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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social SUELEN DE AGUIAR SILVA COMUNICAÇÃO, MOVIMENTOS SOCIAIS E REDES: POR UM PROJETO BIOPOLÍTICO E COMUNITÁRIO DA MULTIDÃO São Bernardo do Campo - SP, 2018

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

SUELEN DE AGUIAR SILVA

COMUNICAÇÃO, MOVIMENTOS SOCIAIS E REDES:

POR UM PROJETO BIOPOLÍTICO E COMUNITÁRIO DA MULTIDÃO

São Bernardo do Campo - SP, 2018

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

SUELEN DE AGUIAR SILVA

COMUNICAÇÃO, MOVIMENTOS SOCIAIS E REDES:

POR UM PROJETO BIOPOLÍTICO E COMUNITÁRIO DA MULTIDÃO

Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências do

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da

Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), para

obtenção do grau de Doutora.

Orientadora: Profa. Dra. Cicilia Maria Krohling Peruzzo

São Bernardo do Campo - SP, 2018

2

FICHA CATALOGRÁFICA

Si38c Silva, Suelen de Aguiar

Comunicação, movimentos sociais e redes: por um projeto

biopolítico e comunitário da multidão / Suelen de Aguiar Silva.

2018.

209 p.

Tese (Doutorado em Comunicação Social) --Escola de

Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade

Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2018.

Orientação de: Cicilia Maria Krohling Peruzzo.

1. Movimentos sociais - Brasil 2. Internet (Redes de

computadores) - Comunicação 3. Internet (Redes de

computadores ) - Aspectos sociais 4. Comunicação comunitária

I. Título.

CDD 302.2

3

A tese de doutorado sob o título “COMUNICAÇÃO, MOVIMENTOS SOCIAIS E REDES:

Por um projeto biopolítico da multidão”, elaborada por SUELEN DE AGUIAR SILVA foi

apresentada e aprovada com louvor (Summa Cum Laude) em 18 de abril de 2018, perante banca

examinadora composta por Prof. Dr. José Marques de Melo (Presidente/UMESP), Profa. Dra.

Sônia Maria Ribeiro Jaconi (Titular/UMESP), Profa. Dra. Camila Escudero (Titular/UMESP),

Profa. Dra. Luzia Deliberador Yamashita (Titular/UEL), Prof. Dr. Giovandro Marcus Ferreira

(Titular/UFBA) e Prof. Dr. Marcelo Monteiro Gabbay (Titular/ FIAM-FAAM).

________________________________________________

Profa. Dra. Cicilia Maria Krohling Peruzzo

Orientadora

________________________________________________

Prof. Dr. José Marques de Melo

Presidente da Banca Examinadora

________________________________________________

Prof. Dr. Luiz Alberto de Farias

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social

Área de concentração: Processos Comunicacionais

Linha de Pesquisa: Comunicação comunitária, territórios de cidadania e desenvolvimento

social

4

No ano de 2010 vi pela primeira vez a cor esverdeada dos seus infinitos olhos, que logo

fitaram os meus, parecendo entender cada motivo, cada desejo, cada aflição e emoção em estar

ali, em sua sala para a entrevista, e num gesto de pura significância, fez o que poucos nesse

mundo da vida fazem: que é escutar e reconhecer o outro. Sim, me senti acolhida, mas muito

mais do que isso, me senti capaz, especial, me reinventei. Sim, você me pegou pelas mãos e me

ensinou que a comunicação é o elo mais comum e mais singular que nos une, que nos afeta.

Você me ensinou a acreditar em mim, em minha capacidade intelectual, me conduziu tão

perfeitamente que chego a achar que eu não merecia tanto. Mulher firme, de fibra e com um

coração manso e um jeito carinhoso que poucos têm a oportunidade de conhecer, como sou

privilegiada!

Durante todos esses anos você me ensinou o sentido da resiliência, do limite. Você me

compreendeu, me deixou livre para alcançar diversos voos teóricos, ao mesmo tempo em que

me trazia de volta para a realidade concreta. Você conheceu o que há de melhor em mim e,

principalmente, me ajudou a elaborar sentimentos e anseios que estavam escondidos, mas que

me faziam padecer. Para além das orientações acadêmicas, o que eu recebi durante todo esse

tempo de mestrado e doutorado, foram orientações de vida. Você me ajudou a enfrentar a face

mais cruel do diagnóstico de autismo, do meu amado filho, me compreendeu em todo o tempo,

silenciou e respeitou o meu momento. Sinceramente, seria muito difícil passar por esse luto, se

eu não tivesse você para me orientar, para segurar minhas mãos. Gratidão por você ser sempre

tão generosa e amável comigo. Gratidão.

Hoje, mais uma vez, me reinvento e sigo em frente na certeza de que você estará sempre

comigo, na minha formação intelectual e acadêmica, na militância por uma sociedade mais justa

e igualitária, e, sobretudo, na busca por espaços dialógicos de comunicação, longe deste aqui,

que nos separou.

Da Universidade Metodista de São Paulo para a vida.

Avante.

À Cicilia M. Krohling Peruzzo,

minha orientadora.

5

en la lucha de clases

todas las armas son buenas

piedras

noches

poemas

Leminski

6

AGRADECIMENTOS

Ao Mestre dos mestres, dono de toda ciência, sabedoria e poder. Toda honra, toda glória, todo

louvor e toda minha gratidão.

Ao meu querido pai na fé, Luiz Fernando Andrade Alves, por seus ensinamentos, pela acolhida,

por me encorajar e acreditar no meu potencial. Todo o meu respeito, carinho e admiração.

À minha família, em especial, à minha mãe, que embora sempre “interrompesse” minhas

elaborações, trazia junto com a pausa risadas, cafés e apoio.

Aos amigos que conquistei ao longo da vida, os verdadeiros, saberão.

Com carinho agradeço a Lavínia Amaral.

Singularmente, agradeço a Elza Bastos Pessoa, meu porto seguro.

As companheiras e companheiros da Cei Comuni, fontes de luta, luz, inspiração e reflexão sobre

uma outra comunicação.

Agradeço aos professores do antigo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

(1978–2017) da UMESP, pelos ensinamentos, pela amizade e principalmente, pelas lições de

cidadania e vida.

In memorian (2000-2017), agradeço ao meu gato Nenén, meu grande felino de todas as horas.

Agradeço ao CNPq por viabilizar financeiramente minha pesquisa.

Agradeço à minha querida amiga “cabrita”, Clarissa Josgrilberg Pereira, pela lealdade, pelo

compartilhamento de saberes e sabores e estímulo, recíproco. Dos estudos, artigos, do ombro,

do alojamento, dos motéis e congressos para à vida, todo meu orgulho e admiração.

Agradeço infinitamente à minha orientadora, Cicilia Maria Krohling Peruzzo.

Com carinho, também agradeço, ao professor José Marques de Melo.

Agradeço ao Éric, meu amado filho, por me ensinar diariamente o valor da paciência, da

vinculação e do amor incondicional. Entre livros e escritos, muitas paradas, muitas... nas quais,

cada puxão valia mais do que mil palavras.

Ao Paulinho.

7

RESUMO

A compreensão dos usos coletivos que os movimentos sociais brasileiros estão fazendo das

tecnologias de informação e comunicação é tão importante quanto descobrir se eles alteraram

suas formas de organização política e dinâmicas de comunicar devido à participação no espaço

híbrido da internet e é neste sentido que a pesquisa caminha. Assim, os objetivos deste estudo

são mapear os movimentos sociais presentes na internet, cartografar as práticas comunicativas

e as imbricações destes com o uso das tecnologias de informação e comunicação. E, em última

instância, a partir da leitura biopolítica da multidão apontar como a ação dos movimentos

sociais pode, por meio da internet, reverberar traços para a construção da democracia. O método

de abordagem conceitual segue a trilha do materialismo histórico-dialético. Já o método de

procedimento será o cartográfico viabilizado pela pesquisa bibliográfica, pesquisa documental,

observação participante netnográfica e técnicas da teoria fundamentada em dados. A partir do

levantamento de dez movimentos sociais mapeamos seus processos comunicacionais

desenvolvidos na internet. Na sequência, realizamos a análise da comunicação do Movimento

dos Trabalhadores Sem Terra – MST e do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB e

identificamos que para esses movimentos a internet ao representar um campo de micropoderes,

também se apresenta como espaço privilegiado no que tange às lutas sociais em torno da

democracia.

Palavras-chave: movimentos sociais. Redes. Multidão. Comunicação Comunitária. Internet.

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ABSTRACT

The comprehension of the collective use that the Brazilian social movements are making of the

communication and information technologies is as important as finding if altered their forms of

political organization and communication dynamics due to participation on the hybrid internet

space and it is in this way that the research moves. Thus, the objectives of this study are to map

the social movements present on the web, map the communicative practices and their

imbrications with the use of communication and information technologies. And, ultimately,

from the biopolitical reading of the crowd point how the social movements can, by the web,

reverberate traces to build democracy. The conceptual approach method follows the trail of

historical-dialectical materialism. And the procedure method will be the cartographic enabled

by the bibliographic research, documentary research, netnography participant observation and

grounded theory technic. From the survey of ten social movements we mapped their

communicational processes developed on the internet. In the aftermath, we analyzed the

communication of the landless workers movement (MST), and the Brazilian Movement of

Dam Affected People (MAB) and it was identified that although the web (internet) represent a

micro-power field, it also present itself as a privileged space in regard to the social struggle

around democracy.

Keywords: Social movements. Network. Crowd. Community Communication. Internet

9

RÉSUMÉ

La compréhension des utilisations collectives que les Mouvements Sociaux brésiliens font des

technologies d'informations et de communication est aussi importante que découvrir s'ils ont

changé leurs formes d'organisation politique et leurs dynamiques de communiquer en raison de

la participation dans l'espace hybride d'Internet et c'est dans ce sens que la recherche se

développe. Ainsi, les objectifs de cette étude sont de cartographier les Mouvements Sociaux

présents sur Internet, de cartographier les pratiques communicatives et leurs imbrications avec

l'utilisation des technologies de l'information et de la communication. Et, en fin de compte, à

partir de la lecture biopolitique de la foule, indiquer comment l'action des Mouvements Sociaux

peut, via Internet, réverbérer des traces pour la construction de la démocratie. La méthode de

l'approche conceptuelle suit la voie du matérialisme dialectique et historique. D’autre part, la

méthode de procédure sera cartographique rendue possible par la recherche bibliographique,

par la recherche documentaire, par l'observation participante netnographique et par des

techniques de la théorie basée sur les données. À partir de l'enquête sur dix mouvements

sociaux, nous avons cartographié leurs processus de communication développés à travers l’

Internet. Ensuite, nous avons accompli l'analyse de la communication du Mouvement des

travailleurs sans terre - MST et le Mouvement des personnes affectées par la chûte de barrages

– MAB et nous avons identifié que l’Internet, bien qu'il représente un champ de micro pouvoirs,

se présente également comme un espace privilégié lorsqu'il s'agit de luttes sociales autour de la

démocratie.

Mots-clés: Mouvements sociaux. Réseaux. Foule. Communication communautaire. Internet.

10

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Tela inicial do site MTST ...................................................................................... 148

Figura 2 - Canal no Youtube MTST ....................................................................................... 149

Figura 3 - Rede Social Facebook ............................................................................................ 149

Figura 4 - Aplicativo para dispositivos móveis – App MTS .................................................. 150

Figura 5 - Tela inicial do site MAB ........................................................................................ 151

Figura 6 - Microblog Twitter MAB ........................................................................................ 151

Figura 7 - Rede social Facebook MAB .................................................................................. 152

Figura 8 - Canal no Youtube MAB ........................................................................................ 152

Figura 9 - Instagram MAB ..................................................................................................... 153

Figura 10 - Tela inicial do site ABGLT ................................................................................. 154

Figura 11 - Rede social Facebook ABGLT ............................................................................ 154

Figura 12 - Tela do site MNU ................................................................................................ 155

Figura 13 - Rede social Facebook MNU ................................................................................ 156

Figura 14 - Tela inicial do site Levante .................................................................................. 157

Figura 15 - Rede social Facebook Levante ............................................................................ 157

Figura 16 - Canal no Youtube Levante .................................................................................. 158

Figura 17 - Tela do site Ação da Cidadania ........................................................................... 159

Figura 18 - Rede social Facebook Ação da Cidadania ........................................................... 159

Figura 19 - Rede social Facebook MTD e MOTU/Brasil ...................................................... 161

Figura 20 - Tela do site Grito dos Excluídos .......................................................................... 162

Figura 21 - Rede social Facebook Grito dos Excluídos ......................................................... 162

Figura 22 - Tela do site MST ................................................................................................. 163

Figura 23 - Rede social Facebook MST ................................................................................. 163

Figura 24 - Microblog Twitter MST ...................................................................................... 164

Figura 25 - Canal do Youtube ................................................................................................ 164

Figura 26 - Instagram MST .................................................................................................... 165

Figura 27 - Tela do Site Via Campesina ................................................................................ 165

Figura 28 - Rede social Facebook Via Campesina ................................................................. 166

Figura 29 - Post do MST com mais compartilhamento e reações .......................................... 173

Figura 30 - Segunda postagem do MST com mais compartilhamentos e comentários .......... 174

Figura 31 - Post do MAB com mais curtida, compartilhamento e reações ............................ 177

Figura 32 - Segunda postagem do MAB com mais reações e compartilhamentos ................ 177

11

Figura 33 - Comentários sobre a postagem do MAB ............................................................. 178

Figura 34 - Publicidade nas páginas do MAB e do MST ....................................................... 184

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Diário de Campo Virtual.........................................................................................41

Quadro 2 - Mapa de Observação OPN......................................................................................42

Quadro 3 - Esquema de Observação Participante Netnográfica................................................46

Quadro 4 - Eixos temáticos dos movimentos sociais................................................................98

Quadro 5 - Observação do diário de campo.............................................................................180

Quadro 6 - Codificação aberta.................................................................................................181

Quadro 7 - Exemplo de codificação........................................................................................182

Quadro 8 - Categorias..............................................................................................................182

13

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Movimentos sociais presentes nos conteúdos dos portais ................................... 167

Gráfico 2 - Assuntos explorados pelos conteúdos dos portais ............................................... 168

Gráfico 3 - Conteúdos dos portais que davam voz aos movimentos ..................................... .168

Gráfico 4 - Formatos presentes nos posts do Facebook do MST ....................................... ....171

Gráfico 5 - Temas presentes nas publicações do Facebook do MST ..................................... 172

Gráfico 6 - Formatos presentes nos posts do Facebook do MST ........................................... 175

Gráfico 7 - Temas presentes nas publicações do Facebook do MAB .................................... 176

14

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 17

CAPÍTULO I - O MÉTODO EM DISPERSÃO..................................................................22

1 Pistas do método: na trilha do materialismo histórico-dialético............................................24

1.1 Procedimentos metodológicos............................................................................................30

1.2 Cartografia...........................................................................................................................31

1.2.1 Pesquisa bibliográfica - Primeira etapa.............................................................................33

1.2.2 Pesquisa documental - Segunda etapa...............................................................................34

1.2.3 Netnografia.......................................................................................................................35

1.3 Observação e Coleta de dados - Primeira e segunda rodada de coleta................................40

1.4 Observação participante netnográfica e Coleta de dados - Terceira rodada de coleta........ 41

1.5 Observação participante netnográfica e Coleta de dados - Quarta rodada de coleta...........42

CAPÍTULO II – ABORDAGEM COMPREENSIVA DA COMUNICAÇÃO................. 47

2 “Afinal”, o que é comunicação? .......... ..................................................................................48

2.1 Brevíssimo panorama dos meios......................................................................................... 49

2.2 Algumas (in)definições de comunicação ............................................................................ 52

2.2.1 A comunicação por ela mesma........................................................................................54

2.3 A noção de autonomia no campo comunicacional ............................................................. 56

2.4 O comum da comunicação ................................................................................................. 60

2.5 O comunitário e a comunidade no campo da comunicação................................................62

2.5.1 Entre comunicação comunitária e comunidade............................................................... 63

2.5.2 A comunicação comunitária floresce............................................................................... 67

2.5.3 (Des)apropriações............................................................................................................ 69

2.5.4 Meios comunitários.......................................................................................................... 70

2.5.5 Processos comunicacionais comunitários........................................................................ 71

2.6 É popular, é comunitária, é alternativa, é comunicação........................................................72

15

CAPÍTULO III – MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL E SEUS

DESDOBRAMENTOS........................................................................................................... 81

3 Dos clássicos aos contemporâneos: um breve histórico.......................................................84

3.1 Conceituando movimento social ........................................................................................ .87

3.2 Movimentos sociais no Brasil.............................................................................................87

3.2.1 Movimentos de luta pela terra..........................................................................................87

3.2.2 Movimentos de resistência à ditadura e redemocratização do Brasil..............................89

3.3 Tipos de movimento social.................................................................................................90

3.4 Cronologia dos movimentos sociais brasileiros...................................................................94

3.4.1 Eixos temáticos dos movimentos sociais brasileiros ....................................................... 96

3.5 Categorias de análise dos movimentos sociais ................................................................. 100

3.5.1 Redes.............................................................................................................................. 104

3.5.2 Redes de autocomunicação e autonomia.........................................................................105

3.6 Multidão multicolorida.....................................................................................................107

CAPÍTULO IV - COMUNICAÇÃO E INTERNET NO CONTEXTO DOS

MOVIMENTOS SOCIAIS...................................................................................................113

4 Contexto da internet ......................................................................................................... ...113

4.1 A emergência da técnica ................................................................................................... 116

4.2 Desconstruir ou reinventar? .............................................................................................. 117

4.2.1 Sociedade em rede?........................................................................................................ 117

4.3 Virtual...............................................................................................................................121

4.3.1 Espaço intemporal ......................................................................................................... 123

4.4 Comunidade virtualizada..................................................................................................124

4.4.1 O comum, da comunidade ............................................................................................ .125

4.5 Entre nós, as redes.............................................................................................................127

4.5.1 Interação Online ............................................................................................................ 128

4.5.2 Interação ou representação?........................................................................................... 129

4.6 Comunicação organizativa ............................................................................................... 131

16

4.7 A prática da comunicação nos movimentos sociais ......................................................... 134

4.8 Publicidade social, sim!....................................................................................................135

4.9 Movimentos sociais na internet........................................................................................135

4.9.1 Armações.......................................................................................................................142

4.9.2 Cidadania com um pé na rede, é possível? .................................................................... 144

4.10 Rizomas...........................................................................................................................145

CAPÍTULO V - AS MÚLTIPLAS VOZES DA MULTIDÃO..........................................147

5 Mapeamento dos movimentos sociais..................................................................................147

5.1 Os MS nos portais jornalísticos ........................................................................................ 166

5.2 Observação participante netnográfica - OPN....................................................................169

5.2.1 OPN - MST.....................................................................................................................169

5.2.2 OPN - MAB....................................................................................................................169

5.3 (Des)amarrando os conceitos............................................................................................ 170

CONCLUSÃO....................................................................................................................... 189

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 195

APÊNDICE A - Termo de Consentimento Informado Online .........................................201

APÊNDICE B - Roteiro de entrevista semiestruturada online ........................................204

ANEXO - Parecer consubstanciado do CEP.......................................................................206

17

1 INTRODUÇÃO

Estamos imersos numa suposta tecnologização da vida, com todos os sentidos que a

palavra tecnologia carrega, surge aí, nosso interesse em aprofundar os estudos sobre a relação

dos processos comunicacionais desenvolvidos pelos movimentos sociais com a internet. No

entanto, não é a técnica, technê, como condição material da história que nos interessa, mas sim

as transformações que ocorrem na estrutura social em decorrência do uso ou não de

determinadas tecnologias, especialmente a internet.

Nesse tempo hodierno compreender os usos coletivos que os movimentos sociais

brasileiros estão fazendo das Tecnologias de Informação e Comunicação - TICCS1 é tão

importante quanto descobrir se eles alteraram suas formas de organização política e dinâmicas

de comunicar devido à participação no espaço híbrido2 da internet. Afinal, o fato de estar e de

participar da rede não diz muito, quando esse muito precisa ainda ser estudado e mapeado.

Dessa forma, objetivamos mapear os movimentos sociais brasileiros presentes na internet e suas

práticas comunicacionais, partir de 10 eixos temáticos, com base nos estudos de Peruzzo (2004)

e Gohn (2013) apontados e reformulados nesta pesquisa. A saber:

1) Movimentos sociais ao redor da questão urbana;

2) Movimentos em torno da questão do meio ambiente: urbano e rural;

3) Movimentos identitários e culturais: gênero;

4) Movimentos identitários e culturais: etnia;

5) Movimentos identitários e culturais: gerações;

6) Movimentos de demandas na área do direito;

7) Movimentos ao redor da questão da fome;

8) Movimentos sociais na área do trabalho;

9) Movimentos decorrentes de questões religiosas;

10) Movimentos rurais e movimentos sociais globais.

Após identificarmos como a mídia hegemônica aborda os movimentos sociais e após

desenvolvermos um mapeamento sobre a comunicação deles, selecionamos dois movimentos

para terem seus processos comunicacionais analisados de forma mais contextualizada,

incluindo-se aí a realização de entrevistas com seus representantes. O Movimento dos

1 A utilização de mais um c na sigla faz referência ao conhecimento que está associado ao processo. Para saber

mais sobre o assunto ver trabalhos de Cicilia Peruzzo e Jorge González (2011). 2 A territorialidade física e simbólica dos movimentos sociais na sociedade é formada pelo espaço híbrido, entre o

espaço urbano ocupado e as redes sociais digitais na internet (CASTELLS, 2013).

18

Trabalhadores Sem Terra (MST) e o movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB) foram

os selecionados, o primeiro devido à alta visibilidade na mídia e o segundo pela invisibilidade

que tem nela. Além disso, as suas bandeiras de lutas e o modo como atuam

comunicacionalmente também nos levaram a definir estes dois movimentos.

Para alcançarmos o objetivo proposto foi preciso descobrir se os movimentos sociais

mapeados utilizavam a comunicação mediada por computador como um dos seus princípios

organizativos no que tange à comunicação. E, ainda, foi necessário debater o conceito de

multidão (HARDT; NEGRI, 2014; VIRNO, 2013), como categoria teórico-metodológica a

partir dos movimentos sociais mapeados e descrever seus processos comunicacionais na

internet, apontando as principais plataformas digitais utilizadas. Além disso, foi preciso

cartografar as práticas comunicativas cotidianas dos movimentos sociais frente às tecnologias

de informação e comunicação; bem como relatar a atuação dos movimentos sociais na criação

de dispositivos de resistência e as redes de poder que se formam na luta pelo espaço virtual.

Os movimentos sociais podem usar a internet como um instrumento privilegiado para

comunicar, informar, atuar, recrutar, resistir, organizar ou, simplesmente, para ocupar. Com

isso, a pergunta que norteia a pesquisa é a seguinte: como os movimentos sociais brasileiros

mapeados nesta pesquisa usam as tecnologias de informação, comunicação e conhecimento

como espaço de luta para suas práticas cotidianas com vistas à construção da democracia?

Para nos nortear na busca da resposta da questão acima elaborada nos direcionamos

pelas seguintes hipóteses de trabalho: os processos comunicacionais desenvolvidos pelos

movimentos sociais na internet fomentam um espaço de comunicação autônoma na medida em

que forjam dispositivos de resistência para auxiliar na construção da cidadania. Os movimentos

sociais mediante os processos de comunicação também lutam pelos e nos espaços sociais

concretos da internet em busca de novas formas de democracia. A internet não é o meio

exclusivo, mas potencializa o processo comunicacional dos movimentos sociais presentes nesse

espaço.

Realizar tal pesquisa é de extrema importância uma vez que os movimentos sociais

entram em cena como objeto de estudo, porque são sujeitos distintos da história, e muitos deles,

carregam em sua trajetória a própria comunicação como artifício primordial para a manutenção

do seu status quo. A decisão de efetuar um mapeamento justifica-se com a construção do

próprio marco teórico sobre a comunicação dos movimentos sociais na internet. Assim, a

pesquisa pode contribuir para o debate, na medida em que traz para a discussão um

19

aprofundamento teórico sobre as mudanças nos processos comunicacionais desenvolvidos

pelos movimentos sociais brasileiros e ainda, como eles estão ocupando o espaço da internet.

Tendo em vista essas argumentações, acredita-se ser de suma importância incluir nas

pesquisas do corpo acadêmico estudos que acompanhem a transformação dos processos

comunicacionais no âmbito dos movimentos sociais populares brasileiros. E que também

possam contribuir para solucionar problemas de ordem prática, advindos de uma parcela

significativa da sociedade vilipendiada dos seus direitos básicos. O direito à comunicação é um

deles. Transformar a tese em uma fonte de dados inteligível e de fácil acesso é fundamental

para contribuir com o campo da comunicação, ao mesmo tempo em que se torna importante

para o processo político dos movimentos sociais.

Muniz Sodré (2012, p.177) afirma que qualquer tentativa de descrição definitiva das

tecnologias digitais está condenada à rápida obsolescência, porque essas tecnologias são

continuamente emergentes. Ciente dessa assertiva, realizamos um estudo sobre a relação entre

os movimentos e o uso que fazem das tecnologias de informação e comunicação, captando

justamente o movimento.

Além de mapearmos o cenário atual da comunicação nos movimentos sociais, iremos

contribuir com o debate fornecendo um arcabouço teórico que será construído na medida em

que tratarmos das práticas e especificidades comunicativas dos movimentos sociais brasileiros

na internet.

Para a viabilização deste trabalho propomos o que denominamos de cartografia

comunicacional apoiada na teoria fundamentada em dados.

A tese está estruturada em cinco capítulos, sendo o primeiro teórico-metodológico, os

três seguintes teóricos e o último que apresenta os resultados da pesquisa em conjunto com as

teorias empregadas nos capítulos anteriores. Sendo assim:

O objetivo do primeiro capítulo é explicitar os aportes teórico-metodológicos utilizados

nesta pesquisa. A explicação e fundamentação do método de abordagem conceitual, ancorado

no materialismo histórico-dialético, torna-se tão importante quanto descrever as técnicas e

estratégias utilizadas para alcançar os objetivos propostos, bem como explicar como estas foram

utilizadas. Sendo assim, a cartografia comunicacional foi viabilizada com a utilização dos

seguintes procedimentos: pesquisa bibliográfica, revisão de literatura, pesquisa documental,

observação participante netnográfica e realização de entrevistas semiestruturadas. Para a análise

e interpretação dos dados apresentados nos apoiamos nas técnicas da teoria fundamentada em

dados.

20

O segundo capítulo apresenta uma abordagem compreensiva da comunicação e delimita

nosso entendimento sobre os processos comunicacionais em pauta, no âmbito dos movimentos

sociais. Ou seja, antes de iniciar a contextualização sobre eles é preciso sistematizar nosso

conhecimento e entendimento sobre a comunicação, especialmente, sobre os processos

comunicacionais comunitários, fincando nossas bases teóricas em abordagens centradas nas

dimensões críticas e vinculativas da Comunicação Social. Este capítulo é importante porque

nos dará a base para a construção dos demais e, especialmente, para o último, no qual propomos

uma teoria fundamentada em dados. Nosso olhar para a comunicação se dará a partir deste

arsenal, aqui traçado. Acreditamos que, desta forma, munidos de teoria, poderemos ousar na

potência da comunicação em processo na internet.

O terceiro capítulo apresenta uma revisão de bibliografia pertinente e focada cuja

fundamentação teórica sustenta, inicialmente, a abordagem conceitual da pesquisa. Traçamos

um breve panorama sobre os movimentos sociais, dos clássicos aos contemporâneos, passando

pelas abordagens que têm sido aplicadas aos estudos desta temática, para destacarmos as

configurações atuais no contexto das tecnologias de informação e comunicação. Logo, alguns

aspectos da comunicação nos movimentos sociais serão destacados, a partir das redes de

autocomunicação e autonomia, bem como a categoria teórica multidão é utilizada para refletir

sobre o objeto de estudo.

