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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL SILMARA DE MATTOS SGOTI A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA DOS QUILOMBOLAS CARRAPATOS DA TABATINGA: O DIÁLOGO COMO PRÁXIS DA COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL E GRUPAL SÃO BERNARDO DO CAMPO 2016

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL

SILMARA DE MATTOS SGOTI

A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA DOS QUILOMBOLAS

CARRAPATOS DA TABATINGA: O DIÁLOGO COMO PRÁXIS DA

COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL E GRUPAL

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2016

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SILMARA DE MATTOS SGOTI

A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA DOS QUILOMBOLAS

CARRAPATOS DA TABATINGA: O DIÁLOGO COMO PRÁXIS DA

COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL E GRUPAL

Dissertação apresentada em cumprimento às exigências

do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

da Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção

do título de Mestre.

Orientação: Profa. Dra. Cícilia Krohling Peruzzo

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

Sg58c Sgoti, Silmara de Mattos

A comunicação comunitária dos Quilombolas Carrapatos da

Tabatinga: o diálogo como práxis da comunicação interpessoal e

grupal / Silmara de Mattos Sgoti. 2016.

121 p.

Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) --Escola de

Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade

Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.

Orientação: Cicilia Maria Krohling Peruzzo.

1. Comunicação comunitária 2. Diálogo 3. Comunidade 4.

Quilombolas Carrapatos da Tabatinga - Bom Despacho (MG) 5.

Quilombos I. Título.

CDD 302.2

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A dissertação de mestrado sob o título “A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA DOS

QUILOMBOLAS CARRAPATOS DA TABATINGA: O DIÁLOGO COMO PRÁXIS

DA COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL E GRUPAL”, elaborada por Silmara de Mattos

Sgoti, foi defendida e aprovada em 19 de Setembro de 2016, perante a banca examinadora

composta por: Profa. Dra. Cicília Maria Krohling Peruzzo (Presidente/UMESP), Prof. Dr.

José Salvador Faro (Titular/UMESP), Profa. Dra. Cristina Schmidt (Convidada/

Universidade Mogi das Cruzes).

__________________________________________

Profa. Dra. Cicília Maria Krohling Peruzzo

Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

___________________________________________

Profa. Dra. Marli dos Santos

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social

Área de Concentração: Processos Comunicacionais

Linha de Pesquisa: Comunicação comunitária, territórios de cidadania e desenvolvimento

social

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Ao meu esposo Edilberto e minhas filhas

Thaís e Sophia, por trazerem luz e alegria à

minha vida. Por contribuírem para que eu

alcançasse esse objetivo, e com paciência e

tolerância suportaram minhas ausências. Meu

amor e minha sincera gratidão.

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“A educação é comunicação, é diálogo, na

medida em que não é a transferência de saber,

mas um encontro de sujeitos interlocutores que

buscam a significação dos significados.”

Paulo Freire

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AGRADECIMENTOS À minha querida professora Dra. Cicília M. Krohling Peruzzo, pela tranquilidade, confiança e

valiosa orientação.

Aos professores Dra. Magali do Nascimento Cunha e Dr. José Salvador Faro pela

contribuição na qualificação do projeto.

À professora Dra. Marli dos Santos, coordenadora do Pós-Com da UMESP, que nas horas

mais difíceis me ajudou a prosseguir.

À Kátia Bizan, secretária do Pós-Com da UMESP, pelos providenciais e-mails, responsáveis

por eu não perder se quer um prazo de entrega, e obrigado pela sua educação, alegria e

competência.

A UMESP por ter sido com muito orgulho aluna de uma instituição crível, e por todo apoio e

suporte dado para realizar a pesquisa.

Ao CNPq que concedeu a bolsa possibilitando o desenvolvimento da pesquisa e sua

conclusão.

Aos meus pais pelo amor e os valores que me deram. Sem vocês não estaria aqui no meu

caminho, pois já caminhei bastante, mais ainda falta chão para trilhar. Sempre os honrarei.

À minha companheira de caminhada no mestrado Cristiane Holanda, pelos momentos de bate-

papo que me encheram de motivação e alegria para continuar na caminhada rumo aos

objetivos.

Ao Douglas Marçal, meu coordenador no SENAC, Instituição que tenho orgulho de trabalhar

como docente, pela compreensão aos tantos pedidos de liberações, para ir aos congressos e

viagens para Bom Despacho. Aos meus queridos mestres da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Prof. Dr. Sérgio Lex e

Profa. Dra. Miriam Rodrigues, pela oportunidade de lecionar na Pós-Graduação desta

Instituição que tanto tenho orgulho de pertencer, e principalmente pelo incentivo para

prosseguir com o mestrado. Minha gratidão.

Aos Quilombolas Carrapatos da Tabatinga, por permitir relatar um pouco sobre a

comunidade, suas lutas e ideais. A Dona Tiana pela generosidade com que me recebeu em sua

casa para falar da vida e de seu povo, a própria força da mulher negra, que me inspirou a lutar

mais pelos meus ideais. A Sandra Andrade pela boa recepção desde o primeiro encontro.

Muito obrigada à toda comunidade.

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SGOTI, Silmara de Mattos. A Comunicação Comunitária dos Quilombolas Carrapatos da

Tabatinga: o diálogo como práxis da comunicação interpessoal e grupal. São Bernardo do

Campo, 2016, p.121. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social), Faculdade de

Comunicação, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2016.

RESUMO

O estudo enfatiza a comunicação comunitária dos Quilombolas Carrapatos da Tabatinga,

comunidade localizada na cidade de Bom Despacho, no Estado de Minas Gerais. Os objetivos

são compreender de modo sistemático e com base científica os processos de comunicação das

práticas participativas e de gestão existentes na comunidade, além de verificar se há um

trabalho desenvolvido nos meios de comunicação grupais ou midiáticos de alcance

comunitário ou local, para amplificar as demandas sociais dos quilombolas em Bom

Despacho. A pesquisa bibliográfica construiu o marco teórico sobre comunidades,

comunicação comunitária e uma breve explanação sobre o Quilombo como símbolo de

resistência no Brasil. Utilizou-se a pesquisa etnográfica, sob os parâmetros da dialética, com

apoio da observação participante na investigação de campo, em determinadas atividades e não

de forma permanente, que permitiu um estudo in loco. Foram aplicadas técnicas

complementares de coleta de dados: a entrevista semiestruturada como forma de obter com

clareza as descrições da comunidade e as relações comunicantes no meio cultural que está

inserida: a sua ancestralidade negra, o território real e simbólico e o convívio com a sociedade

local. As entrevistas foram com os líderes comunitários, membros da comunidade e alguns

atores da sociedade local. Complementou-se o estudo com análise documental referente a

comunidade quilombola citada e com dados secundários como: informações já disponíveis em

órgãos públicos e privados ou instituições vinculadas a comunidade. Na conclusão do estudo

verificou-se que o diálogo é a práxis da comunicação comunitária interpessoal e grupal dos

Quilombolas Carrapatos da Tabatinga. Nos processos comunicacionais entre os membros da

comunidade o diálogo crítico se faz presente nas discussões sobre as demandas sociais como:

a importância da identidade quilombola, a valorização da memória dos ancestrais escravos, a

necessidade de resistirem ao preconceito e a desigualdade social na sociedade local, e a luta

pelo direito constitucional de reaver os territórios quilombolas. A comunidade tem uma

comunicação dialógica com a sociedade local, por meio das manifestações culturais, como no

Congado, no qual constatou-se a força comunicante das demandas sociais nos cantos, danças

e indumentárias. Há participação da comunidade nos meios de comunicação de Bom

Despacho em espaços cedidos, de forma esporádica, em rádio comercial para divulgação dos

seus eventos e atividades culturais. A comunidade utiliza rede social para publicar seus

conteúdos, por ser um meio de comunicação de baixo custo e alta abrangência. Não foi

constatado na cidade de Bom Despacho nenhum trabalho desenvolvido nos meios de

comunicação midiáticos de alcance comunitário ou local, para amplificar as demandas sociais

dos Quilombolas Carrapatos da Tabatinga. O exercício da cidadania da comunidade em Bom

Despacho é prejudicado, por ser minoria tem baixa representatividade no poder público

municipal, o que resulta em falta de políticas públicas que atenda as demandas sociais da

comunidade, as conquistas sociais da comunidade vieram por meio do Governo Federal.

Palavras Chave: Comunicação Comunitária. Diálogo. Comunidade. Quilombolas Carrapatos da Tabatinga. Quilombo.

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SGOTI, Silmara de Mattos. La Comunicación de la Comunidad de Quilombo Las

Garrapatas de Tabatinga: el diálogo como práctica de la comunicación interpersonal y

grupal, São Bernardo do Campo, 2016, p.121. Disertación (Maestria em Comunicación

Social), Faculdade de Comunicação, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do

Campo, SP, 2016.

RESUMEN

El estudio enfatiza la comunicación comunidad de Quilombolas Garrapatas de Tabatinga,

comunidad situada en la ciudad de Bom Despacho en el Estado de Minas Gerais. Los

objetivos son comprender los procesos con base sistemática y científicamente comunicación

de prácticas de participación y de gestión dentro de la comunidad, así como de verificación

para un trabajo en el grupo o comunidad de los medios de difusión o medios de comunicación

locales para amplificar las demandas los derechos sociales de los quilombos en Bom

Despacho. La literatura construyó el marco teórico sobre las comunidades, la comunicación

comunitaria y una breve explicación del Quilombo como un símbolo de la resistencia en

Brasil. Se utilizó la investigación etnográfica, en la dialéctica de los parámetros, con el apoyo

de la observación participante en el campo de la investigación en ciertas actividades y no de

forma permanente, lo que permitió un estudio in situ. La recopilación de datos técnicos

adicionales se aplicaron: la entrevista semi-estructurada con el fin de obtener una clara

descripción de la comunidad para la interconexión y los enlaces en el medio cultural que se

inserta: su ascendencia negro, el territorio real y simbólico y la interacción con la sociedad

local. Las entrevistas fueron con los líderes comunitarios, miembros de la comunidad y

algunos actores de la sociedad local. El estudio de análisis de documentos se complementó

con respecto quilombo citado y datos secundarios como la información ya disponible en

organismos o instituciones públicas y privadas vinculadas con la comunidad. A la conclusión

del estudio se encontró que el diálogo es la práctica de la comunicación interpersonal y de

grupo de la comunidad de Quilombolas Garrapatas de Tabatinga. En los procesos de

comunicación entre los miembros de la comunidad diálogo crítico está presente en las

discusiones sobre las demandas sociales como la importancia de la identidad quilombola, la

valoración de la memoria de los antepasados esclavos, la necesidad de resistir el prejuicio y la

desigualdad social en la sociedad local, y la lucha por el derecho constitucional de tomar

posesión de los territorios quilombolas. La comunidad tiene una comunicación dialógica con

la sociedad local a través de eventos culturales, como el Congado en el que se encontró la

fuerza de conexión de las demandas sociales en canciones, bailes y trajes. Hay participación

de la comunidad en los medios de comunicación el Bom Despacho en los espacios asignados,

de forma esporádica, en la radio comercial para la difusión de los eventos y actividades

culturales. La comunidad utiliza la red social para publicar su contenido a ser un medio de

bajo costo y alta cobertura. Se encontró en la ciudad de Bom Despacho hay trabajo en grupo o

los medios de comunicación de alcance comunitario o local, para amplificar las demandas

sociales de los Quilombolas Garrapatas de Tabatinga. El ejercicio de la ciudadanía de la

comunidad en buen estado de sufre deterioro por la escasa representación en el gobierno

municipal por una minoría en la ciudad, lo que resulta en una falta de políticas públicas para

satisfacer las demandas sociales de la comunidad. Toda la comunidad conquistado entró por el

Gobierno Federal.

Palabras Clave: Comunicación Comunitaria. Diálogo. Comunidad. Quilombolas Carrapatos da Tabatinga. Quilombo.

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SGOTI, Silmara de Mattos. The Community Communication of Quilombolas Carrapatos of Tabatinga: dialogue as a practice of interpersonal communication and group. São Bernardo do Campo, 2016, p.121. Dissertation (Master in Social Communication), Faculdade de Comunicação, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2016.

ABSTRACT The study emphasizes community communication of Quilombolas Carrapatos of Tabatinga,

community located in Bom Despacho in the State of Minas Gerais. The objectives are to

understand systematically and scientifically based communication processes of participatory

and management practices within the community, as well as check for a work in the group or

media community outreach or local media to amplify the demands social rights of quilombos

in Bom Despacho. The literature built the theoretical framework on communities, community

communication and a brief explanation of the Quilombo as a symbol of resistance in Brazil.

We used ethnographic research, in the dialectic of parameters, with the support of participant

observation in the field of research in certain activities and not permanently, which allowed an

on-site study. Additional technical data collection were applied: the interview semi-structured

in order to get a clear community descriptions to and interconnecting links in the cultural

milieu that is inserted: their black ancestry, the real and symbolic territory and the interaction

with the local society. The interviews were with community leaders, community members and

some actors of local society. The study of document analysis was complemented regarding

quoted Quilombo and secondary data as information already available in public and private

bodies or institutions linked to the community. At the conclusion of the study it was found

that dialogue is the practice of interpersonal communication and community group of

Quilombolas Carrapatos of Tabatinga. In the communication processes between the members

of the critical dialogue community is present in discussions about the social demands as the

importance quilombo identity, valuing the memory of slave ancestors, the need to resist the

prejudice and social inequality in the local society, and the struggle for the constitutional right

to repossess the quilombo territories. The community has a dialogical communication with the

local society through cultural events, such as the Congado in which it was found the

connecting force of social demands in songs, dances and costumes. There is community

participation in Bom Despacho media in assigned spaces, sporadically, on commercial radio

for dissemination of the cultural events and activities. The community uses social network to

publish their content to be a medium of low cost and high coverage. It was found in the city of

Bom Despacho no work in group or media community outreach or local, to amplify the social

demands of the Quilombo las Carrapatos of Tabatinga. The exercise of community citizenship

in Bom Despacho is impaired due to low representation in municipal government by a

minority in the city, resulting in a lack of public policies to meet the social demands of the

community. All community conquered came through the Federal Government. Key Words: Community Communication. Dialogue. Community. Quilombolas Carrapatos da Tabatinga. Quilombo.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

CAPÍTULO I – CONCEITOS, TEORIAS E REFLEXÕES: SOBRE COMUNICAÇÃO

E COMUNIDADE .................................................................................................................. 25

Nota Introdutória ao capítulo ..................................................................................... 25

1 A Comunicação: o “agir em comum” ............................................................................ 25

1.1 A Communicatio: o diálogo como laço coesivo da comunidade............................. 29

2 Comunidade nos Clássicos e seu entendimento na atualidade ....................................... 33

CAPÍTULO II – O EMPODERAMENTO DA COMUNICAÇÃO: DO DIREITO

GARANTIDO À ESTRATÉGIA DE AMPLIAÇÃO DA CIDADANIA POR MEIO DA

PARTICIPAÇÃO POPULAR ............................................................................................... 40

Nota Introdutória ao Capítulo ................................................................................... 40

1 Direito à comunicação: o poder de construir pensamentos, plurais e autônomos.......... 40

2 A participação popular na comunicação: o exercício da cidadania ............................... 46

CAPÍTULO III – QUILOMBO CARRAPATOS DA TABATINGA: 300 ANOS DE

RESISTÊNCIA ....................................................................................................................... 49

Nota Introdutória ao Capítulo ................................................................................... 49

1 Quilombo: a materialização da resistência negra e a importância da territorialização .. 49

2 Os quilombolas de Bom Despacho: a história marcada por luta desde a origem .......... 58

2.1 O Direito Constitucional dos remanescentes quilombolas à territoriedade ............. 60

2.2 A desigualdade social abarcada pelo preconceito racial ......................................... 62

2.3 A gestão e os processos de comunicação da comunidade ....................................... 64

2.4 O Congado: a força comunicante das matrizes africanas ........................................ 71

2.5 Chico Rei ................................................................................................................. 75

2.6 Missa Conga ............................................................................................................ 76

2.7 A Festa de Nossa Senhora do Rosário em Bom Despacho e suas Cortes do Reinado80

2.8 A Festa de São Benedito: a expressão comunicante dos quilombolas da Tabatinga84

2.9 Canjerê: 1º Festival da Cultura Quilombola do Estado de Minas Gerais ................ 97

3 A práxis da comunicação comunitária para além dos meios ....................................... 100

3.1 A participação da comunidade nos meios de comunicação de Bom Despacho .... 104

3.2 A comunidade conectada ao Facebook e YouTube ............................................... 106

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 108

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 115

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INTRODUÇÃO

Os quilombos foram construídos como uma unidade básica de resistência do negro

contra as condições de vida impostas pelo sistema escravista. Hoje, os quilombos constituem

um legado material e imaterial de resistência com os quais os quilombolas desenvolvem e

reproduzem modos de vida característicos num determinado lugar, organizados em forma de

comunidades espalhadas pelo Brasil.

Na Constituição Federal de 1988, foi assegurado às comunidades remanescentes de

quilombos o direito às terras por eles ocupadas, devendo o Estado atuar na titularização das

mesmas. Do direito conquistado pelo movimento negro surge a identidade política do

quilombola. Muitas comunidades, até então em geral ditas como “comunidades negras” ou

que habitavam as chamadas “terras de preto” passam a se assumir quilombolas.

Diante deste fenômeno houve uma ressemantização do conceito de quilombo,

ampliando-o, propiciando que um número crescente de comunidades negras passasse a se

autodeterminar pertencentes a uma comunidade de remanescentes quilombolas com

possibilidades políticas. Iniciou-se a necessidade de uma participação mais ativa das

comunidades quilombolas em busca de seus direitos já garantidos por lei, mas de fato a serem

alcançados na prática. Hoje umas das principais demandas sociais dos remanescentes

quilombolas, entre outras, é de fato ter os territórios quilombolas legalizados em forma de

propriedade para suas comunidades espalhadas por todo Brasil.

Desta forma, as comunidades negras passaram a reafirmar sua identidade, baseada no

resgate do conceito de “quilombo”, com o aparecimento de atores sociais coletivos,

ampliando e renovando o modo de ver e viver a identidade negra, pensando coletivamente em

seus direitos civis bem como nos sociais com uma cidadania mais participativa, lutando para

extinguir sua “invisibilidade social”.

Gostaria de lembrar a existência de mais 3.000 comunidades quilombolas no Brasil,

dado oficial segundo o INCRA1, com demandas sociais semelhantes. As reivindicações vão

desde o direito que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento,

delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades

dos quilombos de que trata o artigo 682, da Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, até as lutas cotidianas: contra o

preconceito da sociedade local onde as comunidades quilombolas estão presentes, a luta por

1Informação de acordo com o site oficial do INCRA ver em: http://www.incra.gov.br/quilombola

2 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.ht

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fomentos públicos para manter viva a cultura quilombola - língua, danças, eventos religiosos -

e as condições de infraestrutura das terras quilombolas como: escola, saúde e saneamento

básico.

Possibilitar que estas muitas vozes de brasileiros esquecidos e silenciados a mais de

300 anos, que tanto contribuíram para formação socioeconômica do Brasil, diga-se com muita

dor e lágrimas, sejam ouvidas pela sociedade brasileira e avancem em suas reivindicações.

Fato curioso é que muitas pessoas, inclusive participes do meio acadêmico, se quer sabiam da

existência da lei para os remanescentes quilombolas, imaginei o restante da população

brasileira... É urgente a discussão e a divulgação por meio da comunicação, sem interferência

e interesses econômicos, como muitas vezes ocorre na grande mídia sobre as questões dos

povos tradicionais quilombolas, incluindo os indígenas, num país que ainda permanecem

práticas sócio econômicas e políticas sob a égide do colonialismo: latifúndios, exclusão étnica

e outras barbáries de cunho preconceituoso e classista.

As comunidades quilombolas são organizadas, porém com pouca participação nos

meios de comunicação tradicionais, bem como nos comunitários locais. Tive acesso aos

conteúdos jornalísticos sobre os quilombolas na revisão documental em 2014 e constatei que

eles versam, na sua maioria, sobre temas históricos, antropológicos e até mesmo exóticos

sobre o modo de vida destas comunidades, entretanto pouco se fala sobre as demandas sociais

dos quilombolas.

Gerou-se uma reflexão sobre o avanço das conquistas das comunidades quilombolas:

se eles não se manifestarem além dos muros das comunidades, visando ampliar alcance ao

público, as suas demandas sociais serão ouvidas? Terão possibilidade de ampliarem sua

cidadania?

Como diz a autora Cicília Peruzzo (2005, p.33):

O uso dos meios de comunicação pelo cidadão e suas organizações

representativas significa um passo no exercício do direito a isegoria, quer

dizer o direito de se manifestar e ser ouvido. Como ser ouvido por amplos

públicos, se não através da mídia?

Diante deste questionamento o objeto de estudo da pesquisa será a comunidade dos

quilombolas Carrapatos da Tabatinga, localizada na cidade de Bom Despacho, no centro-

oeste do Estado de Minas Gerais. É uma comunidade urbana composta por aproximadamente

500 pessoas, organizada desde 2006 pela Associação Quilombola Carrapatos da Tabatinga. A

comunidade é formada por membros com laços sanguíneos e ancestralidade negra, de origem

africana e escrava. Os elementos de formação da comunidade da Tabatinga em Bom

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Despacho estão presentes nos dias de hoje, e se concentram em sua territoriedade físico-

simbólico no bairro periférico Ana Rosa (antigo bairro da Tabatinga) sendo possível um

estudo dos processos da comunicação comunitária.

A pergunta central da pesquisa é: quais são as práticas e meios de comunicação

comunitária desenvolvidos no quilombo dos Carrapatos da Tabatinga com alcance na

sociedade local?

A pesquisa bibliográfica inicial sobre os quilombolas da Tabatinga inspirou uma

hipótese a ser investigada: a comunidade dos Quilombolas Carrapatos da Tabatinga tem uma

comunicação comunitária que contribui para amplificar suas demandas sociais e atuar como

cidadãos na sociedade de Bom Despacho.

O objetivo geral da pesquisa é analisar como a comunicação comunitária se faz

presente na Comunidade dos Quilombolas Carrapatos da Tabatinga localizada na cidade de

Bom Despacho, no Estado de Minas Gerais, e os objetivos específicos são:

1. Entender os processos da comunicação comunitária compreendendo as práticas

participativas e de gestão existentes na comunidade;

2. Verificar se utilizam a comunicação como estratégia para ampliar a cidadania;

3. Verificar se há um trabalho desenvolvido nos meios de comunicação grupais ou

midiáticos de alcance comunitário ou local, amplificando as demandas sociais da

comunidade;

4. Estudar as contribuições que a comunicação comunitária pode proporcionar para a

comunidade quilombola e para a sociedade local de Bom Despacho;

5. Verificar a aceitação da Comunidade Quilombola Carrapatos da Tabatinga pela

sociedade de Bom Despacho.

Para atender aos objetivos da pesquisa utilizou-se como metodologia na primeira

etapa a pesquisa bibliográfica para a construção do marco teórico, na segunda etapa o estudo

empírico por meio do estudo etnográfico com apoio de observação participante. E finalmente

como técnica complementar de coleta de dados a entrevista semiestruturada.

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De acordo com Luna (1998) a pesquisa bibliográfica abrange: publicações avulsas,

livros, jornais, revistas, vídeos, internet, etc. Esse levantamento foi importante tanto para os

estudos baseados em dados originais, colhidos numa pesquisa de campo, como para aqueles

inteiramente baseados em documentos.

A pesquisa bibliográfica constituiu em leitura e análise de referências teóricas e no

confronto dessas com o material coletado. Para Lakatos e Marconi (2005, p. 185) tal pesquisa

“abrange toda a bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde

publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses,

dissertações, internet [...] rádio, gravações em fitas magnéticas e audiovisuais [...]”. Os

estudos empreendidos pelos autores citados nas referências bibliográficas serviram no

embasamento para a construção do marco teórico conceitual. No entanto, estaremos sempre

em movimento, quando necessário recorremos a outros autores e teorias, no intuito de fazer

um recorte da realidade estudada e dar explicações sobre a mesma.

Na segunda etapa, visando o desenvolvimento do estudo do tema proposto, utilizou-

se a metodologia da pesquisa etnográfica, sob os parâmetros do método dialético, com apoio

da observação participante no trabalho de campo.

Lapassade (1991), diz que a expressão etnografia começou a ser utilizada pelos

antropólogos para designarem o trabalho de campo, no decorrer dos quais são recolhidas

informações e materiais que servirão de objeto de uma elaboração teórica posterior.

Segundo Erick Saperas (1998, p. 163) o interesse da etnografia aplicada à pesquisa

de comunicação é formar um modelo de investigação de caráter não contextual destinado a

descrever como se produzem os atos de comunicação em distintas situações (apud

PERUZZO, 2005, p.135).

A metodologia da pesquisa etnográfica possibilitou uma investigação que na

descrição dos processos e práticas da comunicação dos quilombolas trouxe característica

singular no texto, devido à experiência participativa na comunidade como observadora,

conforme diz Oliveira (1996, p. 25), “talvez o que torne o texto etnográfico mais singular,

quando o comparamos com outros devotados à teoria social, seja a articulação que ele busca

fazer entre o trabalho de campo e a construção do texto”.

Ainda, a etnografia “é entendida como um método de pesquisa qualitativa e empírica

que apresenta características específicas” (TRAVANCAS, 2006, p. 100). Tais características

podem ser resumidas no caso do presente estudo da seguinte forma: a riqueza de detalhes que

a ida a campo proporcionou com as visitas à comunidade, a observação dos fenômenos

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comunicacionais da realidade no lugar em que ocorrem, os eventos realizados com a

participação da comunidade dos Quilombolas dos Carrapatos da Tabatinga, os rituais nas

festas com a participação da comunidade onde se deu a comunicação com a sociedade local, o

contato próximo com o objeto de pesquisa e as interpretações e reflexões que puderam ser

feitas in loco a respeito dos processos comunicantes da comunidade.

Outro fator preponderante é que a presença no local trouxe a observação dos

comportamentos que os atores sociais, os quilombolas e a sociedade local, desenvolvem de

acordo com as situações e com os contextos em que estão envolvidos. As suas interpretações

diante das conversações apareceram em meio às múltiplas vozes e aos significados que

atribuem às diferentes situações sociais. Foram analisados os fenômenos comunicacionais

levando em consideração a realidade social da comunidade quilombola na atualidade e sua

relação com a sociedade local, principalmente em relação à verificação do convívio social, e

como se dá essa relação in loco.

Utilizou-se a observação participante como um pressuposto da investigação

etnográfica para estudar o sistema de gestão da comunicação comunitária dos quilombolas

Carrapatos da Tabatinga, e os mecanismos de participação popular nos veículos de

comunicação local da cidade de Bom Despacho. Sempre observando o que Cicília Peruzzo

(2005, p.136) cita: “Há que se dizer ainda que toda investigação etnográfica pressupõe a

observação participante, mas que nem toda observação participante é etnográfica”. Portanto,

utilizou-se para apoiar a pesquisa de campo do estudo etnográfico proposto com o foco nas

questões acima citadas.

A proximidade, por meio da inserção como observadora no ambiente quilombola,

auxiliou na interpretação das situações levando em consideração o modo como os próprios

integrantes da comunidade vivenciam suas experiências comunicantes.

A observação participante - ou investigação etnográfica - realizada com a

finalidade de observar comportamentos das pessoas em relação aos meios de

comunicação pressupõe a inserção do pesquisador no ambiente investigado

(uma família, uma gangue, um grupo profissional, uma comunidade etc.) e

em geral, objetiva observar como se processa a recepção das mensagens dos

mass media, como elas são entendidas, decodificadas e reelaboradas. Pode

também ter a finalidade de observar os processos comunicativos

interpessoais, grupais ou comunitários, envolvendo os meios massivos ou

outros processos de comunicação, como os grupais, e meios alternativos de

comunicação (PERUZZO, 2005, p. 136).

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Observou-se as seguintes situações:

a) A gestão e os processos de comunicação interpessoal da comunidade nas

reuniões e decisões de participações em atividades culturais e políticas;

b) As atividades culturais que a comunidade Carrapatos da Tabatinga produz

envolvendo todas as gerações da comunidade, foi observada a participação no

Canjerê 1º Festival da Cultura Quilombola do Estado de Minas Gerais em

novembro de 2015, em Belo Horizonte, com as demais comunidades

quilombolas e indígenas do Estado de Minas Gerais.

c) No mês de abril de 2016 foi realizada a festa de São Benedito na cidade de Bom

Despacho, e a comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga tem participação

ativa com a apresentação do congado realizado pela Guarda Moçambique de São

Sebastião pelas ruas da cidade, momento de encontro com a sociedade local.

Houve a possibilidade de observar como essa comunicação se deu por meio da

manifestação cultural e religiosa;

d) Os possíveis espaços da comunidade nos meios de comunicação local, rádio e

mídia impressa, e como é realizada esta participação.

A observação participante foi realizada durante seis meses, não foi uma permanência

direta, houve participação em determinadas atividades no período de outubro de 2015 a abril

de 2016. O tempo foi suficiente para que a investigação em campo fosse realizada sem

prejuízos para os objetivos do estudo. De acordo com Cicília Peruzzo, (2005, p.143):

Não existe um tempo ideal que possa ser prefixado. Dependerá do tipo de objeto, de quão rápida, ou demoradamente ele se revela ao investigador, das condições em que os mecanismos internos do “objeto” se dão a conhecer ao pesquisador e da capacidade deste em captar suas manifestações explícitas e implícitas. Mas é obvio que o tempo não pode ser curto demais. Poderá ser de meses, um ano ou mais.

O papel de pesquisadora foi desempenhado somente como observadora, não houve

participação como membro da comunidade, ou seja, foi revelada para os Quilombolas

Carrapatos da Tabatinga. A autonomia foi plena, o grupo ou qualquer elemento do ambiente

não interferiu na pesquisa no tocante a formulação dos objetivos e demais fases do projeto,

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nem no tipo de informação registrada e nas interpretações dadas ao que fora observado.

Utilizou-se como técnica complementar de coleta de dados a entrevista no formato

semiestruturado. Autores como Triviños (1987) e Manzini (1990, 1991, 2003) trazem em suas

publicações definições que caracterizam a entrevista semiestruturada.

Para Triviños (1987, p. 146) a entrevista semiestruturada tem como característica

questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema

da pesquisa, e que o foco principal é colocado pelo investigador-entrevistador. Complementa

o autor, afirmando que a entrevista semiestruturada “[...] favorece não só a descrição dos

fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...]” além

de manter a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de

informações (TRIVIÑOS, 1987, p. 152).

Para Manzini (1990, 1991, 2003, p. 154), a entrevista semiestruturada está focalizada

em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais,

complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista.

Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as

respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas.

Um ponto semelhante para ambos os autores, se refere à necessidade de perguntas

básicas e principais para atingir o objetivo da pesquisa. Dessa forma, Manzini (2003) salienta

que é possível um planejamento da coleta de informações por meio da elaboração de um

roteiro com perguntas que atinjam os objetivos pretendidos. O roteiro serviria, então, além de

coletar as informações básicas, como um meio para o pesquisador se organizar para o

processo de interação com o informante.

Partindo do pressuposto de que uma boa entrevista começa com a formulação de

perguntas básicas, que deverão atingir o objetivo de pesquisa, é possível fazer uma análise do

roteiro para identificar a sua adequação em termos de linguagem, estrutura e sequência das

perguntas no roteiro (MANZINI, 2003).

A entrevista semiestruturada foi realizada com um roteiro preparado previamente,

com a utilização de perguntas descritivas e aplicadas no trabalho, objetivando atingir com

clareza as descrições da comunidade para descobrir os significados dos comportamentos dos

seus membros no seu meio cultural, bem como a relação com a sua ancestralidade, território

real e simbólico e a sociedade local (TRIVIÑOS, 1987, p. 151).

Utilizou-se os dados coletados das entrevistas com os líderes comunitários

quilombolas, e com alguns atores da sociedade local de Bom Despacho com o objetivo de

entender a relação comunicante:

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a) Interpessoal dos membros da comunidade com sua identidade quilombola e suas

demandas sociais;

b) Da comunidade com a sociedade local de Bom Despacho, como se dá essa

comunicação na percepção dos quilombolas;

c) Dos meios de comunicação da cidade com a comunidade quilombola: os jornais

locais e a rádio comunitária de Bom Despacho.

As líderes da comunidade entrevistadas foram: Sandra Andrade e Dona Tiana. A

escolha de Sandra Andrade foi pelo seu envolvimento ativo na liderança não só da

comunidade Carrapatos da Tabatinga, a qual faz parte, mas também pelo fato de ser

presidente da Federação dos Quilombolas do Estado de Minas Gerais – N´GOLO. Está

diretamente envolvida nas políticas públicas relacionadas às demandas sociais dos

quilombolas em todas as esferas públicas. Tem participação ativa nos eventos e mobilizações

das demais comunidades do Estado e Nacionais, é reconhecida no Planalto Central em

Brasília por sua participação ativa nas audiências públicas no Ministério do Desenvolvimento

Social e Agrário, Secretária Nacional de Assistência Social, e na Secretária de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial. As entrevistas concedidas por Sandra Andrade foram

relevantes para a presente pesquisa no tocante ao conhecimento sobre as demandas sociais

dos quilombolas, as políticas públicas já realizadas e as não realizadas e o que ainda está em

curso. Foi importante para entender como são elaborados os processos comunicacionais entre

os membros das comunidades quilombola da Tabatinga, e se há participação nas discussões

políticas, bem como eram feitas as divulgações das políticas públicas para a comunidade.

Realizei uma entrevista com a líder comunitária Dona Tiana de 83 anos de idade, que

tem uma vitalidade ímpar e exerce uma liderança ativa na comunidade. A entrevista foi

fundamental para entender os processos comunicacionais entre os membros da comunidade

da Tabatinga e com a sociedade local. Foram momentos de muito aprendizado sobre as

matrizes africanas, a identidade quilombola e o que ela representa para os negros da

comunidade. Relatou a importância de reverenciar e homenagear os ancestrais escravos, pois

são símbolos de resistência e luta, e servem para motivar as lutas atuais contra o preconceito e

desigualdade social. Explicou a participação nos eventos religiosos e seus significados.

