelho, pois, ao verem as

pessoas conseguindo a salvação por meio de Cristo, os “ciumentos” passam a querer

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possuir aquilo que os outros já conseguiram. Movidos por este tipo de sentimento,

aderem aceitando ao cristianismo, visando à salvação. A evangelização pode ser feita

pelos missionários evangelistas de várias formas, dentre as quais a proclamação da

palavra de Deus, a oração de intercessão, o bom exemplo de vida cristã condizente com

o que está registrado nos evangelhos e principalmente no amor ao próximo e no temor a

Deus. Por último, a evangelização une (e aumenta) o povo de Deus, tendo como alvo

supremo a glória de Deus e a salvação da humanidade.

A Teologia da Missão Mundial para Stott, tem um fim escatológico bem

acentuado e relativa ênfase no cuidado imediato com os corpos dos necessitados. Pode

ser que seu ponto de vista missionário parta de uma visão de primeiro mundo, de um

local em que as pessoas já estejam com suas necessidades primárias satisfeitas, restando

portanto em maior grau a preocupação com a salvação de suas almas.

Stott (2006-b, p. 159) apresenta uma síntese muito interessante de sua “teologia

do evangelho”, na qual fica explícito seu modo de refletir teologicamente a missão

mundial: “toda a Bíblia é evangelho, pois seu propósito fundamental é dar testemunho

de Jesus Cristo e proclamar as boas novas e a nova vida daqueles que vierem a ele […]

mas qualquer teologia que não tenha como objetivo transmitir o evangelho tem muito

pouco valor”. Nesse recorte da obra, fica evidente que sua teologia está centrada no

evangelho e de forma especial, na proclamação da palavra. O verbete “teologia” não

aparece com frequência na obra de Stott, como pude constatar ao catalogar e vasculhar

mais de vinte obras de sua autoria. Isto, de certa forma, limita nossa compreensão do

significado do termo no seu pensamento.

O evangelho tem absoluto lastro com a missão e vice-versa. Deus chegou

primeiro aos lugares onde depois chegaram os missionários. Vou em seguida, analisar e

procurar compreender como se relaciona o evangelho com a missão mundial (termo

recorrente em Stott) em sua teologia.

Ao voltarmos nossa atenção para a questão da missão mundial na teologia de

Stott (1997, p. 110), perceberemos que:

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Não existe incentivo maior para a missão mundial do que o senhorio de Jesus Cristo. Missão não é, nem uma interferência impertinente na vida privada de outras pessoas, nem uma opção dispensável que pode ser rejeitada. Pelo contrário, missão é uma dedução inevitável do senhorio universal de Jesus Cristo.

O senhorio de Jesus Cristo, ao qual Stott se refere, faz da missão um

compromisso mundial a ser aderido pelos cristãos na busca de evangelizar o mundo.

Como já observado, a questão da ação da responsabilidade social, o cuidado com o

corpo necessitado, não fica explícito como parte fundamental da missão mundial no

contexto teológico de Stott. Um apanhado geral sobre a questão do senhorio de Jesus,

sob a forma de síntese, é feita por Stott (1997, p. 110) da seguinte forma:

A princípio a afirmação dessas duas palavras – Kyrios Iesous – parecia completamente inofensiva. Mas nós vimos que ela tem ramificações que vão muito longe. Além de expressar nossa convicção de que ele é Deus e Salvador, ela também indica nosso radical comprometimento com ele. Esse compromisso tem dimensões intelectuais (submeter nossa mente ao jugo de Cristo), morais (aceitar seus padrões e obedecer às suas ordens), vocacionais (gastar nossas vidas em seu serviço libertador), sociais (procurar impregnar a sociedade com os seus valores) e globais (zelar pela honra e glória de seu nome).

Esta referência sintética de Stott ao senhorio de Jesus Cristo, coloca a missão

global (termo utilizado por ele) como um fim específico que precisa ser assumido pelos

cristãos, pois todos devem ser cristãos missionários. É uma visão dogmática sobre o

submeter o intelecto ao jugo de Cristo; ética, ao dizer que devemos obedecer seu

evangelho, inclusive na vida política; servo incondicional, ao dizer que estamos

vocacionados a gastar nossas vidas a serviço da libertação (salvar almas); influentes

socialmente, ao dizer que devemos procurar impregnar a sociedade com os valores do

evangelho; e globais, no sentido de zelar pela honra e glória de seu nome onde quer que

estejamos no mundo.

Stott, ao se referir a missão mundial, quer que os cristãos levem o nome de

Cristo pelo mundo para que influenciem a sociedade. Parece-me que fazer o serviço

libertador sem a dimensão missionária que contemple o homem integral, isto é, palavra

e ação social, não concretiza a missão em seu todo. Refiro-me à integralidade do ser,

dizendo que a proclamação da palavra e o compromisso com a responsabilidade social

precisam caminhar juntos, ou seja, não podem ser desassociados. Não se pode tratar o

serviço em duas partes que possam ser realizadas de forma independente. Não se pode

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priorizar uma em detrimento da outra, para que os recursos humanos, de tempo e

financeiros não venham a limitar de alguma forma a ação missionária. O social para

Stott ainda está centrado no campo dos valores espirituais, o que não se expressa como

prioritário nos corpos dos necessitados de vestimentas, alimentação, abrigo e outras

necessidades primárias, minimamente necessárias para a manutenção da vida dos

indivíduos.

O termo “missão mundial” foi utilizado por Stott em várias passagens de suas

obras e devo continuar fazendo referência ao mesmo, para tratar da teologia

compreendida pelo autor. A missão é um desafio evangelístico e deve ser levado a cabo

pelos cristãos. Para se evangelizar os povos é necessário que cada cristão se pareça em

seu modo de viver com o Jesus Cristo do evangelho. Isto implica uma vida concreta

vivida de acordo com os ensinamento e exemplos de Jesus. Assim (STOTT, 2011, p.

31) diz “o propósito de Deus é nos fazer como Cristo. E a forma como ele faz isso é nos

enchendo com o seu Espírito Santo”.

Para Stott, o evangelho a ser levado pela tarefa missionária compreende duas

partes: a proclamação da palavra e a ação social, mas ele faz questão de mostrar qual

das partes é prioritária: a proclamação da palavra. Esta inclusão da questão social como

um compromisso com os necessitados de bens materiais fica evidente em suas obras,

após o Pacto de Lausanne de 1974 (PL/74). Nem por isso, ele coloca em conjunto ação

social e evangelização e, sim, sobrepõe a proclamação da palavra (prioriza) no sentido

de “salvação das almas” à responsabilidade social. Ele faz menção ao PL/74 trazendo

para o lado da proclamação da palavra, ao escrever (2010, p. 43) “penso que devemos

concordar com a declaração de Lausanne de que na missão eclesiástica de serviço

sacrificial o evangelho é fundamental”. E continua – “e como podemos sustentar com

seriedade que a libertação política e econômica é tão importante quanto a salvação

eterna?”.

Logo, para Stott, a dimensão política e econômica, considerando-se a segunda

situação que define ter ou não necessidades das coisas materiais, ambas devem ser

objeto da missão. No entanto, a proclamação da palavra deve ser priorizada. Sobre

evangelismo e ação social, Stott (2006-b, p. 434) deixa isto absolutamente claro: “se

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alguém tiver de escolher, a salvação eterna é mais importante que o bem-estar temporal.

Isso parece algo inquestionável para mim”.

O evangelho a ser pregado na trajetória da missão mundial, pode ser resumido

segundo Stott (2010, p. 53) “em uma simples palavra, a boa nova de Deus é Jesus. Ele é

o coração e a alma do evangelho”. Com efeito, nenhum cristão pode negar esta

afirmação da centralidade e razão de existir do evangelho, que é Jesus Cristo. Mas o que

se poderia acrescentar (penso eu) na Teologia da Missão Mundial de Stott são a

preocupação e uma prática mais acentuada com relação às ações de responsabilidade

social, o voltar-se para as carências expostas pelo sofrimento trazido pelo pecado

pessoal e social.

A apresentação do evangelho na obra missionária é uma responsabilidade que

precisa ser assumida por todos os cristãos, porque para Stott (1978, p. 45) é necessário

“apresentar (o evangelho) de forma completa (anunciando) a pessoa divina e humana de

Jesus Cristo, e sua obra de salvação, de modo que por meio desta pregação da palavra

de Deus, se desperte a fé no ouvinte”. Evangelizar para Stott é proclamar a palavra. Este

evangelho é trinitário porque (STOTT, 2006-b, p. 214) “foi Deus quem o concebeu, deu

origem e publicou o evangelho, ao passo que Cristo é a substância das boas novas”.

Com a descida do Espírito Santo, “a igreja está pronta para espalhar seu povo pelo

mundo” (STOTT, 1994, p. 139). Este mundo pode ter sua dimensão ampliada ao

máximo possível e este povo deve ser o representante da igreja cristã, indo por meio de

seus missionários levar o evangelho a todo ser humano, onde quer que ele esteja. É

sobre este alcance humano paradoxal, onde a missão mundial deve ser concretizada, que

passarei a refletir em seguida.

1.2.1 – Evangelho e o Paradoxo Humano

Para J. Stott, em um de seus principais livros – “Ouça o Espírito Ouça o Mundo”

(1997, p. 33), o evangelho tem uma origem divina por vir de Deus e uma relevância

humana por falar sobre e à nossa situação. Aponta para a direção de que o ser humano

precisa de um “realismo radical da Bíblia”. Para ele, o evangelho é superior a tudo,

estando acima de qualquer empreitada humana de natureza filosófica. O ser humano se

diferencia dos outros seres criados, por ser a imagem e semelhança de Deus. Jesus trata

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este ser humano, segundo nos relatam os evangelistas do Novo Testamento, como tendo

sua imagem maculada pelo pecado, decaído, que precisa da salvação que só pode ser

alcançada pelo resgate de Jesus Cristo. O evangelho é “boas notícias” e também

repreensão, convite para se levantar da queda pelo pecado (original) e se refazer como

um novo ser, o que nas palavras do evangelho é “nascer de novo”.

Stott (1997, p. 43) aponta esta ambiguidade humana de ser ao mesmo tempo

“bom” e “mau”, ao dizer sobre Jesus que:

Ele pregou o valor dos seres humanos, inclusive dedicando-se a servir a eles. Mas também ensinou que não valemos nada. Ele não negou que somos capazes de dar coisas boas aos outros, mas também acrescentou que, mesmo que façamos o bem, nem por isso deixamos de ser maus.

Stott procura apresentar um ser humano que nasceu ou foi corrompido pela

sociedade e que, independente de como sua natureza foi contaminada, a pessoa precisa

de um salvador, no caso Jesus Cristo. Vejo também que Stott tem a tendência de

valorizar a proclamação da palavra (evangelho) no sentido de salvar a alma da perdição

eterna, sem uma preocupação explícita com a dimensão da vida concreta, enraizada no

corpo humano. Não me refiro a uma ausência absoluta em Stott quanto à preocupação

do cuidado imediato com o corpo existente no mundo. Refiro-me sim, a uma prioridade

à salvação da alma (ou do espírito), uma preocupação maior, como disse, com a vida

eterna. Esta minha compreensão não se suporta apenas nas análises anteriores, mas tem

continuidade nas fundamentações seguintes.

O pecado apontado por Stott, é um evento humano que contraria o cumprimento

e aceitação do evangelho compreendido como o Antigo e o Novo Testamentos. Nesta

passagem, isto aparece assim (1997, p. 44): “Jesus resumiu os dez mandamentos em

termos de amor a Deus e amor ao próximo, e todo pecado é uma forma de revolta

egoísta contra a autoridade de Deus ou contra o bem-estar do nosso próximo”.

Compreendo que a palavra “pecado” tem para Stott uma dimensão pessoal e

estrutural (na sociedade) e que o indivíduo se responsabiliza por ambas as dimensões.

Dalferth (2008, p. 767) define pecado como sendo “a transgressão de normas até a

profundidade ontológica do ser humano”. Livrar-se da natureza pecaminosa é

impossível ao homem, tanto que deve sempre pedir perdão a Deus em suas orações e

meditações. Cristo veio então libertar o ser humano da escravidão do pecado, dando-lhe

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condições de se relacionar com Deus e com o próximo pela graça do amor. Para isso, o

ser humano precisa ter fé e confiar em Deus. Deus é contrário ao pecado como se vê na

passagem do Antigo Testamento apontada por Dalferth, (2008, p. 767): “Quando viu o

sofrimento dos hebreus na escravidão do Egito e os conduziu para a liberdade, deu os

mandamentos para que, na memória da opressão, não oprimam como o fizeram os seus

opressores”. Lembrar-se que foi oprimido para que não oprima ao próximo, esta foi a

mensagem que Moisés revelou pelos mandamentos de Deus.

Jesus Cristo vem salvar o ser humano do pecado, porque “para Jesus, pecado é

infidelidade a Deus” (DALFERTH, 2008, p. 767), numa atitude que vem à tona pelo

desrespeito ao evangelho que se expressa na ausência de amor ao próximo, de amor

próprio, e na falta de amor e temor para com Deus. A opressão e a vontade de dominar o

próximo, por diversas maneiras – que podem se expressar na força física, na

intimidação psicológica, na corrupção humana pelo dinheiro, no poder ditador que

massacra e mata as pessoas em seus corpos, mentes e dignidade moral e ética – quase

sempre se apresenta sob a forma de um poder humano dominador. Isto, nas palavras do

citado autor neste parágrafo, mostra que “o pecado, em última análise, é sempre a

manifestação de um poder que tenta dominar o ser humano”. O domínio amarra e

imobiliza pela violência, o que é na verdade, um desamor.

Para Stott (1997, p. 45), os males do pecado vêm de dentro do ser. Ele lembra o

que Jesus disse: “o que nos torna impuros aos olhos de Deus não é o alimento que entra

em nós, mas o mal que sai de nós”. O remédio que cura do pecado e reconcilia o homem

com Deus é o perdão divino. Para recebê-lo, temos também que perdoar uns aos outros.

O paradoxo consiste em que o ser humano é digno em algumas situações e indigno em

outras, ou seja, possui a dupla possibilidade de ser bom ou mau. Para excluir o mau e

incluir o bem na vida do ser humano, o evangelho é a resposta para aqueles que desejam

a redenção do pecado. De maneira geral, os seres humanos preferem a justiça, a

liberdade, o amor e a paz, escolhas que nos levam a acreditar que a sociedade pode, sim,

ser boa.

Como se viu acima, Stott diz que o ser humano pode escolher fazer o bem ou o

mau para si próprio e ao próximo. Pela natureza humana, que tende a fazer geralmente o

bem, pode-se então incluir o evangelho para dirigir nossas ações, as quais poderão

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resultar em amor ao próximo, manifesto na vida concreta do cotidiano das pessoas. O

maior exemplo prático de amor foi a vida vivida entre os homens, por Jesus Cristo. Esta

possibilidade de regeneração da vida em Deus, aparece em Stott (2011-b, p. 36): “as

pessoas são criadas à imagem de Deus. De fato, são seres decaídos, mas a imagem

divina não foi destruída”, restando com isto, a esperança no evangelho de Jesus Cristo, a

de mostrar ao homem que ele pode (e deve) preferir sempre o bem, tanto para si próprio

como para seu próximo.

Jesus Cristo, (STOTT, 2007, p. 79) “é apresentado (à humanidade) não só como

Senhor do céu, mas também como o Salvador dos pecadores”, o que permite oferecer

uma resposta concreta ao paradoxo humano e, ainda, oferecer a liberdade cristã por

meio da aplicação do evangelho nas vidas das pessoas, mediante as ações da missão

mundial, conforme veremos na sequência desta pesquisa.

1.2.2 – Evangelho e a Liberdade Humana

O evangelho deve promover a liberdade, proclamar a libertação aos cativos e

restaurar vidas. A conquista da liberdade não significa estar a pessoa livre para fazer

tudo o que bem entender, sem regras e sem prestar contas de seus atos a Deus e aos

homens. Para Stott, a liberdade começa com o perdão dado por Jesus, porque a verdade

nos liberta do pecado, pelo perdão dado por Deus. Em sua obra “Cómo comprender la

Biblia”, Stott (1977, p. 13) associa liberdade com salvação dizendo que “salvação é

liberdade. Sim, e também renovação de todo o cosmo”. Esta questão cósmica influencia

Stott ao ponto de utilizar em sua teologia da missão, o termo missão mundial, com

muita frequência.

Esta liberdade que o evangelho nos proporciona, possui uma dimensão cósmica

compreendida no seguinte espaço: com Deus, com o próximo e com a natureza. Stott

(2011, p. 43), quando trata sobre o cuidado com a criação relacionada à nossa liberdade,

adverte que a mesma deve ser responsável e vigiada:

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A Bíblia nos diz que, na criação, Deus estabeleceu para os seres humanos três tipos fundamentais de relacionamento: primeiro com ele mesmo, pois ele fez o homem à sua própria imagem; segundo entre si, pois a raça humana é plural desde o princípio; e terceiro para com a boa terra e as criaturas sobre as quais ele os estabeleceu.

Sendo assim, podemos compreender que esta dimensão da liberdade humana,

para com Deus, o próximo e com a natureza – seus elementos naturais e os animais –

nos permite uma sensação de domínio pelas técnicas descobertas pela ciência. Ao

mesmo tempo, nos revela a fragilidade e a impossibilidade de agir com as forças

naturais que assolam a vida na terra. Fazer bom uso desta liberdade é ser

compromissado com a vida oferecida por Deus no espaço cósmico, amando e

respeitando tudo aquilo que nos foi confiado. Isto inclui o fazer missionário, como

exemplo de liberdade de proclamação da palavra e das ações sociais.

A liberdade para Heimann (2008, p. 575) é definida em seus aspectos gerais da

seguinte forma:

Nas ciências sociais sob aspectos gerais, concorda-se em definir liberdade, como a condição de um indivíduo não ser submetido ao domínio de outro, tendo o poder sobre si mesmo, sobre suas ações e decisões, pressupondo a ausência de coação ou constrangimentos externos; na filosofia, para Montesquieu, liberdade é o direito de fazer tudo quanto as leis permitem. Já Kant entendeu a liberdade como liberdade de consciência. Para Leibniz, somos livres porque Deus nos comunicou um grau de sua perfeição e de sua liberdade.

Em Stott, a liberdade verdadeira encontra-se em Jesus Cristo que nos liberta da

consciência da culpa, do ego e do poder do medo. Não existe para ele, um apontamento

direcionado para a libertação do corpo, dos males causados pela ausência de ações

sociais e da opressão política, do sofrimento quando a dor se reconhece na exposição de

corpos marcados pela violência, fome, miséria e descaso social. Assim, das definições

acima, as que mais se aproximam de Stott, segundo meu entendimento, são as

definições de Kant e de Leibniz, ao se aproximarem da consciência e da imagem de

Deus em nós.

Compreendo que a liberdade nesse sentido, seria uma acomodação “nos braços

de Jesus” (no sentido de descanso e liberdade), numa ação teológica refletida, e não

propriamente um estado de dormência, cuidando a pessoa mais de si, que se envolvendo

com as causas sociais, mesmo que ficando restrita ao espaço delimitado na comunidade

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cristã, se envolvendo com as pessoas que fazem parte da igreja. Esta liberdade é, no

entanto, um chamado de Cristo para que os cristãos ultrapassem a linha demarcatória da

igreja e se relacionem, se envolvam com o mundo, no sentido de, cf. Stott (1997, p. 58)

“levar aos cativos a liberdade do evangelho”.

Stott enquadra a questão da liberdade no NT conforme a citação anterior e

adiciona que ela poderá ser alcançada pelo amor. }Ele faz um paralelo ilustrativo (1997,

p. 59): “se a água é o elemento em que os peixes se encontram como peixes, então o

elemento em que os humanos se encontram como humanos é o amor, as relações de

amor”. Ele coloca o amor sob um aspecto geográfico com se fosse um espaço físico de

encontro, sendo o amor o oxigênio que preenche este espaço, e a liberdade, como sendo

uma escolha, sem opção de outra, para assim ser livre. É no cuidado, na precaução de

nossas escolhas que devemos centrar nossa atenção e procurar fazê-las dentro do que é

transmitido pelo evangelho.

Refletindo sobre os pontos de liberdade, compreendo que não se deve agir sob o

manto da liberdade de forma irrestrita para depois procurar justificativas no “destino

divino” a fim de se isentar de suas ações negativas. Deve o homem, antes de agir,

consultar sua consciência e sendo religioso, acreditando em Deus, “deve orar antes e

agir depois” e não o contrário, isto é, agir primeiro e orar depois, porque a falta de

cuidado com a liberdade pode levar o ser humano a sérias consequências.

Na sequência da citação de Heimann (2008, p. 575), em se tratando do

compromisso da liberdade com a ética cristã, observa-se o que segue:

A ética cristã propõe decisões e ações que permitam ao indivíduo viver em harmonia consigo, com o próximo, com a natureza e com Deus. A fonte da ética cristã é a revelação de Deus aos humanos, encontrada nas escrituras sagradas. Está fundamentada em Cristo e na sua obra em favor da humanidade. A moralidade ou ética cristã, portanto, pode ser definida como a aceitação voluntária da vontade divina como norma, por personalidades humanas livres, com o objetivo e a finalidade de realizar esta vontade na vida individual bem como nas várias relações sociais. Portanto, o conceito de liberdade cristã brota do ser imagem de Deus em Cristo.

Comparando a questão da liberdade em Stott, com a citação anterior, percebi

semelhanças de conteúdo, por expressar a liberdade um sentido de vigilância do

evangelho. Pelo amor ao próximo e no pedido de perdão a Deus pelos pecados

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cometidos, o cristão pode ser ético e restaurar sua imagem e semelhança de Deus em

Cristo Jesus. Pode recriar a possibilidade de uma vida pessoal e social pautada pelo

amor a Deus e ao próximo como a si mesmo, dando à liberdade uma forma de agir

consciente e respeitosa para com o ser humano, os seres vivos em geral e o meio

ambiente. Pela palavra do evangelho ela pode ser renovada a cada dia em nossas vidas,

permitindo a todos nós vivermos em liberdade com total responsabilidade.

Esta dimensão da liberdade de cuidado e zelo na vida cristã em toda sua

extensão cósmica deve e precisa ser levada a sério, porque é um elemento importante

para que o missionário, ao desempenhar a missão mundial, tenha suas atitudes e ações

práticas pautadas no evangelho. Quando Stott (1992, p. 58) nos lembra que “missão

quer dizer atividade divina que emerge da própria natureza de Deus. Ora, o Deus vivo

da Bíblia é um Deus que envia”, devemos ficar em alerta com os cuidados que

precisamos ter com nossa liberdade, pois ela teve de ser comprada por alguém. A

humanidade era escrava do “senhor” pecado e seu penhor foi pago com a vida de Cristo

na cruz, um preço elevado, incapaz de ser mensurado financeiramente, pois foi a preço

de sangue derramado na cruz de Cristo. Este é nosso próximo ponto a ser tratado nesta

pesquisa, dentro da perspectiva da missão mundial.

1.2.3 – Evangelho - Cristo e Sua Cruz

Para Stott (1997, p. 63), o evangelho concilia o passado com o presente. Ele

declara que “não somente Jesus salva, mas também que, para fazê-lo, ele morreu pelos

nossos pecados e ressuscitou da morte”. A cruz de Cristo é um símbolo de morte por

compaixão da humanidade. Stott, trata deste tema de forma trinitária, contextualizando

no evangelho, a palavra de Deus, a cruz de Jesus e o poder do Espírito Santo. Antes,

porém, de indicar a reflexão teológica de Stott, apresentarei os verbetes “Cristo” e em

seguida “cruz”, pelo viés do dicionário teológico, na busca de entender de uma mais

ampla forma “a cruz de Cristo”.

Para Stott, o evangelho é a verdade proveniente de Deus confiada a nós. Nossa

responsabilidade é a de apresentá-la às pessoas, para que o Espírito as ilumine e venham

a crer em Jesus como o Cristo de Deus, enviado ao mundo para promover a salvação.

Para ele, as principais objeções que se fazem para se aceitar a mensagem da cruz, estão

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ligadas à recusa intelectual – como a da filosofia grega que é um empecilho para a

propagação do evangelho, porque coloca a inteligência humana no lugar da palavra de

Deus – e a objeção religiosa (não cristã). Esta não aceita o evangelho como sendo

portador das boas novas, porque se refere a Jesus Cristo como filho de Deus ou até

mesmo por ser uma das unidades da trindade de Deus. Stott (1997, p. 71) afirma que “as

pessoas querem é um sincretismo fácil, uma mistura do que há de melhor em todas as

religiões. Mas nós, cristãos, não podemos abrir mão, nem da supremacia, nem da

unicidade de Jesus Cristo”. Com essa colocação, fica evidente que para o cristão a

confissão de que só Cristo salva, nos remete à tentativa de se ter um cristianismo puro

do sincretismo religioso. Isto não nos permite, porém, deixar de observar o respeito pela

cultura de cada sociedade onde o evangelho está sendo propagado.

Volta Stott a complementar sua teologia cristológica dizendo que “Ele (Jesus) é

o mediador – aliás, o único – entre Deus e a raça humana”. Outra objeção é a pessoal,

porque as pessoas têm arrogância ao expor suas ideias. Stott (1997, p. 72) afirma que

“ainda hoje não existe uma coisa que leve tanta gente a abdicar do reino de Deus quanto

o orgulho”. Pelo pesquisado nas obras dele, entendo que “Reino de Deus” aqui, se

refere a uma esfera escatológica, um reino nos céus, numa vida além.

Outra objeção que impede as pessoas de aceitarem a Jesus como Filho de Deus,

(ou como sendo o próprio Deus) está ligada à moral e aos costumes. Para Stott, muitas

atitudes tidas simplesmente como hábitos culturais, podem, à luz do evangelho, se

revelar como pecado, principalmente nas coisas que se referem ao sexo. Stott, foi

celibatário durante toda sua vida, fazendo uma opção não muito usual (diria até que

rara) entre os protestantes, mas que a meu ver, merece uma apreciação e

reconhecimento por ter se preocupado em servir a Deus de forma integral. Entendo que

sua teologia está centrada na proclamação da palavra. Ela poderia receber elementos

sociais, mas pode ser que, por estar num país de “primeiro mundo”, onde as pessoas

(principalmente as nativas) já têm suas necessidades básicas satisfeitas, isto faça com

que ele se volte para a pregação do evangelho centrado mais nas necessidades

espirituais que exatamente nas questões de ações sociais.

Para Stott, a política pode ser outra barreira a ser enfrentada numa nação que não

seja laica. A proibição de culto cristão ainda hoje em alguns países muçulmanos é prova

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de tal barreira. Quando Jesus Cristo anunciou (Jo. 18.36) que “havia chegado o Reino

de Deus”, isto naturalmente provocou os políticos governantes romanos. Como nos

mostra o evangelho, alguns dos judeus contrários a Jesus se aproveitaram da situação

para levá-lo ao governador na tentativa de incriminá-lo. A cruz de Cristo se ergueu no

ar, também sob pressão política.

A questão da cruz de Cristo é colocada assim por Stott (2006, p. 312): “por que

Cristo morreu?” e responde: “embora Judas o tivesse entregado aos sacerdotes, e estes a

Pilatos, e Pilatos aos soldados, o N.T indica que o Pai o entregou e que Jesus deu-se a si

mesmo por nós”.

Considerando que Jesus sofreu na cruz todo tipo de humilhação e sofrimento e

que sua crucificação contém elementos políticos e religiosos, temos uma ideia da

dimensão da dor terrível que ele passou. No evangelho, a cruz de Cristo lembra sua

morte ocorrida com requintes de crueldade extrema praticada por seus executores. Para

Stott e muitos outros, Jesus Cristo morreu para “pagar os pecados de toda humanidade”,

reconciliando o homem com Deus, por meio do Cristo crucificado e que posteriormente

ressuscitou. Pilatos não o considerou criminoso dizendo a seus acusadores, segundo o

evangelho de Lucas: “[…] tendo-o interrogado, nada verifiquei contra ele dos crimes de

que o acusais. Nem tampouco Herodes. É, pois, claro que nada contra ele se verificou

digno de morte”. Mas o clamor de seus acusadores prevaleceu e Pilatos o entregou à

vontade deles, que era a de crucificá-lo. Depois de percorrer o caminho do calvário e ser

crucificado, Cristo continua até o fim exercendo o ministério do perdão, ao dizer “Pai,

perdoa-lhes: não sabem o que fazem”. Ao crucificado, ofereceram dor, injustiça,

zombaria, escárnio e sofrimento que o levou à morte. Ele, em contrapartida, ainda preso

na cruz, ofereceu salvação, perdão e amor a todo ser humano, sem excluir os que o

maltrataram até a morte. Após a morte de Cristo crucificado, o centurião disse:

“realmente, este homem era justo!”.

Para Stott, o sacrifício de Cristo na cruz deve ser comunicado pelo Espírito

Santo às pessoas e assim promover a salvação. Stott (1997, p. 75) afirma: “afinal,

somente o Espírito Santo pode convencer as pessoas dos seus pecados e necessidades.

Abrir-lhes os olhos para enxergarem a verdade do Cristo crucificado, dobrar sua

orgulhosa vontade e submetê-las a ele, libertá-las a fim de crerem nele, e dar-lhes um

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novo nascimento”. Para ele, baseado nesta frase de seu livro, a missão de evangelizar

deve ser feita pelo missionário, um agente do evangelho. Porém a conversão será

efetivada somente se o Espírito Santo convencer as pessoas de que Jesus é o Cristo, que

reconcilia o homem com Deus, pelo seu sacrifício na cruz. Por último, Stott (2006, p.

317) na obra “A Cruz de Cristo” diz que “pregar o evangelho é proclamar a cruz” e

complementa: “é verdade que devemos acrescentar a ela a ressurreição”. Está marcado

o diferencial entre a cruz de Cristo e a dos outros homens que um dia também morreram

na cruz: Cristo morreu por nossa causa e foi ressuscitado e os homens morreram por

suas próprias causas e continuam mortos.

Finalmente, em se tratando da cruz de Cristo, Stott (2000-b, p. 92) diz que: “uma

marca inequívoca do cristianismo evangélico genuíno é o fato de nós só nos gloriarmos

na cruz de Cristo”. Esta postura de gloriar-se somente nele afasta a vaidade e a possível

vontade do discípulo em querer para si próprio algum tipo de glória. Depois da cruz,

veio a ressurreição, um fato decisivo na história para confirmar que Jesus é o verdadeiro

Senhor e salvador da humanidade, aquele que deu o comando para que seus servos pela

igreja desempenhem a missão mundial. Passo à questão de “Cristo e sua ressurreição”,

tendo em vista a da missão.

1.2.4 – Evangelho - Cristo e Sua Ressurreição

Sobre a ressurreição de Jesus, Stott (1997, p. 81) afirma o seguinte:

A grande declaração do Novo Testamento não é que ele vive, mas que ele ressuscitou. A ressurreição só passou a ser uma experiência para nós porque ela foi, acima de tudo, um evento que realmente inaugurou uma nova ordem de realidade […] mas Jesus foi elevado a um novo nível de existência, em que ele já não era mais mortal, mas estava vivo pelos séculos dos séculos.

Comentando a questão da ressurreição de Cristo – com base no que Stott expôs

acima – tal evento é o que diferencia Jesus de todos os outros homens que viveram e

morreram. Só Jesus, dentre todos os seres viventes, ressuscitou e se encontra diante de

Deus, de onde veio mesmo antes de aqui viver. Sua existência desde o princípio e sua

permanência pelos séculos dos séculos permite aos cristãos aceitarem-no como Deus

Filho, por estar diante do Deus Pai e por ambos terem enviado o Espírito Santo para

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inaugurar a igreja, sendo esta responsável pela proclamação da palavra por meio da

missão mundial.