Sobre a pesquisa de teoria fundamentada em dados, ela vem sendo discutida há muito

tempo. Os pioneiros Glaser e Strauss (1967) defendem que a revisão bibliográfica deve ser

adiada até que a análise dos dados seja completada. Essa postura diz respeito a uma suposta

contaminação dos dados construídos por teorias empreendidas anteriormente. Nossa postura

coaduna com a orientação de Charmaz (2009, p.227) de que a teoria fundamentada empreendida

na pesquisa poderá refinar, ampliar e/ou contestar os conceitos existentes.

O quarto capítulo contextualiza a comunicação desenvolvida pelos movimentos sociais

na internet. A saber, como os processos comunicacionais foram se alterando devido às

transformações das tecnologias de informação e comunicação. Além de destacar a internet

como espaço híbrido de interlocução dos movimentos sociais, discute as possibilidades da luta

democrática em torno das formas tecnológicas de cidadania.

O quinto e último capítulo está baseado em trabalho de campo online e visa a

sistematizar a tese por meio da confrontação e comparação dos capítulos teóricos às análises de

dados obtidas. A composição da presente metodologia descrita e aprofundada no capítulo

primeiro será aqui resgatada para demostrar como os resultados foram alcançados. A construção

21

dos dados empreendidos poderá refinar, ampliar, contestar ou suplantar os conceitos existentes

e teorizados nos capítulos anteriores.

22

CAPÍTULO I - O MÉTODO EM DISPERSÃO

“Alice - Eu só queria saber que caminho tomar. Mestre Gato - Isso depende do lugar

onde quer ir[...]”

(Alice no País das Maravilhas, 1951).

A palavra método vem do grego methodos e significa seguir um caminho. Apesar do

significado de sua tradução ser de fácil entendimento, a acepção dada pelo pesquisador causa

muitas distorções nas pesquisas científicas de nível acadêmico. Para Cecilia Minayo (2009,

p.22) “a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que

possibilitam a apreensão da realidade e também o potencial criativo do pesquisador”.

Sumariamente, método de abordagem diz respeito aos fundamentos teóricos e epistemológicos

que vão embasar cientificamente o estudo, as linhas de pensamentos adotadas, ou seja, o modo

de obtenção do conhecimento. Já o método de procedimento ou procedimentos metodológicos

são, especificamente, as etapas procedimentais do trabalho de investigação e de procura dos

resultados.

Para o desenvolvimento desta pesquisa trabalhamos com algumas especificidades de

três métodos, o materialismo histórico dialético, o cartográfico e a grounded theory (teoria

fundamentada em dados), como veremos mais adiante.

Gaston Bachelard (1971, p.136) diz que, na realidade, o método é “uma astúcia de

aquisição, um novo e útil estratagema na fronteira do saber”. Em outras palavras, o método

científico é aquele que procura o risco, pois a dúvida está à frente e não atrás como na via

cartesiana. Para Minayo (2009, p.11-12) o labor científico caminha em duas direções, “numa,

elabora suas teorias, seus métodos, seus princípios e estabelece seus resultados; noutra, inventa,

ratifica seu caminho, abandona certas vias e encaminha-se para certas direções privilegiadas”.

A atual concepção do método pode ganhar variadas matizes se pensarmos nas diversas áreas do

conhecimento. As ciências sociais, especialmente as aplicadas, estão entre aquelas áreas que

têm se empenhado no desenvolvimento de métodos eficazes para a apreensão do conhecimento.

Porquanto, durante muito tempo tais áreas das ciências eram vistas como “menores”, ineficazes

e, quiçá, fontes de conhecimentos plausíveis e palpáveis, sendo este o papel das ciências exatas.

O quadro hoje parece ser outro, na medida em que as ciências humanas passam a se

valer de métodos consistentes para o desenvolvimento de trabalhos críticos e críveis, com

23

menos intuito de estabelecer uma verdade e mais com o de colocar em dispersão vários pontos

de vista e até mesmo várias verdades sobre um mesmo assunto.

As pesquisas em comunicação ganham corpo, forma, produzem saber e comunicam.

Mas alguns pesquisadores afirmam que existe certa carência na área, pois tais pesquisas não

conversam entre si e por esse motivo não avançam, como aponta Muniz Sodré (2013)3. Quiçá,

essa carência ocorra devido ao próprio entendimento de qual seria o objeto4 da comunicação,

senão ela mesma.

Para Cecilia Minayo (2009, p.16) a pesquisa é a “atividade básica da ciência na sua

indagação e construção da realidade”. Para a autora a pesquisa é um constructo teórico, mas

que é orientada do pensamento à ação. De um problema de ordem prática, da vida cotidiana,

emerge um problema de ordem intelectual. Sendo assim, pesquisamos porque temos dúvidas e

inquietações sobre temas que são frutos da realidade concreta. Pesquisamos porque avançar no

processo do conhecimento e poder comunicá-lo é tão importante quanto desfrutar de

descobertas científicas. Talvez não consigamos alterar determinados processos, mas suscitar

questões e apontar alternativas por meio de pesquisas e estudos teórico-empíricos já é em si um

grande passo.

Neste universo da pesquisa insere-se o termo pesquisa social, o qual para Minayo (2009)

tem uma carga histórica e, assim como as teorias sociais, reflete posições frente à realidade. A

pesquisa social revelada em seu contexto histórico pode contribuir para a compreensão das

contradições e conflitos que permeiam seu caminho. Para Gil (2014, p.26) a pesquisa social

pode ser definida como um processo que, “utilizando a metodologia científica, permite a

obtenção de novos conhecimentos no campo da realidade social”.

Sobre a pesquisa qualitativa para Minayo (2009, p.21) ela responde a questões muito

particulares, pois as Ciências Sociais se ocupa com um nível de realidade que não pode ou não

deveria ser quantificado.

Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das

aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de

fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade social, pois o

ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por

interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com

seus semelhantes. O universo da produção humana que pode ser resumido no

mundo das relações, das representações e da intencionalidade e é objeto da

3 Informação verbal obtida em aula inaugural no programa de Pós-Graduação em Comunicação, realizada na

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) no ano de 2013. 4 Para Vera Veiga França (2010, p.42) “o objeto da comunicação não são os objetos comunicativos do mundo,

mas uma forma de identificá-los, de falar deles – ou de construí-los conceitualmente”.

24

pesquisa qualitativa dificilmente pode ser traduzido em números e indicadores

quantitativos (MINAYO, 2009, p.21).

Para Jorge González (2011)5, a pesquisa não é uma invenção idealista do pesquisador e

tampouco deveria ser tachada como qualitativa ou quantitativa. Sendo assim, mais do que

categorizar esta pesquisa como qualitativa ou quantitativa, pretendemos com o estudo produzir,

metodologicamente, “observáveis”6. Apoiamo-nos em González (2011) quando afirma que

toda pesquisa precisa ter boas descrições, cujas explicações vêm desde os processos.

1 Pistas do método: na trilha do materialismo histórico-dialético

Tomando como ponto de partida o pensamento de Marques de Melo, o qual afirma que

é o objeto quem faz o método7 (nunca o contrário), indicamos que, guiados por essa visão,

nosso objeto de estudo foi constituído como sujeito integrante e fundamental para o

desenvolvimento da tese, desde a primeira linha. Destarte, propomos um estudo teórico-

empírico com abordagem materialista histórico-dialética.

Alguns aspectos depreendidos do método materialista histórico-dialético nortearam a

pesquisa. Mais à frente detalharemos como o método foi empregado e em quais aspectos nos

baseamos. E para delinear o conjunto de procedimentos mais gerais para a investigação,

viabilizado pelo intermédio de técnicas, tivemos o respaldo do método cartográfico, que

também será detalhado posteriormente.

A história da dialética em suas primeiras versões surgiu na Grécia Antiga com o filósofo

Sócrates. Definida como a arte do diálogo, a arte de conversar, a dialética foi amplamente

utilizada por esse filósofo em suas discussões. O mesmo fazia Platão, que utilizava a dialética

para a composição de seus diálogos. Porém, é com Hegel, importante filósofo alemão do século

XIX, que a dialética se torna uma grande preocupação e objeto de estudo da filosofia. Para o

filósofo, a dialética fundava-se na contradição, na negação, a partir da tríade – tese – antítese –

síntese. Com Karl Max a dialética passa a ser uma tentativa de superar a separação entre sujeito

e objeto (MARCONDES, 2001).

5 Informação verbal durante curso de Culturas Populares: dos Métodos aos Conceitos e das Motivações à

Metodologia, ministrado pelo prof. Jorge A. González, no dia 28 de março de 2011. Durante a primeira estada do

professor González na Universidade Metodista de São Paulo, como professor visitante. 6 O observável é o dado mais a interpretação, ou ainda, é o conjunto de relações que estabelecemos com o objeto

estudado. 7 Informação verbal durante aula ministrada na disciplina Processos Comunicacionais, no primeiro semestre de

2011.

25

De acordo com Leandro Konder (1998) a dialética marxista superou o pensamento

idealista hegeliano no sentido de avançar as proposições aventadas por Hegel, conferindo um

sentido material e histórico ao conceito. Para Marx, Hegel tratava a dialética no plano do

espírito, no mundo das ideias. Enquanto o mundo dos homens requer a sua materialização. O

sentido material diz respeito a como os homens se organizam na sociedade, já o sentido

histórico diz respeito a como esses homens se organizam por meio da construção da sua

história.8

Nesse sentido, a base dialética foi de fundamental importância para compreender a

complexidade, as contradições, as superações e as mediações históricas que foram reveladas no

interior e no entorno do sujeito-objeto estudado. Uma visão que abarcou não apenas uma

posição, mas várias constituintes do sujeito-objeto, que é formado por pessoas, que por sua vez

são passíveis de contradições e alteridades.

Introduzir a reflexão filosófica nesta discussão, entretanto, é importante na medida em

que ela fornece base conceitual para entender as transformações do método e o que se entende

por método científico neste trabalho. Outrossim, permite a leitura mais atenta e ao mesmo

tempo dinâmica, própria do pensamento dialético. No entanto, três preocupações pertinentes

caminharam com a discussão. A primeira foi a de não aprofundar nos problemas filosóficos, a

segunda foi de não introduzir apressadamente a temática sem recorrer a seus fundadores e a

terceira preocupação foi de não aprisionar o método, mas de liberá-lo seguindo as pistas da

historicidade do seu próprio conceito adaptando-o a realidade concreta.

Com base em Marcondes (2001, p.27) o caráter crítico parece ser basilar na perspectiva

da produção do conhecimento. O caráter crítico na produção do saber era um dos aspectos que

constituía as primeiras escolas de pensamento filosófico. Daí reside a noção de não apenas

refutar o pensamento mítico, substituindo um sistema de pensamento por outro. Mas de colocá-

lo como uma vertente de pensamento que não busca o dogmatismo de doutrinas, como

pensamento único, de caráter sobrenatural, mas justamente de colocar em discussão e debate as

verdades estabelecidas, justificadas pela teoria tradicional do mito. Todavia, a exigência era a

de que os filósofos justificassem suas propostas, sendo estas, submetidas à crítica.

No decurso da história os conhecimentos científicos dos homens progrediram. Na

antiguidade grega, os conhecimentos científicos quase não existiam e os sábios e ao mesmo

tempo filósofos, viam andar de mãos dadas a filosofia e a ciência, sendo uma extensão da outra.

8 Ver Marcondes, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Editor, 2001.

26

Ao passo que a ciência buscava explicações sobre os fenômenos do mundo, entrava em

contradição com dogmas da filosofia idealista criando assim um conflito entre a filosofia da

época e a ciência, suficiente para que se separassem.

No entanto, a razão humana surge como divisora de águas entre a ciência antiga e a

nova. Ganha, então, centralidade a partir do filósofo francês René Descartes no século XVII,

quando apresenta entre outros tratados, o Discurso do Método9. Todavia, seu pensamento tem

como pano de fundo as transformações na Europa entre os séculos XVI e XVII. A razão é palco

para que as ideias sobre o conhecimento científico pudessem ser sistematizadas. A contribuição

cartesiana do ponto de vista do método e da fundamentação científica reside na atitude crítica,

introduzida pela dúvida, que fornece assunto para longas reflexões acerca dos limites do

conhecimento humano e também sobre o questionamento da ciência tradicional que permeou a

filosofia moderna.

Em contrapartida, o materialismo progrediu juntamente com o progresso da civilização,

com a escrita, a urbanização, as leis etc. Nas palavras de Politzer (1979, p.21) “para chegar,

com o materialismo moderno, o de Marx e Engels, a reunir, de novo, a ciência e a filosofia no

materialismo dialético”, assunto que veremos mais adiante.

Para nossa explanação importa saber quais as bases fundantes do materialismo e

também da dialética. E, ainda, como esses dois sistemas de pensamento se entrelaçaram e foram

renovados para tornar-se a base do que temos hoje.

Logo, se apontarmos a filosofia como uma grande diligência de explicar/interpretar o

mundo, podemos situar duas vertentes para tal explicação. Temos o idealismo e o materialismo,

de um lado os filósofos idealistas calcados na força do sobrenatural, na força de um ou mais

espíritos, a anticiência. De outro lado, os filósofos materialistas apoiados na força da

experiência e dos fatos, a ciência. Para Politzer (1979, p.21) “se o idealismo nasceu da

ignorância dos homens [...] o materialismo nasceu da luta das ciências contra a ignorância ou

obscurantismo”. A este respeito Politzer vai demostrar que a ignorância foi mantida e sustentada

na história das sociedades por forças culturais e políticas que partilhavam as concepções

idealistas e justamente por esses motivos não fazia sentido difundir a concepção moderna do

materialismo, tampouco em seu viés dialético.

O materialismo dialético, a partir de Marx e Engels, é um método de interpretação da

realidade fundamentado em três grandes princípios (GIL, 2014; POLITZER, 1979; TRIVIÑOS,

9 Descartes, René. Discurso do Método. São Paulo-Brasília: Ática/Ed. UnB, 1989.

27

1987), a saber: a) unidade dos opostos - todos os objetos/fenômenos sociais se constituem por

aspectos contraditórios; b) quantidade e qualidade - são características intrínsecas aos objetos /

fenômenos e estão relacionados; c) negação da negação – conduz a um desenvolvimento e não

um retorno ao que era anteriormente.

Para o entendimento e análise destes três princípios ou categorias, de maneira geral é

preciso um ponto de partida, que pode ser compreendido segundo Triviños (1987, p.55) pelas

categorias básicas do materialismo dialético, a consciência, a matéria e a prática social. A

grande propriedade da consciência é refletir a realidade objetiva. Dessa maneira, surgem

percepções, sentidos, juízos de valor, conceitos etc., no entanto, ela vai se transformando ao

longo do tempo. Em outras palavras, quando surge o ser humano surge também a sua

consciência, em constante transformação. A matéria pode ser compreendida num sistema

concreto de estruturas objetivas e jamais isolada no universo, o sistema socialmente organizado

(a sociedade e o homem), o sistema biológico (desde o microrganismo ao homem), são

exemplos de matéria, esta é anterior a própria noção de consciência. A prática social de forma

ampla é a atividade material com vistas à transformação da natureza e da vida social.

Hardt e Negri (2014, p.188) alertam que “a chave do método marxista do materialismo

histórico é que a teoria social deve ser modelada segundo os contornos da realidade social

contemporânea”. Os autores, ao traçar seu sistema de pensamento, apontam os elementos que

consideram fundantes do materialismo histórico marxista, renovando-os: a tendência histórica,

a abstração real, o antagonismo e a constituição da subjetividade. Hardt e Negri (2014) são

enfáticos ao dizer que é preciso ultrapassar o método, na medida em que a própria história

avança e a realidade se transforma.

Na ideia de tendência reside a noção de periodização histórica. Constantemente ocorre

mudanças no interior da sociedade e existe também muitos paradigmas que vão colaborar com

nossas formas de pensamento, nossas estruturas de conhecimento, a própria ideia daquilo que

é normal ou não. Uma série de acontecimentos históricos vão marcar a criação de novos

paradigmas e consequentemente a passagem entre esses períodos é a mudança de uma

tendência. Um bom exemplo é a passagem da hegemonia do trabalho industrial à do trabalho

imaterial.

O capital cria uma forma de produção colaborativa e interligada na qual o trabalho não

é individual, mas produzido em colaboração com outros, apontam Hardt e Negri (2014, p. 192-

193). Na produção capitalista os tipos de trabalhos específicos têm algo em comum, o trabalho

28

abstrato, aquele independente de sua especificidade. No entanto, se o trabalho é a fonte de toda

a riqueza, o trabalho abstrato é a fonte do valor.

A abstração real tem início com a produção, elemento fundamental na análise de Marx,

e pode ser entendida como a própria noção de trabalho. No entanto, o novo paradigma nas

relações de trabalho prejudica a divisão entre tempo de trabalho e tempo de vida, colaborando

com a criação não dos meios da vida social, mas com a própria vida social. Para Hardt e Negri

(2014, p.193) hoje não faz sentido falar em unidade temporal de trabalho como medida básica

de valor, pois o “trabalho efetivamente continua a ser a fonte essencial de valor na produção

capitalista, isto não muda, mas precisamos investigar de que tipo de trabalho estamos tratando

e quais são as suas temporalidades” (HARDT; NEGRI, 2014, p.193). Essa visão permite aos

autores lançar uma nova perspectiva para a transformação da produção capitalista, lembrando

que o capital sempre esteve voltado para a produção, reprodução e o controle da vida social.

Agora ele investe a própria vida - máquina produtiva - numa produção biopolítica.

Seguindo a linha dos autores (2014, p.198) a palavra exploração remete “à constante

experiência de antagonismo dos trabalhadores”, pois a exploração revela uma violência

estrutural cotidiana do capital contra esses trabalhadores. No entanto, os autores indicam que

não cabe mais mensurar a teoria do valor em termos quantitativos, tampouco a exploração

deveria ser pensada assim. O entendimento parte do pressuposto de que a produção de valor

deve ser entendida em termos de produção do comum e de igual forma devemos pensar a

exploração como a expropriação do comum. Nesse segundo aspecto, aquilo que é feito em

comum passa a ser privado, daí a expropriação do comum, que pode ser aplicada à produção de

linguagens, conhecimentos etc. “Os lucros do capital financeiro são provavelmente a

expropriação do comum em sua forma mais pura” (HARDT; NEGRI, 2014, p.198).

O último elemento fala sobre a produção de subjetividade, aquela gestada nas práticas

materiais de produção. Para Hardt e Negri (2014, p.200) “a subjetividade dos trabalhadores

também é criada no antagonismo da experiência da exploração” e seguem a trilha de Marx ao

afirmar que ele reconhece “a pobreza como estaca zero da atividade humana, como a figura da

possibilidade real e, portanto, fonte de toda a riqueza” (HARDT; NEGRI, 2014, p.201). Tal

afirmativa define a subjetividade do trabalhador no que concerne à própria produção imaterial.

Em outras palavras, a riqueza produzida pelo trabalhador é expropriada, mas ele preserva a sua

capacidade de produzir nova riqueza, resultado da sua força.

No entanto, como todo método e teoria de abordagem, existem críticas a respeito.

Cecilia Minayo (2009, p.24) se posiciona sobre as críticas relacionadas ao marxismo, afirmando

29

que elas enfatizam a dificuldade para a criação de instrumentos compreensivos, porque a

tendência dos autores clássicos e de seus seguidores é importar respostas prontas baseadas na

exegese teórica, perdendo a realidade empírica. Para Minayo, (2009, p.24):

A dialética trabalha com a valorização das quantidades e da qualidade, com as

contradições intrínsecas às ações e realizações humanas, e com o movimento

perene entre parte e todo e interioridade e exterioridade dos fenômenos.

Porém, as análises marxistas voltadas para a consideração dos valores,

crenças, significados e subjetividade são quase inexistentes porque a prática

marxista hegemônica de análise da realidade tem sido macrossocial ou mesmo

positivista.

A autora também cita a questão da subjetividade como um componente quase

inexistente nas análises com base no marxismo. E é justamente o que pretendemos, incluir em

nossas análises, a subjetividade. Como vimos anteriormente, em Hardt e Negri (2014) a

constituição da subjetividade é um dos principais elementos do método revisitados.

Sobre as críticas ao método marxista, Asti Vera (1983, p.59-60) aponta que “para Marx,

a variável independente é a economia; para Weber, a religião. Ambos incorrem no mesmo erro,

que consiste em condicionar todo o sistema a uma de suas partes”. Hardt e Negri (2014)

divergem desse pensamento quando afirmam não ter como separar economia, política de outras

instâncias da sociedade, demonstrando o caráter biopolítico dessa relação. Talvez aí resida uma

das próprias críticas dos autores quando propõem uma revisão e releitura do método marxista.

Temos ciência de que o debate teórico sobre o método em questão é importante,

inclusive, torna-se fundamental o como aplicá-lo. Triviños (1987, p.73-74) apresenta de forma

esclarecedora algumas orientações para o desenvolvimento de pesquisa com cunho materialista

dialético, cujos procedimentos orientam o conhecimento do objeto, tais como:

a) A observação do fenômeno em sua fase inicial, partindo do princípio de que

nenhum fenômeno é igual a outro. É a singularidade de cada fenômeno/objeto estudado. O

objeto sendo captado em sua qualidade geral.

b) Análise do fenômeno, estabelecimento de suas relações históricas, sociais, e

acrescentamos, biopolítica.

c) A realidade concreta do fenômeno, suas possibilidades, potencialidades, sua

forma, conteúdo, a descrição, análise, síntese etc.

Para o desenvolvimento desta pesquisa, seguimos os procedimentos acima descritos, os

quais nos conduzem ao método de abordagem e nos orientam a construção dos capítulos

teóricos com utilização de autores que comungam com este tipo de abordagem. Nossa intenção

30

no estudo foi a de seguir o próprio devir dos movimentos, desde sua história à dinamicidade

(PERUZZO, 2005, p.130) pela qual passam. Além disso, pautamo-nos nas categorias

revisitadas por Hardt e Negri (2014): a tendência histórica, a abstração real, o antagonismo e a

constituição da subjetividade. A apropriação dos elementos constituintes do materialismo

histórico visa a captar como as relações sociais se constroem dentro de um sistema hegemônico

estabelecido e entender como essa realidade social concreta é construída a partir das relações

de poder.

Passar pelas condições de possibilidade dessas relações sob o ponto de vista das

categorias estudadas por Hardt e Negri (2014) e Triviños (1987) é dialogar com Foucault

(2006), com a desconstrução de verdades estabelecidas, com o fato da própria teoria ser uma

prática e, especialmente, com a produção de subjetividades e a questão do biopoder. Adotar a

perspectiva foucaultiana é imprimir um estilo de pensamento que ao refletir sobre o presente

inevitavelmente iremos ao passado, tendo em vista relações históricas de poder.

1.1 Procedimentos metodológicos

Para alcançar os objetivos propostos nesta pesquisa e para compor o quadro teórico-

metodológico o procedimento de abordagem metodológica consistirá no método cartográfico.

O desígnio da cartografia na pesquisa é que ela busca acompanhar o processo. E foi exatamente

o que buscamos com o mapeamento - o processo - aquilo que estava entre o que estava por vir,

ou seja, um mapa aberto.

A pesquisa bibliográfica, a revisão de literatura, a pesquisa documental e a observação

participante netnográfica aliada às técnicas da teoria fundamentada em dados compõem a

presente metodologia. A junção dos procedimentos citados tem como base uma teoria de

abordagem centrada nas contradições próprias dos movimentos sociais, de sua realidade

concreta e suas transformações na atualidade.

Inicialmente apresentaremos as abordagens conceituais sobre a cartografia e como ela

pôde ser utilizada no campo da comunicação social. Em seguida, trataremos do detalhamento

dos procedimentos, técnicas e estratégias metodológicas utilizadas nesta pesquisa,

ousadamente, baseada na teoria fundamentada em dados.

31

1.2 Cartografia Comunicacional

Na introdução de “Mil Platôs”, Gilles Deleuze e Félix Guattari (1995a, p.10-11) dizem

que escrever nada tem a ver com significar, mas com cartografar, mesmo que sejam regiões

ainda por vir. O princípio da cartografia, em “Mil Platôs”, diz respeito ao rizoma, o qual na

botânica é um tipo de haste subterrânea, que permite ramificar-se em qualquer ponto. Conforme

aponta Deleuze e Guattari (1995a, p.14), em si mesmo o rizoma tem formas muito diversas,

pois ele não cessaria de conectar cadeias semióticas, organizações de poder, ocorrências que

remetem às artes, às ciências, às lutas sociais.

O rizoma refere-se “a um mapa que deve ser produzido, construído, sempre

desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saídas, com suas

linhas de fuga” (DELEUZE; GUATTARI, 1995a, p.32). A cartografia é um mapa aberto,

móvel, conectável e pode ser modificado constantemente em todas as suas dimensões.

Na perspectiva do campo comunicacional destaca-se os estudos cartográficos

empreendidos por Jesús Martin-Barbero (2004), Néstor García Canclini (2009) e Nísia do

Rosário. Em 1980 Martín-Barbero traça seu primeiro mapa de investigação em comunicação e

a partir desse ofício artesanal que guiou a longa investigação fruto da obra Dos meios às

mediações. Nela, Martin-Barbero (2002, p.18) sintetiza o que entende por mapa noturno, aquele

que serve para indagar a dominação, a produção e o trabalho, no entanto, a partir das brechas.

Com a proposta de mapa noturno a intencionalidade do autor é recolocar o estudo dos meios a

partir da investigação das matrizes culturais e dos processos comunicacionais que envolvem

diferentes atores sociais.

Um mapa não para a fuga, mas para o reconhecimento da situação desde as

mediações e os sujeitos, para mudar o lugar a partir do qual se formulam as

perguntas, para assumir as margens não como tema, mas como enzima. Porque

os tempos não estão para síntese, e são muitas as zonas da realidade cotidiana

que estão ainda por explorar, zonas em cuja exploração não podemos avançar

se não apalpando, ou só com um mapa noturno (MARTÍN-BARBERO, 2002,

p.18).

A própria trajetória intelectual de Martín-Barbero pode ser comparada a um mapa

aberto, diferente daquele inaugurado pela geografia tradicional, com delimitações territoriais e

acabado. Na introdução de Ofício de Cartógrafo, o autor (2002, p.17) faz um apanhado sobre o

seu ofício na cartografia, cuja aspiração é renovar o mapeamento dos estudos de comunicação

na América Latina. Martín-Barbero (2002, p.15) situa também o trabalho de García Canclini

32

em “A Globalização Imaginada”, ao apontar que a nova forma de se fazer um mapa exige a

mudança de discurso e escrita. Porque ele não se limita a expor teorias sobre a globalização,

mas assume de frente os desafios que o fato de pensar sobre a globalização impõe às ciências

sociais, começando pela impossibilidade de pensá-la numa única direção. Daí, García Canclini

opta por construir suas pistas a partir das perguntas e das narrativas, uma nova forma de fazer

um mapa.

Em texto mais recente García Canclini (2009, p.15) faz a seguinte indagação,

“perguntamo-nos como encaixar em algo que pareça real, tão real como um mapa, este feixe de

comunicações distantes e incertezas cotidianas, atrações e desenraizamentos, que se nomeia

como globalização”. No fundo o que ele busca é uma teoria que organize as diversidades, que

dê conta de não somente reconhecer as diferenças, mas de como corrigir as desigualdades e

como conectar as maiorias às redes globalizadas (GARCÍA-CANCLINI, 2009, p.16).

Numa constante tentativa de escape dos traços do pensamento pós-moderno, o autor

desenha o mapa daquilo que ele assume por interculturalidade. “As teorias comunicacionais

nos lembram que a conexão e a desconexão com os outros são parte da nossa constituição, como

sujeitos individuais e coletivos. Portanto, o espaço inter é decisivo” (GARCÍA-CANCLINI,

2009, p.31). Ao colocar o inter no cerne da investigação, o autor sinaliza os fracassos políticos

no âmbito da América Latina ao mesmo tempo em que aponta a participação na mobilização

de recursos interculturais para a construção de alternativas. Ambos os autores, na perspectiva

do campo comunicacional, traçam as rotas de suas navegações, cada um à sua maneira.