As entrevistas com a liderança da comunidade foram realizadas com facilidade, cito

os nomes reais das entrevistadas, pois foram autorizados. No decorrer do trabalho de campo

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houve a tentativa de agendar mais uma entrevista com Sandra Andrade, mas devido ao

momento político do Brasil no início de 2016, a líder comunitária teve que priorizar a agenda

em Brasília e não pode atender à solicitação. As informações foram coletadas por e-mail,

assim não houve impacto no desenvolvimento do estudo.

Realizei também uma entrevista com a secretária de Cultura do Município de Bom

Despacho a Sra. Tânia Maria Teixeira Nakamura, para entender a relação do poder público

municipal com a comunidade dos quilombolas, principalmente nas atividades culturais da

cidade.

A secretária da Cultura do Município de Bom Despacho organiza os eventos na

cidade que tem a participação da sociedade local e da comunidade quilombola de Bom

Despacho. Não houve dificuldade em realizar a entrevista, a secretária atendeu prontamente a

solicitação e autorizou a publicação de seu nome no estudo. A secretária da Cultura relatou a

importância da comunidade quilombola da Tabatinga como patrimônio histórico de Bom

Despacho e falou sobre as verbas para os eventos culturais.

Não foi possível realizar a entrevista com os responsáveis pela rádio Ativa 87,9 FM,

dita comunitária, bem como não foi possível se quer confirmar a informação se a rádio era ou

não comunitária. Foram realizadas várias tentativas para agendar a entrevista com os

responsáveis, entretanto, não retornavam as solicitações. As informações que constam no

estudo sobre a participação da comunidade nos meios de comunicação em Bom Despacho

foram relatadas em entrevista por Dona Tiana. A entrevista com a rádio Ativa FM 87,9 era

significante para o estudo, porque seria uma forma de investigar se há um trabalho nos meios

de comunicação grupal ou midiático com alcance comunitário, ampliando as demandas

sociais da comunidade quilombola em Bom Despacho. Infelizmente não foi possível ouvir os

responsáveis da rádio. Mas o estudo não foi prejudicado, os depoimentos de Dona Tiana em

entrevistas foram suficientes para o desenvolvimento da investigação.

Não foi possível realizar entrevista com o padre Cristiano Caetano Leal da Paróquia

de Nossa Senhora do Rosário. Foram inúmeras tentativas, mas o Padre Cristiano sempre

estava sem horário em sua agenda, ora estava em Belo Horizonte, ora em Bom Despacho em

reunião. A versão dos fatos que envolve o Padre Cristiano e a comunidade dos quilombolas

Carrapatos da Tabatinga foi descrita no presente estudo mediante informações geradas nas

entrevistas com Dona Tiana e a Secretária de Cultura de Bom Despacho Sra. Tânia Maria

Teixeira Nakamura. Talvez a pesquisa ficasse mais completa se tivesse o depoimento do

padre Cristiano, entretanto a sua falta não prejudicou a conclusão do estudo. Ressalto que o

padre poderia detalhar bastante a Festa de Nossa Senhora do Rosário. Foram utilizados os

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depoimentos das entrevistas realizadas com Dona Tiana e Sra. Tania, juntamente com o

material documental disponível online para complementar as informações sobre a Festa.

A paróquia de Nossa Senhora do Bom Despacho me atendeu prontamente por meio

da sua secretária, forneceu material sobre a Festa de São Benedito e até ofereceu um horário

com o Padre José Raimundo da Costa, responsável pela realização da festa, mas não houve

necessidade de realizar a entrevista, pois o material fornecido e as informações da secretária

foram suficientes para o estudo. A única observação da paróquia de Nossa Senhora do Bom

Despacho foi dizer que não daria depoimento sobre a questão da festa de Nossa Senhora do

Rosário, pois esta era de responsabilidade e administração do Padre Cristiano Caetano Leal.

A pesquisa documental complementou os dados coletados nas entrevistas

semiestruturadas. Segundo Triviños (1990, p. 51):

A pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A diferença essencial entre ambas está na natureza das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos de pesquisa.

A pesquisa documental foi realizada com materiais coletados em documentações

válidas, conforme a definição de Chizzotti (2001, p. 11): “Documentação é toda informação

sistemática, comunicada de forma oral, escrita, visual ou gestual, fixada em um suporte

material, como fonte durável de comunicação”. Foram coletados materiais disponíveis em

fontes como: sites oficiais governamentais, documentários e transcrições orais realizadas em

Institutos de pesquisa.

Os principais sites oficiais governamentais utilizados na pesquisa documental foram

do Governo Federal e Municipal de Bom Despacho: Fundação Cultural Palmares, Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Ministério do Desenvolvimento

Social e Agrário, Secretária Nacional de Assistência Social, Secretária de Políticas de

Promoção da Igualdade Racial e Câmara Municipal de Bom Despacho. E uma fonte

importante para a pesquisa documental foi a utilização do documentário “A Filha de São

Sebastião” realizado pela produtora Caturra Digital Filmes (2013), disponível em versão

online no You Tube. O roteiro traz a trajetória da comunidade com depoimentos significativos

de Dona Tiana e membros da comunidade, bem como apresenta a festa de São Benedito com

detalhe, o documentário foi importante para o estudo. Foram utilizadas outras fontes para a

pesquisa documental para atender os demais objetivos de pesquisa, necessárias à medida do

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surgimento de fatos novos.

Encontram-se citadas nas notas de rodapé e referências bibliográficas dessa

dissertação.

O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo - (CEP-

Metodista) avaliou o projeto de pesquisa e seus riscos, por envolver seres humanos, e aprovou

a metodologia proposta no trabalho, autorizando a realização da presente pesquisa.

A escolha do tema e da pesquisa se justifica, pois não há nenhuma dissertação ou

tese sobre a comunicação comunitária dos quilombolas Carrapatos da Tabatinga, conforme

pesquisa prévia realizada em maio de 2014, portanto o tema é inédito.

O estudo da comunicação comunitária talvez deixe um ganho social para a

comunidade, uma vez entendida a importância da sua prática e gestão, poderão explicitar suas

demandas sociais por meio dos meios de comunicação e possivelmente avançar nas suas

reivindicações.

Existem mais de 3.000 comunidades quilombolas no Brasil, dado oficial segundo o

INCRA, conforme já foi citado anteriormente, com demandas sociais semelhantes aos dos

Carrapatos da Tabatinga, que poderão utilizar a presente pesquisa para desenvolver a

comunicação comunitária em suas comunidades, e possivelmente, avançar nas suas demandas

sociais, ampliando o exercício da cidadania, principalmente o da isegoria que é o direito de

falar e ser ouvido.

O campo da Comunicação Social tem como um dos objetivos “[...] realizar pesquisas

que possam contribuir com a sociedade, especialmente para solucionar graves problemas

provenientes das contradições de classe para promover a mudança social” (PERUZZO, 2005,

p. 131).

E assim me coloquei para a execução desta pesquisa.

No primeiro capítulo “Conceitos, teorias e reflexões: sobre comunicação e

comunidades” há uma reflexão sobre a compreensão da Comunicação, e propõe um olhar

além do modelo sociológico e linguístico que a define como processo transmissor de

informação, em favor do entendimento ético-político da comunicação, como conexão ou

organização originária do comum, o laço coesivo da comunidade. A communicatio como

referência ao diálogo estrutural base para o “agir em comum” nas comunidades e como

amplificador da participação cidadã. Propõe a reflexão do resgate filosófico, ético e político

da potência reflexiva do campo comunicacional, do qual se produz grandes ideias capazes de

reorientar o pensamento social.

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São abordadas as teorias clássicas sobre comunidades e seu entendimento na

contemporaneidade, pois foram revistas em decorrência do avanço tecnológico e das

alterações no modo de vida. Veremos que apesar das alterações, muitos dos princípios

desenvolvidos pelos clássicos preservam grande validade até os dias atuais.

O capítulo faz reflexão sobre fortalecimento de identidade dos membros das

comunidades e sua construção, que podem nascer da intenção em manter o status quo, ou de

resistir aos processos dominantes e às efemeridades do mundo globalizado, ou ainda de

buscar a transformação da estrutura social. É abordado o espírito de comunidade presente na

atualidade nas mobilizações populares, que muito embora tenham sofrido modificações

devido a influências das evoluções tecnológicas e do modo de vida moderno, ainda preservam

o sentimento de pertença que é um dos identificadores da existência das comunidades, os

objetos comuns que são as demandas sociais de um grupo, e o diálogo em prol das discussões

para o encaminhamento das decisões coletivas visando o bem comum da comunidade.

É apresentada uma breve explanação sobre a comunidade quilombola no Brasil, sua

formação e sua continuidade como um símbolo de resistência. Relata como os negros

remanescentes quilombolas se organizam atualmente em comunidades, e resistem por meio

dos laços comunitários, e lutam pelas suas demandas sociais tão urgentes quanto nos tempos

da escravidão e pós-escravidão. Para entender um pouco a formação utilizou-se uma

interpretação do início do século sobre a representação dos quilombos no Brasil.

Os quilombos no Brasil já foram objetos de dissertações e teses de vários estudos e

ainda percebe-se, segundo bibliografia visitada, que devido a um quadro histórico amplo,

apresenta várias possibilidades interpretativas do fenômeno. Como o objeto da pesquisa é a

comunicação comunitária, o texto trará uma breve explanação com o objetivo de entender

como se formaram e permanecem até os dias de hoje.

No segundo capítulo “O Empoderamento da comunicação: do Direito garantido à

estratégia de ampliação da cidadania por meio da participação popular” é apresentada a

comunicação como um direito garantido juridicamente, mas também se faz uma reflexão

sobre além do direito legítimo: o do empoderamento da comunicação como instrumento para

ampliação da cidadania. É relatada a importância da comunicação comunitária na mobilização

popular, que poderá proporcionar maior visibilidade sobre as demandas sociais, e traz também

o “fazer comunicação” como possibilidade de educar por meio da produção dos conteúdos

comunicacionais. É proposta uma reflexão sobre o “fazer comunicativo” como uma das

formas de exercício de cidadania, incentivando a construção de pensamentos críticos. É

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apresentada a comunicação comunitária como possibilidade para a participação popular,

possibilitando os membros da comunidade atuarem como: produtores de conteúdo, ouvintes,

leitores ou expectadores da própria história comunicada.

O terceiro Capítulo “Os Quilombolas Carrapatos da Tabatinga: 300 anos de

resistência” apresenta a origem da comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga, suas

lutas pelas demandas sociais que vão desde as reivindicações, de Direito já constituídos, mas

de Fato não, das terras dos remanescentes quilombolas, perpassando pela desigualdade social

abarcada pelo preconceito racial. São relatados os processos comunicacionais estabelecidos

entre os membros da comunidade, e suas atividades em eventos culturais e participações em

esferas políticas.

Há uma descrição sobre as forças comunicantes da comunidade com a sociedade

local por meio da devoção a Nossa Senhora do Rosário e a participação na Festa de São

Benedito com seu Congado. É realizada uma análise dos meios de comunicação comunitária

existentes na cidade de Bom Despacho e como se dá a relação comunicante da comunidade

quilombola nas medias existentes.

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CAPÍTULO I – CONCEITOS, TEORIAS E REFLEXÕES: SOBRE COMUNICAÇÃO

E COMUNIDADE

Nota Introdutória ao capítulo

O presente capítulo faz reflexão sobre a compreensão da Comunicação e propõe um

olhar além do modelo sociológico e linguístico que a define como processo transmissor de

informação, em favor do entendimento ético-político da comunicação, como conexão ou

organização originária do comum, o laço coesivo da comunidade. Abordaremos as teorias

clássicas sobre comunidades e seu entendimento na contemporaneidade. Há uma breve

explanação sobre os Quilombos no Brasil como um símbolo de resistência, e como os negros

remanescentes quilombolas se organizam nos dias de hoje em comunidades.

1 A Comunicação: o “agir em comum”

A reflexão sobre a palavra comunicação é necessário porque atualmente, ou melhor,

a partir do século XX, atribuiu-se vários significados a ela, desde o ato da fala como troca de

informação, até seu uso na venda de objetos e serviços por meio da comunicação publicitária,

e muito associada também às mensagens informacionais enviadas através dos dispositivos

tecnológicos.

O distanciamento do significado original da palavra comunicação pode gerar

consequências sociais e acadêmicas relevantes quando há o esvaziamento do sentido maior da

palavra. Pode trazer ao significado nominal um empobrecimento no seu valor, e que não seja

mais capaz de constituir um saber, um conhecimento ou de provocar transformações sociais

como ocorreu nos séculos anteriores.

Originariamente, comunicar – “agir em comum” ou “deixar agir o comum” –

significa vincular, relacionar, concatenar, organizar ou deixar-se organizar pela dimensão

constituinte, intensiva que é viver, se relacionar com o mundo. Os seres humanos enquanto

espécie são comunicantes, não porque falam, porque se relacionam ou se organizam em

mediações simbólicas, de modo consciente ou inconsciente, em função de um comum

partilhado no espaço em que vive seja com o outro ou com as forças naturais.

Ressalta-se que esta convivência a partir do século XX foi impregnada com a

crescente cultura do consumo e os próprios dicionários embarcados nessa onda, apoiados

pelos norte-americanos através da publicidade, começaram a fazer referência a palavra

comunicação como mera transmissão de uma “coisa comunicada”.

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Como cita Muniz Sodré (2014, p.14):

Entende-se assim como o termo comunicação – oriundo do latim communicatio/communicare com o sentido principal de “partilha”, “participar de algo” ou “pôr-se em comum” – pode terminar criando, no século XX, uma realidade própria a partir de sua antiga expansão do sentido de “coisa comunicada” (reforçada no inglês communication) com o concurso das técnicas de transmissão de informação e da publicidade. O foco na interação, que é uma instância inerente à partilha comunicacional, terminou sobrevalendo o significado de transmissão de mensagens.

Este tipo de entendimento é reforçado quando nos deparamos com o avanço da

tecnologia da comunicação e da informação, nos EUA e na Europa, é uma tendência os

acadêmicos destes países tratarem de referenciar o significado da comunicação como

transmissão de signos.

O significado “transmissão” em comunicação nos leva para o entendimento de

“comunicar uma notícia”, mas o seu entendimento cristalizado na contemporaneidade é

provavelmente da potência, até mesmo econômica, da palavra informação, ou seja, o fluxo de

dados que trafega de um pólo ao outro.

Continuando o fluxo da análise, sim porque foram inúmeras as consequências do

distanciamento da origem da palavra comunicação no século XX. Hoje o termo mídia muitas

vezes resume a diversidade dos dispositivos tecnológicos de informação. Embora comunicar

não seja realmente o mesmo que informar, a pretensão ideológica do sistema midiático é

atingir, por meio da informação, o horizonte humano da troca dialógica supostamente contida

na comunicação.

De fato, embora a ideia original de communicatio nada diga realmente sobre

transmissão de informações ou de mensagens, como vimos na citação de Sodré (2014), este

significado, determinado até mesmo pelos dicionários de línguas ocidentais, acabou impondo-

se sobre o sentido original transformador da “ação comum”.

Vemos também o reflexo na sociologia moderna, os estudos das relações sociais são

feitos no vago quadro teórico do par “comunicação/informação”, que é apenas outro nome

para a comunicação moderna, dita também “midiatizada”. Assim a comunicação/Informação

terminou sustentando noções de cunho civilizatório como “sociedade da informação” ou “era

da informação”. No âmbito desses efeitos socialmente valorizados, uma abordagem realista

da questão poderia, entretanto, conduzir ao seguinte raciocínio: não importa realmente saber o

que é comunicação/informação e sim, conhecer seus usos, sociotécnicas que disso se fazem

na vida contemporânea. Neste ponto vem inevitavelmente a seguinte reflexão: se

comunicação é a ação comum, precisa haver ação de todos os atores envolvidos, se não

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participo então só replico a comunicação/informação quando faço o uso sóciotécnico? Eis a

reflexão. Este é um entendimento aceitável pelo senso comum dos públicos imersos no que se

tem chamado de “cultura das mídias” ou no consumo dos dispositivos técnicos continuamente

despejados no mercado pela indústria eletrônica, dos quais se aposta de forma otimista.

Entretanto, se faz necessário uma redefinição, ou renovação dos mecanismos

democráticos do acesso a comunicação/informação, todos concordam sobre a falta de

neutralidade da rede, as questões éticas que devem ser observadas na produção e o uso destas

informações. Cito a questão da cidadania que vai “além” dos parâmetros econômicos,

jurídicos, políticos e sociais.

No sentido puro da palavra é escolher/decidir por uma comunicação/informação que

visa o comum, não a imposta por um mercado global da financeirização da

informação/comunicação. A participação na comunicação é fundamental para o exercício da

cidadania, e quando alguns conglomerados detêm grandes bancos de dados despejando e

coletando informações, no mínimo é prudente desconfiar das intenções, muitas vezes

financistas de circular esta comunicação/informação.

Nesse caso, a pergunta “o que é comunicação” não pode ser desprezada, pois é

necessário “o certo ponto” de partida para uma orientação existencial frente ao poder da dita

comunicação/informação.

Não é secundário, portanto, a pergunta sobre o que significa realmente comunicação,

ainda mais quando se acompanha Wittgenstein na suposição que toda interrogação de

natureza filosófica diz respeito ao significado das palavras: “[...] as palavras da linguagem

denominam objetos – frases são ligações de tais denominações” (WITTGENSTEIN, 1999, p.

27).

Pode-se citar como algo semelhante que tem registro na história do pensamento

Marxiano, quando este no processo de definição dialética do capital distingue o capital em

geral de categorias como valor, trabalho, dinheiro, preço, circulação etc. Distingue a

determinação, sendo necessário: “[...] fixar a forma determinada na qual o capital é posto num

certo ponto” (MARX, 2011, p.37).

Este “certo ponto” que devemos sobrevir agora no campo comunicacional, no qual

os signos, os discursos, os instrumentos e os dispositivos técnicos são os pressupostos do

processo de formação de uma forma nova de socializar, de um novo ecossistema existencial

em que a comunicação equivale a um modo geral de organização. Como um mundo de

sistemas interligados de produção, circulação e consumo, a nova ordem sociotécnica fixa-se

no ponto histórico do aqui e agora, não como índice de um novo modo de produção

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28

econômico, mas como a continuidade, com dominância financeira e tecnológica, da

mercantilização iniciada pelo capitalismo no início da Modernidade ocidental.

No necessário rearranjo de pessoas e coisas, a comunicação/informação revela-se

como principal forma organizativa.

Acentuarei o “revelar-se” porque comunicação significa de fato em sua radicalidade,

o fazer organizativo das mediações imprescindíveis ao comum humano, a resolução

aproximativa das diferenças pertinentes em formas simbólicas. As coisas, as diferenças

aproximam-se como entidades comunicantes porque se encadeiam no vínculo originário

estabelecido pelo símbolo.

Não entenda símbolo como figura de linguagem, mas como trabalho de relacionar,

concatenar ou pôr em formas comuns separadas, ao modo de um equivalente geral,

energeticamente investido de valor, ou seja, como originárias mediações simbólicas que se

desdobram em economia, parentesco, política e linguagem.

As forças vivas desse comum podem ser aprendidas como palavras, gestos, sinais ou

acolhidas como informação e suscetíveis de avaliações quantitativas (a informação técnica é

uma espécie de moeda corrente), mas a comunicação não se define por elas: a actiocommunis

é a dimensão simbólica, condição de possibilidade das trocas vitais, entre as quais

naturalmente, o sistema de diferenças e substituições dos signos linguísticos estão presentes e

são percebidos e sentidos.

Essa movimentação e essa reorganização, acionadas pela velocidade das ondas

eletromagnéticas, apontam para o cerne da questão comunicacional. Os fenômenos de trocas

discursivas ou de transformações na mídia, habitualmente tratados como marco regulatório do

campo comunicacional, apresentam-se como sintomas importantes, mas não como a

objetivação científica do problema da comunicação, porque são apenas resultantes

sociotécnicas da utilização e replicação de comunicação/informação através dos dispositivos

eletrônicos.

Sabe-se que os avanços tecnológicos são processos de um caminho sem volta, e

penso que seja um consenso seu desenvolvimento, inclusive para facilitar a vida cotidiana.

Ela tem um importante papel na questão da melhoria dos equipamentos na área da saúde, uma

pena que seja para poucos.

Imputar a estas tecnologias características da communicatio é querer substituir as

trocas simbólicas que vão além da linguagem, formadas por diferentes experiências de vida

somada a convivência com os outros no “pôr-se em comum”, seria abrir mão da capacidade

comunicante que somos compostos, para simplesmente reproduzir comunicação/informações.

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Muitas vezes recheadas de intenções, no mínimo duvidosas, onde o caráter financista

se faz presente na sociedade capitalista que vivemos.

Talvez o exercício da cidadania seja prejudicado uma vez que os guardiões destas

informações são os grandes “big date” gestados na maioria das vezes por países ricos, que de

certa forma continuam ditando o que consumimos de comunicação/informação.

A questão tecnológica seria no caso um estudo secundário, o primário seria o estudo

do que fora partilhado em comum na comunicação, e o que potencializa reais mudanças

sociais, assim como acontecera no decorrer dos séculos passados.

Como última reflexão sobre a essência da palavra comunicação, citarei Herbert de

Souza, o sociólogo Betinho “o termômetro que mede a democracia numa sociedade é o

mesmo que mede a participação dos cidadãos na comunicação” (SOUZA apud GUARESCHI,

2002).

1.1 A Communicatio: o diálogo como laço coesivo da comunidade

Com vistas a uma ciência da comunicação humana, um começo estratégico é

associar à questão moderna a velha noção de communicatio (do latim ciceroniano) para

designar a coesão social sob o ângulo de uma transcendência, que é a do “diálogo” entre os

deuses e os homens. Diálogo, não como mero intercâmbio de palavras, mas como ação de

fazer ponte entre as diferenças, que concretiza a abertura da existência em todas as suas

dimensões e constitui o homem no seu espaço de habitação – portanto, diálogo como

categoria ética.

A obra de Wilden (2001) relata que na antiguidade o diálogo ritualístico entre

mortais e imortais era imprescindível, era a cola do mundo para o elevado: o espiritual, que

supostamente uniria corpo e espírito, fundando a sociedade dos homens em termos não

imediatamente visíveis, porém essencialmente éticos.

Tanto Atenas quanto Roma reservava uma data para as oferendas sacrificiais às

divindades, que os romanos denominavam dies communicarius. No contexto medieval, a

communicatio era o sistema organizativo das relações entre todos os entes, com Deus – um

Deus “comunicativo” – como princípio unificador:

Deus é a fonte de toda comunicação: como no Velho Testamento, a natureza

é entendida como um “grande livro”, no qual estão impressos os sinais de

Deus, com informações escritas que esperam ser lidas, ou seja, traduzidas

em conhecimento. A ordem dos cosmos é percebida como é porque a

intercomunicação existente entre todos os seres significa que estes cooperam

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em simbiose no todo. Deus não é colocado num céu distante (como teria

acontecido no século XVIII), mas está “todo e totalmente” em todas as

partes do sistema, é ele quem informa (WILDEN, 2001, p. 130-131).

Mas já no século V da Era Cristã, a expressão communicatio assumiu uma inflexão

teológica, a communicatio idiomatum (comunicação das propriedades), destinada a explicar a

interação da divindade com o homem na encarnação de Cristo: os predicados crísticos,

propriamente divinos, seriam extensivos ao mundo. No século XVIII, entretanto, o importante

teólogo alemão J. Hamann (2007), antirracionalista e antikantiano, vai mais longe ao sustentar

a tese de que a communicatio se aplica não apenas a Cristo, mas toda ação humana

(HAMANN, 2007).

Hoje a expressão communicatioin sacris, ou seja, comunicação ou participação nas

coisas sagradas tem uso conciliar como acolhimento de práticas litúrgicas de cristãos com

outros não plenamente cristãos, o que cria para a expressão uma possibilidade interpretativa

no sentido da abertura para a diferença. Mas também a possibilidade de associá-la ao conceito

atual e positivo (no sentido da “ciência”) de comunicação, mesmo levando-se em conta que a

communicatio diz respeito a uma forma social antiga à “sociedade integral” descrita por

Durkheim (1895), na qual religião é imprescindível ao processo integrador.

É também possível instalar reflexivamente a communicatio no campo problemático

da comunicação moderna. Mas o que aqui deve-se levar agora em conta, por outro lado, é que

a communicatio, assim como a comunicação, não é transmissão de informação nem diálogo

verbal, e sim uma forma modeladora (organização de trocas reais) e um processo (ação) de

pôr diferenças em comum, sem que processo e ação possam ser considerados como arbitrários

(de livre escolha) por parte dos indivíduos, pois implicam a força de uma transcendência que,

na Antiguidade, era o sagrado. Isso implica também afirmar que o conceito de comunicação

não se restringe ao de prática discursiva.

Em discussão, que bem poderia ficar restrita à “cristologia”, oferece-se à

contemporânea redescrição comunicacional quando se pensa em autores capazes de

problematizar a vinculação social a partir de uma humanidade que não excluía

transcendência, seja qual for a sua denominação. Por exemplo, a denominação de espírito,

assimilado ao Verbo primordial:

O espírito não está no Eu, está na relação do Eu com o Tu. Ele não é

comparável como sangue que circula em ti, mas ao ar que tu respiras. O

homem vive em espírito quando sabe responder ao seu Tu. Ele pode fazê-lo

quando entra com todo seu ser na relação. É só em virtude de sua capacidade

de relação que o homem pode viver em espírito (BUBER, 1969, p. 70).

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Buber (1969) inscreve-se na linha filosófica do existencialismo cristão. Mas não se

restringe a relação do homem com Deus. O seu ativismo social (ele foi também educador,

historiador da religião, sociólogo e militante político), centrado na busca de novos tipos de

laço comunitário, leva-o ao que está implícito na ideia antiga e dialógica de communicatio,

embora este vocábulo latino não conste de sua terminologia conceitual.

Seu foco na relação inter-humana faz dele um pensador do comum, (benquisto por

filósofos, antropólogos e, mesmo, teóricos da comunicação, como Vilém Flusser), conceito

que equipara ao de diálogo, entendido como relação visceral de encontro entre um Eu e um

Tu, portanto, entre singularidades. Pode-se iniciar uma pequena síntese de sua reflexão com o

conceito de “palavras-princípios”, que são pares de palavras – portanto, relações –

constitutivas da base da linguagem. O par Eu-Tu, diferente de Eu-Isso (ou Eu-Coisa), é uma

dessas bases.

“As palavras que são a base da linguagem não exprimem uma coisa que existiria fora

delas, mas uma vez ditas fundam uma existência” (BUBER, 1969, p.50-51). Antes do

encontro, nada existe. Assim, o par Eu-Tu funda o mundo da relação, ao passo que Eu-Isso

pertence ao mundo enquanto experiência.

A proposta teórica de Buber (1969) não deve ser confundida com análise de discurso.

Trata-se propriamente de uma filosofia da pessoa, em que o encontro e o diálogo fazem a

síntese do acontecimento e da eternidade, como bem assinala Bachelard: “É no reino dos

vetores, e não no reino dos pontos e centros, que é preciso colocar-se para obter um esquema

justo do buberismo. O Eu e o Tu não são pólos separáveis” (BACHELARD, G. “Prefácio”.

In: BUBER, M., 1969, p. 9). Não se pode, portanto, colocar um Tu no passado, como se faz

com uma coisa que se utilizou, uma vez que a relação Eu-Tu acontece no imediato, na

duração, em plena reciprocidade, fazendo eclodir a presença como “um ser que nos espera e

permanece”.

Para a afirmação da communicatio, é importante sublinhar no buberismo a

anterioridade fenomênica da relação apresentada como uma categoria do ser, uma disposição

de acolhimento, um continente, um molde psíquico: "o Tu inato é o a priori da relação”

(BUBER, 1969, p.50-51). Essa categoria resulta no que o autor chama de comunidade, mais

precisamente de “verdadeira comunidade”, deixando claro, entretanto, que ela não se constitui

por nenhuma livre decisão de viver em comum, nem pela efusão de livres sentimentos.

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A verdadeira comunidade não nasce do fato de que as pessoas tenham

sentimentos umas pelas outras (embora não possa nascer isso), ela nasce

destas duas coisas: de que elas estejam todas em relação viva e recíproca

com um centro vivo e de que estejam ligadas umas às outras pelos laços de

uma viva reciprocidade. [...] A comunidade se edifica sobre a relação viva e

recíproca, mas é o centro atuante e vivo que é o verdadeiro obreiro”

(BUBER, 1969, p.74).

Vale assim, trazer de volta a reflexão de Buber (1969), para que o centro atuante

constitutivo do comum ou da vida pública não é feito de sentimentos, nem também de

instituições. Estas são uma dimensão externa, um “fora”, onde há trabalho, organização e

acontecimentos, enquanto os sentimentos são o “dentro”, a dimensão interna, onde se relaxa

da complexidade institucional, e o homem se sente realmente “em casa”.

Para Buber (1969) a finalidade da relação dual (Eu-Tu) é seu ser próprio, isto é, o

contato do Tu. Assim, “aquele que está na relação participa de uma realidade, ou seja, de um

ser que não está unicamente nele nem unicamente fora dele. Toda realidade é uma eficiência

da qual eu participo sem querer me apropriar dela. Onde falta participação, não existe

realidade” (BUBER, 1969, p.97-98). Essa participação coincide com o que a sociologia e a

sócio filosofia chamam de esfera pública, isto é, o espaço de comunicação em que cada

indivíduo passa do discurso dual à relação discursiva com a massa anônima, constituindo o

comum.

Em termos grupais os gregos chamam de philia, termo cujo sentido não se limita ao

de “amizade”, pois abrange o de laço comum, traçando o círculo do convívio e significado de

partilha como vizinhança. É, portanto, o comum que “cola” a cidade (o glutinummundi dos

alquimistas) e permite ao indivíduo transpor os limites da dualidade para a comunicação com

o anônimo social, dentro da forma representativa atinente a cada comunidade particular.

Por isso, a retomada contemporânea dos debates sobre a comunidade é importante

para discussão sobre os mecanismos da coesão ou do vínculo social em face das novas formas

de sociabilidade criadas pelo capitalismo transnacional e irradiadas por dispositivos de mídia.

Essa questão aparece, por exemplo, na reflexão de Cauquelin (1982) sobre as formações

urbanas. Para ela, quando alguém se indaga sobre o que poderia ser “primeiro” na formação

das cidades, aparece como ponto de partida o “viver juntos”, cujo móbile é precisamente a

philia – não entendida como mera convenção ou acordo de um contrato social regido por leis,

mas com a predisposição à sociabilidade (CAUQUELIN, 1982).

O comum é sentido antes de ser pensado ou expressado, portanto, é algo que ancora

diretamente na existência. O homem pensa porque existe, logo, é em comum. A contra

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tradução, que abriga o sentido da fala, se torna possível pela sensibilidade comum num lugar

próprio, regido pela communicatio, que é o outro modo – o dialógico – de dizer o que se

pensa ou quer na societas (sociedade). Isto é referir-se ao companheiro (socius) que,

pluralizado, constitui o pronome “nós” de um agrupamento humano ou da rede complexa de

relações jurídicas e políticas em que se insere o cidadão de um Estado.

2 Comunidade nos Clássicos e seu entendimento na atualidade

A teorização clássica sobre comunidade foi elaborada tendo como parâmetro as

sociedades agrárias, a partir da tribo, aldeia, família, igreja, lugar etc. As transformações nas

sociedades exigiram a atualização nos conceitos de comunidade. As noções de

“territorialidade”, “autosuficiência” e “identidade” perfeita entre os membros, por exemplo,

foram revistas em decorrência do avanço tecnológico e das alterações no modo de vida.

Mas, o que não há como negar é que a palavra comunidade evoca sensações de

solidariedade, vida em comum, independentemente de época ou de região. Hoje em dia seria

o lugar ideal onde se almejaria viver, um esconderijo dos perigos da sociedade moderna.

Como nos mostra Bauman (2003, p. 7), “‘comunidade’ produz uma sensação boa por causa

dos significados que a palavra ‘comunidade’ carrega”: é a segurança em meio à hostilidade.

Parte-se de uma constatação de Palácios (2001, p. 1) de que a “ideia ou conceito de

Comunidade, tão central na Sociologia Clássica, é uma invenção da Modernidade”. Com

esta nova forma de organização social surgem teorizações que apresentam possíveis

contraposições entre comunidade e sociedade.

Para compreender os aspectos fundamentais e essenciais do conceito, resgatou-se

alguns detalhes das contribuições teóricas de pensadores clássicos, como Weber (apud

FERNANDES, 1973, p. 140-143) para quem a comunidade é um conceito amplo que

abrange situações heterogêneas, mas que, ao mesmo tempo apoia-se em fundamentos

afetivos, emotivos e tradicionais.

O autor Werber (apud FERNANDES, 1973, p. 140), chama de comunidade “uma

relação social quando a atitude na ação social – no caso particular, em termo médio ou no

tipo puro – inspira-se no sentimento subjetivo (afetivo ou tradicional) dos partícipes da

constituição de um todo”. Para Weber (apud FERNANDES, 1973, p. 141), assim como para

Ferdinand Tönnies, a “maioria das relações sociais participa em parte da comunidade e em

parte da sociedade”.

Weber (apud FERNANDES, 1973, p. 142-143) fala também que na comunidade os

fins são racionalmente sustentados por grande parte de seus participantes, o sentido

contrapõe-se a ideia de “luta”, participação comum em determinadas qualidades, da situação

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ou da conduta, situação homogênea, sentimento da situação comum e de suas consequências

e mesma linguagem. Entretanto, em si, isto não implica uma comunidade.

Comunidade só existe propriamente quando, sobre a base desse sentimento

[da situação comum], a ação está reciprocamente referida – não bastando a

ação de todos e de cada um deles frente à mesma circunstância – e na

medida em que esta referência traduz o sentimento de formar um todo.

Ferdinand Tönnies (1855-1936), sociólogo alemão, membro de uma comunidade

rural, em Schlswig-Holstein, foi um dos grandes nomes que partiram em defesa da

comunidade, talvez por isso, tenha sido esquecido pelos que só tinham olhos para o progresso,

devido ao período de industrialização na Europa, contudo, sendo agora muito requisitado nas

reflexões contemporâneas a respeito do tema da Comunidade.