O Senhor ressurreto é uma pessoa transformada. Para Stott (1997, p. 84) “a

prova apresentada nos evangelhos é que, tanto antes como depois da ressurreição, Jesus

é a mesma pessoa, com a mesma identidade”. Isto fica claro quando ele (Lc. 24.39)

aparece aos discípulos e diz “sou eu mesmo”. É este Jesus vivo que a igreja cristã tem

como Deus Filho, pertencente à Trindade. O corpo de Jesus Cristo se revestiu de

incorruptibilidade conferindo-lhe imortalidade, situação que pode ser aceita pelas

pessoas, não pela racionalidade ou pela ciência, mas somente pela fé.

Tratar da missão mundial nesta pesquisa seria praticamente impossível sem

tratar da ressurreição, porque se Cristo não tivesse ressuscitado, sequer existiria o

cristianismo. Este acontecimento permite uma esperança de vida eterna, porque se

Cristo ressuscitou os que morrerem em Cristo serão ressuscitados. Esta dimensão

cósmica da providência divina a favor do espírito (ou alma) é escatológica, algo muito

marcante, mesmo não sendo tratada extensamente por J. Stott em suas obras sobre o

pensamento missionário e em sua Teologia da Missão Mundial, como veremos a seguir.

Para Stott (1997, p. 77), “a mais fantástica de todas as afirmações cristãs é que

Jesus Cristo ressuscitou dos mortos. Ela desafia o limite de nossa credulidade”. Partindo

deste ponto, ele apresenta três questões: 1) o que significa a ressurreição, 2) se ela

aconteceu mesmo de fato (historicidade) e 3) qual sua importância (relevância). Ele

responde que a ressurreição significa um ato dramático de Deus, na qual resgatou Jesus

do reino da morte e transformou seu corpo conferindo-lhe imortalidade. Ela aconteceu

como um evento histórico e objetivo, na verdade foi “datável”, pois aconteceu no

terceiro dia. Quanto à importância do evento, ela está na garantia do perdão, do poder e

na vitória definitiva de Deus sobre a morte.

A importância da ressurreição de Jesus para Stott, está em que ela é uma

resposta à condição corruptível humana. O ser humano precisa olhar para a condição

incorruptível de Cristo e assim ter condição para perceber que Jesus Cristo é Senhor,

isto é, o único que salva, pois a ressurreição de Cristo para Stott (1997, p. 89) “é o

mastro principal da nossa segurança cristã”. Ela garante o perdão de Deus para os

pecadores que o buscam e o adoram.

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Stott (1997, p. 93) faz uma referência à volta de Cristo, afirmando que “Jesus irá

voltar em espetacular magnificência, a fim de conduzir a história a sua plenitude na

eternidade. Além de ressuscitar os mortos, ele irá regenerar o universo”. Estas

afirmativas não vêm acompanhadas de maiores detalhes sobre como isto irá acontecer,

mas colocam uma grande ênfase na perspectiva de vida eterna para os “salvos”. Isto

aparece em sua teologia como uma preocupação bastante marcante na forma como ele

promove a missão, priorizando e focando em uma parte da mesma, a pregação da

palavra, com maior ênfase na salvação da alma e menor ênfase no cuidado com o corpo.

Analisando a teologia de Stott (1997, p. 95), para que se observe melhor sua

percepção sobre a ressurreição, temos: “a ressurreição, justamente por ter sido um ato

decisivo, público e visível de Deus, dentro da ordem material, dá-nos a absoluta garantia

de um mundo que, de outra forma, seria completamente inseguro”. Compreendo que

este “mundo seguro” que ele propõe, não é este terreno, e sim o que será vivido após a

morte. Sem a ressurreição de Jesus Cristo não existiria o N.T, e a missão mundial

proposta por Stott perderia em absoluto seu sentido e, completando, se este pesquisador

assim não acreditasse, nem teria iniciado esta pesquisa na esfera da Ciência da Religião.

Se Jesus ressuscitou, logo deve ser proclamado como Senhor, como assim ele é. Este

assunto será tratado em seguida.

1.2.5 – Evangelho – Jesus Cristo é Senhor

A declaração de que “Jesus Cristo é Senhor”, apresenta um reconhecimento para

quem a declara, de convicção e aceitação de Jesus como Deus. John D. Davis (1993, p.

552) define a palavra “Senhor” da seguinte forma:

(Senhor) em referência a Deus, assim se traduz a palavra hebraica Adon. Com mais frequência se traduz do mesmo modo o vocábulo Adonai no sentido de meu Senhor. A palavra grega Kurios tem igual significado. YHVH é no hebraico o nome por excelência que representa a divindade que traduzimos por Jeová.

Ao dizer que Cristo é Senhor, significa aceitá-lo como Deus, o que acontece

entre os cristãos. J. Stott, apresenta Jesus como Senhor, porque ele morreu e reviveu

para ser senhor dos mortos e dos vivos. Quem o confessar e crer será salvo. É somente

pelo Espírito Santo que alguém pode dizer: “Jesus é o Senhor”. Entendo que as

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colocações de Stott são tradicionais e, como ele mesmo expressa em seu livro, têm base

nos escritos do apóstolo Paulo ao referir-se a Jesus como Senhor. Ele inclui Jesus na

Trindade, com o Pai e o Espírito Santo. Não é possível para pessoas com crenças

diferentes da cristã fazer tal declaração, porque quem a faz, assume que Jesus é Deus,

mesmo tendo ele vivido e morrido na terra, e depois ser ressuscitado por Deus Pai (para

alguns ele próprio se ressuscita).

Stott (1997, p. 99) faz referência às palavras do apóstolo Paulo, concordando

com elas, ao dizer que

Os cristãos primitivos deram a Jesus um título divino (Senhor), transferiram para ele textos divinos (concernentes a salvação que ele confere e à honra que ele merece) e lhe renderam culto divino (o dobrar dos joelhos). Além disso, convém notar que os autores do NT nem argumentaram se era certo ou não identificar tão ousadamente Jesus como Deus, pois não havia necessidade alguma de o fazerem. As duas afirmações, Jesus é Senhor e Jesus salva, são virtualmente sinônimos.

Para Stott, não basta que Jesus Cristo seja o salvador. É necessário que ele seja

também Senhor. Entendo que não se pode desassociar de Jesus sua marca de salvador

da condição de Senhor. Quem crer que ele é salvador, deve crer também que ele é

Senhor, sem separar uma condição da outra ou de aceitar uma e rejeitar outra.

Para Stott, o compromisso de quem crê que Jesus é Senhor e Deus, deve ser

radical, isto é, estar comprometido intelectualmente com ele, submetendo-lhe sua

mente, não duvidando em suas reflexões que Jesus é Deus. Na dimensão moral deve ser

também comprometido, demonstrando um comportamento condizente com o

evangelho, respeitando as leis instituídas pelo Estado e as leis morais referentes ao bom

convívio com todas as pessoas. Deve ter uma vida que considere a dimensão

vocacional, porque, segundo Stott (1997, p. 104), o dizer que “Jesus é Senhor nos

compromete a servir a vida inteira”. E este compromisso precisa ser visto com alegria, a

de ser servo do Deus Universal.

Stott inclui a dimensão social no senhorio de Jesus Cristo. Isto remete à questão

missionária, em que a proclamação da palavra deve estar associada à ação da

responsabilidade social. O lado social do evangelho não é para Stott algo central na

missão, como tenho percebido em seus escritos, mas nem por isso ele deixa de fazer

menção à responsabilidade que a igreja, de forma pessoal ou coletiva, deve ter com o

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cuidado humano imediato. Sua forma de entender a missão é muito focada na

escatologia e na vida eterna. Esta aparenta compensar, por seu gozo infinito, as mazelas

do sofrimento humano presente, decorrentes das principais coisas que assolam a vida

humana, provocando infelicidade: as doenças do corpo, as limitações na velhice, a

fragilidade da idade infantil e juvenil, e as questões que envolvem a falta crônica de

dinheiro. Compreendo que Stott ao priorizar na missão evangélica os fatores ligados ao

espírito e colocar em segundo plano as necessidades do corpo, o faz por razões ligadas a

seu ponto de vista, que parte de uma região desenvolvida, a Inglaterra, numa cidade

evoluída, Londres, em uma igreja que precisa lidar mais com as questões do espírito que

com as questões do corpo. Percebo que uma teologia tem como influências marcantes o

ponto de vista econômico, que pode e molda o fazer de uma reflexão sobre Deus.

Analisando a forma como Stott (1997, p. 105) comenta a questão do cuidado

social, dizendo que “isto significa, em parte, que os seguidores de Jesus têm

responsabilidades, tanto individuais como sociais”, ele não esconde a vontade que tem

de que o mundo todo fosse cristão. Ele adiciona a sua vontade todos os demais cristãos

(1997, p. 106) dizendo que “nós bem que gostaríamos que aquele que é Senhor fosse

reconhecido como tal; esta é nossa tarefa evangelística”. O reconhecimento de Jesus

como Deus, é um propósito que Stott reafirma em todo instante, apontando para uma

necessidade de conversão mundial. Em minha leitura, isto mostra sempre uma teologia

da missão alicerçada na proclamação da palavra com caráter salvífico da alma, numa

perspectiva escatológica, mesmo quando ele trata do assunto da ação social, a qual,

dependendo da situação, seria uma oportunidade de conquistar as pessoas para Cristo,

ou seja, apresentar o plano da salvação e centrar na questão da vida eterna por meio da

conversão.

A dimensão política que envolve a questão de Jesus ser Senhor, ser Rei,

(STOTT, 1997, p. 107) contribuiu muito para que ele fosse crucificado, como veremos

em seguida:

Não podemos esquecer que Jesus foi condenado tanto por uma ofensa política quanto por uma ofensa religiosa. Na corte judaica ele foi considerado culpado de blasfêmia, por ter chamado a si mesmo Filho de Deus, enquanto que na corte romana ele foi condenado por sedição, por se haver declarado rei, e Roma não reconhecia outro rei além de César.

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Portanto, as reivindicações de Jesus tinham implicações políticas inevitáveis.

Na época, não se podia fazer rei alguém que não fosse um imperador romano.

Os religiosos judeus, aproveitando-se do fato de que Jesus se declarara rei, por ser filho

de Deus e o próprio Deus encarnado, deram a isto uma conotação política, que levaria

Cristo ao tribunal romano e colocaria o governador em uma situação delicada se não o

deixasse ser crucificado, já que ele, pela conotação judaica, faria frente ao poder do

imperador.

Voltando a Stott (1997, p. 109), o compromisso com Cristo tem uma dimensão

global, pois para ele “afirmar que Jesus é Senhor” é reconhecer seu senhorio universal.

Só Jesus é Senhor. “Ele não tem rivais”. Aqui fica clara a unificação entre Deus e Jesus

como sendo um único Deus. Acrescente-se a isto o Espírito Santo que em Atos vem

inaugurar a igreja cristã, assunto este que passo a tratar no contexto da missão mundial.

1.3 - A MISSÃO MUNDIAL DA IGREJA

Antes de começar a exposição da teologia de Stott, na parte que se refere à

missão mundial da igreja, quero fazer uma referência ao conceito de missão da igreja,

apresentada por Santos (2008, p. 655). Para ele, Deus enviou Jesus Cristo e ambos o

Espírito Santo. Logo, “sob essa perspectiva trinitária é que reconhecemos que a igreja é,

por sua natureza, missionária, pois tem a sua origem na missão do Filho e do Espírito

Santo, de acordo com o propósito de Deus”.

Nesta perspectiva trinitária (Pai, Filho, Espírito Santo), a missão não deve focar

simplesmente a salvação de almas, porque precisa tratar o homem como um ser

completo, integral que precisa ter suas necessidades do espírito e do corpo satisfeitas. O

mundo compreendido para se levar o evangelho não se refere apenas a locais distantes

da igreja. Devem ser observadas as carências locais e a expansão missionária, que deve

cobrir o maior espaço possível de seu território alcançável. Sendo assim, o campo de

missão da igreja é sempre o lugar onde ela está comprometida com a palavra de Deus e

com a situação humana. É Deus quem deve estar na direção do projeto e ação da missão

da igreja. Precisamos de pessoas envolvidas, que se sintam sensibilizadas com a obra

missionária e dispostas a participar do serviço, de gastar suas vidas (ao menos parte)

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com a obra, seja indo ou enviando, contribuindo financeiramente e orando, desde que

tenham uma participação autêntica, verdadeira, comprometida com o ser humano

integral.

Para Santos (2008, p. 655-658):

A igreja-em-missão está desafiada a ser um lugar de refrigério e de renascimento, de vida e esperança para quem ainda não teve a sua dignidade resgatada pelo sangue do cordeiro […] o serviço missionário não deriva do trabalho e estratégia da igreja, mas que a igreja é apenas um instrumento nas mãos de Deus. Cabe à igreja: estar atenta aos sinais dos tempos; ser peregrina como povo de Deus em marcha; ser obediente à missão e a Palavra de Deus; ser humilde e sentir-se serva diante de Deus e da humanidade.

A igreja deve ser compreendida como o espaço físico de reunião social, porém

não deve se limitar a tal geografia. Para fazer sua obra missionária é necessário que ela

vá ao mundo, proclame a palavra, veja de perto as necessidades das pessoas e que as

acolha para que tenham condições dignas de vida. A igreja precisa ser formada por

pessoas diferentes, pois Stott (1998-b, p. 25) afirma que “se Cristo morreu por nós, não

somente para nos redimir de toda iniquidade, mas também para purificar para si mesmo

um povo entusiasmado para realizar boas obras”, os integrantes da igreja devem

proceder de forma exemplar unindo sua fé às obras, para que consigam realizar sua

missão mundial.

Muita violência pautou a agenda dos colonizadores que escravizaram indígenas.

No Brasil, os missionários jesuítas procuraram diminuir tal situação por meio da

conversão dos nativos, mas os resultados não foram bem sucedidos como esperavam.

Grande parte do fracasso missionário decorreu da falta de conhecimento e respeito à

cultura dos indígenas. Para Zwetsch (2008, p. 662) “realizar no século XXI a missão de

Deus (missio Dei) supõe aprender com o fracasso da missão cristã entre indígenas e

buscar novas relações que dignifiquem os povos e reafirmem a credibilidade do

evangelho que oferece vida plena, e não morte”.

A missão precisa trazer “vida em abundância” um mandamento do evangelho

que deve estar presente em cada ação missionária. Não se pode fazer missão com um

discurso assustador, levando medo e ameaças de morte (eterna) as pessoas que precisam

ser alcançadas pelo evangelho. Existe um perigo muito grande quando as palavras e

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ações dos missionários se baseiam em “recortes” do evangelho, em que a compreensão

do todo fica prejudicado, por interpretações pessoas dos missionários, que em alguns

casos, colocam o evangelho a seu serviço e não o inverso, isto é, estar a serviço do

evangelho. Evangelho não é palavra de morte; é palavra de vida, em todo mundo onde o

ele for pregado.

A missão urbana é tratada por Castro (2008, p. 663-665) tendo em vista a busca

da consolidação de uma sociedade com maior justiça e igualdade social. A ação

missionária das igrejas nas áreas urbanas, apresentam diferentes preocupações e

interesses, como podemos notar:

O ecumenismo, fala sobre encarnação e inculturação do evangelho e opção preferencial pelos pobres. O fundamentalismo, fala de batalha espiritual e de ganhar as cidades para Cristo. Os evangelicais falam de uma perspectiva missionária do evangelho integral, existem ainda as igrejas missionárias que se utilizam do marketing da prosperidade, e os maniqueístas, dividem a realidade entre sagrado/profano, bem/mal e com isso, espiritualizam a realidade cotidiana e apresentam respostas mágicas e superficiais aos problemas vividos pelos cristãos no contexto urbano.

A síntese da necessidade de sobrevivência humana, se encontra geralmente no

suprimento das carências básicas, como a alimentação, vestimentas, moradia, higiene e

saúde corporal. As carências voltadas para o espírito, se relacionam quase sempre com

sentimentos familiares de pais e filhos, amorosos, entre irmãos e das amizades; é nesse

contexto de necessidades que a missão deve atuar e uma organização que se apresenta

com estas condições de intervir, para realizar um melhor viver, é a igreja cristã, porque

tem com ela, o evangelho da salvação, da esperança e da perspectiva de uma vida

melhor. Em tese, o mundo tem uma esperança focada na igreja, que tem em sua missão

mundial o compromisso do amor a Deus e ao próximo.

Outro termo usual para missão é o de missio Dei (missão de Deus). Santos

(2008, p. 667) apresenta uma síntese: “e assim a missio Dei foi entendida como Deus, o

Pai, enviando o Filho, e Deus, o Pai e o Filho, enviando e Espírito Santo. Deste ponto

de vista, Pai, Filho e Espírito Santo enviam a igreja para dentro do mundo”.

Pelo que se explanou acima, a Igreja tem como tarefa principal a missio Dei, que

a torna concreta no mundo presente. Ela é uma “agência” de Deus para promover o bem

entre os seres humanos, contribuindo para que a vida na terra seja melhor a cada dia. No

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entanto, para que se concretize esta esperada melhora, a igreja precisa de seus agentes,

os missionários, pessoas comprometidas com a obra de Deus desde já, atendendo os

necessitados de coisas materiais e de valores espirituais. O uso do termo “missão” no

singular, é o recomendado pelos autores acima, porque – “todo o trabalho missionário

autêntico deve ser entendido como serviço dentro do propósito da participação na

missão de Deus”. A missão singular de Deus contempla o ser humano integral.

Algumas vezes percebemos que o tratamento dado às questões missionárias,

separa a igreja do mundo, compreendido este como o local onde os perdidos se

encontram, aonde a igreja deve buscá-los ou do qual deve se afastar. Veremos neste

ponto da pesquisa, qual é a teologia de J. Stott sobre a missão mundial (termo utilizado

por ele).

A fundação da missão mundial (cf. STOTT, 2007, p. 321), aconteceu “depois da

descida do Espírito Santo e do contra-ataque de satanás (que foi derrotado), a igreja está

praticamente pronta para iniciar sua obra missionária”.

Stott (1997, p. 327-328) aponta para um mundo constituído dentro do seguinte

cenário, que ele atribui à visão que Jesus e seus apóstolos tiveram:

A igreja recebe de Deus a responsabilidade de infiltrar-se no mundo, escutando de fato os desafios do mundo, mas também trazendo para o mundo os seus próprios desafios, compartilhando com ele as boas novas em palavra e em ação. O termo acertado para esta tarefa é missão. E é exatamente para isso que Deus envia a igreja ao mundo: para fazer missão. Afinal, a missão começa no coração de Deus. O Deus vivo da revelação bíblica é um Deus missionário.

Existe na teologia missionária de Stott, a compreensão de que a igreja e o mundo

se relacionam e uma pode influenciar o outro. A igreja deve estar disposta e posicionada

para combater a entrada das coisas do mundo em seu interior e ao mesmo tempo,

influenciar as pessoas que estão no mundo, para trazê-los a si, pela missão. É uma forma

de se fazer missão concentrada na proclamação da palavra, com pouca ênfase na ação

social. Não quero dizer com isso, que Stott simplesmente ignora a ação pela

responsabilidade social, mas quero afirmar que a prioridade em sua Teologia da Missão

Mundial é a proclamação da palavra, no sentido tradicional de preocupar-se com o

“ganhar almas” (salvação das almas). Ele próprio interpreta em sua obra o texto de

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Romanos 10 (1978, p. 45) dizendo que é a favor de “se pregar o evangelho para que as

pessoas se convertam”.

A igreja das epístolas é uma igreja missionária. Por isso, ela pode voltar-se para

si própria, como nos cultos, mas deve retornar ao mundo para cumprir sua missão de

levar o evangelho a todas as pessoas. Stott (1997, p. 371) ao tratar da igreja no mundo,

diz que “nós nos separamos do mundo para adorar e comungar, a fim de retornarmos a

ele fortalecidos para viver como testemunhas e servos de Cristo”. Toda igreja deve ser

missionária, ou sua razão de existir perde-se por completo. Cada membro deve ser um

missionário, sem exceção. Proclamar a palavra, cuidar dos necessitados, amar e

respeitar ao próximo precisam ser compromissos de cada cristão, para que Jesus seja

manifesto nas atitudes dos integrantes de cada igreja.

Um dos polos que integram a missão mundial é a proclamação da palavra, que

para Stott não se deve desassociar da ação social, mas que ele compreende como sendo

das duas a mais importante, por se constituir naquilo que levará o ser humano a Deus na

eternidade. Ele se expressa assim (STOTT, 2003, p. 361): “[…] a tarefa da pregação

hoje é extremamente exigente, à medida que procuramos construir pontes entre a

palavra e o mundo, entre a revelação divina e a experiência humana […]”. O que se tem

na palavra (Escritura) precisa ser vivido de forma concreta, para que o mundo perceba a

diferença na vida do cristão e na postura da igreja como uma sociedade humana voltada

para e compromissada com as causas divinas e com as pessoas na terra.

Na Teologia da Missão Mundial de Stott, existe a preocupação com a

proclamação da palavra na tentativa de salvar almas para a vida eterna. Isto aparece de

forma acentuada e prioritária. Mas existe também a preocupação social, mesmo em

segundo plano, como percebemos neste texto (STOTT, 1982, p. 60) “Deus fez o homem

um ser espiritual, físico e social. Portanto, a obrigação de amar o nosso próximo nunca

pode ser reduzida para somente uma parte dele”. Fica clara esta preocupação com o ser

humano total na teologia missionária de Stott, com as observações que ora apresentei. A

missão é de Deus (missio Dei).

O Deus missionário deve ser compreendido como “Jesus, Nosso Senhor e

Salvador” na forma trinitária, conforme comentado em outras partes desta pesquisa. A

missão cristã, segundo Stott, é muitas vezes criticada por pessoas de religiões não

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cristãs e até mesmo por membros das igrejas cristãs, por considerarem que o fazer

missão pode ser uma atitude intolerante (legal, social, intelectualmente) para com outras

crenças, arrogante por considerar-se o missionário o único proprietário da salvação e

violenta por desrespeitar as outras crenças. Em Stott, (1997, p. 360) “a humildade é a

virtude cristã preeminente e deveria caracterizar todos os nossos pensamentos, palavras

e ações”. Caso a humildade permeie a missão, então estariam afastadas todas as

possibilidades de intolerância, arrogância e violência.

Um fato que não se pode perder de vista, é o amor. Toda ação missionária de

Deus está permeada pela caridade e esta precisa ser preservada, aprendida e ensinada a

cada dia. Em Stott, (1982-b, p. 141) temos a seguinte recomendação: “o amor cristão

recíproco não significa somente que Deus permanece em nós, mas também que o seu

amor é em nós aperfeiçoado”. O amor serve para curar e promover tanto a proclamação

da palavra, quanto para agir na vida concreta das pessoas. A missão mundial precisa ser

praticada sem “violência”, isto é, com respeito e amor ao próximo, respeitando as

diferentes culturas.

É na questão da “violência” que vou expor algumas ideias com base na Teologia

da Missão Mundial de Stott. Muitos entendem que proselitismo é um tipo de tentativa

de conversão ao cristianismo, a força. Devemos trocar o proselitismo pelo evangelismo.

A principal diferença entre estas ações é a forma respeitosa e humilde como se prega a

palavra do evangelho. Evangelizar é trazer uma mensagem sobre a verdade e a perfeição

de Jesus Cristo, que ama e perdoa. Sem o elemento da humildade – presente na pessoa

de Cristo – não se faz evangelismo. Como afirma Stott (1997, p. 363) “a verdadeira

missão cristã, pois, é plenamente compatível com uma tolerância autêntica, uma

humildade genuína e uma mansidão igual à de Cristo”.

Jesus é único porque ele não tem semelhantes nem rivais. Esta posição de Stott,

coloca a Cristo como um ser diferente dos demais que seriam passíveis de comparação,

como profetas, líderes religiosos, políticos e heróis. O único que em toda história da

humanidade, foi morto e ressuscitou: é deste Deus homem que trata o evangelho. A

Bíblia como um todo está pontuada de passagens que nos levam a crer que Jesus

crucificado, foi e continua sendo o Filho de Deus, parte integral da Trindade, revelado

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na Santa Escritura como um Deus missionário, na pessoa trinitária do Pai, do Filho e do

Espírito Santo.

Stott (2010, p. 25), ainda tratando da missão de Deus, diz: “a missão primordial

é a de Deus, pois foi ele quem mandou seus profetas, seu Filho, seu Espírito. Destas

missões, a do Filho é a central, pois foi o auge do ministério dos profetas e inclui em si,

como clímax, o envio do Espírito”. Portanto Jesus é o centro da missão de Deus. Stott

(2006-b, p. 423) continua: “sem a unidade de Deus e a singularidade de Jesus, não

poderia haver missão cristã”. Temos aqui um espelho do Deus missionário, revelado na

pessoa, palavras e obras de Jesus, que devem servir como modelo para todos aqueles

que abraçam a fé cristã, na qual não se podem separar as coisas do espírito das coisas da

carne. Sendo o amor a Deus e ao próximo a base da missão mundial, o Deus

missionário será glorificado.

Na teologia de Stott, sem Cristo não existe qualquer possibilidade de salvação,

no sentido de vida eterna com Deus. Para ele, a missão universal da igreja brota da

autoridade universal de Jesus. O Espírito Santo, enviado por Deus Pai e Filho, é o

mensageiro que realiza a obra por meio da igreja missionária. Stott (1997, p. 369) diz

que:

O Espírito Santo é o ator principal em Atos. No cenáculo, em sua última noite com os doze, Jesus havia prometido a vinda do Espírito e descrevera o futuro ministério deste, de convencer, ensinar e testemunhar. Durante os quarenta dias que se passaram entre a ressurreição e a ascensão, a repetida mensagem foi que o Espírito lhes daria poder para testemunhar e que eles deveriam esperar por sua vinda.

Atualmente, segundo Stott, a manifestação divina se faz pela presença do

Espírito Santo entre os seres humanos.

Compreendo que não há uma separação radical entre Espírito e Senhor, até

porque seria incoerente fazer tal divisão. Se a Trindade é “uma” só pessoa em Deus Pai-

Filho-Espírito Santo, importa que esta não seja dividida para se dizer quem criou a

igreja. Foi o sopro de Deus que a criou, se a fé permitir ver por este ângulo. A igreja

deve voltar-se à produção de coisas boas, porque do Espírito que a criou emanam tais

obras. Dentre todas as obras, a principal é o amor ao próximo, o qual pode ser manifesto

nas ações do Espírito, voltadas para o anúncio da palavra e o serviço social, abençoando

o ser humano de forma integral. O Espírito convence a pessoa para que ela se volte a

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Deus. Ensina-lhe para que cresça, aprenda a palavra, pratique-a com fé e com o

intelecto e testemunhe, para que pelo bom exemplo revele o amor de Cristo e acrescente

outras pessoas à igreja.

Fazendo uma síntese da teologia missionária aplicada à igreja, apontando para

Deus Pai (AT), Deus Filho (NT) e o Espírito Santo – que inaugura a igreja conforme o

evangelho de Lucas/Atos – Stott (1997, p. 374), diz o seguinte:

A partir deste breve panorama da Escritura, (vemos) que o Deus do Antigo Testamento é um Deus missionário – ele chamou uma família a fim de abençoar todas as famílias da terra; que o Cristo dos Evangelhos é um Cristo missionário – ele comissionou a igreja para ir e fazer discípulos de todas as nações; que o Espírito Santo dos Atos dos Apóstolos é um Espírito missionário – ele impulsionou a igreja a fim de testemunhar.

Essa família à qual Stott se refere, é a de Abraão, que na antiguidade ao deixar

sua terra em busca de outra “que emana leite e mel”, representa para nós a conquista de

uma vida plena e feliz, a qual pode ser obtida por meio do Deus trinitário. A religião da

Bíblia é missionária e a missão deve ter um alcance global. Stott compreende isto em

uma dimensão marcada pela escatologia, pela vida eterna, com pouca ênfase na ação da

responsabilidade social (sem esquecê-la por completo), no atendimento aos

necessitados, que precisam de ajuda material no tempo, aqui e agora. Stott (1994, p.

139) afirma que “a presença do Espírito Santo está (presente hoje) para espalhar seu

povo pelo mundo”, anunciando o evangelho e levando com isto as boas novas a todos

os povos. A igreja em missão, envolvida por inteiro com a palavra e as ações sociais, é

o que veremos daqui em diante.

1.3.1 – Missão Holística da Igreja

O termo “missão holística” é uma expressão utilizada por Stott para dizer que a

missão deve ir além da proclamação da palavra, para atender o ser humano em suas

necessidades tanto espirituais – isto é, da alma, da mente – como materiais, as que o

corpo necessitado requer de imediato. Para Stott, (1997, p. 376): “holístico é um

conceito filosófico de que o todo é maior que a soma de suas partes; (o termo) pretende

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enfatizar que a verdadeira missão é uma atividade abrangente, que integra

evangelização e ação social, recusando-se a divorciá-las uma da outra”.

A preocupação missionária tem sido dividida tecnicamente em duas partes: uma

vertical e outra horizontal. A primeira se preocupa com a ação salvadora de Deus na

vida dos indivíduos e a segunda se interessa pelas relações humanas no mundo. Esta

poderá ser inserida da seguinte maneira (STOTT 2011, p. 29): se “Cristo teve de entrar

em nosso mundo, nós também precisamos entrar no mundo de outras pessoas”. Numa

visão missionária holística, não se pode separar a questão da proclamação da palavra de

Deus da ação social responsável.

A relação entre evangelização e responsabilidade social é tratada aqui por Stott a

partir do Pacto de Lausanne de 1974 (PL/74). Para ele, a evangelização – no sentido de

proclamação da palavra – tem prioridade sobre a responsabilidade social, porque

(STOTT, 1997, p. 378) “a evangelização tem relação com o destino eterno das pessoas”.

Para fundamentar sua opinião, ele cita a “consulta sobre a relação entre evangelização e

a responsabilidade social” realizada em Grand Rapids, 1982. Stott ainda afirma que

Lausanne endossa esta prioridade da evangelização, conforme abaixo:

A evangelização tem relação com o destino eterno das pessoas; e, trazendo-lhes boas novas de salvação, os cristãos estão fazendo uma obra que ninguém mais pode fazer. Raras serão as ocasiões, se é que elas ocorrerão, em que nós teremos que optar entre… curar o corpo ou salvar a alma… no entanto, se tivermos que fazer esta opção, é bom lembrarmos que a necessidade suprema e máxima de todo ser humano é a graça salvadora de Jesus Cristo. Portanto, a salvação espiritual e eterna de uma pessoa é de maior importância do que o seu bem-estar temporal e material.

Novamente, Stott (1997, p. 379) cita parte do “manifesto de Manila” para

defender sua posição de que a prioridade do evangelho é a de salvar almas: “A

evangelização é primordial porque o que mais nos preocupa é o evangelho, que todas as

pessoas possam ter a oportunidade de aceitar Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador”.