Para Suely Rolnik (1989) a prática de um cartógrafo diz respeito às estratégias das

formações do desejo no campo social. Para a autora pouco importa quais setores da vida social

o cartógrafo tome como objeto, o que importa é que ele esteja atento às estratégias do desejo

em qualquer fenômeno da existência humana, desde os movimentos sociais e grupos,

institucionalizados ou não. O desejo, do ponto de vista da psicanálise, é entendido como a noção

da falta, ou seja, o sujeito é pensado e constituído a partir da falta, da sua incompletude. É a

partir desse parâmetro que Rolnik percebe a noção do desejo.

Rolnik (1989) diz que não é possível definir o método cartográfico em termos de

referência teórica e procedimento técnico, somente sua sensibilidade. Porém, afirma que teoria

é sempre cartografia e, dessa forma, qualquer fonte de informação pode ser válida, tudo o que

servir para criar sentido é bem-vindo. “Todas as entradas são boas, desde que as saídas sejam

múltiplas”. Rosário (2008, p.13), coaduna com Rolnik quando afirma que “a cartografia busca

desconstruir os discursos de verdade estabelecidos tensionando linhas de força, capturando o

33

novo, buscando a alteridade e o que é negado ou está escondido”. Rolnik tem razão, pois a

sensibilidade é a mais potente ferramenta estratégica do pesquisador. Por meio dela, pode-se

adotar determinada teoria em detrimento de outra, uma técnica em detrimento de outra, assim

como, no meio do caminho o cartógrafo pode abandonar a teoria ou a técnica empregada que

não esteja mais dando conta do contexto social estudado.

A cartografia desacomoda a pesquisa que determina os objetos, modela os métodos e

direciona os sujeitos visando à construção de um mapa sempre inacabado. Esse é seu o devir,

desconstruir para construir novas pontes, desamarrar para amarrar outros nós e ser máquina

produtora de desejos e subjetividades.

A partir do que descreve Rolnik (1989) fomos ao campo munidos de quatro itens:

1) Um critério.

2) Um princípio.

3) Uma regra.

4) Um breve roteiro de preocupações.

A cartografia - comunicacional - com o respaldo dos autores mencionados foi

construída na própria caminhada da investigação. Os quatro itens apontados foram

fundamentais para a composição da presente metodologia.

Os procedimentos teórico-metodológicos empregados no decorrer da pesquisa

compõem o que chamamos de cartografia comunicacional. A investigação foi dividida em

etapas, mas, elas não foram estanques ou sequenciais, pois existiam etapas que dependiam de

momentos anteriores, o que abordaremos a seguir.

1.2.1 Pesquisa bibliográfica – Primeira etapa

Para Luna (1997, p.20) uma revisão teórica tem o objetivo de circunscrever um dado

problema num quadro de referência teórico que pretende explicá-lo. A revisão visa a descrever

o que já se sabe sobre o tema, suas principais lacunas, nas quais se encontram os entraves

metodológicos e teóricos.

Realizamos uma revisão de literatura sobre os movimentos sociais brasileiros, com o

intuito de sistematizar as transformações ocorridas com eles a partir do advento da internet.

Buscamos com a revisão um arcabouço teórico sobre as transformações pelas quais passaram

determinados movimentos, especialmente com a utilização das TICCS. A revisão ajudou a

compreender a conjuntura, atualizando conceitual e epistemologicamente os tipos de

34

movimentos sociais, principalmente aqueles presentes na internet, sob o recorte do campo

comunicacional.

A revisão e sistematização da literatura estão baseadas nas obras de Antonio Negri

Michel Hardt e (2001; 2014), Cicilia Peruzzo (2004; 2014), Maria da Glória Gohn (2000; 2012;

2013; 2014), Manuel Castells (2000; 2003; 2013), Muniz Sodré (2004; 2013) entre outros.

Nessa etapa foram adotadas as teorias que nos permitiram compor a revisão de literatura dos

movimentos sociais e da comunicação na perspectiva do comum, o marco teórico da

investigação. Dentre os principais conceitos utilizados para nortear o trabalho, destacam-se o

de movimento social, multidão, rede, internet, espaço híbrido, dispositivo, comum,

comunicação, comunicação comunitária, cidadania e democracia.

Mais do que revisitar conceitos, a revisão buscou brechas, rupturas, descontinuidades a

fim de lançar um novo olhar sobre os movimentos sociais, institucionalizados ou não, dispersos

na rede. Para compor o marco teórico da pesquisa, após o levantamento bibliográfico e a revisão

da literatura pertinente correlacionamos as demais teorias empregadas aos resultados das

análises e interpretação dos dados, com base na teoria fundamentada em dados explicitada mais

adiante.

1.2.2 Pesquisa documental – Segunda etapa

Com base em autores como Gil (2008), Prodanov e Freitas (2013) e Triviños (1990),

nos valemos da pesquisa documental para três objetivos: 1 - realizar levantamento de dados

sobre os conteúdos relativos aos movimentos sociais que foram publicados nos principais

portais jornalísticos do país (G1, IG, Uol e Terra); 2 - extrair dados oficiais sobre dez

movimentos para desenvolver posterior mapeamento; 3 - levantar documentos desenvolvidos

pelo MST e MAB sobre as diretrizes de utilização da comunicação, conforme será elucidado

mais adiante na coleta de dados arquivais. Isso, a fim de levantar e selecionar os documentos

legais e outros que consideramos importantes sobre a comunicação desenvolvida pelos

movimentos sociais. A pesquisa documental caminhou com a netnografia e por meio deste

procedimento fizemos um mapeamento inicial das redes sociais virtuais utilizadas, para em

seguida, tratar da coleta dos materiais localizados.

35

1.2.3 Netnografia

Para Robert Kozinets (2014) a netnografia é pesquisa observacional participante

baseada em trabalho de campo online. A netnografia “utiliza comunicações mediadas por

computador como fonte de dados para chegar à compreensão e à representação etnográfica de

um fenômeno cultural ou comunal” (2014, p.61-62). Ou seja, a netnografia é uma adaptação

da etnografia e sua abordagem é adaptada para estudar fóruns, grupos de notícias, blogs,

comunidades audiovisuais, fotográficas e de pod-casting, mundos virtuais, jogadores em rede,

comunidades móveis e websites de redes sociais (KOZINETS, 2014, p.11). O etnógrafo vai a

campo com seu diário e com suas habilidades, a fim de observar e investigar a cultura do outro.

O netnógrafo fica no seu lugar, porém precisa das redes telemáticas para lançar seu olhar sobre

o outro.

Kozinets (2010, p.5) afirma que “como a etnografia presencial, a netnografia é

naturalista, imersiva, descritiva, multi-métodos, adaptável e focada no contexto” (2010, p.1).

Para o autor, a netnografia é a etnografia adaptada às complexidades de nosso mundo social

contemporâneo, mediado pela tecnologia. Em publicação mais recente Kozinets (2014, p. 134)

afirma que “a internet não é realmente um lugar ou um texto; ela também não é pública ou

privada. Tampouco é um único tipo de interação social, mas muitos tipos [...]. A internet é tão

somente internet”.

A abordagem netnográfica possui muitas particularidades, dentre elas, a escolha do tipo

de pesquisa que pode se apresentar de duas formas. A primeira é a pesquisa online em

comunidades, ou seja, que existe previamente e mantém interação social e física entre os

participantes. A segunda forma é a pesquisa em comunidades online, ou seja, a comunidade é

formada a partir das tecnologias de comunicação e informação e que, por sua vez, funciona

somente no espaço online. Existe ainda, a possibilidade de se realizar uma netnografia pura

aplicada ao estudo de uma comunidade ou grupo em questão. Daí, neste caso existe intensa

interação social entre o pesquisador e a comunidade ou grupo. Nesse sentido, o pesquisador

permanece no grupo o tempo necessário para a realização da pesquisa, sempre com o

consentimento dos membros.

No entanto, a nossa empreitada, seguindo aos desígnios da cartografia nos possibilitou

flexibilizar e adaptar os procedimentos netnográficos ao mapeamento proposto para esta

pesquisa, sem que descaracterizássemos a abordagem netnográfica. Após estudo em

profundidade da netnografia, inclusive, de alguns autores chaves da teoria fundamentada em

36

dados, utilizados por Robert Kozinets para fundamentar a sua tese a despeito da codificação

netnográfica, decidimos empregar o termo observação participante netnográfica (OPN).

A observação participante netnográfica, além do embasamento teórico da netnografia e

da teoria fundamentada em dados, teve apoio nos estudos de Cicilia Peruzzo (2005, p.131) sobre

pesquisa participante. O objetivo da pesquisa participante é a contribuição para o processo de

mudança social. Na observação participante, o pesquisador se insere no grupo pesquisado e

participa de suas atividades, porém atua de forma autônoma, não havendo intervenção nas

etapas da pesquisa por parte do grupo pesquisado. Outro ponto importante é que o pesquisador

pode ser encoberto ou revelado (PERUZZO, 2005, p.134), ou seja, o grupo pode ter ou não

conhecimento de que está sendo investigado. Desse modo, optamos em trabalhar de forma

revelada.

Com base nos protocolos gerais adotados na etnografia, Kozinets (2014) apresenta um

conjunto de procedimentos para a realização da pesquisa netnográfica, os quais foram utilizados

nesta pesquisa. São eles: planejamento do estudo, entrada, coleta de dados, interpretação,

garantia de padrões éticos e apresentação da pesquisa. Esses procedimentos estão interligados,

porém não acontecem necessariamente de forma sequencial e estanque, sempre à moda da

cartografia.

a) Planejamento e Entrada

Realizamos inicialmente um prévio levantamento sobre os principais movimentos

sociais brasileiros e algumas redes de articulação, ambos com abrangência nacional. A

familiaridade de estudos anteriores sobre a temática dos movimentos sociais possibilitou uma

busca um pouco mais focada nesse quesito. Ainda assim, a posteriori, fizemos contato com

Benedito Barbosa10, importante liderança dos movimentos sociais populares no âmbito urbano.

Dito Barbosa, como é conhecido, é coordenador da Central de movimentos Populares de São

Paulo (CMP), ele nos forneceu uma listagem contendo informações sobre movimentos sociais,

fóruns, associações, redes de articulação, entre outras entidades, mas a grande maioria era

proveniente da área urbana. Em seguida, verificamos a presença desses movimentos no espaço

virtual da internet, especificamente na utilização de sites institucionais e sites de redes sociais

disponíveis.

10 Benedito Barbosa é advogado e coordenador da Central de movimentos Populares de São Paulo. A listagem e

demais informações obtidas sobre movimentos sociais foi fornecida via correio eletrônico, no dia 01 de setembro

de 2015.

37

Nesse ínterim, incluímos outros movimentos e redes, avançando no levantamento

realizado anteriormente e complementando com as informações coletadas da listagem. Embora

a compilação fornecida por Barbosa (2015) represente uma importante organização didática

dos movimentos sociais em torno da questão urbana, sobretudo, na cidade de São Paulo ela não

correspondia totalmente ao propósito do mapeamento em sua diversidade e também a algumas

características que priorizamos para a escolha dos movimentos, conforme veremos adiante.

A revisão de literatura nos oportunizou a escolha dos movimentos sociais a partir da

leitura e análise das tipologias apresentadas por Cicilia M.K. Peruzzo (2004; 2014) e pelos eixos

temáticos apresentados por Maria da Glória Gohn (2013). Após a revisão das categorias

apresentadas pelas autoras, notamos que alguns eixos temáticos categorizados por Gohn (2013)

entravam em conflito ou que perpassavam todos os outros movimentos sociais, independente

das linhas de atuação. A partir dessa leitura fizemos uma sistematização das categorias

apresentadas pelas pesquisadoras, que nos possibilitou uma pequena reestruturação dos eixos

temáticos de Gohn (2013), conforme pontuamos a seguir: o eixo 6 Mobilizações e movimentos

sociais, cuja área temática é o trabalho e o eixo 9 Setor de Comunicações foram

desconsiderados. E assim, o eixo 3 movimentos identitários e culturais que abarca as temáticas

gênero, etnia e gerações pôde ser trabalhado em sua diversidade, sendo destrinchado nas três

temáticas descritas.

Com a reestruturação dos eixos, temos o seguinte resultado: movimentos sociais ao

redor da questão urbana; em torno da questão do meio ambiente; movimentos de gênero; etnia;

gerações; demandas na área do direito; ao redor da questão da fome; decorrentes de questões

religiosas; movimentos rurais e movimentos sociais globais. E assim, após essa reestruturação

mapeamos 10 movimentos sociais com base nas seguintes características: representatividade,

abrangência, bandeiras de luta pautadas no direito da pessoa humana e, sobretudo, com base

nos antagonismos sociais, nos quais, grande parte dos atores sociopolíticos estão alijados de

seus direitos. E, particularmente, aqueles cujas linhas de atuação, encontram-se a alteração da

ordem societária vigente. Após a realização do mapeamento dos movimentos sociais, fizemos

a escolha dos dois movimentos que compuseram a análise em profundidade. A explicitação e a

sistematização das categorias de ambas as autoras estão estruturadas no quadro 1, no referencial

teórico do capítulo dois. Já o mapeamento encontra-se estruturado no último capítulo.

38

b) Coleta de dados11

Durante a coleta e análise de dados na pesquisa netnográfica, três tipos de capturas de

dados foram realizados: dados arquivais, dados extraídos e dados de notas de campo12

(KOZINETS, 2014, p.92). Após a identificação e mapeamento dos movimentos sociais e dos

tipos de mídias e outros canais que eles utilizam coletamos as produções de conteúdos

desenvolvidas e disponibilizadas nas mídias selecionadas, bem como documentos legais e

outros que consideramos pertinentes. Conforme citado os dados foram organizados em três

tipos:

Dados arquivais:

A primeira coleta de dados consistiu em copiar os dados diretamente de comunicações

mediadas por computador preexistentes, tais como os dados das páginas de blog, site e demais

mídias sociais digitais dos movimentos sociais observados, por exemplo:

- Mídias sociais: cópia de postagens, fotos, vídeos, material multimídia etc.

- Imprensa: material veiculado nos principais jornais online sobre a temática.

Dados extraídos:

A segunda coleta refere-se aos dados extraídos que a pesquisadora obteve por meio da

interação com membros e ou informantes-chaves. Dos 10 movimentos sociais mapeados,

interagimos com aproximadamente seis, sendo que, desta amostra, realizamos quatro

entrevistas semiestruturadas online a partir de um roteiro previamente elaborado. Segundo

Minayo (2009, p.64) a entrevista semiestruturada se caracteriza por ser aquela em que a

entrevistadora “combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a

possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada”. As

entrevistas semiestruturadas online foram realizadas com informantes-chaves da coordenação

nacional/estadual responsáveis pelo setor de comunicação do MAB e do MST.

As entrevistas foram gravadas e transcritas, de acordo com os procedimentos éticos

empregados nesta pesquisa. As entrevistas foram longas, algumas com duas horas de duração,

aproximadamente. Buscamos ouvir atentamente os respondentes e ao passo que as respostas se

11 Utilizamos o termo coleta por convenção, quando na verdade, entendemos a coleta de dados como uma

construção, pois é ela é feita em conjunto com a análise. E ainda, quando falamos em dados estamos nos ferindo

aos observáveis (fruto da relação dos dados com a interpretação). 12 Na teoria fundamentada em dados as notas de campo também são denominadas de memorandos.

39

ampliavam muito fugindo à temática da entrevista, sutilmente conduzíamos aos respondentes

às questões propostas no roteiro.

Esta etapa foi fundamental para o desenvolvimento teórico da pesquisa baseada em

dados. Procuramos utilizar o roteiro de questões de forma fidedigna durante as entrevistas para

que alcançássemos uma padronização nas perguntas, para que pudéssemos no decorrer da

aplicação das técnicas da teoria fundamentada em dados, buscar uma correlação entre as

respostas. As entrevistas e a utilização dos códigos in vivo, extraídos da fala dos próprios

respondentes contribuiu para o refinamento dos memorandos escritos no decorrer da OPN.

No contexto da teoria fundamentada em dados, as entrevistas realizadas sustentam

resultados teóricos mais próximos da realidade concreta dos sujeitos-objetos da pesquisa.

Assim, elas são utilizadas com o intuito de saturar as informações analisadas em seu conjunto,

que seja para refutar questões trazidas na problemática da pesquisa, ampliar o conhecimento

sobre a temática ou até mesmo para corroborar com avanços na área. Deste modo, as entrevistas

realizadas não foram utilizadas para confirmar as proposições da pesquisadora por meio de

citações das falas dos respondentes, mas para buscar os pormenores e as particularidades do

fenômeno na conjuntura, que não foram possíveis de serem captadas somente por meio da

revisão de literatura e observação.

Além destas entrevistas, também consideramos os dados levantados por meio de

informações via correio eletrônico, conversas em chats, especialmente do Facebook e

mensageiros instantâneos.

Dados de notas de campo:

O terceiro tipo de coleta diz respeito às notas de campo experienciadas sobre as práticas

comunicacionais dos movimentos na internet, suas interações, bem como a própria participação

e o senso de afiliação da pesquisadora, principalmente sobre o método de observação do

fenômeno. Conforme as etapas da pesquisa foram de desenvolvendo fomos escrevendo

memorandos sobre a observação dos materiais coletados e das relações sócio-históricas dos

movimentos do ponto de vista dos processos comunicacionais em seu contexto mais geral, no

entanto, na medida em que os dados recebiam o tratamento de verificação e refinamento dos

mesmos, a escrita das notas de campo ia se aprimorando e buscando categorias que pudessem

refinar e comparar ainda mais os dados. A escrita dos memorandos nos permitiu a análise do

fenômeno no presente, ou seja, como estão ocorrendo os processos comunicacionais dos

movimentos sociais na internet e assim, pudemos retornar especificamente ao campo para

40

observar a evolução desses processos comunicacionais, especialmente, os desenvolvidos pelo

MAB e pelo MST.

c) Estratégias

Já mencionamos, mas vale frisar que a netnografia requer imersão e participação no

grupo ou comunidade estudada. Temos ciência desta condição, no entanto, como a ideia inicial

era netnografar 10 movimentos sociais a solução mais acertada estrategicamente foi construir

um mapa de observação participante netnográfica, seguindo um protocolo mínimo de

requisitos. É importante deixar claro que não realizamos a “netnografia pura”, ou seja, aquela

direcionada para a pesquisa de “comunidades online”, cuja origem e razão de ser estão

relacionadas às comunidades eletrônicas e a cultura online em si (KOZINETS, 2014, p.64-66).

A netnografia empregada neste estudo se caracteriza como “pesquisa online em

comunidades” (KOZINETS, 2014, p.65), porque tal estudo examina um fenômeno social geral

cuja existência social vai muito além da internet e das suas interações online, mesmo que tais

interações possam desenvolver papel importante com a afiliação aos movimentos Sociais

estudados. Para esta pesquisa frisamos o aspecto por tempo suficiente, já que para Kozinets

(2014, p.16) “a preocupação com a quantidade de tempo significa que a netnografia analisa as

comunidades eletrônicas enquanto relacionamentos contínuos em andamento”. O autor sugere,

então, que exista um número mínimo de interações e exposição ao longo do tempo para que um

senso de comunidade possa se estabelecer. Diante disso, o tempo destinado a observação

participante netnográfica, como parte da estratégia empregada foi de quatro meses. O mapa de

observação participante foi desenvolvido a partir das seguintes etapas:

1.3 Observação e Coleta de dados – Primeira e segunda rodada de coleta

A primeira coleta consistiu em copiar os dados diretamente de comunicações mediadas

por computador preexistentes, tais como:

Dados das páginas de sítios e de mídias sociais digitais dos 10 movimentos sociais

observados.

Imprensa – material veiculado nos principais jornais online sobre a temática.

Dados oficiais – leis, estatutos, cartilhas etc.

41

Período aproximado: 30 dias corridos (maio/ 2016) 13 de observação, coleta e utilização

do diário de campo virtual, conforme demonstrado abaixo:

Quadro 1 - Diário de Campo Virtual

Fonte: Autoria própria

1.4 Observação participante netnográfica e Coleta de dados – Terceira rodada de coleta

A proposta inicial era de netnografar os 10 movimentos sociais selecionados no

mapeamento. Porém, declinamos de tal proposta por reavaliarmos se a qualidade da imersão e

a coleta dos dados se manteria fidedigna, em termos netnográficos, à amostra escolhida. Após

mapearmos os 10 movimentos e termos realizado a primeira rodada de coleta, optamos por dois

movimentos sociais para a observação participante netnográfica. São eles: Movimento dos

Atingidos por Barragens – MAB e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.

13 O ano de 2016 no Brasil começa marcado por processos de corrupção e crise na política, retrocesso econômico

e financeiro, alto índice de desemprego, descaso na saúde, na educação, desastre ambiental etc. Em contrapartida,

vive-se um cenário de expectativas quanto aos jogos olímpicos e paraolímpicos e às eleições municipais

(importantes para fortalecer partidos e legendas para as eleições de 2018, entre outros aspectos). Atentos a isto,

mas não em menor grau, atentos também a forma na qual os movimentos sociais, como agentes promotores de

ação social, articulam suas pautas e demandas em torno dos últimos acontecimentos no país, no espaço híbrido da

internet, por meio da comunicação. E por ela ser um espaço privilegiado de lutas e de hegemonia, criteriosamente,

selecionamos os meses do presente ano, que a nosso ver, antecipam e/ou podem fomentar discussões importantes

relacionadas aos eixos temáticos dos movimentos sociais mapeados, e que em última instância, tem a sociedade

civil como pano de fundo.

42

A observação participante netnográfica ocorreu durante três meses (de maio de 2017 a

julho de 2017). Diariamente durante o primeiro mês, observamos e coletamos dados arquivais,

extraídos e os dados das notas de campo. E, ao final de cada cinco dias recorremos ao diário de

campo virtual (utilizado durante as observações diárias) para anotarmos as impressões gerais

obtidas em relação a cada semana. Nos dois meses seguintes repetimos parte dessas ações, ou

seja, observamos e utilizamos o recurso das notas de campo até concluir os três meses de

observação netnográfica.

A netnografia esteve voltada para as atividades comunicacionais desenvolvidas

(inclusão/atualização de conteúdo, tipo de conteúdo, assunto, comentários, compartilhamentos)

no site e na página do Facebook do MAB e do MST, seguindo a categorização dos três tipos de

dados apresentados. Também consideramos outras plataformas, tais como canal no Youtube e

Instagram com o objetivo de ter uma visão mais geral de como desenvolvem a comunicação na

internet (KOZINETS, 2014).

1.5 Observação participante netnográfica e Coleta de dados – Quarta rodada de coleta

Dados extraídos – Realização de quatro entrevistas semiestruturadas online.

A seguir demonstramos de forma esquemática como desenvolvemos a OPN:

Quadro 2 - Mapa de Observação OPN

Fonte: autoria própria

43

a) Captura dos dados online:

Os vários arquivos coletados constituíram o conjunto de dados para análise e,

consequentemente, a decisão de como salvá-los e organizá-los também compõe parte das

estratégias adotadas. Inicialmente sugestionamos que acumularíamos uma grande quantidade

de dados, caso realizássemos os três tipos de coleta de dados em todas as fases da pesquisa

empírica. Anteriormente explicitamos como é a escolha dos observáveis e o período de

realização da coleta. No entanto, duas formas básicas de captura dos dados online foram

utilizadas. A primeira - relacionada à pesquisa documental - consistiu em salvar diretamente no

computador os arquivos de modo legível e editável, em formato de arquivo com extensão html

e em formato pdf. A segunda forma - devido ao farto conjunto de dados - relacionada à

observação participante netnográfica - consistiu na experimentação e utilização de programas

para captura de tela (fixa e em movimento).

O Google Keep, por exemplo, foi utilizado inicialmente para a criação do diário de

campo virtual, porém descartamos a sua utilização e criamos nosso próprio diário, conforme

demonstrado no quadro 2. O Evernote, foi utilizado inicialmente para a captura e organização

dos dados coletados, em conjunto com o Nvivo14, programa de análise assistida dos dados

qualitativos (CAQDAS). No entanto, nos sentimos mais confortáveis realizando as codificações

do conteúdo textual manualmente. Assim, imprimimos os dados compostos de memorandos e

entrevistas e iniciamos o trabalho de codificação, com escritos a margem das folhas impressas.

Retrocedemos na utilização do Nvivo e decidimos trabalhar com o Evernote, pois além

da funcionalidade de captura, disponibilização dos links de acesso em cada conteúdo capturado

e organização de conteúdo, ele nos possibilitou a utilização de tags e automatização de

categorias comuns entre o MAB e o MST. Com a utilização do recurso de marcação com tags,

conseguimos relacionar os dados por meio de rótulos comuns. Além disso, pudemos escrever

parte dos memorandos na mesma página do dado extraído.

b) Interpretação

Esta etapa da pesquisa faz referência à classificação, análise15 e posterior interpretação

dos dados coletados. O auxílio dos programas descritos acima colaborou com o constructo de

14 <http://www.qsrinternational.com/what-is-nvivo> 15 Entendemos que para a análise do material coletado o componente humano é fundamental, independente de

máquinas e tecnologias.

44

categorias para codificação dos dados e posterior descrição e representação visual dos processos

comunicacionais dos movimentos sociais na internet. Só que para chegarmos a uma

representação refinada dos dados e de categorias teóricas emergentes, utilizamos às técnicas

empregadas na teoria fundamentada nos dados16 e adaptadas à netnografia, conforme veremos

a seguir.

De acordo com os pioneiros Glaser e Strauss (1967) a linha de investigação da teoria

fundamentada nos dados é invertida, pois parte da observação empírica para a definição de

conceitos. No entanto, Kathy Charmaz (2009) é mais flexível neste quesito ao demonstrar a

importância da realização de revisão de literatura em pesquisas de doutoramento, por exemplo.

Para Charmaz (2009, p.252) a teoria fundamentada é “um método de condução da pesquisa

qualitativa que se concentra na criação de esquemas conceituais de teorias por meio da

construção da análise indutiva a partir dos dados. Como estratégia para a análise dos dados

coletados, consequentemente, a fim de transformar o material bruto coletado em uma

representação acabada da pesquisa trabalhamos com a técnica de codificação apresentada na

teoria indutiva de Strauss e Corbin (2002) e adaptada segundo Kozinets (2014, p.114) aos

propósitos da netnografia. A análise dos dados ocorreu a partir dos seguintes passos analíticos

organizados:

1. Codificação – Criação de códigos, categorias e conceitos extraídos das notas de campo,

entrevistas, código in vivo17 e demais dados netnográficos.

2. Anotações – Reflexões sobre os dados, sobre aquilo que foi visto, lido, percebido, escutado

e codificado. A redação do memorando (notas de campo) estabeleceu a próxima etapa lógica

após a definição das categorias. No entanto, conforme orienta Charmaz (2009, p.115), a

escrita dos memorandos desde o início da pesquisa, foi fundamental para a comparação dos

dados.

3. Abstração e comparação – Os dados netnográficos foram classificados e filtrados para a

identificação de expressões, termos, sequências compartilhadas, diferenças, relações etc, tal

processo orientou a construção dos códigos.

Segundo Kozinets (2014, p.114) a comparação considera as semelhanças e as diferenças

entre os dados. Para Tarozzi (2011, p.24) o método de comparação é o coração da GT, segundo

o autor a constante comparação sugere “perguntas aos dados, nos vários níveis de análise, e

16 Originalmente conhecida como grounded theory ou GT. No Brasil, alguns autores chamam de teoria

fundamentada nos dados, teoria fundamentada em dados ou de teoria enraizada.

17 Termos extraídos diretamente das falas dos respondentes.

45

essas perguntas, que buscam nexos entre dados e conceitos, favorecem o progresso da

compreensão conceitual dos fenômenos estudados”. Esquematicamente, o método de

comparação na GT ocorre da seguinte forma:

1. Verificação e refinamento – retorno ao campo para refinar os dados coletados.

2. Generalização – cobrem ou explicam as consistências no conjunto dos dados.

3. Teorização – confronto das generalizações elaboradas a partir do conjunto de dados

sistematizados em conhecimentos. Construção e ou renovação de teoria a partir de novos

conhecimentos formalizados, com a análise dos dados, e em confronto com as teorias

existentes, ou seja, com a revisão de literatura proposta.

A codificação analítica (KOZINETS, 2014) realizada nesta pesquisa teve como base as

técnicas de codificação da teoria fundamentada em dados, ou seja, codificação aberta (inicial),

axial e seletiva (CHARMAZ, 2009; CORBIN, STRAUSS, 2002; TAROZZI, 2011).