Além de trabalhar com as contraposições entre comunidade e sociedade, Tonnies

(apud FERNANDES, 1973, p. 104), apoia-se nas relações entre mãe e filho, entre esposos e

entre irmãos e irmãs que se reconhecem filhos da mesma mãe para explicar um tipo de

comunidade. A existência de processos comunitários estaria ligada, em primeiro lugar, aos

laços de sangue, em segundo lugar à aproximação espacial e em terceiro lugar à aproximação

espiritual. O autor Tonnies (apud FERNANDES, 1973, p. 104) ainda relaciona comunidade a

uma vontade comum, à compreensão, ao direito natural, à língua e à concórdia: “aonde quer

que os seres humanos estejam ligados de forma orgânica pela vontade e se afirmem

reciprocamente, encontra-se alguma espécie de comunidade”, ou seja, a vida em comunidade

baseia-se em relações sociais.

A teoria da comunidade se deduz, segundo as determinações da unidade completa

das vontades humanas, de um estado primitivo e natural que, apesar de uma separação

empírica e que se conserva através desta, caracteriza-se diversamente segundo a natureza das

relações necessárias e determinadas entre os diferentes indivíduos que dependem uns dos

outros (TÖNNIES apud FERNANDES, 1973, p. 98).

Tönnies (apud FERNANDES, 1973, p. 99) relata que a comunidade de sangue

(unidade de existência) tende a se desenvolver como comunidade de lugar (fundamentada na

habitação comum) que, consequentemente, desdobra-se em comunidade de espírito (baseada

em atividade comum). A comunidade de pensamento, que se expressa pelo conjunto

coerente de vida mental, seria para o autor a mais elevada forma de comunidade. Em outras

palavras, a base da vida comunitária estaria na comunhão de pensamento e de ideais.

Em outros termos, Tönnies (apud FERNANDES, 1973, p. 112) considera que as

características da comunidade podem estar relacionadas a três gêneros de comunidades: a)

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parentesco; b) vizinhança; c) amizade. O parentesco relaciona-se aos laços de sangue e à

vida comum em uma mesma casa, mas podem não se limitar à proximidade física. Este

sentimento pode existir por si mesmo com o afastamento físico, entretanto, as pessoas

sempre estarão à procura da presença física e real da família e do parentesco. A vizinhança

caracteriza-se pela vida em comum entre pessoas próximas da qual nasce um sentimento

mútuo de confiança, de favores, etc. Dificilmente se mantém sem a proximidade física. A

amizade está ligada aos laços criados nas condições de trabalho ou no modo de pensar.

Nasce das preferências entre profissionais de uma mesma área ou daqueles que partilham da

mesma fé, trabalham pela mesma causa e reconhecem-se entre si.

Nesta perspectiva, o autor parece reconhecer a existência de comunidades na vida

urbana. Inclusive, para ele, a vida urbana pode ser representada pela comunidade de

vizinhança. Trata-se da tendência de Tönnies (apud FERNANDES, 1973, p. 113) de apanhar

a comunidade sempre em relação à vida em grupos coesos e unidos por interesses em

comum.

Tentando ir além da perspectiva de Ferdinand Tönnies, Martin Buber (1987, p.33)

expressa uma visão de comunidade ideal, em que “homens maduros, já possuídos por uma

serena plenitude, sintam que não podem crescer e viver de outro modo, exceto entrando

como membros” em fluxo de doação e entrega criativa em razão de uma liberdade maior. “A

nova comunidade tem por finalidade a Vida. Não esta vida ou aquela, vidas dominadas, em

última análise, por delimitações injustificáveis, mas a vida que liberta de limites e conceitos” (BUBER, 1987, p.33). Para ele, “comunidade e Vida são uma só coisa”.

Buber (1987, p. 34) acrescenta:

A comunidade que imaginamos é somente uma expressão de transbordante anseio pela Vida em sua totalidade. Toda Vida nasce de comunidades e aspira a comunidades. A comunidade é fim e fonte de Vida. Nossos sentimentos de vida, os que nos mostram o parentesco e a comunidade de toda a vida do mundo, não podem ser exercitados totalmente a não ser em comunidade. E, em uma comunidade pura nada podemos criar que não intensifique o poder, o sentido e o valor da Vida. Vida e comunidade são os dois lados de um mesmo ser. E temos o privilégio de tomar e oferecer a ambos de modo claro: vida por anseio à vida, comunidade por anseio à comunidade.

Importante registrar ainda que, para Buber (1987, p.39), a humanidade se originou

em uma comunidade primitiva, passou pela escravidão da sociedade e “chegará a uma nova

comunidade que, diferentemente da primeira, não terá mais como base laços de sangue, mas

laços de escolha”. Neste sentido, o autor já reconhecia e antecipava que as noções de

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parentesco e de território não são condição essencial e obrigatória para se caracterizar uma

comunidade, mas sim a comunhão de escolhas, a vontade comum, a partilha de um mesmo

ideal, noções atualmente primordiais para se entender as comunidades virtuais.

Robert E. Park e Ernest W. Burgess (apud FERNANDES, 1973, p. 148) defendem

que uma comunidade deve ser considerada a partir da “distribuição geográfica dos

indivíduos e instituições de que são compostos”. Trabalhando na perspectiva de Tönnies,

para os autores “toda comunidade é uma sociedade, mas nem toda sociedade é uma

comunidade”.

Autores como R. M. MacIeaver e Charles Page (apud FERNANDES, 1973, p. 122-

123), já disseram que a noção do lócus territorial específico não é condição sine qua non

para a existência de vida comunitária, mas sim a participação na vida comum da

comunidade.

Ao discutir as formas de organização social na sociedade contemporânea, Marcos

Palácios (2001, p. 4) defende que alguns elementos fundamentais caracterizam uma

comunidade na atualidade: a) sentimento de pertencimento; b) sentimento de comunidade; c)

permanência (em contraposição à efemeridade); d) territorialidade (real ou simbólica); e)

forma própria de comunicação entre seus membros, através de veículos específicos. Para ele,

a questão da territorialidade assume novo sentido:

O sentimento de pertencimento, elemento fundamental para a definição de

uma Comunidade, desencaixa-se da localização: é possível pertencer a

distância. Evidentemente, isso não implica a pura e simples substituição de

um tipo de relação (face-a-face) por outro (à distância), mas possibilita a

coexistência de ambas as formas, com o sentimento de pertencimento

sendo comum às duas (PALÁCIOS, 2001, p. 7).

Neste sentido, a territorialidade pode assumir caráter físico ou simbólico. A

localidade geográfica passa a não ser considerada característica intrínseca de uma

comunidade, porque mesmo a distância pode se sentir parte.

Não é que o território não possui mais valor para a comunidade, porém, agora este

território pode ser físico-geográfico ou simbólico. Assim, adquire relevância o sentimento de

pertença, já que se pode pertencer à distância. O que está em jogo é à vontade e os interesses

dos membros.

Atualmente, vive-se outra conjuntura, marcada pela globalização e democracia, mas

as condições apontadas em parte, persistem como o acirramento de tendências

individualistas, por exemplo, embora outras sejam agregadas haja vista o aumento da

violência e, ao mesmo tempo, surgem sinais agregadores e de revitalização das identidades

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locais e de laços comunitários os mais diferentes.

Segundo Manuel Castells (1999, p. 79) é justamente nas condições globalizantes do

mundo que “as pessoas resistem ao processo de individualização e atomização, tendendo a

agrupar-se em organizações comunitárias que, ao longo do tempo, geram um sentimento de

pertença e, em última análise, em muitos casos, uma identidade cultural, comunal”.

A hipótese do autor é de que, por meio de um processo de mobilização social, as

pessoas participem de movimentos urbanos defendendo interesses em comum. Trata-se de

uma dinâmica de fortalecimento de identidades, como mostrou Stuart Hall (2006, p. 85): “o

fortalecimento de identidades locais pode ser visto na forte reação defensiva daqueles

membros dos grupos étnicos dominantes que se sentem ameaçados pela presença de outras

culturas”.

São movimentos de construção de identidades, como ressalta Castells (1999, p. 24):

a) identidade legitimadora: representada pelas instituições dominantes interessadas em

expandir sua dominação; b) identidade de resistência: representada pelas pessoas em

condições desvalorizadas e que resistem à dominação; c) identidade de projeto: quando as

pessoas se mobilizam, criando uma identidade capaz de buscar a transformação social.

Ainda de acordo com Castells (1999, p. 84), no mundo atual as comunidades são

construídas a partir dos interesses e anseios de seus membros, o que faz delas fontes

específicas de identidades. Essas identidades podem nascer da intenção em manter o status

quo, ou de resistir aos processos dominantes e às efemeridades do mundo globalizado, ou

ainda de buscar a transformação da estrutura social. Em todas elas existem processos de

identidade, objetivos e interesses em comum, a participação em prol deste objetivo, o

sentimento de pertença, oriundo da identidade em questão. Talvez, nestas ideias de Castells

(1999) e Hall (2006), estejam pistas para se entender os processos comunitários da

contemporaneidade, algumas presentes desde as abordagens originárias.

Em perspectiva correlata Cicília Peruzzo (2002, p. 288-292) diz que entre as várias

formas de agregação solidária, no contexto da mobilização popular no Brasil nas últimas

décadas, estão aquelas de caráter comunitário inovador, capitaneadas por redes de

movimentos sociais, associações comunitárias territoriais, associações de ajuda mútua,

cooperativas populares, grupos religiosos, grupos étnicos, entre milhares de outras

manifestações.

Para a autora Cicília Peruzzo (2002, p. 289) neste nível se desenvolvem práticas

coletivas e de organização comunitária, além de elementos de uma nova cultura política, na

qual passa a existir a busca pela justiça social e participação do cidadão. Esse tipo de

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mobilização e articulação popular se diferencia das concepções tradicionais de comunidade

porque constrói características comunitaristas inovadoras, e sem o sentido de perfeição

atribuído àquelas, as quais podem ser percebidas na:

Passagem de ações individualistas para ações de interesse coletivo, desenvolvimento de processos de interação, a confluência em torno de ações tendo em vista alguns objetivos comuns, constituição de identidades culturais em torno do desenvolvimento de aptidões associativas em prol do interesse público, participação popular ativa e direta e, maior conscientização das pessoas sobre a realidade em que estão inseridas (PERUZZO, 2002, p. 290).

Como pôde ser observado nos autores citados, as teorizações clássicas sobre

comunidades foram revistas. Diante das mudanças do modo de vida na Modernidade e

também pelo avanço da tecnologia, alguns princípios são válidos nos dias de hoje como:

sentimento de pertencimento, sentimento de comunidade, permanência (em contraposição à

efemeridade), territorialidade (real ou simbólica), forma própria de comunicação entre seus

membros, através de veículos específicos.

No Brasil apesar do modo de vida da Modernidade e avanços tecnológicos, temos a

existência de comunidades tradicionais, próximas ao conceito dos clássicos como as

comunidades quilombolas.

De acordo com o Decreto 60403, os povos e comunidades tradicionais são definidos

como "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, possuem formas

próprias de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição

para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando

conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos por tradição".

Entre os povos e comunidades tradicionais do Brasil estão quilombolas, ciganos,

matriz africana, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, comunidades de

fundo de pasto, faxinalenses, pescadores artesanais, marisqueiras, ribeirinhos, varjeiros,

caiçaras, praieiros, sertanejos, jangadeiros, ciganos, açorianos, campeiros, varzanteiros,

pantaneiros, catingueiros, entre outros4.

Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)

5,

3 Informações oficiais segundo o site da Secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em:

http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/o-que-sao-comunidades-tradicionais 4

Informações oficiais segundo o site da Secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em:

http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/o-que-sao-comunidades-tradicionais 5

Informações oficiais segundo o site do Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento em

http://www.pnud.org.br/

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39

as Comunidades Tradicionais constituem aproximadamente 5 milhões de brasileiros e

ocupam ¼ do território nacional.

Por seus processos históricos e condições específicas de pobreza e desigualdade,

acabaram vivendo em isolamento geográfico e/ou cultural, tendo pouco acesso às políticas

públicas de cunho universal, o que lhes colocou em situação de maior vulnerabilidade

socioeconômica, além de serem alvos de discriminação racial, étnica e religiosa. O objetivo

do Governo Federal é promover para estas comunidades tradicionais o acesso a políticas

públicas e fazer valer todos os direitos estabelecidos na Constituição Federal de 1988.

Nesse contexto, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais (PNPCT) tem por objetivo reconhecer formalmente a existência e

as especificidades desses segmentos populacionais, garantindo os seus direitos territoriais,

socioeconômicos, ambientais e culturais, sempre respeitando e valorizando suas identidades

e instituições.6

A da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), por meio

da Secretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais (SECOMT), é responsável pela

execução da Política voltada a alguns grupos deste segmento: povos e comunidades

tradicionais de matriz africana, quilombolas e ciganos.7

As políticas públicas voltadas para os Povos e Comunidades Tradicionais são

recentes no âmbito do Estado brasileiro e tiveram como marco a Convenção 169 da

Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi ratificada em 1989 e trata dos direitos

dos povos indígenas e tribais no mundo.8

No Brasil, esse público passou a integrar a agenda do governo federal em 2007, por

meio do Decreto 6040, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos

Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), sob a coordenação da Secretaria de Políticas

de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) da Presidência da República.9

6Informações oficiais segundo o site da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Ver em:

<http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/o-que-sao-comunidades-tradicionais>. 7 Informações oficiais segundo o site da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Ver em:

<http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/o-que-sao-comunidades-tradicionais>. 8 Informações oficiais segundo o site da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Ver em:

<http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/o-que-sao-comunidades-tradicionais>. 9 Informações oficiais segundo o site da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Ver em:

<http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/o-que-sao-comunidades-tradicionais>.

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CAPÍTULO II – O EMPODERAMENTO DA COMUNICAÇÃO: DO DIREITO

GARANTIDO À ESTRATÉGIA DE AMPLIAÇÃO DA CIDADANIA POR MEIO DA

PARTICIPAÇÃO POPULAR

Nota Introdutória ao Capítulo

O capítulo traz a comunicação como um direito garantido juridicamente, mas faz

reflexão sobre além do direito legítimo: o do empoderamento da comunicação como

instrumento para ampliação da cidadania. Versa sobre a possibilidade de educar por meio da

produção de conteúdos e há uma reflexão sobre o fazer comunicativo que traz como

resultado: o exercício da cidadania e o incentivo da construção do pensamento crítico. Reflete

sobre a participação popular na comunicação comunitária que pode se dar como: produtores

de conteúdos, ouvintes, leitores ou expectadores.

1 Direito a comunicação: o poder de construir pensamentos, plurais e autônomos

Juridicamente a concepção de direito a comunicação versa sobre o direito ao acesso

a informação ou como direito à liberdade de informação e de expressão e estão em alguns

documentos como: A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no Artigo 19º,

declara que “todo o indivíduo tem direito a liberdade de opinião e de expressão, o que implica

o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem

consideração de fronteiras, informações e ideias por quaisquer meios de expressão”.10

A Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, diz que:

Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Este

direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias

de qualquer natureza sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por

escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua

escolha.11

A Constituição Brasileira de 1988 (Cap. I, Artigo 5º, inciso IX), diz que “é livre a

expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente

de censura ou licença”12

. Esta concepção vem se renovando, indo além de todas as garantias

10

Disponível em: <http://www.dudh.org.br/declaracao/> 11

Disponível em: <http://www.dudh.org.br/declaracao/> 12

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/>

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jurídicas de liberdade de expressão, tem se discutido o direito à comunicação como forma de

poder de comunicar, do cidadão e de suas organizações coletivas (PERUZZO, 2005, p.19).

No IV Fórum Social Mundial Irene León se pronunciou dizendo que é importante:

Pensar a comunicação como direito que não se restringe ao acesso à produção de informação e seus mecanismos teóricos, mas ao poder, pois na sociedade da informação, nada é mais poderoso que construir pensamentos críticos, plurais e autônomos (LEÓN apud BURCH, 2004, p.2).

Embora a história nos permita uma leitura a favor desses princípios, percebe-se que

isso ocorre em maior ou menor grau dependendo de cada cultura, de cada povo. Segundo a

pesquisadora Cicília Peruzzo (2004, p. 275), “esse processo tem a ver com as decisões dos

governantes e a capacidade do povo para exigir o cumprimento de seu direito, com vistas à

realização de seu dever de contribuir ativamente, como sujeito, para a construção da

sociedade”.

Dentre os mais variados aspectos da vida, o direito a exercer a comunicação

ativamente é um deles. Referimo-nos a comunicação de fato e de direito e não apenas

pensando o sujeito como consumidor, mas como sujeito ativo da comunicação.

Para Cicília Peruzzo (2004, p. 275), a democratização da comunicação no Brasil e

em outros países latino-americanos tem sido obstaculizada pelo Estado e por setores

dominantes que, em virtude de sua posição hegemônica ou pela imposição, acabam por

ganhar a cumplicidade da sociedade, embora exista certa resistência, como veremos adiante.

Contudo, antes de tratados matizes que envolvem essa temática, acredita-se ser necessário

fazer uma incursão a respeito dos direitos humanos a partir de um breve apanhado conceitual

sobre cidadania e sobre a inserção da comunicação como uma das dimensões desse conceito.

Conceitos de autores como T. H. Marshall, Liszt Vieira, Norberto Bobbio, tornam-se

importantes ao mostrar as mudanças históricas que conduzem as alterações no conceito de

cidadania, a partir das gerações de direitos e do sentido que são dados a eles.

T. H. Marshall (1967), em Cidadania, Classe social e Status, publicado

originalmente em 1949, compreende a cidadania moderna a partir do estabelecimento

primeiramente dos direitos civis, seguido dos políticos e por último dos direitos sociais.

Com esta finalidade, dividi a cidadania em três elementos: civil, político e

social. Tentei demonstrar que os direitos civis surgiram em primeiro lugar e

se estabeleceram de modo um tanto semelhante à forma moderna que

assumiram antes da entrada em vigor da primeira Lei de Reforma, em 1832.

Os direitos políticos se seguiram aos civis, e a ampliação deles foi uma das

principais características do século XIX, embora o princípio da cidadania

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política universal não tenha sido reconhecido senão em 1918. Os direitos

sociais, por outro lado, quase que desapareceram no século XVIII e princípio

do XIX. O ressurgimento destes começou com o desenvolvimento da

educação primária pública, mas não foi senão no século XX que eles

atingiram um plano de igualdade com os outros dois elementos da cidadania

(MARSHALL, 1967, p.75).

Para Marshall (1967) a cidadania é histórica e é conformada pelo status comum,

conquistado e compartilhado pelos membros de uma comunidade. A caracterização moderna

do conceito de cidadania representa a promoção de um status de igualdade social, que atribui

ao indivíduo à posse legítima de direitos e a obediência comum aos deveres. Porquanto, ser

cidadão independe de sexo, cor ou classe social, sendo todos iguais perante a lei. Segundo

Marshall (1967, p.76) “A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais

de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos

e obrigações pertinentes ao status”.

Liszt Vieira (2001, p. 35) compreende que o conceito de cidadania, como o direito a

ter direitos (e reconhecer seus deveres), foi abordado de variadas perspectivas. Os autores

Vieira e Marshall propuseram a primeira teoria sociológica de cidadania ao incluir os direitos

e as obrigações inerentes a condição de ser cidadão. Contudo, não se pode perder de vista que

a teoria desenvolvida por Marshall, na época, partia da sua concepção inglesa sobre o conflito

entre capitalismo e liberdade.

Os avanços e retrocessos da cidadania ocorrem de maneira diferenciada nos

diferentes países, principalmente no Brasil, onde temos um histórico marcado por

desigualdades sociais.

Por sua vez, Norberto Bobbio (1999, p. 32-33), filósofo italiano, também

compreende que o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases, os direitos

civis, políticos e sociais:

[...] o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num

primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos

aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o

indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em

relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos

políticos, os quais – concebendo liberdade não apenas negativamente, como

não impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como

consequência a participação cada vez mais ampla, generalizada e frequente

dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no

Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o

amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos

valores –, como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que

poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado.

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Segundo Norberto Bobbio (2004, p.32) “num primeiro momento, afirmaram-se os

direitos de liberdade”, os chamados direitos de primeira geração. Estes são os direitos

individuais, de natureza civil e política, e “foram reconhecidos para a tutela das liberdades

públicas, em razão de haver naquela época uma única preocupação, qual seja, proteger as

pessoas do poder opressivo do estado” (CUNHA JUNIOR, 2012, p. 617-618).

Eles surgiram juntamente com a Revolução Francesa, entre os séculos XVIII e XIX,

assegurando para a classe burguesa, então surgente, os direitos mínimos para o exercício da

sua atividade. Desta forma, tinham como fundamento a “limitação do poder do Estado e a

reserva para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação

ao Estado” (BOBBIO, 2004, p. 32). Ou seja, contemplam os direitos de inspiração

individualista, demonstrando claramente a demarcação entre Estado e não-Estado, o qual é

composto pela sociedade religiosa e pela sociedade civil.

A segunda geração direitos do homem, segundo Bobbio (2004) surgiu no século XX,

tem como marco o pronunciamento da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,

como reivindicação dos excluídos a participarem do "bem-estar social" como, por exemplo,

os direitos ao trabalho, a saúde e a educação, sendo o titular de tais direitos o indivíduo e o

sujeito passivo o Estado, pois na interação entre governados e governantes este assume a

responsabilidade de atendê-los (BOBBIO, 2004, p.41).

Celso Lafer afirma que estes direitos:

[...] podem ser encarados como direitos que tornam reais direitos formais:

procuram garantir a todos o acesso aos meios de vida e de trabalho num

sentido amplo, impedindo, desta maneira, a invasão do todo em relação ao

indivíduo, que também resulta da escassez dos meios de vida e de trabalho

(LAFER, 1988, p. 127-128).

O uso amplo da liberdade individual acabou por desequilibrar a sociedade ocidental,

criando enormes injustiças sociais. Dessa maneira, tivemos o conflito entre o trabalho e o

capital diante de um Estado indiferente, e favorecedor da opressão dos trabalhadores pela

burguesia.

Nesse contexto, Adriana Galvão Moura in Constituição e Construção da Cidadania

salienta que: “As normas constitucionais consagradoras desses direitos exigem do Estado uma

atuação positiva, através de ações concretas desencadeadas para favorecer o indivíduo

[também são conhecidos como direitos positivos ou direitos de prestação]” (MOURA, 2005,

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p. 23).

A terceira geração são os direitos decorrentes da solidariedade ou de titularidade

coletiva, ditos difusos, e nascem em decorrência da generalidade da humanidade e do

“amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer - de novos valores”

(BOBBIO, 2004, p. 36). Justamente “[…] caracterizam-se por destinarem-se à proteção, não

do homem em sua individualidade, mas do homem em coletividade social, sendo, portanto, de

titularidade coletiva ou difusa” (CUNHA JUNIOR, 2012, p. 626).

Além das três gerações clássicas, descritas por Norberto Bobbio, atualmente se

estuda a existência de outras, decorrentes dos avanços sociais, genéticos e tecnológicos.

Neste sentido, Samuel Antonio Merbach de Oliveira (2013, p.18) diz que a quarta

geração dos direitos do homem se refere à manipulação genética, à biotecnologia e à

bioengenharia, abordando reflexões acerca da vida e da morte, pressupondo sempre um

debate ético prévio. Através dessa geração se determinam os alicerces jurídicos dos avanços

tecnológicos e seus limites constitucionais.

Diante dos avanços da revolução tecnológica e da nova ordem mundial, a quarta

geração vem suscitando controvérsias em relação aos direitos e obrigações decorrentes da

manipulação genética ou do controle de dados informatizados que muitas vezes podem ser

acessados via Internet de qualquer lugar do mundo. Também denominados “Direitos

Difusos”, colocam em evidência os direitos concernentes à evolução biogenética e

tecnológica (OLIVEIRA, 2013).

Bobbio (1992, p. 6) entende que a quarta geração de direitos do homem refere-se

“aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do

patrimônio genético de cada indivíduo”.

No intuito de relacionar as dimensões da cidadania à comunicação, Peruzzo (2005),

reflete sobre o acesso e o empoderamento popular do cidadão e dos movimentos sociais que

os representam, no que diz respeito à comunicação como um direito humano.

Peruzzo (2005) traz em seu texto o percurso da comunicação nas diversas dimensões

da cidadania, o qual é visto tratando desde os direitos de primeira à terceira geração.

Entretanto, ressalva que na atualidade a comunicação, dado os avanços tecnológicos, esteja

em via de ocupar lugar de destaque na construção da cidadania.

Assim, isso seria um “processo indicativo de movimento correlato àquele que

identifica a passagem da cidadania de uma fase à outra de maior qualidade” (PERUZZO,

2005, p. 38). Dessa forma, aponta nas dimensões da cidadania a inclusão de uma quinta

geração de direitos, os direitos comunicacionais, que englobam também a cultura.

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Cidadania é desenvolvimento social com igualdade. Assim sendo, a riqueza

socialmente produzida, as descobertas científicas e tecnológicas, as artes, a educação, o lazer

e todas as demais benesses geradas no processo histórico deveriam ser desfrutadas com

igualdade e liberdade para a realização plena da cidadania. No entanto, na prática, o que há é

extrema desigualdade dentro dos países e entre nações. Enfim, uns são mais cidadãos que

outros, sendo estes a maioria. A situação desigual e de injustiça social é consequência do

modelo de desenvolvimento adotado e das estratégias implementadas para concretizá-lo

(PERUZZO, 2007b, p. 46).

A base da comunicação para a cidadania está no empoderamento popular, ou seja, na

apropriação e consciência coletiva dos cidadãos em utilizar a comunicação para desenhar

melhores mundos possíveis, para redesenhar sua própria realidade, tendo em vista à

transformação social. Este empoderamento, no limiar, só é possível quando os sujeitos

coletivos se apropriam da comunicação e tornam-se protagonistas, quando a comunicação

passa a ser considerada como um processo. Neste aspecto, sujeitos coletivos, movimentos

sociais populares engajados na luta pelos direitos sociais, forjam suas realidades e tentam

reinventá-las se empoderando da Comunicação Comunitária, por exemplo, é uma das formas

de exercitar o direito à comunicação.

Ramos (2005, p. 250), embora caracterize a comunicação como um direito de

“quarta geração” e não de quinta, como seria desejável, faz uma contribuição importante

quando aborda que a primeira e fundamental consequência de se reconhecer o direito à

comunicação é entender que ela precisa ser vista como passível de discussão e ação como

política pública essencial, assim como as demais direcionadas à saúde, à alimentação, ao

saneamento, ao trabalho, à segurança, entre outros.

Para Bobbio (1999, p. 25), o problema que temos diante de nós em relação a

conformação dos direitos de cidadania – incluí-se nessa esteira o direito à comunicação – não

é filosófico, mas num sentido mais amplo, político. O autor afirma que não se trata de saber

quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, neste caso, bastaria

observar a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tampouco, se são direitos naturais

ou históricos, mas sim pensar qual o modo mais seguro de garantir esses direitos, já

amplamente expressados nas declarações.

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2 A participação popular na comunicação: o exercício da cidadania

Cicília Peruzzo (2005, p.34) diz que “os meios comunitários” são os que mais

potencializam a participação direta do cidadão na esfera pública comunicacional no Brasil”.

Seja pela facilidade da localização que permite fácil acesso, porque ficam no mesmo ambiente

em que vivem, seja pelo processo participativo em que se realiza a comunicação, ou pela

recepção da mensagem que o atinge.

Para a autora a participação popular pode se dar como ouvintes, leitores ou

expectadores. Como também pode fazer parte da gestão e do planejamento da comunicação, e

processos de produção.

A participação do processo de fazer comunicação é essencial nas organizações

populares, é o envolvimento direto do cidadão, representa um avanço significativo na

democracia comunicacional.

A participação popular pode ser a constituinte para ampliar o exercício da cidadania,

não só pelos conteúdos críticos, as denúncias e reivindicações das demandas sociais da

comunidade, mas também pelo processo do fazer comunicativo.

Contribui para a formação da construção da cidadania por meio do processo que é

educativo e também pelo conteúdo das mensagens transmitidas.

Os meios de comunicação produzidos por setores organizados das classes subalternas, ou a elas organicamente ligados, acabam por criar um campo propício para o desenvolvimento da educação para a cidadania. As relações entre educação e comunicação se explicitam, pois as pessoas envolvidas em tais processos desenvolvem o seu conhecimento e mudam o seu modo de ver e relacionar-se com a sociedade e com o próprio sistema dos meios de comunicação de massa. Apropriam-se das técnicas e de instrumentos tecnológicos de comunicação, adquirem uma visão mais crítica, tanto pelas informações que recebem quanto pelo que aprendem através da vivência, da própria prática (PERUZZO, 2005, p. 36).

A participação popular na comunicação comunitária coloca o ser humano como

protagonista das mudanças sociais. Amplia sua cidadania através do conhecimento adquirido

nos processos comunicativos, educando no seu fazer responsável e compartilhado, assim

como na transmissão das mensagens através de seus conteúdos (PERUZZO, 2005, p. 35).

O Brasil nos últimos dez anos avançou timidamente, e a passos lentos, em algumas

questões sociais. Sabe-se das urgências sociais sérias que ainda não são contempladas por

políticas públicas. O clamor das classes menos favorecidas está aí, a frente de nossos olhos e

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cada vez mais gritantes. E qual a participação da comunicação, a communicatio, neste

processo?

Temos passado por grandes transformações científicas e tecnológicas, porém o

acesso a estas tecnologias é restrito a uma parcela da população brasileira. Serviços com altos

preços e a falta infraestrutura fora dos grandes centros colaboram para uma segregação: a

exclusão digital, aumentando mais a distância no societas (sociedade) e seus socius

(parceiros) de vida.

O individualismo presente e o espírito capitalista ocidental da competitividade

presente só estão nos afastando do comum. Toda questão amplamente pensada por Buber

(1969) da relação dual Eu-Tu simplesmente fora desprezada.

Tomados por um discurso tecnológico, que a princípio é vendido como a solução

para nossa evolução social, de uma vida melhor, somos embebidos por uma narrativa da era

da comunicação/informação de que: “Agora está tudo bem, conhecemos nossas questões

sociais porque temos informações”. Mas vemos que no paraíso capitalista tecnicista o inferno

é bem presente e visível, ter somente a informação não basta. Necessitamos da retomada da

communicatio, a comunicação que produz narrativas sociais do comum.

Expostas, pesquisadas, comunicadas pelos meios de comunicação para surtir

mudanças sociais significativas, as diferenças sociais: falta de moradia, desemprego, direito a

terra, o desrespeito aos direitos fundamentais do Homem é visto e vivenciado na sociedade

brasileira. Resultado decorrente das ações pensadas e realizadas sem o espírito do comum.

A falta desta comunicação do comum traz à tona uma sociedade cada vez mais

individualista e gananciosa. Peruzo (1998, p.26) traz um pensamento contemporâneo sobre o

panorama da sociedade:

São contingentes de pessoas que vão perdendo valores intrinsecamente humanos, como o respeito pelo semelhante, a solidariedade, e a gratuidade, enquanto ajudam a valorizar cada vez mais a ganância e o individualismo. E assim o homem vai se tornando objeto, mercadoria, coisa manipulável, em detrimento de sua essência e do caráter de sua espécie

A comunicação nos movimentos sociais é um fator de extrema relevância, é ela que

faz a communicatio ter existência e a prática da relação dual “Eu-Tu” ser um fato recorrente

na sociedade. A capacidade de compartilhar “o viver” com todos anseios e desejos que uma

sociedade apresenta diante de suas transformações. A essência da condição humana está

justamente em ter na communicatio seu papel de agente de sua própria história, ter um

acolhimento na comunidade uma ordem de todas as diferenças e trocas possíveis no comum:

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O homem tem como essência a potencialidade de ser sujeito da história. Alienando-se ele

perverte os seus valores próprios, transformando-se em objeto. Nessas condições, ele se

deforma, se embrutece, se desumaniza (PERUZZO, 1998, p.26).

Neste processo de comunicação/informação muitas vezes os mass media não

expressam, sem interesses financistas e apartidários, o grito das comunidades, com seus

movimentos sociais reivindicando até mesmo o direito à livre expressão.

Por isso há necessidade da existência de meios de comunicação voltados a questão

participativa das mudanças sociais. Ter um espaço comunicacional voltado para as questões

da communicatio é importante para ter resultados políticos que resultem em mudanças sociais

significativas. Os movimentos populares demonstraram, no decorrer da história recente do

Brasil, a necessidade de espaços de comunicação “alternativos” em relação a dita “grande

imprensa” como cita autora Peruzo (1998, p.114-115):

Numa conjuntura em que vinha à tona a insatisfação decorrente das precárias condições de existência de uma grande maioria e das restrições à liberdade de expressão pelos meios massivos, criaram-se instrumentos ‘alternativos’ dos setores populares, não sujeitos ao controle governamental ou empresarial direto. Era uma comunicação vinculada à prática de movimentos coletivos, retratando momentos de um processo democrático inerente aos tipos, às formas e aos conteúdos dos veículos, diferentes daqueles de estrutura então dominante, da chamada ‘grande imprensa’. Nesse patamar, a ‘nova’ comunicação representou um grito, antes sufocado, de denúncia e reivindicação por transformação, exteriorizado, sobretudo em pequenos jornais, boletins, alto-falantes, teatro, folhetos, volantes, vídeos, audiovisuais, faixas, cartazes, pôsteres, cartilhas, etc.

Esta comunicação com conteúdos feitos pelas comunidades e movimentos sociais

traz a possibilidade da realização da communicatio, que é justamente “pôr-se em comum”,

amplificando as demandas sociais coletivas, onde todos participam por meio do diálogo que

resulta na produção de uma comunicação transmitida por meio dos veículos comunitários,

isentos de qualquer compromisso financista.

Os mass media quando se propõem, até conseguem, mesmo com espaços diminutos,

compartilhar o comum, colocando questões levantadas pelos movimentos sociais. Vale

lembrar sempre que no momento da interação com estes meios de comunicação poderá haver

uma iminente possibilidade de caráter financista, e/ou interesses governamentais atuantes

nestas mediações.