Compreendo a prioridade que Stott coloca na proclamação da palavra – vindo

esta em primeiro plano – e depois a tarefa da ação voltada para a responsabilidade

social. Como já mencionei, entendo que ele não elimina a parte social de sua Teologia

da Missão Mundial (aqui ele a chama de Holística), e, sim, coloca esta numa posição

secundária. Para ele, a ação social é uma consequência da evangelização, segue a

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mesma, como objetivo acessório, como se a pessoa ao receber o evangelho e se

converter, naturalmente passasse a ter responsabilidades sociais natas. Isto de fato não

ocorre, até porque se assim fosse, esta pesquisa perderia seu sentido de vasculhar e

procurar os fundamentos em que se fincam os alicerces do evangelho. Stott ainda cita

que os doze apóstolos foram chamados para um ministério pastoral (voltados para a

palavra) e os sete diáconos para um ministério social, porque os seguidores de Jesus têm

a responsabilidade de testemunhar e de servir conforme as oportunidades que lhes forem

dadas.

Interpreto Stott com certa crítica, porque não se pode esperar para agir e nem se

pode dividir a missão com a palavra da missão com as ações sociais. Ambas devem

caminhar juntas, em paralelo, não uma avançando e a outra procurando alcançá-la. Em

outras obras de Stott (que veremos) vai aparecer a questão da responsabilidade social

sendo valorizada, mas fica sempre uma fresta, a de que ele prioriza sim, a proclamação

da palavra em detrimento da ação social. Isto porque a palavra leva à vida eterna,

enquanto a ação social é passageira, terrestre e perecível, porque para ele (STOTT,

2000, p. 146) “o desejo de Deus é não apenas que os homens o conheçam, mas que

sejam salvos por ele”. Para que a igreja missionária consiga cobrir todas as suas tarefas

– de evangelizar, pastorear o rebanho e de prestar assistência social aos necessitados –

Stott sugere que ela se divida em grupos e que de tempos em tempos preste contas à

igreja como um todo, para esta acompanhar suas projeções e realizações e verificar os

motivos das variações, promovendo ajustes e evitando que se desvie do plano

missionário por ela proposto previamente.

Para Stott, cada cristão deve ser um missionário, assumir tarefas dentro de sua

igreja e promover a missão mundial sob diversas maneiras – evangelizando,

contribuindo, orando, assessorando – para que o evangelho de fato seja pregado e vidas

sejam salvas. Vêm em seguida as ações sociais, as quais podem espelhar uma variedade

de necessidades enormes como o cuidado do corpo doente, do ser que tem fome de

alimento, que precisa se vestir, se abrigar e o cuidado das necessidades do espírito,

voltadas para as carências da alma, do ser que passa por depressão e tristeza, por fatos

que ocorrem de forma constante ou isolada, como o luto e a os acidentes que envolvem

a pessoa e sua família. Stott (1997, p. 381) deixa clara sua reflexão teológica

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missionária quando diz: “continuo insistindo que isto não pode limitar-se à proclamação

do evangelho, embora eu já tenha mencionado que esta é tarefa prioritária na igreja”.

Em outra de suas obras, fica evidente que ele compreende a missão mundial

como devendo abordar o ser humano por inteiro, ao dizer que (STOTT, 1982, p. 60)

“Deus fez o homem um ser espiritual, físico e social. Como ser humano, o nosso

próximo pode ser definido como um corpo-alma em sociedade”.

A base bíblica para a parceria entre proclamação da palavra e a ação social

responsável, é o ponto de apoio para Stott. Ele diz (1997, p. 383) que “ser cristão

evangélico sem ser cristão bíblico é igual a nada”. Ainda pergunta e responde a si

mesmo: “haveria, portanto, uma boa base bíblica para manter juntos a evangelização e a

ação social? Existe, sim”. Stott apresenta três argumentos fundamentais que veremos

em seguida, em que justifica seu ponto de vista missionário.

Seu primeiro argumento, que denomina caráter de Deus, se refere ao fato de que

Deus que se preocupa com o bem estar total do ser humano, o que abrange a parte

espiritual e material deste ser. Se o Deus missionário não tem prazer na morte do ímpio,

logo todos podem ser salvos, por meio de Jesus Cristo. Para que isso se concretize, é

necessário que se pregue o evangelho, e isto somente é possível se feito pela igreja

missionária, por meio de seus missionários. Vemos que Stott (1997, p. 383) não deixa

de fora a questão social contida em sua missão holística ou mundial ao afirmar que:

Deus se importa com os pobres e os famintos, os estrangeiros, as viúvas e os órfãos. Ele denuncia a tirania e clama por justiça. Não é, pois, por acaso, que os dois grandes mandamentos de Deus sejam que o amemos com todo o nosso ser e que amemos o nosso próximo como a nós mesmos.

Aqui fica evidente na teologia missionária de Stott a preocupação com o lado

social da missão, como venho apontando nesta pesquisa, mostrando que mesmo que

priorizando a proclamação da palavra ele não abandona o serviço social como parte

integrante do serviço missionário. O amor a Deus, para Stott, se manifesta pelas atitudes

do cristão quando anda em seus caminhos, ou seja, quando teme, ama e serve ao Deus

missionário. Já o amor ao próximo se revela na atitude de se levar a ele o evangelho.

Em outra parte de sua obra Stott (1997, p. 384) aponta para a dupla preocupação

da missão holística (mundial), como segue: “assim, adoração e obediência, por um lado,

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e filantropia e justiça, por outro, andam de mãos dadas, constituindo-se no duplo dever

do povo de Deus”. O cuidado com o lado espiritual e com o lado material se apresenta

em sua teologia missionária, mas em meu entendimento, é com as questões da salvação

eterna que sua visão recomenda devemos nos envolver com maior demanda.

A segunda base bíblica, conforme Stott, para que proclamação da palavra e

preocupação social andem juntas é o ministério e o ensinamento de Jesus. Uma

característica marcante na forma como Jesus anunciava o evangelho é que ele fazia isso

de maneira itinerante. Não ficava parado. Ele caminhava muito, ia aonde fosse

necessário, levando a palavra e também curando, isto é, proclamando o Reino de Deus e

oferecendo aos necessitados aquilo que precisavam e lhe pediam. Algumas vezes lhe

pediram saúde, e ele deu; pediram pão, e ele assim o fez; pediram uma boa palavra de

conforto ou de instrução para saberem como agir, e ele também o fez. Stott (1997, p.

385) nos lembra que “ele andava; ele desenvolveu um ministério itinerante e percorreu

o território palestino de ponta a ponta […] era para ensinar, fazer o bem e curar […]

evangelizar e servir. Ele demonstrava em ação o amor de Deus que estava

proclamando”.

As palavras ditas por Jesus refletiam diretamente suas ações e atitudes para com

Deus e para com o próximo. Sua vida era um espelho daquilo que ele pregava. Não

existiam distorções entre o que ele falava e fazia. Amar a Deus e cumprir seu ministério

terreno de amar ao próximo, marcou definitivamente sua vida e ação. Jesus ensinava e

vivia aquilo que estava comunicando, porque suas atitudes refletiam diretamente tudo o

que procurava dizer. Esta forma de ser, de combinar absolutamente o que “sai pela

boca” com o que “se vive concretamente”, é um dever da pessoa cristã, para que por

meio do bom exemplo de vida possa influenciar outras pessoas a seguirem a Cristo.

Fazer missão mundial é estar por inteiro dedicado ao serviço de Deus, compreendendo

que esta dedicação deve ser integral.

Stott (1997, p. 386) aponta para o fato da conciliação do falar e do fazer de

Jesus: “Palavras sem ação não têm credibilidade; ações sem palavras carecem de

esclarecimento. Assim, as ações de Jesus tornavam visíveis suas palavras; e suas

palavras tornavam suas ações inteligíveis”. Assim, o que Jesus demonstrou com

palavras, viveu na prática, na vida concreta.

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Stott, conta as parábolas do “filho pródigo” e do “bom samaritano” e traça um

paralelo interessante para identificar nas parábolas a justificação da proclamação da

palavra (evangelho) e as ações de responsabilidade social. Para ele, a do filho pródigo se

concentra na conversão, na salvação da alma, na pregação e anúncio da palavra para se

obter a vida eterna. Ele é vitima de seu próprio pecado, isto é, um pecado pessoal.

Porém ele se arrepende e volta para casa e o pai o recebe de braços abertos e com festa.

O pródigo é perdoado, apesar de não merecer tal perdão.

Já a parábola do bom samaritano, vem enfatizar a ação baseada na

responsabilidade social, pois o homem atacado pelos salteadores é vitima do pecado

cometido por outros. Alguém pecou contra ele, isto é, houve um pecado social. A vítima

nada podia fazer para se ajudar. Ela dependeu de outro ser humano para isso, e

surpreendentemente, a ajuda veio de alguém inesperado, um samaritano, um “inimigo

declarado” e não um “irmão” judeu que passou de largo. Aqui vemos o amor do

próximo para com seu próximo. O samaritano tem piedade de um desconhecido, ata sua

feridas, o socorre e se dispõe a gastar dinheiro com um estranho, mais que isto, um

inimigo.

Podemos perceber que entre a parábola do filho pródigo e a do bom samaritano,

existem similaridades que devem ser consideradas na missão holística (mundial), em

que o cuidado e a preocupação com a alma e com o corpo, devem ser consideradas.

Ambas demonstram compaixão, amor pelo próximo. O evangelista (Lucas) procurou

retratar um Deus preocupado com o ser humano integral, cuidando da salvação e

aceitando em seus braços o homem arrependido (filho pródigo) e também acolhendo o

estrangeiro, caído no mundo, vítima do pecado e da maldade dos outros, que

necessitava de auxilio para seu corpo físico, machucado pelos salteadores (o judeu

socorrido pelo samaritano). Existe uma lição embutida sobre a recusa: o irmão do

pródigo recusa-se a festejar seu retorno; na parábola do bom samaritano, o sacerdote e o

levita recusam-se a (evitam) fazer o bem.

Stott (1997, p. 386) faz um paralelo entre as parábolas do filho pródigo e do bom

samaritano, e apresenta um belíssimo ensinamento sobre o fazer missão holística

(mundial), mostrando que:

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Deus não quer que seres humanos criados à sua imagem sejam desmoralizados e fiquem perdidos em uma terra distante, nem sejam assaltados e abandonados na sarjeta. Seu desejo é que tanto o perdido como o espancado sejam trazidos de volta para casa”. Se nós as conservarmos juntas, elas servirão de reforço para a ligação necessária entre evangelização e ação social. Tanto numa como na outra, existe uma vítima e um resgate. Em ambas há uma demonstração de amor. O amor triunfa sobre o preconceito. Até poderia dizer que, quem resiste ao chamado para evangelizar, abandona as pessoas sozinhas em seus pecados, assemelha-se ao irmão mais velho (do pródigo), ao passo que aqueles que resistem ao chamado para a ação social e deixam as pessoas sozinhas em seus sofrimentos, lembram o sacerdote e o levita que passaram de largo. Cada um de nós lembra o filho pródigo; cada um de nós deveria lembrar o samaritano. Todos nós já fomos pródigos um dia; Deus deseja que também sejamos samaritanos.

A terceira base bíblica que Stott usa como argumento para a dupla tarefa

missionária – que junta os elementos da evangelização (palavra) com ação social – se

relaciona com a comunicação do evangelho. A transmissão deve ser feita pela fala, ser

verbalizada, e também pela escrita. O Cristo que antes era o verbo se fez carne e habitou

entre nós. Agora, os missionários cristãos precisam anunciar com a voz que “só Jesus

Cristo Salva”, não há outro Deus que possa resgatar a humanidade do pecado e lhe

oferecer vida em abundância. Stott (1997, p. 389) afirma que: “se a palavra de Deus se

tornou visível, nossas palavras também deveriam tornar-se visíveis. Nós não podemos

anunciar o amor de Deus com credibilidade, a não ser que possamos demonstrá-la em

ação”. Ele nos lembra ainda que a missão holística (mundial) deve levar em

consideração o contexto em que será pregada a palavra e realizada a ação social, sempre

respeitando as pessoas inseridas em suas culturas. Por último, Stott nos alerta dizendo

que, ao nos envolvermos com as causas sociais, nossas vidas se transformam (refletem)

nossa pregação.

Refletindo um pouco mais sobre a “pregação”, Stott (2003, p. 9) reafirma que a

pregação se faz necessária “tanto para o evangelismo quanto para o crescimento

saudável da igreja”, ou seja, tem uma dupla utilidade vinculada ao amor, fraterno entre

os irmãos em Cristo e extensivo a todos os outros seres humanos que se disponham a

ouvir o evangelho, para que se tenha a esperança de uma vida em abundância no

Salvador e Senhor Jesus. Stott (2000, p. 146) continua em outra de suas obras dizendo

que “o desejo de Deus é não apenas que os homens o conheçam, mas que sejam salvos

por ele”.

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Quase que finalizando esta fase da pesquisa sobre a Teologia da Missão

Mundial, lembro que Stott (1997, p. 390-393) elenca cinco objeções a considerar:

“embora a base bíblica para a parceria entre evangelização e responsabilidade social

pareça estar bem estabelecida, levantam-se contra ela diversas objeções”.

A primeira objeção trata da “política”, quando ele questiona se os cristãos

devem ou não se envolver com tais questões. Para Stott, o cristão deve, sim, se envolver

com serviços sociais, como a filantropia, com movimentos que pressionem o governo

para construir hospitais, manifestar-se pela ordem econômica e para melhorar a

segurança pública. Agora, se o envolvimento for em relação a partidos políticos, no

sentido de fazer mudanças legislativas, Stott diz que isto “é coisa para políticos que já

tem a experiência necessária”.

Compreendo que sobre a questão política, Stott está de acordo com o

envolvimento do cristão em missão, com a ressalva de que assuntos profissionais sejam

tratados apenas por políticos de carreira. É um posicionamento brando e retraído, em

que a moderação política aparece claramente em seu pensamento.

A segunda objeção trata do “evangelho social”, o qual na definição de Stott,

tenta identificar o reino de Deus com a sociedade, em termo de construir o Reino de

Deus na terra. Para ele, é uma visão orgulhosa, autoconfiante e utopista. A implicação

do evangelho bíblico é diferente, pois nos leva a sermos sal e luz na sociedade.

A terceira objeção trata da “Teologia da Libertação” (STOTT, 1997, p. 392):

Essa preocupação social não é o mesmo que Teologia da Libertação? Não, mais uma vez, não é. Nossa principal crítica à Teologia da Libertação, como evangélicos, é que ela pretende igualar a libertação social, política e econômica dos seres humanos com a salvação que Cristo veio conquistar com sua morte e ressurreição. Além disso, ela tende a endossar as teorias marxistas (especialmente a sua análise social) e desposar a violência. Tendo dito isto, a completa libertação do ser humano de tudo aquilo que o oprime, diminui ou desumaniza é certamente agradável a Deus, o seu criador. Oxalá os cristãos evangélicos tivessem chegado primeiro, com uma teologia da libertação verdadeiramente bíblica! Mas colocar a ‘libertação’ material e ‘salvação’ no mesmo nível de igualdade é distorcer e deturpar a escritura.

Quanto às duras críticas que Stott faz à Teologia da Libertação, não me parece

que ele a tenha compreendido por completo ou a tenha estudado o suficiente em

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contexto diferente dos países desenvolvidos, para fazê-las. Por ser apenas uma

passagem breve no seu texto, consigo inferir que para ele, existe uma ordem de

prioridade na missão holística (mundial) vindo em primeiro lugar a proclamação da

palavra (Escritura) – com a intenção de salvar almas para a vida eterna – e depois, em

segundo lugar, as ações sociais, que promovem o bem estar material. Para ele o

marxismo é um sistema de libertação ligado à teologia que pode desencadear uma

violência social pelos revoltosos.

A quarta objeção, Stott coloca em forma de pergunta e ele mesmo a responde:

não seria impossível esperar uma mudança social sem que as pessoas se convertam? A

resposta é não. Para ele, a legislação pode garantir melhorias sociais, embora a mesma

não promova a conversão (salvação) ou as torne boas.

A quinta e última objeção, também sob a forma de pergunta e resposta, colocada

por Stott, é a seguinte: será que o comprometimento com a ação social não irá nos

desviar da evangelização? Sim, pode até ser; mas não é preciso. E continua (STOTT,

1997, p. 393) “nós certamente precisamos nos precaver quanto a esta possibilidade […]

e então a ação social, longe de desviar-nos da evangelização, irá torná-la mais efetiva,

conferindo ao evangelho mais visibilidade e mais credibilidade”.

Fica claro para minha compreensão, que a teologia de Stott voltada para a

missão holística (mundial) tem um compromisso quase que total com a evangelização

no sentido de proclamar a palavra (Escritura), mas que até no fazer da ação social

conforme exposto acima, existe um foco no proselitismo, uma busca de visibilidade

social que alimente e direcione os necessitados de bens materiais a uma possível

conversão ao cristianismo.

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CAPÍTULO II – EVANGELHO E MISSÃO INTEGRAL – R.

PADILLA

2.1 - Breve biografia de R. Padilla

Carlos René Padilla nasceu em 1932 num lar evangélico batista muito simples,

em Quito, Equador, e quando tinha apenas dois anos e meio de vida a família mudou-se

para a Colômbia em busca de uma vida financeira digna. Nessa época tinha três irmãos

e três irmãs, sete filhos no total. Fez seu estudo primário (fundamental) na Colômbia e

quando estava cursando o terceiro ano, foi expulso da escola “por não querer assistir a

uma procissão” (cf. ZWETSCH, 2008, p. 146). Isto mostra um pouco da situação

religiosa em que estavam vivendo os evangélicos naquele momento e no país. Sua

família voltou ao Equador, em parte motivada pela perseguição religiosa e também por

questões de estudo dos filhos. Então ele acabou fazendo o segundo grau (médio) em

Quito.

Padilla fez duas graduações nos Estados Unidos da América no Wheaton

College, onde se formou em filosofia e em seguida teologia. Assim que terminou os

estudos da graduação, ele se vinculou à CIEE – Comunidade Internacional de

Estudantes Evangélicos – sendo nomeado secretário viajante para cobrir e realizar

trabalhos na Venezuela, Colômbia, Equador e Peru, em 1959. Foi em 1963, já casado e

com duas filhas, que ele viajou para a Inglaterra para fazer um doutorado em Ciências

Bíblicas, sob a direção do professor F.F. Bruce. Lá ficou por dois anos e, quando

terminou seu estudo, voltou para a América Latina, na época com sua mulher e três

filhas, estabelecendo-se em Lima, Peru.

Após pouco mais de um ano no Peru, Padilla mudou-se para a Argentina com

sua família. Ele recorda que (apud REY, 2010, p. 1) “seu trabalho com a CIEE começou

em 1959 e terminou em 1982 na Argentina”. Também esteve à frente da revista

“Certeza” e foi diretor da revista “Iglesia y Misión” por vários anos. Ao deixar a CIEE,

passou a servir no campo da literatura evangélica. Trabalhou com a editorial “Caribe” e

posteriormente foi trabalhar como secretário executivo da FTL – Fraternidade Teológica

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Latino-Americana, da qual havia sido membro fundador. Zwetsch (2008, p. 149) ao

estudar o pensamento de Padilla nos diz que:

Em 1971, René Padilla participou de um encontro de teólogos e intelectuais evangélicos realizado em Cochabamba, Bolívia. Foi nessa oportunidade que se decidiu constituir a Fraternidade Teológica Latino-Americana (FTL), realizando um sonho ha muito aguardado. A FTL responsabilizou-se pela organização de diversos Congressos Latino-Americanos de Evangelização (CLADEs). Padilla é um dos fundadores da FTL, junto com Samuel Escobar, Pedro Arana (ambos companheiros especiais) e outros.

Ao longo de sua trajetória (ZWETSCH, 2008, p. 149) Padilla foi “conferencista,

articulador do movimento estudantil evangélico internacional, editor de literatura

evangélica, pastor local e liderança reconhecida nos meios evangélicos”. Acrescento

que também foi (e tem sido) um escritor, organizador e editor profícuo, destacando-se

em seus escritos os livros “Missão Integral: ensaios sobre o reino e a igreja”, “O que é

missão integral?” e “Discipulado y Misión”. Sua luta por um evangelho integral

começou cedo. Aos dezessete anos de idade já pregava em penitenciárias e em estação

de rádio no Equador, sempre preocupado com o fundamento bíblico e ação na missão

integral contextualizada na vida das pessoas. Assim continua até hoje, orientando seu

ministério pastoral, profissional e vida pessoal pelo evangelho. Padilla atualmente

continua trabalhando como secretário de publicações da FTL, e ainda é presidente da

rede Miquéias e da Fundação Kairós na Argentina, das quais também foi fundador. Na

Igreja Batista de La Lucila, em um bairro residencial de Buenos Aires, ainda continua

colaborando como membro da comissão de pregação.

Em se tratando de sua vida e obra, é conveniente mencionar nesta pesquisa que a

preocupação e o trabalho missionário de Padilla foram realizados em grande parte no

contexto social da América Latina. Em uma de suas últimas entrevistas dada ao

informativo Enlace no ano de 2010, concedida ao pastor Victor Rey, ele se manifesta

quanto às tarefas da teologia, o panorama teológico de hoje, o futuro da teologia e

sobre quais áreas são as mais necessitadas de uma reflexão teológica na América Latina.

Padilla (apud REY, 2010, p. 4) responde em linhas gerais que a tarefa da teologia é

dupla: “uma tarefa crítica e outra construtiva para apontar a direção na qual a igreja

deve mover-se em obediência ao evangelho”.

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A tarefa da teologia na América Latina deve e precisa ser pensada dentro do

contexto de seu povo. Isto nos coloca diante da situação econômica, política e religiosa,

respeitando as diferentes formas de cultura. Nesta geografia tão extensa, isto se

diversifica de maneira radical, mesmo dentro de cada país latino, como no Brasil, onde

as formas de pensar, agir e sentir, se modificam bastante entre as regiões norte,

nordeste, sul, sudeste e centro-oeste. As situações vividas no cotidiano latino, como a

ambiental, a da violência, a da corrupção (histórica), devem ser inseridas na reflexão no

diálogo cristão, trazendo para dentro das comunidades elementos que lhes permitam

associar a teologia e a missão aos fatos vivenciados no terreno prático da vida.

Quanto ao panorama teológico de hoje na América Latina, Padilla (apud REY,

2010, p. 4) responde que:

No panorama teológico da América Latina, tem havido um crescimento nos círculos evangélicos, quanto à preocupação por uma reflexão teológica. Todavia, penso eu, estamos longe de alcançar uma situação necessária (suficiente), porque em muitos setores se teme a teologia ou a relega a uma posição de nenhuma importância, se crê que a igreja pode funcionar perfeitamente com fórmulas que recebeu de fora. Não há uma reflexão teológica em muitos círculos e eu creio que isso é assunto de preocupação porque às vezes, as coisas vão cambiando em certas situações. Ver que a juventude tem preocupações teológicas e está aprendendo a pensar teologicamente é algo que anima.

Pensar a situação geral da teologia latina, para Padilla, é perceber como está se

fazendo a reflexão teologica, a qual vem se expandindo. Mas este crescimento ainda não

é suficiente para abarcar as tarefas que devem ser cumpridas pela missão cristã. A

postura de “defesa” de boa parte dos evangélicos, procurando não se sabe ao certo se

defender de quê, coloca a teologia muitas vezes como um sinal de ameaça à fé cristã e

não como um complemento da fé, mesmo que seja crítica, mas sabemos que ao final

esta seria mesmo uma crítica construtiva.

É possível perceber que o apego radical às Escrituras não permite à maioria dos

fiéis evangélicos se darem a liberdade de contrapor ideias novas e reflexivas, devendo

apenas aceitar os dogmas pré-estabelecidos, gerando uma falsa segurança e garantindo a

unidade do rebanho. Um dos fatores que levam ao crer sem criticar está na postura das

lideranças da igreja que, de modo geral, são pessoas com idade madura. Elas, com suas

imposições, acabam de certa forma inibindo a possibilidade de uma reflexão mais

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“livre” que poderia advir por meio dos mais novos e dos estudantes de teologia de

instituições não ligadas diretamente a sua denominação religiosa.

Quanto ao futuro da teologia na América Latina, Padilla (apud REY, 2010, p. 5) afirma:

A nova geração é que precisa se responsabilizar pela tarefa teológica, como pela tarefa da igreja em geral; sinto falta de mais gente que veja a importância da reflexão teológica, não como uma ocupação ociosa para os que têm demasiado tempo sobrando e não têm nada que fazer. Alguns contrapõem, por exemplo, a evangelização com a reflexão teológica, e eu não creio nisso. Eu creio que não há reflexão que não faça incidência na vida prática, se é que uma reflexão possa se desprender do compromisso cristão às vezes sem reflexão da tarefa em que estamos empenhados, isto se torna um mero ativismo, e eu não creio num mero ativismo nem em intelectualismo, creio em uma teologia que ilumina a ação da igreja e que critica o que deve ser criticado desde uma perspectiva bíblica.

Sobre essa questão, Padilla vê o futuro da teologia na América Latina como um

compromisso a ser assumido pela nova geração. Esta situação precisa ser colocada e

contextualizada considerando a igreja e a reflexão teológica como algo essencial e não

acessório, como muitas das vezes é visto pelas pessoas.

A tarefa de se refletir teologicamente, alinhada à vida concreta, precisa ser

prioritária e vinculada à vida cristã. É um feito a ser realizado por todos e transmitido o

mais cedo possível às novas gerações de cristãos, para terem no fazer teológico uma

motivação prática e séria, voltada para atender às necessidades humanas em sua

integralidade.

Sobre a questão voltada para as áreas necessitadas (débeis) dos evangélicos na

América Latina, Padilla (apud REY, 2010, p. 5) responde:

Não se pode falar sobre isso a não ser em termos gerais, dependendo muito da situação. Há situações em que não se está estudando a Palavra como se deve, há pregações vazias da Palavra, existe muita ênfase na emoção, não se reflete, há muita pobreza intelectual e dependência do que se pensa fora do contexto latino-americano; estamos recebendo diretivas de outros lados e isso não ajuda, não há preocupação por uma liderança local enraizada na Palavra e na situação (real) de nosso povo (latino). Às vezes falta um trabalho sério de contextualização no solo evangélico que determine o futuro da igreja.

A necessidade mais aparente dos evangélicos latinos, é que se precisa estudar

mais a palavra e refletir dentro de nosso contexto cultural. É preciso saber interpretar o

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que nos é apresentado de outras realidades e países e colocar isso dentro de nossa

realidade. A formação de lideranças que pensem o evangelho pelo viés latino irá

determinar o futuro das igrejas instaladas e consequentemente o futuro regional das

comunidades cristãs.

Feito este panorama da vida e obra e do contexto latino-americano a partir do

qual Padilla propõe sua práxis teológica da missão integral, passemos às questões do

evangelho e o mundo.

2.2 – O Evangelho Integral e a Evangelização do Mundo

Passo a seguir a considerar o evangelho na missão integral na busca da

evangelização do mundo, segundo R. Padilla. De início me pareceu importante expor

qual é o seu conceito de teologia, considerando que toda sua ação missionária está

comprometida com sua definição teológica. Ao ser questionado por Victor Rey “para

você, o que é a teologia?” Padilla (apud, REY, 2010, p. 4) respondeu:

A teologia é um esforço humano para entender e articular o propósito de Deus para a vida humana, para a vida da igreja e para a vida na sociedade. Cumpre uma função crítica, especialmente em relação à igreja e faz a vez da função construtiva apontando a direção na qual cabe mover-se a igreja, sob a direção do Espírito Santo, segundo a instrução da Palavra de Deus. Tem muito a ver com um diálogo entre a Palavra de Deus, a revelação em Cristo Jesus, a revelação escrita e a situação do mundo, os problemas que nos rodeiam, o contexto em que vivemos; sem esse diálogo não existe teologia. A teologia é um esforço humano, a palavra última que tem o Senhor em sua revelação, pois, nós temos a responsabilidade de entender o que essa revelação em Jesus Cristo significa para nossa própria vida.

A definição de “teologia” para Padilla mostra que ela é um ato do espírito que

deve ser vinculado à vida física para que estas vidas somadas, façam surgir uma

sociedade melhor, fraterna. A teologia tem duas funções: a crítica e a construtiva. A

primeira nos remete a uma reflexão bíblica, a nos questionarmos e com isso suscitarmos

dúvidas que a partir das mesmas nos coloquem em condições de pensar criticamente a

palavra. Isto nos leva a descobrir de forma pessoal e de forma conjunta, com a igreja e

com os estudiosos, novas formas de vermos o mundo criado por Deus para assim,

podermos construir uma sociedade melhor, centrada na palavra que nos remete a

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praticar as boas obras. O diálogo deve fazer o elo entre o que pensamos teologicamente

e o que vivemos no dia a dia, unindo a igreja em torno do objetivo indissociável de

proclamar o Reino de Deus aqui e cuidar dos necessitados agora.

É interessante notar que Padilla frisa duas vezes a expressão “teologia como

esforço humano”. Ele procura fazer uma associação entre este esforço e a compreensão

sobre a igreja, a palavra de Deus, o Espírito Santo e a revelação em Cristo Jesus. Em

poucas e densas palavras definiu-se teologia e se demonstrou que ela existe aqui, no

mundo presente, cabendo a cada um de nós procurar entendê-la para saber

contextualizar a obra missionária integral no espaço real em que vive o ser humano.

Este esforço deve resultar em boas obras. Sobre a Bíblia, Zwetsch (2008, p. 150) afirma

que “três pressupostos constituem uma constante no pensamento e na obra literária de

René Padilla: Bíblia – palavra viva de Deus – hermenêutica e realidade contextual”.

Kilpp (2008, p. 957) afirma que “a teologia bíblica está estreitamente vinculada à

hermenêutica bíblica”, um fator interessante e relevante na visão teológica de Padilla.

Retornando à questão do evangelho, este é considerado uma mensagem que

precisa ser direcionada a cada pessoa e a todas as pessoas. Cada qual deve receber o

evangelho de Jesus Cristo para compreender melhor as razões de sua existência,

descobrir como viver melhor no singular e expandir esta melhora em seu meio social.

Isto envolve o ser em si, a família e a igreja. Padilla (1992, p. 15) trata da seguinte

forma: “O evangelho de Jesus Cristo é uma mensagem pessoal: revela um Deus que

chama a cada um dos seus pelo nome. Mas é ao mesmo tempo uma mensagem cósmica:

revela um Deus cujo propósito abarca o mundo interior”. Evangelizar é uma tarefa a ser

realizada pelos cristãos e não pode se limitar à pregação de coisas futuras.

Padilla (1992, p. 23) define o que é evangelizar:

Evangelizar é proclamar Jesus Cristo como Senhor e Salvador, por cuja obra o homem é liberto tanto da culpa como do poder do pecado, integrando-se ao propósito de Deus de colocar todas as coisas sob o mando de Cristo.

A chamada do evangelho é para que o ser humano se volte para Deus e venha a

fazer parte de uma humanidade constituída por pessoas que desejam ardentemente estar

juntas, possuir muitas coisas em comum, como a realização religiosa, na leitura e

proclamação da palavra e, juntas, realizar ações sociais, movidas pelo amor a Deus e ao

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próximo como a si mesmas. O indivíduo não existe isoladamente. É um ser social por

natureza e precisa se compreender ao se relacionar com outros seres humanos, porque

para Padilla (1992, p. 15) “não se pode falar de salvação sem que se faça referência à

relação do homem com o mundo do qual ele faz parte”. Por vivermos no mundo,

devemos ter esta dimensão.

A extensão da terra, o conhecimento e o conceito de mundo, se ampliou na

medida em que os conquistadores ampliavam seus territórios. As ciências,

principalmente a geografia e a astronomia, deram conta de ampliar não só o

conhecimento de nosso mundo terreno, como apresentar mundos distantes, espalhados

pelo universo. Para Davis (1993, p. 407) “no Novo Testamento a palavra mundo

designa tudo quanto pertence à terra e a suas condições atuais”. O termo mundo

originado de kosmos, em grego, significa o universo considerado como um todo

organizado e harmonioso.