A codificação aberta consistiu em levantar e selecionar o material bruto, para em seguida

criar categorias e rótulos. Ela ocorreu no primeiro nível de abstração, no qual examinamos e

separamos os dados. As categorias foram apresentadas a partir deste primeiro levantamento e

não pré-estabelecidas, pois a intenção é que a teoria ou o conjunto de conceitos apreendidos no

mapeamento fossem revelados na prática.

A codificação axial depreendeu da anterior, com a formação e desenvolvimento de

conceitos. Esta etapa esteve intimamente relacionada às notas de campo, nas quais nos

baseamos para refinar as categorias criadas.

Segundo Kozinets (2014, p.114) a codificação seletiva “move os construtos para níveis

cada vez mais altos de abstração, escalonando-os de forma ascendente e depois especificando

as relações que os vinculam”. Esta etapa final consistiu na sistematização dos dados, com a

criação de conceitos mais gerais desenvolvidos com a confrontação dos dados já refinados.

46

Quadro 3 - Esquema de Observação Participante Netnográfica

Reconhecimento/Levantamento da comunicação dos

10 movimentos sociais

Seleção de dois movimentos sociais

Entrada – apresentação da pesquisadora aos

movimentos sociais selecionados

Observação participante netnográfica

(envolvimento/imersão)

Coleta de dados (garantir procedimentos éticos)

Análise dos dados e interpretação dos resultados (GT)

Redação / Apresentação dos dados teóricos e práticos

Fonte: (Adaptado de Kozinets, 2014)

Ética da pesquisa

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade Metodista de São Paulo,

cujo parecer consubstanciado foi favorável ao desenvolvido na pesquisa e ao Termo de

Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) online. Assim como na observação participante a

netnografia pressupõe que o pesquisador cumpra várias etapas para garantir a idoneidade da

pesquisa, tais como: consentimento informado, garantia de confiabilidade e anonimato aos

indivíduos pesquisados, retorno para a comunidade e posição cuidadosa em relação às

informações públicas/privadas.

Após apresentação da pesquisadora e da temática da pesquisa foi enviado aos

informantes-chaves uma cópia do TCLE e o link do mesmo para preenchimento online. O

TCLE online está disponível em <https://goo.gl/forms/tVa3ufSQGyiHhHre2>. Nos

pressupostos da netnografia em Kozinets (2014) a apresentação da pesquisa ao

grupo/comunidade pesquisado tem o intuito de validar as interpretações sobre as observações

realizadas. Além de permitir que a pesquisadora apresente suas opiniões sobre o que foi escrito

e se está condizente com o contexto em que se situam. Porém, nesta pesquisa, adotamos o

critério da modalidade da observação participante, no qual os pesquisados não interferiram nos

procedimentos da investigação, mas terão acesso ao conjunto da pesquisa.

47

CAPÍTULO II – ABORDAGEM COMPREENSIVA DA COMUNICAÇÃO

Cada ponto de vista é a vista de um ponto.

Leonardo Boff

Este capítulo trata a comunicação como abordagem compreensiva, fornece as bases

conceituais para os próximos e, delimita a compreensão sobre os processos comunicacionais

em pauta, no âmbito dos movimentos sociais. Todavia, antes de iniciar a contextualização sobre

eles é preciso sistematizar o conhecimento sobre a comunicação, especialmente, sobre os

processos comunicacionais comunitários. Sendo assim, fincando os alicerces teóricos em

abordagens centradas nas dimensões críticas e vinculativas da comunicação, dita, social.

No entanto, adentrar no espectro18 da comunicação é passar por seus tipos e

configurações, desde a comunicação verbal, a não verbal, a tida como massiva, a alternativa,

popular e comunitária, a comunicação mediada por computador e a própria noção de

comunicação como ciência e prática ancorada na proposta do comum. E neste espectro da

comunicação, adentrar ao que se chama mídia, também é premente para situar a comunicação

na conjuntura em que uma nova forma de vida surge, e que o sujeito com sua subjetividade vê-

se frente a frente com a alteridade do outro que também o constitui. E, sobremaneira subvertê-

la, capturá-la em seus meandros, como processo.

O princípio comunicativo em um contexto imanente e metafórico pode ser ilustrado pela

passagem bíblica na figura de João (1:14) “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos

a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”. Ora, se Jesus

Cristo, o maior comunicador que já existiu, deixa-nos o legado da comunhão, da graça e da

verdade, tem-se aí pistas do que é a comunicação. O Verbo é a mensagem que Deus deixa para

a humanidade e nela está implícita às marcas de Jesus e do amor ao próximo. Se a comunicação

está imersa desde o começo da humanidade na ideia de uma mensagem - por em comum - e se

o Verbo exprime uma ação, tem-se aí uma ação comum no sentido mais profundo e tenro, a

comunhão, que nos leva a quintessência da comunicação, a comunidade. É a partir desse

arcabouço que se propõe pensar a comunicação.

18 O sentido de espectro (espectrum) aqui empregado denotada as várias facetas e dimensões da comunicação.

48

Este capítulo fornecerá a base para a construção dos demais, e especialmente para o

último, no qual tem-se a proposta de uma teoria fundamentada em dados. O olhar para a

comunicação se dará a partir da contextualização, aqui forjada. Acredita-se que desta forma,

munidos de teoria, poder-se-á ousar na potência da comunicação em processo na internet.

2 “Afinal”, o que é comunicação?

Juan Díaz Bordernave já na década de 1970, dizia que a comunicação é a força que

dinamiza a vida das pessoas. A sua vez, González (2008) afirma que a comunicação funciona

como um vetor, ou seja, uma força com direção. Vejamos, se a comunicação é força, produtiva

e produtora e funciona como um vetor, ela supostamente vai ao encontro de algo. E esse algo

pode ser exprimido pela própria centralidade e organização das relações sociais na vida

cotidiana. Em outras palavras, a comunicação humana, pensada a partir do ponto de vista do

social, pode ser percebida como o elo que está entre as relações.

Se pensarmos no modelo linear de Shannon e Weaver (1949) - da teoria da informação

- composto basicamente por emissor, mensagem, receptor e ruído findamos o processo

comunicativo no emissor, caso ele receba a mensagem. Mas se pensarmos na comunicação,

como o entre das relações sociais e a sua alteridade forjada na força do comum, temos aí a

noção de que essa força não permanece no sujeito, mas o altera e produz um estado de coisas.

Entre vários motivos para atribuímos a noção de “poder”19 (FOUCAULT, 2006, HARDT;

NEGRI; 2014, THOMPSON, 2005; BOURDIEU, 2004) aos meios de comunicação, esse é um

deles. A mensagem quando é encaminhada para um sujeito, ela não permanece, ela continua

com força e direção, impactando o outro, como num ciclo.

Por outro lado, há muito tem se debatido nas ciências sociais aplicadas, o que é a

comunicação, o seu sentido, o seu objeto, seu conceito, mas com muitas controvérsias.

Pesquisadores brasileiros renomados na área da comunicação baseiam-se em pesquisas e teorias

importadas, sobretudo, estadunidenses, advindas das ciências sociais, sobretudo, a sociologia,

a antropologia, mas também a filosofia, a linguística e a psicologia, entre outras, para pensar a

comunicação. É sabido, da importância de tais áreas para o conhecimento científico e humano,

sobretudo, para a comunicação.

19 Em Foucault, Hardt e Negri a partir da ideia do descentramento do poder. Em Thompson e Bourdieu, a ideia de

poder simbólico.

49

Todas as áreas do conhecimento, desde as exatas às humanas necessitam se comunicar.

A comunicação é tão antiga quanto a própria existência humana. Desde as formas mais

primitivas de comunicação, do uso da linguagem como forma de representação simbólica, às

formas mais sofisticadas, com o uso da tecnologia computacional. Bordenave (1997, p.16)

descreve a importância da comunicação ao entrelaçá-la à sociedade, afirmando que não poderia

existir comunicação sem sociedade e nem sociedade sem comunicação. Ora, se ela, a

comunicação, transita por todas as áreas e representa aspectos viscerais da vida social, ela reina,

paira e se faz presente como um oxímoro.

A comunicação em sua dualidade, por um lado, aponta para os aspectos simbólicos e

representativos da própria vida em sociedade, pois a produção e circulação de informação é

modulada a partir do contexto em que ela está inserida. Por outro lado, aponta para uma

reorganização dessa mesma vida social, pois os meios de comunicação, no sentido amplo,

transportam e potencializam a carga simbólica atribuída à produção e circulação de informação.

Em outras palavras, a comunicação é impactada pelo meio social e também impacta e

reestrutura o contexto, ou seja, é força produtiva e produtora de sentidos.

Comunicação passa a ter um sentido mais específico e significativo quando atrelado aos

meios de comunicação social, mas a comunicação humana é na verdade, um grande guarda-

chuva que vai abrigar o ato comunicativo em si. Desde o momento em que o ser social acorda

e inicia as suas atividades cotidianas e se relaciona com os seus pares, ele já está comunicando

algo. O ato de vestir-se, de comer, de cumprimentar o outro, uma missa, uma dança, uma partida

de futebol, uma sessão na Câmara, a relação familiar, no trabalho, no comércio, no lazer, nas

feiras livres, nas associações de bairros, no bate papo informal e tantas infinitas possibilidades

comunicativas. Os meios de comunicação, notadamente, os meios massivos vão compor uma

parte expressiva, mas não exclusiva, do ato comunicativo em si.

2.1 Brevíssimo panorama dos meios

Em paralelo ao desenvolvimento da linguagem desenvolve-se também os meios de

comunicação. A prensa móvel de Johann Gutenberg, na Europa do século XV, abre uma gama

de possibilidades comunicativas sem precedentes na história e em escala mundial. Assim como

os meios de transporte20, paulatinamente, a comunicação pelas vias do impresso passou a

20 A própria impressão gráfica foi difundida na Europa pelo Rio Reno, da Mainz a Frankfurt, Estrasburgo e Basileia

(BRIGGS; BURKE, 2006, p.31).

50

estreitar as relações entre produtores e consumidores. A prensa móvel de Gutenberg anuncia o

impacto que a escrita teve na cultura ocidental, visto que a humanidade era caracterizada pela

oralidade. A comunicação a partir da impressão de tipos, extrapola a oralidade e começa a

introduzir a noção de que o indivíduo poderia divulgar livremente suas ideias, do diálogo aos

livros. Com a tipografia inicia-se a reprodução em série e marca a separação entre o trabalho

escrito de forma manual e o trabalho mecanizado.

Asa Briggs e Peter Burke (2006, p.31), ao traçarem a história da comunicação desde a

invenção da prensa gráfica à internet, o fazem à luz das transformações sociais, políticas,

econômicas e culturais ocorridas ao longo dos séculos. Quando localizam as mudanças

ocorridas nos meios de comunicação, localizam também, as mudanças do ponto de vista dos

atores envolvidos. Segundo os autores para apreciar as implicações sociais e culturais da nova

técnica, é necessário observar a mídia como um conjunto.

Pensar em termos de um sistema de mídia significa enfatizar a divisão de

trabalho entre os diferentes meios de comunicação disponíveis em um certo

lugar e em um determinado tempo, sem esquecer que a velha e a nova mídia

podem e realmente coexistem, e que diferentes meios de comunicação podem

competir entre si ou imitar um ao outro, bem como se complementar

(BRIGGS; BURKE, 2006, p.31).

Para Bordernave (1997, p.30), a influência social dos meios aumentou na medida da sua

penetração e difusão. Aponta que com as técnicas de impressão aperfeiçoadas foi permitido o

uso de cores, tiragens de milhões, utilização de vários formatos como jornais, revistas, livros,

folhetos e cartazes. Adotando as pistas deixadas pelo autor paraguaio, seguimos com a

reviravolta proporcionada pelo rádio ao levar a voz de homens e mulheres por ondas

magnéticas, das montanhas aos desertos, aos lares mais humildes e isolados. O cinema, ao

empregar o som e a cor e a utilização de telas, sofistica ainda mais a técnica ao representar a

realidade. Já a televisão, sem dúvidas, uniu o esforço do rádio em sua potencialidade geográfica

e o esforço do cinema com sua potencialidade visual ao agregar num único aparelho som, cor,

tela e a representação da realidade social. Com um detalhe, agregou os sujeitos ao redor do

aparelho televisor num lugar privilegiado, a sala de estar.

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia produzem constantes mudanças nas

sociedades. As tecnologias de comunicação e informação acompanham este processo que não

está descolado de tais mudanças. No entanto, Briggs e Burke (2006, p.31) dizem que talvez seja

mais realista ver a nova técnica como um catalisador, no sentido de ajudar as mudanças sociais

mais do que as originar.

51

Nesse contexto, conforme apontamos, os meios massivos de comunicação vão compor

uma parte expressiva, mas não exclusiva no cenário comunicacional. Mas isso não significa

dizer que esses não sejam hegemônicos e estruturados a partir de conglomerados de meios de

comunicação.

A comunicação de massa e os meios massivos ganham terreno com a passagem da

sociedade moderna à sociedade de massa, tendo em seu ápice a globalização. O deslocamento

do homem do campo para os centros urbanos traz profundas transformações econômicas,

políticas e sociais, entre elas, a individualização do sujeito. A produção e consumo de bens em

larga escala são características desse tipo de sociedade. De forma sumária é importante situar a

comunicação a partir da realidade vivida pela sociedade civil do século XX e em sua virada

para o século XXI, pois ele foi balizado por um período de guerras – Primeira Guerra Mundial,

Segunda Guerra Mundial e Guerra Fria – e também pelo desenvolvimento dos sistemas de

transportes, que a sua vez, colaboraram com a distribuição de mercadorias em escala global,

próprias do sistema capitalista. E por fim, pelo desenvolvimento das tecnologias de informação

e comunicação, para citar, Briggs e Burke (2006), como parte do conjunto de mídia.

Não obstante, o advento da internet fruto do desenvolvimento das tecnologias de

informação e comunicação, faz parte deste conjunto de mídia. Assim como os outros meios de

comunicação, a internet provocou e ainda provoca profundas alterações na maneira das pessoas

se comunicarem. Miklos (2013, p.45) sinaliza que as “tecnologias da informação são os

suportes que trazem no seu bojo uma nova estrutura comunicacional, em que os indivíduos

comuns não são apenas vozes inaudíveis no processo de emissão de conteúdo [...]”. O autor

destaca que os indivíduos passam a ter uma participação ativa na constituição das informações

divulgadas pela rede. Em outras palavras, a antiga lógica de emissor, mensagem e receptor é

reinventada e abre espaço para uma comunicação mais ágil, simultânea e participativa. No

entanto, há que se resguardar a noção de participar, que neste momento figura como uma nova

maneira do receptor se relacionar com o emissor e com as mensagens que recebe. Nesse sentido,

o emissor pode também ser o receptor, criar e difundir mensagens e conteúdos.

Ainda assim, é difícil diferenciar mídia offline e online quando a internet passa a

oferecer todos os recursos demandados pelas outras mídias, e ainda vai além, disponibiliza

serviços bancários, de e-commerce, de cursos regulamentados por seus órgãos competentes em

quase todos os níveis de instrução, plataformas para assistir o “cinema em casa”, amplia o tele

trabalho - home office -, entre outras infinitas possibilidades.

52

2.2 Algumas (in)definições de comunicação

Quando somos chamados a definir algum termo com certa precisão logo vem à cabeça

o auxílio de algum tipo de dicionário. A comunicação é um termo que perpassa todas as áreas

do conhecimento humano, consequentemente, existem muitas definições e indefinições

relativas ao seu significado e as suas características. O Dicionário da Língua Portuguesa

Michaelis (2015, online), define a comunicação como:

1 Ato ou efeito de comunicar(-se). 2 LING. Ato que envolve a transmissão e

a recepção de mensagens entre o transmissor e o receptor, através da

linguagem oral, escrita ou gestual, por meio de sistemas convencionados de

signos e símbolos. 3 O conteúdo da mensagem transmitida. 4 Transmissão de

uma mensagem a outrem. 5 Exposição oral ou escrita sobre determinado

assunto, geralmente de cunho científico, político, econômico etc. 6 Ato de

conversar ou de trocar informações verbais. 7 Nota, carta ou qualquer outro

tipo de comunicado através da linguagem escrita. 8 Comunicado oral ou

escrito sobre algo; aviso. 9 Aquilo que permite acesso entre dois lugares;

passagem. 10 União ou ligação entre duas ou mais coisas.

11 ELETRÔN Transmissão de informações de um ponto para outro, usando-

se sinais em fios ou ondas eletromagnéticas. 12 FÍS. Transmissão de uma

força de um local para outro, sem a ocorrência de transporte material.

13 ANAT. Ligação entre dois vasos sanguíneos ou entre outras estruturas

tubulares. 14 MIL. Sistema de rotas de acesso (aéreas, fluviais, marítimas ou

terrestres) para o deslocamento de veículos, tropas e suprimentos, incluindo-

se também a transmissão de ordens e comunicados.

15 TELECOM Ligação por meio de diferentes meios (eletrônicos,

telefônicos, telegráficos etc.). 16 RET. Figura em que o orador (ou escritor)

parece tomar o público como testemunha ou árbitro da causa em questão.

17 JUR. Figura em que o advogado, objetivando provar a improcedência de

uma imputação ao seu cliente, mostra que, de acordo com os argumentos do

acusador, diversas pessoas e até ele próprio estariam incursos nela.

A coletânea dicionariza a palavra comunicação a partir de oito áreas do conhecimento,

tais como linguística, eletrônica, física, anatomia, telecomunicações, retórica e jurídica. Leia-

se a importância da comunicação para a organização da sociedade e da cultura. Numa

apropriação ao texto da antropóloga urbana, Mary Douglas (2004) sobre o consumo social dos

bens sugerimos que a comunicação assim como os aspectos culturais, seja um bem indissociável

da sociedade. A comunicação circunscrita no ato mais singelo de interação verbal ou não verbal

com o outro, e ao mesmo tempo, mais eficaz de elaboração de discursos assinala para a

construção tanto de pontes como de muros.

Já os principais dicionários de comunicação escritos por pesquisadores da área apontam

uma infinidade de verbetes e definições para a temática, ou seja, nem sempre eles têm a mesma

53

concepção do campo comunicacional. Justamente porque o campo é múltiplo, diverso e

composto por várias correntes de pensamento e linhas de pesquisa, que inclusive, dialogam com

outras áreas do saber, como foi dito anteriormente. O entendimento de campo aqui empregado

parte da importante contribuição de Pierre Bourdieu (2004), que veremos mais à frente.

Todavia, pensar a comunicação como força produtiva e produtora de sentidos a partir

de experiências verbais e não verbais, de trocas simbólicas entre os sujeitos sociais (indivíduos,

instituições, igrejas, movimentos sociais, sociedade civil etc.), e ainda, sobre qual seria o seu

objeto requer inicialmente dois reconhecimentos de nossa parte. De que ela é ao mesmo tempo

uma ciência e uma prática. Na tentativa de avançar sobre essa proposição trataremos nas sessões

seguintes de temas e definições que norteiam tais reconhecimentos.

De acordo com Barbosa e Rabaça (2001, p.155), no “Dicionário de Comunicação”,

temos que comunicação é o:

1.Conjunto dos conhecimentos (linguísticos, psicológicos, antropológicos,

sociológicos, filosóficos, cibernéticos etc.) relativos aos processos da

comunicação. 2. Disciplina que envolve esse conjunto de conhecimentos e as

técnicas adequadas à sua manipulação eficaz. 3. Atividade profissional

voltada para a utilização desses conhecimentos e técnicas através dos diversos

veículos (impressos, audiovisuais, eletrônicos etc.), ou para a pesquisa e o

ensino desses processos. Neste sentido, a comunicação abrange diferentes

especializações (jornalismo impresso, jornalismo audiovisual, publicidade e

propaganda, marketing, relações públicas, editoração, cinema, televisão,

teatro, rádio, internet etc.), que implicam funções, objetivos e métodos

específicos [...].

A essência do comunicare, vocábulo proveniente do latim, tem em seu bojo o tornar

comum, o partilhar. Muniz Sodré (2014, p.9) lembra que originalmente a palavra comunicar,

ou seja, o agir em comum significa “vincular, relacionar, concatenar, organizar ou deixar-se

organizar pela dimensão constituinte, intensiva e pré-subjetiva do ordenamento simbólico do

mundo”. A essência do comunicare, ou do comunicar, como vimos, é ancorada no tornar

comum, na partilha e na dimensão organizativa de grupos sociais.

Seguindo essa linha de raciocínio, para Jorge Miklos (2014, p.17) “a comunicação é

ação de tornar comuns entre as pessoas, ideias, valores e informações”. Já para Bordernave

(1997, p.19) “a comunicação é uma necessidade básica da pessoa humana, do homem social”.

Com base na reflexão de Sodré (2014, p.10) é importante frisar que os dicionários

contemporâneos, notadamente os norte-americanos acostumaram-se desde muito tempo a

entender a comunicação como transmissão de mensagens ou de informações.

54

É verdade que o significado “transmissão” remonta ao século XVI (comunicar

uma notícia), mas a sua estabilidade contemporânea decorre muito

provavelmente da energia da palavra informação, que implica a organização

codificada da variedade – portanto, a doação de forma a uma matéria ou a uma

relação qualquer – e o fluxo de sinais de um polo ao outro. Hoje, o termo mídia

resume a diversidade de dispositivos de informação. Embora comunicar não

seja realmente o mesmo que informar, a pretensão ideológica do sistema

midiático é atingir, por meio da informação, o horizonte humano da troca

dialógica supostamente contida na comunicação (SODRÉ, 2014, p. 11).

No que diz respeito a esse debate tem-se um discurso sistematizado de que o par

comunicação e informação, apropriado pela sociologia, com base no estudo das relações sociais

geridas pelas modernas tecnologias da informação, representa de forma generalizada o mesmo

estado de coisas. No entanto, se elevarmos a comunicação ao rearranjo social de pessoas, coisas

ela pode ser entendida como a principal forma organizativa da vida.

Tendo em vista a disseminação de discursos, signos e dispositivos técnicos como uma

nova morada do ser, com um novo tipo de socialização, “comunicação equivale a um modo

geral de organização” (SODRÉ, 2014, p.14). Para Jorge González (2014, p.35), “comunicação

é nossa capacidade de nos organizarmos para coordenar nossas ações no mundo: comer,

trabalhar, sonhar”. Ou seja, esse rearranjo como aponta Sodré, ou a coordenação de ações como

aponta González, é um dos sintomas das transformações sociais e históricas ocorridas no mundo

ao longo do tempo.

2.2.1 A comunicação por ela mesma

O entendimento neste texto da complexa teia que envolve a comunicação, parte da sua

constituição histórica e social, particularmente, a partir dos estudos das teorias de comunicação.

Nesse sentido, a obra de Armand e Michèle Mattelart (2005), em “História das Teorias da

Comunicação”, permite elucidar de forma contextual a dinâmica do próprio desenvolvimento

da comunicação, pois trabalham os traços históricos que constituem a sociedade a partir do

desenvolvimento das redes físicas de comunicação e das diversas teorias empregadas ao campo.

Segundo Mattelart (2005, p.10) este campo de observação é plural e disperso e

historicamente se inscreveu em tensão entre “as redes físicas e imateriais, entre o biológico e o

social, a natureza e a cultura, os dispositivos técnicos e o discurso, a economia e a cultura, as

perspectivas micro e marco, o local e o global, o ator e o sistema, o indivíduo e a sociedade, o

livre-arbítrio e os determinismos sociais”. Mattelart (2005, p.14-15) apontam o século XIX

como o período de invenção de sistemas técnicos básicos da comunicação e do princípio do

55

livre comércio. Neste período nasce também a visão de comunicação como fator de integração

das sociedades humanas, ou seja, a sociedade passa a ser pensada como um organismo social.

E comunicação passar a ser associada à ideia de progresso, de razão.

A historicidade é o fio condutor do estudo, visto que os autores se debruçam sobre a

estrutura histórica da sociedade, para em seguida tratar da comunicação. No contexto histórico,

os autores vão encaixar os processos de comunicação que fazem interconexão com a sociologia,

a filosofia, a antropologia, com as ciências sociais e humanas. A história da teoria da

comunicação acontece em cenários diversificados, tanto no contexto europeu, como no

americano. Mas é importante frisar que as mudanças ocorridas no interior da sociedade civil é

a mesma. A divisão do trabalho no interior das fábricas, a noção de redes vista como um

“tecido”, ou como uma reorganização social e o desenvolvimento, ou seja, a ideia de progresso

contínuo, tudo isso está atrelado ao desenvolvimento da comunicação.

John B. Thompson (2005, p.19), afirma que com o desenvolvimento de uma variedade

de instituições de comunicação a partir do século XV até a atualidade, os processos que

envolvem a produção, o armazenamento e a circulação de informação e de conteúdo simbólico

têm passado por importantes transformações.

Daí decorre a importância de se recorrer aos estudos, como os de Armand e Michèle

Mattelart, pois assim como Thompson (2005), eles situam a importância da comunicação no

contexto do desenvolvimento da vida social e também do progresso associado ao

desenvolvimento das sociedades industriais. A nosso ver, consequentemente, iniciando o fosso

social, carregado de desigualdades e injustiças. No tocante à larga produção de bens materiais

e simbólicos, que cresceu paulatinamente em conjunto com as sociedades capitalistas, existe

uma profunda mudança nos aspectos relacionados ao consumo de mercadorias. A comunicação

se desenvolve no descompasso da vida social e passa a atender, prioritariamente, os mercados

ávidos, que desejam informar e difundir seus produtos. Aqui fica manifesta a problemática em

situar comunicação e informação no mesmo plano.

A comunicação mediada, segundo Thompson (2005), transformou a natureza das

relações sociais, reconfigurando a produção e a circulação de produtos e bens simbólicos na

sociedade. Ou seja, conforme as indústrias cresciam a passos largos, a mídia também passava

a exercer papel singular na difusão de mercados e de significações por parte dos indivíduos. A

pretensão aqui é ilustrar de forma sumária, a importância de localizar a comunicação em um

contexto muito mais amplo. Demonstrando, de certa forma, que o social e o histórico que

caminham com a comunicação, não fazem dela como dizem alguns, a prima pobre das ciências

56

sociais. Tendo em vista que a comunicação, em sua centralidade, faz parte do desenvolvimento

histórico das sociedades. Então, para finalizarmos esse delineamento, reiteramos que atribuir à

comunicação significados alheios a sua própria etimologia é apagar parte do processo

constitutivo das sociedades, das primitivas às atuais.

No entanto, tal assertiva não pretende invalidar a discussão apresentada por

pesquisadores e especialistas na área, sobretudo àqueles que se apropriam da comunicação em

sua complexidade para lhe atribuir significados meramente filosóficos. Nosso intuito é

transcorrer sobre a comunicação, sob o ponto de vista científico e das práticas sociais. Porém,

a abordagem que consideramos mais apropriada para tratar a comunicação em sua dinamicidade

e dialogicidade parte, sem dúvidas, da sua própria etimologia, o comum, a partir da sua

dimensão organizativa da vida social.

Como vimos, alguns tipos de comunicação como a verbal, a interpessoal, a social, estão

sob a égide de um contexto mais amplo. Bem como os seus suportes materiais, ou seja, os meios

de comunicação responsáveis pela difusão da comunicação de massa se transformam ao passo

do avanço científico e tecnológico e da compressão espaço-temporal, devido às próprias

mudanças que ocorrem no globo com o espraiamento da globalização. Nesse aspecto, mas sem

entrar na discussão das consequências e possibilidades aventadas pelo fenômeno, destacamos

a sua importância para a autonomia do campo da comunicação. No intuito de entender que lugar

é esse em que os meios de comunicação foram (re)colocados e a serviço de quais instâncias,

desde à lógica mercadológica às lutas no âmbito das camadas populares.