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CAPÍTULO III – QUILOMBO CARRAPATOS DA TABATINGA: 300 ANOS DE

RESISTÊNCIA

Nota Introdutória ao Capítulo

O capítulo inicia com a origem dos quilombos no Brasil de forma breve, pois o tema

é amplo, o objetivo é entender como se constituíram como unidades de resistência e

permanecem até os dias de hoje. Posteriormente abordaremos a origem da comunidade

quilombola Carrapatos da Tabatinga, suas lutas que persistem há mais de 300 anos, as

demandas sociais que vão desde as reivindicações de Direitos constitucionais garantidos, mas

de Fato não, das terras dos remanescentes quilombolas, perpassando pela desigualdade social

abarcada pelo preconceito racial. Dissertamos sobre os processos comunicacionais

estabelecidos entre os membros da comunidade e suas atividades, e sobre as forças

comunicantes do Congado com a sociedade local, por meio da participação das Festas de

Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Realizamos uma análise se há meios de

comunicação comunitários e como é a relação da comunidade com estes meios.

1 Quilombo: a materialização da resistência negra e a importância da territorialização

A escravidão de africanos nas Américas consumiu cerca de 15 milhões ou mais de

homens e mulheres arrancados de suas terras. O tráfico de escravos através do Atlântico foi

um dos grandes empreendimentos comerciais e culturais que marcaram a formação do mundo

moderno e a criação de um sistema econômico mundial. A participação do Brasil nessa

trágica aventura foi enorme. Para o Brasil estima-se que vieram perto de 40% dos escravos

africanos. Aqui, não obstante o uso intensivo da mão-de–obra cativa indígena (MONTEIRO,

1994), foram os africanos e seus descentes que constituíram a força de trabalho principal

durante anos de escravidão.

Os negros penetraram em cada aspecto na vida brasileira. Além de movimentarem

engenhos, fazendas, minas, cidades, plantações, fábricas, cozinhas e salões, os escravos da

África e seus descendentes imprimiram marcas próprias sobre vários outros aspectos da

cultura material e espiritual deste país, sua agricultura, culinária, religião, língua, música,

artes e arquitetura... a lista é longa e já estamos cansados de ouvir (REIS; GOMES, 1996).

Mas segundo Ribeiro (2004, p.118) a empresa escravista atuou como uma máquina

desumanizadora e desculturadora de eficácia incomparável. Submetido a essa compressão,

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qualquer povo é desapropriado de si, deixando de ser ele próprio, primeiro, para ser ninguém

ao ver-se reduzido a uma condição de bem semovente, como um animal de carga.

A escravidão além de base econômica da colonização brasileira foi também o

fundamento de todas as esferas da vida social e política. O escravismo imprime a

desigualdade e a excludência como regras básicas do convívio social. A sociedade

escravocrata estabelece o império da violência, o trabalho compulsório prescinde da

hegemonia, pois se realiza diretamente pela força (MORAES, 2005, p. 97).

É certo também citar que onde houve escravidão houve resistência, e de vários tipos.

Mesmo sob a ameaça do chicote, o escravo negociava espaços de autonomia com os senhores

ou fazia corpo mole no trabalho, quebrava ferramentas, incendiava plantações, agredia

senhores e feitores, rebelava-se individual ou coletivamente. Aqui também a lista é longa e

conhecida (REIS; GOMES, 1996).

Houve, no entanto, um tipo de resistência que poderíamos caracterizar como típica

da escravidão – e de outras formas de trabalho forçado. Trata-se da fuga e formação de

escravos fugidos, é importante lembrar que a fuga nem sempre levava a formação desses

grupos. Ela podia ser individual ou grupal, mas os escravos terminavam procurando se diluir

no anonimato da massa escrava e de negros livres. Nesses casos, o destino podia ser as

cidades, onde não se estranhava a circulação de homens e mulheres de vários matizes raciais,

que vieram a formar setores consideráveis, em muitas regiões até majoritárias, da população

livre (REIS; GOMES, 1996).

A fuga que levava à formação de grupos de escravos fugidos, aos quais

frequentemente se associavam a outros personagens sociais, aconteceu nas Américas onde

ocorreu a escravidão. Tinha nomes diferentes, na América espanhola: palanques, cumbes etc.;

na inglesa marrons; na francesa grand marronage (para diferenciar de petit marronage, a fuga

individual, em geral temporária). No Brasil esses grupos eram chamados geralmente de

quilombos e mocambos e seus membros quilombolas, calhambolas ou mocambeiros (REIS;

GOMES, 1996, p.10).

No Brasil, a origem do termo quilombo remete a um documento administrativo do

período colonial que costuma ser citado como uma das primeiras referências sobre o assunto.

Trata-se de um mandato de repressão do Regimento dos capitães-do-mato do século XVIII

que diz o seguinte: “Pelos negros que forem presos em quilombos formados distantes de

povoação onde estejam acima de quatro negros, com ranchos, pilões e de modo de aí se

conservarem, haverão para cada negro destes 20 oitavas de ouro” (GUIMARÃES, 1988, p.

131).

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Pouco tempo depois, o Conselho Ultramarino português definiria o quilombo ou

mocambo como: “Toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte

despovoada, ainda que não tenham ranchos e nem se achem pilões nele” (LEITE, 2000, p.

336).

Portanto, o quilombo foi uma inscrição colonial e jurídica que remitia à

criminalização e à fuga de escravos. Dentre os quilombos que se formaram no Brasil, um dos

que se tornaram mais célebres foi o de Palmares, que se tornou uma referência importante nos

debates das primeiras décadas do século XX sobre a resistência negra no Brasil,

principalmente a partir da obra Os Africanos no Brasil, de Rodriguez (1932). Nesta obra, o

autor acabava justificando as ações armadas que destruíram Palmares. Utilizando argumentos

do cientificismo racista do século XIX considerava que:

A Raça Negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cerco o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo (RODRIGUES, 1932, p. 17).

Contudo, seu posicionamento sobre o tema foi muito ambíguo, pois acreditava na

importância da construção de um patrimônio cultural sobre os africanos no Brasil e colaborou

muito para isso. Mas considerava que a construção desse patrimônio podia ser tentada apenas

nas áreas em que considerava que essa cultura ainda sobrevivia, nas “manifestações

espirituais”, já que as territorialidades negras eram para ele um tema do passado que não tinha

deixado vestígios. Considerava que os negros acabaram sendo incorporados ao “nosso meio

étnico”, mas no que diz respeito à religião teria havido de fato uma “ilusão de catequeses”, ou

seja, considerava que as populações negras haviam deixado de existir como comunidades de

lugar, porém ainda existiam como comunidades de espírito.

Na década de 1940, Arthur Ramos (1942) retoma o tema de Palmares em sua obra

“A aculturação negra no Brasil” utilizando praticamente as mesmas referências documentais

que Rodrigues (1932) e um registro similar sobre o quilombo como “um Estado com tradições

africanas dentro do Brasil”. Contudo, observa que Palmares não era o único padrão de

organização de quilombos, refere-se a uma série de quilombos de “negros fugidos” que

existiram em diversas regiões do país e que denomina de “aldeamentos” (RAMOS, 1942,

p.76).

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De fato, os quilombos que constituíram uma forma de organização comunitária e

pesquisas históricas mais contemporâneas, têm relativizado o quilombo como somente local

de fuga, transitório e isolado (FUNARI, 1996; GOMES, 1995; MATTOS, 1998). Os

quilombos constituíam territórios comunitários estáveis e economias autônomas com alto grau

de autos suficiência e em constantes relações de troca, não somente com os nativos moradores

das vilas coloniais, como também com colonizadores, fazendeiros e outros grupos sociais.

Nestas releituras de quilombos históricos também foi ganhando relevância a visão

de que os quilombos eram “espaços multiétnicos” (FUNARI; CARVALHO, 2005), uma vez

que as trocas comerciais e sociais promoviam a “fusão de culturas” colônias, europeias e

africanas (ALLEN, 1998).

A partir da década de 1960, o termo quilombo se desloca da referência histórica e

passa a ser utilizado como símbolo de resistência pelo movimento negro (ARRUTI, 2006).

Recém será no contexto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

que o quilombo retorna à vida política de maneira inédita, não já como referência histórica,

nem como símbolo político, mas como um direito que abria a possibilidade de acesso à terra

para populações descendentes dessas comunidades quilombolas do período da escravidão

chamados de “remanescentes quilombolas”.13

A Constituição Brasileira de 1988, no Artigo 68 contempla que: “Aos remanescentes

das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a

propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”

(CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASI, 1988).

Embora a interpretação constitucional seja ainda motivo de disputas e debates

jurídicos, a política quilombola é inaugurada no primeiro mandato do presidente Luís Inácio

Lula da Silva, que começou a tornar visível um grande número de “comunidades negras”,

espalhadas em todo o país, estas comunidades quilombolas tinham diferentes origens.

O então presidente Lula em 2003, conforme o Decreto 4887/200314

define critérios

para o reconhecimento das comunidades quilombolas que diz:

“Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins

deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto atribuição,

com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas,

com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à

opressão histórica sofrida”.

13

Informações do site oficial da Casa Civil do Governo Federal do Brasil, da Constituição da República

Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm 14

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm

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Algumas tinham como antecedentes a compra de terras por ex-escravos após a

falência de uma fazenda, a compra por escravos libertos, doações de antigos senhores, terras

concedidas a escravos que haviam servido ao exército ou terras cedidas por ordens religiosas,

mas possuíam em comum a “negritude” e o fato da grande maioria dos moradores não possuir

escritura oficial ou documentos que corroborassem a propriedade da terra (O´DWYER,

2002).

Entretanto, a questão quilombola não se restringiu à dimensão fundiária. A partir do

primeiro governo do presidente Lula em 2003 foi lançado o programa “Brasil Quilombola” 15

envolvendo 17 ministérios e cinco secretarias especiais, que junto com a Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, definiu uma orientação

de políticas públicas especificas, nas áreas de educação, habitação, saúde e infraestrutura, para

as comunidades quilombolas.16

Esta política pública17

assumiu dimensões inéditas, já que desde a proclamação da

República nenhum governo destinou tantos recursos econômicos e institucionais para esse

fim. Segundo dados da Secretária Especial de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial

do Governo Federal (SEPPIR), existem até 2014 aproximadamente 3250 comunidades

quilombolas reconhecidas, com cerca de 2,5 milhões de pessoas, mais este universo foi se

ampliando.1818

Assim esta política reintroduziu o tema das comunidades étnicas e para ter acesso a

essas políticas públicas era necessário reconstruir marcadores étnicos e culturais, tais como

práticas religiosas, danças, memórias, tradições, dentre outros, que operassem como

reconhecimento desse pertencimento, mas diferentemente da visão que sugeria Nina

Rodrigues, estas comunidades étnicas tinham deixado poucos vestígios.

Entre os quilombos históricos e as “comunidades quilombolas” havia uma grande

descontinuidade, tanto em termos documentais quanto na memória coletiva dos descendentes.

Como dizia Lévi-Strauss (1952, p. 34), a continuidade do lugar geográfico nada muda o fato

de, sobre o mesmo solo, se terem sucedido diferentes populações, ignorantes ou alheias à obra

dos seus antecessores.

15

Informação do no site oficial do Ministério da Justiça e Cidadania do Governo Federal do Brasil. Ver em:

<http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/programa-brasil-quilombola>. 16

Programa Brasil Quilombola informação do no site oficial do Ministério da Justiça e Cidadania do Governo

Federal do Brasil. Disponível em: < http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/programa-brasil-

quilombola>. 17

Constituição Decreto nº 6.040 da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-

2010/2007/decreto/d6040.htm >. 18

Disponível em: Comunidades Quilombolas informações do site oficial da Secretária Especial de Promoção de

Políticas para a Igualdade Racial do Governo Federal (SEPPIR). Disponível em: <

http://www.seppir.gov.br/comunidades-tradicionais/programa- brasil-quilombola>.

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As classes dominantes tiveram especial sucesso na destruição dos quilombos

históricos sem deixar praticamente vestígios materiais de sua existência (REIS; GOMES,

1996), as comunidades quilombolas brasileiras redescobertas, diferentemente das

comunidades negras de outros países da América, como Suriname, Jamaica e Colômbia,

tinham escassa consciência histórica e política do passado da escravidão, o que se refletia na

ausência de documentos escritos ou de testemunhas orais que as conectassem com os

quilombos históricos (PRICE, 2000).

Ao negro foi negada uma cidadania real mesmo após a abolição da escravatura.

Recusados e discriminados como mão de obra paga, muitos negros estabeleceram-se sob as

bases da agricultura de subsistência, comercializando, quando possível, seus excedentes. Na

maioria das vezes, posseiros ou pequenos proprietários os grupos rurais negros constroem

coletivamente a vida sob uma base material e social, formadora de uma territorialidade negra,

na qual se elaboram formas específicas de ser e existir como camponês e negro:

Um inventário parcial das informações existentes aponta para o fato de que os grupos negros vivem em bairros rurais, entendidos aqui na perspectiva desenvolvida por Cândido (1971) e por Queiroz (1976), ou então, em áreas esparsas reconhecidas como de negros. A especificidade do modo de vida demonstra existirem elementos que os diferenciam pela condição étnica e história particular de sua constituição (GUSMÃO, 1995, p.14).

Muitas das determinações coloniais permanecem vigentes mesmo após os processos

de emancipação política de tais países, uma vez que a nova ordem política é construída sobre

o arcabouço econômico e social gerado no período colonial (MORAES, 2005, p. 91).

Conforme o argumento de O´Dwyer (2002) essa “invisibilidade social e simbólica”

podia ser interpretada como uma estratégia utilizada pelos próprios quilombolas para se

distanciar de um passado traumático, mas de fato em muitas comunidades não se

reconheciam.

Persistiam como comunidades de lugar, mas o desvanecimento da comunidade de

espírito se revelava no abandono de expressões culturais locais como o jongo, o tambor,

terreiros de Umbanda, festividades e outras, configurando um processo abrangente de

desestruturação de uma identidade cultural comunitária que remontava ao período colonial.

Também constatou-se que há agentes - antropólogos, ONGs, pesquisadores de

universidades, agentes de turismo, agentes culturais, entre outros – que estavam participando

ativamente nas (re) construções dessas comunidades de espírito. Estes agentes estão

empenhados na “reconstrução” de danças, gastronomia, rituais de cura, festividades, música e

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religião, utilizando “técnicas modernas”, como a cenografia, técnicas de dança, vídeos,

laudos, planejamento e produção cultural.

Assim a retomada das comunidades quilombolas que se reorganizam a partir do marco

da Constituição de 1988, principalmente após o Decreto de 2003, e a principal luta são pelas

devolutivas das terras quilombolas. Lutam hoje pelas terras que estão nas mãos de latifundiários

que muitas vezes são frutos de famílias oriundas do período colonial como diz Moraes (2005,

p.91): “Muitas das determinações coloniais permanecem vigentes mesmo após os processos

de emancipação política de tais países, uma vez que a nova ordem política é construída sobre

o arcabouço econômico e social gerado no período colonial”.

E essa é a lógica que persistirá em nossa história, pois dos colonizadores europeus

passamos às elites nacionais cujo projeto territorial e socioeconômico para o país eram

exatamente os mesmos, o de apropriação e consumo dos recursos naturais e das pessoas.

Assim, a independência é um ato formal que não altera a vida socioeconômica do Brasil. O

regime escravocrata, o latifúndio e a concentração de riquezas apenas fortaleceram-se.

A escravidão além de base econômica da colonização brasileira foi também o

fundamento de todas as esferas da vida social e política. O escravismo imprime a

desigualdade e a excludência como regras básicas do convívio social. A sociedade

escravocrata estabelece o império da violência, o trabalho compulsório prescinde da

hegemonia, pois se realiza diretamente pela força (MORAES, 2005, p. 97).

A questão fundiária em nosso país está extremamente vinculada à sorte da população

negra, pois ao instituir que as terras deveriam ser “compradas” naturalmente os negros foram

excluídos desse processo de apropriação destas, primeiro porque eram escravizados

(mercadorias), depois de 1888 por serem libertos, mas marginalizados na sociedade e,

portanto, sem a possibilidade de adquirir terras. Embora a questão da obrigatoriedade da

compra de terras afetasse também imigrantes e brasileiros brancos e pobres, pois também para

estes a terra tornou-se mais difícil, para os negros essa questão levou a uma maior

marginalização, visto que se o negro não tinha terras para sua subsistência, tampouco tinha

outras possibilidades de garantir seu sustento.

Neste trabalho adotou-se uma concepção de território integradora que transita da

definição política à cultural, pois se preocupa mais com o processo de territorialização como

domínio e apropriação do espaço por populações quilombolas do que propriamente com o

conceito de território.

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De acordo com Haesbaert (2004, p.16):

Cada um de nós necessita, como um recurso ‟básico, territorializar-se. Não nos moldes de um espaço vital ‟darwinista-artesiano, que impõe o solo como um determinante da vida humana, mas num sentido muito mais múltiplo e relacional, mergulhado na diversidade e na dinâmica temporal do mundo.

O território foi visto como um espaço físico, mas também como um espaço de

referência para a construção da identidade quilombola.

Nesta pesquisa, na qual lidou-se por vezes com as subjetividades, com os desejos e

ânsias das comunidades quilombolas, o território foi considerado antes de tudo, um espaço de

referência para a construção da identidade quilombola, pois é físico-material, político,

econômico e também simbólico.

A invenção de identidades político-cultural é recorrente, ela acontece sempre que

determinado grupo põe-se em movimento para reivindicar o que lhe é essencial. No caso das

comunidades quilombolas, a terra. Terra aqui entendida num sentido amplo, englobando a

terra necessária para a reprodução material da vida, mas também a terra na qual o simbólico

paira, na qual a memória encontra lugar privilegiado, morada de mitos e lendas, fonte de

beleza, inspiração e do sentido sagrado da coletividade, tão essencial à vida quanto a terra de

trabalho. De acordo com Gonçalves (2003, p.379):

A construção de uma identidade coletiva é possível não só devido às condições sociais de vida semelhantes, mas também por serem percebidas como interessantes e, por isso, é uma construção e não uma inevitabilidade histórica ou natural. E, mais, na afirmação dessa identidade coletiva há uma luta intensa por afirmar os modos de percepção legítima da (di) visão social, da (di) visão do espaço, da (di)visão do tempo da divisão da natureza.

É necessário então entender a constituição da identidade quilombola face à

necessidade de luta pela manutenção ou reconquista de um território material e simbólico. Por

isso, talvez melhor do que discutir o conceito de território seja discutir o processo de

territorialização dessas comunidades. A territorialidade adquire um valor particular, pois

reflete a multidimensionalidade do vivido territorial pelos membros de uma coletividade.

Quando uma comunidade quilombola se organiza e reivindica seus direitos sobre um

território ancestral, quando ela luta para se territorializar, ela está negando o lugar marginal

que lhe havia sido designado pela sociedade abrangente, seja por grandes empresas privadas

que plantam eucalipto ou cana em seus territórios, seja pelo próprio poder público que lhes

impõe unidades de conservação ambientais estabelecendo uma nova territorialidade.

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Para o surgimento da mobilização que busca a territorialização Gonçalves (2001)

enfatiza a importância dos movimentos sociais, inventando de baixo, por baixo e para os de

baixo, novos pactos, novas relações, novos direitos desse complexo processo de

reorganização social.

Todo movimento social se configura a partir daqueles que rompem a inércia e se movem, isto é, mudam de lugar, negam o lugar que historicamente estavam destinados em uma organização social, e buscam ampliar os espaços de expressão que, como já nos alertou Michel Foucault, têm fortes implicações de ordem política (GONÇALVES, 2001, p. 81).

As territorialidades são instituídas por sujeitos sociais em situações historicamente

determinadas. Se hoje existem territórios quilombolas é porque em um momento histórico um

grupo se posicionou aproveitando uma correlação de forças políticas favoráveis e instituiu um

direito que fez multiplicar os sujeitos sociais e as disputas territoriais.

Territorializar-se significa ter poder e autonomia para estabelecer determinado modo

de vida em um espaço, para estabelecer as condições de continuidade da reprodução material

e simbólica deste modo de vida. A sobreposição de territórios implica necessariamente em

uma disputa de poder.

As comunidades quilombolas ao se organizarem pelo direito aos territórios

ancestrais, não estão apenas lutando por demarcação de terras, as quais elas têm absoluto

direito, mas, sobretudo, estão fazendo valer seus direitos a um modo de vida. Antes e depois

da abolição da escravatura o território brasileiro esteve marcado pela presença de

comunidades negras que ainda hoje resistem às pressões de latifundiários, de especuladores

imobiliários e até mesmo do poder público pela manutenção ou reconquista de seus

territórios. Desta forma, o processo de territorialização quilombola constitui-se muitas vezes,

na luta para continuar a existir, na reinvenção de uma identidade política portadora de direitos

que é informada por uma memória ancestral.

A memória, neste sentido, tem grande importância, visto que em geral se tratam de

comunidades iletradas, de forte tradição oral e que encontram na reinvenção de suas

identidades sua força para atuarem como cidadãos.

Os quilombos são a materialização da resistência negra à escravização, foram uma

das primeiras formas de defesa dos negros, contra não só a escravização, mas também à

discriminação racial e ao preconceito.

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2 Os quilombolas de Bom Despacho: a história marcada por luta desde a origem

A cidade de Bom Despacho está localizada na região centro-oeste do Estado de

Minas Gerais, a 147 km de Belo Horizonte, capital do Estado, tendo hoje 45.626 habitantes,

de acordo com dados do IBGE, censo 2010. Sua vida bucólica e tranquila desenvolve-se em

meio a campos, montanhas e cachoeiras ao longo dos seus 1212,7km2 de extensão. Os

quilombolas desta cidade habitam o bairro Ana Rosa (antiga Tabatinga) é uma comunidade

urbana composta por aproximadamente 500 pessoas, organizada desde 2006 pela Associação

Quilombola Carrapatos da Tabatinga.

E tem como uma de suas representantes Sandra Andrade, que também é presidente

da Federação Mineira Quilombola, considerada uma das principais articuladoras junto ao

poder público das políticas em prol das comunidades quilombolas mineiras e do Brasil.

A história dos quilombolas está intimamente ligada ao povoamento da cidade de

Bom Despacho. Embora tenha sido elevada à categoria de município e vila somente neste

século, em 30 de agosto de 1911, Bom Despacho possuí uma história que começa por volta da

metade do século XVIII e se liga intimamente a Pitangui, uma das primeiras vilas do ouro, a

qual pertenceu até o ano de 1880 (RODRIGUES, 1968, p.103).

A história revelada nos documentos de Antonio Rodrigues da Rocha (1968, p.36) é

de grande importância para o estudo, pois além de conter a primeira referência à presença de

negros da região de Bom Despacho, vem revelar que, na realidade, foram eles os primeiros

povoadores daquelas terras. Atrás desses “negros do mato” é que vai entrando mais gente.

Em diversos outros documentos, Laércio Rodrigues (1968) encontrou registros de que,

“no território compreendido pelos rios Lambari e São Francisco, eram numerosos os núcleos

tribais de escravos fugidos”. Considerados sérios obstáculos ao processo de povoamento

português da região, esses quilombos eram combatidos por expedições que, para esse fim, se

organizam em Pitangui. Os expedicionários, “exterminando os quilombos das áreas

enquistadas, ali lançam posses, alcançam sesmarias e estabelecem fazendas “ (RODRIGUES,

1968, p. 28).

A comunidade do Quilombolas Carrapatos da Tabatinga é formada por membros

com laços sanguíneos e ancestralidade negra, de origem africana e escrava, que resistem até

hoje, a opressão histórica sofrida. Pela sua formação, já foi autoatribuída e considerada

legalmente pelo governo federal brasileiro como comunidade remanescente quilombola de

acordo com o Decreto 4887/2003 que:

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Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins

deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto atribuição,

com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas,

com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à

opressão histórica sofrida.19

No que diz respeito aos grupos africanos a que se ligam esses negros e mulatos da

comunidade dos Carrapatos da Tabatinga, os dados disponíveis referem-se aos de Pitangui, no

período de 1718 a 1723. Segundo artigo de Francisco Vidal Luna e Iraci de Nero da Costa

(1980, p.6-7), verifica-se ali pequena diferença entre bantos e sudaneses, a favor dos

primeiros. Os sudaneses não chegam a ser maioria em Pitangui, embora sua população

aumente durante o período da mineração. Porém até hoje há o uso dos vocábulos africanos da

Língua do Negro da Costa em Bom Despacho, os dados linguísticos parecem confirmar o

predomínio dos bantos na região.

Enfim, quer tenham predominado os bantos, quer os sudaneses, o negro

desempenhou um papel relevante no povoamento de Bom Despacho. Na condição de

quilombola, adentrando o sertão em busca da liberdade, ou na condição de cativo,

acompanhando seu senhor ao estabelecimento de fazendas de criação de gado e lavoura,

participou de modo ativo na formação cultural regional (RODRIGUES, 1968). A Língua do

Negro da Costa, como as festas do Congado, é documento vivo da presença marcante dos

africanos e de seus descendentes na região.

Segundo a obra de Sonia Queiroz (1998) o nome Tabatinga é uma referência ao

barro branco existente na principal rua do atual bairro. Este era amassado com os pés para ser

utilizado na construção de casebres. Mesmo com o processo de urbanização e os fortes

preconceitos de parte da população local, a Tabatinga resiste.

A identificação da comunidade se compõe também pela palavra Carrapatos que é

outro símbolo de resistência. O projeto piloto com comunidades quilombolas do Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em parceria com a Universidade de São

Paulo (USP)20

, os pesquisadores realizaram uma entrevista com Dona Sebastiana, mais

conhecida pela comunidade como Dona Tiana, e perguntaram de onde vinha esse nome

Carrapatos e ela respondeu: “É..eh eh... Meu neto fez essa pergunta pra mim... eh...por que

Carrapato? Os policiais ia lá matava todo mundo...matava... e meus...meus antepassado

[furaram o buraco] deles no chão...fizeram o subterrâneo e entrou pra lá. E [plantou] até em

cima, né... então tinha um tampo que era só mato mas era tampo e eles ficou ali até passar a

época da... judiação, da matação, né... de medo... entendeu? Aí quando passou a época eles

19

Disponível em: < http://www.incra.gov.br/quilombola>. 20

Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dl/indl/transcricao_detalhe.php?id=55&idc=163>.

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colocou pra fora aí...pois é...o apelido de quilombo dos Carrapatos é porque matou matou,

mas ainda ficou um carrapatinho ainda agarrado...que foi a minha família da minha vó”.

(TIANA, IPHAN-USP, 2002).

Bravamente resistem e as reivindicações vão desde o direito que regulamenta o

procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das

terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68,

do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, até as lutas cotidianas: contra o

preconceito da sociedade local que as comunidades quilombolas estão presentes, a luta por

fomentos públicos para manter viva a cultura quilombola - língua, danças, eventos religiosos -

e as condições de infraestrutura das terras quilombolas como: escola, saúde e saneamento

básico.

2.1 O Direito Constitucional dos remanescentes quilombolas à territoriedade

Na Constituição Federal de 1988, foi assegurado às comunidades remanescentes de

quilombos o direito às terras por estas ocupadas, devendo o Estado atuar na titularização

dessas terras. Do direito conquistado pelo movimento negro surge a identidade política do

quilombola. Segundo Gusmão (1995) muitas comunidades, até então em geral ditas apenas

“comunidades negras” ou que habitavam as chamadas “terras de preto” passam a se assumir

quilombolas.

Diante deste fenômeno houve uma ressemantização do conceito de quilombo,

ampliando-o, propiciando que um número crescente de comunidades passasse a se

autodeterminar pertencente a uma comunidade com possibilidades políticas.

Para ter o direito constitucional garantido, foi criado pelo Governo Federal

mecanismos legais e foi definido por Decreto que é a própria comunidade que se auto-

reconhece “remanescente de quilombo”21

, porém existem algumas considerações para serem

verificadas22

, e por fim cabe à Fundação Cultural Palmares emitir uma certidão sobre essa

autodefinição.23

21

O amparo legal é dado pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, cujas determinações

foram incorporadas à legislação brasileira pelo Decreto Legislativo 143/2002 e Decreto Nº 5.051/2004.

Disponível em: <http://www.incra.gov.br/quilombola>. 22

Conforme o artigo 2º do Decreto 4887/2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos,

para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica

própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a

resistência à opressão histórica sofrida”. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/quilombola>. 23

O processo para essa certificação obedece a norma específica desse órgão (Portaria da Fundação Cultural

Palmares nº 98, de 26/11/2007). Disponível em: <http://www.incra.gov.br/quilombola>.

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De posse da Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de

Comunidades de Quilombos (CRQs), cabe às comunidades interessadas encaminhar à

Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA)24

, no seu estado uma solicitação de abertura do processo administrativo para a

regularização de seus territórios.

A primeira parte dos trabalhos do INCRA consiste na elaboração de um estudo da

área, destinado à confecção e publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação

(RTID) do território. Uma segunda etapa é a de recepção, análise e julgamento de eventuais

contestações. Aprovado em definitivo esse relatório, o INCRA publica uma portaria de

reconhecimento que declara os limites do território quilombola.25

A fase seguinte do processo administrativo corresponde à regularização fundiária,

com a demarcação do território e a desintrusão de ocupantes não quilombolas. As áreas em

posse de particulares serão desapropriadas e aquelas em posse de entes públicos serão

tituladas pelas respectivas instituições.26

O processo culmina com a concessão do título de propriedade à comunidade, que é

coletivo, pró-indiviso e em nome a associação dos moradores da área, registrado no cartório.

Por isso a importância para os quilombolas se organizarem em associações comunitárias.

De acordo com a Fundação Cultural Palmares, responsável pela emissão dos

certificados das Comunidades Remanescentes de Quilombos (CRQs), existem até o mês de

fevereiro de 2015, o total de 2.474 comunidades certificadas27

(FUNDAÇÂO CULTURAL

PALMARES, 2015). Estima-se que em todo o País existam mais de três mil comunidades

quilombolas, segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA,

2015).28

Desta forma, muitas comunidades negras passaram a construir uma nova identidade,

baseada no resgate do conceito de “quilombo”, com o aparecimento de novos atores sociais,

ampliando e renovando os modos de ver e viver a identidade negra. Pensando coletivamente

em seus direitos civis, mas também nos direitos sociais com uma cidadania mais participativa

lutando para extinguir sua “invisibilidade social”.

24

Decreto nº 4.887, de 2003, o INCRA é o órgão responsável, na esfera federal, pela titulação dos territórios

quilombolas. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/quilombola>. 25

Informações oficiais do site do INCRA, Disponível em:

http://www.incra.gov.br/passo_a_passo_quilombolas>. 26

Informações oficiais do site do INCRA. Disponível em: http://www.incra.gov.br/passo_a_passo_quilombolas. 27

Informação de acordo com o site oficial da Fundação Cultural Palmares, responsável pelo cadastramento das

comunidades remanescentes quilombolas, documento de pesquisa denominado “Lista das CRQs Certificadas até

23 de Fevereiro de 2015”. Disponível em: <http://www.palmares.gov.br/?page_id=88>. 28

Informação de acordo com o site oficial do INCRA. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/quilombola>.

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2.2 A desigualdade social abarcada pelo preconceito racial

Em 2004, chegaram a mudar o nome do bairro para Ana Rosa, demonstrando profundo

desrespeito a comunidade quilombola, que se quer foi consultada para a realização da mudança, e

tem no nome Tabatinga sua identidade originária. As políticas locais os tratam como se fossem

invisíveis socialmente. Em décadas anteriores, um padre tentou impedir a comunidade de realizar

seus festejos na igreja de São Benedito. A disputa foi longa, mas os negros da Tabatinga

venceram e voltaram a participar das missas29 (A FILHA DE SÃO SEBASTIÃO, 2013). As festas

de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito são tradicionais na Tabatinga, quando saem os

ternos e guardas, que são grupos compostos por homens e mulheres paramentados com cores de

sua comunidade e, em cortejo, vão dançando e cantando ao ritmode tambores, gungas e

sanfonas. Levam à frente as bandeiras em homenagem aos santos de devoção, é a realização

do Congado.

Os quilombolas da Tabatinga sofrem com o preconceito por parte da comunidade

católica de Bom Despacho em relação à religião umbandista professada por eles. O Padre

Jayme Lopes Cançado da Paróquia Nossa Senhora do Bom Despacho chegou a citar que a

comunidade católica tem receio das “macumbas” que eles podem vir a praticar, e declararam

um absurdo as imagens dos santos Nossa Senhora do Rosário e São Benedito estarem no

templo umbandista, dizendo que o sincretismo não é aceitável. Declarando como se a

comunidade quilombola não tivesse o “direito” de adorarem e cultuarem estes santos

“católicos” em seu templo umbandista.30

Em entrevista31

com a liderança da comunidade houve a citação que há também

preconceito na contratação dos negros em Bom Despacho, a comunidade sente que as poucas

oportunidades da cidade, que tem por volta de 50.000 habitantes, com um pequeno comércio,

sem indústrias na região e com uma economia predominantemente rural mecanizada, tem

preferência pelos brancos na contratação.

A comunidade relatou32

que reivindicaram junto ao Prefeito em 2014 e 2015, um

projeto de lei de cotas para negros no concurso público municipal. O poder executivo foi

favorável, mas infelizmente na primeira submissão o projeto de Lei não foi aprovado pela

29

Referência retirada do documentário “D. Tiana Filha de São Sebastião” realizado por um coletivo de

profissionais da área de cinema, produção, e história, da cidade de Belo Horizonte - MG, Brasil – Produtora

Caturra, 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6nHORCY-EEE>. 30

Em entrevista a autora no dia 10 de outubro de 2015 na Igreja Matriz na cidade de Bom Despacho, Minas

Gerais. 31

Em entrevista a autora em 09 de outubro de 2015 na cidade de Bom Despacho, Minas Gerais. 32

Em entrevista a autora em 09 de outubro de 2015 na cidade de Bom Despacho, Minas Gerais.

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Câmara de Vereadores. E na segunda vez, após alguns ajustes deu empate na votação, e

infelizmente o presidente atual da Câmara desempatou pela reprovação. Essa é a realidade da

comunidade quilombola em Bom Despacho, quando há iniciativa por parte do executivo

municipal, o legislativo barra qualquer avanço de proporcionar uma possibilidade econômica

melhor para a comunidade.

A Sandra Andrade33

, líder da comunidade, confessou que a falta de oportunidade de

emprego tem deixado a comunidade somente com os idosos e as crianças. Os membros

economicamente ativos têm deixado a comunidade para procurar oportunidades de empregos

em outras regiões do Estado de Minas. Assim ela teme que a unidade, os laços da comunidade

quilombola dos Carrapatos da Tabatinga um dia desapareça.