O mundo em uma perspectiva bíblica é a soma total da criação, o universo que

Deus criou. O cosmos foi criado por meio do Logos. Para Padilla (1992, p. 16) “O

Cristo proclamado pelo evangelho como o agente da redenção é também o agente da

criação de Deus”. Isto implica dizer que tudo começou num caos, e Jesus Cristo

organizou esta criação, a natureza. Numa alusão ao ser humano, compreendo que ele

pode organizar a vida de cada pessoa e da sociedade, basta que assim se queira, como

fez ele com o cosmos. A ordem começou em Cristo e deve terminar nele, isto é o

princípio e o fim de tudo. Por esta e outras razões, o cristão deve ser otimista,

esperançoso de uma vida melhor, salva por Cristo, uma vida em abundância como o

próprio Jesus prometeu aos que nele confiam, a ser vivida em sua concretude, imediata

e no futuro.

Num sentido mais limitado, o mundo é a presente ordem de existência humana,

o contexto espaço-temporal da vida do homem, que Padilla (1992, p. 17) coloca como

sendo “o mundo dos bens materiais, onde os homens se preocupam com coisas que são

necessárias, mas que facilmente se convertem em um fim em si”. Este mundo terreno

para ele está visível nas coisas corpóreas, como habitação, alimentação, vestuário, isto

é, sem as quais não se pode manter vivo o corpo físico. Os cuidados com a saúde, com a

alimentação, com a higiene, precisam ser uma preocupação de cada cristão e no

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conjunto da igreja, até para se detectar as pessoas que por alguma razão (geralmente

financeira) estão em falta de coisas materiais.

Compreendo que Padilla coloca estas necessidades de forma clara e bem

explícita para levar-nos a entender que o evangelho está repleto de exemplos de cuidado

para com o corpo, para com a própria vida e também preocupado com a vida coletiva,

onde o cristão costuma se encontrar, que é no espaço da igreja, e ali se ajudar, se

compreender, se amar, como manda Jesus Cristo. O tempo limitado e transitório que o

ser humano tem para existir aqui no mundo, deve ser preenchido com o cuidado

material. Este pode ser realizado por meio das ações de responsabilidade social, quando

se percebe alguém necessitado, indo em seu socorro, sem escapes, sem rodeios, mas

fazendo da existência pessoal uma possibilidade de fazer com que o outro (próximo)

possa também existir melhor.

O mundo é a humanidade, reclamada pelo evangelho e muitas vezes escravizada.

Padilla (1992, p. 18) diz que:

Jesus Cristo não é o salvador de uma seita, mas o salvador do mundo. O mundo é o objeto do amor de Deus. Jesus Cristo é o cordeiro de Deus, a luz do mundo, a propiciação não somente pelos pecados dos seus, mas ainda pelo do mundo inteiro. Para isto ele foi enviado pelo Pai: não para condenar o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.

Este texto de Padilla vem com diversas referências bíblicas que o justificam. Ele

tece um diálogo profundo com o evangelho. É segundo ele, a proclamação do

evangelho, um ato de fé, uma chamada universal para que todos venham e creiam no

Cristo ressurreto. O Senhor Jesus ao dar sua própria vida para resgatar a dos seres

humanos, abre uma porta comum a todos aqueles que assim desejarem recebê-lo,

aceitando-o como forma de salvação, que se traduz em vida em abundância aqui e agora

e na vida eterna com o Deus Trino. Sem a dupla identificação, isto é, do ser humano

com Cristo e vice-versa, não há possibilidade de salvação. Jesus fez sua parte

entregando-se na cruz. Agora cabe ao ser humano pela fé entregar-se ao Cristo que lhe

dará uma nova vida, melhor e cheia de graça. Para Padilla é desta universalidade do

evangelho que deriva a universalidade da missão evangelizadora da igreja.

Neste ponto, percebo que existe uma via de mão dupla. O Senhor Jesus já fez

sua missão mundana, isto é, já pagou o preço da redenção do pecado de todos os seres

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humanos na cruz, na qual sofreu por amor ao mundo. Agora, cabe a cada ser humano

dispor-se por meio da fé a caminhar ao seu encontro e com isso, redimir sua alma do

pecado e passar a gozar desde já, as bem aventuranças proposta no evangelho. É de vida

nova que o ser humano precisa, e o evangelho proporciona isto em todas as esferas de

sua existência. Não devemos nos afastar do mundo, criando um grupo de separados,

uma igreja que se afaste com temor de se “contaminar”. Não foi assim que o Senhor

Jesus agiu e não é assim que devemos agir. Devemos sair, ir ao mundo, proclamar o

evangelho e anunciar a toda criatura que só Jesus Cristo é Deus, que ele tem a fonte de

água viva para saciar a sede terrena causada pelas necessidades do agora e a fonte de

água que brota nos corações para saciar a sede eterna. Devemos compartilhá-la com os

que estão sedentos, pois esta “água que jorra” não se esgota com o aumento das pessoas

que se dispõem a beber. Ela se multiplica, com a propagação do evangelho, ao qual

podemos chamar sem reservas, evangelho do amor de Deus para com os seres humanos.

Outro ponto tratado por Padilla é a referência ao “mundo hostil a Deus e

escravizado pelos poderes das trevas”. Outra caricatura que se pode fazer do termo

“mundo” é sua referência negativa, no sentido de as pessoas habitantes do mundo serem

opositoras ao Senhor Jesus. Esta oposição se dá principalmente pela falta de amor ao

próximo que se apresenta em constantes situações da vida concreta. Padilla (1992, p.

19) nos apresenta um fato interessante: “Aprofundando-se um pouco mais a análise do

conceito mundo nos escritos joaninos e paulinos, torna-se óbvio que por trás da rejeição

de Jesus Cristo por parte dos homens está a influência de poderes espirituais hostis aos

homens e a Deus”. São estes poderes hostis que crucificam a Cristo ainda hoje, por

rejeitá-lo, por não aceitarem a ele como Deus Filho. É a cegueira da incredulidade que

vigora no mundo e permite a ação do “inimigo” nas vidas das pessoas. E complementa:

O universo não é um universo fechado, no qual tudo pode ser explicado na base de coisas naturais. É, antes, a arena onde Deus – um Deus que atua na história – está travando uma batalha contra poderes espirituais que escravizam os homens e obstacularizam sua percepção da verdade em Jesus Cristo.

Tenho comigo a impressão, refletindo sobre o texto de Padilla, que estas hostes

malignas, fazem uso da mentira como essência do pecado, porque conforme o

evangelho, “o diabo é o pai da mentira” e esta forma de proceder pode demonstrar quem

está operando no mundo, se o Senhor Jesus, ou se é satanás. O pecado pode ter a

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dimensão pessoal, quando “sai de dentro do ser”, ou social, quando afeta diretamente

outras pessoas. Podemos perceber no mundo secular tanto a gigantesca onda de desvios

e fraudes veiculadas rotineiramente pelos meios de comunicação de massa, quanto as

atitudes desonestas de inúmeros políticos e agentes públicos, que para se beneficiarem,

mentem, roubam, e provocam o pecado social. Este é muitas vezes revestido por outros

nomes, como “corrupção”, “engano” e outros rótulos, com maior ou menor dosagem de

falta de ética e pecado contra o próximo, provocando muita dor e sofrimento nas vítimas

destas atrocidades.

Em sequência ao que foi dito anteriormente, Padilla (2009, p. 75-76) denuncia o

pecado social dizendo que:

Em cada país, rico ou pobre, há setores poderosos da população que impõem as regras do jogo para seu próprio benefício. Não é preciso ser marxista para afirmar que por trás da pobreza que fatidicamente assombra nossa América estão a injustiça e a exploração – o pecado institucionalizado em estruturas de poder em nível nacional e internacional.

A busca desenfreada do consumo, do acumulo de dinheiro, da posição social

destacada e de tantas outras coisas mundanas, tem feito vítimas que podemos ver

espalhadas pelo mundo, jogadas na sarjeta da sociedade e desprezadas pelos seres

humanos, seus semelhantes. Muitos destes que desprezam o próximo infelizmente têm

se apresentado como “cristãos”. Faço uso das palavras de Padilla (1992, p. 21) para

minhas últimas observações sobre a presença do mal no mundo: “a proclamação do

evangelho que não toma a sério o poder do inimigo tampouco poderá tomar a sério a

necessidade dos recursos de Deus para a luta”.

2.2.1– A Evangelização e a Separação do Mundo

Ao tratar da “evangelização e a separação do mundo”, Padilla começa dizendo

que o evangelho não procede de homens, mas (vem) de Deus. Ele aponta para um

horizonte, onde a presença divina no mundo traz conflitos, porque faz o homem se

questionar sobre dualismos, procurar discernir entre o Deus (verdadeiro) e os falsos

deuses, entre luz e trevas, entre verdade, erro e mentira, onde se pode perceber o bom ou

o ruim perfume, na medida em que a presença divina se manifesta pelo evangelho e joga

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luz onde não havia luz, provocando reflexões que antes não existiam. Padilla (1992, p.

22) afirma que:

O evangelho une, mas também separa. E desta separação criada pelo evangelho surge a igreja como uma comunidade chamada não para ser do mundo, mas para estar no mundo. Urge a recuperação de uma evangelização que faça justiça ao binômio mundo/igreja, visto na perspectiva do evangelho: uma evangelização que se oriente para o rompimento da escravidão do homem no mundo e que não seja uma expressão da escravidão da igreja ao mundo”.

A igreja tem como sede o mundo, mas não deve ser serva dele. Precisa brilhar,

ser luz onde existem trevas, semear a boa palavra, estar no mundo sem ser do mundo.

Isto significa fazer a obra de Deus na terra, sem se contaminar com as coisas terrenas,

como a mentira e o pecado derivados destas. A igreja precisa servir a Deus aqui no

mundo, como uma comunidade diferenciada, feita para amar ao próximo, dar assistência

aos necessitados, ajudar a todos os que venham “bater à sua porta”, sem discriminar,

sem olhar se são judeus ou gregos. Antes de tudo, deve amar como fez o bom

samaritano, que não perguntou ao judeu caído quais títulos possuía ou se tinha

condições de devolver os gastos. Não perguntou quem era a pessoa carente, maltratada

pelo mundo secular. Só amou a seu próximo e pronto.

Padilla aborda a questão da evangelização e da proclamação da palavra de Jesus,

sendo ele o Senhor de tudo. Os discípulos perceberam isto em sua convivência direta e

constante com Jesus, mas parece que só ficou claro, definido e certo que Jesus era de

fato Senhor, quando de sua ressurreição. Padilla (1992, p. 22) relata que:

Dizer que Jesus Cristo é o Senhor é dizer que o mesmo Jesus a quem Deus colocou como sacrifício pelo pecado por meio de sua morte, havendo providenciado a base para o perdão de pecados mediante o sacrifício de si mesmo, ocupou o lugar que lhe corresponde como mediador no governo do mundo.

Para Padilla, esta situação revela um Deus que não só perdoa pecados por meio

de sua morte na cruz, mas também apresenta seu Reino. E esta dupla libertação, isto é,

do pecado e da escravidão do mundo, mostra um rei celeste que salva o ser humano

tanto das dores do espírito como do corpo. Jesus vence as potestades malignas com um

golpe triunfal na cruz. Jesus foi exaltado como Senhor do universo e por isso mesmo,

pode salvar todo o mundo. No dizer de Padilla (1992, p. 23), “a salvação em Cristo

envolve tanto o perdão dos pecados como a vitória sobre o mundo, por meio da fé”.

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Analisando esta situação, pude perceber que é por meio da fé que se alcança a vitória

em Cristo o Senhor, e para dizer que ele é de fato Senhor, precisamos estar dispostos a

servi-lo em espírito e em verdade. Esse Jesus Senhor foi feito Rei por proclamação de

Deus, atuando na vida das pessoas para formar uma nova humanidade, melhor e

comprometida com o amor ao próximo.

Essa nova humanidade que se espera formar é a esperança da igreja, livre do

domínio dos ídolos e senhores deste mundo. E proclamar que existe um só Deus, o Pai,

para quem a igreja deve existir, e um só Senhor, mediador de todos os homens, Jesus

Cristo, Senhor de todo universo, significa aceitar por completo que só Jesus Cristo

salva. Estar livre dos ídolos é importante para que o ser humano se entregue por inteiro

à obra missionária integral, que se executa no mundo.

Evangelização e mundanidade envolvem a propagação do evangelho neste

mundo em que vivemos por meio da fé. Os crentes, segundo Padilla, se não ficarem

com os olhos da fé abertos, correm o risco de se voltar novamente aos desejos do

mundo. Não só isto, podem até criar uma “sub-cultura evangélica”, elaborando regras

que nem sempre condizem com o evangelho, tolhendo a liberdade que deve ser

proclamada por ele. Outra forma de mundanidade que pode incidir na missão da igreja é

a tentativa de se adaptar o evangelho ao “espírito da época”. Padilla, em sua obra

“Missão Integral – ensaios sobre o reino e a igreja”, apresenta exemplos do cristianismo

secular e cristianismo-cultura, os quais passo a expor e a comentar:

O primeiro exemplo é o do cristianismo-cultura, a identificação do cristianismo

como uma expressão cultural determinada, manifesta num evangelho interpretado como

um produto econômico. Isto está muito relacionado com a forma americana de vida, em

que se confunde o cristianismo com o ser (um consumidor) americano. A imagem deste

cristão revela a tentativa de chegar ao sucesso como negociante exitoso, uma pessoa que

encontrou a felicidade. Isto para Padilla (1992, p. 28) apresenta um problema

fundamental:

O problema fundamental é que, num mercado de livres consumidores de religião em que a igreja não tem a possibilidade de manter o monopólio religioso, este cristianismo adotou o recurso de reduzir sua mensagem ao mínimo, para tornar possível que todos os homens queiram ser cristãos”. E continua: “o evangelho assim se converte numa mercadoria cuja aquisição garante ao consumidor a posse dos valores mais altos: o êxito

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na vida e a felicidade pessoal agora e para sempre. O ato de aceitar a Cristo é o meio para alcançar o ideal da boa vida sem custo algum.

Com isto, a cruz de Cristo fica sobre os ombros dele. Ele é quem deve levá-la

para que os convertidos neste sistema mercantilista não precisem se esforçar e possam

tão somente gozar de uma boa vida, regada de bens materiais. Padilla aponta para um

“analgésico”, um paliativo que não cura, mas adormece por algum tempo o cristão que

se rende a este tipo de “conversão”, apenas para desfrutar das coisas deste mundo. Este

evangelho que se tornou um produto econômico precisa ser distribuído ao maior

número de pessoas possível, e a tecnologia é uma grande aliada para esta empreitada. O

que vale é o rebanho aumentar em quantidade, para mostrar matematicamente que o

cristianismo está se expandindo. Mas este tipo de expansão numérica não revela a

essência deste crescimento, que é uma multidão de “pedintes”, os quais confundem o

evangelho da cruz de Jesus Cristo com a boa vida sem esforços.

Compreendo que a crítica que Padilla faz à tecnologia (ou técnica) não se refere

a uma oposição ao uso dos meios de comunicação e de fluidez da riqueza, não sendo ele

contrário ao desenvolvimento da ciência ou da tecnologia, como ele mesmo disse

(PADILLA, 1992, p. 28): “obviamente o questionável nesta aproximação à

evangelização não é o uso da técnica em si: vista por si só, a técnica, como a ciência ou

o dinheiro, é moralmente neutra”. O que ele procura combater é a ideia de um

cristianismo antropocêntrico, fazendo do homem o centro do evangelho no qual o

Senhor Jesus Cristo deveria ser central.

Com um mundo globalizado, a missão torna-se também global. Padilla (1997-b,

p. 219) reconhece e sabe deste desafio missionário, dizendo que “inegavelmente nestas

últimas décadas o mundo se fez mais pequeno com a trans-nacionalização dos capitais,

das indústrias, do comércio e do turismo; as comunicações via satélite, a difusão de

programas sociais, políticos e econômicos, o mundo é hoje mais que uma aldeia

global”. É neste novo cenário mundial que o missionário terá de enfrentar novos

desafios culturais.

Já o cristianismo secular, que segundo Padilla (1992, p. 26) tem “o conceito de

que o mundo natural representa a totalidade da realidade e que, portanto o único

conhecimento possível seja o científico”, leva a crer que “tudo o que acontece no

universo pode ser explicado com base em leis de causa e efeito; o que não puder ser

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investigado por métodos empíricos não pode ser real”. Isto leva a uma outra

consequência: fica descartada a existência de Deus como ser transcendente com poder

para atuar na história e na natureza. Logo, é um caminho que pode conduzir o homem

ao mundo, por entender que pela ciência, ele não necessita da “premissa de uma

realidade sobrenatural, que é a premissa básica da religião”.

O cristianismo secular coloca o homem como o centro da capacidade e das

decisões que acontecem e que vão acontecer no mundo, onde Deus em nada pode

influenciar. Excluir Deus da atuação livre em tudo o que acontece na natureza e na vida

pessoal dos seres humanos é uma forma de se acomodar ao pensamento da época, que

para Padilla é também uma forma de mundanidade. De forma absoluta, agir e pensar

desta forma é uma negação da mensagem bíblica, que apresenta como um de seus

pressupostos o de que Deus age e atua livremente em todo o universo. Padilla (1992, p.

27) ao dizer que “substituir o amor de Deus manifesto em Jesus Cristo pelo amor às

coisas da cidade secular, como se a ordem presente, à qual pertencem, tivesse valor

absoluto”, deixa claro que isto não é bom, porque trocaríamos o amor ao próximo, a

natureza e a Deus pelas coisas materiais, que se acabam de forma rápida, coisas que “a

ferrugem corrói, a traça come e o ladrão rouba”.

A evangelização e a separação do mundo, conforme Padilla (1992, p. 30), vêm

mostrar que “o evangelho é um chamado não somente para confiar, mas para

arrepender-se, para romper com este mundo. E somente na medida em que sejamos

livres deste mundo poderemos servir aos homens”. Libertar-nos das coisas terrenas nos

dá a oportunidade de servir a Deus por meio da proclamação da palavra e da assistência

social ao nosso próximo. Isto implica o desapego de tudo o que se constitui matéria,

objetos que muitas vezes nos fazem desejar sem limites, consumir em excesso e

desperdiçar recursos naturais pelo gozo rápido, sem olharmos ao redor para perceber

que este é o tipo de mundanidade a que faz referência o evangelho, ao nos alertar para

que “não amemos este mundo, porque quem ama este mundo o amor do Pai não está

nele”. Mundo aqui tem a dimensão do apartar-se de Deus e querer viver de forma

independente do Criador, o que caracteriza uma secularização radical.

O compromisso do crente com Jesus Cristo de servi-lo de maneira completa é

uma forma real de se afastar da secularização e do mundo, voltar-se para a palavra de

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Deus e comprometer-se com as ações sociais junto aos necessitados e, adicionalmente,

zelar pela criação como um todo. A proposta de Padilla (2003, p. 15) se apresenta

assim: “a missão integral é a expressão concreta do compromisso com Jesus Cristo

como o Senhor da totalidade da vida e de toda criação”. Esta aliança com Jesus é a

única maneira cristã de se evitar o secularismo radical. A evangelização e o

compromisso da igreja missionária é o que veremos no próximo ponto desta pesquisa.

2.2.2– A Evangelização e o Compromisso com o Mundo

Neste item da pesquisa sobre “a evangelização e o compromisso com o mundo”,

acompanhando o pensamento de Padilla, serão abordadas questões sobre a

evangelização e a ética do arrependimento, a obcecada preocupação com a vida deste

mundo e algumas observações sobre o evangelho e a evangelização. A história está

tomada pela escatologia e Deus já expressou em Jesus Cristo, seu propósito de colocar

tudo e todos sob seu senhorio. Com a cruz de Cristo realizada, os poderes das trevas

foram vencidos e os homens têm as bênçãos e a graça de Deus. Acontece que

(PADILLA, 1992, p. 30):

O Reino de Deus não chegou ainda a sua plenitude. Nossa salvação é na esperança. Segundo as promessas de Deus, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça. Este é o tempo da paciência de Deus, que não quer que nenhum se perca, senão que todos cheguem ao arrependimento.

A presença de Deus no mundo se fez no passado pelo envio de seu Filho e hoje

se faz presente pela presença do Espírito Santo que inaugurou a igreja, conforme Lucas

nos conta por meio do livro de Atos. Para que as pessoas conheçam o evangelho é

necessário proclamá-lo para que se alcance o maior numero possível de seres humanos.

O evangelho se propõe a combater aquilo que de algum modo tira a possibilidade de

vida em abundância.

A proclamação do evangelho, conforme Padilla, se dá em contraposição à(s)

“mentira(s)” organizada(s). Para ele (1992, p. 31):

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A grande mentira que o homem se realiza tratando de ser deus, em autonomia com relação a Deus; que sua vida consiste nos bens que possui; que vive para si e é dono de seu próprio destino. Toda a história é a história desta mentira e da destruição que ela traz para o homem.

O evangelho é um chamado, um anúncio missionário da boa nova, para que o

homem venha a se arrepender desta mentira da “autosuficiência”. Sem arrependimento,

não há aceitação do evangelho. Para Padilla, este arrependimento é a aceitação da cruz

de Cristo, uma mudança de atitude e hábitos, uma reestruturação de todos os valores,

um repensar a vida como um todo de como se relacionar com os outros e consigo

mesmo, uma reorientação voltada para moldar a personalidade. É algo mais profundo

que deixar alguns vícios condenáveis pela sociedade; é, portanto, voltar-se para Deus de

forma integral, “morrendo” para o mundo e vivendo para Deus. Esse novo ser humano,

renovado em Jesus, passará a se preocupar com a dimensão social do evangelho.

Interpretando o que Padilla apresenta – e associando-o ao serviço social – o

evangelho nos move em direção ao outro, ao necessitado, o qual se apresenta de forma

diferente aos olhos daquele que se converte. A compaixão se manifesta no verdadeiro

ser humano que entendeu e aceitou a boa nova de Jesus Cristo, porque seus atos serão

diferentes, existirá disposição e amor para se oferecer ao próximo carente. A pessoa

convertida deve viver de fato a mudança que o evangelho lhe impregnou e os frutos de

suas obras revelam se a conversão se fez por inteiro, se é que se pode se converter

“parcialmente”. O evangelho se caracteriza também por seguir a ética do Reino e, para

Padilla, “onde não há obediência concreta não há arrependimento e sem arrependimento

não há salvação”. O salvo age pela caridade, porque (PADILLA, 2009, p. 48) “o amor é

a lei suprema da vida; ele está ligado à paixão pela justiça social”, que é a manifestação

da fé pelas obras.

Continuando a tratar da questão social, Padilla volta a nos alertar que “a

salvação é o retorno do homem a Deus, mas é também o retorno do homem a seu

próximo”. Quem se liberta da grande mentira, isto é, das amarras da autoconfiança que

despreza a providência salvífica divina, torna-se de fato salvo. O salvo retorna a Deus e

também volta-se para as necessidades do próximo. Tudo isto tem a ver com o seu

arrependimento verdadeiro. Para Padilla (1992, p. 33), “o arrependimento é muito mais

que um assunto privado do indivíduo com Deus: é a reorientação total da vida no

mundo em meio aos homens, em resposta à ação de Deus em Cristo Jesus”.

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Compreendo que esta dimensão particular do arrependimento genuíno (Deus e

eu) continua, mas para ser um arrependimento completo e verdadeiro, ele precisa ser

estendido à esfera pública. Isto compreende alcançar o mundo com a vida pessoal,

dando de si ao próximo, em resposta ao bem que me foi dado primeiro por Jesus Cristo.

A alegria de ser salvo precisa ser compartilhada e raiar sobre as vidas de outras pessoas.

Para ele (1992, p. 33), “quando a evangelização não leva a sério o arrependimento, é

porque não leva a sério o mundo, e, quando não leva a sério o mundo, tampouco leva

Deus a sério”. Levar o mundo a sério e se preocupar com aquilo que está no mundo,

precisa ser considerado em termos do cuidado para com as pessoas necessitadas. O

evangelho, de fato desperta o ser humano para a promoção do serviço social e o salvo

deve manifestar esse estado de ânimo em ser útil para seu próximo.

Padilla alerta para o perigo que pode ser o anúncio do evangelho em termos

exclusivamente ultramundanos, isto é, a salvação compreendida como futura,

preocupada apenas com a alma. O resultado, segundo ele, seria desastroso, porque seria

o mesmo que fazer uso da religião para promover um escape da dura realidade do

presente. Alerta ainda para o fato de que a evangelização, ou seja, a proclamação da

palavra, é um dos elementos do evangelho da missão de Jesus. Para Padilla (1992, p.

34):

Junto com a salvação estava o servir e o ensinar. E isto pressupõe um conceito de salvação que abarca a totalidade do homem e não pode ser reduzido ao perdão de pecados e à segurança de uma vida interminável com Deus no céu. A uma visão integral da salvação corresponde uma missão integral. Salvação é saúde. Salvação é humanização total. Salvação é vida eterna, vida do Reino de Deus, vida que começa aqui e agora e atinge todos os aspectos do ser do homem.

Posso compreender que o ser humano precisa ser considerado como um todo, em

sua alma e em seu espírito. Isto precisa ser levado em conta pelo missionário, quando de

sua prática evangelística. É a missão sendo concretizada de forma integral,

reconhecendo que a salvação ultramundana (da alma) se faz necessária, mas é

escatológica e é um dos elementos do evangelho, não o seu todo. O bem estar de agora

precisa ser alcançado, suprindo a vida de suas necessidades básicas, como a melhora da

saúde, a segurança, a alimentação, a moradia e o respeito merecido como ser humano. O

evangelho não pode e não deve ser reduzido a questões futuras, muitas vezes querendo-

se promover uma alegria que se possa gozar somente “após a morte”, deixando-se neste

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instante o ser humano num estado de necessidade, muitas vezes em completa penúria. A

missão integral é uma forma de agir como um todo, não em partes desconexas.

Para Padilla, a obra de Jesus tem uma dimensão social e política. O

individualismo de alguns cristãos não lhes permite ver que a obra de Cristo envolve a

matéria e o espírito. O cristão tem sua responsabilidade política, porque Jesus se

comprometeu com um reino futuro e também com o terreno ao voltar seu olhar para as

questões imediatas, que assolam a humanidade. Para Padilla (1992, p. 34) “dizer que

Jesus é o Cristo é descobri-lo em termos políticos, é afirmar que ele é rei. Seu reino não

é deste mundo, não porque não tenha nada a ver com o mundo, mas porque não se

amolda à política dos homens”. Este Cristo rei é diferente dos reis homens, que estão

aqui regalados vivendo do servir de outros, folgados e muitas vezes encastelados,

aproveitando o bom e o melhor, muitas das vezes às custas de muita pobreza e miséria

social. Este Jesus rei não veio para ser servido e sim para servir. Jesus não se refugia no

religioso, como não tendo nada a ver com o político e o social. Os problemas

relacionados com a miséria têm quase em sua totalidade uma ligação direta com as

questões financeiras e o ministério integral a ser desenvolvido pela missão, segundo

Padilla (1998, p. 27) “põe em relevo o compromisso com os pobres a partir do

evangelho de Jesus Cristo”.

A igreja é uma comunidade que deve e precisa se envolver com o político e o

social, porque o religioso já se espera minimamente dela. Esta igreja – que segundo

Padilla (1992, p. 35) “é uma comunidade na qual cada um se entrega segundo suas

possibilidades e recebe segundo suas necessidades” – deve se propor mais a dar do que

receber. Agindo assim, a comunidade igreja deve espelhar neste mundo a imagem

salvífica de Jesus Cristo, o qual ao doar sua vida por amor ao mundo deu condições de

vida plena a todos aqueles que nele crerem.

Em se tratando da evangelização do mundo, não podemos esquecer que o Novo

Testamento não separa a vida eterna da ética e das boas obras. Um novo modo de vida

marcado pelo amor deve refletir o significado da cruz de Cristo com obras sociais.

Devemos amar ao ponto de nos darmos à crucificação, um elemento radical da missão

integral que Padilla coloca nestes termos: “a primeira condição de uma evangelização

genuína é a crucificação do evangelista”. Isto é bem diferente de aderir ao evangelho

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secular e cultural que presenciamos hoje nos meios de comunicação de massa, onde se

prometem bens em excesso e nenhum sacrifício para com o próximo, a não ser é claro a

“contribuição financeira”. Isto é o que algumas igrejas de confissão duvidosa impõem

aos fiéis para que em contrapartida sejam pessoas abençoadas por Jesus, em absoluto

descumprimento e total desrespeito ao evangelho do Senhor Jesus. “A igreja é a

sociedade humana que tem o compromisso de levar a missão integral”. Isso veremos na

teologia de R. Padilla logo a seguir.

2.3 – A MISSÃO INTEGRAL DA IGREJA

A igreja está na sociedade e seus membros – um extrato (parcela) desta própria

sociedade – devem agir no contexto do conceito do “intramundano” para se conectarem

tanto dentro como fora da igreja, a única forma que existe para se levar o serviço social

aos carentes. O afastamento absoluto da igreja, numa espécie de retiro espiritual, só é

possível em algumas ocasiões especiais, para uma, digamos, reposição de força

espiritual para que em seguida, volte ao mundo. A conversão dos que estão no mundo,

para que façam sua adesão à igreja, se torna possível com a sua ida até os que estão de

fora, fazendo-lhes um chamado pela proclamação da palavra e pelo exemplo das obras

por meio do serviço social. Amar o mundo, tem o sentido de incluí-lo nos planos da

igreja. Não amar o mundo tem o significado de não se envolver com as coisas seculares,

de maneira a que o crente se afaste da igreja.

É importante notar que para Padilla a satisfação de ser teólogo tem relação direta

com a igreja por integrar a vida reflexiva na comunidade cristã. Conforme suas palavras

(Padilla, apud REY, 2010, p. 2):

O teólogo não existe à parte do pastor, nem o pastor à parte dos membros da igreja local, onde temos a oportunidade de compartilhar toda visão do que seja a igreja e o que é a missão da igreja. Talvez uma das maiores satisfações tenha sido em ver que a reflexão (teológica) esteja trazendo um impacto na vida das pessoas. Porém, não creio que seja só a teologia; o que nos une é a graça de Deus que permite integrar a própria vida nos termos da reflexão e da prática cristã.

Para Padilla, a teologia faz sentido somente se estiver acompanhada da vida das

pessoas, podendo impactar de forma prática no comportamento pessoal e nos

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relacionamentos sociais, aliando reflexão intelectual às atitudes do cotidiano, moldando

vidas, agindo por meio da missão integral.

Feito este breve comentário geral sobre a igreja existente no mundo para se

concretizar a missão, passarei ao pensamento teológico de Padilla sobre esta questão.

2.3.1– Missão da Igreja no Mundo Contemporâneo

Antes de comentar sobre a missão no mundo, convém aqui fazer um recorte

voltado para a América Latina, em que se contextualiza em maior grau a missão integral

proposta na teologia de Padilla. Antes, porém, deve-se ressaltar que a missão integral

não deve ser entendida como limitada a esta região. Vejamos o que nos diz Padilla

(apud REY, 2010, p. 5) sobre a missão da igreja na América Latina:

A única missão que faz honrar o nome de Jesus Cristo, é a missão em que se mostra uma compaixão real pelo homem integral, como pessoa e como membro de uma sociedade, em seu aspecto pessoal e comunitário. Eu creio que na América latina, por muito tempo temos trabalhado como se as pessoas não tivessem corpo, só tivessem alma. Hoje em dia as coisas estão mudando e mostrando que somos seres psicosomáticos e espirituais e, portanto, a atenção tem que ser dada ao homem integral na sociedade e na comunidade.