2.3 A noção de autonomia no campo comunicacional

A comunicação é rizoma, talvez por isso, seja tão difícil dar a ela um único objeto. Ela

é também histórica, social, política e engendrada pelas vias culturais. Com essas afirmações

queremos dizer que a comunicação é tão somente comunicação. A humanidade está acostumada

a produzir coisas e a ter o resultado palpável dessas produções. A inventar coisas, fórmulas, a

fazer ciência. Então, Comunicação não é ciência? Pergunta que nos remete a outra elaborada

por Pierre Bourdieu (2004, p.18-19), quais os usos sociais da ciência? Para entrar naquilo que

estamos chamando de campo da Comunicação, faremos algumas digressões teóricas a partir da

contribuição de Bourdieu sobre uma sociologia clínica do campo científico.

Pierre Bourdieu (2004, p.18-19) lança questões pertinentes sobre os usos sociais da

ciência, sobre uma ciência da ciência, uma ciência social da produção da ciência capaz de

57

descrever e orientar os usos sociais da ciência. Para tentar responder a tais questões Bourdieu

evoca a noção de campo, importante reflexão que fazemos a partir de suas análises para entrar

no campo da comunicação social.

Segundo o sociólogo, todas as produções culturais, desde a história, a filosofia, a

ciência, a literatura etc., são objetos de análises com pretensões científicas (BOURDIEU, 2004,

p. 19). Há segundo ele há uma história em cada saber e em cada disciplina, há uma história da

filosofia, uma história da literatura e em todos esses campos, encontra-se a mesma oposição, o

mesmo antagonismo (BOURDIEU, 2004, p.19).

Para escapar à alternativa da “ciência pura”, fora de qualquer intervenção do mundo

social é que Bourdieu elabora a noção de campo e também para escapar da ciência escrava,

sujeita a todas as demandas políticas e econômicas.

O campo científico é um mundo social e, como tal, faz imposições,

solicitações etc., que são, no entanto, relativamente independentes das

pressões do mundo social global que o envolve.

De fato, as pressões externas, sejam de que natureza forem, só se exercem por

intermédio do campo, são mediatizadas pela lógica do campo. Uma das

manifestações mais visíveis da autonomia do campo é a sua capacidade de

refratar, retraduzindo sob uma forma específica as pressões ou as demandas

externas (BOURDIEU, 2004, p.21-22).

Em outras palavras, segundo o sociólogo o grau de autonomia de um campo tem por

indicador principal seu poder de refração, de retradução. Inversamente, a heteronomia de um

campo manifesta-se porque os problemas exteriores aí se exprimem diretamente. “Todo campo,

campo científico, por exemplo, é um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou

transformar esse campo de forças” (BOURDIEU, 2004, p.22-23). Para Muniz Sodré (2014,

p.25) embora parte dos estudos comunicacionais seja pautado por uma metodologia discursiva,

de natureza ensaística, os pesquisadores norte-americanos alinham-se as ciências sociais, a

partir da origem sociológica da corrente mass communication research.

Neste sentido, conforme aponta Sodré (2014) a resposta à demanda cientificista parte

do pressuposto dos efeitos, ou seja, as consequências da mídia sobre o seu público. Essa visão

de acordo com Sodré tem sido dominante na academia da comunicação e dessa forma procura

manter-se, mesmo que muitos estudos escapem teórica e metodologicamente desse foco nos

efeitos. Todavia, ainda segundo o autor, mesmo sendo este paradigma insuficiente

epistemologicamente é necessário recorrer a ele como um momento constituinte da história da

comunicação, “desde que façamos da história de um campo científico, com suas regularidades

58

discursivas, um dos requisitos imprescindíveis ao esclarecimento epistemológico” (SODRÉ,

2014, p.25).

No entanto, segundo Bourdieu (2004, p.25-26) o que define a estrutura de um campo

num dado momento é a estrutura da distribuição do capital científico entre os diferentes agentes

engajados nesse campo. O campo é o lugar de constituição de uma forma especifica de capital

e o capital a sua vez, pode assumir diferentes formas e proporcionar poderes aos seus detentores.

Para Sodré (2014, p.45) “a demanda social e o contexto histórico não explicam a autonomia

cognitiva e disciplinar de que se investe um saber em seu desenvolvimento progressivo”. Em

outras palavras, o autor afirma que o reconhecimento desse processo torna-se mais claro quando

recorre-se a noção de campo empregada por Bourdieu, porque o campo pode ser percebido

como um espaço social com suas próprias leis de funcionamento.

Nas palavras de Bourdieu (2004, p.27), “os campos são os lugares de relações de forças

que implicam tendências imanentes e probabilidades objetivas. Um campo não se orienta

totalmente ao acaso”. Em outras palavras, pode-se dizer que os agentes sociais não são

partículas passivamente conduzidas pelas forças do campo, porque segundo o autor o bom

cientista jogador é aquele que sem a necessidade de calcular, de ser cínico, faz as escolhas que

compensam. Aqueles que nasceram no jogo tem o privilégio do inatismo. Eles não têm

necessidade de serem cínicos para fazer o que é preciso quando é preciso e ganhar a aposta

(BOURDIEU, 2004, p.28). Justamente porque esses agentes possuem disposições adquiridas e

duráveis, - o que Bourdieu chama de habitus, ou seja, o que compõem a origem e trajetória

social do indivíduo – que podem levá-los a resistir, a opor-se às forças do campo.

Interessante que mesmo que tais agentes adquiram disposições duráveis que não são

aquelas que o campo exige, arriscam a estar defasados, deslocados, na contramão com todas as

consequências que se possa imaginar. Por outro lado, eles também podem “lutar com as forças

do campo, resistir-lhes e, em vez de submeter suas disposições às estruturas, tenta modificar as

estruturas em razão de suas disposições” (BOURDIEU, 2004, p.29). A comunicação

comunitária - assunto que trataremos mais adiante - para o desenvolvimento humano e social

está circunscrita nessa dimensão, pois conforme aponta Bourdieu (2004, p.29) qualquer que

seja o campo, ele é objeto de luta tanto em sua representação quanto em sua realidade.

Para Sodré (2002, p.233) o estudo da comunicação social dirige-se “progressivamente

para uma noção de autonomia relativa em face das disciplinas sociais e humanas já consolidadas

e também por demais ligadas à análise dos clássicos sistemas centrais de ação histórica, como

o capitalismo, o Estado, a religião”. Quem sabe, realmente não queiramos definir

59

categoricamente a comunicação, conforme atestaram pesquisadores renomados na área21. Por

hora, não como categoria ou mesmo como disciplina do conhecimento humano ou tampouco

como fenômeno da cultura, estudado pela sociologia ou antropologia. Não obstante, queiramos

mesmo é situar a comunicação a partir da ciência do comum engendrada em processos

organizativos que também são orientados para a transposição das relações sociais orquestradas

pela mídia e pelo mercado.

Ainda nesse aspecto da autonomia do campo, Sodré (2002, p.233) caminha para a

especificidade da vinculação social, como ele mesmo coloca, ela está inscrita num núcleo

objetivo de uma ciência comunicacional. Em suas palavras, “a evidência de que as práticas

socioculturais ditas comunicacionais ou midiáticas vêm se instituindo como um campo de ação

social corresponde a uma nova forma de vida [...]”, o que ele chama de bios midiático.

Avançando nessa linha de pensamento, tais práticas comunicacionais ou midiáticas, segundo o

autor, não esgotam e nem sintetizam o problema da vinculação, porque “dizem mais respeito

propriamente à relação socialmente gerida pelos dispositivos midiáticos e, portanto, pelo

mercado” (SODRÉ, 2002, p.233). A noção tecnicista e globalizante do novo modo de vida

parece que veio para ficar, o bios midiático, com todas as suas vicissitudes é a nova morada do

homem éxtimo. Estudar tais formas de vida implicada na contemporaneidade requer pensar a

comunicação do ponto de vista desse novo lugar, dessa nova ambiência. E também das lutas

que se travam nessa ambiência e das batalhas que podem ser vencidas. Quem sabe fazer emergir

daí processos vinculativos atravessados pela simbiose das identidades e das redes outro lugar,

outra ambiência em que a alteridade seja percebida como o outro constituinte do eu.

Já tendo abordado o campo a partir de Bourdieu (2004), como uma forma constitutiva e

específica de capital, cujo interior existe o tensionamento de forças, partimos para a abordagem

compreensiva da comunicação, cujo interior é movido pela força do comum.

21 6º Aula Magna de Referência Interprogramas – O que é Comunicação? Trajetórias Epistemológicas” no dia 10

de agosto de 2016, das 9h30 às 12h no Teatro Cásper Líbero, São Paulo.

60

2.4 O comum da comunicação

A centralidade da comunicação é a função organizativa do comum, ou seja, comum

atrelado às especificidades relacionais, vinculativas e crítico-cognitivas do processo

comunicacional. E que permite a cada sujeito social o reconhecimento no outro a partir de sua

alteridade. Para Muniz Sodré (2014, p. 265):

(...) longe de se definir apenas pela transmissão de uma mensagem ou de um

saber, a comunicação orientada pela articulação existencial do comum é uma

ação, um fazer organizativo. Nessa organização, o homem “faz palavras,

figuras, comparações, para contar o que ele pensa a seus semelhantes”, mas o

escopo é maior do que a dimensão verbal. Seja com as obras de sua mão, seja

com as palavras de seu discurso, o homem se comunica, não porque transmite

um saber, mas porque faz a tradução daquilo que pensa, provocando seu

interlocutor a fazer o mesmo, a contratraduzir.

O modo de organização da vida social sempre esteve relacionado ao modo clássico de

produção. Na atualidade esse mesmo modo de produção ganha refinamento por meio de

relações informacionais. E que, segundo Sodré esse modo de organização constitui de fato um

ecossistema social, que tem-se chamado por bios midiático (2002, 2014). Extrapolando a visão

aristotélica de bios, Sodré aponta para um ecossistema de adaptação do homem de estar no

mundo, da tecnologia e do mercado.

Notadamente o ponto focal dessa ciência é a mutação das formas tradicionais de

elaboração do comum, que para Sodré (2014, p.281) é efeito do acabamento metafísico

implicado na armação tecnocapitalista. Em outras palavras, para Sodré (2014) os dispositivos

de informação, ou seja, a mídia, apenas explicitam tecnicamente a natureza organizativa da

comunicação, resultando por meio da informação as relações sociais vetorizadas pela

tecnologia e pelo mercado, onde reina absoluto o bios midiático. Ou seja, o bios midiático

revela-se não apenas como uma forma de vida entre outras, mas como uma orientação

existencial que tenta impor-se em termos universais a reboque do mercado (SODRÉ, 2014, p.

297). Ainda nesse aspecto, “no cotidiano, orquestrado pela metafisica como um sistema de

decisões universais, o mundo tecnológico e as identidades existenciais são entidades

inseparáveis: as formas tecnológicas de vida dispõem-se progressivamente como formatos

existenciais” (SODRÉ, 2014, p.284-285).

Ainda assim, faz-se presente o sentido ético-político do bem comum (SODRÉ, 2002,

p.224). Isto, segundo ele, torna “a questão comunicacional política e cientificamente maior do

que a que se constitui exclusivamente a partir da esfera midiática”. É nesse ponto que entra a

61

vinculação social, esfera muito mais ampla e profunda para pensar a função organizativa da

comunicação em sociedade, do que meramente, relação ou interação. A prática de vinculação

pode ser entendida assim:

Práticas estratégicas de promoção ou manutenção do vínculo social,

empreendidas por ações comunitaristas ou coletivas, animação cultural,

atividade sindical, diálogos, etc. Diferentemente da pura relação produzida

pela mídia autonomizada, a vinculação pauta-se por formas diversas de

reciprocidade comunicacional (afetiva e dialógica) entre os indivíduos. As

ações vinculantes, que têm natureza basicamente sociável, deixam claro que

comunicação não se confina a atividade midiática (SODRÉ, 2002, p.234).

Em outras palavras, Sodré (2002, p.223) define a vinculação como a radicalidade da

diferenciação e a aproximação entre os seres humanos. Então, podemos perceber que a

vinculação ultrapassa a interação humana, tendo em vista o aspecto de inserção social do sujeito

desde uma dimensão simbólica frente às orientações de valores, ou seja, de conduta.

Muniz Sodré traz importante contribuição teórica para pensar o campo científico da

comunicação. Apesar da crítica ao sistema capitalista e ao ecossistema midiático que se

retroalimentam, o autor aponta de forma peculiar em seus escritos uma alternativa à armação

tecnocapitalista, a comunidade. Segundo Sodré (2002), ela é o topo originário da diferenciação

e a da aproximação, e é por outro lado, a questão interior na ideia de comunicação. Nesse

aspecto, é fundamental resgatar o sentido de comunidade para tratar da comunicação. Já

amplamente discutida em vários campos do saber, inclusive por nós em outro trabalho22. Para

Sodré (2002, p.225) o conceito de comunicação “aponta para a movimentação concreta de toda

comunidade”, é a quintessência, como já apontamos. Assim, as palavras comunicação,

comunidade, comunhão e comum fazem parte do mesmo processo. São termos originários de

communicare. O ser em comum da comunidade é a partilha de uma realização e não vai ser

definida pela noção de estar junto em determinado território físico, ou numa relação orgânica,

de parentesco como em Tönnies, mas como uma troca ou compartilhamento.

Certamente, quando pensamos em comunicação o que vem à mente são jornais, revistas,

televisão, rádio e notadamente, internet. E o termo mídia, parece que veio para denotar esse

amplo cenário de meios pelos quais a comunicação circula. No entanto, a comunicação é

compreendida muito além dos suportes materiais e hegemônicos de representação da sociedade.

22 Comunicação Comunitária e participação popular na Casa Brasil, defendida em 2013 pela Universidade

Metodista de São Paulo, sob orientação da professora Doutora Cicilia M. K. Peruzzo.

62

A comunicação do ponto de vista de grupos subalternizados faz parte do amplo cenário

constituinte de organização e mobilização social. Se por um lado, tem-se a comunicação a

reboque do mercado, por outro, como vimos em Sodré (2002) por meio de sua ligação com a

comunidade representar uma nova forma de ampliar a participação e potencializar processos

democráticos de construção da cidadania.

2.5 O comunitário e a comunidade no campo da comunicação

O mundo humano é, desta forma, um mundo de

comunicação.

Paulo Freire

O sentido comunitarista da comunicação tem em seu bojo o desejo evidente pela

mudança social. Muito tem-se debatido na América Latina e, particularmente no Brasil, sobre

o desejo por mudança na estrutura societária. Não é de hoje que movimentos sociais e grupos

organizados se mobilizam frente às demandas do mundo vida. Vivenciamos um processo

histórico de exclusão e marginalização das diferenças sociais. E, de igual modo, vimos

aumentado o fosso entre a riqueza e a pobreza, ou seja, a péssima distribuição de renda e

economia no país.

O grito daqueles que são excluídos, marginalizados e empobrecidos faz crescer a

demanda da própria comunicação como organizadora dos processos de emancipação e luta

pelos direitos sociais, garantidos somente no papel.

Desde o início do ano de 1980 a comunicação “popular” é vista como portadora de

conteúdos críticos e reivindicatórios concretizados pelos meios alternativos, como

contracomunicacação da cultura subalterna (PERUZZO, 2004, p.119). A comunicação nessa

vertente pode receber inúmeras nomenclaturas. Comunitária, alternativa, local, dialógica,

radical, libertadora, participativa, horizontal, contra-hegemônica, para mudança social, das

minorias etc. Cada qual representando um universo de conceitos extraídos muitas vezes da

própria prática e dos estudos no interior de comunidades e movimentos sociais populares. Com

o passar do tempo os conceitos também se alteram e acabam por ganhar novas dimensões por

acompanhar as transformações em que passa a sociedade. O importante mesmo é compreender

os processos comunicacionais advindos dessa outra comunicação, independente da

nomenclatura adotada. Todavia, vale lembrar que alguns autores, conforme veremos adiante,

63

fazem uma crítica sobre a utilização do termo comunicação comunitária quando ela é utilizada

como sinônimo, principalmente, de popular. E, mesmo sendo importante compreender tais

processos à luz das experiências vivenciadas na prática, passar adiante desse fato é negligenciar

estudos importantes desenvolvidos neste contexto. Mais à frente, elucidaremos algumas

abordagens empregadas quanto às diferenciações conceituais.

Os processos comunicacionais comunitários desenvolvidos por agentes da sociedade

civil, desde um ponto de vista latino americano, estão imbuídos de resistência e luta. Por vezes,

os processos comunicacionais comunitários contam a história de grupos e os fortalece. Por

vezes, a sua história é a própria história desses processos, ora é tão difícil de dissociar a

comunicação do cotidiano, como vimos.

Ao longo do século XX, na América Latina, a comunicação com viés formador e

educador aparece no dialogicismo de Paulo Freire (1983, p.44), ao qual convida a pensá-la

como fundamental para a construção do conhecimento. “[...] o mundo social e humano, não

existiria como tal se não fosse um mundo de comunicabilidade fora do qual é impossível dar-

se o conhecimento humano”. A educação, a sua vez, está peculiarmente ligada ao modo de

inteligibilidade da comunicação. A partir desse potencial da comunicabilidade do conhecimento

e de sua democratização desponta o debate sobre comunicação e comunidade.

2.5.1 Entre comunicação comunitária e comunidade

Para Cicilia Peruzzo (2009) a comunicação comunitária pressupõe a existência de uma

práxis que vai além do simples estar próximo ou compartilhar das mesmas situações. Pertencer

a uma mesma etnia ou morar num mesmo bairro, ou usar o mesmo transporte coletivo, não

garante as relações comunitárias. De acordo com Peruzzo (2009, p.57-58):

A comunidade se funda em identidades, ação conjugada, reciprocidade de

interesses, cooperação, sentimento de pertença, vínculos duradouros e

relações estreitas entre seus membros. Portanto, nem todo meio de

comunicação local é comunitário, apenas por se dirigir a uma audiência

próxima, usar a mesma linguagem ou falar das coisas do lugar. Este pode

simplesmente reproduzir os padrões da mídia comercial privada em termos de

interesses econômicos e políticos, além de se basear na mesma lógica de

gestão e programação, distanciando-se da perspectiva comunitarista. Assim

sendo, à comunicação comunitária são reservadas exigências de vínculos

identitários, não possuir finalidades lucrativas e estabelecer relações

horizontais entre emissores e receptores com vistas ao empoderamento social

progressivo da mídia e ampliação da cidadania.

64

A comunicação comunitária23 surge da necessidade de dar voz e vez ao sujeito excluído

dos processos convencionais de comunicação. Porque a comunicação de massa vista de forma

verticalizada tem em sua proposta atingir uma audiência anônima, abrangente e impessoal. E

atende, aos interesses mercadológicos, estatais e aos conglomerados de radiodifusão no país,

restando pouco – ou quase nenhum – espaço para demandas locais, do ponto de vista dos atores

envolvidos. Se de um lado temos a massa, um conjunto heterogêneo de pessoas, por vezes

dispersas, por outro temos a comunidade que nos precede, para nos apropriarmos de uma

expressão utilizada por Bauman (2011).

Tema clássico da sociologia, a comunidade é vista e estudada em diversos aspectos,

como comunicacionais, humanistas, subjetivos e simbólicos que ultrapassam a noção

sociológica do termo. Em Ferdinand Tönnies (1995), importante sociólogo alemão do século

XIX, o sentido originário de comunidade passa por questões orgânicas como família, terra,

laços sanguíneos e a dicotomia entre sociedade e comunidade.

As novas configurações de família, de gênero, de sexualidade emergiram ao longo do

tempo, nesse sentido, a assertiva tönnesiana não dá conta de pensar o sujeito dito pós-moderno

em sua dimensão simbólica que contempla a cultura, a subjetividade e a experiência

comunitária. Todavia, Martin Buber, - contemporâneo de Tönnies, porém com ideias renovadas

- Zygmunt Bauman, Muniz Sodré, Manuel Castells, Cicilia Peruzzo, Raquel Paiva, entre outros

estudiosos, compõem o arcabouço teórico ao qual debruçamos o entendimento sobre

comunidade para a partir daí, tratar de sua relação com a comunicação comunitária,

acompanhada da mutação tecnológica promovida pela aceleração do espaço e do tempo, com o

advento da internet.

É preponderante nas comunidades o sentido orgânico do compartilhar, das relações

pessoais e o convívio com as diferenças na coletividade. Contudo, para que de fato haja a troca

comunicativa é necessário o reconhecimento do outro. Situar a relação eu e tu (BUBER, 1974)

no âmbito da comunicação comunitária é uma das formas de compreensão da troca

comunicativa, oriunda das relações inter-humanas e sociais.

Em Buber (1974), o eu e tu é conformado pelo diálogo, pela palavra, não sentido de

descrição das atitudes humanas, mas no sentido do que acontece essencialmente entre os seres

humanos e entre o homem e Deus. Em termos buberianos a palavra é dialógica, e o que vai

23 Apesar de respeitarmos e identificarmos as especificidades dos tipos de comunicação que refletem o processo

de mudança social empregamos em nossos estudos, o termo comunicação comunitária para nos referirmos aos

processos de comunicação desenvolvidos no interior de comunidades e por movimentos sociais.

65

exprimir a sua dialogicidade é exatamente o entre. Temos nesse ponto uma breve aproximação

com o pensamento de Freire (1983, p.45), quando aponta que a comunicação implica uma

reciprocidade que não pode ser rompida. Em outras palavras, para ele o que vai caracterizar a

comunicação é que ela em si mesma é diálogo.

Buber (1974) entende a palavra para além do seu significado semântico e de sua

estrutura, ou seja, atribui a ela o sentido de portadora de ser. Todavia, é pelo intermédio da

palavra que o homem é assentado na existência. De acordo com Von Zuben (1974, p.15)

tradutor da obra Eu e Tu, no Brasil, a palavra não é conduzida pelo homem, mas é ela que o

mantém no ser. Ele afirma que para Buber “a palavra proferida é uma atitude efetiva, eficaz e

atualizadora do ser do homem”. Entendemos então, a palavra como princípio norteador e como

fundamento da existência humana.

De forma geral, para Martin Buber (1974) a palavra como princípio do ser está atrelada

a categoria ontológica do entre e a palavra como diálogo é a fundamentação da relação humana.

O que o autor da filosofia do diálogo visa a apresentar é uma ontologia da existência humana,

explicitando a existência dialógica ou a vida em diálogo. Segundo Von Zuben (1974) as

principais categorias desta vida em diálogo são as seguintes: palavra, relação, diálogo,

reciprocidade como ação totalizadora, subjetividade, pessoa, responsabilidade, decisão-

liberdade, inter-humano. Acrescentamos às principais categorias citadas, a comunidade, ou o

sentido de comunidade, discorrido por Buber (1974, p.52):

a verdadeira comunidade não nasce do fato de que as pessoas têm sentimentos

umas para com as outras (embora ela não possa, na verdade, nascer sem isso),

ela nasce de duas coisas: de estarem todos em relação viva e mútua com um

centro vivo e de estarem unidos uns aos outros em uma relação viva e

recíproca. A segunda resulta da primeira; porém não é dada imediatamente

com a primeira. A relação viva e recíproca implica sentimentos, mas não

provém deles. A comunidade edifica-se sobre a relação viva e recíproca,

todavia o verdadeiro construtor é o centro ativo e vivo.

Em outros termos, para Buber (1974) a comunidade deve ser um fim em si mesma e não

um instrumento para se chegar em outros lugares ou em outros objetivos. Conforme já

apontamos, o homem é livre para fazer suas escolhas e em Buber (1987, p.39) a comunidade

também deve ser mantida por meio de escolhas.

Para Muniz Sodré (2002, p.178) a comunidade pressupõe continuidade, e assim como

Buber (1974), afirma que seus atributos não são necessariamente derivados de uma entidade ou

da propriedade de uma substância comum, como laço de sangue, territorial ou cultural, por

exemplo. No entanto, Sodré afirma que:

66

[...] e, sim da partilha de um munus, que é a luta comum pelo valor, isto é, pelo

que obriga cada indivíduo a obrigar-se para o com o outro. Tal é dívida

simbólica, transmitida de uma geração para outra por indivíduos imbuídos da

consciência de uma obrigação, tanto para com os ancestrais (os pais

fundadores) quanto para com os filhos (os descendentes, que perpetuam a

existência do grupo) (SODRÉ, 2002, p.178).

Martin Buber (1974) fala de relação para abordar a existência humana, a vida em

diálogo. Em contrapartida, Muniz Sodré (2002, p.223) fala em vinculação social, ou seja, a

radicalidade da diferenciação e aproximação entre seres humanos. Todavia, relação e

vinculação, ambas, estão fundamentadas na força do comum (munus) e motivam o sentido de

existência da comunidade. E a comunicação, em última instância, também é fundamentada no

comum.

Nesse ínterim, a perspectiva comunitarista é importante para a reflexão sobre o papel do

sujeito na sociedade pós-moderna, refletida a partir das contribuições de Zygmunt Bauman

(1998). Tal perspectiva não é uma fórmula e nem é tão fácil de ser alcançada, é um processo, é

o entre da relação. Embora Bauman não isente de críticas a comunidade de hoje, já que sua

mirada tem como pano de fundo o mal-estar pós-moderno, sua leitura está baseada à luz das

contribuições de Freud, em O mal-estar na civilização (1929). A sociedade, certamente, produz

os seus próprios estranhos e os anula quando não possuem mais serventia. De acordo com

Bauman (1998, p.27):

Mas cada espécie de sociedade produz sua própria espécie de estranhos e os

produz de sua própria maneira, inimitável. Se os estranhos são as pessoas que

não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo – num desses

mapas, em dois ou em todos três; se eles, portanto, por sua simples presença,

deixam turvo o que deve ser transparente, confuso o que deve ser uma coerente

receita para ação, e impedem a satisfação de ser totalmente satisfatória; se eles

poluem a alegria com a angústia, ao mesmo tempo em que fazem atraente o

fruto proibido; se, em outras palavras, eles obscurecem e tornam tênues as

linhas de fronteira que devem ser claramente vistas; se, tendo feito tudo isso,

geram a incerteza, que por sua vez dá origem ao mal-estar de se sentir perdido

- então cada sociedade produz seus estranhos.

A concepção pós-moderna da sociedade é aludida à noção de que é mais importante ter

do que ser. Daí a comunicação comunitária. Voltamos a Buber, o filósofo do diálogo, para

resgatar a noção do eu e tu como parte do processo de subjetivação. Temos uma dívida

simbólica com o outro, para retomamos Sodré (2002), aquele outro que nos afasta, nos

aproxima e ao mesmo tempo nos constitui, conformando assim a alteridade, o fio condutor de

qualquer vinculação comunitarista.

67

Iniciar a reflexão sobre comunicação comunitária a partir do referencial de comunidade,

aquela que foi pensada por Tönnies e reformulada na atualidade pelas próprias transformações

econômicas, sociais, culturais e comunicativas vivenciadas pelo ser humano, é buscar o comum

que liga a comunidade à comunicação comunitária e vice-versa. E reconhecer que há no interior

do campo, lutas que se travam na busca por hegemonia24 e reconhecimento do saber.

2.5.2 A comunicação comunitária floresce

Rizoma. A comunicação comunitária floresce entre as décadas de 1960 e 1980 em países

latino-americanos, especialmente no Brasil, como uma resposta política dos atores sociais

devido a retirada de direitos, repressão e a censura à liberdade de expressão das minorias etc.

Essa resposta parte de demandas específicas, cujas particularidades existentes à época decorrem

do golpe de 1964, paradoxalmente, evidencia-se a concentração de informação pelos grandes

conglomerados de comunicação no país. Essas demandas possibilitaram interpretá-la como ato

político de uma específica parcela da população à sua realidade marcada por injustiças e

desigualdades sociais, especialmente no que tange ao acesso à comunicação (SILVA, 2013,

p.75).

Floresce no bojo das classes populares iniciativas relacionadas à comunicação

comunitária provenientes dos movimentos estudantis, movimentos sociais e do Movimento

Eclesial de Base da Igreja Católica (CEB). Estas iniciativas são adotadas com vistas à

transformação social e ampliação dos direitos de cidadania e para contribuir com a mobilização

dos atores sociais que não tinham o direito de se expressar garantido devido à concentração

midiática e como resposta ao silenciamento provocado pela Ditadura Militar.

Christa Berger (2010) ao fazer um levantamento sobre a pesquisa em Comunicação na

América Latina afirma que a comunicação popular ao ser pensada sempre teve um

posicionamento político.