A questão do território é fundamental para que os adultos da comunidade, que sempre

desenvolveram atividades rurais, mesmo trabalhando como empregados em fazendas, voltem a ter

uma agricultura de subsistência e pequenos comércios, assim não precisando migrar para outros

lugares em busca de emprego. A líder comunitária Sandra Andrade34

relatou que as fazendas

das regiões que empregavam os quilombolas foram mecanizadas e assim o emprego na

lavoura praticamente acabou. O Programa Bolsa Família35

do Governo Federal tem sido

fundamental para melhoria de renda da comunidade, e por meio da Secretária Nacional de

Assistência Social36

recebem 1.500 kg de alimentos, em cestas básicas, para complementar o

sustento das famílias da comunidade Carrapatos da Tabatinga.

A comunidade citou37

por meio da sua liderança, que a sociedade local reconhece os

quilombolas como patrimônio cultural importante na cidade, porém quando o assunto é a

concessão das terras, que na verdade já fora deles, a opinião é bem ácida e radical “eles

querem tudo de graça! E a gente tem que trabalhar! Eles são é muito folgados!”. E estes

comentaram permeiam a sociedade local, incluindo das classes mais ricas da cidade até os

mais pobres não quilombolas. A percepção na fala é a soma do desconhecimento dos Direitos

dos remanescentes quilombolas somado ao processo de inserção periférica dos mulatos e

negros na sociedade de Bom Despacho.

É notório ao frequentar a Tabatinga, que foram “guetificados” na periferia de Bom

Despacho e que não tiveram nestes 300 anos oportunidades de inserção social igualitária e

quase nenhuma expressiva participação como cidadão. A desigualdade social dos quilombolas

33

Em entrevista a autora no dia 09 de outubro de 2015 na cidade de Bom Despacho Minas Gerais. 34

Em entrevista a autora no 10 de outubro de 2015 na cidade de Bom Despacho, Minas Gerais. 35

Disponível em: <http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia>. 36

Disponível em: <http://mds.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/quem-e-quem/secretaria-nacional-de-

assistencia-social>. 37

Em entrevista a autora no dia 10 de outubro de 2015 na cidade de Bom Despacho, Minas Gerais.

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em Bom Despacho em parte está ligada a questão racial sim, e também a formação da

sociedade local que pós-escravidão, foi excludente com a população quilombola. É uma

desigualdade abarcada pelo preconceito racial. A luta da comunidade dos quilombolas

Carrapatos da Tabatinga organizada e liderada por Sandra Andrade, que relatou38

, por vezes,

um certo desânimo, devido ao não apoio da sociedade e do poder público local. Mas o que faz

Sandra Andrada como líder comunitária persistir é a figura de Dona Tiana, sua mãe guerreira,

que não a deixa esmorecer.

O quilombo é um símbolo de resistência e a comunidade dos Carrapatos da Tabatinga

luta não mais pelos Direitos, que foram instituídos pelo Governo Federal, mas para que de “Fato”

seja cumprida a lei, que um dia o preconceito racial na sociedade local seja inexistente que

eles possam efetivamente ocupar uma posição igualitária de cidadão, participes das decisões

locais, como já rege a Constituição Brasileira de 1988 e seu Artigo 5º.39

2.3 A gestão e os processos de comunicação da comunidade

Como citei em outras partes do texto, a comunidade dos Quilombolas Carrapatos da

Tabatinga é composta por aproximadamente 500 pessoas, localizada no bairro Ana Rosa

(antigo Bairro da Tabatinga) na zona urbana e periférica da cidade de Bom Despacho, no

Centro–Oeste do Estado de Minas Gerais.

O Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) é o órgão competente, na esfera

federal, pela titulação dos territórios quilombolas, e para terem seus direitos constitucionais

garantidos como “remanescentes quilombolas” é necessário que a comunidade se “auto

reconheça” quilombola e por meio de certificação emitida pela Fundação Cultural Palmares

obtenha a autodefinição como quilombolas.40.

A Fundação Cultural Palmares diz como a comunidade deve proceder para a emissão

da certidão de autodefinição como remanescente de quilombo41

:

1. A comunidade deve possuir uma associação legalmente constituída; e

apresentar uma ata de reunião convocada para a autodefinição aprovada pela

maioria dos moradores, acompanhada de lista de presença devidamente

assinada;

38

Em entrevista a autora no dia 10 de outubro de 2015 na cidade de Bom Despacho, Minas Gerais. 39

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccvivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> 40

Informação oficial do INCRA. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/quilombola>. 41

Informação oficial da Fundação Cultural Palmares. Disponível em:<http://www.palmares.gov.br/?p=31882>.

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2. Nos locais onde não existe associação, a comunidade deve convocar uma

assembleia para deliberar sobre o assunto autodefinição, aprovada pela

maioria de seus membros, acompanhada de lista de presença;

3. Enviar esta documentação a Fundação Cultural Palmares, juntamente

com fotos, documentos, estudos, reportagens, que atestem a história do

grupo e suas manifestações culturais;

4. Apresentação de relato sintético da história;

5. Solicitar ao Presidente da Fundação Cultural Palmares a emissão da

certidão de autodefinição.

A comunidade quilombola da Tabatinga hoje é certificada, pois realizou o processo de

autodefinição como remanescentes quilombolas, segundo os preceitos da Fundação Cultural

Palmares, e no ano de 2006 fundaram a Associação dos Quilombolas Carrapatos da Tabatinga.

A Associação tem uma sede localizada na Rua Tabatinga, 520, no bairro Ana Rosa,

na cidade de Bom Despacho, no Estado de Minas Gerais.

A presidente da Associação é a líder Tannia Aparecida da Silva Oliveira, e como

liderança citamos D. Sebastiana, a matriarca da comunidade mais conhecida como D. Tiana e

a Sandra Andrade que é membro da comunidade e também atual presidente da Federação

Quilombola do Estado de Minas Gerais – N´Golo42

.

A organização da comunidade em Associação foi importante pelo reconhecimento

por parte do Governo Federal. E hoje são comtemplados com a Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de acordo com o

Decreto nº 6.04043

.

A Associação tem prédio próprio, no endereço da sede citado acima, com uma área

coberta, possuem um telecentro de comunicações com computadores e acesso à Internet,

equipamentos de serigrafia, onde eles produzem materiais como camisetas e bonés que são

utilizados nos eventos que a comunidade participa e um mini salão de beleza onde aprendem

e ensinam a comunidade o ofício de cabeleireiro, os equipamentos foram fornecidos pelo

Governo Federal. A intenção com a serigrafia era realizar materiais para a comunidade gerar

renda, mas por falta de capital para a matéria prima, há dificuldade para realizar o projeto. As

verbas do Governo Federal muitas vezes não são suficientes para gerar uma produção em

escala maior. A comunidade não tem apoio dos empresários da cidade para doações, e

demonstram pouco interesse em comercializar os produtos fabricados por eles - relato dos

42

Disponível em:< http://www.cedefes.org.br/index.php?p=ngolo>. 43

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm>.

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66

líderes da comunidade44

.

O prédio possui em seu terreno uma área descoberta, um pátio onde realizam os

ensaios das apresentações de dança e teatro. Espaço este que a comunidade tem o desejo de

cobrir para que a chuva ou o forte calor que faz em Bom Despacho, não dificulte os ensaios e

os eventos culturais por eles promovidos.

Infelizmente as verbas são escassas por parte do poder público, mas a comunidade

continua lutando para conquistar esse objetivo. Foi presenciado no período de visitas na

Associação45

uma comunidade ativa, engajada e participativa nas questões relacionadas a

preservação e manutenção das matrizes africanas, consciente da sua luta contra o preconceito

racial, e com objetivos claros em relação a luta pelo direito dos territórios quilombolas.

Percebeu-se a coesão da comunidade nos seus objetivos e a uma mobilização de

todos os integrantes para as conquistas de suas demandas sociais, através das participações em

eventos culturais e manifestações de protestos, como também por meio do diálogo, a questão

do direito aos territórios quilombolas.

Um dos elementos constituintes do conceito de comunidade que é válida até os dias

de hoje é “[...] existência de um modo de relacionamento baseado na coesão, convergência de

objetivos e de visão de mundo, interação, sentimento de pertença, participação ativa,

compartilhamento de identidades culturais, corresponsabilidade e caráter cooperativo [...]

”(PERUZZO, 2005, p.14).

Para a prática deste relacionamento em uma comunidade é necessário o exercício da

comunicação em sua gênese literal. Entende-se assim como o termo comunicação – oriundo

do latim communicatio/communicare com o sentido principal de “partilha”, “participar de

algo” ou “pôr-se em comum” (SODRE, 2014, p. 10).

Para o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas (1989), as sociedades atuais

complexas, estão estruturadas em condições precárias de integração social, arranjos que

potencializam os conflitos, dificultam a formação de unidades axiológicas e impedem a

emancipação do homem. Em meio a esse cenário, os indivíduos dirigem suas ações por

critérios de racionalidade meramente instrumentais, voltados à busca de interesses próprios,

espelhados através de cálculos de vantagens e decisões arbitrárias. Atua-se sobre o outro e

não com o outro, isto é, um “agir racional com direção a fins”, meramente estratégico. Para

Habermas (1989, p.79), as interações comunicativas são aquelas em que:

44

Entrevista realizada na sede da Associação em 09 de outubro de 2015. 45

Visitas realizadas no período de Outubro de 2015 a abril de 2016.

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[...] as pessoas envolvidas se põem de acordo para coordenar seus planos de ação, o acordo alcançado em cada caso medindo-se pelo reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validez. No caso de processos de entendimento mútuo linguísticos, os atores erguem com seus atos de fala, ao se entenderem uns com os outros sobre algo, pretensões de validez, mais precisamente, pretensões de verdade, pretensões de correção e pretensões de sinceridade, conforme se refiram a algo no mundo objetivo (enquanto totalidade dos estados de coisas existentes), ou a algo no mundo social comum (enquanto totalidade das relações interpessoais legitimamente reguladas de um grupo social) ou a algo no mundo subjetivo próprio {enquanto totalidade das vivências a que têm acesso privilegiado.

Enquanto que no agir estratégico um atua sobre o outro para ensejar a continuação

desejada de uma interação, no agir comunicativo um é motivado racionalmente pelo outro

para uma ação e adesão – e isso em virtude do efeito ilocucionário (a ação que uns exercem

sobre os outros; e a concepção do sujeito da enunciação enquanto agente da interação social

no ato da fala) - de comprometimento que a oferta de um ato de fala suscita.

A teoria da ação comunicativa e ética discursiva, de Habermas (1989), busca

entender a moralidade sob a visão filosófica, sociológica e psicológica, apresentando a ética

discursiva como sendo parte da ação comunicativa, que com ela se confunde. Sales (2004)

analisando esta teoria habermasiana, afirma que:

A Teoria da Ação Comunicativa, de Jürgen Habermas (Theorie dês Kommunikativen Handels), procura um conceito comunicativo de razão e um novo entendimento da sociedade, ou seja, sociedade na qual os indivíduos participam ativamente das decisões individuais e coletivas conscientemente, ensejando-lhes a responsabilidade por suas decisões (SALES, 2004, p.171).

A perspectiva sociológica da teoria da ação comunicativa diz respeito a dois tipos de

ação, que Habermas (1989) identifica como: ação instrumental e ação comunicativa. As

sociedades que possuem locais onde há a prevalência da ação instrumental são identificadas

pelo filósofo Habermas (1989), como mundo sistêmico e aquelas nas quais a prevalência é da

ação comunicativa, a identificação é de mundo vivido ou mundo da vida.

Cittadino (2004) contextualizando Habermas (1989), afirma que “a ação

comunicativa, por facilitar o diálogo acaba por trazer uma melhor decisão para os indivíduos

e diferentemente do mundo sistêmico, o mundo da ação comunicativa é, o mundo vivido ou o

mundo da vida” (CITTADINO, 2004, p.108).

A ação comunicativa “[...] modifica a relação entre os indivíduos, transformando o

subjetivo em intersubjetivo, possibilitando maior compreensão do individual, e do coletivo e do

bem-estar social, permitindo a organização social, a elaboração e a validação de normas [...]”

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(SALES, 2004, p. 175).

Neste sentido, os sujeitos têm capacidade de linguagem e ação e podem estabelecer

práticas argumentativas, por meio das quais há uma garantia intersubjetiva de

compartilhamento de um contexto comum, de um “mundo da vida”. Com isso, para Cittadino

(2004) há um despertar para o indivíduo quanto suas responsabilidades como membros da

sociedade, e como decorrência deste despertar, desta modificação, surge uma compreensão

não só das manifestações individuais, mas também daquelas ocorridas no mundo à volta, o

que acaba possibilitando o entendimento, cooperação e solidariedade permitindo, portanto,

uma compreensão maior dos fenômenos individuais, propiciando uma melhor percepção dos

sentimentos entre os envolvidos. Nesta perspectiva de interação, “[...] há desta forma, uma

inter-relação entre sujeito e sociedade, que se processa através de estruturas linguísticas,

formando aquilo que Habermas designa por intersubjetividade” (CITTADINO, 2004, p.91).

Temos, portanto, a construção de relações sociais apoiadas no princípio da

reciprocidade. Os processos se legitimam quando há o entendimento dos cidadãos acerca das

regras de sua convivência, o que somente é possível quando há comunhão de valores. Neste

caso, temos todos os interessados atuando ativamente, falando, agindo, intervindo, fazendo

afirmações, trazendo problemas, apresentando novas declarações e tudo sempre nas mesmas

condições de igualdade e com liberdade de comunicação, condições estas totalmente

favoráveis ao diálogo e que Habermas (1989) identificou como sendo uma ética discursiva.

As pessoas se valem da argumentação para buscar o entendimento e justamente, esta

argumentação racional, tem o condão de fazer com que as partes possam se convencer

mutuamente da veracidade das afirmações e declarações mútuas. O entendimento entre as

pessoas depende da argumentação entre elas (SALES, 2004, p. 176).

Como já afirmado, a formação discursiva da vontade que permite a interação

comunicativa com a utilização do melhor argumento, propiciaria aos sujeitos a possibilidade

de promoverem mudanças sobre algumas de suas convicções e com isso encontrariam razões

para seus atos. Assim, os próprios sujeitos orientariam suas ações alcançando a “situação

ideal de fala” proposta por Habermas (1989).

Habermas (1989) propõe uma teoria crítica da sociedade, que tem no agir

comunicativo o principal mecanismo de realização de entendimentos entre sujeitos, os quais

formam uma consciência moral dirigida por princípios de justiça, com igual respeito por cada

um dos integrantes do corpo social e consideração dos interesses de todos, orientados pela

ideia de reciprocidade. Assim, formam-se consensos com base nesses ideais de justiça e

solidariedade social.

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Esta forma de restabelecer o consenso, com o uso de argumentos sobre o qual se

constrói uma razão comunicativa nos moldes propostos por Habermas (1989), tem como

fundamento a existência de uma sociedade fraterna, que tem como pilares a amizade e a

solidariedade, permitindo que as partes possam decidir suas próprias lides, promovendo o

diálogo e a cooperação entre si.

Quando se fala da teoria do Agir Comunicativo para uma sociedade de Estado de

Direito, institucionalizada, corre-se o risco da impossibilidade das partes decidirem suas

próprias lides, devido a institucionalização do acordo por meio das leis jurídicas e do interesse

individualista.

Mas quando se pensa em comunidades tradicionais, o agir comunicativo, em

pequenos núcleos como: vilas, associações e movimentos sociais, pode proporcionar avanços

surpreendentes. Tem possibilidade de desenvolver um cidadão crítico, com o olhar para o

outro, solidário, e com uma comunicação voltada para o partilhamento do comum. E assim os

indivíduos partiriam da comunidade local, capaz do diálogo e da cooperação para a vivência

na sociedade global com a possibilidade de uma melhor integração social.

Esta reflexão sobre a teoria do agir comunicativo serviu de referência na observação

participativa da comunidade pesquisada para este trabalho, para verificar as decisões das

práticas comunicativas e a gestão na comunidade dos Quilombola dos Carrapatos da

Tabatinga.

Observou-se no período da pesquisa de campo realizada entre outubro de 2015 a

abril de 2016, que as reuniões na Associação dos Quilombolas Carrapatos da Tabatinga são

realizadas de modo extraordinário de acordo com as necessidades. As reuniões são

convocadas de acordo com as demandas, principalmente para tratar dos eventos culturais e

manifestações de protestos, referentes às comunidades quilombolas realizados pelo Brasil,

onde há intensa participação dos jovens, além de outros assuntos locais. Há compartilhamento

de ideias sobre a atividade que será desenvolvida no evento. Existe a preocupação dos

membros da comunidade na expressão da identidade quilombola e resgate da memória nos

diálogos. Tem momentos que os jovens querem se distanciar um pouco do tradicional, e

inicia-se uma discussão crítica sobre o que pode ser modernizado na raiz cultural dos

quilombolas.

Foi nítido o processo de desenvolvimento dos indivíduos para um olhar mais crítico,

com diálogos e a discussões sobre a melhor forma de propagar a luta contra o preconceito

racial, os territórios quilombolas, bem como a exaltação aos matizes africanos. Chegam sim

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ao consenso sobre quais atividades representarão a identidade quilombola.

As questões políticas ficam mais a cargo de Sandra Andrade, atual presidente da

Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais – N´Golo46

e membro

da comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga. Ativa nas comissões em Brasília que

discutem as causas quilombolas. As reuniões na Associação são para promover as discussões

de políticas públicas com a comunidade. Sandra Andrade é a porta voz da comunidade em

Brasília. Quando há avanços significativos para as demandas sociais da comunidade ela

comunica a todos.

Observou-se durante o período da pesquisa de campo-outubro de 2015 a abril de

2016, que as questões das políticas públicas são discutidas conforme a prática do agir

comunicativo proposto por Habermas (1989).

Não existiu neste período pautas para a realização de reuniões a fim de serem

discutidas ou voltadas para as questões das políticas públicas, colocando as demandas sociais

da comunidade. Talvez a prática do diálogo e da discussão crítica desenvolvesse um maior

engajamento dos mais jovens nas questões políticas, tão importantes para o alcance das

demandas sociais, já que os adultos, em geral, saem da comunidade em busca de trabalho em

outras cidades. A comunidade fica enfraquecida neste ponto, a liderança fica um pouco

sozinha nas decisões e sobrecarregada na função política.

Ressalta-se que a comunidade tem uma participação ativa dos jovens nos eventos

culturais, e por vezes, as universidades federais e estaduais de Minas Gerais realizam oficinas

culturais, para cultivo da identidade e memória quilombola. Os jovens são participativos e

comunicam sua identidade quilombola com ótima formação, e são conscientes das demandas

sociais da comunidade.

Dona Sebastiana, a Dandara47

mais idosa da comunidade, tem uma grande

participação na comunicação comunitária. Responsável por comunicar a importância da

participação de todos da comunidade nas questões dos negros, lembrando do sofrimento e de

todas as conquistas já alcançadas, e reverenciando os antepassados que não tinham essa

46

A Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais – N’Golo foi criada no ano de 2005

com o apoio de várias entidades, dentre elas, o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES. A

ideia de criar uma organização estadual das comunidades quilombolas adveio dos próprios quilombolas que

entenderam ser fundamental sua articulação. O movimento que culminou com a criação da Federação teve início

em 2003, quando vários eventos sobre os direitos quilombolas proporcionaram a mobilização das comunidades.

Disponível em: < http://www.cedefes.org.br/index.php?p=ngolo>. 47

Guerreira do período colonial do Brasil, Dandara foi esposa de Zumbi, líder daquele que foi o maior quilombo das Américas: o Quilombo dos Palmares. Com ele, Dandara teve três filhos: Motumbo, Harmódio e Aristogíton. Valente, ela foi uma das lideranças femininas negras que lutou contra o sistema escravocrata do século XVII e auxiliou Zumbi quanto às estratégias e planos de ataque e defesa do quilombo. Disponível em: http://www.palmares.gov.br/?p=33387.

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oportunidade se quer da luta. Dona Tiana faz diversas palestras e discursos, nos eventos

culturais que a comunidade participa, nas Universidades Federais, como porta-voz da

comunidade, e também muito respeitada pelo poder público em todas as esferas municipais,

Estaduais e Federais.

Tem inúmeras placas com homenagens da participação nas questões dos negros

quilombolas em todas as instâncias do poder público. Com orgulho, não de uma mulher

envaidecida, e sim por ter comunicado em todos os cantos, como ela diz, a força e o

sofrimento do negro e hoje canta na Festa de São Benedito, onde sai com seu congado a

Guarda de Moçambique de São Sebastião pelas ruas de Bom Despacho, agradecendo o direito

de poder falar!

2.4 O Congado: a força comunicante das matrizes africanas

Segundo o historiador Jeremias Brasileiro (2012) o Congado vem do termo congo,

que significa congar, dançar. É uma memória que vem com os escravizados do antigo Reino

do Congo, na África Central, com a essência de festejar algum momento. Naquela época era

comum eles celebrarem através da dança o nascimento de um príncipe, uma boa colheita e

visitas de pessoas de outras províncias, por exemplo.

Os festejos do Reinado reatualizam uma sabedoria centrada na filosofia banta,

designando novas formas de expressão dessa etnia. Os cortejos denominados Congados ou

Reinados nasceram das cortes que acompanhavam os Reis do Congo – soberanos negros,

eleitos entre escravos e libertos das Irmandades de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e

Santa Efigênia – por ocasião das festas públicas e rituais religiosos. Dessa forma,

compartilha-se com a ideia de que os descendentes africanos reterritorializam, no Brasil,

experiências étnicas, que podem ser observadas nos dados visuais e musicais, na realização

dos rituais e nas relações de parentesco. O Congado está além do que é observado nas

apresentações públicas. Para a preparação dos eventos, a comunidade se reúne, oportunizando

a troca de conhecimentos, relações socioculturais e inserção de valores (NERY, 2012, p. 10).

Na África, os bantus (mais de 500 povos) formam um grupo linguístico, segundo

Nery (2012), o termo “bantu” não significa uma cultura. Muito tempo antes dos portugueses

chegarem à África, já havia os povos bantus. Atravessaram as densas florestas do centro da

África e isso demorou séculos. Nessa façanha, misturaram-se com outros povos e venceram

outros. Forjaram-se reinados e uma civilização hierarquizada, não uma única cultura, mas

sim, muitas. Explicamos a diversidade cultural dos bantus, pela importância dada aos

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antepassados. Cada grupo étnico bantu tem seus antepassados como ponto de união. É deles

que apreenderam a sabedoria dos provérbios. Dos antigos, receberam as leis para fazer justiça

no caso de uma briga de terras ou entre famílias; é deles que aprenderam a religião, a cura das

doenças, os instrumentos musicais e todas as outras coisas da vida. Assim, cada grupo, cada

clã, cada povo de bantu tem sua cultura própria (NERY, 2012, p. 24).

Portanto, existe a civilização bantu na África, o grupo linguístico bantu e muitas

culturas bantu. Alfredo João Rabaçal, intelectual e folclorista disserta sobre o Congado dizendo:

Os congos, congados, congadas, são um tipo de folguedo popular que

segundo a maioria dos autores que com que eles se têm impressionado,

forma entre as expressões afro-brasileiras em que se destacam de maneira

predominante tradições históricas e costumes tribais de Angola e Congo,

com a predominância de traços culturais do grupo Bantu, aculturados a

elementos do catolicismo catequético e ao brinquedo de mouros e cristãos

(RABAÇAL, 1976, p. 08-09).

A obra de Rabaçal (1976) retrata a presença temporal e espacial dessas práticas em

diferentes épocas e em mais de uma dezena de estados da federação, compreendendo um

período que vai dos fins do século XIX (1880) a meados do século XX (1960), esboçando um

panorama dessa manifestação cultural e religiosa no Brasil, revelando a presença de um

universo cultural do Congado constituído de realidades bastante heterogêneas.

A identidade faz parte do tripé: história, identidade e cultura. As raízes do congado

estão na África, principalmente nos povos bantus. Toda identidade tem uma história. Até

mesmo a identidade de uma pessoa tem tudo a ver com a história dela, desde criança, tudo

que ela aprendeu dos pais, da escola, da vida. No congado, os antepassados, as almas dos

escravos, o fundador da irmandade, reis, rainhas, capitães falecidos são lembrados e

reverenciados. A cultura congadeira é fiel aos ancestrais (RABAÇAL, 1976, p. 23).

Segundo o Frei Francisco Van Der Poel OFM48

, um franciscano holandês, chegado

ao Brasil em 1967, que foi quase direto para o vale do Jequitinhonha, onde encontrou um

montão de coisas que não conhecia. Pôde vivenciar a composição de alimentos diferentes

como farinha de mandioca, alho e pimenta, além de outras maneiras de fazer comércio, de

curar a espinhela caída e o quebranto, coisas que nunca tinha ouvido falar. Diferente era,

48

Frei Francisco Van der Poel, OFM, é graduado em Filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências

e Letras (1973), graduado em Teologia pela Philosophicum Franciscanum Venray (1967), com especialização

em Teologia pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção (1981). Atualmente, é Conselheiro da

Prefeitura Municipal de Contagem, Professor do Instituto C. G. Jung - MG, Membro da Comissão Mineira de

Folclore, do Instituto Histórico Geográfico de Minas Gerais e Professor do Instituto Santo Tomás de Aquino.

Disponível em: <http://www.ofm.org.br/default.asp?pag=p000046>.

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também, o modo de rezar e de fazer amigos. Com tudo isso, o Frei decidiu querer conhecer

melhor essa realidade. Desde então, junto com a artesã Maria Lira Marques, de Araçuaí,

anotou, em 15 mil folhas, parte da cultura dos pobres, das tradições orais daquela região.

Nesse trabalho, foi frequente e intensivo o contato com a Irmandade Nossa Senhora do

Rosário dos Homens Pretos, da qual escreveu a história do primeiro centenário (1879-1979),

publicada pela Imprensa Oficial, com o título Rosário dos Homens Pretos (POEL, 1981).

Hoje, é irmão do rosário, nessa irmandade.

O Frei Chico, como é conhecido, diz que Cristianismo Afro no Congo existe desde

que os portugueses chegaram ao Golfo da Guiné, o cristianismo entrou lá e se consagrou. Em

1533, foi criada a diocese de Cabo Verde e Guiné. Outra diocese fundada no reino do Congo

já celebrou os seus 400 anos de existência. Muitos escravos bantos, do Brasil, já eram cristãos

na África. No Golfo da Guiné, a recepção do cristianismo não foi passiva. No reino do Congo,

surgiram algumas manifestações afrocatólicas. A jovem Beatrice Kimpa Vita liderava um

movimento de Santo Antônio, que africanizava o cristianismo. Ela encarnava Santo Antônio e

afirmava que Jesus e muitos santos nasceram no Congo. Beatrice foi condenada pela

inquisição e morreu na fogueira, em 1706 (POEL, 1981, p. 62-65).

Como Nossa Senhora do Rosário entrou na devoção dos negros em Portugal, na

África e no Brasil? Uma lenda contada em todas as irmandades coloca a Senhora do Rosário

como sendo a origem do congado. A irmandade do rosário (dos brancos) fundada na

Alemanha, em1409, chegou a Lisboa em 1478.

A mais antiga menção a uma “Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens

Pretos” foi encontrada m em 14 de julho de 1496, portanto, quatro anos antes da chegada dos

portugueses ao Brasil. Essa informação consta num alvará dado à dita confraria, citando no

mosteiro de São Domingos de Lisboa, “para poderem dar círios e recolher as esmolas nas

caravelas que vão à Mina e aos rios da Guiné” - Documento Confirmações Gerais, L. 2 fls.

107v, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa. – 108 - (POEL, 1981, p. 66-68).

Em 1526, já havia, na ilha de São Tomé, a irmandade dos “Homens Pretos”. Outras

irmandades do Rosário existem no Congo, na Angola e em Moçambique, desde o séc. XVII.

Antes de 1552, já existia, no Brasil uma irmandade para os escravos da Guiné, segundo Frei

Odulfo VanDer Vat. O. F. M. e outros historiadores. Em 1610, o rei do Congo entrou na

irmandade do rosário, fundada por Frei Lourenço O.P., em Mbanza, capital do Reino do

Congo. Entendemos que as irmandades do rosário surgidas no Brasil, não vieram só da Europa,

mas também da África. Provavelmente, houve escravos africanos que já vieram, para cá, irmãos

do rosário (POEL. 1981, p. 69).

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A criativa história do aparecimento de Nossa Senhora do Rosário, fundadora das

irmandades dos homens pretos, é antiga e pertence ao cristianismo banto. Muitos dizem que

Nossa Senhora apareceu no Brasil, poucos dizem que foi na África. Os congadeiros contam

que os brancos, donos de escravos, não conseguiram tirá-la do lugar. O candombe (ou o

Moçambique) pelejou e conseguiu. Ela ficou com os negros e aceitou-os como eram: pobres,

escravos sofridos, com seus reinados e tambores (POEL, 1981, p. 71).

Segundo Frei Chico ao falar da identidade das irmandades do rosário em Minas – e

que também existem em outros Estados – “não podemos nos esquecer de que a grande

maioria dos escravos que veio para o Brasil é de origem bantu” (POEL, 1981).

A questão bantu é complexa. Isso se observou, por exemplo, na luta pela valorização

da identidade negra no Brasil. Os nagôs dos candomblés do Brasil vieram de reinados

situados ao norte do Rio Congo. Os congadeiros do Brasil são bantu-descendentes do Congo,

da Angola e do Moçambique, regiões colonizadas por Portugal (POEL, 1981, p. 84).

Suas origens estão nos reinados localizados, principalmente, ao sul do Rio Congo.

Os numerosos povos bantus africanos formam um grupo linguístico. Percebe-se alguma

origem comum pelo uso de línguas parecidas. Os bantus, também têm em comum, vários

elementos importantes, como a fé em um só Deus próximo aos humanos (Nzâmbi,

Zambiapunga e outros nomes) e a amorosa dedicação devida aos antepassados, sempre

presentes (POEL, 1981, p. 85).

O sistema perverso da escravidão no Brasil colônia, visava desestruturar os grupos

étnicos de origem. Para evitar conspirações, os donos de escravos compravam africanos de

línguas e origens diversas. Com grande criatividade, os bantus do Brasil partiram para a

adaptação, sem poder reconstruir os grupos étnicos originais com os mesmos antepassados.

Desde a travessia do mar em navios negreiros, os bantus tornados escravos, que eram de

povos e línguas diferentes, criaram uma língua comum, o chamado “português crioulo”. Entre

si, esses escravos tornavam-se “malungos”, companheiros na luta pela sobrevivência, também

cultural (POEL, 1981, p. 93).

Foram às irmandades de Nossa Senhora do Rosário (ao menos, desde 1496), que

possibilitaram uma sofrida reorganização e a busca da identidade dos bantos, escravos,

cristãos, no Brasil. Surgiram grupos de “homens pretos” e de “pardos”. Criar é preciso.

Muitos dos congados atuais começaram a partir de uma família líder que polarizava a

participação de outras (POEL, 1981, p.95).

Na grande Belo Horizonte, temos os arturos de Contagem, o Moçambique “Treze de

Maio”, no Concórdia, o congado do Jatobá e muitos outros que cultivam seus antepassados

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recentes. No congado, distinguimos vários grupos: o candombe é o mais antigo e o mais

banto; depois vem Moçambique, congada, marujos, caboclinhos, catopês, cavaleiros de São

Jorge. Em Araçuaí (MG) há os tamborzeiros; lá ninguém fala “congado” e sim “tamborzeiros

do rosário”(POEL, 1981, p. 99).

As irmandades do rosário comprovam que é possível viver no Brasil, com a

diversidade própria e tradicional dos bantos, mantendo viva a memória da África bantu. Há

reinados,“ngomas” (tambores), os antepassados e Deus, que é chamado de Zâmbi (POEL,

1981, p. 100).

O candombe é o que há de mais banto no congado. É um grupo “de raiz”. Uma

espécie de sociedade fechada, na qual se reúnem negros de Nossa Senhora do Rosário que

desejam ser cristãos sem deixar de ser bantos. Sabendo que, desse modo, correm o risco de

alguma perseguição, dão-se ao direito de utilizar uma linguagem enigmática e de não revelar

o candombe a forasteiros. No candombe são lembrados os antepassados, ali são tocados os

tambores antigos e sagrados (Santana, Santaninha e Chama) e Zâmbi (Deus Criador) está com

eles.

É assim que sobrevivem as manifestações culturais dos bantu-descendentes do

Brasil. Os candombeiros guardam bem seus mistérios e não há livros a respeito. Costumam

dizer: “língua que fala muito, merece faca de sapateiro.” Em muitas coisas, o candombe se

parece com o jongo e o caxambu” (POEL, 1981, p.112).

2.5 Chico Rei

Do famoso “Chico Rei”, a história oficial não conta muita coisa. Não existem

documentos a seu respeito. Há romances que são inventados, mas a história de “Chico Rei” é

verdadeira, na medida em que ela representa coisas acontecidas com muitos negros escravos.

Imaginem no tempo da escravidão, que uma vez por ano, um negro vai saindo da rua com

uma coroa bonita na cabeça, acompanhado por uma guarda de congo, dizendo: “Eu não sou

escravo nada! Eu sou é Rei!” (NERY, 2012, p.27).

Esse homem dá uma demonstração de coragem e dignidade. É isso que significa a

memória de Chico Rei. Ele representa essa resistência histórica do povo negro do Brasil, essa

consciência de dignidade humana, essa memória dos reinados da África. Por isso, Chico Rei

tornou-se um personagem tão importante. Um rei Congo é escolhido na sua comunidade, aos

poucos. As lideranças, os capitães, vão observando quem servirá melhor para representar essa

dignidade e essa memória da África, a identidade brasileira do congado tem tudo a ver com a

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memória da África e da escravidão (NERY, 2012, p. 27).

2.6 Missa Conga

A missa Conga é uma manifestação recente. Sempre houve missas nas festas de

Nossa Senhora do Rosário, mas não existiram manifestações “afro” com tambores dentro das

igrejas. Pelo menos disso não temos notícia, nem mesmo nos séculos XVI, XVII e XVIII,

quando o padroado e a igreja do Brasil ainda não seguiam o direito canônico da igreja

tridentina que proibia o uso de qualquer tambor na liturgia. Sabe-se que as irmandades

cantavam suas missas festivas em latim e muito solenemente. A missa Conga é do tempo do

Concílio Vaticano II (década de 1960), quando, no Congo, surgiu uma famosa “Missa Luba”,

ainda em latim, mas de caráter fortemente africano. No canto do Credo, tambores de sinais

avisam a morte de Jesus. Essa missa foi cantada dentro da basílica de São Pedro, em Roma,

pelos Trovadores do Rei Balduino, e emocionou o mundo inteiro. Foi naquele tempo que a

Missa Conga surgiu, em Belo Horizonte. Não se trata de uma missa com enfeite de congado e

sim, de uma celebração da memória da paixão de Cristo, unida à memória da escravidão do

povo negro (NERY, 1981, p. 28).