Para Padilla, o homem precisa ser compreendido pelo evangelho integral.

Compreendo que na vida pessoal e social, em todos os aspectos práticos que precisam

ser acompanhados da reflexão teológica, o ser humano precisa ser atendido em suas

necessidades espirituais e materiais. Uma não deve se sobrepor à outra. O indivíduo

carece de uma atenção tal que suas necessidades mais imediatas e básicas sejam

satisfeitas aqui pelo pão e o conforto do espírito e da vida espiritual de agora e futura

pelo reconforto da palavra, em um mundo marcado pelo consumo, onde se faz

necessária a forte presença do evangelho pela obra missionária.

A tônica de nossa sociedade é consumista e nela pouco ou quase nada foge dos

ditames econômicos. A política pública, a educação e a igreja, têm sérias dificuldades

para tentarem se manter longe da interferência econômica, quando da fixação de suas

diretrizes sociais. Diria que, em termos concretos, chega a ser impossível o afastamento

total da esfera econômica. Não que exista uma utopia capaz de apontar para a realização

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social sem a participação financeira. O que procuro expressar é que vivemos em uma

sociedade onde a regência é feita sempre de forma calculista, para depois se verificar os

resultados que não sejam expressos em cifras.

Padilla (2009, p. 101) externa sua preocupação com os efeitos da adoração do

“deus Mamom”, afirmando que “com tristeza devo confessar meu temor de que a

maioria dos “cristãos” de todas as categorias teológicas tenham dobrado os joelhos

diante de Mamom. Temo que, se tivessem que escolher entre defender seus luxos e

seguir a Jesus entre os oprimidos, eles imitariam o jovem rico”.

É uma constatação muito forte que Padilla faz, porém muito realista e latente em

nossos dias, esta servidão à Mamom que se coloca diante dos cristãos como um ídolo,

um anticristo, que desvia atenção e direciona muito dinheiro para os prazeres e deleites

da vida, sem uma preocupação genuína, mais centrada nas necessidades dos carentes.

Para Padilla (1992, p. 59), “a sociedade de consumo é um fruto da técnica e do

capitalismo”. A produção de máquinas mecanizadas e eletrônicas em todos os

segmentos da economia serve para aumentar a produção de bens e, como dizem os

especialistas econômicos, “aquecer a economia”. Por um lado positivo, podemos

contemplar a geração de empregos e a tentativa de melhoria de vida das camadas mais

pobres; por outro lado, vemos a produção de bens que não precisavam ser em tão grande

proporção, sacrificando em muito a capacidade natural da terra. Isto permite o acúmulo

do lucro nos cofres de poucas pessoas e a elevação de impostos, que no caso brasileiro

não se traduzem em retorno adequado de serviços públicos á população.

Ellul (apud Padilla, 1992, p. 59) mostra que os meios massivos de comunicação

seriam utilizados para condicionar os consumidores a um “estilo de vida em que se

trabalha para ganhar, se ganha para comprar e se compra para valer” e completa: “o

estilo de vida é formado pela publicidade”. A propaganda se concentra nas mãos de

pessoas contratadas por comerciantes e produtores de bens em geral, para que desperte

na sociedade o desejo desenfreado, sem ligação direta com suas necessidades, de

consumir mais e mais, independente de elas serem ou não saciadas (o que nunca

chegam a ser). É um vale-tudo para consumir. Esta situação não se limita às camadas da

sociedade mais abastadas financeiramente. Este estado de espírito consumista chegou a

todas as esferas, basta olharmos os centros comerciais abarrotados de consumidores em

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épocas de finais de ano. Quando os trabalhadores recebem uma remuneração extra

tornam-se consumidores vorazes, com uma fome insaciável de produtos de todos os

gêneros. Padilla aponta para uma sociedade na qual viver é possuir.

A técnica está disponibilizada para trabalhar por causa do consumo. Padilla

comenta que os analistas da sociedade perceberam que a revolução técnica está dividida

em dois momentos: o primeiro foi o da substituição da energia do homem pela

mecânica, isto é, a era da industrialização. Agora estamos vivendo a segunda revolução,

em que o cérebro do homem está sendo substituído pelos programas de computadores.

Para Padilla, é lamentável que todo este aparato e desenvolvimento tecnológico esteja a

serviço do lucro financeiro e não da necessidade material humana. A vida para o

consumo mostra a vontade de se possuir status social, para mostrar que se obteve

sucesso e que “Deus ajudou”. Perdem-se nesta maré alta de consumo desenfreado todos

os outros sentidos, e isto inclui até mesmo o sentido da vida e o propósito do trabalho.

Padilla (1992, p. 60) afirma com muita propriedade que “a avareza está no

próprio fundamento econômico em que se embasa a sociedade de consumo”. É a

imagem de felicidade pela capacidade de consumir, com que os veículos de

comunicação impregnam a sociedade rica e pobre, procurando mostrar que feliz é o

homo consumens (expressão de Padilla). Isto afeta a missão da igreja e a própria igreja,

porque a mesma é constituída de extratos desta sociedade consumista e se torna muito

difícil mostrar pela palavra do evangelho que se pode viver bem sem se render ao “deus

mercado”. A camada mais carente, financeiramente falando, se mostra muito disposta a

ser incluída neste turbilhão de consumo, como podemos ver na seguinte colocação de

Padilla (1992, p. 61): “A ambição dos pobres é a ascensão social para alcançar um nível

que lhes permita não somente a satisfação das necessidades mais elementares (alimento,

vestuário e habitação), mas a aquisição de produtos propagandeados que se constituem

em símbolos de status”.

Fazendo uma associação em sua abordagem sobre a sociedade de consumo e

sobre o evangelho, Padilla tece um texto com diversos fundamentos de seu pensamento

com base na palavra. Ele aproxima o consumo, o evangelho e a igreja, para com isto

mostrar como se constitui uma sociedade consumista na qual o missionário deverá

atuar, levando o evangelho pela proclamação da palavra e da ajuda social. Por trás do

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materialismo que caracteriza a sociedade de consumo, comenta Padilla, “estão os

poderes de destruição a que se refere o Novo Testamento”. Vejamos como Padilla

(1992, p. 61) aplica a questão do mundo consumidor aos poderes demoníacos, baseado

nos conceitos paulinos:

(1) O mundo é um sistema no qual o mal está organizado contra Deus. Satanás é o deus deste século; suas hostes são os poderes desta época, os dominadores deste mundo, os rudimentos do mundo; (2) os poderes demoníacos escravizam o homem no mundo por meio de estruturas e sistemas que ele absolutiza. Falar do mundo é falar de toda uma estrutura de opressão regida pelos poderes de destruição, uma estrutura que submete os homens à escravidão por meio da idolatria.

A idolatria a que Padilla se refere é a do consumo, por condicionar os seres

humanos ao desejo desenfreado da obtenção de coisas materiais, superiores a sua

capacidade de consumo e muitas vezes excessivas em quantidade. Ocorre um acúmulo

de objetos sem uso em suas casas, adquiridos por impulsos desenfreados de consumo,

muitas vezes para se afirmarem na sociedade como alguém que está inserido na mesma.

Isto acontece com frequência nos lares pobres. Estes ostentam objetos de marcas

famosas - aparelhos eletrônicos como celulares, roupas, calçados, outros de alta

tecnologia, a custa de financiamentos longos e até do sacrifício de suprimentos básicos.

As pessoas deixam de gastar com alimentação e saúde, para gastar com objetos de

pouca ou nenhuma importância primária. Sobre esta sociedade marcada pelo consumo,

lembra Padilla (1992, p. 63) que “em sua rebelião contra Deus, o homem é escravo dos

ídolos do mundo, por meio dos quais atuam estes poderes. E os ídolos que hoje

escravizam o homem são os ídolos da sociedade de consumo”.

É este o mundo onde o dinheiro reina, onde o “deus Mamom” impera, pelo

avanço da técnica e pelas opções de consumo das pessoas que, para se sentirem inclusas

e aceitas na sociedade, precisam acumular e mostrar o que possuem de bens corpóreos.

O espaço social em que a igreja deve agir está assim minado pelo consumo desenfreado,

um mundo árduo onde o evangelho do Reino de Deus precisa ser anunciado. Este é o

mundo – aqui compreendido como o lugar de desunião e falta de caridade, pelo

egocentrismo exagerado dos seres humanos, voltados para dentro de si, cujos olhares de

caridade chegam quando muito apenas até as pessoas mais próximas, seus familiares,

numa fronteira muito curta, onde não se alcança o próximo necessitado “de fora” – que

precisa do amor de Deus, expresso pelos atos de seus discípulos que formam a igreja

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cristã. Como Disse Jesus: “não podeis servir a dois senhores, isto é, não podeis servir a

Deus e a Mamom (o dinheiro)”.

Infelizmente este problema econômico está na história recente, de hoje, mas não

é um problema apenas de nossa época, pois vem de séculos na história da humanidade.

Padilla (2008, p. 36) ao tratar da questão da abundância de vida versus abundância de

bens, adverte da seguinte forma: “a tendência de colocar os bens materiais acima da

vida em si tem uma história longa, como também a inimizade que essa absolutização

cria entre as pessoas. Já no começo da história humana, Caim, impelido pela inveja,

matou Abel”. E esta inveja e ciúme vêm fazendo vitimas sociais há milênios.

Um dos aspectos que marca a proclamação da palavra é a figura do anticristo.

Fatos passados, que não serão objeto desta pesquisa, se relacionam com a identificação

que alguns setores evangélicos fizeram do anticristo, como sendo uma figura do

apocalipse (que precederia a volta de Cristo), um Papa, até Lutero, e mais recentemente

um possível futuro governo ditador mundial. Recordo-me que já ouvi pregações em que

se disse que a união do bloco europeu em torno de uma única moeda (euro) estava

suscitando o anticristo, até com alusões à estátua da visão de Daniel. Retornando, porém

ao texto de Padilla, concentrarei a atenção no sentido que tem a proclamação do

evangelho no que diz respeito ao conflito representado pelo binômio “Cristo-anticristo”.

Começarei com algumas passagens sobre o anticristo no Novo Testamento,

conforme a exposição de Padilla. No evangelho de Marcos (cap. 13) a figura do

anticristo, ao fazer referência a uma abominável desolação – “poderia estar vinculada à

queda de Jerusalém em 70 d.C, quando as legiões romanas rodearam a cidade com os

seus estandartes adornados com a águia imperial tão abominada pelos nacionalistas

judeus”. É o que diz Padilla, (1992, p. 122 apud COLE). Esta abominação, segundo

Padilla, pode ser até a expressão de uma pessoa ou referência aos falsos profetas e falsos

cristos, que poderiam enganar até os já salvos pelo Cristo verdadeiro que morreu na

cruz. Já no livro de 2 Tessalonicenses (cap. 2) o anticristo é uma figura escatológica,

que aparecerá precedendo a volta de Cristo.

Refletindo um pouco sobre estas colocações de Padilha, há inclusive quem

proclame em suas mensagens referências que indicam que a volta de Cristo está

próxima. Ou, numa expressão mais comum de púlpitos, que “Jesus já está às portas”.

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Entre estas referências estão os acontecimentos em nosso derredor, como os provocados

pelo próprio ser humano, com suas atitudes de vícios desmedidos que provocam a dor

própria e dos outros semelhantes, causando vários tipos de acidentes sociais. Estão

também na força da natureza ao se manifestar esta de forma devastadora, como tem

ocorrido constantemente em nosso país nas chuvas de início de ano, varrendo casas,

animais, desabrigando e matando pessoas, provocando verdadeiros rastros de

destruição, com “dilúvios de nossa época”. Igualmente se apontam os tsunamis recentes

ocorridos no Japão e em várias partes da Ásia, matando milhares de pessoas e animais,

ferindo e desabrigando tantas outras. Estes são fatos tratados em muitas igrejas

evangélicas, como o anúncio de que a volta de Cristo está muito próxima. O pavor e o

medo fertilizam o terreno para se propagar o evangelho escatológico, em contradição

direta com o fato de que o “evangelho é boa notícia”.

Padilla (1992, p. 124) apresenta algumas pistas interessantes sobre a figura do

anticristo ao afirmar:

A intenção do anticristo é de ocupar o lugar que corresponde a Deus – como se ele fosse o próprio Deus, e com isso sua ação projeta a pretensão mais abominável que se possa conceber: a pretensão ao culto universal. O anticristo é assim, a manifestação suprema da rebeldia humana contra Deus, manifestação com a qual culminará a história do pecado iniciada no Éden. Trata-se de um falso deus que estabelece uma ordem política, um império, baseado na mentira.

Baseado no comentário acima de Padilla, compreendo que para ele o anticristo

não é necessariamente uma pessoa física, podendo ser uma forma de manifestação, uma

atitude humana contra Deus, o que é uma blasfêmia ao Espírito Santo quando se invoca

em adoração um outro deus falso, que não o verdadeiro Deus trinitário.

Em outras passagens do Novo Testamento aparece a figura do anticristo de

variadas formas. Conforme Padilla, em 1 e 2 João ele aparece como sendo “o adversário

que nega o Pai e o Filho” e “aquele que nega que o homem Jesus é o Filho eterno de

Deus, é o mentiroso”. Apocalipse 13 refere-se a ele como “a besta que sobe do mar e a

besta que sobe da terra”. Estas questões alusivas ao anticristo, colocadas nesta pesquisa,

têm simplesmente a intenção de indicar onde o evangelho está sendo proclamado e onde

a ação social precisa ser desenvolvida. O que procurei fazer foi, com base nas reflexões

teológicas de Padilla, apresentar um quadro do mundo onde imperam problemas

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visíveis e outros não visíveis (espirituais) e que o missionário precisa enfrentar em sua

tarefa de promover a missão integral.

Finalizando esta parte, cito Padilla (1992, p. 129) onde, de forma sintética, ele

enquadra a questão do anticristo: “a pretensão central do anticristo é ocupar o lugar que

pertence a Deus e receber o culto que só Deus merece”. Um pouco mais adiante ele diz

em seu texto que “a peregrinação até o reino se realiza em meio a um conflito em que os

poderes das trevas se opõem constantemente ao cumprimento do propósito de Deus em

Jesus Cristo. Daí não haver missão sem sofrimento”.

Se o lugar que pertence a Deus, o único que merece e deve ser adorado, for

tomado por um ídolo, um falso deus (que exige sacrifício) – ou representado na

personalidade de alguém, em uma pessoa secular ou que marcou a história da

humanidade, na forma do amor ao dinheiro (o deus Mamom), na prioridade das coisas

em detrimento do “amar a Deus sob todas as coisas” e “ao próximo como a si mesmo”,

– então está manifesta a figura do anticristo. E não há outra forma de se fazer missão,

que não seja neste ambiente onde a luta constante entre a verdade de Jesus Cristo e a

mentira do anticristo está declarada.

Se for uma grande batalha espiritual, pessoal e social levar o evangelho a um

mundo onde a presença do anticristo é marcante e visível, conforme estudado

anteriormente, cabe ao missionário o desafio da evangelização e do discipulado neste

ambiente. Este é marcado por um mundo que precisa ser amado pelo discípulo

missionário, em se tratando da proclamação da palavra e da assistência social. O foco

humano é o próximo necessitado e o Deus verdadeiro deve ser adorado, sendo amado

sobre todas as coisas. A meu ver esta é uma forma prática de se combater o anticristo.

Está colocado o desafio: a igreja precisa de discípulos integrais – na dedicação do

tempo, do exemplo cristão, isto é, de suas vidas a serviço do Reino de Deus. Esta é de

fato a tarefa colocada no eixo central da missão integral: que a igreja leve vida em

abundância por meio da proclamação da palavra (ou seja, do evangelho) e da prestação

do serviço social aos necessitados das coisas materiais. A batalha a ser travada contra as

tentações colocadas pelo anticristo deve ser vencida no âmbito pessoal e no social, o da

igreja, pois a união dos cristãos (PADILLA, 2009, p. 59) no “seguir a Jesus não é um

projeto em que alguém se empenha individualmente, isolando-se dos demais”.

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Padilla (1992, p. 140) afirma que “o quadro geral do avivamento religioso num

momento em que o mundo se está unificando sob o impacto da tecnologia ocidental

mostra que no ser humano há um vazio metafísico que a tecnologia moderna não pode

preencher”. É neste espaço vazio, onde a técnica não adentra, que o missionário

(discípulo) pode se fazer presente, apresentando ao ser humano um evangelho que

preencha a sua vida por inteiro, levando uma palavra de esperança, de amor, de

fraternidade, acompanhada do exemplo vivo das obras, do envolvimento verdadeiro,

para que se possa ver que “Cristo se fez carne e habitou entre nós”. Das necessidades,

segundo Padilla (1992, p. 141), “talvez a mais urgente, relacionada com o rápido

crescimento da igreja seja uma nova ênfase num discipulado cristão que inclua a

submissão de toda a vida ao senhorio de Jesus Cristo”.

Compreendo que uma vida colocada sob o senhorio de Jesus, pode frutificar em

todas as suas dimensões, e com isto quero dizer – a dimensão da obra e da fé. Esta vida

de servo do Senhor Jesus, permite que o cristão tenha condições suficientes para

cumprir os mandamentos – “amar ao próximo e a Deus”. Um cristão empenhado na

proclamação da palavra de forma verdadeira, não deixa para um segundo plano seu

envolvimento com a vida social; ele percebe que as duas tarefas do crente não podem

ser tratadas como se fossem distintas. O cristão verdadeiro precisa mostrar que é muito

bom se preocupar com aquilo que os olhos não veem, as coisas espirituais dispostas

além do mundo dos sentidos. Mas para que se desperte a curiosidade, o desejo nos

outros de experimentarem a vida espiritual em Jesus Cristo, deve esse mesmo cristão ser

um modelo de vida nas ações em que exterioriza seu amor ao próximo, e isto acontece

nas ações sociais voltadas aos necessitados.

Por vivermos em um mundo onde o domínio das atitudes dos seres humanos é

tabulado pela ordem econômica, do dinheiro, cabe citar Padilla (1992, p. 142) para

compreendermos ainda melhor o “terreno” em que se está plantando a semente do

evangelho e procurando a cada dia realizar a missão integral pelo trabalho do discípulo

a serviço do Reino de Deus:

Uma das necessidades mais urgentes na igreja atualmente é a fé no poder do evangelho como uma mensagem de libertação do mundo, visto como um sistema sob o domínio dos deuses da sociedade de consumo criada pela tecnologia ocidental. Não há maior contribuição que a igreja possa dar à humanidade que o evangelho de Jesus Cristo e seu poder libertador.

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A missão integral precisa ser levada “até aos confins da terra”, e isto significa

que não deve existir lugar no mundo que não seja alcançado pelo evangelho. O cuidado

que o discípulo deve ter, e a igreja não pode se esquecer, é que o evangelho integral

precisa ser levado muitas vezes às proximidades da própria igreja, nas áreas urbanas,

onde há enorme concentração de pessoas carentes. Estas muitas vezes nem sequer

ouviram a palavra e nunca foram beneficiadas pelas ações dos discípulos, que ao

perceberem as necessidades básicas de sobrevivência destas pessoas próximas muitas

vezes não se sensibilizam com esta situação, deixando de anunciar um evangelho

integral.

A missão cristã integral, segundo a reflexão teológica de Padilla, precisa ser

vista como uma tarefa motivada pelo desejo de que Jesus Cristo seja reconhecido como

o Senhor do universo e o Salvador de todas as nações. Declarar que Jesus é Senhor,

como já vimos, é dizer que ele reina e governa nossas atitudes, que o princípio de

nossas vidas precisa ser centrado no evangelho e ser colocado em prática, com uma vida

que se dispõe a servir ao próximo em suas necessidades mais elementares de

sobrevivência, para que a proclamação da palavra seja completamente condizente com a

conduta que devemos ter no convívio social, demonstrando que é o senhorio de Jesus

que nos ilumina e nos faz agir.

Padilla (1992, p. 145) afirma que:

Um evangelho universal exige uma igreja universal, na qual todos os cristãos participem efetivamente da missão mundial como membros iguais do corpo de Cristo. O cumprimento da oração de Jesus de que seus seguidores sejam um a fim de que o mundo creia requer hoje uma comunidade cristã supranacional que leve ao mundo unificado pela tecnologia, um evangelho centrado em Jesus Cristo, o Senhor de todos. A missão é inseparável da unidade, e esta é muito mais que uma questão de estrutura. Ela tem a ver com a vontade de se alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram; tem a ver (com as palavras de Tillich) com “escutar, dar e perdoar.

Compreendo que Padilla procura mostrar que a unidade dos cristãos ao saírem

estes para realizar a missão integral é fundamental. Precisamos levar o mesmo

evangelho, isto é, o único evangelho de Jesus Cristo, num estado puro e verdadeiro, que

se resume no amor ao próximo e a Deus. Isto deve ser demonstrado de tal forma que

cada crente se sinta responsável por si e pela igreja que representa, agindo de tal forma

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que as pessoas possam sentir o desejo de conhecer de perto “quem é esse Jesus”

anunciado com tanta alegria nas palavras e nas obras. Esta é uma alegria que precisa ser

demonstrada pelas vidas das pessoas que se dispuseram a ser discípulas de um Deus que

governa o mundo e que merece louvor e adoração, num combate genuíno ao anticristo

do presente século.

A título de exemplo, esta consciência da unidade dos cristãos adquirida por

Padilla, é apresentada por ele de forma testemunhal. Em suas palavras ele se expressa

assim (2010, p. 47): “percebi a importância de me ver como membro do corpo de Cristo

e, como tal, uma pessoa chamada a participar da missão de transformar o mundo de

modo que reflita a glória de Deus […]”. Se cada membro da igreja sentir um forte

desejo semelhante ao aqui citado, o corpo eclesiástico será forte e capacitado para

evangelizar, ensinando a palavra e anunciando o Reino de Deus.

Outro desafio que se coloca na prática da missão integral, está no

desenvolvimento da justiça. Para enfrentar parte desta situação, Padilla (1992, p. 148)

diz que “o desafio do terceiro mundo é um desafio aos ricos, a seus valores e ideais, a

suas ambições e normas, seus pressupostos e seu estilo de vida”. O termo usado

“terceiro mundo” atualmente já não se encontra em voga como ocorreu na década de 70

a 90, mas é só um termo, uma classificação econômica que passou por mutações de

linguagem. Infelizmente, este mundo sofrido a que ele se refere existe até o presente. Os

ricos, não se preocuparam e me parece que não vão se preocupar com a situação dos

necessitados, porque pretendem continuar acumulando mais e mais. Pouco importa, ou

talvez nada importa, se o próximo está arruinado; o que vale é o acumulo de riqueza e

de capital. Isto se dá na vida dos ricos que se encontram na esfera privada, em especial

os banqueiros, e na pública, como burocratas do alto escalão do governo e políticos que

assumem tarefas públicas mais preocupados (ou até totalmente preocupados) com seus

interesses pessoais.

Padilla (2009, p. 91), ao tratar do tema “o sonho por um mundo de justiça”, cita

a poesia “A memória” de León Gieco, da qual transcrevo um dos versos:

“Dois de mim comeriam por um ano

Com o que custa um minuto militar.

Quantos deixariam de ser escravos

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Pelo preço de uma bomba no mar?”

Refletindo sobre a questão da justiça social, Padilla comenta neste mesmo texto

que “para os sonhos deixarem de ser meros sonhos, o amor tinha que se traduzir em

ação não-violenta em prol de mudanças sociais concretas”, indicando que a justiça

social é muito difícil considerando o desamor que impera na sociedade. Ela se manifesta

de diversas maneiras, principalmente pela ganância financeira dos proprietários do

capital e não menos pela ação política descomprometida com os seres humanos, quando

muitas vezes o Estado se apresenta como apenas mais uma instituição a serviço dos

poderosos governantes, que usam a máquina pública para proveito próprio e não para

uma ação coletiva em busca de promover a melhora social.

A igreja missionária não pode se espelhar neste modelo de mundo que busca o

acumulo de riqueza. Ela precisa distribuir e mostrar que é no equilíbrio das coisas que

se revela a ação social. Para que ocorra mudança no mundo é preciso que as pessoas se

arrependam e passem a agir diferentemente do que fizeram no passado. Os recursos são

escassos e as necessidades se apresentam como intermináveis. Isto nos mostra o

desnível entre a retenção de muitos bens e dinheiro por poucas pessoas e a necessidade

alarmante de muitas. A sociedade clama, sim, por justiça, e a igreja em missão tem

muito a contribuir de forma integral, levando a palavra e a ajuda social àqueles que

precisam de ambas as coisas: um novo estilo de vida baseado no consumo consciente e

no amor que Jesus vem pregando por meio de seus discípulos ha quase dois mil anos.

Padilla (1992, p. 150), nos adverte para um dos maiores desafios que precisamos estar

dispostos a enfrentar:

O desafio tanto para os cristãos no Ocidente como para os cristãos nos países subdesenvolvidos é criar modelos de missão centrados num estilo de vida profético, modelos que apontem para Jesus Cristo como Senhor da totalidade da vida, à universalidade da igreja e à interdependência dos seres humanos no mundo.

O abismo entre as poucas pessoas que têm muito e as muitas que têm pouco

pode ser diminuído pela política pública voltada para a justiça social. Mas os cristãos

não precisam esperar pelas ações do governo e podem agir por sua conta, por meio da

igreja, que deve se colocar a serviço do evangelho, proclamando com alegria a palavra

de Deus e praticando as boas obras mediante a realização de ações sociais.

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Vou em seguida refletir sobre a missão integral em um contexto um pouco mais

estreito, entre a ação social e o Reino de Deus, no pensamento teológico missionário de

Padilla.

2.3.2 – Missão Integral: Ação Social e o Reino de Deus

Para Padilla (1992, p. 203), “tanto a palavra como a ação (social) apontam para o

Reino de Deus. A missão da igreja é uma extensão da missão de Jesus.” Não se pode

separar dentro da perspectiva missionária a ação do serviço social da palavra porque

uma se conecta a outra, de forma que uma não existe sem a outra. Para Padilla, o reino

se torna visível e uma realidade presente por meio da igreja que realiza boas obras.

Assim, estas não podem ser consideradas como apenas um anexo, mas devem fazer

parte integral da missão. A evangelização e a responsabilidade social precisam caminhar

juntas, até porque Jesus e seus discípulos não fizeram uma divisão entre elas, nem nos

parece que tenham priorizado uma em detrimento da outra.

Padilla recorda em uma recente entrevista (apud REY, 2010, p. 3) de como se

preocupava com o evangelho integral, mesmo quando ainda era um jovem pregador:

[…]coisas que para mim eram essenciais, como a comunhão cristã em um nível mais profundo, a responsabilidade (social) para com o próximo, em especial com os mais necessitados, a pregação da palavra como algo central na vida das igreja, a feitura regular de boas obras por parte de muitos membros da igreja, o surgimento de liderança local, a formação de jovens, enfim, estes foram fatos que representaram para mim, oportunidades de crescimento e de serviço.

A missão deve compreender a proclamação da palavra, o anúncio do evangelho

voltado para a salvação de almas e do conforto que pode oferecer, aliviando em muito o

sofrimento que o espírito pode ter de enfrentar. No entanto, as atitudes cristãs devem

contemplar também as questões sociais, porque são nelas que se manifesta a face de

Jesus, no exemplo prático e concreto da vida. Aí as pessoas poderão perceber a presença

do Senhor Jesus por meio das ações de seus discípulos, que são todos os membros da

igreja, sejam eles clérigos ou leigos (termo não usual entre os batistas). Gosto da

ilustração que Padilla (1992, p. 207) faz quando em seu texto, comenta assim:

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Se a evangelização e a ação social são consideradas essenciais na missão, não necessitamos de um manual que nos diga qual vem primeiro e qual vem depois. Por outro lado, se não são consideradas essenciais, o esforço para entender a relação entre ela é um exercício acadêmico inútil: tão inútil como entender a relação entre a asa esquerda e a direita de um avião, quando se acredita que um avião pode voar com uma asa só. E quem pode negar que a melhor maneira de entender a relação entre as duas asas de um avião é voar nele, ao invés de especular a respeito?

A missão integral, que é uma forma completa de se levar a mensagem de Deus

ao mundo, não prioriza a palavra nem a ação social. Ela coloca ambas de forma

indissociável, correndo juntas, indissociáveis. Não se pode separar ou classificar em

ordem de importância o que vem primeiro, se a proclamação da palavra ou a ação da

responsabilidade social. Padilla coloca esta questão como inútil, ilustrando com a

importância das asas de um avião. Todos nós sabemos que as duas asas são importantes,

não se pode voar com apenas uma delas. Portanto não existe uma que seja “mais” e

outra “menos” importante. Isto se aplica a missão integral: não se pode alçar o

evangelho pelo mundo sem a “asa” da proclamação e sem a “asa” da ação social, porque

as duas são imprescindíveis.

Um tema marcante na missão integral, diz respeito ao Reino de Deus. Resolvi

incluir este assunto nesta parte da pesquisa porque observando os principais textos de

Padilla, ele trata do Reino de Deus quase sempre quando escreve sobre a ação da

responsabilidade social e a feitura das boas obras.

Reimer (2008, p. 855, 856), trata o verbete “Reino de Deus” no AT:

No AT a ideia de um reino de Deus já era expressa e de alguma forma, parece haver uma relação de proximidade entre o imaginário simbólico de um reino de Deus e o seu referente terreno, isto é, reinados históricos. A ideia de um rei forte e poderoso, capaz de subjugar inimigos, mas também de prover justiça é projetada para o próprio Deus. O reino de Yahveh se dará sobre a comunidade que observa a Torá; observa-se então que também há grupos claramente excluídos deste governo. Sendo considerado o Deus criador de todo o cosmo, Yahveh pode ser celebrado como o Senhor absoluto de todo universo. Esse governo se dará especialmente através da observância dos preceitos da Torá, na qual a prática da justiça e da misericórdia, sobretudo em relação às pessoas empobrecidas, constitui elemento importante. Os herdeiros deste reino de Deus eterno serão os crentes que se mantiverem fiéis (a Yahveh somente e a sua Torá) até o tempo final.

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No AT, existem aproximações de um reinado simbólico, de um reinado histórico

(terreno) e indícios de pessoas excluídas, ou seja, aquelas que não observavam as leis da

Torá. Por ser Yahveh o Deus absoluto e criador do universo, não sobrava espaço para a

formação de outro deus; só um reina e pronto. Como seria impossível tratar do Reino de

Deus sob a perspectiva do AT nesta pesquisa, seja pelo espaço, e objeto da pesquisa

deste pesquisador, o que faço é apenas um mínimo resgate histórico, para de imediato

voltar a me dedicar a esta questão do reino, bem direcionada ao evangelho de Jesus e

com vistas ao tema da missão. Por fim, cabe lembrar que “essa esperança pela

realização do reino de Deus será traço marcante na espiritualidade judaica do período”

(REIMER, 2008, p. 857).