A introdução do estudo da comunicação popular alterou a pauta da teoria da

comunicação: solicitou outras referências teóricas e metodológicas; propiciou

um deslocamento do espaço universitário (precisou ir aos bairros populares

para pesquisar); deixou de lado a exclusividade de tratar da cultura. A

incorporação do popular à teoria da comunicação propiciou rever a

24 Hegemonia, do grego "hegemon", significa líder. Para Antonio Gramsci (1891-1937) o termo serve designar um

tipo particular de dominação. Contra-hegemonia, é um termo originado da teoria gramsciana, mas não por ele

criado. Basicamente, contra-hegemonia significa que a luta é contra uma hegemonia estabelecida buscando uma

transformação social. E a utilização da expressão comunicação contra-hegemônica segue essa mesma linha de

pensamento.

68

comunicação de massa, estudada em si, para pô-la em perspectiva, em relação

(BERGER, 2010, p.264).

Se num primeiro momento Berger (2010) afirma que a comunicação latino-americana

foi embasada por um viés político, hoje a partir das reflexões de Foucault, retomadas por Paolo

Virno, Hardt e Negri podemos atrelar esse viés político a uma categoria mais ampla de análise

do ponto de vista comunicacional, que é a própria noção de biopolítica, cujas explanações serão

desenvolvidas no capítulo em que tratamos sobre os movimentos sociais. Outro fator

interessante é fazer uma conexão com o bios virtual ou midiático aventado por Sodré (2006).

Os meios alternativos de comunicação na época já amplamente utilizados, após o golpe

da Ditadura Militar passam a incorporar as demandas das classes subalternas, convergindo

então para a comunicação popular.

Numa conjuntura em que vinha à tona a insatisfação decorrente das precárias

condições de existência de uma grande maioria e das restrições à liberdade de

expressão pelos meios massivos, criaram-se instrumentos “alternativos” dos

sujeitos populares, não sujeitos ao controle governamental ou empresarial

direto. Era uma comunicação vinculada à prática de movimentos coletivos,

retratando momentos de um processo democrático inerente aos tipos, às

formas e aos conteúdos dos veículos, diferentes daqueles da estrutura então

dominante, da chamada “grande imprensa”. Nesse patamar, a “nova”

comunicação representou um grito, antes sufocado, de denúncia e

reinvindicação por transformações, exteriorizado sobretudo em pequenos

jornais, boletins, alto-falantes, teatro, folhetos, volantes, vídeos, audiovisuais,

faixas, cartazes, pôsteres, cartilhas etc (PERUZZO, 2004, p. 114-115).

Neste contexto, os meios de comunicação comunitários surgem como alternativa a

produção de novos sentidos, dando possibilidade àqueles indivíduos historicamente excluídos

dos processos comunicacionais em participar por meio de suas próprias falas e reivindicações.

Os atores sociais alijados das benesses promovidas pelo desenvolvimento econômico e

social encontram-se à margem de tantos recursos indispensáveis para a manutenção da vida,

como o direito à moradia, saneamento básico, trabalho digno, educação de qualidade etc. De

certo modo, não seria diferente em relação ao direito ao acesso à informação e comunicação.

Nessa conjuntura, os meios de comunicação social, especialmente os da grande mídia, são

mediadores das relações sociais e produtores de sentidos e aqueles atores sociais que têm

garantido o seu lugar de fala nos espaços midiáticos tem mais probabilidade de que suas

reivindicações e demandas sejam atendidas pelo poder público.

69

2.5.3 (Des)apropriações

A comunicação comunitária potencializa a participação em vários níveis, de grupos

subalternizados e minorias sociais no desenvolvimento de ações no âmbito local. Conforme já

afirmamos em outro momento, ela é feita pela, para e com a comunidade com o objetivo

precípuo: o por em comum, de se fazer comunicar num espaço polifônico (SILVA, 2013, p.74).

Em outras palavras, ela visa o favorecimento da própria comunidade onde é realizada, em

termos de desenvolvimento local, econômico, cultural etc. Prioritariamente, a comunicação

comunitária é um instrumento de participação e mobilização, tendo em vista a democratização

da comunicação e a transformação social.

É importante contextualizar nosso lugar de fala quando nos referimos a determinados

conceitos e apropriações que são feitos deles na prática cotidiana. Partimos do princípio que

conceitos são expressões da experiência concreta, ou seja, do ponto de vista das práticas. Então,

para balizarmos nossa compreensão acerca deste tema premente para a composição do

arcabouço teórico e prático sobre os processos comunicacionais dos movimentos sociais cabe-

nos recorrer aos trabalhos que com maestria foram e estão sendo realizados na área. Esses

trabalhos, por um lado, dizem respeito a prática concreta da comunicação popular no âmbito

dos movimentos sociais e por outro, teorizam sobre a comunicação que ousamos chamar aqui

de comunitária, a partir do conceito de comunidade.

À luz das contribuições importantes à temática comunitária, autores como Cicilia

Peruzzo, Raquel Paiva e Muniz Sodré ofertam um arcabouço teórico que facilitará o nosso

percurso. A ideia que permeia “O Espírito Comum” de Raquel Paiva é a experiência comum

que unifica na produção do social a diversidade das relações de sentido a partir das categorias

apresentadas por Tönnies. A comunidade debatida por Paiva (2007, p.147) é uma metáfora para

a construção de uma nova forma para o laço social, ao qual a autora denomina de comunidade

gerativa. O foco, segundo a autora, não é tratar da dicotomia entre comunidade e sociedade

como muitos fazem, mas sim buscar um caminho de redescrição das tentativas de produzir

comunicação a partir de uma experiência comum, fora dos circuitos do capital. E, a nosso ver,

se não há uma forma de escapar desse circuito e estando dentro dele, mas não com ele, pode-se

produzir comunicação a partir das armas forjadas no interior das lutas sociais.

A proposta da comunicação comunitária passa necessariamente pela revisão

do conceito de comunidade, bem como pela análise da possibilidade de

inserção dessa estrutura na atualidade. Cidadania e solidariedade

transformaram-se em paradigmas que permitem imaginar uma ordem com

70

objetivos diferentes da premissa econômica universalizante, esta mesma que

pretende instaurar de maneira genérica a globalização. A proposta comunitária

surge como uma nova possibilidade de sociabilização, com o propósito de

fazer frente ao modelo econômico em que o número dos excluídos parece cada

vez mais ampliado (PAIVA, 2003, p. 26).

Jorge Miklos (2014, p.110-11) baseia-se na perspectiva de Paiva (2007) e Peruzzo (2004)

para qualificar a sua percepção sobre a comunicação comunitária, popular e alternativa. Miklos

(2014) recorre a Peruzzo (2004) quando ela afirma que esse tipo de comunicação expressa as

“lutas populares por melhores condições de vida que ocorrem a partir dos movimentos

populares e organizações civis comunitárias, e representam um espaço para a participação

democrática”. Miklos (2014) também cita a perspectiva comunitária apresentada por Paiva

(2007, 137-145) a partir de oito pilares e que também podem ser identificados nas pesquisas de

Peruzzo (2004). São eles:

1) A comunicação comunitária constitui uma força contra-hegemônica no campo

comunicacional.

2) A comunicação comunitária atua na direção de uma estrutura polifônica.

3) A comunicação comunitária produz novas formas de linguagem.

4) A comunicação comunitária capacita-se para interferir no sistema produtivo.

5) A comunicação comunitária gera uma estrutura mais integrada entre consumidores e

produtores de mensagens.

6) A comunicação comunitária atua com o propósito primeiro da educação.

7) A comunicação comunitária pode engendrar novas pesquisas tecnológicas.

8) A comunicação comunitária como lugar propiciador de novas formas de reflexão sobre

a comunicação.

2.5.4 Meios comunitários

A comunicação comunitária é realizada por meio de ferramentas comunicacionais que

vão desde os meios mais rudimentares aos meios mais sofisticados, potencializados pelo avanço

das tecnologias de informação e comunicação: Folhetins; Jornal local; Fanzine; Cordel; Teatro

Popular; Rádio; Rádio postes/Sistema de alto-falantes; Televisão; Vídeos, Multimídia; Rádio e

TV Web e outras tantas possibilidades criativas (SILVA, 2013, p.75).

De acordo com Raquel Paiva (2003) a premência por veículos alternativos instala-se em

um horizonte em que as grandes redes de informação passam a monopolizar a versão sobre os

71

fatos e a verdade. No entanto, tem-se a possibilidade de criação de veículos comunitários, cuja

existência parte de sua vinculação com a comunidade. “A estrutura comunicacional de um

veículo de comunicação inscrito na ordem comunitária segue padrões distintos dos veículos

existentes, ao mesmo tempo em que são alteradas as bases responsáveis pela articulação

discursiva” (PAIVA, 2003, p.55). A autora faz uma importante reflexão sobre a estrutura

comunitária, sua força política, a inserção e o papel de um veículo comunitário na comunidade.

2.5.5 Processos comunicacionais comunitários

No entanto, as várias ferramentas utilizadas para o desenvolvimento da comunicação

comunitária e sua prática cotidiana compõem o processo de comunicação com todas as suas

potencialidades e limitações. Tais processos fazem parte de uma dinâmica interior muito maior

do que o próprio fazer comunicação no sentido da apropriação das técnicas por parte dos grupos

envolvidos. Essa dinâmica pode ser percebida em sentido amplo, no próprio ato do seu fazer

organizativo, ou seja, quando os grupos se organizam em torno da comunicação para pensarem

o meio em que vivem. Muitas formas de participação são percebidas durante um processo de

comunicação comunitária, que vão desde o planejamento do meio, a criação de conteúdos, ou

simplesmente a recepção das informações. Segundo Peruzzo,

Os processos de comunicação comunitária são dinâmicos, ou seja, estão

sempre se renovando, aperfeiçoando e, às vezes, retrocedendo no tempo,

principalmente no que se refere à participação popular e consequente

democratização da comunicação. [...] democratizar a comunicação não

significa apenas aumentar o número de meios (canais), mas democratizar a

própria comunicação, entendida em todo o seu processo de planejamento,

gestão, geração de conteúdos e sua difusão. A crescente participação ativa da

população e das organizações sociais sem fins lucrativos na comunicação

comunitária é a base indispensável para a real democracia comunicacional e

da cultura com vistas à ampliação da cidadania (PERUZZO, 2007, p.153).

O processo de comunicação popular começa quando os grupos de mais baixo status

deixam de fazer esforços para se comunicarem por meio da hierarquia das elites intermediárias

ou dos meios públicos ordinários e estabelecem o seu próprio sistema de comunicação

horizontal.

Em consonância com o texto de Peruzzo, ao invés de retomar conceitos e definições

bastante explorados na literatura, vamos resgatar alguns traços comuns que são característicos

da comunicação comunitária relacionada aos movimentos sociais. As principais características

72

segundo a autora (PERUZZO, 2004, p.124) acontecem de forma inter-relacionada e não

necessariamente ao mesmo tempo. Vejamos:

1) Expressão de um contexto de luta

2) Conteúdo crítico-emancipador

3) Espaço de expressão democrática

4) O povo como protagonista

5) Instrumento das classes subalternas

2.6 É popular, é comunitária, é alternativa, é comunicação

Alguns autores (GIANNOTTI, 2016; MIANI, 2011; YAMAMOTO, 2007) discutem

sobre o esvaziamento crítico da comunicação popular25 em detrimento da comunitária. Apesar

desse suposto esvaziamento não caber em nossa proposta e em nossas convicções acerca do

sentido comunitarista, frisamos a contribuição de autores como Vito Giannotti e Claudia

Gionnotti (2016) ao tratar da comunicação popular no âmbito das favelas cariocas e

particularmente sobre a contribuição à comunicação sindical.

Claudia Giannotti (2016) trata sobre a definição de comunicação popular, por quem é

produzida, seu objetivo, sobre a linguagem utilizada e traz também contribuições do jornalista

e historiador Marco Morel sobre sua pesquisa intitulada de Jornalismo Popular nas favelas

cariocas, realizada na década de 1980. No entanto, o livro como todo, trata especificamente

sobre a comunicação popular desenvolvida no âmbito das favelas cariocas, partindo das

experiências da imprensa carioca nas favelas na década de 1970 até os dias de hoje.

Para Giannotti (2016), Morel compreende a comunicação popular como uma

perspectiva cultural e militante que no fundo seria a construção de uma hegemonia dos

movimentos sociais e trabalhadores. A comunicação popular para o autor é uma produção que

tem como objetivo a transformação social e o papel que jornais de favela teriam nisso. No

conjunto da obra organizada pela Giannotti, são apontadas diferenciações dos termos popular,

25 A partir de posições teóricas e algumas convicções afirmamos neste trabalho não ser de interesse nosso, no

momento, demarcar o conceito de popular como um adjetivo intrínseco às classes populares, então ele ficará em

suspenso no decorrer do estudo. Todavia, os últimos capítulos da tese poderão mostrar se os movimentos sociais

e a comunicação por eles desenvolvidas se utilizam dessa terminologia e qual os sentidos atribuem à ela, apesar

de não ser um objetivo explícito da presente pesquisa. Como a proposta parte de uma teoria fundamentada em

dados, esvaziar conceitos sem antes os verificar na prática não coaduna com nosso interesse metodológico, nem

científico.

73

comunitário e usos que são feitos. Os autores defendem o uso do termo popular e acreditam em

uma comunicação que parte da organização popular e que ao mesmo tempo a alimenta

(GIANNOTTI, 2016, p.48).

Para Claudia Giannotti (2016, p.23) a comunicação popular é “produzida pelo povo e

para o povo, com o objetivo de alterar a realidade social de uma determinada comunidade ou

grupo social, como já dizia Vito Giannotti”. A autora afirma ainda, que:

ela é porta-voz dos interesses da comunidade em que está inserida e também

ajuda a comunidade a se organizar em torno de seus problemas. É a

comunicação que reporta o dia a dia da comunidade a partir do olhar de quem

a produz. É produzida coletivamente por moradores de uma favela ou bairro

popular que tenham interesses em comum e decidam se organizar para atingir

seus objetivos. Falando em uma linguagem mais elaborada do ponto de vista

da Comunicação Social, na Comunicação Popular o público é uma tarefa

militante de mobilização através da criação de veículos próprios que não são

controlados pela burguesia ou por governos (GIANNOTTI, 2016, p.23-24).

Sobre o objetivo da comunicação popular segundo Giannotti (2016, p.25) ela pode se

propor a denunciar o sistema, as arbitrariedades, divulgar a arte e as várias produções da

comunidade, e ao mesmo tempo, a organizar as pessoas da comunidade para lutarem por suas

reivindicações. Neste aspecto, aborda a importância da comunicação e da organização popular

caminharem juntas.

Todavia, a autora deixa uma brecha quanto à que tipo comunicação utilizar, ao afirmar

que a forma de comunicação escolhida depende das características da comunidade. Em outras,

palavras apesar da demarcação quanto ao uso do termo popular, a autora diz no mesmo texto

que a função da comunicação comunitária é “explicar, explicitar, dar visibilidade aos problemas

contextualizando-os e dizendo por que eles acontecem para que as pessoas entendam que a

transformação da situação da comunidade depende do ambiente político e econômico da cidade,

do estado, do país, do mundo” (GIANNOTTI 2016, p.25).

No entanto, ao seguir o raciocínio afirma que outra reflexão é importante. Segundo ela,

a expressão comunicação popular começou a ser substituída por comunicação comunitária. Ela

afirma que existem inúmeras explicações para isso e se apoia no entendimento de Marco Morel

para tal argumentação. Para Morel o uso da expressão comunicação comunitária no lugar de

comunicação popular trata-se de um esvaziamento do sentido crítico que a comunicação

popular possui.

a palavra comunitária é um pouco asséptica, pretende ser neutra e não explica

o conflito do popular contra o antipopular. A palavra comunitária tem uma

74

ideia mais abrangente no sentido de harmonizar e ocultar os conflitos. Na

época isso correspondia a uma visão de setores dos chamados movimentos de

favela que reivindicavam a condição de favelado como uma forma de

resistência cultural e política. Depois veio a tendência de achar que favela

seria um estigma negativo, de preconceito. Para se livrar desse preconceito

passa-se a falar em comunidade. Então, eu sou de uma época em que se tentava

valorizar a ideia de favela enquanto resistência política, cultural e identidade

de classe. E a comunicação popular seria uma expressão disso (MOREL apud

GIANNOTTI, 2016, p. 33-34).

Ainda no tocante ao uso dos termos popular e comunitário a autora afirma que utiliza o

primeiro em detrimento do segundo pelos motivos apresentados por Morel e também porque

querem reforçar a ideia de que os materiais produzidos em favelas, seu “objeto” de estudo

podem e devem ser entendidos como focos de resistência política e cultural.

Para Rozinaldo Miani (2011) há que se fazer distinções para tratar a comunicação

comunitária e popular, para que ambas não sejam tratadas como expressões correlatas. Miani

(2011, p.226-227) afirma que o ponto inicial para definir comunicação comunitária é entender

o significado de comunidade. Segundo o autor, a comunidade pode ser entendida como “uma

possibilidade que se realiza como decorrência da dinâmica social estabelecida por um conjunto

de indivíduos que se reconhecem como construtores de um sentimento coletivo de

pertencimento no interior de um grupo social”.

No entanto, o autor vai afirmar que a perspectiva de uma atuação político-ideológica

por parte um determinado grupo social, pautada pela consciência de classe, não é propriedade

constitutiva de uma comunidade, daí significa afirmar que a comunicação popular não deveria

ser confundida com a comunitária pelo viés empregado pelo autor.

Para Miani (2011, p.227-228):

No plano da comunicação essa perspectiva se aplica, de maneira característica,

à comunicação popular, o que reforça nossa afirmação da impropriedade de

considerar comunicação popular e comunicação comunitária como termos que

se possam substituir como sinônimos. No que se refere à perspectiva de uma

atuação política, a cidadania se apresenta como o eixo norteador das mais

diversas ações organizadas por uma determinada comunidade.

Yamamoto (2007) é outro autor que também não reconhece a comunicação popular e

comunitária como semelhantes. Ele considera o termo comunitário menos subversivo do que o

popular, visto que ele parte para suposta ideia de conciliação e convivência quando considera a

perspectiva comunitária pelo viés da comunidade.

[...] se considerarmos que o popular implica mudanças estruturais na

sociedade, deduzimos a meticulosidade como esta palavra foi

75

estrategicamente subsumida no comunitário. Porque popular, pelo menos na

acepção que foi suprimida, designa participação, movimento, qualidades

contrárias à ordem vigente. Já comunitário, como solidariedade,

pertencimento, afeto, calor, do modo como vem sendo utilizado nos dias de

hoje, não oferece qualquer risco ao sistema. Ademais, hoje, tudo é

comunidade: não existem mais classes antagônicas, mas grupos (variados) de

oposição (YAMAMOTO, 2007, p.7-8).

E como contraponto, retomamos as contribuições teóricas e práticas de Cicilia Peruzzo

em “Comunicação nos movimentos Populares” (2004) para reforçar que a comunicação popular

nasce efetivamente a partir dos movimentos sociais e se que refere ao modo de expressão das

classes populares, no entanto, isso não invalida a comunicação comunitária quando atrelamos

a ela o sentido de um fazer que seja também político.

Segundo Peruzzo (2004a, p.141) convém não esquecer que tanto participativo como

popular26, - poderíamos acrescentar aqui a infinidade de adjetivos atribuídos - não qualificam

necessária e automaticamente o substantivo democracia. E, dando um passo atrás, a autora

(2004a, p.117) afirma que povo não tem estatuto teórico universal, não se podendo, portanto,

vê-lo sob uma categoria de análise pré-fixada. É preciso apanhá-lo em seu contexto, como uma

realização histórica, cuja composição e cujos interesses variam em função de fatores

determinantes, estruturais e conjunturais, constituindo-se sempre nem todo plural e

contraditório.

Peruzzo (2004a, p.118-119) afirma ainda que falar de comunicação “popular”, envolve

várias conotações e ela destaca três correntes. São elas:

a) Popular-folclórico – diz respeito ao conjunto das expressões culturais tradicionais do

“povo”, oriundas de festas folclóricas, danças, costumes, objetos etc.

b) Popular-massivo – de forma geral, diz respeito à indústria cultural, cujos produtos,

sejam eles, programas televisivos, radiofônicos são difundidos pelos meios de comunicação de

massa.

c) Popular-alternativo – está atrelado ao universo dos movimentos sociais e pode ser

dividida em duas linhas de pensamento. Uma diz respeito a comunicação como “libertadora,

revolucionária, portadora de conteúdos críticos e reivindicatórios capazes de conduzir à

transformação social,” ou seja, coloca-se em antagonismo com a comunicação de massa. A

26 Vários autores já trataram sobre os termos popular e povo, entre eles destacamos os trabalhos desenvolvidos por

Nestor García Canclini, Jorge González e Regina Festa. A obra de PERUZZO, Cicilia M. Krohling. Comunicação

nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, 342p,

oferece mais informações sobre o assunto.

76

outra linha possui uma postura mais flexível e considera que a “comunicação popular pode

inferir modificações em nível de cultura e contribuir para a democratização dos meios

comunicacionais e da sociedade”, esta, por realizar-se em espaços próprios não se contrapõe a

comunicação de massa.

Cicilia Peruzzo (2004) aborda sobre os adjetivos que são atribuídos a comunicação

popular, como comunitária, participativa, dialógica e etc. Porém, lembra que faz-necessário

observar a distinção na bibliografia corrente sobre os termos popular e alternativo. Por exemplo,

especificamente no Brasil, a expressão imprensa alternativa refere-se aos periódicos que se

tornaram uma opção de leitura crítica, em relação à grande imprensa (PERUZZO, 2004a, p.

120). Alguns termos, às vezes causam imprecisões, pois se em determinada época dizem

respeito a algumas demandas em outras épocas podem vir a representar outras coisas.

Em outras palavras, nem sempre o termo popular esteve ou está atrelado à noção das

classes subalternizadas. O movimento “Diretas Já” (1983-1984) reuniu diversos setores da

sociedade brasileira como partidos políticos de oposição ao regime militar, artistas, movimento

estudantil, lideranças sindicais, jornalistas, civis etc., ou seja, a grande maioria da população

esteve nas ruas, inclusive, com o apoio da Organizações Globo. Então é difícil esvaziar um

conceito em relação ao outro, pois ele pode representar um estado de coisas diferentes em

épocas específicas.

No entanto, em outro texto Peruzzo fornece uma pista importante para nossa discussão:

A comunicação popular e comunitária pode ser entendida de várias maneiras,

mas sempre denota uma comunicação que tem o “povo” (as iniciativas

coletivas ou os movimentos e organizações populares) como protagonista

principal e como destinatário, desde a literatura de cordel até a comunicação

comunitária (PERUZZO, 2009, p.55).

Vejamos, esse tipo de comunicação engendra o “povo” como protagonista e destinatário

das várias formas de comunicação. Em outras palavras,

Portanto, do ponto de vista teórico e das práticas sociais recentes, a

comunicação comunitária recorre a princípios da comunicação popular,

podendo haver certa distinção entre uma experiência e outra, segundo as

características de cada situação. É comum, por exemplo, existirem casos em

que o comunitário se torna mais plural ao atuar num bairro, numa cidade ou

região onde há diversidade de atores sociais, e em cuja realidade certas

características comunitaristas (ação conjunta, participação na gestão,

propriedade coletiva) se diluem, mas outras permanecem, como, por exemplo,

o sentido orgânico do vínculo local, participação na programação e a

transmissão de conteúdos de interesse público (PERUZZO, 2009, p.55).

77

Dessa forma, não coadunamos com Yamamoto (2007), Miani (2011) e Giannotti (2016)

quando desconsideram a utilização dos termos para a mesma finalidade. Porque na verdade o

que está em jogo é o processo que se desenvolve a partir da comunicação com vistas ao

empoderamento humano, a transformação social, e também às reivindicações do ponto de vista

das organizações, sejam elas, em âmbito local ou regional, as quais, de certa forma não são

potencializadas e publicizadas pelos meios de comunicação tradicionais.

Se, por um lado alguns autores distorcem e subjugam o sentido do termo comunitário.

Por outro, Peruzzo (2004b) salienta que se trata de algo controverso. Sobre a questão da

comunicação comunitária no Brasil, a autora afirma que:

Por ocorrer uma vulgarização do uso do termo “comunitário”, há visões

distorcidas do que ela venha a ser na prática. Em última instância, não basta a

um meio de comunicação ser local, falar das coisas do lugar e gozar de

aceitação pública para configurar-se como comunitário. A comunicação

comunitária que vem sendo gestada no contexto dos movimentos populares é

produzida no âmbito das comunidades e de agrupamentos sociais com

identidades e interesses comuns. É sem fins lucrativos e se alicerça nos

princípios de comunidade, quais sejam: implica na participação ativa,

horizontal e democrática dos cidadãos; na propriedade coletiva; no sentido de

pertença que desenvolve entre os membros; na corresponsabilidade pelos

conteúdos emitidos; na gestão partilhada; na capacidade de conseguir

identificação com a cultura e interesses locais; no poder de contribuir para a

democratização do conhecimento e da cultura. Portanto, é uma comunicação

que se compromete, acima de tudo, com os interesses das “comunidades” onde

se localiza e visa contribuir na ampliação dos direitos e deveres de cidadania

(PERUZZO, 2004b, p.5).

Em “Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados e as

reelaborações no setor”, Peruzzo (2009) az um apanhado dos aspectos norteadores da

comunicação comunitária, que por vezes é chamada de popular, alternativa ou participativa.

Nomeia esses processos de comunicação comunitária, mesmo havendo características

próprias em cada um deles. A autora pontua que a comunicação comunitária é caracterizada por

processos de comunicação fundamentados em “princípios públicos, tais como não ter fins

lucrativos, propiciar a participação ativa da população, ter – preferencialmente - propriedade

coletiva e difundir conteúdos com a finalidade de desenvolver a educação, a cultura e ampliar

a cidadania” (PERUZZO, 2009, p.55-56).

Hoje a lógica societária está tão presente no cotidiano das pessoas quanto estava na

década de 1960 e 1970 no auge da chamada comunicação popular, mas a sociedade é dinâmica

e se transforma, assim como suas formas de comunicar e os termos que são atribuídos a estes

formatos. Se antes, o sujeito poderia ser considerado mais engajado politicamente hoje existem

78

outros reconhecimentos que ultrapassam a noção de um engajamento político puro, do ponto

de vista da militância. Outros valores surgem, valores mais locais, do próprio reconhecimento

do viver na coletividade e de outros aspectos relacionados à cidadania.

A esse respeito, João Paulo Malerba (2016, p.355) ao abordar a comunicação

comunitária, especificamente em sua pesquisa “Rádios comunitárias no limite: crise na política

e disputa pelo comum na era da convergência midiática” traz importante contribuição sobre a

incidência da expressão comunitária para adjetivar as rádios, que outrora eram denominadas de

populares e alternativas. Para o autor a partir dos 1980, a expressão comunitária procurará “unir

o disperso, mas mantendo suas singularidades”.

Além da ideia de uma rádio para construir e “servir a comunidade”, esse

conceito procura abarcar um leque mais amplo de atores e carrega bandeiras

como a da participação, da democratização da comunicação,

pluralidade/diversidade e das minorias (sexuais, étnicas, religiosas etc.). Não

que tais bandeiras já não estivessem anteriormente presentes, mas sob o leque

do comunitário novos sujeitos passam a protagonizá-las (MALERBA, 2016,

p.355).

Seguindo esse raciocínio não se trata de simples discussão terminológica, mas de

apanhá-la no contexto em que si situa. Se num primeiro momento, a expressão popular e

alternativa expressava a luta política dos setores subalternizados, num segundo momento ela

passa a abranger outras dimensões das lutas e dos atores sociais, com foco na dimensão da

comunidade. Já em um terceiro momento, o termo cidadã aparece para “dar conta da pluralidade

como princípio e a geração de consensos como fim: abertura, participação de todos e todas,

construção de comunidades” (MALERBA, 2016, p.356).

Passado o fervor da militância política, dos anos dourados, como era vista, e até de certo

esvaziamento nesse sentido, podemos atribuir outras formas de pensar a comunicação como

expressão de luta das classes populares. Este tipo de comunicação contempla os meios

tecnológicos e outras modalidades de canais de expressão sob controle de associações

comunitárias, movimentos e organizações sociais sem fins lucrativos (PERUZZO, 2009, p.55-

56).