Impressiona muito quando, no início da missa, o congado canta diante da porta

fechada da igreja e bate para o padre abrir dizendo: “Branco ia para a missa, negro é que

carregava. / Se dissesse alguma coisa, de chicote ele apanhava. / Branco reza na igreja, negro

reza na senzala. / E continua: “Senhor padre, abra a porta, que o negro quer entrar.” (NERY,

2012, p.28).

Existem alguns grupos de congados ligados à umbanda, por quê? A partir da segunda

metade do século XIX, a igreja católica romanizada interditou e, até derrubou, várias igrejas

do rosário para impedir a ação das irmandades dos “homens pretos” ou dos “pardos”.

Segundo o direito canônico da época, o vigário da paróquia era presidente nato de todas as

irmandades e associações religiosas. Isso trouxe choques violentos entre o clero e as

irmandades, até então dirigidas por leigos. Diante dessa luta pelo poder, o negro atingido

passou a pensar assim:“minha história não posso negar!”. E deu-se ao direito de celebrar a

memória da África e da escravidão onde fosse bem recebido. Foi assim que costumes dos

irmãos do rosário se misturaram com costumes dos cultos afrobrasileiros (NERY, 2012, p.

29).

Tanto as irmandades do rosário, como os terreiros do candomblé e da umbanda

foram uma força muito grande para os negros que tiveram suas famílias destruídas pelo

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sistema da escravidão. No rosário, havia os irmãos e também a “Mamãe do Rosário”, além da

autoridade do rei e da rainha. Nos terreiros, havia pai de santo, mãe de santo, filhos de santo.

Na verdade, irmandades e terreiros eram substitutos da vida familiar, da união que precisavam

para viver e para se criarem. Um dos cantos entoados diz: “Esses pretos se soubessem, / a

força que o negro tem, / não toleravam cativeiro de ninguém” (NERY, 2012, p.30).

Para título de esclarecimento não pretendo aprofundar o texto presente no Congado,

pois não é objeto de estudo desta dissertação. Porém vou explanar brevemente para efeito de

conhecimento do rito, pois foi observado que suas significações e (re) significações são

importantes para a análise do processo de comunicação dos quilombolas Carrapatos da

Tabatinga com a sociedade local, este sim um dos objetivos de pesquisa.

O congado tem seu rito de início com a busca e levantamento das bandeiras. A

bandeira de aviso é levantada antes dos festejos na Igreja e/ou sede da Guarda. Normalmente,

esse ritual acontece a noite. Forma-se a guarda, uniformizada ou não, que parte da sede para

buscar as bandeiras que estão nas residências de alguns devotos. Ao retornar para a sede com

as bandeiras, estas são presas aos mastros que são levantados com orações, cânticos e

louvações. Cada mastro é tocado pelos bastões ou espadas e acendem-se velas ao seu redor

(NERY, 2012, p.42). Eles entoam cantos: “A bandeira vai pro céu com prazer e alegria A

bandeira vai pro céu No Santo Rosário de Maria” (NERY, 2012, p.54).

Após o levantamento da bandeiras é a busca do trono. Na manhã da festa, ainda bem

cedo, a Guarda, “dona da festa”, busca o reino (trono coroado) em suas residências e o leva

para o local da festa, numa espécie de cortejo. Ele é composto, na maioria das vezes, pelos

Reis Perpétuos: rei congo, rainha conga, de São Benedito, de Santa Efigênia e também os reis

do ano ou festeiros que patrocinam as festas (NERY, 2012, p.56). E entoam o seguinte canto:

“Foi pro mar, foi pro mar São Benedito Vem me ajudar, me ajudara levar coroa de

Nossa Senhora do Rosário” (NERY, 2012, p.70).

Tem a chegada das guardas na festa sempre entoando cânticos e dançando após a

busca do trono tem. Para os devotos, a música e a dança são uma forma de oração (NERY,

2012, p.72). Assim eles cantam: “Oh! Licença. Oh! Licença. Oh, licença venho pedir, a

Senhora do Rosário foi quem me trouxe aqui!” (NERY, 2012, p.101).

Com a chegada das guardas começam as saudações entre elas, com troca de

bandeiras e a reverência entre capitães, rainhas e reis (NERY, 2012, p.102). E cantam: “Olha

a bença, olha a bença Senhor Rei, Senhora Rainha Olha a bença” (NERY, 2012, p.111).

Logo após as saudações entre as guardas chegam às festas, elas louvam seus santos

de devoção, que estão nas bandeiras nos mastros. É um momento bastante solene (NERY,

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2012, p.112). E entoam o canto: “Nesse palácio tem coroa, nesse palácio tem bandeira, Nesse

palácio tem amor. A Senhora do Rosário, Ela é nossa padroeira” (NERY, 2012, p. 121).

Dentro dos reinos, porque cada guarda tem seu reino, todos chegam, entram, rezam

e/ou cantam louvores e orações, chamadas por muitos devotos, de marchas. As músicas e as

danças, para os devotos do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, constituem uma oração,

visto que eles não cantam simplesmente, eles oram cantando e dançando (NERY, 2012,

p.123), como este: “Vamos louvar nossa mãe querida A Senhora do Rosário e a Senhora

Aparecida” (NERY, 2012, p.141).

Logo em seguida tem a hora das refeições, é o momento de confraternização. São

servidos lanches, cafés e almoços, sempre com muita fartura. Antes e depois das refeições, há

uma benção dos alimentos e, ao término são entoados cânticos em agradecimento: “Oh! Jesus

Cristo fez um banquete Nossa Senhora que pôs a mesa e todos os anjos do céu cantaram para

agradecer a mesa” (NERY, 2012, p.155).

Após a refeição saem em procissão pela cidade para realizar as manifestações de

louvor. Este é o momento de demonstração de fé. Ao longo da festa, as Guardas exaltam e

louvam Nossa Senhora do Rosário e, também seus santos de devoção (NERY, 2012, p.

156).Um dos cantos é: “A Virgem Nossa Senhora, Ela é nossa Guia. Vamos viajar com Ela,

toda hora e todo dia!” (NERY, 2012, p.175).

A procissão se dirige à igreja onde a missa é celebrada durante a Festa do Reinado

de Nossa Senhora do Rosário, e é chamada pela maioria dos devotos, de Missa Conga, mas

alguns dos entrevistados a denominam de Missa Congo ou Missa do Congo. De acordo com

Manoel Fonseca dos Reis, da Ordem Templário da Cruz de Santo Antônio de Pádua,

denomina-se ‘Missa do Congo’ aquela Celebração Eucarística que tem a participação de

membros da Irmandade do Rosário (Guardas, Ternos, Cortes ou Bandas) de forma ativa na

Liturgia, seja executando suas ‘marchas’ (hinos de louvor ao som de antigos instrumentos de

percussão), seja realizando ritos expressivos, demonstrativos de sua fé inabalável,

obedecendo a uma tradição de quase três séculos de existência (NERY, 2012, p.176).

Como já foi explicado anteriormente por Frei Chico, as Irmandades do Rosário

esperam do lado de fora da Igreja e entoam o lamento negro, para que o padre abra a porta e

inicie a celebração da Missa Conga. Outro momento de fundamental importância é o

Ofertório, quando ocorre a ‘Entrega das Coroas’ e de outras peças ritualísticas, tais como o

bastão, a espada, a capa, o cetro, entre outros. E cantam na entrega: “Oh! Entregai senhor Rei

Oh!Entregai senhor Rei Oh! Entregai vossa coroa Oh! Entregai senhor rei Oh! Entregai sá

Rainha Oh! Entregai sá Rainha Oh! Entregai vossa coroa Oh! Entregai sá Rainha” (NERY,

2012, p.191). E entoam outros como: “Oh! Deus salve, Oh! Casa santa Onde Deus fez a

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morada oiá meu Deus. Onde Deus fez a morada, oiá! Onde mora o cálice bento onde mora o

cálice bento, E a hóstia consagrada, oiá, meu Deus. E a hóstia consagrada, oiá! (NERY, 2012,

p.193).

Os cortejos e procissões acontecem quando as guardas se dirigirem para algum lugar,

seja para o refeitório ou para o palácio de uma rainha, todos seguem em cortejo. No entanto,

existe um momento da Procissão, quando são levados os andores, o que acontece em

momentos diferentes, dependendo da festa, podendo ser antes ou depois da Missa. Já a ordem

de organização das Guardas, para o cortejo ou procissão, foi narrada, diferentemente, por

diversos devotos. O cortejo mais comum é aquele em que o Moçambique vem por último

conduzindo o Trono Coroado, pois foi ele quem conseguiu tirar Nossa Senhora das águas

(NERY, 2012, p.194). E cantam: “Que Santa é essa Que vem no andor? Senhora do Rosário

Mãe do Criador”. E outras canções como: “Lá vem Nossa Senhora Com sua fita voando

Quem tiver a fé com ela vem atrás acompanhando.” (NERY, 2012, p.203).

Existem muitos tipos de coroação: dos reis festeiros, do trono coroado, no dia da

festa, no ano anterior. Porém, a mais emocionante e que guarda muito do mistério do Reinado

de Nossa Senhora do Rosário, é a coroação para a herança de coroa, quando uma rainha ou rei

congo falecem e os herdeiros recebem a coroa como herança de um legado, uma função, um

papel, uma missão a ser cumprida (NERY, 2012, p. 220).

E cantam: “Recebei Vossa Rainha Coroa de Nossa Senhora, Recebei Vossa Rainha

Coroa de Nossa Senhora está coroada, está coroada a nossa Rainha agora está coroada em

nome de Deus e Nossa Senhora” (NERY, 2012, p.229).

E por fim, o encerramento oficial da festa de cada Guarda é marcado pelo

descimento das bandeiras. E cantam: “Bandeira vai descer do céu vai / Vai descer do céu

bandeira santa” (NERY, 2012, p.218).

O Congado é uma das comunicações dialógicas de grande importância dos

quilombolas para provocar na sociedade brasileira, a discussão e o diálogo sobre a

importância do negro na construção do país. Criticar a posição do negro apresentada pela

literatura de nosso país como um povo sem voz e submisso ao sistema escravista sem

nenhuma força de reação.

O congado traz sim todo sofrimento e dor dos negros sofrido na senzala em suas

indumentárias, mas traz a força da resistência reafirmando sua identidade entoada em seus

cantos de luta. Relembram e prestam homenagens a seus ancestrais escravizados, guerreiros

que desde o primeiro dia em terras brasileiras nunca se submeteram ao julgo da escravidão,

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sempre resistiram.

Hoje o congado traz na comunicação dialógica a reflexão sobre a desigualdade social

abarcada pelo preconceito presente em nossa sociedade em relação aos negros. A participação

dos negros na sociedade brasileira tem sido conquista desta resistência, a luta que perdura por

mais de 300 anos.

A comunicação exercida no congado é uma das ferramentas de luta do negro.

Oportunidade de comunicar a sociedade local sua história, memória e identidade de força e

resistência. Nas manifestações culturais da comunidade quilombola o que mais se ouve, e

repetidas vezes, é a frase: Somos capazes sim, precisamos de oportunidades!

2.7 A Festa de Nossa Senhora do Rosário em Bom Despacho e suas Cortes do Reinado

A Festa de Nossa Senhora do Rosário é realizada há mais de 150 anos em Bom

Despacho. A confraternização reúne cerca de 21 congos locais. Como é manifestação

religiosa e cultural, tem ritos católicos e cânticos folclóricos dos seus freqüentadores, por

meio das congadas. É chamado em Bom Despacho de “Cortes” (pronuncia-se “Córtes”, mas

faz referência as cortes da monarquia).49

E os participantes do Congado são chamados de

reinadeiros.

A festa tem início geralmente nos primeiros dias de agosto, por volta do dia 05. São

nove dias de preparação com confissões e missas, com a participação dos reinadeiros e

sociedade local. Após a novena segue os 4 dias da festa em devoção a Nossa Senhora do

Rosário, e o encerramento se dá por volta do dia 17 de agosto com o recolhimento das

bandeiras e descida dos mastros.50

É uma festa católica organizada pelo padre da paróquia de Nossa Senhora do

Rosário, onde as congadas são consideradas como parte do folclore regional, embora não

esteja prevista nos cânones da Igreja Católica Romana. Mas como vimos, os negros vindos da

África que pertenciam as irmandades do Rosário, trazem estas manifestações do reinado do

Congo para o Brasil, e em Minas Gerais na cidade de Bom Despacho tem representantes das

comunidades quilombolas que participam com suas cortes na festa de Nossa Senhora do

Rosário em Bom Despacho51

.

As outras cortes que desfilam na festa, são compostas por sertanejos, pequenos

agricultores e também trabalhadores do campo. Levam suas bandeiras com seus símbolos que

49

Informação fornecida pela Associação dos Reinadeiros de Bom Despacho em 16 de Junho de 2015. 50

Informação fornecida pela Associação dos Reinadeiros de Bom Despacho em 16 de Junho de 2015. 51

Informação fornecida pela Associação dos Reinadeiros de Bom Despacho em 16 de Junho de 2015.

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os representam. Eles utilizam além dos tambores, instrumentos de cordas e sanfonas, e seus

cantos são de agradecimentos e devoção a Nossa Senhora do Rosário. Diferente das cortes

Moçambique que representam os quilombolas, geralmente utilizam instrumentos de

percussão, principalmente os tambores, e os cantos entoados reverenciam os antepassados

africanos, e sempre com referência ao sofrimento da escravidão e a desigualdade social que

até nos dias de hoje perduram52

.

Nestes dias da Festa de Nossa Senhora do Rosário que duram em média nove dias de

preparação e quatro dias de cortejos das cortes, é intensa a participação da população local.

Saem às ruas para prestigiarem as cortes, doam esmolas para as cortes em forma de dinheiro e

mantimentos quando eles passam, uma tradição forte da festa. Estas esmolas são entregues a

paróquia de Nossa Senhora do Rosário.

Por se tratar da maior festa religiosa da cidade, e com intenso fluxo turístico, a

Câmara de Vereadores de Bom Despacho aprovou em 2014, o Projeto de Lei 51/2014, de

autoria do Executivo que concede subvenção aos cortes de reinado e à Associação dos

Reinadeiros de Bom Despacho. O valor do repasse é de R$ 25 mil. A proposta, inicialmente,

não iria para votação.

Porém, durante a sessão legislativa os vereadores interromperam a reunião e

decidiram inserir o texto. A proposição foi aprovada, em caráter de urgência, por

unanimidade53

.

Para o presidente da Câmara, Maurício do Ima, a aprovação do texto significa a

redução dos custos para a Associação. “É importante esta aprovação porque irá baratear o

custo dos devotos de Nossa Senhora do Rosário com os gastos da festa”, afirmou. O valor

distribuído para a Associação será dividido da seguinte maneira: R$ 21 mil para os cortes (R$

1 mil para cada um deles) e R$ 4 mil para a Associação.54

Devido a importância da festa e a participação dos quilombolas da região com suas

Cortes, a autora da pesquisa observou a Festa de Nossa Senhora do Rosário que foi realizada

do dia 12 a 17 de agosto de 2015 em Bom Despacho, a partir do término da novena.

Após o término da novena houve a visita dos Cortes aos festeiros no dia 12 de

Agosto. Os Cortes visitam os moradores de Bom Despacho em suas casas, onde são recebidos

com comes e bebes, e também é neste dia que pedem as esmolas, que são em dinheiro, para

levarem à paróquia de Nossa Senhora do Rosário, os Cortes convidam os moradores para a

52

Depoimento dado por D. Tiana em 05 de maio de 2016. 53

Informação disponível no site oficial da Câmara de Vereadores de Bom Despacho.

<http://www.camarabd.mg.gov.br/site/uploads/legislacao/00000000856.pdf>. 54

Informação disponível em: <http://www.jornalfiquesabendo.com.br/2014_08_03_archive.html>.

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festa. É grande a participação da sociedade local que abre suas portas, alguns já ficam de

portas abertas, para receberem a visita dos Cortes55

.

No dia seguinte da visita aos festeiros, dia 13 de agosto, às seis horas da manhã teve

a Alvorada na Capela Cruz do Monte, com a presença da imagem de Nossa Senhora do

Rosário e São Benedito. Entoam-se muitos cantos em louvor a Nossa Senhora do Rosário e a

São Benedito. Muito bonito o rito ao amanhecer56

. Após a Alvorada, no mesmo dia, houve a

missa de abertura à festa, às oito horas da manhã na Igreja Nossa Senhora do Rosário

realizada pelo atual padre da paróquia Cristiano Caetano Leal.

Logo após a missa de abertura teve o levantamento dos mastros das Cortes que

participaram da festa. Foi realizada uma manifestação cultural religiosa de cada Corte,

conforme sua religião. Observou-se que houveram Cortes, por exemplo, dos quilombolas que

cantaram em suas línguas nativas e dançaram em volto do Mastro com gestos que lembram os

movimentos das danças de matrizes africanas. Este ritual foi realizado na Praça do Rosário.57

No dia posterior, 14 de agosto houve a recitação do Rosário na Igreja Matriz de

Nossa Senhora do Rosário. Uma missa solene com a participação das Cortes e da sociedade

local. No dia 15 de agosto no sábado, saíram as Cortes pelas ruas de Bom Despacho. Os

cortejos saíram tocando seus instrumentos e entoando seus cânticos de louvor a Nossa

Senhora do Rosário. E foram em direção a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário. A

noite foi celebrada a Missa de Ações de Graças com a participação dos Reis e Rainhas de

Bandeiras e da Corte de Nossa Senhora.

No domingo dia 16 de agosto foi realizado pelo padre Cristiano Caetano Leal pela

manhã a Missa Conga, que tem como início de ritual a porta da Igreja fechada e os Cortes

batem na porta para o padre abrir, e entoam cantos de lamento pedindo ao padre que abra. Foi

um momento de muita emoção, e assim que as portas são abertas os Cortes entram com seus

tambores e cantos e entoam louvores a Nossa Senhora do Rosário. Assim que todos entram o

padre dá início a Missa Conga. No domingo a tarde houve o cortejo das Cortes pelas ruas de

Bom Despacho até a Praça do Rosário, para realizar as descidas dos Mastros. Mais uma vez

cada Corte fez seu ritual de danças e cantos em volta dos seus Mastros. Após o término do

ritual desceram os mastros, e assim foi encerrada a Festa de Nossa Senhora do Rosário em

55

Observação de campo realizada pela autora nos dias 12 de agosto de 2015 na Festa de Nossa Senhora do

Rosário na cidade de Bom Despacho. 56

Observação de campo realizada pela autora no dia 13 de agosto de 2015 na Festa de Nossa Senhora do Rosário

na cidade de Bom Despacho. 57

Observação de campo realizada pela autora no dia 13 de agosto de 2015 na Festa de Nossa Senhora do Rosário

na cidade de Bom Despacho.

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83

201558

.

Foi uma das melhores manifestações populares presenciadas pela autora. Houve uma

intensa troca comunicante entre a sociedade local, moradores das regiões próximas com as

comunidades representadas pelos Cortes. Foram identificados elementos de significações e re

(significações) da pluralidade de culturas como as: sertanejas, africanas e indígenas. Todos

puderam comunicar suas raízes, bem como seus lamentos em forma de canto e dança, sempre

homenageando seus ancestrais.

Porém desde 2011 a corte dos quilombolas Carrapatos da Tabatinga não participam

mais com sua Corte e a guarda capitaneada por Dona Tiana. O motivo foi uma divergência

sobre a organização da festa gerenciada pela Paróquia de Nossa Senhora do Rosário. Dona

Tiana teve uma discussão a respeito das esmolas arrecadadas durante a festa. Segunda ela59

, o

Padre Cristiano Caetano Leal da paróquia queria a doação em dinheiro e que fosse prestado

contas sobre a arrecadação. Dona Tiana queria realizar a doação em alimentos e o padre não

concordou, pois existe a Associação do Reinadeiros de Bom Despacho. Todas as cortes que

participam da Festa de Nossa Senhora do Rosário são inscritas na associação, e todas por

regra entregam esmolas em dinheiro na Paróquia.

O padre Cristiano Caetano Leal, responsável pela organização da festa de Nossa

Senhora do Rosário desde 2011, jamais proibiu a Guarda Moçambique de São Sebastião

capitaneada por Dona Tiana e seus membros, os quilombolas Carrapatos da Tabatinga, de

participarem da festa. Foi Dona Tiana que decidiu não participar mais, por não querer se filiar

a Associação dos Reinadeiros, e também entregar esmolas em dinheiro, pois queria entregar

em alimentos.

Dona Tiana hoje participa da festa de forma independente, faz o cortejo com idas a

Santa Casa, e a casa paroquial de Nossa Senhora do Bom Despacho, onde tem o padre

“Mundinho”60

como carinhosamente o chama. Dona Tiana tem imenso apreço por ele e diz

“ele é um Homem de Deus”, ela realiza seus cantos de agradecimento a Nossa Senhora do

Rosário e volta para sua comunidade61

.

A Secretária da Cultura em exercício62

reconhece que a falta da participação da

comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga na festa de Nossa Senhora do Rosário faz

58

Observação de campo realizada pela autora no dia 16 de agosto de 2015 na Festa de Nossa Senhora do Rosário

na cidade de Bom Despacho. 59

Entrevista realizada em 04 de maio de 2016 na residência de D. Tiana na cidade de Bom Despacho. 60

Padre José Raimundo da Costa da Paróquia de Nossa Senhora do Bom Despacho. 61

Depoimento dado a autora em 04 de maio de 2016. 62

Entrevista realizada em 04 de maio de 2016 na sede da Secretária da Cultura de Bom despacho com a Sra.

Tânia Maria Teixeira Nakamura e seu assistente Felipe.

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muita falta. Por meio de seus funcionários, houveram algumas tentativas de aproximação

entre Dona Tiana e o padre Cristiano Caetano Leal da paróquia de Nossa Senhora do Rosário,

mas não alcançaram muito êxito. Este ano 2016, Dona Tiana prometeu ver se ela voltará a

participar, mas confidenciou que provavelmente não. Concordo com a secretária de cultura,

Sra. Tânia Maria Teixeira Nakamura, é uma pena não ter a participação da corte da Guarda

Moçambique de São Sebastião, capitaneada por Dona Tiana, a mais velha Dandara da

comunidade quilombolas Carrapatos da Tabatinga.

Poder observar a Festa realizada em agosto de 2015 foi uma oportunidade única, pois

a Festa de Nossa Senhora do Rosário proporciona as trocas comunicantes dos quilombolas

com a sociedade local. Eles por meio das guardas desfilam como uma comunidade negra

forte, presente no exercício da sua cidadania, entoam seus cantos com suas vestes e

indumentárias com significados de resistência, homenageiam seus ancestrais africanos e

agradecem a Nossa Senhora do Rosário sua libertadora. Infelizmente os quilombolas

Carrapatos da Tabatinga não participam desde 2011, mas participam da festa de São Benedito

realizada na cidade e como cita Dona Tiana “o Santo dos negros” é a festa também, segundo

ela.

2.8 A Festa de São Benedito: a expressão comunicante dos quilombolas da Tabatinga

A festa de São Benedito ocorre no mês de abril em Bom Despacho. É uma festa

católica, onde há participação das Guardas congadeira. Foi realizada uma observação na festa

que teve início no dia 27 de março de 2016 e término em 10 de abril. Constatou-se que o rito

da celebração é muito semelhante ao da Festa de nossa Senhora do Rosário. O que difere é a

organização que é realizada pela paróquia de Nossa Senhora de Bom Despacho, que no ano

de 2016 foi conduzida pelo padre Raimundo da Costa.

No dia 27 de abril a festa inicia com a saída das cortes com suas bandeiras e mastros

em procissão pela cidade de Bom Despacho em direção a Capela de São Benedito. Há o

levantamento dos mastros das cortes participantes da Festa. Observou-se a participação da

Guarda Moçambique de São Sebastião, da comunidade dos quilombolas Carrapatos da

Tabatinga, objeto deste estudo. A forma de celebração em torno do mastro teve todo um ritual

de matrizes africanas, com cantos e danças até seu completo levantamento, após o

levantamento dos mastros foi realizada a missa pelo padre José Raimundo da Costa, mais

conhecido como padre Mundinho, abençoando a festa e a todos os participantes. Ao término

da missa todos seguem em procissão com a imagem de São Benedito, acompanhada de todos

os cortes, pelas ruas de Bom Despacho. O santo percorre vários locais abençoando as pessoas,

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e todos vão em direção a Igreja Matriz de Bom Despacho, onde o São Benedito permanecerá

até o último dia da festa e depois retorna para a Capela de São Benedito.

Ao longo da semana acontecem várias missas de devoção a São Benedito na igreja

matriz de Bom despacho, devido a presença do Santo no local. Vários devotos depositam

flores e pedidos para São Benedito.

No decorrer da semana há vários eventos e apresentações culturais na praça da

matriz de Bom Despacho. O grupo de dança da comunidade quilombolas Carrapatos da

Tabatinga se apresentou com danças de matrizes africanas. Tinha também na praça várias

barracas com comidas típicas da região. A sociedade de Bom Despacho e também de regiões

próximas participam com alegria.

No dia 10 de abril os cortes seguem em cortejo pelas ruas de Bom Despacho até a

igreja matriz para participação da Missa Conga. Houve um ritual da Guarda Moçambique de

São Sebastião em bater na porta da igreja pedindo por meio de cantos e tambores para que o

padre abrisse a porta para eles entrarem. Como na festa de Nossa Senhora do Rosário, foi um

momento emocionante ouvir as palavras de lamento e de força dos negros, e também o

momento que eles entram e dançam no ritmo das batucadas das matrizes africanas,

emocionam a todos que assistem. Após a apresentação eles sentam e assistem a missa

ministrada pelo padre. Ao término da missa teve a procissão onde as cortes acompanham a

imagem de São Benedito que deixa a igreja matriz de Bom Despacho, e retorna para a Capela

de São Benedito.

No final da tarde teve a descida dos mastros que também contou com o ritual com

cantos e danças e várias representações, que na verdade a comunidade disse que eram

agradecimentos e pedidos para São Benedito.

Na festa de São Bendito foi constatado que a Guarda Moçambique de São Sebastião

capitaneada por Dona Tiana desfilou por Bom Despacho comunicando sua identidade

quilombola e reafirmando a força do negro na história da cidade, com os sons de seus

tambores ecoando pelas ruas, entoando os cantos em louvor a São Benedito, relembrando o

sofrimento e as vitórias dos negros, bem como homenageando os ancestrais africanos. Uma

festa rica em seus significados e (re) significados. Uma história comunicada pela comunidade

quilombola, cantada e representada por eles, para a sociedade local.

Perguntei63

a Dona Tiana quem era São Benedito para ela. Com seu olhar penetrante,

que atinge até a alma da gente, bradou: “É o santo dos negros, tem todo o poder, um dos

63

Entrevista realizada em 03 de maio 2016 no quintal do terreiro de D.Tiana na cidade de Bom Despacho bairro

Ana Rosa (antiga tabatinga).

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orixás das 7 linhas64

, o que tudo vê e tudo sabe, humilde era um frei cozinheiro que trabalhava

no convento e dava comida aos pobres e necessitados. Um dia pegaram ele fazendo isso e

mandaram para a prisão, ihhh sofreu igual a gente na senzala…e acabou morrendo e virou

nosso santo, o santo dos negros”65

.

Pesquisando sobre São Benedito entendi a devoção dos negros no Brasil por ele.

Segue um breve relato sobre o “Santo dos Negros”. Segundo o Padre Aloisio Teixeira de

Souza (2014), São Benedito nasceu na Sicília, Itália, em 1526, os pais eram descendentes de

escravos vindos da Etiópia, e mais tarde libertos por seus senhores. Sua família era pobre e o

Mouro, como era chamado, foi pastor de ovelhas e lavrador.

Aos 18 anos decidiu consagrar-se ao Senhor, mas somente aos 21 anos foi chamado

por um monge para viver entre os Irmãos Eremitas de São Francisco de Assis. Professou os

votos de pobreza, obediência e castidade. Andava descalço, dormia no chão sem cobertas e

fazia muitos outros sacrifícios. Muitas pessoas o procuravam pedindo conselhos, orações e

alcançavam muitas curas (SOUZA, 2014, p.08-13). O autor Padre Teixeira de Souza (2014, p.

32) relata que depois de 17 anos, foi obrigado a se mudar para o Convento dos Capuchinhos,

onde foi escalado como cozinheiro, permanecendo humilde. Era leigo, analfabeto, mas foi

eleito por sua santidade, prudente e sábio.

Sempre que podia, São Benedito apanhava alguns alimentos do convento, metia-os

nas dobras do burel e, disfarçadamente, os levava aos necessitados. Conta-se que numa dessas

ocasiões, o santo foi surpreendido pelo superior do convento, que perguntou: "Que levas aí,

na dobra do teu manto, irmão Benedito?". E o santo respondeu: "Rosas, meu senhor!". São

Benedito desdobrou o burel franciscano e, em lugar dos alimentos suspeitados, apresentou aos

olhos pasmos do superior uma braçada de rosas (SOUZA, 2014, p. 52).

Amado de Norte a Sul do Brasil, onde o chamam "O Santinho Preto", São Benedito

morreu em 4 de abril de 1589 em Palermo, na Itália (SOUZA, 2014, p. 156). O culto de São

Benedito, um dos mais populares no Brasil, é associado aos padecimentos do negro brasileiro.

No Brasil, o santo é tradicionalmente venerado pelos negros, que relacionam o período de

64

Na umbanda uma linha ou vibração, equivale a um grande exército de espíritos que rendem obediência a um

"Chefe". Este "Chefe" representa para um Orixá e cabe a ele uma grande missão no espaço. O orixá Iorimá, São

Benedito no sincretismo, é a linha dos pretos e pretas velhas, de todas as nações. Também chamada de Linha das

Almas é composta dos primeiros espíritos que foram ordenados a combater o mal em todas as suas

manifestações. São os Orixás Velhos, verdadeiros magos que velando suas formas cármicas, revestem-se das

roupagens de Pretos Velhos ensinando e praticando as verdadeiras "mirongas". Eles são a doutrina, a filosofia, o

mestrado da magia, em fundamentos e ensinamentos. Geralmente gostam de trabalhar e consultar sentados,

fumando cachimbo, sempre numa ação de fixação e eliminação através de sua fumaça. Disponível em:

<http://www.centroespiritaurubatan.com.br/estudos/sete-linhas-de-umbanda.html> 65

Entrevista realizada pela autora em 05 de maio de 2016.

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escravidão e a origem africana do santo com o seu próprio passado de escravidão e suas raízes

africanas (SOUZA, 2014, p. 157).

A oração de São Benedito simbolicamente usa a palavra escravidão com dupla

interpretação colocando em questionamento raça e cor dos homens, e também a segregação:

São Benedito, filho de escravos, que encontrastes a verdadeira liberdade

servindo a Deus e aos irmãos, independente de raça e de cor, livrai-me de

toda a escravidão, venha ela dos homens ou dos vícios, e ajudai-me a

desalojar de meu coração toda a segregação e a reconhecer todos os homens

por meus irmãos. São Benedito, amigo de Deus e dos homens, concedei-me

a graça que vos peço do coração. Por Jesus Cristo Nosso Senhor. Amém.

(SOUZA, 2014, p. 163).

Depois da oração fiz várias reflexões. Guardarei talvez para uma outra pesquisa,

porque o objetivo central da minha dissertação é a comunicação comunitária realizada pelos

quilombolas Carrapatos da Tabatinga.

Observando a força comunicante interpessoal da comunidade Carrapatos da

Tabatinga e também como se dava a comunicação com a sociedade local, verifiquei que a

dialógica é liderada pela forte figura de Dona Tiana, que sempre diz em suas falas: “todos

precisam saber da força do negro, o negro não ajudou fez este lugar, meus antepassados não

podiam falar, mas eu posso… nós podemos então tem que falar da luta do sofrimento e da

dor”.

Esta comunicação é compartilhada por todos da comunidade, e com a sociedade

local de Bom Despacho por meio da participação realizada na Festa de São Benedito,

capitaneada também por Dona Tiana à frente, chefe da Guarda Moçambique de São Sebastião

exercendo uma comunicação dialógica, pretende provocar discussão, debate, diálogo,

colocando toda a dor e sofrimento dos negros, exaltando seus ancestrais e as matizes

africanas, ressaltando a questão da importância do negro como construtor ativo da sociedade

brasileira. E foi assim que quis saber mais quem era essa Dandara66

, como é chamada.

66

Guerreira do período colonial do Brasil, Dandara foi esposa de Zumbi, líder daquele que foi o maior quilombo

das Américas: o Quilombo dos Palmares. Com ele, Dandara teve três filhos: Motumbo, Harmódio e Aristogíton.

Valente, ela foi uma das lideranças femininas negras que lutou contra o sistema escravocrata do século XVII e

auxiliou Zumbi quanto às estratégias e planos de ataque e defesa do quilombo. Não há registros do local onde

nasceu, tampouco da sua ascendência africana. Relatos e lendas levam a crer que nasceu no Brasil e se

estabeleceu no Quilombo dos Palmares enquanto criança. Ela foi uma das provas reais de que a mulher não é um

sexo frágil. Além dos serviços domésticos, plantava, trabalhava na produção da farinha de mandioca, caçava e

lutava capoeira, além de empunhar armas e liderar as falanges femininas do exército negro palmarino. Sempre

perseguindo o ideal de liberdade, Dandara não tinha limites quando o que estava em jogo era a segurança do

quilombo e a eliminação do inimigo. Ela defendia que a paz em troca de terras no Vale do Cacau, que era a

proposta do governo português, seria um passo para a destruição da República de Palmares e a volta à

escravidão. Suicidou-se depois de presa, em seis de fevereiro de 1694, para não voltar na condição de

escravizada. Disponível em: < http://www.palmares.gov.br/?p=33387>.

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Dona Sebastiana ou Dona Tiana, é uma “Dandara Velha” (como ela se

autodenominou) de 82 anos, mas com uma disposição que nos enche de alegria e impressiona.