Retornando a Reimer (2008, p. 857-858), em se tratando do verbete “Reino de

Deus” no NT, temos os seguintes recortes:

O termo e conceito Reino de Deus tem o seu desdobramento mais importante nos textos do NT, através das ações e falas de Jesus. Ele compartilha o conhecimento e a esperança pelo Reino de Deus, presentes na tradição judaica de tempos anteriores. A expressão Reino de Deus (escatológica) está muito presente nas parábolas que aparecem em Mateus – aqui a prática da justiça e da misericórdia é o tema central juntamente com o desafio de dar preferência ao Reino de Deus diante de outros compromissos. Anuncia-se um novo tempo de justiça para as pessoas empobrecidas, doentes, marginalizadas e abandonadas na estrada da vida. Este acontecimento, no entanto, ainda não está pleno e permanece em aberto até o final, quando todas as pessoas serão julgadas de acordo com sua prática da justiça. Em lugar nenhum se encontra uma definição clara e direta sobre o Reino de Deus. Jesus falava sobre ele como uma realidade conhecida, que está próxima e já presente na realidade histórica e nas pessoas, mas que também ainda continua aberta para o futuro. Permanece impossível, porém, querer encerrar o Reino de Deus numa definição.

O Reino de Deus, conforme a descrição feita por Reimer, se manifesta na pessoa

de Jesus não somente na fala relacionada ao presente, mas também em sua escatologia e

nas ações das obras que espelhavam o que ele dizia. É uma combinação de palavra e

ação, nunca desassociando uma da outra. A prática da justiça e da misericórdia se faz

necessária para se viver agora e se alcançar no futuro o Reino de Deus. Cabe citar o

evangelho segundo São Lucas 17.20, 21: “Interrogado (Jesus) pelos fariseus sobre

quando chegaria o Reino de Deus, respondeu-lhes: a vinda do Reino de Deus não é

observável. Não se poderá dizer: ‘ei-lo aqui! Ei-lo ali!’, pois eis que o Reino de Deus

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está no meio de vós”. Portanto, o Reino de Deus é uma realidade atuante no presente e,

no entanto, se refere também ao futuro.

Retornando à teologia de Padilla, quando ele trata do Reino de Deus em relação

ao fato de que todos estão convidados a participar deste reino, seja homem, seja mulher,

está querendo assim dizer que isto ocorre por meio do perdão, da justiça e da paz, da

misericórdia e do convite feito pelo evangelho. Para Padilla (1996, p. 55), “a obra de

Jesus Cristo foi cumprida em sua morte e ressurreição e dirige-se à totalidade da

existência humana. Não tem exclusivamente a ver com a salvação da alma em um

futuro distante, nem se limita ao aspecto religioso da vida”. Assim ele descreve o

contexto do evangelho de Jesus, indicando um reino presente e ao mesmo tempo futuro,

bastando ao ser humano aceitar o convite para entrar neste reino.

É pela pratica da justiça e pela forma como vivemos neste mundo nos

relacionamentos pessoais e sociais que seremos julgados por Deus e convidados (ou

não) a fazer parte de seu reino. Não se deve esperar por um futuro distante (eternidade)

para se vivenciar a alegria do Reino dos Céus, porque ele já se fez presente entre nós,

por meio de Jesus. Ainda hoje, a igreja tem o Espírito Santo para executar seu reinado.

É pela palavra, pelos gestos de solidariedade e de amor fraterno, e pelo amor até aos

inimigos (possível só pela misericórdia de Deus) que se vive no presente a dimensão

existencial do Reino de Deus. Entra aqui um fator fundamental: o desapego ao dinheiro.

É pelo bom uso deste símbolo, materializado em todos os tipos de bens de consumo,

que muito do coração do ser humano se manifesta aos olhos da sociedade. O jeito como

se lida com este recurso mostra muito do senso de justiça e da forma como vive o

cristão, se realmente ele se dispõe a uma vida integral e a ser um missionário que pratica

a missão integral no sentido mais amplo e pleno desta expressão.

A justiça que se apresenta como elemento fundamental do Reino de Deus, pode

perfeitamente ser compreendida como “amor cristão”. Este amor ao próximo realizado

pela pregação do evangelho e pela concretude das ações sociais, juntamente com a

máxima “amar a Deus sobre todas as coisas”, pode moldar a forma como as pessoas se

relacionam entre si, expressa em gestos, pensamentos, ações e sentimentos, que venham

a demonstrar as atitudes de verdadeiros cristãos dispostos a proclamar o Reino de Deus

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como um evento presente tão bom, que faça brotar o desejo sincero de querer que este

Reino de amor, paz, justiça, misericórdia e de cura signifique um real novo nascimento.

A vida cristã precisa ser dinâmica, demonstrando em atos o que se pronuncia em

palavras, para que a luz do evangelho realmente ilumine corações e mentes de tal forma

que se possa ver que “Cristo vive em nós”.

No entanto, cabe lembrar que é impossível querer compreender por completo e

tentar conceituar por definitivo, o que afinal vem a ser o Reino de Deus. Padilla (1992,

p. 197) nos alerta para o seguinte: “cada tentativa de definir a relação entre o Reino de

Deus e a igreja por um lado, e entre o Reino de Deus e o mundo, por outro, será

necessariamente incompleta”. No entanto, estas dificuldades não nos impedem de

refletirmos teologicamente sobre os assuntos do Reino de Deus, baseando-nos aqui na

Teologia da Missão Integral de Padilla.

Padilla (1992, p. 198) elabora uma definição, dentro do possível, sobre o que

vem a ser o Reino de Deus:

O Reino de Deus é, portanto, uma realidade presente e ao mesmo tempo uma promessa que será cumprida no futuro: ele veio (e está presente entre nós) e virá (de modo que esperamos seu advento). A premissa básica da missão de Jesus e o tema central de sua pregação não é a esperança da vinda do Reino numa data previsível, mas o fato de que em sua própria pessoa e obra o Reino já se tenha tornado presente com grande poder.

O evangelho é uma mensagem que procura despertar no ser humano o amor

próprio, ao próximo e a Deus sobre todas as coisas. Seu Reino se constituiu na história

humana no passado, com o nascimento, vida e obra de Jesus e deixou um legado aos

homens repleto de exemplos de como conviver melhor, fazendo do tempo presente um

momento de alegria. Infelizmente, a meu ver, a lição deixada por Jesus não foi

aprendida pelos homens. Esta é a razão principal do sofrimento humano. Esta realidade

presente, marcada pela dor, tem possibilidade de ser alterada, pela esperança que se tem

na palavra e nas ações que Jesus nos deixou como exemplo. A volta de Cristo e o Reino

futuro, são fatos que se esperam.

A missão de Jesus em nosso tempo foi realizada pela pregação da palavra e

ações sociais quando se contemplaram duas necessidades do ser humano: as coisas do

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espírito (alma) e as do corpo. As duas dimensões do ser humano foram abordadas por

Jesus, que nos deixou uma mensagem de fé e esperança de uma vida melhor. Porém,

para que esta vida melhor se concretize, é necessário que os homens façam uma adesão

irrestrita ao evangelho, para que consigam cumprir as exigências necessárias para

viverem no presente e na posteridade as alegrias do Reino de Deus. Esta alegria se

expressa aqui e agora pela fraternidade, justiça (ética) e respeito entre os seres humanos,

tendo como ponto de referência o amor que Jesus ensinou. Fazer parte do Reino do

presente século é promover e viver sua justiça, com os olhos da fé fixados na segunda

parte do Reino. Conforme as palavras do evangelho atribuídas a Jesus, este tempo “está

próximo”.

As questões do Reino de Deus entraram na história e afetam a vida da

humanidade em todas as suas dimensões física, psicológica, material, social e espiritual,

não deixando de fora qualquer dimensão da vida do homem. Para lidar com esta

situação tão ampla, que atinge o natural e o sobrenatural, precisamos viver segundo o

evangelho, para que possamos compreender e praticar aquilo que Jesus nos ensinou por

meio de seus discípulos, pela missão da igreja e pela vida pessoal de cada cristão

disposto com toda sinceridade a servir ao rei Jesus, com seu exemplo de vida, por meio

da prática da justiça caracterizada pelo amor dedicado ao próximo e, em nossos dias,

pela responsabilidade social, ambiental e espiritual.

A missão da igreja é proclamar as boas novas a todos os povos e não pode ser

entendida independentemente da missão de Jesus. Esta missão (da igreja) segundo

Padilla (1992-b, p. 125) “é a manifestação, ainda que não completa, do Reino de Deus

tanto por meio da proclamação como por meio da ação e do serviço social”, dando

testemunho do amor de Deus, quando o ser humano se dispõe com seriedade e afinco a

realizar em sua vida o que lhe manda o evangelho, isto é, amar a Deus sobre todas as

coisas e ao próximo como a si mesmo. Isto deve ser externado em palavras e nas boas

obras, demonstrando a presença da justiça divina existente entre os homens, por meio da

vida exemplar que cada cristão deve perseguir, olhando para Jesus Cristo.

A reflexão que Padilla apresenta sobre o “reino e a igreja” apontam para uma

missão na qual Jesus tinha a intenção de ficar rodeado por sua comunidade, onde suas

promessas pudessem ser cumpridas. Ladd (apud Padilla, 1992, p. 201) assim se

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expressa: “a igreja (é) a comunidade do Reino, mas nunca o próprio Reino (…) o reino

é o reinado de Deus; a igreja é uma sociedade de pessoas”. Isto é, “o Reino de Deus

irrompeu na história em Jesus Cristo (o qual) continua atuando por meio do Espírito

Santo”. O Cristo rei que subiu aos céus continua operando na terra por meio de seu

Espírito Santo, tendo como sua maior expressão a igreja, uma assembleia de pessoas

que precisam e devem estar comprometidas com a palavra e as obras sociais, pois “a

igreja é o resultado da ação de Deus por meio do Espírito”. E conclui: “a igreja depende

do Espírito para sua própria existência”.

O ministério integral a ser promovido pela igreja deve no mínimo focar em

quatro pontos, para se avaliar seu crescimento e comprometimento com o evangelho e

com a missão integral. Padilla (1997, p. 31-33) aponta o crescimento numérico, que

precisa ser tratado com outros elementos da missão, para que ela não corra o risco de se

preocupar em demasia apenas com a salvação de almas, ou com atitudes superficiais

que indiquem apenas crescimento em número, sem o devido cuidado com a palavra e

com a ação social pleno; o crescimento orgânico, que significa o governo, a estrutura

financeira e a vida cultural da igreja, sempre pautados no evangelho; o crescimento

conceitual, relacionado à inteligência da fé, isto é, na reflexão teológica; e, por último, o

crescimento diaconal, para se verificar em qual intensidade a igreja se dedica (serve) ao

mundo, com a intenção de prestar serviço ao Reino de Deus, por sua presença no

mundo.

O evangelho traz uma mensagem escatológica que indica um evento: a vinda do

Reino. Mas este Reino já opera por meio de Cristo. Quando ele volta aos Céus, o

Espírito Santo inaugura a igreja, que tem o compromisso de se fazer presente nas vidas

das pessoas. Para aderir à fé, primeiro é necessário acontecer o arrependimento, por

meio do pedido de perdão dos pecados pessoais e sociais, dirigindo este pedido a Deus.

Estar na igreja e agir pela igreja, é uma forma de se fazer missão integral, envolvendo-

se o cristão com as carências físicas, sociais, psicológicas e teológicas das pessoas,

muitas delas de fora e outras já participantes da igreja. Padilla (1992, p. 78) afirma que

“a característica mais distintiva do ensinamento de Jesus quanto ao Reino de Deus é

que, em antecipação ao final do tempo, a era do Reino já está em meio aos homens por

meio de sua pessoa e seu ministério”.

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CAPÍTULO III – O CONCEITO DE MISSÃO NO PENSAMENTO

DE J. STOTT E DE R. PADILLA

Neste capítulo sobre J. Stott e R. Padilla, vou compará-los teologicamente

procurando analisar dentro do contexto do tema da “missão” quais semelhanças e quais

diferenças marcam suas obras e, ainda, qual o legado missiológico que nos deixaram. J.

Stott faleceu em julho de 2011 e R. Padilla tem hoje com 80 anos. Os pontos em comum

tratados por ambos na teologia da missão – e que aparecem no texto desta dissertação –

se relacionam ao evangelho e missão (palavra e ação social) e igreja e discipulado. J.

Stott costuma se referir a uma “missão mundial” e Padilla a uma “missão integral”. O

Pacto de Lausanne (PL/74) é um documento comum a ambos e por esta razão está

sendo aqui tratado de forma inicial.

Stott e Padilla possuem formação na Inglaterra e têm em comum a luta pela

divulgação do evangelho, como trabalhadores do reino de Deus em frentes das mais

variadas possíveis, como escritores, palestrantes e pastores. No entanto, Stott se fixou

em Londres ao passo que Padilla se dedicou aos países latinos.

3.1 – Missão no Pacto de Lausanne de 1974 – J. Stott e R. Padilla

O ponto de partida para efeito do estudo comparativo, será o Pacto de Lausanne

(PL/74), escrito por ocasião do “Congresso Internacional Sobre Evangelização

Mundial” em Lausanne, Suíça, 1974, com o tema “Para que o mundo ouça a sua voz (de

Deus)”. Ali o reverendo John R. W. Stott serviu como presidente da comissão de

redação do Pacto “expressando profunda gratidão ao Sr. Samuel Escobar e outros”, que

foram membros da referida comissão. R. Padilla se destacou dentre tantos outros

preletores presentes no congresso, abordando o seguinte tema “A evangelização e o

mundo”. A parte desta palestra que provocou os congressistas a pensarem na missão

integral foi (PADILLA, 1992, p. 7) a seguinte:

Nossa maior necessidade é de um evangelho mais bíblico e uma igreja mais fiel. Poderemos nos despedir deste congresso com um belo conjunto de papéis e declarações que serão arquivados e esquecidos, e com a lembrança de um grande e impressionante encontro de âmbito mundial.

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Ou poderemos sair daqui com a convicção de que temos fórmulas mágicas para a conversão das pessoas. Eu pessoalmente espero em Deus que possamos sair daqui com uma atitude de arrependimento no que diz respeito a nossa escravidão ao mundo e ao nosso arrogante triunfalismo, com o senso de nossa incapacidade de sermos libertos dos grilhões a que estamos atados e, apesar disso, com grande confiança em Deus, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós. A ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém.

Em Lausanne (1974), como se percebe na citação acima, Padilha traz à tona o

elemento do cuidado com a alma e também com o corpo de maneira indissociável,

provocando uma reflexão séria e focada na missão integral. Zwetsch (2008, p. 151)

escreveu que “nesse Congresso, Padilla fez parte de um grupo chamado discipulado

radical que incentivou os participantes a assumirem a responsabilidade social como

parte integrante da evangelização e não como uma simples opção circunstancial”.

Quanto a Stott, ele concentrou seu cuidado missionário em um “Jesus que veio

servir e testemunhar” ao dizer que “essas duas atividades é que constituem a missão da

igreja”, colocando seu esforço no anúncio do evangelho para pregar a salvação, como

veremos logo abaixo. Ao comentar o objetivo do evangelho no PL/74, Stott (1984, p.

26) afirma que:

O objetivo da evangelização é a conversão, e a conversão implica uma mudança radical de estilo de vida, envolve o converso em pelo menos três novas e conscienciosas relações: com Cristo, com a igreja e com o mundo.

Feitos estes comentários, destaco as seguintes seções do PL/74: (seção nº 4) que

trata da natureza da evangelização, (nº 5) que aborda a responsabilidade social cristã, (nº

6) sobre a igreja e a evangelização, (nº 7) sobre cooperação na evangelização, e (nº 9)

que aborda a urgência da tarefa evangelística. Estas seções do PL/74 foram abordadas e

comentadas tanto por Padilla quanto por Stott, permitindo assim fazer um comparativo

entre a teologia da missão de ambos.

O método que utilizarei para comparar a Teologia da Missão Mundial de Stott

com a da missão integral de Padilla, sob o prisma do PL/74, será, primeiro, citar a seção

referente ao PL/74, e em seguida comentá-la dialogando com ambos, à luz do

entendimento de cada autor, e comparar suas teologias.

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No PL/74, seção nº 4, temos o seguinte:

Natureza do evangelismo: evangelizar é difundir as boas novas de que Jesus Cristo morreu por nossos pecados e ressuscitou dos mortos, segundo as Escrituras e agora como Senhor e Rei oferece o perdão dos pecados e o dom libertador do Espírito Santo a todos os que se arrependem e crêem. A nossa presença cristã no mundo é indispensável à evangelização, e também manter um diálogo cujo propósito é ouvir com sensibilidade para entender. Mas a evangelização propriamente dita é a proclamação do Cristo bíblico e histórico como Salvador e Senhor, para convencer as pessoas a vir a ele pessoalmente e reconciliar-se com Deus. Ao fazer o convite do evangelho, não temos o direito de esconder ou reduzir o custo do discipulado. Jesus ainda convida todos os que queiram segui-lo a negar-se, tomar a sua cruz e se identificar com a sua nova comunidade. Os resultados da evangelização incluem a obediência a Cristo, o ingresso em sua igreja e um serviço responsável no mundo.

Para Stott (1984, p. 23), “o conteúdo do evangelho é o próprio Jesus Cristo, ele

próprio, é a essência do evangelho” compreendido em dois eventos centrais, isto é, “sua

morte e a ressurreição”. O autor se concentra nas boas novas de que Jesus morreu pelos

nossos pecados e ressuscitou para provar que seu sacrifício na cruz havia sido aceito por

Deus e que não tinha morrido em vão. Quase que “automaticamente” quem “aceita

Jesus” recebe os dons do perdão dos pecados (dado por Deus) e o dom libertador do

Espírito, que nos liberta do egocentrismo para vivermos para Deus e para os outros.

Neste ponto, Stott (1984, p. 24) complementa sua teologia dizendo que “para receber

estes dons gratuitos, o homem precisa arrepender-se e crer, desviando do pecado, da

mentira e dos ídolos, e confiando em Jesus Cristo como único Salvador (fé)”. As duas

coisas são indissociáveis (PADILLA, apud Stott, 1984, p. 24): “a fé sem

arrependimento não é fé redentora, mas presunçosa crendice” fazendo aqui sua única

referência a R. Padilla.

No comparativo sobre a natureza do evangelho, Stott compreende que nele estão

contidos elementos do Reino de Deus, do nascimento, vida e morte de Jesus, mas deixa

claro que sua teologia aponta para a questão de que “Só Jesus Cristo Salva”. Ele afirma

que “o objetivo da evangelização é a conversão”. Ao analisar esta afirmação, podemos

observar que Stott prega a Jesus como Senhor e Salvador, fazendo da missão mundial

uma forma de proselitismo, dando ênfase à proclamação da palavra e somente depois,

isto é, em segundo lugar, à ação social pelo convertido. Este, ao prestar um serviço

responsável no mundo, deixa o egocentrismo para se dedicar ao serviço sacrificial no

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dedicar-se às boas obras para com seu próximo. Sua teologia muito se aproxima da do

norte-americano Billy Graham, um dos líderes e patrocinadores do Congresso. Para

Graham (1974, p. 36,37) a salvação da alma é prioritária:

Cristo levou em seu próprio corpo, na cruz, os pecados que nos algemavam. Ele morreu por nós e ressuscitou. Ele provou a verdade de todas as promessas de Deus feitas ao homem; e se você aceitar hoje a Jesus Cristo, pela fé, também poderá partir as algemas do pecado, e ficar em lugar seguro e livre, no conhecimento de que, através do amor de Cristo, sua alma está purificada do pecado e salva da condenação.

Billy Graham não chega sequer a abordar a questão social em seu modo de ver o

evangelho, compreendendo que a atitude pessoal de “aceitar hoje a Jesus Cristo” tem

uma dimensão e um tal efeito que elimina por completo o pecado individual. A salvação

eterna fica assim garantida e as necessidades tanto espirituais quanto materiais são

resolvidas. Na teologia de Graham não sobrou espaço para o serviço social, nem mesmo

em segundo plano. Stott, no entanto, coloca o serviço social dentro da missão mundial,

mesmo em segundo plano.

Já Padilla (2011, p. 1) compreende que “a evangelização bíblica é inseparável da

responsabilidade social e política, o discipulado cristão e a unidade da igreja”. Em

poucas palavras, ele aborda e inclui na proclamação da palavra – a pregação do Jesus

Rei, Salvador, Senhor – o apelo ao compromisso de ser discípulo e pertencer a uma

igreja e ao serviço social. Samuel Escobar, ao tratar da teologia da missão

contextualizada no evangelho, possui compreensão semelhante à de Padilla. Ele (1992,

p. 20) afirma:

Existe base suficiente na história da igreja e nos ensinamentos da Palavra de Deus para afirmar categoricamente que a preocupação pelo aspecto social do testemunho evangélico no mundo não é um abandono das verdades fundamentais do evangelho; pelo contrário, é levar às últimas consequências os ensinos a respeito de Deus, de Jesus Cristo, do homem e do mundo, que formam a base desse evangelho.

Escobar aponta para a mesma direção de Padilha mostrando que, ao se praticar o

serviço social por meio da igreja, sob nenhuma hipótese, a proclamação da palavra será

enfraquecida, prejudicada. Pelo contrário, diz ele, é na prática do evangelho integral,

que se insere o ser humano dentro da missão integral, contribuindo para que a presença

de Jesus no mundo se revele com mais vigor.

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Sendo assim, analisando a seção nº 4 do PL/74 sobre a natureza do evangelho,

pude perceber que existem contidos nesta seção, três elementos importantes: a fé em

que Jesus é o único Salvador e Senhor – não existe salvação fora do seu senhorio; o

custo de ser discípulo de Cristo – na condição de que cada um deve levar sua própria

cruz e dispor de tempo e recursos para praticar a evangelização; a identificação com a

nova comunidade, isto é, a igreja – para fazer parte de um grupo social de forma

consciente de suas responsabilidades tanto na proclamação da palavra quanto das

práticas das ações sociais. O termo “Reino de Deus” não aparece nesta seção, mas a

palavra “rei” leva-nos a crer que de forma indireta ele está ali incluso. A visão de Stott

fica mais limitada à proclamação da palavra com o objetivo de converter pessoas ao

cristianismo, enquanto Padilla inclui na evangelização a pregação, o serviço social, a

ação política, o compromisso pessoal de ser discípulo e o coletivo de pertencer a uma

igreja tendo em vista a reconciliação pessoal com Deus.

Quanto à responsabilidade social cristã expressa no PL/74 em sua seção nº 5

temos:

A responsabilidade social cristã: afirmamos que Deus é o Criador e Juiz de todos os homens. Portanto, nós devemos compartilhar sua preocupação pela justiça e pela conciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação de todos os homens de todos os tipos de opressão. A humanidade foi feita à imagem de Deus e toda pessoa, independentemente da sua raça, religião, cor, cultura, classe, gênero ou idade, possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, não explorada. Também nos arrependemos de nossa negligência e por ter algumas vezes considerado a evangelização e a preocupação social como coisas mutuamente exclusivas. Embora a reconciliação com o homem não seja o mesmo que reconciliação com Deus, o compromisso social não seja o mesmo que o evangelismo, nem libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e ação social e política fazem parte do nosso dever cristão. Ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso próximo e nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre todas as formas de alienação, de opressão e discriminação, e não deve ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando as pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem procurar não só evidenciar, mas também divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando em todas as nossas responsabilidades, pessoais e sociais. A fé sem obras é morta.

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Stott comenta que as obras sociais já foram em tempos passados, ou seja, no

século XIX na Inglaterra, objeto de preocupação dos cristãos e que hoje (na época de

Lausanne/74) nossa tendência como cristãos está divorciando a evangelização da ação

social. Ele reconhece que nossa atenção está quase que exclusivamente concentrada na

proclamação da palavra no sentido de pregar apenas a salvação da alma. Para Stott

(1984, p. 28-31) essa seção nº 5 do PL/74 tem em seu contexto as doutrinas principais

do dever social cristão, as quais são: a doutrina de Deus – ele não está apenas

interessado na igreja mas em todo mundo; a doutrina do homem – a responsabilidade

social e a evangelização são parte do nosso dever cristão; a doutrina da salvação – que

significa a libertação do mal social e individual; e por último, a doutrina do reino – o

cidadão que recebeu a Cristo nasceu de novo para este reino.

Outro autor norte-americano que se aproxima da teologia de Stott, é Howard

Snyder. Esta aproximação se dá pelo fato de que ele também divide a missão em

proclamação da palavra e ação social. No entanto, o anúncio do evangelho por meio da

pregação deve ser priorizado (cf. SNYDER, 1997, p. 47):

A prioridade para com os pobres é a evangelização, vivendo e transmitindo as boas novas. Nosso interesse deve estar, em primeira instância, na verdade central da mensagem do evangelho: reconciliação com Deus por meio do sangue de Jesus Cristo.

Snyder coloca a evangelização, isto é, a pregação da palavra, como pedra

fundamental da evangelização na missão mundial a ponto até de se esquecer por

completo da questão do serviço social. Ele insiste nesta postura ao afirmar que

(SNYDER, 1997, p. 47) “em nossa preocupação pelos pobres, corremos sério risco de

negligenciar ou acabar retendo a coisa mais importante: a própria mensagem do

evangelho”, e continua afirmando: “nada do que podemos fazer pelos pobres é mais

relevante do que a evangelização”.

Já Padilla compreende que de maneira notória o PL/74 seção nº 5, elimina a

dicotomia entre evangelização e responsabilidade social e política. A responsabilidade

social dos cristãos fundamentada na doutrina de Deus, do homem, da salvação e do

Reino, recebe no PL/74 um lugar de proeminência (PADILLA, 2011, p. 1): “os cristãos

devem compartilhar a preocupação de Deus por justiça e reconciliação com toda a

humanidade e pela libertação do homem de todo tipo de opressão”. Essa concepção de

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missão que não pode separar, priorizar ou simplesmente riscar o serviço social, é

compartilhada por Escobar (1992, p. 42) quando afirma: “não podemos separar o

evangelho da demonstração desse evangelho. Quero dizer, o serviço cristão não é

optativo, não é algo que podemos fazer se o quisermos. É a marca da nova vida”.

Analisando e comparando esta seção nº 5 do PL/74, compreendo que Stott

coloca em evidência a salvação de almas por meio da pregação do evangelho, quando a

igreja sai ao mundo para ali fazer sua missão; ele faz referência à evangelização e à ação

social, mas não dá ênfase a esta. Ele coloca que evangelismo não é ação social nem

política. Quanto ao reino de Deus, ele adverte, citando Mateus (6.33), que devemos

“buscar primeiro o reino de Deus e sua justiça”, para sermos “sal da terra”, pois “a fé

sem obras é morta”. No entanto, Padilla (2011, p. 2) compreende esta seção do PL/74

como afirmando que “a evangelização e a ação social e política (são) parte integral de

nosso dever cristão” e que “não se deve dar lugar a uma concepção unilateral de missão

da igreja baseada no divórcio antibíblico entre a proclamação (kerygma) e o serviço

(diakonia)”.

A seção nº 6 do PL/74 declara:

A igreja e a evangelização: afirmamos que Cristo envia seu povo redimido ao mundo assim como o Pai o enviou, e que isso requer uma penetração de igual modo profunda e sacrificial no mundo. Necessitamos sair de nossos guetos eclesiásticos e penetrar na sociedade não cristã. Na missão da Igreja de evangelismo o serviço sacrificial vem em primeiro lugar. A evangelização mundial requer que a igreja inteira leve o evangelho integral ao mundo todo. A Igreja está no coração do propósito cósmico de Deus e é o instrumento que ele tem designado para difundir o evangelho. Mas uma igreja que pregue a cruz deve, ela própria, ser marcada pela cruz. Ela torna-se uma pedra de tropeço para a evangelização quando trai o evangelho ou a falta de uma fé viva em Deus, um amor genuíno pelas pessoas, ou uma honestidade escrupulosa em todas as coisas, incluindo a promoção e finanças. A igreja é a comunidade do povo de Deus, ao invés de uma instituição, e não deve se identificar com uma cultura, sistema social ou político, nem com ideologias humanas.

Stott (1984, p. 32-34), ao comentar esta seção do PL/74 reconhece que a missão

de Cristo no mundo é ser modelo para a missão da igreja, porque “quando o Filho de

Deus foi enviado ao mundo, ele não ficou à parte da vida dos sofrimentos do mundo”.

Mais adiante ele diz que “essa tarefa inclui tanto a ação evangelística como a social, de

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maneira que a igreja, normalmente, não precisa optar por uma delas”. O evangelho

integral contempla aqui tanto a proclamação da palavra quanto o serviço social a ser

desenvolvido pela igreja de Cristo. Sobre a igreja ele alerta que se desejamos ser

ouvidos e levados a sério, precisamos praticar o que pregamos e ser possuidores de uma

honestidade escrupulosa em todas as coisas que fazemos.

Michael Green, outro participante e orador em Lausanne, alinhado a Stott em

termos teológicos, compartilha sua opinião sobre a igreja de hoje, fazendo referência à

igreja primitiva (GREEN, 2000, p. 194) afirmando:

A igreja também era a comunhão dos crentes, sendo o arrependimento e a fé as condições para ser aceito. E não é menos verdade que a igreja é a comunidade do Espírito, e que a única maneira de fazer parte desta comunidade é dar ao Espírito de Jesus acesso a nossa vida.

M. Green está afirmando sobre a igreja que o arrependimento e a fé são os

elementos que permitem ao “novo convertido” ingressar nela. Não existe, portanto, um

foco no entrar no Reino de Deus, mas sim na igreja. Esta maneira de pensar a

evangelização a ser realizada pela igreja está mais voltada para a compreensão de que

entrar para a igreja seja semelhante – e até mesmo igual – a entrar no Reino de Deus.

Isto pode levar à conclusão de que conversão pode ser interpretada de forma separada

do discipulado.

Padilla (2011, p. 2) comenta que o PL/74 é claro ao apontar para uma conversão

inseparável do discipulado, isto é, quem se converte passa a ser discípulo. Isso envolve

uma mudança radical em seu estilo de vida, considerando que os cristãos têm a

obrigação de ilustrar a mensagem de Cristo com suas próprias vidas, afirmando que

“uma igreja que prega a cruz, deve estar ela mesma marcada pela cruz”. Mais adiante

ele dá sentido a essa seção do Pacto, indicando que é uma obrigação da igreja levar um

evangelho genuíno de fé viva em Deus, no amor aos homens e exemplar honradez,

incluindo a promoção e o envolvimento com as questões econômicas e sociais.

Escobar tem uma percepção teológica do compromisso da igreja com o anúncio

do evangelho muito semelhante ao pensamento de Padilla. Escobar (1992, p. 26)

afirma:

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O testemunho da comunidade cristã não se dá no ar, dá-se no mundo, em bairros concretos, de cidades concretas, de sociedades concretas. Dá-se, não a homens abstratos, e sim a homens de carne e osso que vivem dentro de determinadas estruturas sociais, que sofrem, gozam, iludem-se e se desiludem, lutam e esperam.

Este serviço, para Escobar, acontece na concretude da vida, na luta diária pela

sobrevivência, onde o discípulo deve estar atuando, levando o evangelho e também

cuidando da parte social, atento às necessidades dos carentes que precisam das coisas

necessárias para se manterem vivos no momento presente e com dignidade nesta vida

terrena.

Ainda na análise da seção nº 6 do PL/74, Stott (1984, p. 33) volta a afirmar que a

proclamação da palavra para salvar almas é mais importante, isto é, está em primeiro

lugar em relação ao serviço social, ao dizer que: “mas se for necessário optar, então a

evangelização é primordial”. O aspecto financeiro da igreja não é comentado por Stott.