Outro destaque a ser feito é que por meio da comunicação comunitária é efetivado o

direito de comunicar ao garantir o acesso aos canais de comunicação. “Trata-se não apenas do

direito do cidadão à informação, enquanto receptor – tão presente quando se fala em grande

mídia –, mas do direito ao acesso aos meios de comunicação na condição de produtor e difusor

de conteúdos” (PERUZZO, 2009, p.55-56), no contexto comunitário em que vivem.

79

Em contrapartida, o exposto anteriormente, gera uma discussão acerca do sentido

comunitarista de estar juntos, das diferenças existentes numa comunidade e das características

intrínsecas a dinâmica interna de cada comunidade ou grupamento social a partir do próprio

princípio organizativo permeado pela comunicação que constitui esses grupos.

Primeiro porque é premente considerar ou não a existência de uma comunidade para

falarmos em comunicação comunitária.

Segundo porque a comunicação comunitária que emerge desses grupamentos sociais,

comunidades, ou movimentos sociais podem vir acompanhadas ou ter o apoio de animadores

(pesquisadores, professores e estudantes da área temática) que não sejam partícipes daquele

grupo, mas que funcionam como mediadores do processo. Lógico, visando aos interesses do

grupo.

Há, ainda, um terceiro ponto a ser levado em consideração: a comunidade vista como

um elo quase heurístico entre os membros, cuja finalidade é o empoderamento coletivo, mas

também individual no contexto dos direitos de cidadania.

A comunidade precisa ser pensada não somente pelo seu lado romântico e acolhedor,

mas a partir da aglutinação das diferenças existentes entre seus membros e pelo desejo comum

de mudança da realidade concreta da sociedade e ou local em que vivem. A comunicação

precisa ser percebida justamente neste processo, de acompanhar e fomentar às mudanças, seja

em nível estrutural ou conjuntural da sociedade, isso vai depender em que estágio está a

organização social que faz uso das ferramentas comunicacionais.

Sendo assim, afirmar que a comunicação é popular porque está circunscrita em lutas de

classes antagônicas ou que é comunitária pelo seu sentido comunitarista de cooperação entre os

membros não é tão importante quanto apreender o sentido histórico dessas lutas e suas

transformações na atualidade, do ponto de vista dos movimentos sociais ou grupos organizados.

O que mais importa é entender os processos por meio dos quais a comunicação

de segmentos subalternos organizados da população se materializa. Portanto,

conceitos definidos a priori – sejam eles popular, comunitário, alternativo,

participativo etc. – tendem a não dar conta da realidade no seu conjunto, pois

ela é dinâmica e avessa a se enquadrar na lógica conceitual. Os conceitos é

que necessitam refletir as práticas sociais e não estas se enquadrarem em

conceitos (PERUZZO, 2015, p.13).

Certos de que o percurso teórico e linhas de pensamento precisam ser embasados pela

realidade concreta vivenciada durante a pesquisa, optamos já nos referenciais teórico-

metodológicos por uma visão que contemple as novas formas de vida presentes no capitalismo

80

cognitivo, que veremos nos capítulos posteriores. Assim, já apontamos para um dos motivos27

que nos leva a não categorizar a outra comunicação, mas a demonstrar como isso tem sido feito

na literatura. E então, utilizar singularmente, a expressão comunitária, pois mais adiante

esclareceremos a partir de alguns autores que a base concreta para pensar os movimentos

sociais, em nossa proposta, é a multidão contemporânea, e que por fim, outros conceitos como

classe, povo serão analisados à luz do material empírico produzido.

Buscar um caminho de redescrição das tentativas de produzir comunicação torna-se e é

possível a partir de uma experiência comum e fora dos circuitos do capital - em partes -. Ainda

assim, essa redescrição precisa ser uma ligação entre seres humanos, comunidade, vinculação

social, diferenças, território físico e/ou simbólico e comunicação. E a internet está inscrita neste

universo de luta e disputa pelo espaço social. Ela até pode servir à lógica do capital, mas pode

servir também aos movimentos sociais, conforme veremos no capítulo IV.

27 O outro motivo é porque os termos comunitário, popular e alternativo se confundem por serem semelhantes

quanto aos seus objetivos e práticas (PERUZZO, 2004).

81

CAPÍTULO III – MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL E SEUS

DESDOBRAMENTOS

O foco deste capítulo consiste em apresentar uma revisão de bibliografia pertinente e

focada, cuja fundamentação teórica sustenta, inicialmente, a abordagem conceitual da pesquisa.

Neste capítulo traçamos um breve panorama sobre os movimentos sociais, dos clássicos aos

contemporâneos, passando pelas diversas abordagens que têm sido aplicadas aos estudos desta

temática para destacarmos alguns aspectos da comunicação nos movimentos sociais, a partir

das redes de autocomunicação e autonomia e a categoria teórica multidão que nos ajudam a

refletir sobre o objeto de estudo. No entanto, o lugar da revisão bibliográfica na pesquisa de

teoria fundamentada em dados vem sendo discutida há muito tempo. Os pioneiros Glaser e

Strauss (1967) defendem que a revisão bibliográfica deve ser adiada até que a análise dos dados

seja completada. Essa postura diz respeito a uma suposta contaminação dos dados construídos

por teorias empreendidas anteriormente. Nossa postura coaduna com a orientação de Charmaz

(2009, p.227) de que a teoria fundamentada empreendida na pesquisa poderá refinar, ampliar,

contestar ou suplantar os conceitos existentes.

3 Dos clássicos aos contemporâneos: um breve histórico

Discorrer sobre movimentos sociais no Brasil é narrar o próprio país em suas origens,

diversidades, singularidades e em suas desigualdades. As Constituições brasileiras em suas

variadas transformações ao longo dos séculos demonstram que, ao menos em partes, a

democracia antes de ser caracterizada como uma forma de governo é um exercício a ser

praticado. A palavra democracia é de origem grega, demos, faz referência ao povo e kratos, faz

referência ao poder, ou seja, poder do povo. As palavras poder e povo serão problematizadas

mais adiante neste texto para efeito de demarcação conceitual. A primeira porque permeará a

discussão, mesmo que de forma implícita e a segunda porque é fundamental para às análises de

formas de vida contemporâneas que veremos a partir da categoria teórica multidão.

Em sua atual Constituição, datada de 1988, o Brasil é estabelecido como um Estado

democrático de Direito28 e tem como princípios fundamentais a soberania, a cidadania, a

28 Estado de Direito significa que nenhum tipo de autoridade, nem o cidadão comum está acima das leis. Os

governos democráticos exercem sua autoridade por meio de lei estabelecidas. No entanto, as leis devem expressar

a vontade do povo, ou seja, da maioria, que por vontade manifesta elege representantes legais.

82

dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. No entanto, para que haja justiça, as leis,

de uma maneira geral, devem ser criadas pelos mesmos cidadãos que as obedecem. Aliado a

isto, a liberdade dos indivíduos é escamoteada e os direitos em todas as suas esferas civis,

sociais, políticos não são garantidos de fato.

O Brasil formado por homens e mulheres, sujeitos da história em sua dinamicidade, no

entanto, resistem. Resistência é um adjetivo apropriado para assinalar às lutas do que

posteriormente seria caracterizado por volta de 1848, pelo sociólogo alemão, Lorenz Von Stein,

de movimento social. A ecologia, a física, a anatomia, a política e outras áreas do conhecimento

humano utilizam este termo, ao qual, tomamos de empréstimo29. Para a primeira, resistência

diz respeito a capacidade de um sistema manter seu funcionamento diante de um distúrbio. A

segunda, aborda a capacidade de um determinado material resistir à passagem de corrente

elétrica. A terceira, diz respeito ao sistema de estruturas e processos que protege o organismo

de certos tipos de doenças. E o último, diz respeito ao movimento de um grupo contra um poder

que consideram ilegítimo. Uma boa analogia para contornar a ideia de resistência em Michel

Foucault (2006).

Historicamente a ideia da luta por direitos humanos começa com uma nova concepção

do homem, proveniente da razão humana. Durante séculos prevalecia a ideia da existência de

Deus, Ser soberano, como a medida de todas as coisas. Porém, a ideia da razão humana com

todas as vicissitudes e prejuízos, trazida pelo iluminismo do século XVIII, aponta que o homem

deveria ser o centro de todas as coisas e passar a buscar suas respostas por meio do

conhecimento científico, que até então eram calcadas na fé.

O século XVIII é conhecido como o século das revoluções30, não somente na França

(1789), mas ao redor do mundo devido às revoltas ocorridas, que se situam além do campo

social permeando, especialmente, o campo econômico. As transformações do trabalho artesanal

para o trabalho assalariado, particularmente, foi um dos motivos que desembocou na Revolução

industrial inglesa. A modernidade, com todo o peso que este período carrega, foi palco de

inúmeras lutas tanto na Europa como em outras partes do globo. É importante relembrar que as

desigualdades sociais andaram de mãos dadas com a Revolução Industrial, num paradoxo,

O texto completo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 está disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em 01 de fev. de 2016. 29 Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Resist%C3%AAncia> Acesso em 01 de fev. de 2016. 30 Revolução implica em uma mudança de estrutura na sociedade. Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes em

Clássicos sobre a revolução brasileira (2002), demonstram que os problemas sociais só serão resolvidos quando

houver uma ruptura radical com as estruturas sociais responsáveis pela perpetuação das desigualdades sociais,

herança da sociedade colonial e pela dependência do Brasil no sistema capitalista mundial (SAMPAIO, 2002, p.9).

83

quando o homem sonhava com um novo tipo de sociedade “na qual a miséria, a pobreza, o

analfabetismo e a doença pudessem ser reduzidos e o projeto de uma sociedade feliz pudesse

ser pensado e imaginado não sob a foram de uma utopia, mas como uma realidade a ser

construída” (ODALIA, 2013, p.160). No entanto, a felicidade humana alicerçada no tripé

liberdade, igualdade e fraternidade, como direitos que sintetizam o homem em sua cidadania é

uma lenta construção.

O tema da cidadania31 remonta as Revoluções Inglesa, Americana, Francesa e

particularmente como abordamos, a Revolução Industrial, esta última, fez surgir uma nova

classe social, o proletariado. Este, tem em seu bojo, a consciência histórica da força

revolucionária. E é por meio do reconhecimento da luta histórica entre produtores e detentores

dos meios de produção que iniciamos a reflexão sobre os movimentos sociais. A partir de um

olhar que visa a emancipação social, humana, independente de rotulações teóricas que visam a

nomear as ações coletivas desenvolvidas por grupos sociais historicamente excluídos.

Posicionamo-nos ante as posturas que almejam uma sociedade democrática e a

condição de plena cidadania impulsionadas pelas ações concretas dos movimentos sociais. É

claro que nos filiarmos a determinadas correntes teóricas em detrimento de outras, torna o texto

mais confortável e expressa em partes, nossa visão de mundo. Mas permanecer na zona de

conforto não é o que pretendemos, tampouco defender à risca definições e conceitos sobre o

que é um Movimento social.

Nosso entendimento é de que, um movimento social surge quando existe um conflito na

sociedade, seja de ordem estrutural ou não, quando homens e mulheres se organizam e tomam

consciência de seus direitos e deveres e devem por eles lutar na prática. Como adverte Alain

Touraine (2006, p.20) falar sobre movimentos sociais é colocarmo-nos sob o ponto de vista dos

próprios atores.

No entanto, situar a discussão a partir dos autores Montaño e Duriguetto, Gohn, Peruzzo,

Garretón, Bauman, Castells, Virno, Hardt e Negri etc. no âmbito das Ciências Sociais e da teoria

social, torna-se importante para fornecer as bases necessárias desta revisão caracterizada como

seletiva e focada, para posteriormente, discorrer sobre a práxis dos movimentos sociais, como

veremos no último capítulo.

31 O livro História da Cidadania organizado por Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky trata do tema da cidadania,

como conceito histórico e demonstra que os avanços da cidadania, inclusive no Brasil, dependem não somente das

riquezas distribuídas do país, mas principalmente das lutas e reivindicações concretas dos sujeitos.

84

A presença dos trabalhadores na arena política evidenciou um importante papel na luta

por mecanismos de participação na vida pública e na busca por uma divisão mais justa e

igualitária das riquezas do país. Contudo, o trabalho no Brasil em sua dimensão de livre

mercado, data do final do século XIX com a abolição da Escravatura, seguida da Proclamação

da República. Inicialmente, só os direitos civis (participação política, direito ao voto) foram

contemplados na Constituição de 1891, sem nenhum vestígio de direitos sociais. Grande

maioria das pessoas viviam nas áreas rurais do país e estavam subordinadas aos grandes

proprietários de terras. O resultado, sabemos, grande parte da massa trabalhadora e seus

dependentes em condições vulneráveis, excluídos das benesses da vida social advindas com a

modernização.

O cenário nas primeiras décadas do século XX é composto pela ascensão da classe

operária, pela crescente utilização de mulheres e crianças nas fábricas em condições precárias,

com baixíssimos salários, extensas jornadas de trabalho e péssimas condições de vida. Mas fez

surgir também na última década do século XIX porta-vozes dos interesses dos operários. Os

reformistas, defensores dos interesses do patronato e da ordem vigente; os socialistas, por meio

da organização dos trabalhadores em torno dos partidos fundados e de seus candidatos, que

buscavam a participação política dos trabalhadores e melhoria nas condições de trabalho dos

proletários; os anarquistas, que rejeitavam o Estado, a representação, propondo um

enfrentamento com o capital, por meio da ação direta, em busca de uma outra sociedade, sem

exploradores e explorados (LUCA, 2013, p.471).

3.1 Conceituando movimento social

Nas últimas décadas o estudo sobre as organizações da sociedade civil, em especial, dos

movimentos sociais, tem sido preconizado por diversos agentes sociais no mundo,

especialmente, na América Latina. Diversas abordagens e correntes teóricas podem ser

encontradas. Além de categorias analíticas para tentar explicar, enquadrar, categorizar os

movimentos algumas depreendem das próprias análises empíricas, enquanto outras

permanecem mais no campo das representações, ou, daquilo que se observa a partir de

referenciais teóricos para a composição de novas teorias. Outrossim, o que parece ser comum

entre as correntes e autores das mais variadas áreas é de que movimento, como o próprio nome

diz, carrega o peso da história e de suas constantes transformações.

85

Movimento social, a nosso ver, é ação coletiva (Durigueto; Montaño, 2011; Garretón,

1996; Gohn, 2012; Peruzzo, 2004), força mobilizadora que agita pessoas, discursos,

instituições, dispositivos (FOUCAULT, 2006)32 e conforma identidades e singularidades. Para

Maria da Glória Gohn (2012, p.14) um movimento social “é sempre expressão de uma ação

coletiva e decorre de uma luta sociopolítica, econômica ou cultural”, ou seja, ele se configura

a partir de um conflito social e de uma ação coletiva. Em outras palavras, é a opressão de um

grupo sobre outro que pode se manifestar em termos políticos, econômicos, ideológicos etc.

Quando um grupo possui objetivos comuns a serem alcançados e passam a desenvolver ações

conjuntas para a realização desses objetivos, podem se transformar em movimentos sociais que

surgem para tentar modificar a realidade concreta, seja negando a atual ou reconfigurando

sistemas culturais e simbólicos estabelecidos socialmente.

O espaço de luta dos movimentos sociais brasileiros é a própria sociedade civil

(PERUZZO, 2004) marcado por um histórico de injustiças, pela insatisfação no campo

econômico, político e social. Em um contexto caracterizado desde o embate político à

construção da cidadania, os movimentos sociais brasileiros, independente de suas categorias

conceituais e filiações, como já mencionamos, se movem e se comunicam.

Gohn (2012, p.14) faz um apanhado sobre os traços constituintes de um movimento

social e aponta os seguintes aspectos:

a) demandas que configuram sua identidade.

b) adversários e aliados, bases, lideranças e assessorias, formando redes de

mobilizações.

c) práticas comunicativas, desde a oralidade aos modernos recursos tecnológicos.

d) visões de mundo que dão suporte a suas demandas e culturas próprias nas formas

como sustentam e encaminham suas reivindicações.

Esses aspectos mencionados serão importantes para orientar o nosso olhar sobre as

práticas comunicacionais dos movimentos sociais na internet.

O movimento social, em sua forma clássica de interpretação no debate teórico,

pressupõe a existência de um conflito. Outrora, era caracterizado quando existia a percepção de

um oprimido na sociedade em relação ao seu opressor. Aliás, o conflito só seria instaurado,

dada esta percepção por parte do grupo oprimido ao apresentar uma insatisfação na sociedade.

32 O conceito de dispositivo em Foucault (2006, p.244-245) diz respeito a um conjunto heterógeno que engloba

discursos, instituições, organizações, enunciados científicos etc. O dispositivo é a rede que pode ser estabelecida

entre esses elementos.

86

No entanto, a sociedade brasileira está sempre em mudança cujas origens podem ser

encontradas na contradição e na diversidade. Tal dinâmica ajuda a compreender a emergência

dos chamados novos movimentos coletivos na sociedade civil (PERUZZO, 2004, p.29-30),

como veremos mais adiante.

Segundo Montaño e Durigueto (2001, p.264) faz-se necessário traçar duas distinções

para conceituar movimentos sociais, assim:

A primeira é sobre movimento social e mobilização social. Destarte, movimento social

caracteriza uma organização com relativo grau de formalidade e estabilidade e que não se

encerra a uma dada atividade ou mesmo mobilização. Já mobilização social diz respeito a uma

atividade que se esgota em si mesma quando concluída. No entanto, mobilização pode ser uma

das ferramentas de luta dos movimentos sociais e também pode vir a se tornar um movimento

social.

A segunda distinção é sobre movimento social e Organização Não Governamental

(ONG). Elas não são organizações da mesma natureza, (MONTAÑO; DURIGUETO, 2011, p.

264) e este é um equívoco que acorre comumente. Se por um lado, o movimento social é

conformado pelos próprios sujeitos e suas demandas, por outro, as ONGs são constituídas por

agentes voluntários e ou remunerados, que se mobilizam a partir das demandas e reivindicações

alheias.

Os movimentos sociais também podem ser interpretados como formas de organização

social, cultural e política que constroem e organizam os seus territórios, simbólicos, a partir de

uma nova concepção de territorialidade que ultrapassa a noção tomada de empréstimo da

geografia. O território (SODRÉ, 2012) hoje é dinâmico, é o espaço afetado pela ação humana,

portanto, é exatamente onde a vida acontece. Para Gohn (2012, p.44) território passa a se

articular com a questão de direitos e das disputas por bens econômicos, pelo pertencimento e

pelas raízes culturais de povo, por exemplo. A noção de território será desenvolvida no capítulo

terceiro e articulada com às novas especificidades atribuídas a ele a partir da compressão

espaço-temporal com o advento dos meios de comunicação e transporte.

A partir da constituição como movimento social, sua razão de existir e de seu “lugar”,

busca-se mecanismos para a resolução de suas demandas, tentando transformar suas causas em

ações práticas na sociedade. Como já foi dito o conflito social em conjunto com uma ação

coletiva configura o movimento social, que pode ter caráter transformador (Coluna Prestes),

conservador (União Democrática Ruralista - UDR), tradicional (Movimento dos Trabalhadores

Rurais sem Terra - MST) ou novo (na visão de alguns autores, o movimento ecológico, por

87

exemplo, e para outros autores todos os movimentos novos em sua estrutura de base). Mais

adiante detalharemos algumas especificidades do movimento social clássico e tradicional e do

movimento social novo. No entanto, antes de tais explicitações faremos uma breve

contextualização dos movimentos sociais no Brasil.

3.2 Movimentos sociais no Brasil

Em contrapartida, para analisar os diferentes movimentos sociais em realidades

concretas como no Brasil atual, deve-se primeiro destacar quatro pontos do contexto

sociopolítico, econômico e cultural do país. São eles (GOHN, 2012, p.11-14):

1) A necessidade de qualificar o tipo de ação coletiva que tem sido caracterizado como

movimento social.

2) No novo cenário as relações desenvolvidas entre os diferentes sujeitos sociopolíticos na

cena pública alteraram-se; ampliação das formas de mobilização e atuação agora em

redes; novas tecnologias da informação e comunicação; neocomunitarismo.

3) Alterações do papel do Estado em suas relações com a sociedade civil e em seu próprio

interior; novas políticas sociais.

4) Grande lacuna na produção acadêmica sobre os movimentos sociais, tais como o próprio

conceito de movimento social, o que os qualifica como novos, o que os distingue de

outras ações coletivas, o que ocorre quando uma ação coletiva expressa num movimento

social se institucionaliza, o papel dos movimentos sociais neste novo século, como

diferenciar movimentos sociais criados a partir da sociedade civil de outras formas e

quais têm sido as teorias que têm sido construídas para explicá-los.

3.2.1 Movimentos de luta pela terra

No decurso de transição do Brasil colonial para o estado democrático de direito, em que

vivemos hoje (na lei), muitos resquícios do passado permanecem. Mas há algo de novo.

Movimentos novos e tradicionais (em suas estruturas de base), em cena, juntos, na busca por

direitos equitativos, por igualdade de gênero, pelo direito à cidade, pelo direito à vida. Que, sem

dúvida, começa pelo direito à terra. No entanto, a concentração de terras no Brasil é um dos

seus principais problemas sociais. Desde o domínio da coroa portuguesa, à independência e a

Lei de Terras de 1850, que exclui de vez os camponeses sem terra, os ex-escravos, os imigrantes

88

e os índios. Por sua vez, esta Lei transformou a terra em mercadoria e as concentrou nas mãos

dos latifundiários.

Diante disso, vários movimentos entre messiânicos, espontâneos e organizados,

começaram a surgir a partir do início da República, entre os quais se destacaram os liderados

por Antônio Conselheiro (Guerra de Canudos), pelo Monge José Maria (Guerra do Contestado),

e o das Ligas camponesas, organizado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) liderado por

Gregório Bezerra, em 1946.

Em 1961, com a renúncia do presidente Jânio Quadros, João Goulart assume o cargo,

sendo uma de suas propostas, mobilizar as massas trabalhadoras em torno das reformas de base

que transformariam as relações econômicas e sociais no país. À época, as especulações sobre a

Reforma Agrária estavam em alta.

Com o golpe militar de 1º de abril de 1964, as lutas das camadas populares sofrem

violenta repressão. Nesse mesmo ano o então presidente, marechal Castelo Branco, decretou a

primeira Lei de Reforma Agrária no Brasil: o Estatuto da Terra. Cuja proposta era frear as

manifestações populares e suas reivindicações, alterando o foco do embate. Porquanto, a

intenção não era de promover a reforma agrária, mas sim de evitar o conflito no campo e

tranquilizar os latifundiários. O Estatuto, no entanto, ficou no papel e se configurou como um

instrumento estratégico para controlar as lutas sociais e desarticular os conflitos por terra.

Ainda na ditadura, apesar dos trabalhadores do campo serem perseguidos, a luta pela

terra continuou crescendo. Foi quando começaram a ser organizadas as primeiras ocupações de

terra, não como um movimento organizado, mas sob influência da Igreja Católica. Desta

maneira, em 1975 surgiu a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Nesse período, o Brasil vivia

uma conjuntura de extremas lutas pela abertura política, pelo fim da ditadura e de mobilizações

operárias nas cidades.

Já no final da ditadura, acontece no Paraná em janeiro do ano de 1984 o primeiro

encontro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pela luta da reforma

agrária. Onde se reafirmou que a ocupação de terras seria a ferramenta fundamental para os

trabalhadores rurais. A partir daí, começou-se a pensar um movimento pautado em objetivos

políticos comuns ao grupo, onde fosse possível organizar os pobres do campo, conscientizando-

os de seus direitos e mobilizando-os na luta por mudanças. O MST atua em 23 estados

brasileiros, luta pela reforma agrária e pela construção de um projeto popular no Brasil, com

foco na justiça social e na igualdade de todos e todas. A reboque deste movimento tão

expressivo e ao mesmo tempo tão controverso diante da grande mídia e do cenário político,

89

surgem e também animam outros movimentos sociais. É neste contexto, que entra a

comunicação alternativa, popular e comunitária desenvolvida por esses grupos, também como

um direito das classes populares.

3.2.2 Movimentos de resistência à ditadura e redemocratização do Brasil

Ante o aparato repressivo da Ditadura Militar (1964-1984) que promoveu prisões,

torturas e assassinatos de presos políticos e que levou militantes à clandestinidade e ao exílio,

bem como promoveu o fechamento de sindicatos de trabalhadores, proibição de greves etc.

ocasionou uma profunda repercussão nas organizações e nas lutas sociais, que impulsionou

muitas ações de resistência e pressão pelo fim do período ditatorial no país.

O ano de 1968 foi emblemático no Brasil no contexto das resistências, passando pelas

lutas dos secundaristas e de estudantes do restaurante Calabouço, localizado no centro do Rio

de Janeiro à Passeata dos Cem mil que reuniu estudantes, intelectuais e ativistas políticos

também nas ruas do Rio de Janeiro. A Passeata representou um protesto sobre os atos de

repressão contra os estudantes, que culminou na morte de um deles, além de reivindicar o fim

da ditadura e a redemocratização do país.

Outro exemplo importante foi a greve dos metalúrgicos de Contagem - Minas Gerais e

de Osasco - São Paulo, sendo decretada como ilegal e derrotada pela Ditadura Militar. No

entanto, as organizações e lutas dos operários só voltaram a ter força e atuar na cena política

com as greves do ABC paulista, dez anos após.

Particularmente no Brasil a expansão dos movimentos sociais ocorreu num contexto de

profundas transformações econômicas e de exclusão da participação política das classes

subalternas. Nesse sentido, é importante compreender historicamente como os movimentos

sociais se configuram a partir dessa noção oriunda das classes subalternas. No entanto, também

compreender como as demandas e reivindicações sociais vão ganhando corpo e incluído outras

temáticas, como a das mulheres, dos negros, dos indígenas, por exemplo, que são tão antigas

como aquelas relacionadas às das lutas de classe. Tem-se, então, uma diferenciação corrente na

literatura sobre os movimentos sociais que procuram abordá-los, basicamente, em dois tipos:

movimento social clássico e movimento social novo. Sem incluirmos aqui, em termos de

90

tipologia, ao que Gohn (2015) chama de novíssimos movimentos sociais33, desencadeados a

partir das últimas manifestações ocorridas no Brasil em junho de 2013.

3.3 Tipos de movimento social

a) Movimento social clássico ou tradicional

Os movimentos clássicos ou tradicionais são aqueles ligados às lutas de classe

originadas da contradição entre capital e trabalho. Especificamente, os movimentos sindicais e

trabalhistas que enfrentam o capital com o objetivo imediato de suprimir, diminuir a exploração;

e os movimentos de libertação nacional socialistas ou anti-imperialistas que almejam à

superação da ordem vigente (MONTAÑO; DURIGUETO, 2011).

Partindo da teoria social marxista o movimento social clássico ou tradicional se

caracterizou devido às lutas de classes, entre capital burguês e proletariados. Esses últimos

procuravam suprimir o sistema alienante, visto que o capitalismo possuía os meios e os modos

de produção. Enquanto o trabalhador possuía apenas a sua força de trabalho e lutava para

suprimir do sistema capitalista os modos de produção. Dessa forma, origina-se um conflito

social fundamentado no antagonismo entre classes. Fundamentalmente este tipo de movimento

social girava em torno de movimentos operários e sindicais, sendo organizados a partir da

dimensão do trabalho.

Em “Manifesto do Partido Comunista”, Karl Marx e Friedrich Engels (2001), afirmam

que o proletariado passa por várias fases e a sua luta contra a burguesia começa

concomitantemente com o nascimento de ambos. Num primeiro momento os proletários entram

em luta isoladamente, depois se unem com proletários de uma mesma fábrica, depois com

proletários de um mesmo setor industrial contra um mesmo burguês que os explora. Os ataques

dentro das fábricas vão além das relações burguesas de produção, pois passam a destruir as

próprias máquinas. “O proletariado, a camada mais baixa da sociedade atual, não pode erguer-

se, recuperar-se, sem estilhaçar toda a superestrutura de estratos que constituem a sociedade

oficial” (MARX; ENGELS 2001, p.43).