É filha de José Ribeiro e Maria Imaculada Ribeiro que era o grande mestre de um quilombo

que sobreviveu ao Massacre dos Macacos, em Bom Sucesso-MG, cidade onde ela nasceu.

A região de Bom Sucesso onde eles moravam ficava entre duas grandes fazendas de

poderosos latifundiários (uma história que por vezes se repete). Os fazendeiros decidiram

exterminar os negros que viviam ali e promoveram um grande massacre do qual Dona Tiana

sobreviveu porque seu tio-avô jogou (literalmente) a família dentro de um buraco na terra,

que lhe serviu de esconderijo. Quando os fazendeiros julgaram que seu extermínio estava

concluído, a família de Dona Tiana ainda estava escondida e sobreviveu de água tirada de

mandacarus, de batata (tabira) e de pequenos animais caçados na mata. Posteriormente, Dona

Tiana e seu irmão teriam seu acesso aos estudos negado pelo dono da fazenda em que eles e

seus pais trabalhavam, ainda sob um regime mais escravo do que livre.

A comunidade do Carrapato surgiu, desde o início, em um lugar marcado pela

resistência, o que também interferiu em seus rituais e em suas manifestações culturais. Essa

resistência se mostrou também na negação do papel “abolicionista” da Princesa Isabel e na

exaltação dos antepassados africanos, infelizmente mostrados apenas como “escravos” nos

livros didáticos, com nenhuma profundidade sobre a origem sociocultural daqueles sujeitos.

Se a luta pela terra é empreitada dos mais velhos, a parcela mais jovem da

comunidade é atraída pelos cantos, pelos movimentos de danças e rituais. Do samba à

capoeira e ao Moçambique, a comunidade é nutrida pelos sons de tambores e atabaques

tocados em festas que mesclam catolicismo, umbanda e espiritismo. Dona Tiana é uma

mistura de médium vidente, de devota, de Zeladora de Santo (São Sebastião ou Oxossi) e de

Capitã da Guarda de Moçambique na comunidade. Oxossi67

é o grande Orixá das florestas e

das relações entre os reinos animal e vegetal. Sebastião68

era um soldado do exército romano

67

Oxóssi é o orixá da caça e da fartura, das florestas e das relações entre o reino animal e vegetal. É representado

nas florestas caçando com seu arco e flecha. Fora”, a mata, trazer tanto a caça quanto as folhas medicinais. Além

disso, eram os caçador que localizavam os locais para onde a tribo poderia futuramente mudar-se, ou fazer uma

roça. Disponível em: http://www.raizesespirituais.com.br/orixas/oxossi/. 68

De acordo com Atos apócrifos, atribuídos a Santo Ambrósio de Milão, Sebastião era um soldado querido dos

imperadores Diocleciano e Maximiano, que o queriam sempre próximo, ignorando tratar-se de um cristão e, por

isso, o designaram capitão da sua guarda pessoal, a Guarda Pretoriana. Por volta de 286d.C, a sua conduta

branda para com os prisioneiros cristãos levou o imperador a julgá-lo sumariamente como traidor, tendo

ordenado a sua execução por meio de flechas (que se tornaram símbolo constante na sua iconografia). Foi dado

como morto e atirado no rio, porém, Sebastião não havia falecido. Encontrado e socorrido por Irene (Santa

Irene), apresentou-se novamente diante de Diocleciano, que ordenou então que ele fosse espancado até a morte.

Seu corpo foi jogado no esgoto público de Roma. Luciana (Santa Luciana, cujo dia é comemorado em 30 de

Junho) resgatou seu corpo, limpou-o, e sepultou-o nas catacumbas.

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que viveu por volta de 283 d.C, ele lutava com uma única intenção de afirmar os corações dos

cristãos enfraquecidos diante das torturas (CAMPOS, 2001), e Oxossi é São Sebastião na

umbanda.

Mãe Tiana de Oxossi, como é chamada, acredita em destino, em missão, no amor

que faz render o trabalho de uma vida inteira, na “sabedoria que vem do coração”, na dança

que traz energia ao seu corpo disposto. Dona Tiana, encanta com seu canto e com seus

batuques ritmados… numa batida que alegrou a alma! Os batuques de Dona Tiana – meio

africanos, meio brasileiros, demasiadamente sincréticos.

Pioneira e desbravadora é uma das primeiras mulheres quilombolas a ser capitã da

Guarda de Moçambique, por tradição e porque não “um certo machismo”, o posto na congada

era ocupado por homens negros. Dona Tiana começa sua luta na própria comunidade pelo seu

espaço de Dandara, quando se coloca na posição de reivindicar acesso ao posto de capitã da

Guarda de Moçambique e sair à frente da sua comunidade.

No excelente documentário “A Filha de São Sebastião”69

, ela conta de forma

simples, mas marcante como sua personalidade, que ao assumir o posto de capitã da guarda

disseram que ela não podia, pois o capitão da guarda era somente para os homens. Mais uma

vez ultrapassando o preconceito de gênero na própria comunidade, ela se torna uma das

primeiras mulheres a ocupar o posto de Capitã da Guarda de Moçambique dos quilombolas

Carrapatos da Tabatinga em Bom Despacho. Ela relata no documentário: “eles queriam me

banir porque mulher não pode comandar Moçambique não...é só de homem, comandado por

Ogum, então eu disse sou homem pode deixar!” (A FILHA DE SÃO SEBASTIÃO, 2013).

Então consegue o posto de capitã da Guarda Moçambique de São Sebastião, forma

com os outros componentes a guarda para sair na Festa de Nossa Senhora do Rosário. Mas ela

não sabia que havia vencido só a primeira luta, a segunda foi com o padre da Igreja católica

de Bom Despacho.

Ela relata o episódio de resistência ao preconceito e o impedimento de participar da

festa que sofreu há alguns anos atrás. Segundo os líderes católicos, por ser uma festa de católicos

haveria sim um impedimento canônico da comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga

que é espírita umbandista não participar da festa na época. D. Tiana trava a segunda luta.

No documentário já citado ela diz: “o Padre Ceni não queria deixar eu dançar por

causa de eu ser espírita, aí eu...fiz as farda, fiz as bandeiras, fui falar com Dom Serafim em

Belo Horizonte, falei com ele oh o que tá acontecendo é isso, isso e isso comigo, ele disse não

69

Ver Documentário “A Filha de São Sebastião”, produzido por Caturra filmes, 2013. Disponível em:

<https://caturrabrasil.com/2014/09/12/a-filha-de-sao-sebastiao-documentario>

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isso não pode, não existe lei no mundo que proíbe a pessoa reza, você tem condição de dar

comida ao seu povo na sua casa? Eu disse tenho uai! Não então eu vou dar esse documento

aqui e você vai dançar para Nossa Senhora do Rosário vai sim. Você não vai comer a comida

deles, não vai dar nenhuma despesa a eles. Foi assim que enfrentei Bom Despacho...falei fui

no Padre Ceni e falei tô descendo com meu Moçambique viu! Senhor me para pro Senhor ver.

Falei pro Padre Ceni essa festa é minha. O dia que o Senhor faz a festa do santo branco do

Senhor aí eu não venho aqui não, mas a do Rosário ih é dos negro, o negro que foge dela é

covarde, eu não sou covarde não Senhor, eu vou descer com minha bandeira com meu povo,

amanhã tô descendo. Aí mexeu comigo não. Na hora dele morrer ele mandou me chamou

para pedir perdão, ah pode ir pro inferno, porque não sou ninguém pra perdoar, não sou Deus

pra perdoar...”. E foi assim que ela resistiu com a comunidade e sai até hoje como capitã da

Guarda de Moçambique de São Sebastião.

É uma líder de extrema importância na comunidade, como pude constatar muito

respeitada pelo poder público local e pela população mais pobre. Em seu terreiro de umbanda

denominado “Terreiro de São Sebastião” atende todos dando suas bênçãos por meio de seus

caboclos de cura e força por meio de seus orixás. A comunidade quilombola Carrapatos da

Tabatinga recebe cestas básicas, conseguidas por meio de muita luta com o Governo Federal,

que atende não só a comunidade quilombola, mas outras famílias pobres da Tabatinga. D.

Tiana faz questão de atender os moradores da Tabatinga, como ela diz, mesmo que não sejam

da comunidade quilombola, pois assim ela pratica a caridade. Por essas atitudes que ela é

respeitada por todos.

No documentário (A FILHA DE SÃO SEBASTIÃO, 2013) Dona Tiana deixa claro a

lenda do início da devoção dos negros quilombolas no Brasil por Nossa Senhora do Rosário,

então cultuada e devotada a mais de 150 anos na festa que leva seu nome. O início do movimento

do Moçambique, da devoção dos negros por Nossa Senhora do Rosário foi um início de

sofrimento como relata Dona Tiana. Ela diz: “o negro Juruna caçando uma vaca perdida do

Senhor, quando ele chegou na grota, ele viu dentro do rochedo de pedra uma imagem, ai ele

voltou correndo e voltou pro Senhor: [Oh meu Senhor tem uma santa do grotão] mas o senhor

pegou e falou com ele: [Volta lá e vê se ela está lá] aí e ele voltou e ela estava lá.

Aí que o Senhor fez? Arrumou uma banda de música fez uma capela muito chic muito

bonita e mandou ir lá e pegar essa imagem, e eles foram toda a corte do Rei ih lá busca essa

imagem, eles trouxeram a imagem colocaram dentro da capela, a capela toda pintada a

ouro...e quando amanheceu o dia ele foi abrir a capela cadê a Nossa Senhora lá. Aí mandou o

Juruna lá de volta e ela estava no mesmo lugar no rochedo de pedra, aí ele voltou: [Meu

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Senhor ela está lá mesmo lugar] ele pegou e arrumou outra banda de música outra beleza da

guarda real e mandou buscar colocou ela dentro da capela e pôs os guarda vigiando em roda

da igreja achando que era os negros que tinham roubado, aí fechou tudo e fico os guarda.

Quando amanheceu o dia e eles abriram a capela cadê ela? Voltou ela tava no mesmo lugar.

Aí Juruna o nego véio, chegou perto do Senhor e ajueiô nos pés dele [Oh meu Senhor deixa

nois ih lá e buscar nossa mãe porque essa aí veio pra nus salvar] aí o Senhor disse pra ele

[Que isso! Mandei essa riqueza toda ih lá buscar, agora oceis negro de pé no chão, nessa

sujeira é que ela vai acompanhar oceis?] aí ele falou [ah Senho quem sabe...] aí foi Pai

Joaquim, Pai João do Congo, Pai João do Moçambique, Pai Carrero, Vovó Capina, a Vovó

Conga, e o nego Juruna subiu cantando no meio da mata. Nesse subi cantando no meio da

mata quando chegou de frente a ela eles joeraram e começou cantar pra ela, aí ela veio

frutuando, eles não pois a mão nela, aí quando eles veio cantando: [nóis veio busca a Senhora

porque a Senhora veio pra nus salva] ela veio frutuando atrás deles e ficou lá na capela. Não

foi preciso fechar a porta, não foi preciso fechar nada... e o que o Senhor fez? Aí ele já

converteu...viu que os negro tinha poder, que os negro tinha força. Aí já tirou aquela senzala,

aquela judiação toda, mandou destruir tudo o que era sofrimento de negro, entendeu? Aí ele

viveu um tempo feliz.Aí que o Juruna fez? Não tinha instrumento, não tinha nada, ele pegou

um pedacinho de madeira, e foi cortando nela e foi cortando e transformando numa coroa, aí

os outros pegaram as latinha véia e as coisa, eles colocaram dentro dessas gunga grão de café

que eles colocaram e fizeram aqueles instrumento tudo artesanal tudo a mão aí formou o

Moçambique de Nossa Senhora do Rosário” (A FILHA DE SÃO SEBASTIÃO, 2013).

Dona Tiana, no documentário já citado, explica as vestes, os instrumentos e as

indumentárias e seus significados utilizados na Guarda para sair no Congado: “tem o turbante

que é sinal representação de humildade porque quando o escravo ia perto do Senhor tinha que

tá com a cabeça coberta com humildade pra chegar perto do Senhor, hoje nóis usa o turbante

em louvor a Nossa Senhora do Rosário para abençoar nossas cabeça. E o Rosário, os rosário

hoje tá no lugar das corrente né...as corrente maldita que era no nosso corpo, e hoje nóis usa

os rosário em agradecimento a Nossa Senhora do Rosário também, e as gungas é

agradecimento também, porque isso aqui era usado nos negro para não fugir, porque se o

negro corresse ia faze barunho né, o capataz saia e sabia pra onde ele tava indo

entendeu?...então tudo tem um significado de dor, sofrimento e perseguição...o que que é

gunga, patagongo, meia lua, reco-reco e gogó bom e caixeiro bom. Não pode ter sanfona, não

pode ter cavaquinho e não pode ter violão e nem pandeiro. E as vestes também, tem que ter o

saiote, seu turbantinho e a toalha, a toalha representa libertação, que eles enxugavam o sangue

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no algodão né, agora a toalha nóis usa para enxugar nosso suor de tanto nóis dança pra Nossa

Senhora”.

E assim o Congado da Guarda de São Sebastião de Moçambique de Bom Despacho,

à frente com sua capitã Dona Tiana, composto pela comunidade quilombola Carrapatos da

Tabatinga canta: “Oh Mãe querida / Oh mãe amada / Oh Mãe querida / Oh Mãe amada /Quem

tem Mãe tem tudo / Quem não tem Mãe não tem nada” (A FILHA DE SÃO SEBASTIÃO,

2013).

A aceitação por parte da Igreja Católica de Bom Despacho até hoje não é unânime

quanto à participação da comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga, representada pela

Guarda Moçambique de São Sebastião na festa, pelo fato de alguns padres da cidade acharem

que é uma festa católica e a comunidade é espírita umbandista.

Dona Tiana no documentário relata essa não aceitação, ela diz: “eles achavam difícil

eu ser espírita e frequentar a igreja e reza né, acha que gente espírita não reza, quanto mais

espírita, mais tem que rezar, tem que ter força para benzer curar, porque os preto véio cura,

tem curado, cura, os preto véio cura. Quando cheguei nesse Bom Despacho era uma miséria,

era sofrimento de tudo quanto é tipo, entendeu” (A FILHA DE SÃO SEBASTIÃO, 2013).

Ao entrevistar um dos padres da Paróquia de Nossa Senhora do Bom Despacho, não

citarei o nome, pois não foi autorizado, realmente constatei que não há muita aceitação da

comunidade quilombola, por parte da comunidade católica de Bom Despacho. Na breve

entrevista o padre chegou a relatar que a comunidade católica tem medo das “macumbas”

realizadas pela comunidade quilombola no terreiro de umbanda de Dona Tiana, e disse que a

festa de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário são festas católicas, e que não aceitam o

sincretismo.

Na observação participante realizada nas festas não posso afirmar que constatei

sincretismos nos rituais do Congado, o que notei foi uma convivência religiosa cultural, de

expressões de matrizes diferentes numa celebração, a uma entidade de devoção em comum,

ora Nossa Senhora do Rosário, ora São Benedito. Compartilho com a reflexão do autor

Jeremias Brasileiro (2012, p. 56) que em sua obra o tema de estudo é o Congado, ele diz:

O meu entendimento em relação ao Congado está centrado numa coexistência cultural religiosa em que podem existir situações toleráveis ou não, dependendo dos personagens que em determinado momento histórico estejam à frente das celebrações. Isto envolve comportamentos distintos em atuação num mesmo cenário de celebrações dos rituais do Congado [...] Assim, opto por utilizar no contexto do Congado a categoria de coexistência cultural religiosa quando trato de situações que envolvem o uso de símbolos ou comportamentos de religiosidades de matriz africana junto àquelas utilizadas pelo catolicismo popular.

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Ficou claro nas manifestações do Congado que não há uma fusão de diferentes cultos

ou doutrinas religiosas, com reinterpretação de seus elementos, como é a definição de

sincretismo (FERREIRA, 1986, p.1589). Há uma convivência somente nos dias de festas de

duas matrizes religiosas e culturais de expressões diferentes cultuando os mesmos sujeitos:

Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Assim que as festas acabam a coexistência cultural

religiosa termina também, sinal que não houve fusão e sim coexistência temporária. Vale

lembrar que a reflexão é sobre se há ou não sincretismos nas manifestações do Congado, e

não se a religião católica e a de matriz africana são sincréticas.

Retomando a questão do impedimento dos negros frequentarem a Igreja católica, a única

coisa que mudou foi o fator motivador, antes era porque eram escravos na época colonial, hoje

por serem espíritas. Comportamentos que persistem desde o tempo Brasil colônia.

E hoje como um símbolo de resistência, observou-seque no dia da celebração da

Missa Conga, a atitude da Guarda Moçambique de São Sebastião de bater na porta da Igreja e

cantar para que o padre abra para que eles possam entrar, é uma constatação de que a porta,

ainda nos dias de hoje, em pleno século XXI não está aberta para a comunidade quilombola

de Bom Despacho.

O padre abre a porta sim, mas somente depois do pedido de permissão para a Igreja

Nossa Senhora do Bom Despacho, e assim a Guarda de Moçambique de São Sebastião entra

com seus tambores, gungas e indumentárias e cantam seus lamentos e agradecimento para São

Benedito.

A manifestação da coroação do Rei e da Rainha do Congo é a mais esperada, eles

são escolhidos com muito critério pela comunidade quilombola, como dizem:

O Rei e a Rainha é coisa muito boa né, são os que comanda mesmo a Corte,

é coisa fina rei e rainha não pode ser qualquer pessoa, qualquer um não... o

rei e a rainha tem que ter muita responsabilidade e comanda essa Nação

como diz o ditado, são os comandantes (A FILHA DE SÃO SEBASTIÃO,

2013).

A autora se inseriu na festa de São Benedito em abril de 2016, e constatou o

Congado da Guarda Moçambique de São Sebastião, com sua capitã à frente - Dona Tiana -, e

os membros da comunidade dos quilombolas Carrapatos da Tabatinga, saindo pelas ruas da

cidade de Bom Despacho, aos olhos de toda sociedade local, com sua guarda para

homenagear e expressar toda devoção para o santo dos negros: São Sebastião. Observou-se os

seus tambores, cantos e gungas ecoarem para a sociedade local todo sofrimento dos

antepassados africanos escravizados, mas também a luta pelos territórios quilombolas, a

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resistência da comunidade contra a desigualdade social abarcado pelo preconceito racial em

Bom Despacho.

Pode-se dizer que foi um dos poucos momentos que a sociedade local ouve a voz da

Tabatinga entoada por meio dos seus cantos com palavras de agradecimentos, mas com o tom

de luta e resistência contra o preconceito. Afirma-se que o congado para a comunidade

quilombola dos Carrapatos da Tabatinga é a força comunicante entre a sociedade local de

Bom Despacho. Eles cantam a liberdade e dançam festejando seu lugar na sociedade local,

não deixando que ninguém esqueça a força do negro na cidade, reafirmados pela sua

identidade e memória.

Compreendeu-se a manifestação do Congado sob dois aspectos. O primeiro vem das

primeiras manifestações realizadas pelos negros escravizados que aqui chegaram. Presentes

numa outra terra, escravizados, sob outros contextos, ritualizar e constituir uma representação

por meio da dança, do ritmo, do canto, a respeito de outro tempo que se encontra na memória,

um tempo de reinos e reis que se transformam em reinados, com seus súditos, toda a corte a

relembrar um estado, uma cultura, um povo, um sistema de valores sociais, políticos,

religiosos, reconfigurados por uma necessidade de permanência ancestral, foram importantes

para a recriação de novas identidades.

Essas identidades foram necessárias porque também os povos não eram homogêneos

quando reunidos sob o sistema de escravidão, o que os forçava a interagir a partir de novas

configurações e num ambiente estranho, fazendo com que tivessem de se adaptar a outras

realidades que, para Stuart Hall (1998, p. 324-325) são “as condições de lugar, apropriações,

reapropriações, rearticulações, novos contextos que impõem outras necessidades de

construções de repertórios negros”.

O outro aspecto observado foi no campo das significações retratadas nas canções e

em suas indumentárias, como a toalha branca que (re) significada representa o algodão que os

escravos passavam na testa muitas vezes para limpar o sangue das torturas, hoje como cita

Dona Tiana é para limpar o suor de tanto dançar em agradecimento pela liberdade e devoção à

Nossa Senhora do Rosário. Um símbolo que fora de dor e sofrimento na época da escravidão,

hoje é um símbolo de celebração.

No campo das significações Glaura Lucas (2002) considera que o Congado perpassa

por um conjunto de valores que, reelaborados durante muito tempo, terminaram por

manifestar-se em várias condutas simbólicas e religiosas caracterizadas ainda por uma

vivência junto ao catolicismo.

Para a autora (LUCAS, 2002) o universo cultural e musical do congadeiro ultrapassa

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o senso comum de muitos críticos, que nesses repertórios diagnosticam canções folclóricas ou

somente cantos de religião em homenagem aos santos de devoção. Nesse aspecto, o estudo

etnomusicológico do Congado desenvolvido por Lucas (2002) traz a lume novas

possibilidades de olhar a produção musical dos congadeiros. De acordo com a autora, é

possível compreender a musicalidade como uma intercomunicação de tempos e que a “música

congadeira apresenta uma complexa teia de significados em sua estrutura e em seus processos

de produção”, concluindo que muitos versos são ricos em metáforas, que demonstram “um

recurso criativo que remonta aos tempos da escravidão, utilizado para proteger a essência dos

conteúdos religiosos e promover a comunicação interna” (LUCAS, 2006, p. 32).

Já Leda Martins (2000) busca uma reflexão sobre o Congado envolvendo tempo e

memória. No entendimento da autora (2000, p.70), o Congado testemunha a sua permanência

como prova de que o esquecimento é incompleto, a matriz africana permanece viva nos

afrodescendentes, pois sua genealogia performática é capaz de restituir ao sujeito, pelo uso do

corpo, declarar as muitas matrizes da cultura brasileira.

E assim vi no desfile da Guarda de São Sebastião produzida pelos quilombolas

Carrapatos da Tabatinga, o uso do corpo presente na dança traz os movimentos que presenciei

no Terreiro de Umbanda da comunidade, o Terreiro de São Sebastião com o comando da mãe

de Santo Dona Tiana. E Jeremias Brasileiro cita em sua obra que estuda com maior amplitude

o Congado:

No ritmo dos moçambiqueiros essa linguagem corporal que menciono fica

mais evidente quando recriam com os movimentos não só uma memória de

antepassados, mas imprimem certas gestualidades comuns que se realizam

em outros rituais afrodescendentes, como no caso de terreiros de Umbanda.

O rodopiar do corpo com a mão esquerda nos dorsos e do tronco à cintura

curvilineamente abaixado numa posição de horizontalidade é o ápice desta

corporalidade ritual ou de ritual corpóreo impregnado em personagens que

na maioria das vezes têm acesso ou fazem parte dos ritos de religiosidade de

matriz africana” (BRASILEIRO, 2012, p.52).

Outra expressiva rede de sentidos que se percebe no Congado é a partir dos adereços,

indumentárias e objetos etnicoculturais. Uns como os tambores, trazem mensagens inscritas

nas peles ou nos seus envoltórios, nos adereços se vê – como ocorre nas partes superiores dos

ojás (bonés) - figuras de orixás ou de caboclos, de santos, de igrejas, perfilados nas abas dos

chapéus, e no couro cabeludo desfilam desenhos das mais variadas formas, como a de uma

estrela simbolizando o nome de um grupo, ou cabelos pintados com as cores do grupo. Leda

Martins (2000, p.75) cita em sua obra:

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Em África, um dos modos da escrita do corpo está na utilização de conchas,

sementes, opelês e outros objetos côncavos, em tamanhos e cores diferentes

e significantes, para a feitura de colares, pulseiras e outros adornos que

escrevem o sujeito [...] As contas, sementes e conchas funcionam como

morfemas formando palavras, palavras formando frases e frases compondo

textos, o que faz da superfície corporal, literalmente, texto, e do sujeito,

signo, intérprete e interpretante, simultaneamente.

E assim foi observado no desfile da Guarda de São Sebastião, na festa de São

Benedito, produzida pelos quilombolas Carrapatos da Tabatinga o uso do corpo com

indumentárias: colares de contas e pulseiras. A dança traz os movimentos do Terreiro

umbandista de São Sebastião comandado pela mãe de Santo Dona Tiana e os membros da

comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga.

Esta força identitária comunicante com a sociedade local é explicita na festa de São

Benedito, onde há grande participação da população. A passagem da Guarda Moçambique de

São Sebastião é festejada com acenos dos populares e recheada de aplausos.

Neste momento é notado um certo reconhecimento da existência da comunidade

quilombola como participe da sociedade local. E a importância é grande para a comunidade

quilombola, pois numa festa católica podem comunicar suas matizes das religiões africanas,

numa sociedade em sua maioria católica branca, onde há diferenças de religião, raça e credo,

afirmando a presença do negro da sociedade local, desfilando com seus símbolos de

resistência contra a escravidão um dia vivida, e hoje se resignifica na luta contra a

desigualdade social abarcada pelo preconceito racial, e é o momento que se colocam na

posição de participes da sociedade. Colocam suas diferenças raciais de matizes africanas em

evidência para que a identidade quilombola seja comunicada a todo sociedade local,

posicionando a comunidade como sujeito social. Como diz a autora Kathryn Woodward:

A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos (WOODWARD apud SILVA, 2000, p. 17).

Uma análise mais apurada sobre a participação dos quilombolas Carrapatos da

Tabatinga na festa de São Benedito é a comunicação da identidade que é construída simbólica

e socialmente. Simbolicamente pode ser percebida a partir dos valores expressos nas

indumentárias, danças e cantos enfim toda expressão cultural da Guarda Moçambique de São

Sebastião capitaneada por Dona Tiana – evocado numa narrativa ilustrativa do festejo.

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Socialmente, seria de muita riqueza para o entendimento desse aspecto a revisão de

Halbwachs (2006) em “A memória coletiva” o grupo social é apresentado como referência

essencial à memória, história, tempo e espaço – que também são noções que remetem à

compreensão da identidade. Sinteticamente, pode-se dizer que a representação é o meio pelo

qual o grupo cria símbolos que significa e que dá sentido à experiência humana.

Assim a maior expressão comunicacional com a sociedade local não é realizada por

nenhum meio de comunicação – rádio, TV - e sim com as indumentárias, cantos e danças na

procissão da festa de São Benedito, o santo dos negros como diz Dona Tiana, em Bom

Despacho. É a palavra dita em forma de cantos e lamentos, mas um som com tom de luta e

resistência. Como diz Dona Tiana: “Sou descendente de escravo, mas não sou escrava de

ninguém não! Vai pro meio do inferno!”

Destaca-se a identificação de alguns pontos relevantes da comunicação dialogada

grupal da comunidade na Festa de São Benedito com a sociedade local:

a) Comunicam de forma emocionante a importância de seus ancestrais escravos

educando a sociedade local para a reflexão do sofrimento do negro, e o que traz a

falta de liberdade: dor e tristeza;

b) Participam de uma festa de origem católica, e exibem ritos pertencentes as

matrizes africanas com os gestuais, cantos, ritmos e danças que são praticados na

umbanda. Observou-se que este processo de comunicação possibilita educar a

sociedade local para a tolerância religiosa e o respeito a diferença cultural;

c) Comunicam com o próprio corpo e por meio de suas indumentárias os significados

e (re) significados das lutas vividas, e da condição de vida do povo quilombola. Na

festa cantam e dançam as vitórias conquistadas e as que poderão alcançar. E esta

comunicação se dá face a face com a sociedade local nas ruas de Bom Despacho.

2.9 Canjerê: 1º Festival da Cultura Quilombola do Estado de Minas Gerais

No decorrer da pesquisa no mês de outubro de 2015 fui comunicada pela Sandra

Andrade, membro da comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga, a participação da

comunidade no evento Canjerê - 1º Festival de Cultura Quilombola do Estado de Minas Gerais de

06 a 08 de novembro de 2015, em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, na FUNARTE. A

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Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais – N´Golo convocou

para o evento todas as comunidades quilombolas mineiras e também comunidades indígenas.

A autora da pesquisa decidiu realizar uma observação participante no evento, pois é

relevante para a investigação, uma oportunidade para ver os processos de comunicação da

comunidade com a sociedade da capital mineira, espectro maior em relação à sociedade local

de Bom Despacho. Também observar como seria a tratativa dos meios de comunicação em

relação ao evento: noticiários, informações e a relevância do evento para a sociedade.

Ao longo dos três dias, o público conferiu a feira de artesanato, produtos agrícolas e

da culinária quilombola, apresentações de grupos culturais, shows com artistas reconhecidos

da música afro-mineira, debates, oficinas e cortejo das Guardas dos Congados das

comunidades quilombolas de todo o Estado de Minas Gerais.

O festival foi belíssimo. Presenciou-se o povo quilombola e indígena desfilando em

cortejo comunicando toda sua cultura e homenageando seus ancestrais pelas ruas de Belo

Horizonte com a presença em massa da sociedade de Belo Horizonte aplaudindo e

reverenciando a cultura das comunidades.

Dona Tiana, discursou por alguns minutos no evento declarando a importância da

identidade quilombola, suas demandas sociais, inclusive ressaltando a diferença social

abarcada pelo preconceito que o negro sofre nos dias atuais. Convocou as comunidades à

resistir, que é o momento é para lutar pelos direitos do povo negro e indígena no Brasil.

Destaca-se os seguintes pontos relevantes do Festival Canjerê:

a) Durante o período da tarde houveram oficinas na Funarte MG, momento em que a

comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga pode participar por meio de

plenárias dialogadas com a sociedade (professores, doutores, universitários e

população) sobre a regularização dos territórios quilombolas e as políticas públicas

referente ao tema e tendo como representante a Sandra Andrade, membro da

comunidade. Foi discutido também a desigualdade social abarcada pelo preconceito

racial vivido pelas comunidades nas sociedades locais. Colocaram a dificuldade por

serem minoria com o poder público municipal em avançar nas conquistas das suas

demandas sociais como: infraestrutura básica para as comunidades, escolas, postos

de saúde e oportunidades de empregos, principalmente no comércio local onde é

claro para eles a preferência por brancos, e muitas vezes são as únicas

oportunidades pois, não há parques industriais nas cidades.

b)

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b) A identidade quilombola comunicada pela interlocutora Dona Tiana, levando o

saber e educando os participantes na cultura quilombola por meio dos saberes

resultado das experiências vivenciadas de seus ancestrais;

c) Observou-se que este evento gerou notícias nos meios de comunicação, mas em

sua maioria com a atenção para a questão folclórica da cultura quilombola com

pequenas reportagens na grande imprensa, infelizmente.

Nas oficinas que ocorreram no período da tarde no dia 06/11/2015 na FUNART

foram realizadas plenárias dialogadas, onde a comunidade quilombola da Tabatinga pode

falar de sua identidade. Estavam presentes professores, doutores, estudantes universitários e

líderes de comunidades quilombolas e indígenas. Houve a discussão por meio do diálogo

sobre as questões da regularização de territórios quilombolas e os progressos das políticas

públicas sobre o tema.

Foram colocadas de formas claras as demandas sociais que ultrapassam a questão do

território. A questão da desigualdade social abarcada pelo preconceito racial foi também tema

de discussão.

As comunidades expressaram, na plenária dialogada das oficinas, que é nítido na

sociedade mineira (e nacional também) a forte rejeição sobre a questão da participação do

negro como cidadão nas regiões mais afastadas dos grandes centros do Estado de Minas

Gerais, em cidades pequenas como Bom Despacho, onde a representativa das comunidades é

pequena, e assim invisível para o poder público, principalmente na esfera municipal.

Relataram a dificuldade de conseguir progressos com políticas públicas a esfera municipal

para suas comunidades.

Declararam também o preconceito das sociedades locais, principalmente nas

oportunidades de emprego pela preferência pelas pessoas brancas, por exemplo, nos

comércios locais, que muitas vezes são as únicas oportunidades existentes nas cidades, pois

muitas não possuem parques industriais. Foram colocadas algumas propostas como marchas

locais para reivindicar as demandas sociais, e reafirmaram a necessidade do povo quilombolas

não desistir da luta e sim resistir ao modelo social imposto.

Percebeu-se também uma pista sobre o que encontraria na sociedade de Bom

Despacho em relação a participação cidadã da comunidade Quilombola Carrapatos da

Tabatinga na sociedade local, um dos objetivos da presente pesquisa.

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3 A práxis da comunicação comunitária para além dos meios

A observação da pesquisa em campo trouxe a percepção de uma prática

comunicacional da comunidade dos quilombolas Carrapatos da Tabatinga que está associada

a construção de um conhecimento sobre sua identidade, memória e história. Esse

conhecimento é partilhado, discutido de forma democrática nas reuniões da Associação

fazendo com todos se beneficiem de forma coletiva do conhecimento.

É perceptível o resultado do fortalecimento da identidade quilombola por meio desse

diálogo, há uma intensa organização do movimento social dos Carrapatos da Tabatinga sobre

o consenso e a consciência das demandas sociais pelas quais a comunidade luta. O

engajamento de seus membros vem por meio desta educação não formal, que é transmitida

principalmente pelas diretrizes de sua líder maior comunitária Dona Tiana. Traz em sua

comunicação dialógica a provocação de ressaltar que são descentes de escravos, mas não mais

escravos. A luta existe, mas traz à lembrança a força do negro nas conquistas já obtidas, uma

delas que hoje podem falar, enfim se comunicar, então o façam. É uma fala de uma

comunicação libertadora. Em uma de suas falas Dona Tiana diz: “Não ajudamos a construir o

Brasil, nós fizemos e somos parte do Brasil, tudo isso está aí é por causa do negro!”.

A educação informal comunicada por Dona Tiana traz à tona a discussão de ser

sujeito da própria história. Paulo Freire em sua obra diz: “A vocação do homem [leia-se: e da

mulher] é a de ser sujeito. [...] Para ser válida, a educação deve considerar a vocação

ontológica do homem – vocação de ser sujeito – e as condições em que ele vive: em tal lugar

exato, em tal momento, em tal contexto” (FREIRE, 1979, p.34). Propõe se colocar como

protagonista na construção do Brasil, e trazer ao conhecimento dos membros da comunidade a

luz da cidadania. A comunicação de Dona Tiana resgata o negro de uma posição de objeto,

coisificado no sistema escravista, para uma posição de cidadão. A comunidade hoje tem a

práxis de discutir e criticar o modelo do contexto que vive, rever seus direitos e deveres.