No entanto, Padilla vê uma amplitude maior nessa seção do PL/74, que vai além da

proclamação da palavra – no sentido apenas de salvar almas – e inclui o fato de que a

igreja deve tratar das coisas que envolvam finanças, ou seja, a promoção do serviço

social aos necessitados.

Em se tratando da seção nº 7 do PL/74, temos o seguinte:

Cooperação na evangelização: Afirmamos que a unidade visível da Igreja na verdade é o propósito de Deus. A evangelização também nos convoca à unidade, porque nossa unidade reforça o nosso testemunho, assim como a nossa desunião enfraquece o nosso evangelho de reconciliação. Reconhecemos, no entanto, que a unidade organizacional pode tomar muitas formas e não necessariamente servir à causa da evangelização. No entanto, nós que partilhamos a mesma fé bíblica, devemos estar intimamente unidos na comunhão de trabalho e testemunho. Confessamos que nosso testemunho por vezes tem sido marcado por um individualismo pecaminoso e duplicação desnecessária. Nós nos comprometemos a buscar uma unidade mais profunda na verdade, na adoração, na santidade e na missão. Urge o desenvolvimento da cooperação regional e funcional para o avanço da missão da Igreja, o planejamento estratégico, para o encorajamento mútuo e partilha de recursos e experiência.

Stott (1984, p. 34-37) trata da unidade da missão referida na seção nº 7 do

PL/74, afirmando que “nossa mensagem é de amor e paz, mas ela sempre se esvazia

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quando não estamos vivendo em amor e paz”. Isto pode demonstrar total falta de

unidade entre os cristãos numa região. Para ele, “a única unidade que agrada a Deus é a

unidade na verdade”, é o estarmos em comunhão na igreja pela verdade de Jesus. Na

prática, segundo Stott, deveríamos ser intimamente unidos, mas infelizmente temos nos

apresentado muitas vezes como pessoas individualistas e pecadoras, por não

promovermos a união entre os próprios membros da igreja. Sobre a missão, ele nos

alerta para que sejamos unidos na verdade e nos empenhemos pela graça de Deus a que

juntos possamos crescer na semelhança de Cristo e partilhar da missão da igreja.

Padilla (2011, p. 3) afirma que o PL/74 elimina a dicotomia entre evangelização

e a unidade cristã. Em contraste, aqueles que concentram sua atenção na igreja e se

descuidam da evangelização podem causar a falta de reconciliação, porque “a

cooperação não necessariamente fomenta a evangelização”. Uma unidade pode ser um

simples ajuntamento de pessoas que talvez não estejam comprometidas com a

proclamação e com a comunhão, o que não leva a uma verdadeira reconciliação com

Deus.

Analisando Stott, pude perceber que sua mensagem de unidade se refere muito

mais a questões do espírito que propriamente do corpo, isto é, voltadas para a ação

social. Ele trata do pecado individual e nos conclama a “aprender a planejar e trabalhar

juntos e também a dar uns aos outros e receber uns dos outros os dons benéficos que

Deus nos concedeu”. Para Padilla, a igreja (unidade) pelo simples fato de existir, não

garante a realização da tarefa missionária de evangelizar, porque “precisa unir a

proclamação (kerygma) com a comunhão (koinonia)”.

Vou em seguida indicar a seção nº 9 do PL/74 e em seguida apontar o que Stott e

Padilla comentaram sobre ela para depois analisar e comparar:

A urgência da tarefa evangelística: mais de dois bilhões e setecentos milhões de pessoas (em 1974), ou seja, mais de dois terços da humanidade, ainda não foram evangelizadas. Temos vergonha de que tantos tenham sido negligenciados. Esta é uma reprimenda para nós e para toda a igreja. Hoje, no entanto, existem muitas partes do mundo onde há uma receptividade sem precedentes ao Senhor Jesus Cristo. Estamos convencidos de que este é o momento para que as igrejas e as instituições paraeclesiásticas (agências) orem com seriedade pela salvação dos não alcançados e lancem novos esforços para realizarem a evangelização mundial. A redução do número de missionários e de

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dinheiro do exterior às vezes pode ser necessária para facilitar num país evangelizado o crescimento de uma igreja nacional que tenha confiança em si mesma, e para transferir recursos para outras áreas ainda não evangelizadas. Deve haver uma livre troca de missionários de todos os continentes para todos os continentes num espírito de humilde serviço. O objetivo deve ser, por todos os meios disponíveis e no menor tempo possível, que cada pessoa tenha a oportunidade de ouvir, compreender e receber a Boa Nova. Não podemos esperar atingir esse alvo sem sacrifício. Estamos todos chocados com a pobreza de milhões de pessoas, e conturbados pelas injustiças que a provocam. Aqueles que vivem em meio à opulência aceitam como obrigação sua desenvolver um estilo de vida simples a fim de contribuir mais generosamente tanto para aliviar os necessitados como para a evangelização deles.

Vamos observar o que Stott (1984, p. 37-42) tem a dizer sobre a urgência da

tarefa evangelística. Ele divide a seção nº 9 do PL/74 em cinco itens: igreja – ele diz

que todas, independentemente da localização, de seu tamanho (quantidade de

membros), do país em que estejam, se antigas ou jovens, devem alcançar almas em seu

território e em outras partes do mundo; e completa: “a igreja é criação de Deus,

essencial e eterna”; instituições paraeclesiásticas – ele comenta que geralmente são

interdenominacionais e especializadas em sua função de capacitarem as igrejas,

apoiando sua penetração missionária; e completa: “entretanto, sendo criação do homem

e capazes de expandir-se, não podem reivindicar a mesma imortalidade (da igreja)”;

pessoas não evangelizadas – ele recorda que são mais de dois terços da humanidade

(em 1974). Atualizando isto para hoje (2011) seria algo em torno de quatro bilhões e

seiscentos milhões de pessoas que ainda não ouviram o evangelho de Jesus Cristo. Ele

conclui dizendo o seguinte: “a grande necessidade que se tem no momento é a de

cristãos dotados de visão, de coragem e de disposição para reagirem positivamente a

este desafio e a esta oportunidade (de evangelizar bilhões de pessoas); missionários

estrangeiros – reconhece que a redução de missionários e de investimento financeiro se

faz necessária nos países e áreas onde o serviço pioneiro de evangelização já tiver sido

cumprido, permitindo que a igreja local seja autônoma e consiga por si só continuar sua

tarefa missionária; os milhões de empobrecidos – são retratados por pessoas que não

têm o necessário para se alimentar, se vestir, um teto para morar, privados de serviços

de saúde e educação, desempregados ou subempregados. Aqui, Stott faz um apelo aos

crentes para que sejam generosos com base na graça de Deus, “pois a graça significa

generosidade”.

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Já Padilla (2011, p. 2), tratando da seção nº do PL/74 quanto à urgência da tarefa

evangelística, se posiciona de forma bem mais breve que Stott. Ele indica que nesta

seção existe um firme propósito e um chamado a todos aqueles que estão em melhor

situação financeira, para que adotem um estilo de vida simples, para que possam

participar e contribuir de forma generosa tanto na ajuda financeira quanto investindo na

evangelização dos povos. Ele argumenta que todos nós devemos estar comprometidos

com a evangelização, a edificação cristã, a proclamação da palavra e o ensino do

evangelho, porque “nossa presença no mundo é indispensável para o anúncio do

evangelho”. Para ele “a igreja deve ser vista não somente como uma difusora do

evangelho, mas também como uma nova comunidade envolvida no propósito cósmico

de Deus”, reforçando nesta reflexão teológica que as bases da evangelização integral

devem ser dirigida para o alvo da missão, a qual deve abarcar o anúncio da palavra, o

comprometimento social, político, e o discipulado por meio da unidade da igreja.

No comparativo entre Stott e Padilla, quanto à urgência da tarefa evangelística, a

preocupação com o mundo não evangelizado para Stott “é algo mais que um fato frio;

ele (o mundo não evangelizado) aponta para nós seu dedo acusador e nos obriga a

reconhecer nosso culposo fracasso” por não conseguirmos por meio da obra missionária

salvar tantas almas. Ele solicita aos abastados da igreja que partilhem seus bens com os

necessitados, isto é, com os pobres. A colocação de Stott é suave, não exige exatamente

um comprometimento coletivo, mas fica na dependência de “boas pessoas” generosas e

dispostas a contribuírem para os pobres, demonstrando “um estilo de vida simples”.

Stott revela em sua Teologia da Missão Mundial a prioridade quanto à proclamação da

palavra na busca de salvar almas, deixando em segundo plano a ação no serviço social.

Quanto a Padilla, sua interpretação sobre a unidade da igreja, leva a uma ação

coletiva, de uma igreja unida, que precisa ater-se às necessidades sociais das pessoas,

proclamar o evangelho e também se envolver e refletir sobre as questões políticas que

nos rodeiam. O discipulado para ele é uma obrigação de todos os cristãos que devem

observar na igreja a unidade do corpo de Cristo. Padilla concentra sua teologia da

missão na perspectiva de colocar tanto a proclamação da palavra quanto a ação social de

maneira indissociável.

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Outros pontos em comum, tratados na teologia da missão tanto em Stott quanto

em Padilla, dizem respeito ao evangelho e à missão mundial ou integral e também à

igreja e o discipulado. Eles foram objeto de estudo nos capítulos I e II desta pesquisa. A

seguir, esses assuntos serão tratados de forma comparativa entre os dois teólogos para

buscarmos uma compreensão de seu conceito, dos pontos de convergência e de

divergência no que se refere à missão.

3.2 – Conceito de Evangelho na Teologia da Missão de J. Stott e de R.

Padilla

Na parte 1.1 e 1.2 do capítulo I desta dissertação abordei a questão do evangelho

na missão mundial, conforme a teologia de J. Stott. Na parte 2.1 e 2.2 do capítulo II

tratei a questão do evangelho na missão integral, segundo R. Padilla. Agora neste item

da pesquisa será comparada a teologia de ambos na busca de perceber e analisar

semelhanças e aproximações ou diferenças e distanciamento entre eles.

O evangelho da missão mundial em Stott está a serviço da salvação de almas em

primeiro plano, vindo em seguida, e se possível for, a responsabilidade de cuidar das

questões voltadas para a necessidade social. Esta é uma marca muito vigorosa e

perceptível em sua teologia missionária. Stott (2006-b, p. 426) descreve como o cristão

evangélico deve participar da missão de Deus:

O chamado de Deus é para participarmos de sua missão no mundo. Primeiro, ele enviou seu Filho. Depois, enviou seu Espírito. Agora, envia sua igreja, isto é, nós. Ele (Jesus), por meio do Espírito, envia-nos ao mundo para anunciar a salvação de seu Filho. Ele trabalhou por intermédio de seu Filho para alcançá-la e trabalha por nosso intermédio para torná-la conhecida.

Como se depreende, é uma missão centrada na salvação eterna da alma, em que

o elemento salvífico fica em plena evidência e o social vem à tona de forma tímida,

diria até que em segundo plano, sendo relegado à dimensão do “quase desnecessário”.

Com isso, não chego a afirmar que a obra social esteja ausente na missão mundial

defendida por Stott. Refiro-me aqui a uma menção da dimensão social muito tímida, em

certos momentos precisando ser subentendida. Um exemplo (STOTT, 2011, p. 61): “o

apelo de Deus às autoridades é no sentido de que usem sua força para defender os

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pobres, não para explorá-los”. Ele coloca a situação da responsabilidade social, com a

vida concreta, mais sob os cuidados da política governamental que propriamente sob a

responsabilidade da igreja.

A preocupação missionária para Stott – quando se trata da ação da

responsabilidade social a luz do evangelho no contato direto com os necessitados das

coisas materiais – se apresenta da seguinte forma (STOTT, 2011, p. 62):

Resolvemos (ou seja, devemos) conhecer pessoalmente pessoas pobres e oprimidas e ouvir o que elas podem nos dizer sobre injustiças específicas, para depois procurar aliviar seu sofrimento e incluí-las regularmente em nossas orações.

Notemos que o alívio do sofrimento pode ser conseguido pela oração, quando de

fato o necessitado de coisas materiais precisa ser suprido daquilo que lhe falta para a

vida presente e fisicamente perceptível. Assim, a lógica da evangelização para Stott se

concentra em conhecer pessoas carentes e apresentar-lhes o evangelho para que possam

invocar a Cristo e salvar cada qual a sua alma. As necessidades materiais, segundo ele,

podem ser aliviadas pelas orações. Na missão mundial, o senhorio universal pertence a

Jesus Cristo. A palavra “mundial” para Stott revela-se mais no “honrar e glorificar a

Jesus Senhor” que propriamente reconhecer o ser humano carente de coisas para o

sustento da vida física. Esta dimensão missionária para Stott, dividida em “evangelho

como pregação salvífica” e “ação social”, em que ele prioriza a salvação da alma, ou

seja, coloca a salvação em primeiro lugar, aparece aqui (como em outros textos) nos

seguintes termos (STOTT, 2010, p. 43): “penso que na missão eclesiástica de serviço

sacrificial o evangelho é fundamental; como podemos sustentar com seriedade que a

libertação política e econômica é tão importante quanto a salvação eterna?”. Ele

continua em outra de suas obras (STOTT, 2006-b, p. 434): “se alguém tiver de escolher,

a salvação eterna é mais importante que o bem-estar temporal. Isso parece algo

inquestionável”. Esse alguém é o missionário, que segundo Stott, deve priorizar a

pregação da vida eterna, ou seja, a salvação da alma em primeiro lugar e depois, caso

seja possível, levar a obra social aos necessitados.

Na linha da teologia da missão de Stott temos Billy Graham, que tem seu foco

absoluto na salvação de almas, segundo ele, bastando aceitar a Cristo como salvador. A

palavra para ele deve ser pregada em maior escala na concentração de pessoas, no

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ajuntamento em escolas, estádios e outros locais. Sua visão missionária é a de fixar um

ponto e reunir pessoas, e não exatamente de peregrinar, caminhar buscando pessoas

necessitadas de conforto espiritual. Talvez Billy Graham descarte por completo a ação

social. Pelo que me parece, isto nem faz parte da composição de sua teologia

missionária estática. Aceitou a Jesus, pronto, a pessoa mudou de vida.

Para Graham (1995, p. 55) “pelo novo nascimento o pecador justificado se torna

uma nova criação e esta mudança é de uma vez por todas, e tem efeitos inevitáveis”. O

sofrimento seja material ou espiritual, pode ser curado por definitivo, por meio da

aceitação de Jesus como salvador e nada mais. O evangelho em Stott e Graham tem

como objetivo primeiro, a salvação da alma, o que cada pecador pode obter se tiver a

atitude de “aceitar Jesus em seu coração”.

Ao analisarmos a compreensão de evangelho na obra missionária segundo a

teologia de Padilla, podemos perceber que a situação do mundo e os problemas que nos

rodeiam pelas necessidades de sobrevivência do corpo, se mostram indissociáveis da

proclamação da palavra. O espírito está vinculado à vida física. A batalha espiritual que

se trava na proclamação do evangelho é um diferencial encontrado em sua teologia,

quando comparada à de Stott. Para Padilla (1992, p. 20) “o mundo dominado pelos

poderes das trevas está sob o juízo de Deus, ainda que Deus não tenha enviado seu Filho

para condenar o mundo, mas para que este seja salvo por ele”.

A missão integral deve ser realizada dimensionando a necessidade do espírito

humano de conhecer e ser salvo por Jesus Cristo. O amor é uma condição imperativa

para que se alcance os necessitados, sem fazer qualquer tipo de juízo sobre os homens,

porque o julgamento cabe a Deus. Segundo Padilha (1992, p. 21), “o julgamento é este:

que a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as

suas obras eram más”. O caráter demoníaco que subjuga os seres humanos lhes afeta o

espírito e a cura para esta enfermidade está no evangelho. Ao ser convertido, este novo

ser humano passa a demonstrar uma vida diferente, inclusive se preocupando com os

necessitados de coisas materiais.

Este é o mundo onde o evangelho precisa ser proclamado e onde a atenção social

não pode ser esquecida. Ele sofre aflições às quais cabe a igreja missionária levar

refrigério pelo evangelho. As trevas procuram imperar no mundo e, quando isso

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acontece, o pecado se manifesta e se torna presente, causando sofrimento social. Nessa

perspectiva, Padilla insiste em que o evangelho deve ser integral, abarcar o mundo

inteiro e o ser humano por inteiro. Ele diz (PADILLA, 1992, p. 20): “o conceito

individualista da redenção é a consequência lógica de um conceito individualista do

pecado, no qual se ignoram as coisas que há no mundo, a saber, a concupiscência da

carne, dos olhos e a soberba da vida”. Logo, o cristão missionário e a igreja em missão,

ao se voltarem para o ser humano integral, poderão pela pregação da palavra em

conjunto com a ação social, evitar o pecado social. Este há muito tempo vem causando

dor e sofrimento em tantas vidas, hoje vítimas de um pecado que não está simplesmente

no coração do homem, mas enraizado na sociedade. Ele crê que (PADILLA, 1992, p.

21) “a evangelização que não toma a sério o poder do inimigo tampouco poderá tomar a

sério a necessidade dos recursos de Deus para a luta”. Esta se instalou no mundo e

precisa ser vencida pelos crentes, e a possibilidade de vitória se dá pela missão integral,

no alcance do ser humano por completo, isto é, tanto na questão espiritual quanto

material.

A teologia da missão da igreja de Orlando Costas se assemelha à de Padilla, por

colocar na responsabilidade missionária, o cuidado integral do ser humano. Para Costas

(1994, p. 110)

A igreja é o povo de Deus. É um povo em formação, marchando pela história até chegar a sua plenitude na consumação dos tempos. Portanto, é um povo não só escolhido e separado, mas também disperso e enviado para se reproduzir em todas as culturas, entre todos os povos a através de todas as esferas da vida.

Costas, ao incluir “todas as esferas da vida” em sua teologia da missão a ser

concretizada pelos discípulos da igreja, coloca as necessidades do homem integral em

evidência, deixando claro que o evangelho precisa alcançar os perdidos e isso inclui os

necessitados das coisas materiais, isto é, os necessitados dos elementos úteis para a vida

física.

A dimensão de um evangelho mundial, isto é, que deve alcançar o mundo, está

presente tanto em Stott, quanto em Padilla. O diferencial é que em Stott os homens se

salvam “um a um” e depois se somam para compor a igreja. Assim deve-se continuar a

missão “salvando almas” pelo mundo. Para Padilla, a igreja missionária precisa ir além

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da procura, da busca, da identificação das pessoas que precisam ter suas almas salvas,

porque a igreja de Jesus Cristo (PADILLA, 1992, p. 23) “deve integrar-se ao propósito

de Deus de colocar todas as coisas sob o mando de Cristo”. A referência a “todas” as

coisas coloca a integralidade na missão, na tentativa de mover os crentes pelo evangelho

em direção às pessoas ainda não alcançadas e a assumirem o compromisso de proclamar

a palavra em conjunto com a ação social.

Este ser humano que “saiu do mundo”, isto é, se separou do mundo para

obedecer ao evangelho do Senhor Jesus, precisa voltar ao mundo e resgatar aqueles que

ainda “ficaram no mundo”. A expectativa que o mundo tem em relação aos que dele

saíram é a de que sejam ou se tornaram pessoas melhores, que se dispuseram ao serviço

de anunciar o evangelho e de amar a seu semelhante. Este é um fato conhecido por

algumas pessoas. Stott (1997, p. 43) lembra que Jesus “pregou o valor do ser humano,

inclusive dedicando-se a servir a ele e que somos capazes de dar coisas boas porém não

deixamos de ser maus”. O paradoxo humano está em ser bom e mau, algo bem singular.

É com este paradoxo que o missionário vai certamente se deparar ao levar o evangelho

pelo mundo, primeiro procurando pregar a Jesus como único e suficiente Salvador, para

quem sabe, fazer do mau homem um bom ser humano, que passe também a se

preocupar com o próximo.

Padilla, ao tratar do ser humano com sua natureza paradoxal e que precisa ser

alcançado pela igreja missionária, mostra que todos estavam no mundo. Agora os que

saíram dele devem voltar lá e resgatar seu próximo, por amor ao evangelho (PADILLA,

1992, p. 22): “o evangelho une, mas também separa. E desta separação criada pelo

evangelho surge a igreja, chamada não para ser do mundo, mas para estar no mundo.”

Para ele o binômio é mundo/igreja.

Para Stott, o binômio humano é que este é um ser ao mesmo tempo bom/mau.

Isto indica um evangelho missionário muito centrado na salvação pessoal, ou seja, de

cada pessoa, na dimensão do pecado individual. Padilla, no entanto, aponta para uma

missão que precisa ser realizada sem perder de vista o binômio mundo/igreja com uma

percepção de coletividade, deixando entrever a formação do Reino de Deus. Sendo essa

a percepção analítica da teologia missionária – que extraio da teologia de ambos – posso

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inferir que Stott prega Jesus como Salvador do ser humano individual e Padilla prega o

Reino de Deus, o evangelho que Jesus pregava.

A libertação pelo evangelho é apresentada na teologia de Stott como uma

libertação da culpa, ou seja, do pecado pessoal. Isto que traz ao pecador um grande

alívio, quase que suficiente para ele viver melhor, chegando a conseguir fazer com que

sua personalidade paradoxal posicione o bem sobre o mau e com isto ele seja salvo

“eternamente”. Esta é uma liberdade comprada pelo sangue de Jesus, que revela seu

amor pelo mundo. Stott coloca este “amor” como algo quase que em sua totalidade

como um gesto espiritual. Ele ilustra seu pensamento (STOTT, 1997, p. 59) afirmando

que “não são apenas as crianças de rua do mundo que necessitam amor e ser amadas e

que descobrem que vida significa amor. Todos nós somos assim. É no amor que nos

encontramos e nos realizamos”. Analisando esta colocação, Stott parece não perceber

que a carência da criancinha de rua tem uma dimensão social, que ultrapassa a

necessidade de um amor no plano espiritual.

Padilla dimensiona esta liberdade dentro de um contexto em que o social e o

espiritual são ações conjuntas (1992, p. 32): “a salvação é o retorno do homem a Deus,

mas é também o retorno do homem a seu próximo”. Nem sempre o ser humano

necessitado consegue sair de seu estado de sofrimento sozinho, porque sempre precisará

do auxilio divino e muitas vezes do amor do seu próximo para ajudá-lo nas situações em

que a carência situa-se no cuidado das coisas necessárias à vida física. Não é um

“simples aceitar a Jesus e ser salvo eternamente.” Ele crê que (PADILLA, 1992, p. 33)

“quando a evangelização não leva a sério o arrependimento, é porque não leva a sério o

mundo, tampouco leva Deus a sério”. Segundo o pensamento de Padilla, seria

impossível ao homem arrependido se considerar salvo eternamente, sem manifestar seu

amor ao próximo por meio de uma vida nova, pois (PADILLA, 1992, p. 34) “para o

próprio Jesus, a missão que o Pai lhe dera não se limitava à pregação do evangelho”.

Padilla coloca as questões da técnica, da ciência e da economia como elementos

globais que precisam ser considerados pelos missionários ao saírem para proclamar a

palavra e prestar o serviço social, pois o mundo secular está dominado pela política

econômica e isso afeta diretamente a forma como se proclama a palavra e se

concretizam as ações sociais. Com a intenção de multiplicar o número de membros,

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muitas denominações ditas cristãs, reduziram suas mensagens ao mínimo para poder

tornar possível o máximo de pessoas “convertidas”. O resultado tem sido desastroso

para o evangelho. Para Padilla, (1992, p. 28) “o ato de aceitar a Cristo é o meio para

alcançar o ideal da boa vida sem custo algum. A cruz perde seu escândalo, uma vez que

aponta para o sacrifício de Jesus Cristo por nós, mas não é um chamado para o

discipulado: é cruz de Cristo, não do discípulo”. O viver regalado de bens materiais para

aqueles que “aceitarem a Cristo” é quase que uma promessa de muitas igrejas presentes

no mundo secular. Com isso elas ocultam o serviço sacrificial, em que cada um deve

“tomar a sua cruz e seguir a Jesus”. Padilla classifica como errada essa atitude de certas

igrejas do “cristianismo-cultura” (1992, p. 29) “por fazer do evangelho um produto

econômico”. Para ele, a cruz de Cristo é também a cruz de cada cristão.

Cabe destacar um testemunho pessoal de Padilla (2010, p. 47) quando ele

afirma:

Quando entendi minha própria salvação à luz do propósito eterno de Deus, ficou claro que não fui salvo para ser feliz, ou para ter sucesso material, ou para livrar-me do sofrimento, mas com o fim de cooperar com Deus, ainda que modestamente, no cumprimento de seu propósito na história.

Stott apresenta outro enfoque ao tratar da cruz de Cristo. Sua teologia sobre a

cruz concentra-se na seguinte visão (STOTT, 1997, p. 63): “ele (Jesus) morreu pelos

nossos pecados e ressuscitou da morte”. Isto coloca a cruz na centralidade da salvação

individual, marcada por um perdão aos pecados, na cura dos males do espírito. Não

toca, isto é, não tem alcance teológico para perceber as questões sociais da vida concreta

que precisam ser também contempladas pela ação missionária. Ele diz (STOTT, 1997,

p. 72) que “ainda hoje não existe uma coisa que leve tanta gente a abdicar do Reino de

Deus quanto o orgulho”, aqui entendido como a recusa de algumas pessoas em “aceitar

a Cristo”.

Assim, para Padilla, a cruz de Cristo precisa ser carregada por cada cristão,

porque o evangelho ao ser anunciado se propõe a salvar as pessoas necessitadas do

sofrimento causado pelo pecado e das dores e angústias geradas pela ausência das coisas

materiais. Ser cristão missionário tem um custo e ao perceber a importância de ser

membro do corpo de Cristo, Padilla (2010, p. 47) se viu como “uma pessoa chamada a

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participar da missão de transformar o mundo de modo que reflita a glória de Deus, a

justiça e a paz do Reino, que se fez uma realidade presente na pessoa e obra de Cristo

Jesus”. A teologia da cruz de Cristo em Stott aponta para o salvar almas, ou seja, é

limitada ao alívio do espírito. O obstáculo para se chegar a uma vida plena com Cristo

não está exatamente nas questões seculares da técnica e do dinheiro e, sim, no

“orgulho”, que no caso se refere à pessoa negar-se a aceitar Jesus como salvador.

Depois da cruz, Cristo ressuscitou e, segundo Stott (1997, p. 77), “a mais

fantástica de todas as afirmações cristãs (é) que Jesus Cristo ressuscitou dos mortos. A

ressurreição desafia o limite de nossa credulidade”. Esse desafio somente poderá ser

vencido pelo poder da fé, porque a fé “é o firme fundamento daquele que crê nas coisas

que se não vêem e a prova das coisas que se espera”. Padilla, no entanto, aponta para o

evangelho do Cristo ressuscitado como sendo um combate à “grande mentira”. Esta é

constituída (PADILLA, 1992, p. 31) “pelo homem que se realiza tratando de ser deus,

(…) sua vida consiste nos bens que possui e é dono de seu próprio destino”. Para

combater a “grande mentira” existe a verdade do evangelho que pode ser alcançada pelo

arrependimento e reconciliação com Deus. Conforme Padilla (1992, p. 33) “o

arrependimento é a reorientação total da vida no mundo em meio aos homens, em

resposta à ação de Deus em Cristo Jesus”. Esta ação se relaciona diretamente com a

ressurreição de Jesus, que possibilita ao ser humano combater a mentira de se sentir

independente o suficiente para definir seu próprio destino. Deixando essa postura, ele

precisa vir em direção à busca da verdade que é o próprio Jesus Cristo, por meio da

aceitação do evangelho integral, quando Deus pode agir na vida, por meio da fé. O

obstáculo que está entre o homem e o evangelho, para Stott é dado como “orgulho” e

para Padilla é “a grande mentira”.

Concluindo esta parte da pesquisa, deve-se lembrar que o evangelho ao ser

anunciado na igreja ou pelo caminho, isto é, na missão itinerante, deve ater-se à questão

da cultura local. Sobre a questão cultural, Sung (2011, p. 164) resgata o que Padilla

afirmou:

René Padilla, já na década de 1970, alertou que as igrejas protestantes latino-americanas estão historicamente muito ligadas aos missionários e igrejas norte-americanas e correm o risco de cair no erro do ‘cristianismo-cultura’. Para ele, ‘cristianismo-cultura’ é a identificação

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do cristianismo com uma cultura ou expressão cultural determinada, identificação essa que é nociva para a causa do evangelho.

Sung tem uma visão da teologia da missão que compartilha com Padilla. Para ele

(2011, p. 165) “evangelizar é anunciar a Jesus como a verdade que nos leva à vida”,

uma vida em que o evangelho integral se mostre presente na proclamação da palavra e

na ação do serviço social.

Feito o comparativo analítico sobre “evangelho e missão”, passamos em seguida

ao tema “igreja e missão”.

3.3 – Conceito de Igreja na Missão de J. Stott e de R. Padilla

Na parte 1.3 do capítulo I tratei da questão referente à missão mundial da igreja

na perspectiva de J. Stott e na parte 2.3 do capítulo II tratei da missão integral da igreja

sob a percepção teológica de R. Padilla. Nesta parte da pesquisa abordamos a questão da

“igreja e missão” em que quatro elementos pontilham o tema, isto é, discipulado e

ensino, palavra, serviço social e Reino de Deus.

J. Stott vê a inauguração da missão mundial da igreja com o advento da descida

do Espírito Santo sobre ela (2007-b, p. 321):

Depois da descida do Espírito e do contra-ataque de satanás cuja derrota foi comemorada por Lucas (em Atos 6.7), a igreja está praticamente pronta para iniciar sua obra missionária. Até aqui ela se havia limitado aos judeus e se restringido a Jerusalém. Porém, agora, o Espírito Santo está prestes a empurrar seu povo para o mundo e o apóstolo Paulo é o instrumento escolhido por Deus para levar adiante esse empreendimento.

A igreja recebe a responsabilidade de ir ao mundo para buscar os “perdidos”, ou

seja, os que precisam se arrepender de seus pecados. A missão (cf. STOTT, 1997, p.

328) “começa no coração de Deus” porque “o Deus vivo da revelação bíblica é um

Deus missionário”. Sendo assim, uma igreja que não se proponha ao serviço

missionário perde por completo sua razão de existir, pois sua função é exatamente essa:

o levar o evangelho pelo mundo. Para Stott, o discípulo que irá promover a missão,

precisa ser “humilde” (cf. STOTT, 1997, p. 363) para alcançar os “orgulhosos” que

porventura não aceitaram a Jesus como salvador de suas vidas.

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Os discípulos precisam ser guiados pelo Espírito Santo para testemunharem pelo

mundo o evangelho de Jesus, porque (STOTT, 1997, p. 374) “o Cristo do evangelho é

missionário, ele comissionou a igreja para ir e fazer discípulos de todas as nações”. Em

relação a isso não há acepção de pessoas, porque todas em absoluto podem ser salvas e

ingressar na igreja. Assim, sucessivamente aumentará dia após dia a quantidade de

pessoas na igreja, que, segundo a teologia da missão de Stott, serão vistas como pessoas

salvas em Jesus Cristo. É pelo Espírito Santo que o discípulo sai pelo mundo

anunciando o evangelho e levando com isso as boas novas a todos os povos, porque

(STOTT, 1994, p. 139) “a presença do Espírito está presente hoje para espalhar seu

povo (discípulos) pelo mundo” e com isso, concretizar a missão mundial.