Pela observação constatou-se que a comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga

se mobiliza por meio de ações: culturais, palestras, participações em Universidades, a fim de

promover, comunicar suas demandas sociais.

São movidos por essa educação informal proporcionada pela comunicação dialógica

de sua liderança que em reuniões discutem sobre a não acomodação e submissão do negro,

mas sim a persistência nas atitudes de resistência e crítica ao modelo social vigente

preconceituoso e racista, e lutar pelos direitos de reaver os territórios quilombolas, entre

outras demandas sociais que são discutidas nas reuniões. O diálogo participativo e

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horizontalizado é a base da comunidade dos Carrapatos da Tabatinga. Todas as ações que a

comunidade pretende e se propõe a realizar é discutido e dialogado com o grupo. Uma vez

inserida nas dinâmicas cotidianas e de mobilização, como diálogo e intercâmbio de saberes,

se misturam formas de comunicação como a “coordenação de ações”, segundo entendimento

de Jorge González (2012).

Peruzzo (2015) faz reflexão no seu artigo sobre estudo das manifestações da

comunicação popular e comunitária em práticas organizativas de movimentos populares no

Brasil, e diz que há uma comunicação comunitária, baseado no diálogo, além dos meios

tecnológicos de transmissão:

Todos os assuntos que envolvem as comunidades são discutidos, tudo é

dialogado e combinado no coletivo. Ao fazer parte desse processo, a

comunicação popular incorporou o princípio do diálogo, ao se valer da

comunicação interpessoal e grupal, ao instituir a horizontalidade, ao

transformar receptores em emissores-receptores e ultrapassar a ideia de que

existe comunicação apenas quando ela se dá por intermédio de artefatos

tecnológicos (PERUZZO, 2015, p.10).

A comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga em seus processos

comunicacionais com a sociedade local, apresentou a utilização da comunicação dialógica.

Constatou-se nas manifestações comunicacionais da comunidade com a sociedade local, o uso

da história oral, por vezes em forma de canto e dança, para deixar público suas demandas

sociais. Essa troca comunicacional se dá face a face perante toda a sociedade de Bom

Despacho.

Como foi relatado anteriormente, os conteúdos dos versos cantados são permeados

de memórias de dor e sofrimento, homenagens aos antepassados africanos, exaltação a

identidade de matrizes africanas, bem como a força da resistência do negro ao modelo social

excludente e preconceituoso. Provoca na sociedade local a reflexão sobre a condição e a

presença do negro quilombola em Bom Despacho. Mais uma vez não há utilização de meios

de comunicação tecnológicos, a troca comunicante é realizada pelo Sujeito da história contada

e cantada, pela própria comunidade.

Por meio da práxis do diálogo na comunicação nas reuniões promovidas pela

Associação dos Quilombolas Carrapatos, com participação ativa de seus membros,

organizados desde 2006, foi constatado o desenvolvimento de um pensamento crítico da

comunidade em relação à percepção da identidade do negro quilombola, seus direitos e

deveres como Sujeito da sociedade, e a importância do exercício da cidadania.

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102

Há conhecimento por meio da educação informal, fruto da práxis da comunicação

dialogada, que resulta para os membros da comunidade Carrapatos da Tabatinga um grau de

compreensão do seu entorno, despertando o engajamento mobilizador para ações coletivas

com objetivos comuns: o de transformar sua realidade social.

Hoje é percebida e necessita ser melhorada, como as comunicadas por eles: a

desigualdade abarcada pelo preconceito racial, os direitos garantidos por Lei não serem de

fato usufruídos pela comunidade, por exemplo o direito a territoriedade, entre outras

demandas sociais a serem conquistadas.

A comunidade tem plena consciência da importância da comunicação com poder

público, para reivindicar muitas vezes que se faça cumprir leis já existentes para o

desenvolvimento da comunidade. Inclusive em entrevista70

com Sandra Andrade, membro da

comunidade que faz parte da liderança e é uma das interlocutoras junto aos poderes públicos,

chegou a citar que o engajamento trouxe para ela a necessidade de ter que se comunicar, que

no início ela pensou: “Nossa mais não sei falar direito, bonito, mas quer saber vou falar do

meu jeito, com minha própria voz as necessidades da comunidade, do meu povo”. E ela

comentou na entrevista, que assim foi no começo, não se sentia capaz, mas o exercício da

comunicação trouxe que é possível sim falar, e que esta comunicação gerou muitos progressos

nas conquistas para a comunidade. Observou-se que neste exemplo é nítido o empoderamento

da comunicação. Como diz Peruzzo (2015, p.15):

Ao se engajar no processo de comunicação, a pessoa se desenvolve e ajuda a

desenvolver a comunidade. Aprende a compreender o seu entorno. Do

relacionamento com o poder público municipal compreende o

funcionamento do poder. Aprende a falar em público. Desenvolve a

autoestima. Aprende a se relacionar em grupo. Apreende as possibilidades

de manipulação da mídia. Aprende sobre o poder da mídia e assim por

diante. Do ponto de vista coletivo, há melhoria nas condições de vida, no

desenvolvimento do conhecimento e do poder popular, aspectos que se

somam ao próprio desenvolvimento comunitário.

Esse processo se verifica também na comunidade dos quilombolas Carrapatos da

Tabatinga, pois esta desenvolveu a práxis da comunicação por meio do diálogo também com

o poder público.

70

Entrevista realizada pela autora em 09 de outubro de 2015.

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103

Há participação da comunidade em sessões da Câmara Municipal para discussões de

projetos para a comunidade. Dona Tiana fora algumas vezes homenageada pela Câmara

Municipal de bom Despacho, e aproveitou este momento para dialogar com os políticos da

casa, sobre as questões da comunidade. A comunicação comunitária não ocorre somente por

intermédio de aparatos tecnológicos. Conforme Peruzzo (2015, p.10):

O que há nela é uma comunicação entre pessoas do próprio lugar, uma

comunicação humana dialógica segundo a concepção de Freire, mas vai

mais além [v] ao concretizar uma comunicação também entre estas pessoas e

suas organizações representativas e congêneres, com o poder público, e na

sociedade. Ela se realiza basicamente pela expressão oral, a comunicação

face a face.

A Sandra Andrade, membro da comunidade e também Presidente da Associação dos

Quilombolas do Estado de Minas Gerais também utiliza diálogo com o poder público na

esfera Estadual e Federal para colocar as demandas sociais junto ao Ministério da Educação e

INCRA. Discute e critica o poder público em relação à morosidade da viabilidade dos

territórios quilombolas, bem como as políticas públicas de ensino para as comunidades

quilombolas, principalmente as rurais. Sempre presente em Brasília participa das audiências

públicas relacionadas às comunidades quilombolas. Já obteve algumas vitórias, mas chegou a

confessar que se não fosse a força contagiante de sua mãe, Dona Tiana, ela já teria desistido.

A autora por meio de acompanhamento das redes sociais da comunidade traz para

exemplificar o grau de compreensão do entorno dos membros da comunidade a publicação de

post do Facebook em 02 de maio de 2016, dia da posse de um membro da comunidade

Quilombola Carrapatos da Tabatinga como Presidente Jovem da Câmara Municipal de Bom

Despacho, ela relatou na sua rede social a seguinte mensagem71

:

“Hoje 02/05/2016 é um dia muito importante pra juventude negra sabe pq o

#Brasil é muito racista principalmente em Bom Despacho onde o racismo

vale mais que a qualidade e o caráter das pessoas, mais pra mim a palavra

racismo nunca existiu pq o que eu quero eu consigo i não é atoa que eu tô

aqui onde eu estou hoje. Primeiramente agradeço a Deus e aos meus

familiares que estão sempre mim apoiando e principalmente a quem mim,

pois aqui a juventude escolar, espero fazer um bom mandato como

presidente jovem da câmara municipal de Bom Despacho: e também como a

1 mulher negra dessa casa como presidente, com a participativo onde

apresentaremos projetos de desenvolvimento com geração de renda, lazer e

cultura para a juventude bom-despachense independente de raça, religião ou

credo e sempre valorizando os saberes tradicional da nossa população... “.

71

Disponível em: <https://www.facebook.com/dardara.eliza.5>

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Pode-se observar no discurso da jovem a educação informal dialogada originada na

comunidade dos quilombolas Carrapatos da Tabatinga, a qual está jovem pertence desde o

nascimento. A percepção do entorno onde vive, bem como a condição de gênero e sua

resistência e persistência em alcançar “tudo o que quer” apesar do racismo, estão presentes

nas suas palavras.

A transformação em sujeito crítico pela comunicação dialogada praticada na

comunidade, resulta em ação na busca da transformação de uma realidade social percebida em

seu entorno. O Sujeito crítico, membro da comunidade luta pelas conquistas coletivas. E a

comunidade se move, por meio do engajamento coletivo, em busca das conquistas de suas

demandas sociais.

3.1 A participação da comunidade nos meios de comunicação de Bom Despacho

A comunidade tem acesso e algumas participações na rádio Difusora Bom

Despachense AM 1540. Uma das emissoras mais antigas da região, tem uma programação

voltada para cultura, informação, esportes, prestação de serviços e entretenimento.

Embora a sua fundação remonte a 1948, só entrou no ar em 30 de abril de 1950

ainda em precárias condições, inicialmente na Rua Flávio Cançado Filho com Rua Capivari,

ao lado do antigo Hotel Xavier.72

Funcionou por cinco anos e depois foi desativada, só reabrindo no ano de 1965,

quando houve alteração de sociedade anônima para limitada, com atividades comerciais.

Nesta segunda fase, entrou no ar dia 18 de setembro de 1965, funcionando com apenas 100

watts. Algum tempo depois passou para 250 watts e em 1986 atingiu os 1000 watts. Nos dias

atuais, a potência é de 2500 watts.

Hoje a rádio é localizada na Rua Dr. José Gonçalves nº 17 no centro de Bom

Despacho, Minas Gerais. A rádio alcança cidades próximas como Araújos, Dores do Indaiá,

Leandro Ferreira, Luz, Martinho Campos, Moema, Nova Serrana, Perdigão, Pitangui, Santo

Antônio do Monte e demais povoados da região.73

A comunidade dos quilombolas Carrapatos da Tabatinga, por meio de entrevista74

,

relataram que tem acesso a rádio para realizar anúncios dos eventos que irão realizar na

cidade e adjacências. Dona Tiana é convidada para falar sobre a festa de São Benedito e todas

as celebrações que envolvem a festa.

72

Informações disponíveis em:< http://www.difusorabd.com.br>. 73

Informações disponíveis em:< http://www.difusorabd.com.br>. 74

Entrevista concedida para a autora em 05 de maio de 2016.

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105

Enfim a comunidade relatou que tem proximidade com os gestores da rádio, e tem

muito apreço e respeito por Dona Tiana. Por ser uma rádio comercial, e não ter nenhuma

obrigação em conceder espaços para a comunidade, eles se mostram generosos com os

quilombolas Carrapatos da Tabatinga.

Na cidade de Bom Despacho tem a rádio comercial Cidade 98,9 FM, Rádio Nova

Veredas 89,3 FM que é administrada pela paróquia de Nossa Senhora do Bom Despacho, que

informou que a rádio não é comunitária, e a rádio Máxima 9,1 FM é comercial.

A Ativa 87,9 FM informou que era uma rádio comunitária. Tentou-se agendar

entrevista com algum gestor da rádio, mas sempre respondiam que infelizmente estavam

todos em programação e não podiam atender. O website75

da rádio indica somente que a

formação societária é composta pelos sócios fundadores da ADESC, não foi possível

confirmar a informação, mas a sua programação é de uma rádio comercial de fato e a

comunidade quilombola pouco utilizou a rádio.

A pesquisa de campo mostrou que a comunicação dos quilombolas Carrapatos da

Tabatinga não tem os meios de comunicação da cidade de Bom Despacho como veículos

essenciais para a ampliação e divulgação das demandas sociais da comunidade. Utilizam mais

para a divulgação de eventos culturais que a comunidade participará.

Foi colocada a importância de uma rádio comunitária na Associação para a

ampliação e divulgação das demandas sociais, bem como o exercício de cidadania por meio

do empoderamento da comunicação pelos meios. Dona Tiana chegou a relatar que construiu

até um espaço para ter a rádio. Chegou a receber os equipamentos do Governo Federal, mas

desistiu de instalar, pois teve informações de radialistas conhecidos que era complicado,

porque poderia dar problemas com processos contra a comunidade, pelo fato de que os

conteúdos veiculados pela rádio pudessem ser interpretados como ofensa, calúnia e

difamação. Ela ficou receosa e devolveu todo o equipamento.

Criou-se a possibilidade de desenvolver junto com o grupo de pesquisa Comuns da

Universidade Metodista de São Paulo, liderado pela pesquisadora Profa. Dra. Cicília Peruzzo,

oficinas de práticas de comunicação comunitária, mas ela se mostrou reticente, talvez por

falta de conhecimento das práticas.

A investigação sobre a comunicação comunitária dos quilombolas Carrapatos da

Tabatinga revelou a luta da comunidade pela sua cidadania diariamente e bravamente.

Utilizam a comunicação por meio do diálogo como mecanismos de processos

75

Disponível em: < http://www.radioativabdmg.com.br/>.

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106

comunicacionais na maioria das vezes face a face. Não necessariamente utilizam os meios de

comunicação tecnológicos disponíveis, mas desenvolveram a capacidade de discursar em

público e dar voz a comunidade em todas as esferas públicas, mesmo sofrendo preconceito,

pela sociedade local de Bom Despacho.

A comunicação dialogada da comunidade produz o conhecimento do mundo vivido

por eles, e uma consciência considerável de seu entorno, e qual é sua posição na sociedade,

que pouco aceita as diferenças. Suas indumentárias, seus cantos e danças e outras palavras

soam como a comunicação que informa e educa. São Sujeitos da própria história.

O diálogo presente nos processos comunicacionais da comunidade, visto neste breve

tempo de observação participante, traz como resultado o seguinte aprendizado: é necessário

resistir aos vigentes modelos sociais excludentes do Brasil, a persistência tem sua importância

na luta, ter uma liderança ativa e uma boa comunicação comunitária dialogada interpessoal e

grupal, é o que faz a comunidade quilombola caminhar “para o que se quer”, como já disse a

jovem quilombola ao tomar posse do cargo de Presidente Jovem da Câmara Municipal de

Bom Despacho em 02 de maio de 2016.

3.2 A comunidade conectada ao Facebook e YouTube

Observou-se a presença de conteúdos sobre a comunidade Quilombola da Tabatinga no

Facebook76

e YouTube. Eles possuem algumas Fanpages77 no Facebook, são administradas por

alguns membros da comunidade, na sua maioria pelos jovens. No YouTube encontramos ótimos

documentários postados por produtoras como a Caturra com o documentário “A Filha de São

Sebastião”78

a qual fiz importantes menções nesta pesquisa, assim como entrevistas

espontâneas realizadas pelas antropólogas Ana Carolina Fernandes e Amaralina Fernandes

(2015) “Dandara a Força da Mulher Quilombola”79

.

76

As páginas do Facebook utilizadas pela comunidade estão disponíveis em:

<https://www.facebook.com/Quilombo-Carrapatos-da-Tabatinga-1573957826209582/?fref=ts>

<https://www.facebook.com/quilombolas.tabatinga?fref=ts> 77

Fanpages ou Página de fãs é uma página específica dentro do Facebook direcionada para empresas, marcas ou

produtos, associações, sindicatos, autônomos, ou seja, qualquer organização com ou sem fins lucrativos que

desejem interagir com os seus clientes no Facebook. Disponível em: <http://www.aldabra.com.br/artigo/o-que-e-

uma-fanpage>. 78

Documentário realizado por um coletivo de profissionais da área de cinema, produção, e história, da cidade de

Belo Horizonte - MG, Brasil. Este filme foi produzido pela equipe totalmente sem fins lucrativos e oferecido à

família de Dona Tiana como um presente e desejo de que aquela comunidade possa ser conhecida e reconhecida

pelo Brasil e outros lugares do mundo realizada pela Caturra Digital. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=6nHORCY-EEE>. 79

É um vídeo que tem o objetivo de apresentar as trajetórias e o engajamento de mulheres quilombolas que

atuam como lideranças políticas de suas comunidades, e do movimento quilombola como um todo. Quais serão

os discursos destas mulheres sobre suas trajetórias? Busca-se a partir dos pontos de vista de algumas destas

lideranças conhecer os motivos que as levaram a ocupar estas posições e aqueles que as fazem permanecer na

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107

Utilizam as Fanpages para divulgar os trabalhos realizados, anunciar futuras

mobilizações e participações em eventos culturais e políticos. Uma importante ferramenta de

divulgação das conquistas políticas do movimento social dos quilombolas também para todo o

Estado, uma vez que a Sandra Andrade é presidente da Federação do Quilombolas do Estado

de Minas Gerais - N´Golo, assim a informação está sempre atualizada e disponível nas

Fanpages dos quilombolas Carrapatos da Tabatinga.

Em pesquisa mais apurada das Fanpages encontrou-se conteúdo da cultura de matriz

africana, as participações nas festas religiosas da cidade. Mas também conteúdos políticos

relatados pelos membros da comunidade quilombola da Tabatinga, no processo de

comunicação, são produtores dos conteúdos, realizando assim uma comunicação autoral,

impetrando uma linguagem que tem a marca do quilombo.

Tem força a fala dos quilombolas nas narrativas. Discursam sobre a luta dos

territórios, e todas as dificuldades oriundas do preconceito, e a difícil conquista por um lugar

na sociedade como cidadão, pelos direitos de isonomia e isogoria e seu pleno exercício, como

rege nossa Constituição democrática brasileira de 1988.

A Fanpage é utilizada também como fator mobilizador com outras comunidades

quilombolas do Estado de Minas Geras. A característica da maior abrangência espacial é a

agilidade que a Internet possuí, facilita a comunicação com outras comunidades mais

distantes do Estado, e do Brasil.

O custo para a utilização dos meios digitais, como as redes sociais, é baixo para a

comunidade, pois possuem na sede da Associação um telecentro, com bom aparato de

dispositivos tecnológicos e conexão à internet, fornecidos pelo governo federal na gestão do

presidente Luís Inácio Lula da Silva. Este telecentro foi mais uma conquista da comunidade

Quilombola Carrapatos da Tabatinga, só assim eles puderam desenvolver uma comunicação

utilizando os meios digitais. Os jovens da comunidade são responsáveis pela publicação e

posts no Facebook. Publicam fotos da comunidade, geralmente sobre os eventos e

manifestações. E orientados pela liderança colocam as informações sobre a luta pelos direitos.

luta. Realizado e Publicado em 4 de nov. 2015. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=RSW3uEfk4QU>.

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108

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa se propôs investigar se a comunidade quilombola Carrapatos da

Tabatinga tem uma comunicação comunitária que contribui para amplificar suas demandas

sociais e atuarem como cidadãos na sociedade Bom Despacho.

A pesquisa trouxe algumas respostas para a hipótese proposta por meio do estudo

etnográfico, baseado na observação participante de algumas atividades e eventos da

comunidade, presenciados in loco, somado com a pesquisa bibliográfica, estudo documental e

entrevistas sobre a comunicação desenvolvida na comunidade quilombola.

Esse estudo revelou um melhor entendimento sobre os processos de comunicação

realizado entre os membros da comunidade, e como se dá a relação comunicante com a

sociedade local. Tivemos respostas claras, mas também ficamos com algumas pistas, quem

sabe para um próximo estudo a ser desenvolvido por meio de pesquisa, principalmente sobre

a atuação dos membros da comunidade como cidadãos na sociedade de Bom Despacho.

A primeira resposta obtida com a investigação foi constatar que a comunidade tem

sim uma comunicação comunitária desenvolvida realizada por meio do diálogo, que é

utilizado na comunicação interpessoal e grupal, e que necessariamente não se utilizam dos

meios tecnológicos de comunicação, para exercer a comunicação comunitária e amplificar

suas demandas sociais.

Os processos comunicacionais realizados entre os membros da comunidade

Quilombola Carrapatos da Tabatinga é uma comunicação interpessoal, principalmente

realizada a partir da interlocutora e líder Dona Tiana, que aos 83 anos, dialoga com a

comunidade por meio de sua oralidade baseada em seu repertório cultural, de vivências, de

emoções, e por meio de toda a "bagagem" de luta dela e de seus ancestrais, que traz consigo e

passa para seus descendentes membros da comunidade de forma dialogada. Ela é ativa e luta

pelos direitos dos quilombolas, e como ela diz “do meu povo!”.

Foram observados elementos importantes na fala de Dona Tiana com a comunidade

que chamaram a atenção:

a) A preservação da memória ancestral das matrizes africanas, no que diz respeito a

homenagem aos dias de lutas e resistência do povo negro no Brasil na época da

escravidão, lembra da dor e do sofrimento, onde havia uma total ausência de cidadania

por parte da sociedade da época. Mas hoje, ela deixa claro que não são mais escravos,

e não se deve agir como tal. Ela passa nas suas falas a resistência contra um modelo

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preconceituoso existente no Brasil em relação ao negro, e ela diz que precisa se impor

ao preconceito e lutar pelo seu lugar;

b) A sua fala tem objetivos que reafirmam a identidade quilombola na comunidade como

cidadão quando ela diz que “o negro não ajudou a construir o Brasil, ele construiu”;

c) Ela utiliza seus cantos de sua autoria, feitos de forma criativa e original, para exaltar a

cultura africana, com sua religião umbandista traduz a caridade, força e a luta do seu

povo da sua comunidade quilombola.

Viu-se na comunidade a prática do agir comunicativo de Habermas (1989), pois

Dona Tiana com seus atos de fala motiva racionalmente os outros membros da comunidade

para uma ação e adesão – e isso em virtude do efeito ilocucionário (a ação que uns exercem

sobre os outros; e a concepção do sujeito da enunciação enquanto agente da interação social

no ato da fala) - de comprometimento que a oferta de um ato de fala dela suscita. Ela é

referência para a comunidade de força, luta e resistência.

Constatou-se que por meio do agir comunicativo estabelecido por Dona Tiana com

os membros da comunidade, foi suscitada uma consciência na comunidade, formada por

diálogos críticos, sobre a posição que ocupa na sociedade local. A comunidade tem ciência da

sua identidade e cultura, e sabem a importância de lutar por suas demandas sociais: contra o

preconceito racial, a regularização das terras quilombolas, de ter espaços de participação

como cidadão em falar e ser ouvido, e a importância do reconhecimento do negro quilombola,

por parte da sociedade local na formação da cidade de Bom Despacho e região. Esta

consciência faz com que a comunidade seja coesa e se mobilizem para participar dos eventos

culturais e manifestações de protesto, porque sabem que é um momento de comunicar suas

demandas sociais e resistir ao modelo social vigente preconceituoso e excludente.

Mas, a liderança, Sandra Andrade e Dona Tiana, externaram a preocupação da

migração de membros da comunidade para outras cidades, por motivos de falta de

oportunidades de emprego em Bom Despacho, é um fator de enfraquecimento, conta com um

número pequeno de adultos que poderiam participar das mobilizações em prol dos objetivos

da comunidade. Hoje quem está na comunidade são os mais idosos e os jovens. Os jovens

ficam na comunidade até chegarem à fase universitária, porque muitas vezes migram para

outras cidades, pois não há universidades públicas próximas a Bom Despacho. Há uma

faculdade particular na cidade com cursos em algumas áreas. A participação dos adultos nas

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atividades da comunidade vem diminuindo, pois trabalham em cidades vizinhas distantes, e

muitas vezes mudam em busca de melhores condições salariais.

Por esse motivo a regularização das terras é uma possibilidade de ter uma agricultura

capaz de garantir o sustento da comunidade, evitando assim a migração de seus integrantes

para outras regiões em busca de oportunidade de emprego. Na verdade, externaram que se

entristecem em ter que deixar seu território simbólico e de vida, para buscar em outras cidades

um meio de sobrevivência.

Atualmente a comunidade vive do programa social Bolsa Família80

e com a cesta

básica81

que a liderança conseguiu por meio da Secretária Nacional da Ação Social junto ao

Governo Federal. Inclusive o bairro da Ana Rosa (Tabatinga) existem moradores que não

fazem parte da comunidade quilombola dos Carrapatos da Tabatinga, mas são ajudados

também com a doação de cesta básica que a comunidade recebe, por iniciativa de Dona Tiana.

O bairro Ana Rosa (antiga Tabatinga) já citado na pesquisa é pobre e com muitas

necessidades de infraestrutura básica.

Os processos comunicacionais com a sociedade local, para amplificar as demandas

sociais da comunidade, se dá por meio da força comunicante grupal da comunidade na

participação em eventos culturais, religiosos e manifestações de protestos. Eles atuam com

suas vozes e proclamam sua memória ancestral, a identidade quilombola e sua cultura de

matrizes africanas.

A comunidade demonstrou mais uma vez por meio do diálogo a práxis da

comunicação grupal para explicitar suas demandas sociais não somente para a sociedade

local, mas também na participação em eventos na capital Belo Horizonte com as demais

comunidades quilombolas do Estado, bem como com as comunidades indígenas.

Durante os eventos existem programações que contam com o apoio de universidades

federais e grupos de pesquisas da região, que promovem discussões em plenárias dialogadas

com os quilombolas, a sociedade local e estudantes universitários. Debatem a situação de

vulnerabilidade socioeconômica das comunidades tradicionais.

80

É um programa do Governo Federal do Brasil de transferência direta de renda, direcionado às famílias em

situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País, de modo que consigam superar a situação de

vulnerabilidade e pobreza. O programa busca garantir a essas famílias o direito à alimentação e o acesso à

educação e à saúde. Em todo o Brasil, mais de 13,9 milhões de famílias são atendidas pelo Bolsa Família.

Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/programas-sociais/bolsa-familia/Paginas/default.aspx>. 81

O Governo Federal por meio da Secretária Nacional da Ação Social destina 1.500 kg, em forma de cestas

básicas, para a Associação dos Quilombolas Carrapatos da Tabatinga, que cadastrou os membros da comunidade

e também estendeu o cadastramento do benefício para as famílias de baixa renda do bairro Ana Rosa (antiga

Tabatinga) iniciativa de Dona Tiana. Informação coletada na entrevista com Dona Tiana em 05 outubro de 2015.

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111

Nestas reuniões acontecem plenárias de discussões sobre assuntos referentes a

cultura de matrizes africanas, as demandas sociais das comunidades tradicionais, indígenas e

quilombolas, assim como possíveis políticas públicas para as comunidades. Os interlocutores

da comunidade Carrapatos da Tabatinga, geralmente são Dona Tiana e Sandra Andrade, que

também é Presidente da Federação dos Quilombolas do Estado de Minas Gerais.

Presenciei na Festa de São Sebastião, suma das reflexões de Paulo Freire (1988),

inclusive epígrafe da presente dissertação, que vou me permitir a citar: “A educação é

comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro

de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados” (FREIRE, 1985, p. 69).

A comunidade é ativa e procura comunicar suas demandas sociais com a sociedade

local, têm meios de participação, e principalmente através dos eventos, um contato mais

próximo.

Observou-se que a aceitação da sociedade local em Bom Despacho se dá no

reconhecimento da importância folclórica da cultura quilombola para a cidade. Em relação às

demandas sociais da comunidade são pouco sensíveis e desconhecem o direito constitucional

dos territórios. A comunidade chegou a relatar que eles os acham “folgados” e que querem

terras de graça.

A questão da empregabilidade na cidade faz a comunidade sentir a presença do

comportamento preconceituoso da sociedade local. São ofertados para eles somente postos

para empregos domésticos, e as vagas no comércio são ofertadas preferencialmente para aos

brancos, segundo relato da comunidade.

A participação como cidadão se dá no exercício de poder falar de suas demandas

sociais, porém não são ouvidos, principalmente pelo poder público municipal que os deveriam

representar, assim como a Câmara de Vereadores de Bom Despacho. Por vezes as líderes

Sandra Andrade e Dona Tiana tentaram ir à Câmara de Vereadores da cidade e discutir, por

meio do diálogo, políticas públicas para a comunidade. Elas relataram que até hoje

conseguiram somente um empate na Câmara Municipal, sobre cotas para negros no serviço

público municipal, e na hora de desempate o presidente da câmara e votou contra. Foi o mais

longe que conseguiram chegar. Enfim, a participação como cidadão, na sua representatividade

na câmara de vereadores na cidade de Bom Despacho, ainda está longe do que a comunidade

almeja.

Sandra Andrade, membro da comunidade, relatou que as maiores conquistas foram

por meio da esfera do Governo Federal, pois na esfera Estadual, dependendo do partido do

Governo do Estado de Minas Gerais, ela tem ou não abertura para colocar as demandas

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sociais das comunidades quilombolas, não só da Tabatinga, mas de todo o Estado, uma vez

que é presidente da federação das comunidades quilombolas do Estado de Minas. No

exercício da cidadania, mediante a pesquisa, a comunidade quilombola da Tabatinga tem seu

direito prejudicado na esfera Estadual e Municipal, entretanto resiste bravamente contra esta

condição.

Um dos objetivos específicos do presente estudo foi verificar se há um trabalho

desenvolvido nos meios de comunicação grupais ou midiáticos de alcance comunitário ou

local, amplificando as demandas sociais da comunidade. Infelizmente esta parte da pesquisa

ficou prejudicada pelo fato de não conseguir ser atendida na provável (porque as informações

são contraditórias se a rádio é ou não comunitária) rádio comunitária Nova FM, para uma

sequer breve entrevista (foram muitas tentativas). No entanto, vou me valer do relato da

comunidade sobre a participação nos meios comunicacionais da cidade de Bom Despacho.

D. Tiana relatou que a rádio FM de Bom Despacho abre espaços para ela falar e

divulgar assuntos da comunidade. Aprofundei esta participação e constatei que realmente há

espaços esporádicos para divulgação de eventos relacionados a comunidade.

Referente à discussão ocorrida com o padre Cristiano da paróquia de Nossa Senhora

do Rosário, D. Tiana teve acesso à rádio como canal para relatar sua versão dos fatos e se

pronunciar. A rádio é comercial, mas a comunidade tem bom relacionamento com a direção e

locutores, que disponibilizam este canal de comunicação para participações esporádicas.

Não foi notado em nenhum meio de comunicação da cidade, espaços de discussões

ou conteúdos produzidos pela comunidade quilombola Carrapatos da Tabatinga em Bom

Despacho. Também não foi constatado nenhum trabalho nos meios de comunicação

midiáticos de alcance comunitário ou local, amplificando as demandas sociais da comunidade

produzido pelos comunicadores da cidade de Bom Despacho.

O único meio de comunicação tecnológico que a comunidade utiliza atualmente são

os que a Internet proporciona, mais especificamente o Facebook. Produzem textos,

gerenciados pelos jovens da comunidade que divulgam as participações em eventos e as

atividades realizadas. Postam conteúdos contra o preconceito racial e as lutas do povo

quilombola.

O YouTube é outro canal que amplifica as demandas sociais da comunidade. As

divulgações são realizadas pelos pesquisadores e produtores que realizam algum tipo de

trabalho com a comunidade. Como o excelente documentário “A Filha de São Sebastião”82

produzido pela Caturra e disponibilizado no YouTube. Não tem conteúdos e nem canais no

82

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6nHORCY-EEE>.

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YouTube produzidos pela própria comunidade. Seria um meio de comunicação comunitário

interessante para explicitar as demandas sociais. Com tecnologia de baixo custo e de

produção a comunidade poderia produzir um canal com as práticas de Educomunicação.

Indaguei, por meio de entrevista83

, à liderança porque eles não utilizam meios de

comunicação comunitários próprios como rádio e jornal com conteúdo produzido por eles, ou

até um canal no YouTube para amplificar as demandas sociais. Eles relataram, e chegaram a

mostrar que tiveram uma iniciativa de produzir o jornal impresso da Comunidade dos

Quilombolas Carrapatos da Tabatinga (1.000 exemplares), mas devido ao alto custo de

impressão desistiram.

No ano de 2003, chegaram a receber equipamentos doados pelo Governo Federal

para instalarem uma rádio comunitária, reformaram um espaço físico para a rádio, porém

devolveram tudo. Na época, foram alertados pelos amigos e comunicadores de rádio da

cidade sobre uma possível ação judicial em virtude de algum tipo de conteúdo indevido que

poderiam veicular por desconhecimento, o que poderia resultar em algum tipo de processo.

Por não querer correr este risco devolveram todo equipamento, segundo relato de Dona

Tiana84

.

Tiveram uma iniciativa de promover um jornal chamado “Tabatingão” gravado por

meio de vídeo, realizaram um pequeno teste, porém não deram prosseguimento.

Quero deixar algumas considerações que sejam relevantes. Existem grandes

oportunidades para projetos que desenvolvam meios de comunicação comunitário

possibilitando a comunidade amplificar ainda mais as demandas sociais, e educar por meio de

conteúdo, produzido por eles, à sociedade local.

A colaboração poderia ser através de oficinas de Educomunicação, aulas técnicas

sobre o uso dos equipamentos tecnológicos dos meios de comunicação, a melhor utilização

das redes sociais, ou como fazer com menor custo um jornal comunitário impresso, e até

mesmo base jurídica para uso dos meios de comunicação, seus direitos e deveres, com

responsabilidade. Assim a comunidade que já desenvolve uma comunicação dialogada como

práxis de comunicação interpessoal e grupal poderia utilizar também os meios de

comunicação comunitário para amplificar suas demandas sociais.

Minha trajetória nestes dois anos de pesquisa foi marcada pela reflexão e

conscientização do pouco conhecimento que temos sobre a formação social do Brasil, que

está intimamente ligada as bases de um modelo sócio econômico sob a égide do colonialismo.

83

Entrevista realizada pela autora em 08 de maio de 2016. 84

Entrevista realizada pela autora em 07 de maio de 2016.

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Encontrei na pesquisa de campo elementos da época da sociedade colonial: poder nas

mãos de latifundiários, uma sociedade classista e excludente, com uma forte desigualdade

social abarcada pelo preconceito racial em pleno século XXI.

Temos a possibilidade no campo comunicacional revelar, por meio de pesquisa,

esses cantinhos do Brasil, e compreender as comunidades e suas demandas sociais e assim

propor discussões sobre a origem de muitas mazelas sociais, que perduram até os dias de hoje,

oriundas dos arcabouços da época colonial.

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