Este discípulo que deve sair indo pelo mundo anunciando o evangelho, deve

cumprir sua missão com amor, pois (STOTT, 2011, p. 20) “a intenção de Deus para a

sua igreja é que ela seja uma comunidade de amor, de adoração e de serviço”. A tarefa

missionária deve ser realizada não como uma simples forma de se cumprir um

mandamento árduo, mas deve ser concretizada com disposição e caridade, algo central

na palavra, até porque (STOTT, 2011, p. 20) “todos sabem que o amor é a maior virtude

do mundo, e os cristãos sabem o motivo: é porque Deus é amor”.

Este amor divino é para Graham (1974, p. 15) ilimitado: “Deus não conhece

limites. Não há limites para o seu poder. Não há limites para o seu amor. Não há limites

para sua misericórdia”. Aqui, ao tratar do amor de Deus, ele se aproxima de Stott. Ao

fazer menção à “misericórdia” ele se aproxima de Padilla, ao menos em parte, porque a

misericórdia é um dos componentes da mensagem do Reino de Deus. Mais adiante,

Billy Graham volta a distanciar-se da teologia de Padilla, porque volta a colocar no

Reino de Deus, o foco da salvação limitada ao perdão dos pecados pessoais.

Para Graham (1974, p. 50)

O primeiro sermão que foi pregado pelo Senhor Jesus foi: ‘arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus’. Era Deus quem falava por intermédio do seu Filho. Jesus viera com um coração repleto de amor e compaixão, mas imediatamente começou a salientar a culpa e os pecados dos homens. Ele conclamava os homens a reconhecerem sua culpa e a abandonarem sua iniquidades. Ele anunciou que o arrependimento teria de vir antes que ele pudesse derramar o seu amor, a sua graça e a sua misericórdia sobre os homens.

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Na teologia de Graham, ele procura demonstrar que a salvação da alma do

pecado, pelo amor e pela misericórdia de Jesus está condicionada à atitude do pecador

que se arrepende e se entrega a Cristo. Parece-me que neste ponto, Graham se distancia

tanto de Stott e muito mais ainda de Padilla, por se mostrar radical na compreensão do

amor de Deus para com os seres humanos. Caso isso fosse verdade, ou seja, o amor de

Deus ficasse condicionado ao amor do ser humano para com ele, a humanidade não

teria condições de receber amor, misericórdia e justiça divina.

Na missão evangelizadora o ensino da palavra deve ser contemplado,

considerando que Jesus (STOTT, 2011, p. 385) “percorria as aldeias circunvizinhas a

ensinar, ele andava por aí a ensinar”. É uma evangelização itinerante, sem lugar fixo,

indo até onde estava o necessitado, algo que me parece diferente de nossos dias, quando

a igreja abre as portas e fica a esperar os necessitados, ao contrário do que Jesus fazia.

Ele ia ao encontro dos carentes para perceber seu sofrimento e lhes oferecer ajuda, seja

de qual tipo fosse, ora espiritual, ora material, ali ele se fazia presente e pronto a amar.

É deste tipo de discípulo, que vai a campo, proclame a palavra e leve amor e assistência

social que as igrejas precisam, para que o evangelho do amor de Deus alcance o mundo.

Stott, como temos visto, não elimina o serviço social de sua Teologia da Missão

Mundial. Ele apenas a coloca num segundo plano, no caso em que tenha que decidir

entre pregar a palavra e prestar serviço social. Ele observa isso em Jesus, dizendo que

(STOTT, 1997, p. 385) “não há como duvidar de que palavra e ação estavam juntas no

ministério público de Jesus”. Mesmo não especificando que “ação” seria esta, pelo

referencial de Jesus em seu texto isto nos possibilita inferir que era uma ação social.

Quanto à igreja, Padilla (apud REY, 2010, p. 2) diz ser ela “um local também de

reflexão teológica e o que nos une é a graça de Deus que permite integrar a própria vida

nos termos da reflexão e da prática cristã”. Ele aponta para uma práxis missionária que

precisa ser desenvolvida em “unidade”, isto é, em união para compartilhar o evangelho.

Ele próprio percebeu e ao mesmo tempo praticou a unidade ao compreender que os

membros do corpo são muitos, mas Cristo é a cabeça. Quando todos estão juntos,

formam um único corpo eclesiástico.

A missão integral que leva ao mundo o evangelho integral (cf. Padilla, 2010, p.

47) “não visa apenas ganhar convertidos para aumentar o número de membros da igreja,

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mas também formar discípulos que aprendam a obedecer a tudo o que Jesus Cristo

ordenou a seus seguidores”. Quem segue a Jesus, deve obedecê-lo e, mais do que falar

sobre ele, deve fazer o que Jesus fez, isto é, proclamar a palavra e praticar a ação social,

amando ao próximo como a si mesmo e a Deus sobre todas as coisas.

Sobre a igreja em missão, Geoval Jacinto da Silva, teólogo e bispo metodista se

aproxima da teologia de Padilla, ao demonstrar que a igreja deve proclamar o Reino de

Deus. Silva (2009, p. 121) afirma:

A igreja tem de usar de forma criativa os lugares e espaços para marcar a presença do Reino de Deus por meio de uma proposta concreta de ações. Os lugares e espaços são diversificados, como também o é a vida das pessoas. Neste sentido, a dinâmica da vida na sociedade pós-moderna requer uma mensagem radical que possibilite alcançar as pessoas onde elas se encontram.

Silva tem uma teologia da missão “do caminho”, itinerante, de etapas,

percebendo as necessidades do ser, que prioriza o respeito ao ser humano diferente em

cada cultura, que a igreja precisa ir buscar onde estiver esse ser necessitado. A igreja

precisa enviar seus discípulos pelo caminho, para encontrar os necessitados que são

muitos e assim oferecer refrigério para o espírito e suprimento para as necessidades do

corpo físico.

Outro teólogo que se aproxima da teologia de Padilla é Juan Stam. Ao tratar do

discipulado a ser concretizado pela igreja, ele aponta para o exemplo que Jesus deixou.

Stam (1994, p. 35) diz: “os discípulos tinham de deixar tudo, negar-se a si mesmos,

tomar a sua cruz e segui-lo”. Jesus os formava mediante seu exemplo e suas palavras.

“Jesus se concentrou em formar uma comunidade de compromisso radical que seria

fermento de salvação e transformação do mundo”.

Padilla revela um fato em sua vida que mostra de forma bem acentuada o que

diferencia sua Teologia da Missão Integral da Teologia da Missão Mundial de Stott. Ele

conta como lhe ensinaram o evangelho, assim (PADILLA, 2010, p. 47):

Cresci num lar evangélico e dou graças a Deus por minha herança evangélica. Entretanto, com o passar do tempo, reconheci que minha compreensão do evangelho era inadequada: havia aprendido que a salvação é pela graça, por meio da fé, dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.

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Agora, ele relata como de fato o evangelho deveria ser ensinado (PADILLA,

2010, p. 47):

Mas não havia aprendido que somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nela. Em outras palavras, havia recebido um evangelho que enfatizava os benefícios da salvação, mas deixava de lado o propósito que Deus quer realizar por meio de seu povo, no qual eu me incluo. Na prática, havia recebido um evangelho incompleto.

A Teologia da Missão Mundial de Stott se aproxima muito daquilo que Padilla

diz ter recebido como “herança”, ou seja, um evangelho focado na salvação da alma e

distante das obras sociais. Padilla, por meio da reflexão teológica percebeu que “havia

recebido um evangelho incompleto”, isto é, sem a dimensão do serviço social. Ele

passou a chamar de evangelho integral aquele em que o homem integral precisa ser

contemplado na missão integral, que se expressa de maneira conjunta na proclamação

da palavra e nas obras de serviço social.

Para que a unidade da igreja não seja abalada, Padilla (1992, p. 142) afirma que

“uma das necessidades mais urgentes na igreja atualmente é a fé no poder do evangelho

como uma mensagem de libertação do mundo”, a de que a fé, a esperança e o amor

cristão devem caminhar juntos para manter a igreja unida ao redor do evangelho de

Jesus Cristo. Por ser a missão integral inseparável da unidade da igreja, Padilla (1992, p.

145) afirma que “ela tem a ver com a vontade de se alegrar com os que se alegram e

chorar com os que choram”.

Sobre o corpo da igreja e a função do discipulado, fazendo uma análise posso

perceber que a igreja como um corpo em unidade, reunida no amor de Deus, é para Stott

um ajuntamento de pessoas salvas que aceitaram a Jesus como seu único e suficiente

salvador e que precisam trazer novos membros para este corpo, para continuarem a

ganhar almas e em seguida, sendo possível, prestar o serviço social. O orgulho e o

pecado são as causas principais do sofrimento humano, naqueles que não aderiram à

salvação dada por Jesus. Padilla percebe neste corpo (igreja) uma oportunidade para se

fazer teologia, refletir criticamente e, por meio do evangelho anunciado na pregação e

no serviço social, em semelhança ao que Cristo pregou e fez, apresentar ao mundo o

Reino de Deus. Aqueles que sofrem carecem de coisas materiais e também espirituais,

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mas o evangelho integral lhes servirá de ajuda. Para que isto aconteça se faz necessário

haver discípulos dispostos a saírem pelo mundo proclamando a palavra do Reino de

Deus.

A proclamação da palavra e o serviço social, são os dois elementos da missão. O

que diferencia a missão mundial de Stott e a missão integral de Padilla, pode ser

observado em linhas gerais como segue.

Stott compreende que o sofrimento humano espiritual e material está no orgulho

de não aceitar a Jesus como salvador. Esta é maior razão de ele colocar a ação pelo

serviço social em segundo plano, isto é, se sobrarem tempo e recursos o serviço social

deve ser realizado. Mais radical ainda, quanto à exclusão do serviço social da missão

mundial é o pensamento de Graham que se emparelha com o de Stott por colocar o

sofrimento na base do pecado pessoal, ao afirmar (GRAHAM, 1974, p. 5) “Deus não

deve ser acusado da trágica sorte em que o mundo tem estado engolfado por tanto

tempo. A culpa cabe inteira e adequadamente a Adão”. Com essa teologia, não há

espaço para o serviço social, porque o sofrimento do ser humano, seja espiritual ou

material, está no pecado pessoal.

Em Stott, a proclamação da palavra deve ser priorizada, porque em seu modo de

ver o “salvar almas” é o ponto central e a razão do anúncio do evangelho de Jesus no

mundo. Ele entende que ao aceitar a Jesus o problema da salvação eterna já está

resolvido e as coisas terrenas, os sofrimentos e necessidades do corpo físico, devem

fazer com que o homem aprenda a suportar tais carências, porque o mundo vindouro,

recompensa por ter ele recebido a vida eterna, compensará tudo o que se passou de dor e

angústia enquanto vivia aqui na terra.

Voltando a análise da Teologia da Missão Integral de Padilla, percebo que o

sofrimento humano tem causas espirituais e também materiais. O pecado pode ser

pessoal (no coração) ou social (pela corrupção mundana). Muitas dores são provocadas

pela ausência das coisas necessárias para a sobrevivência básica. O sofrimento se

relaciona direto com a falta de paz, misericórdia e justiça, que se espera trazer para os

necessitados com a pregação do evangelho que Jesus pregou, isto é, o evangelho do

Reino de Deus. O dinheiro se mostra na teologia de Padilla “como sendo (…)a raiz de

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todos os males”, no que se assemelha com a teologia de Jacques Ellul, quando este

aborda esta questão.

Ellul (2008, p. 79) afirma: “Jesus coloca (o dinheiro) na sua amplitude quando

chama o dinheiro de Mamom. Aqui, Jesus personifica o dinheiro e o considera como

um tipo de divindade. O que Jesus nos revela aqui é que o dinheiro é um poder, que age

por si mesmo, que tem um valor espiritual”. Para Padilla a força poderosa do dinheiro

muitas vezes se manifesta no mundo como a personificação do anticristo, por trazer

sofrimento ao homem ou porque o homem faz de “Mamom” seu deus e passa a adorá-lo

e servi-lo. Eis aqui uma grande fonte de sofrimento para o homem.

Em Padilla, tanto a proclamação da palavra como o serviço social são

indissociáveis, isto é, são tratados de forma conjunta. Não há separação ou prioridade de

um ato sobre outro, ambos são absolutamente necessários, ao compreender ele que o

homem carece tanto de coisas materiais quanto de espirituais. Essa importância da ação

social conjunta com a pregação aparece na teologia da missão do teólogo brasileiro

Steuernagel (1992, p. 156) que afirmar “pecamos quando estamos interessados apenas

na alma das pessoas, não nos importando pela vida como um todo. O evangelho tem

relação com todo homem e o homem todo”.

Padilla consegue com sua teologia sobre o homem integral dialogar com o setor

católico do cristianismo que propagou a Teologia da Libertação, como podemos

perceber por meio de alguns teólogos citados por ele em suas obras e conferências. Um

exemplo forte deste diálogo está em Dussel (1982, p. 77) que afirma: “o pão é a vida do

pobre e quem o defrauda é homicida”, onde a dimensão social aparece de maneira muito

destacada. Já Stott se distancia desta forma de pensar teologicamente o serviço social,

inclusive como citado nesta dissertação. Stott afirma que a Teologia da Libertação

contém influência marxista e direcionamento político e por conter estes elementos deve

ser criticada e negada.

Assim, na reflexão teológica de Dussel, a dimensão do serviço social deve e

precisa contribuir para que o evangelho de Jesus seja entendido como uma benção

também neste mundo presente, sem que se tenha que esperar somente por uma vida

abundante futura, ou seja, na vida eterna. Compartilhar a palavra e os bens é um dever

que os discípulos de Jesus precisam ensinar e também praticar como exemplo.

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Outro fator que diferencia a missão integral de Padilla em comparação com a

missão mundial de Stott, é que aquele deixa claro que o Reino de Deus foi o foco da

pregação de Jesus (cf. PADILLA, 1992, p. 203) “tanto a palavra como a ação social

apontam para o Reino de Deus. A missão da igreja é uma extensão da missão de Jesus”.

Logo, sua teologia da missão está ancorada no pregar o que Jesus Cristo pregou, isto é,

pregar o Reino de Deus aos seres humanos, sendo a palavra indissociável do serviço

social. Stott, ao contrário, se concentra em pregar sobre Cristo, ou seja, que só Jesus

Cristo salva. Este foco missionário de Stott, esclarece o motivo que o faz colocar uma

ordem prioritária em primeiro proclamar a palavra e depois praticar o serviço social,

porque segundo ele, a salvação da alma deve ser priorizada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciar esta pesquisa em 2010, Stott e Padilla eram vivos. Stott faleceu em

julho de 2011 e Padilla continua sua missão na condição de pastor na Igreja Batista de

La Lucila em Buenos Aires, na Argentina e trabalhando na FTL, na Rede Miquéias e

na Fundação Kairós.

Nestas considerações finais, apresentarei os principais resultados obtidos na

pesquisa sobre a Teologia da Missão Mundial em J. Stott e sobre a Teologia da

Missão Integral em R. Padilla, e no comparativo entre as duas formas de se entender o

fazer missionário.

Stott escreveu e pregou sobre variados temas. Sobre a igreja, afirmou que ela

está no centro do plano de salvação. Em seus escritos depois do Congresso de

Lausanne (1974) começam a aparecer alguns indicativos de sua preocupação, mesmo

que secundária, com as obras do serviço social, como aparece em uma de suas últimas

entrevistas, ao afirmar (apud DIAS, 2011, p. 2) “Cristo morreu não só para nos

redimir de toda iniquidade, mas também para reunir e purificar para si mesmo um

povo entusiasmado pelas boas obras”. Outro ponto marcante de seu pensamento era

em relação à unidade dos cristãos evangélicos, que mesmo sendo de diferentes

denominações deveriam estar unidos em Jesus Cristo. Esta unidade evangélica

defendida por ele nos parece ser uma das causas principais de ele ser aceito por vários

segmentos e denominações do setor evangélico. Quanto ao trânsito entre os católicos e

em especial os militantes da Teologia da Libertação, o diálogo ficou prejudicado,

porque seu foco estava mais na pregação da palavra que nas ações sociais e era

contrário as ideias marxistas.

Quanto ao evangelho e a missão, à qual ele se refere inúmeras vezes em suas

obras classificando-a como “missão mundial”, Stott compreende que o chamado de

Deus é para participarmos de sua missão no mundo, pois o evangelho é muito mais

que um conjunto de doutrinas, sendo na verdade, a missão de Deus. Somos apenas

seus executores. A missão evangélica para ele deve ser praticada tendo em vista as

ordenanças maiores de Jesus, que são “amar a Deus sobre todas as coisas e ao

próximo como a si mesmo”. Em sua última obra “O Discípulo Radical”, publicada um

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ano antes de seu falecimento, Stott se mostra disposto a incluir com mais vigor, o

serviço social em conjunto com a proclamação da palavra. Ele chega afirmar (STOTT,

2011, p. 61) que devemos “trabalhar para que haja justiça para os pobres, que são

explorados e impossibilitados de se defenderem”, fazendo menção indireta ao

envolvimento que os cristãos devem ter com o compromisso financeiro e de justiça

social porque assim, segundo ele, Jesus Cristo se torna mais visivelmente atraente.

Em suas obras anteriores à Lausanne, seu foco estava quase que totalmente

voltado para um evangelho limitado à pregação da palavra. Para Stott, a lógica de

enviar evangelistas, era para que as pessoas pudessem se converter ao invocar a Cristo

e com isto “ganhar a salvação”. Quando tratou do serviço libertador nas causas

sociais, era no sentido de “procurar impregnar a sociedade com seus valores cristãos”,

(STOTT, 1997, p. 110) demonstrando que mesmo ao se referindo ao termo “serviço”,

fazia referência a coisas do espírito. Em outras obras ele demonstra acreditar que pela

oração muitas das necessidades físicas poderiam ser supridas.

Stott procura no Pacto de Lausanne (PL/74) um ponto de apoio para justificar

seu modo de ver a missão mundial, priorizando a proclamação da palavra em

detrimento do serviço de assistência social. Isto fica evidente quando afirma (STOTT,

210, p. 43): “penso que devemos concordar com a declaração de Lausanne de que na

missão eclesiástica de serviço sacrificial o evangelho é fundamental”. Após citar esse

recorte do PL/74 continua a dizer: “e como podemos sustentar com seriedade que a

libertação política e econômica é tão importante quanto à salvação eterna?”. Fica bem

claro que em sua Teologia da Missão Mundial a prioridade é a proclamação da

palavra. O serviço social, relacionado à ajuda financeira e a militância política, deve

ser relegado para segundo plano. Na prática o que acaba quase sempre acontecendo é

que tal serviço não é realizado.

Esta discordância quanto ao envolvimento dos evangélicos com a política e a

colocação das causas sociais relacionadas às necessidades físicas em segundo plano,

distancia sua teologia da missão de alguns setores evangélicos, como aqueles que

aderiram ao evangelho integral proposta na missão integral difundida por R. Padilla e

outros. Mais distante fica ainda dos setores cristãos católicos e em específico com

aqueles que difundem a Teologia da Libertação, com os quais fica impossibilitado o

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diálogo. Para Stott, a libertação está nas coisas do espírito. A pessoa que aceitar a

Jesus como salvador, quase que automaticamente resolve as necessidades tanto

materiais quanto espirituais e ganha a vida eterna nos céus. Para que se possa apreciar

esta afirmativa, veja-se (STOTT, 2006-b, p. 434) este texto: “se alguém tiver de

escolher, a salvação é mais importante que o bem-estar temporal. Isso parece algo

inquestionável para mim”.

Stott apresenta à humanidade uma teologia da missão na qual vem em primeiro

lugar a proclamação da palavra para com isso se salvar almas, porque a evangelização

pela pregação da palavra tem relação com o destino eterno das pessoas. Em segundo

lugar vem, caso seja possível (se sobrar tempo e recursos), a realização da prestação

do serviço pelas ações sociais. Note-se que ele não exclui o serviço de sua teologia da

missão. O que ele faz é uma escala de prioridades, que quase chega a eliminar a

preocupação com o serviço social da missão. Isso se dá em grande parte porque para

ele o problema do sofrimento se concentra no “orgulho”, quando a pessoa deixa de

aceitar a Cristo como seu único e suficiente salvador. Com isso, o sofrimento humano

tem sua causa no ser o homem pecador. Esta sua causa está no pecado pessoal,

individual, de cada ser humano, e não no fato de ser ele necessitado de coisas

materiais ou vitima das injustiças sociais, do pecado social. Esta marca (do pecado

pessoal) na teologia da missão de Stott é recorrente em suas obras como se vê em

(STOTT, 1997, p. 63, 378): “não somente Jesus salva, mas também que, para fazê-lo,

ele morreu pelos nossos pecados e ressuscitou da morte”. Isto mostra em sua teologia

da missão a prioridade da palavra. E continua: “a salvação espiritual e eterna de uma

pessoa é de maior importância que o seu bem-estar temporal e material”.

Quanto a R. Padilla, sua presença foi marcante no Congresso Internacional de

Evangelização Mundial de Lausanne, onde foi integrante do grupo de trabalho

“discípulo radical” e onde proferiu uma palestra sobre “a evangelização e o mundo”.

Ele despertou um grande interesse nos congressistas e reacendeu o debate sobre o

papel do serviço social no evangelho e na missão da igreja. Isto se confirma em sua

posição teológica até nossos dias.

Sua pregação de um evangelho integral, que contempla a necessidade do

homem como um todo, isto é, espiritual e material, tem sido sua bandeira evangélica e

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símbolo de luta por um mundo que perceba a presença divina em decorrência do

Reino de Deus anunciado por Jesus Cristo.

Sua vida e obra têm proposto uma Teologia da Missão Integral marcante no

meio evangélico. Ele acredita que a tarefa da teologia é a de ter uma postura crítica e

outra construtiva, para apontar em qual direção a igreja deve seguir anunciando o

evangelho e prestando serviço social. Por entender que “dá para ser evangélico sem

cometer suicídio intelectual”, sua Teologia do Evangelho Integral permite um diálogo

com a Teologia da Libertação do segmento católico. Padilla (1992, p. 17) afirma que

“a escatologia centrada na salvação futura da alma resulta excessivamente limitada

frente às escatologias seculares de nossa época, a mais significativa das quais, a

marxista, que vislumbra a formação de uma sociedade ideal e de um homem novo”.

Assim, em sua teologia da missão, estão presentes os elementos indissociáveis de

pregação e da ação social. Estes e seu entendimento de que se faz necessário incluir na

vida cristã as questões relativas à economia e à política, permitem um diálogo

religioso com a Teologia da Libertação católica.

Padilla pensa a teologia da missão contextualizada em um mundo onde as

pessoas são carentes das coisas do espírito e das coisas materiais. Sua

contextualização mais específica se encontra na América Latina, onde exerceu e

continua realizando seu ministério público evangélico. Ele não perde de vista a

necessidade de cada pessoa e a importância da preocupação social, quando afirma

(PADILLA, 1992, p. 48) que “o evangelho de Jesus Cristo é uma mensagem pessoal:

revela um Deus que chama cada um dos seus pelo nome. Mas é ao mesmo tempo uma

mensagem mundial: revela um Deus cujo propósito abarca o mundo inteiro”. Essa

pessoa no mundo tem necessidades individuais físicas e espirituais e também

carências sociais. Estes elementos da vida cotidiana estão inclusos em sua teologia do

evangelho e da missão integral.

Tratar das coisas do ser humano relacionadas ao evangelho e à salvação na

busca de uma vida em abundância é algo que para ele deve ser considerado, visto que

a pessoa é um ser integral. A salvação não deve compreender um polo e esquecer o

outro, isto é, não pode procurar apenas solucionar uma questão relacionada à vida

eterna. Precisa se relacionar também com a concretude e muitas das vezes com as

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duras necessidades da vida material. Quanto a isto, ele afirma (PADILLA, 1992, p.

15) “não se pode falar de salvação sem que se faça referência à relação do homem

com o mundo do qual ele faz parte”. Isto é, não se pode tratar das causas do espírito

sem se envolver e se referir às causas do corpo físico e com a natureza em cujo

cotidiano o homem está inserido.

Em seu pensamento teológico, os efeitos do sofrimento humano se relacionam

com as causas tanto da enfermidade espiritual, quanto com as das necessidades

materiais. Partindo deste ponto, Padilla indica que o sofrimento espiritual deve ser

solucionado com a ajuda e o perdão de Deus aos pecados de cada pessoa. Indica

também que o sofrimento social é uma questão do pecado social, muitas vezes

provocado pelo descaso dos governantes e da corrupção infiltrada na esfera pública e

privada que acontece em vários segmentos da sociedade. Isto é a causa de grandes

dores sociais no mundo e precisa ser compreendida e tratada por meio do evangelho

integral. Foi a este mundo que Jesus veio anunciar o Reino de Deus, pregando a

justiça e a misericórdia, e, por amar esta humanidade problemática, ainda assim não

veio aqui para condená-la, mas para salvá-la do sofrimento, pois (PADILLA, 1992, p.

18) “para isso (salvar) ele foi enviado pelo Pai: não para condenar o mundo, mas para

que o mundo fosse salvo por ele”. É uma teologia da salvação integral, que anuncia

vitória nas lutas do espírito e do corpo, voltada para o ser humano inteiro, composto

de corpo e alma.

É neste mundo árduo, num ambiente onde a corrupção moral e a necessidade

física das pessoas se mostram grandes, que os discípulos de Jesus Cristo, a serviço da

igreja e impulsionados pelo Espírito Santo, vão realizar a tarefa da missão integral. A

igreja, separada do mundo, deve retornar a ele para concretizar a proclamação da

palavra e executar o serviço social conjuntamente, de forma indissociável, sem escala

de prioridades. A vitória do cristão na luta por uma vida melhor, para Padilla, somente

poderá se confirmar se o homem integral for atendido em suas necessidades de

conforto espiritual e suprimento das coisas materiais. Ele alerta para que o discípulo

de Jesus ao sair para realizar a missão integral, seja honesto e não esconda o “custo”

de se tornar um cristão autêntico, porque em muitos segmentos evangélicos,

erroneamente tem-se anunciado um evangelho de mercado, voltado para o poder de

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consumo, na busca de uma felicidade que somente poderá ser atingida caso se consiga

comprar mais e mais.

Com esse tipo de evangelho de consumo, ao qual Padilla rejeita, a cruz de

Cristo e todo o seu custo ficam sobre seus próprios ombros. O ensinamento de Jesus,

porém, foi diferente, recomendando a seus seguidores “quem quiser vir após mim,

negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Padilla não quer dizer com isto que

a posse de dinheiro e de bens deva ser rejeitada ou tratada de forma preconceituosa, ou

até mesmo que as pessoas que as possuam, digamos, os ricos, devam ser hostilizados,

porque (PADILLA, 1992, p. 28) “vista por si só, a técnica, como a ciência ou o

dinheiro, é moralmente neutra”. Compartilhar os bens e usar o dinheiro num estilo de

vida cristã simples, em que de fato a preocupação e o comprometimento com os

necessitados sejam reais, é uma forma de se evitar e de se resolver vários problemas

ligados ao pecado social. Ela se revela na vida daqueles que cumprem os

mandamentos centrais de Jesus de “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo

como a si mesmo”.

Padilla tem em sua Teologia da Missão Integral um elemento marcante, isto é,

a mensagem do Reino de Deus. Enquanto esperamos pelo novo céu e pela nova terra,

devemos agora mesmo buscar o arrependimento de nossos pecados pessoais e sociais

e de maneira incisiva participar, segundo a mensagem do evangelho integral, da vida

daqueles que são necessitados neste mundo presente, pois (PADILLA, 2009, p. 33) “o

amor é a lei suprema da vida, ele está ligado à paixão pela justiça social”, isto é, a

manifestação da realização das boas obras na vida do cristão. E continua em outro de

seus textos (PADILLA, 1992, p. 203): “tanto a Palavra como a ação social apontam

para o Reino de Deus. A missão da igreja é uma extensão da missão de Jesus”.

Na Teologia da Missão Integral de Padilla, a questão da proclamação da

palavra da salvação e da ação pelo serviço social concretizado pelas boas obras de

maneira conjunta e indissociável é tão forte que ele comenta em uma de suas últimas

entrevistas (apud REY, 2011, p. 5): “a única missão que faz honrar o nome de Jesus

Cristo, é a missão em que se mostra uma compaixão real pelo homem integral, como

pessoa e como membro de uma sociedade, em seu aspecto pessoal e comunitário”. O

que muitas vezes tem impedido a concretização da missão integral é a falta de

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comprometimento de muitos cristãos em levar uma vida simples, para disponibilizar

mais recursos e tempo em prol dos necessitados. O cuidado com esta postura deve ser

tamanha a ponto de se evitar uma adoração ao “anticristo”. Este pode ser simbolizado

pela adoração ao “deus Mamom”, isto é, um apego desmedido ao dinheiro a ponto de

passar a adorá-lo no lugar de Deus.

Stott, por concentrar em sua teologia da missão a prioridade de se pregar o

evangelho na busca de salvar almas do inferno para se viver eternamente no céu,

colocando em segundo plano a realização do serviço social ligado às necessidades

físicas das pessoas carentes – serviços estes que poderão ser executados caso sobrem

recursos financeiros e tempo – e por criticar esta ação social discordando da teoria

marxista que envolve política e economia, se distancia da missão integral propagada

pela teologia de Padilla. Esta compreende que a missão deve tratar de maneira

indissociável a proclamação da palavra e a prestação do serviço social, executando-as

de forma conjunta, considera que as causas econômicas e as políticas públicas são

matérias que precisam constar na agenda do missionário. Por outro lado, a teologia da

missão de J. Stott, por focar fundamentalmente na salvação eterna da alma fica

impossibilitada de dialogar com a Teologia da Libertação.

Finalmente, sintetizando as principais diferenças entre a teologia da missão em

J. Stott e R. Padilla, apurei o seguinte: na teologia de J. Stott, ele prega a salvação da

alma, indicando que a raiz do mal no mundo está no “orgulho” de cada pessoa que não

aceita a Jesus como seu salvador. Prega e testemunha sobre a vida de Jesus, tendo seu

foco na honra e na glória de Cristo. Sua concepção teológica permite promover um

diálogo com vários segmentos evangélicos, mas se distancia da Teologia da

Libertação católica. Já Padilla prega o Reino de Deus (amor, justiça, esperança),

indicando que a raiz do mal no mundo é o dinheiro e que o pecado pode ter uma causa

pessoal ou social. Prega e faz como Jesus fez e pregou entre os homens, ou seja,

anuncia o Reino de Deus contemplando a justiça e a misericórdia, com foco no Cristo

Rei. Sua concepção teológica permite dialogar com vários segmentos evangélicos e

com a Teologia da Libertação católica.

Em síntese, apresento as principais semelhanças entre a teologia da missão de

J. Stott e de R. Padilla, nas quais ambos concordam. Eles concordam que a palavra

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indica o caminho da esperança, sendo que igreja deve ter unidade para poder

evangelizar o mundo e cada membro precisa ser um discípulo radical, ou seja,

comprometido com a igreja e com o evangelho. A palavra precisa ser proclamada no

mundo. Os cristãos precisam considerar e viver um estilo de vida simples, inclusive

com responsabilidade ambiental e poder participar da vida comunitária da igreja,

contribuindo para ajudar os necessitados. Em Lausanne (1974) eles se aproximaram

em razão do grupo de trabalho “discípulo radical” e do amigo que se tornou comum

entre eles, Samuel Escobar, que foi um dos membros da comissão de redação do Pacto

de Lausanne. Por último, Stott e Padilla concordam entre si que se deve “amar a Deus

sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” para que a obra missionária, a

missão de Deus, seja cumprida no mundo.

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