As lutas políticas e ideológicas, como as evidenciadas pela classe trabalhadora retratada

na dicotomia entre donos dos meios de produção e proletários, ao longo do tempo abriram

33 Negação política, horizontalidade, Estado eficiente, políticas públicas de qualidade são algumas das

características apontadas por Gohn (2015) para categorizar essa forma de organização dos movimentos sociais na

atualidade.

91

espaço para questionamentos identitários e culturais. Sendo assim, na atualidade outros setores

da vida social vão sendo abarcados e o sujeito passa a se perceber e a ser percebido no mundo,

não somente pelas vias de suas relações de produção, mas a partir de suas identidades.

(BAUMAN, 2005; HALL, 2005; TOURAINE, 2006). Não obstante, ao assumir identidades

diversas daquelas relacionada às lutas de classe social, negros, indígenas, feministas,

ambientalistas, imigrantes, entre outros atores políticos, entram em cena na luta por seus direitos

de cidadania complementando ou evidenciando as lutas políticas e ideológicas. A seguir,

abordaremos os arranjos dos novos movimentos sociais.

b) Movimento social novo

Os chamados novos movimentos sociais (NMS) (Peruzzo, 2004; Gohn, 2012; Montãno

e Duriguetto, 2011) são aqueles que entram em cena com o fim do regime militar, denunciando,

resistindo e fazendo reivindicações pelos seus direitos. De acordo com Peruzzo (2004, p.31) os

movimentos podem ser caracterizados como “novos pelas características historicamente

diferenciadas que incorporam [...] e não enquanto formatos específicos para expressar o

protesto e encaminhar demandas, pois nessa perspectiva existiram ao longo de toda a história”.

Seguindo essa linha de argumentação a sociedade brasileira está em constante mudança, através

do conflito de forças contrárias que, por vezes, se repelem ou confluem, dando origem ao

“novo”.

Os chamados novos movimentos sociais que surgem principalmente a partir do século

XX objetivam ser um complemento e um somatório às lutas de classes dos movimentos

clássicos, e por outro lado, também são vistos como alternativos aos movimentos de classe

tradicionais, assim como aos partidos políticos de esquerda, (MONTAÑO; DURIGUETTO,

2011, p.248). Para ilustrar, o movimento social novo pode emergir a partir de uma luta

específica ou por um bem comum. O aparecimento de lutas por causas ecológicas voltadas para

a preservação da natureza, por exemplo, indubitavelmente vai beneficiar a sociedade, mesmo

que o interesse seja de alguma parcela específica de sujeitos sociais. Aparentemente, não existe

no movimento ecológico, por exemplo, um antagonismo, a ideia é favorecer a todos numa

perspectiva horizontal. O crescimento do movimento vai levar o bem a todos, mesmo que haja

algum indivíduo contra. O movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e

transexuais), também pode ser citado como um movimento novo, pois pretende o

reconhecimento de seus direitos, ou seja, iguais aos dos heterossexuais.

92

Montaño e Duriguetto (2011, p.248) questionam o adjetivo “novos” para tratar dos

movimentos sociais contemporâneos. No contexto latino-americano organizações, movimentos

e sujeitos sociais pautam suas ações, demandas e lutas a partir de um emaranhado de temas e

questões. Ou seja, a luta dos sem-terra, dos negros, das mulheres etc. é tão antiga como a própria

contradição do capital/trabalho. Nesse sentido, mais do que substituir as lutas de classes, os

chamados NMS as complementam nas variadas formas e com distintos tipos de amarração,

direta ou indireta, consciente ou não (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p.343).

Além de não concordarem com as interpretações teóricas de que os sujeitos coletivos

que lutam na contemporaneidade contra a dominação e a exploração capitalista ou contra o seu

sistema cultural sejam qualificados como novos sujeitos políticos. Eles defendem que o

aparecimento dos movimentos sociais na contemporaneidade ampliou o campo da política e

das práticas políticas em detrimento do abandono pelas causas culturais, conforme demonstra

a abordagem culturalista (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p.342).

Notadamente parte da literatura sobre os movimentos sociais na América Latina destaca

que eles constroem sujeitos sociopolíticos (GOHN, 2012, p. 120). Na atualidade, Gohn (2012,

2013) destaca a reconfiguração do sujeito político militante, em ativista ou mais recentemente,

manifestante. A nosso ver, são sujeitos sociopolíticos em sua essência, pois mesmo que não

haja uma consciência política latente, existe o desejo pela mudança, seja de ordem estrutural ou

não. Além da crítica às interpretações culturalistas conforme vimos, Montaño e Duriguetto

(2011, p.323), atribuem às teorizações pós-modernas, a ideia de que os movimentos sociais

interpretados por esta abordagem deixam de se basear em uma identidade de classe e que

tampouco lutam contra a exploração.

Assim, o que moveria as ações dos movimentos sociais na interpretação pós-moderna

para Montaño e Duriguetto (2011, p.323) “seriam as lutas no cotidiano contra as opressões

diversas que suas identidades são alvo, e até o enfrentamento conjunto (parceria entre classes)

a certos fenômenos (ex.: a fome, o aquecimento global etc.)”.

O francês Alain Touraine é um dos autores mencionados por Montaño e Duriguetto

(2011) ao destacar que movimento social é uma categoria de análise sociológica que comporta

ao menos três elementos, ator, adversário e tema de conflito. Nesta visão pós-moderna ou

acionista de analisar os movimentos sociais, Touraine (2011) desconsidera a centralidade da

luta de classes e a contradição entre capital e trabalho, ou seja, a estrutura e as contradições do

sistema capitalista não comparecem em sua apreciação como condições determinantes na

perspectiva de análise marxista (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2011, p.342).

93

Touraine (2006, p.18), a sua vez, adverte não denominar qualquer tipo de ação coletiva

com a noção de movimento social, porquanto, é importante reservar o emprego da categoria

“movimentos sociais” ao conjunto de fenômenos que recebem esse nome no decorrer de uma

longa trajetória histórica.

Entendo que uma relação social de dominação só pode suscitar uma ação que

mereça o nome de movimento social se atuar sobre o conjunto dos principais

aspectos da vida social, ultrapassando as condições de produção em um setor,

de comércio ou de troca ou, ainda, a influência exercida sobre os sistemas de

informação e de educação. O amplo recurso feito à noção de capitalismo,

apesar da polissemia desse termo, indica bem o espírito com que foram

conduzidos os estudos clássicos sobre os movimentos sociais. Trata-se de

estudar os movimentos que colocam em questão condições particulares, isto

é, em domínios socialmente definidos, uma dominação que, em sua natureza

e em suas aplicações, tem um impacto geral (TOURAINE, 2006, p.18).

Para Montaño e Duriguetto (2011, p.270) as mudanças estruturais da sociedade

brasileira, tais como a industrialização, a urbanização, o aumento das migrações e a expansão

do trabalho assalariado contribuíram para alterar as formas de inserção sociopolítica dos

operários urbanos, do campesinato e das classes médias. Vão apontar também que é nesse

contexto de mudança estrutural que surge no país um novo tipo de sindicalismo34, uma

diversidade de movimentos sociais urbanos e do campo.

No tocante ao estudo dos movimentos sociais concebidos enquanto manifestações das

classes “populares” (PERUZZO, 2004, p.31), eles tomam uma forma heterogênea que vai desde

o subemprego, ao biscate, ao trabalhador informal, ao boia-fria, ao posseiro, ao acampado etc.

já que, na visão de Peruzzo (2004, p.31), eles precisam ser vistos além do enfoque da produção

e do trabalho. Embora percebermos os movimentos sociais a luz do trabalho - em suas

potencialidades criativas -, não subjugamos os atravessamentos culturais que também os

constitui. A emergência desse “novo”, é o próprio resultado das condições de possibilidade da

luta histórica, tangenciada pelo modo de produção capitalista. Só que, no tempo presente, o

capital busca outras moradas, outras formas de apropriação da força de trabalho e acaba por

investir na própria vida social, como veremos mais adiante quando tratarmos da categoria

teórica multidão.

34 Na década de 1980 o movimento sindical passa a ser visto por duas vertentes. De um lado os sindicalistas

autênticos e os que faziam parte da unidade sindical ou os chamados reformistas. Para os sindicalistas autênticos

é a noção de classes que prevalecia, ou seja, a contradição entre patrões e trabalhadores. Tendo a luta sindical

como objetivo para a construção do socialismo. Já a vertente dos reformistas priorizava pequenas alterações da

estrutura sindical, como o encaminhando das reivindicações dos trabalhadores na política vigente, defendendo

uma política de conciliação de classes (MONTAÑO; DURIGUETO, 2011, p.241-242).

94

Ainda assim, Peruzzo (2004) destaca os principais fatores que contribuíram para o

surgimento dos novos movimentos, após 21 anos de ditadura (1964-1985), nos quais as classes

subalternas foram apartadas do acesso aos diretos de cidadania. São eles:

a espoliação concreta das classes subalternas, refletida na degradação das

condições de vida (não consideradas em si mesmas, mas enquanto

potencialmente alimentadoras de reivindicações); a compreensão emergente

da população quanto à precariedade de sua existência e às suas privações; a

percepção da necessidade de ação coletiva para interferir nos processos

decisórios do poder público e das empresas privadas; o momento político

global, acenando com uma abertura relativa, e o apoio encontrado na

sociedade civil, principalmente de setores da Igreja Católica e de outras

instituições atentas aos direitos da pessoa humana (PERUZZO, 2004, p.30-

31).

Nesse aspecto a degradação das condições de vida das classes subalternas se configura

devido às privações que elas passaram e vêm passando ao longo da história. E na medida em

que essas classes começam a perceber suas necessidades formam uma ação coletiva com o

objetivo de interferir em tais processos.

95

3.4 Cronologia dos movimentos sociais brasileiros

Uma perspectiva para abordar os movimentos sociais brasileiros, desde suas origens

históricas, é a partir de sua cronologia:

Fonte: Autoria própria Fonte: Autoria própria

Fonte: Autoria própria

96

Outra perspectiva é a partir de quatro momentos históricos importantes que marcaram o Brasil

no âmbito de manifestações por um país mais democrático, são eles:

Fonte: Autoria própria

Ou ainda, mais especificamente, a partir de eixos temáticos, conforme veremos no tópico

seguinte.

3.4.1 Eixos temáticos dos movimentos sociais brasileiros

Tomando por base a realidade brasileira, Cicilia Peruzzo (2014, p.52-53) recentemente

revê a tipologia aplicada anteriormente às análises dos movimentos sociais brasileiros. A autora

sintetiza o universo dos movimentos sociais em quatro grandes áreas,35 e os identifica a partir

de fatores que os estimulam ou orientam sua razão de existir. São eles:

1. Movimentos vinculados a melhorias nas condições de trabalho e de remuneração

(movimento de professores e outras categorias profissionais).

35 Em “Comunicação nos movimentos Populares” Peruzzo (2004) agrupava os movimentos sociais da seguinte

forma: ligados aos bens de consumo coletivo; envolvidos na questão da terra; relacionados com as condições gerais

de vida; motivados por desigualdades culturais; dedicados à questão trabalhista; voltados à defesa dos direitos

humanos; vinculados a problemas específicos.

97

2. Os que defendem os direitos humanos relativos a segmentos sociais a partir de

determinadas características de natureza humana (gênero, idade, raça, cor – como, por

exemplo, o movimento de mulheres, dos índios, dos negros, dos homossexuais, das

crianças etc. Exemplos: Movimento de Mulheres, Meninos e Meninos de Rua etc.).

3. Aqueles voltados a resolver problemas decorrentes das desigualdades que afetam

grandes contingentes populacionais (movimentos de transporte, moradia, terra, saúde,

lazer, meio ambiente, paz, contra a violência, defesa dos animais etc. Exemplos,

Movimento Nacional pela Moradia, Movimento Passe Livre e Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra). Alguns são apoiados por instituições que os

incentivam ou os abrigam, tais como igreja, partido político, escola e universidades, a

exemplo da Pastoral da Terra e do Movimento Fé e Política.

4. Movimentos político-ideológicos (lutas por participação política, protestos por

antagonismos políticos, reivindicações por democracia, mudança de regime etc.).

Já Maria da Glória Gohn (2013, p.44) mapeia o cenário dos movimentos sociais na

atualidade brasileira da seguinte forma:

1. Movimentos sociais ao redor da questão urbana.

2. Movimentos em torno da questão do meio ambiente: urbano e rural.

3. Movimentos identitários e culturais: gênero, etnia, gerações.

4. Movimentos de demandas na área do direito.

5. Movimentos ao redor da questão da fome.

6. Mobilizações e movimentos sociais – área do trabalho.

7. Movimentos decorrentes de questões religiosas.

8. Mobilizações e movimentos rurais.

9. Movimentos sociais no setor de comunicações.

10. Movimentos sociais globais.

Ambas as autoras tratam da grande diversidade dos movimentos sociais e afirmam que

tais tipologias ou eixos temáticos podem ser compreendidos de forma ocasional e pode haver

também imbricações entre um e outro movimento. Realizamos o exercício de correlacionar as

autoras a fim de identificar as confluências existentes no pensamento de ambas, o que está

sistematizado no quadro a seguir:

98

Quadro 4 – Eixos temáticos dos movimentos sociais

Peruzzo (2014) Gohn (2013)

Movimentos vinculados a melhorias nas

condições de trabalho e de remuneração

(movimento de professores e outras categorias

profissionais).

Movimentos de demandas na área do

direito

Mobilizações e movimentos sociais – área

do trabalho.

Os que defendem os direitos humanos relativos

a segmentos sociais a partir de determinadas

características de natureza humana (gênero,

idade, raça, cor – como, por exemplo, o

movimento de mulheres, dos índios, dos

negros, dos homossexuais, das crianças etc.

Exemplos: Movimento de Mulheres, Meninos e

Meninos de Rua etc.).

Movimentos identitários e culturais: gênero,

etnia, gerações.

Movimentos de demandas na área do

direito

Aqueles voltados a resolver problemas

decorrentes das desigualdades que afetam

grandes contingentes populacionais

(movimentos de transporte, moradia, terra,

saúde, lazer, meio ambiente, paz, contra a

violência, defesa dos animais etc. Exemplos,

Movimento Nacional pela Moradia,

Movimento Passe Livre e Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra). Alguns são

apoiados por instituições que os incentivam ou

os abrigam, tais como igreja, partido político,

escola e universidades, a exemplo da Pastoral

da Terra e do Movimento Fé e Política.

Movimentos sociais ao redor da questão

urbana

Movimentos em torno da questão do meio

ambiente: urbano e rural.

Movimentos ao redor da questão da fome.

Movimentos decorrentes de questões

religiosas.

Mobilizações e movimentos rurais.

Movimentos sociais no setor de

comunicações.

movimentos político-ideológicos (lutas por

participação política, protestos por

antagonismos políticos, reivindicações por

democracia, mudança de regime etc.).

Mobilizações e movimentos rurais.

Movimentos sociais no setor de

comunicações.

Movimentos sociais globais.

Fonte: autoria própria

Os movimentos identificados por Gohn (2013) negritados, estão assim sinalizados por

se enquadrarem em mais de uma categoria definida por Peruzzo. Para a realização do nosso

mapeamento apoiamo-nos nas categorias descritas por Gohn. Assim, os 10 eixos temáticos

categorizados por esta autora nos permitem uma visão mais ampla e didática do cenário, além

de conter novas abordagens teóricas a respeito da categoria movimento social. Especialmente,

ao incluir os estudos de Hardt e Negri (2000; 2005), que tratam sobre a temática da democracia

em escala global e resgatam o conceito de multidão, pensando por David Riesman, sociólogo

americano, na década de 1950, que veremos em tópicos seguintes.

99

Cabe demonstrar na atualidade a importância crescente entre movimentos sociais e as

redes, particularmente, atrelada à democracia e à noção de multidão. No entanto, com

encurtamento entre tempo espaço provocado pelo desenvolvimento dos meios de comunicação

e transporte faz-se necessário refletir sobre as novas configurações acerca de redes. Conforme

adverte Bauman (2016), a rede faz parte de nós, contudo, resta-nos saber qual o significado

corrente e quais os usos que são feitos deste termo tão antigo, e ao mesmo tempo tão

contemporâneo.

Em contrapartida, antes de abordarmos as categorias de análises sobre os movimentos

sociais brasileiros na contemporaneidade, faremos um breve resumo dos processos que

marcaram sua ascensão ou transformação ocorridos nas últimas décadas do século XX até o

momento. Sumariamente, vejamos:

A partir da década de 1960 eclode no Brasil movimentos operários e sindicais, com

grande influência de partidos políticos de esquerda. Surge também o movimento de mulheres,

e em seu interior, o movimento feminista.

Nas décadas de 1970 e 1980 o debate teórico sobre os movimentos sociais os apresenta

enquanto forças propulsoras capazes de realizar transformações sociais.

A partir da década de 1990 os movimentos sociais, inclusive, os populares, tornaram-

se mais culturais e menos políticos, devido às alterações de suas práticas cotidianas e em

detrimento da nova conjuntura econômica, política e cultural, oriunda do neoliberalismo

adotado pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso à época.

Com a chegada dos anos 2000 as práticas cotidianas dos movimentos giram em torno

da manutenção de suas identidades e de novas lutas, também globais. Outro ponto importante

é a chegada da internet, promovendo inicialmente, uma releitura da relação verticalizada entre

emissor e receptor. Inclusive do plano econômico, pois o Brasil começa a sofrer às

consequências da crise europeia de 2008.

No ano de 2013 o acesso à internet por meio de dispositivos móveis aumentou

expressivamente36, em paralelo aos protestos ocorridos no Brasil em 2013, desencadeado pelo

Movimento Passe Livre (MPL).

No entanto, um fator que vai transcorrer quase 40 décadas na teoria e prática concreta

dos movimentos sociais é a sua relação com a trabalho. Montãno e Duriguetto (2011, p.127)

apontam a questão da luta de classes, em sua centralidade, não por serem mais importantes que

36 É o que demonstra a pesquisa da 13ª edição do F/Radar sobre internet realizado pela F/Nazca Saatchi & Saatchi

em parceria com o Instituto Datafolha.

100

outras lutas tais como as identitárias, étnicas, de gênero etc., mas no sentido de que tais lutas

não são caracterizadas pelo sistema que comanda o capital, pois o capitalismo pode “se

perpetuar mesmo resolvendo a discriminação racial, de orientação sexual, de gênero”. Neste

aspecto, recorremos a Hardt e Negri (2014) ao apontarem a riqueza do trabalho, unívoco de

potencialidade criativa humana.

Por ventura, todos os movimentos sociais são importantes e desempenham papel

específico na sociedade civil, entretanto, pensá-los a partir da perspectiva do trabalho -

econômico, alienante, filosófico, criativo, imaterial etc.- é ter um olhar que busca as condições

de possibilidade do próprio surgimento de cada movimento social em sua historicidade no

Brasil.

Adiante discutiremos acerca de algumas categorias que perpassam a dimensão das ações

coletivas no Brasil neste último século, úteis para a nossa reflexão. Inclusive, para evidenciar

que é a própria dinâmica cultural dos grupos sociais no decurso da história que vai alterando

percepções, práticas e modos de atuação dos grupos sociais. E que, consequentemente os

possibilita retroceder, avançar ou permanecer em suas posições (BOURDIEU, 2004). A

compreensão do estado de coisas passa por este reconhecimento das transformações realidade

vivida por estes grupos ao longo da história.

3.5 Categorias de análise dos movimentos sociais

Gohn (2013) ao traçar o mapeamento sobre redes de mobilização e participação da

sociedade civil brasileira ao longo de três décadas faz algumas observações, das quais

destacamos o processo dialético presente. As mobilizações deste último século sofrem

modificações no agenciamento de seus aspectos políticos e ideológicos, que outrora, balizavam

reivindicações e demandas específicas da sociedade civil organizada. Assim, o caráter político

e ideológico que pautava a grande maioria dos movimentos e das mobilizações abre o leque

para a defesa da ampliação da diversidade humana como cor, raça, idade, gênero etc. Ao realizar

um balanço sobre a participação da sociedade civil no processo de mudança, justiça social,

emancipação e autonomia dos sujeitos, Gohn (2013) também destaca o lado regulatório do

controle social em busca de uma suposta coesão social.

O fato dos movimentos sociais se apresentarem mais políticos ou culturais em um

determinado momento histórico não os desqualifica como movimento, ao contrário, demonstra

a diversidade e a alteridade presente na luta social. Consequentemente, a relação entre

101

movimentos sociais e outros tipos de associativismo, e até mesmo a criação de novas formas de

atuação, revela o próprio percurso traçado pelos agentes sociais que se envolvem em algum tipo

de luta social. Logo, algumas lutas se desdobram na criação de associações, cooperativas,

ONGs, fóruns e demais configurações necessárias para atender o objetivo que o grupo almeja

em determinada conjuntura. As políticas sociais, segundo Gohn (2013, p.23), têm feito recortes

no campo social ao separar os pobres em categorias que vai dos miseráveis, aos mais excluídos

aqueles em situação de risco. Segundo a socióloga, tal recorte exacerbou os conflitos porque a

pobreza deixou de ser uma única categoria e passou a ser subdividida.

Sem dúvida, algumas políticas sociais que viabilizam, em partes, tais processos

deveriam estar alinhados ao reconhecimento pleno dos direitos humanos. Mas na prática não

chegam a ultrapassar a certo tipo de assistencialismo, muito embora, beneficiem parte da

população alijada de seus direitos. Ainda nesse aspecto, o controle social criado no entorno

desse tipo de política prima pela mudança no status do pobre, ou seja, ele passa a ser subdivido

em estratos, mas continua com a mesma consciência social.

Segundo Gohn (2012, p.45) parte dos analistas que utilizam novas categorias para definir

os movimentos sociais não estão preocupados com a análise dos movimentos sociais clássicos

ou que atuem sobre os conflitos sociais, conforme vimos. A preocupação está em torno das

mobilizações estimuladas por projetos e programas desenvolvidos por ONGs, fundações ou por

políticas públicas.

A categoria movimento social na leitura de Gohn (2013, p.28) tem sido substituída, na

abordagem de vários analistas pela de mobilização social, que também gera uma sigla M.S.,

voltada para a ação coletiva que objetiva resolver problemas sociais, diretamente, via a

mobilização e engajamento de pessoas. Nestas abordagens a dimensão do político é esquecida

ou negada, substituída por um tipo de participação, construída-induzida. “E a dimensão do

político é o espaço possível de construção histórica, de análise da tensão existente entre os

diferentes sujeitos e agentes sociopolíticos em cena” (GOHN, 2013, p.28).

A mobilização social na ótica de Gohn (2013) ganha força a partir de políticas

globalizadas, e como já pontuamos o que se observa é que as atuais mobilizações são menos

focadas em pressupostos ideológicos e políticos e mais focadas nos vínculos sociais

comunitários organizados segundo critérios de cor, raça, idade, gênero, habilidades e

capacidades humanas. Contudo, uma preocupação latente da autora é a ideia de que os cidadãos

são elevados ao nível de participantes de políticas públicas, no qual o termo movimento aparece

como resultado de uma ação e não como sujeito principal (GOHN, 2013, p.36-37).

102

Ao discutir o associativismo civil no Brasil Gohn (2013, p.15), comenta que

mobilizações sociais e redes são umas das categorias de análise mais empregadas neste campo.

Peruzzo (2004) e Gohn (2013) observam além da emergência de temas globais, as ações

comunitárias e também as políticas públicas impulsionadas pelas ONGs e pelo próprio diálogo

com os movimentos sociais, anuindo articulações e parcerias, conforme vimos.

Ainda assim, há que se resguardar os papeis desempenhados pelos movimentos sociais

e associações congêneres mediante o Estado ao longo de suas trajetórias. É sabido que recursos

financeiros são escassos para a maioria dos movimentos, associações e entidades a eles

relacionados, nesse diapasão, os movimentos se articulam em redes, participam de editais

públicos, formam parceiras, inclusive, com este mesmo Estado que exclui e separa.

O uso indiscriminado de termos novos na busca do moderno pode estar deixando de

lado outras categorias importantes como articulações, processos, relações etc., adverte Gohn

(2013). Para a autora a questão é complexa e diz respeito à luta política e cultural de diferentes

grupos sociais, “na busca de ressignificação dos conceitos e criação de novas representações e

imagens sobre a sociedade” (GOHN, 2013, p.34-35).

Já para Peruzzo (2004, p.40) parte do debate teórico sobre os movimentos sociais não

reflete suas práticas concretas, pois eles passam por momentos diferenciados ao longo da

história:

a. Mobilização

Fase das grandes manifestações, nas quais a população passou a ocupar ruas e praças

para fazer oposição ao regime vigente, denúncias e reivindicações. O apoio à greve dos

metalúrgicos do ABCD paulista no ano de 1970, é um dos exemplos citados por

Peruzzo.

b. Organização

Em um segundo momento, os movimentos sociais se dedicam mais à sua própria

organização.

Comissões converteram-se em associações, centenas de organizações de todo

tipo foram surgindo pelo País e as atividades tornaram-se mais específicas e

localizadas. Grandes esforços foram canalizados para o fortalecimento interno

dos movimentos, envolvendo sua institucionalização (estatutos, sede etc.), a

conscientização, mobilização e formação política dos participantes, além de

ações coletivas (assembleias, audiências) (PERUZZO, 2004, p.41).

Nesta fase estavam ocorrendo mudanças na forma e na qualidade da atuação dos

movimentos sociais, por causa da conjuntura política do período que permitia maior liberdade

de expressão. Peruzzo (2004) faz alguns destaques: eles já não eram mais considerados casos

103

de “polícia”; políticos passaram a usar as bandeiras da participação popular e de governo

democrático; geraram-se iniciativas coletivas como a implementação de hortas comunitárias,

centros de produção artesanal etc. para atender às famílias de baixa renda. Outro destaque

importante para nossa empreitada diz respeito a continuidade desses movimentos, pois muitos

ao cumprir os seus papeis simplesmente deixaram e deixam de existir, enquanto outros foram

se transformando e dando origem a outros movimentos.

c. Articulação

Os movimentos sociais no final da década de 1980 e início dos anos de 1990 estavam

se tornando mais abrangentes, surgindo federações de associações de moradores e os conselhos

municipais, por exemplo. No ano de 1994 a Central dos movimentos Populares (CMP) surge

como uma grande articuladora de entidades populares no âmbito nacional. Nessa fase, os

movimentos passam a dialogar com o governo, o que outrora, era impraticável. A criação e

participação das pessoas em conselhos populares fortaleceu a participação direta nos assuntos

relacionados à gestão pública de munícipios, por exemplo, abriu caminho para uma participação

direta das organizações. Assim, o Estado passa a reconhecer e legitimar a representatividade

das organizações sociais.

d. Parcerias

As parcerias são fortalecidas e ampliadas em busca da resolução de problemas concretos

apresentados pela sociedade. Os movimentos sociais formam parceiras com órgãos públicos,

fundações, ONGs e outras instituições, dessa forma a participação deles torna-se mais efetiva,

na medida em que canais são criados para promover a apresentação de propostas, para o apoio

na elaboração de projetos e programas para uma política pública efetiva, entre outros. Não

obstante, Peruzzo (2004, p.43) enfatiza que “essa é uma fase em que os movimentos são mais

pluralistas, ao mesmo tempo em que, cada vez mais, se acentuam os interesses dos partidos

políticos e se acirram os conflitos em seu interior”. Ainda assim, é oportuno destacar a atuação

dos conselhos populares envolvidos com temáticas específicas.

Destarte, a criação de conselhos municipais propostos pela sociedade civil organizada

(conselho de saúde, conselho de assistência social, conselho da mulher, conselho de portadores

de necessidades especiais etc.), cujas principais atribuições são propor diretrizes das políticas

públicas, fiscalizar, controlar e deliberar a atuação de dessas políticas. A representação dos

conselhos se dá por meio do poder executivo, legislativo e da sociedade civil organizada, com

poder de voto nas tomadas de decisões. De acordo com Peruzzo (2004, p.43), este é um dos

grandes marcos dessa fase pela qual os movimentos passam.

104

Adiante traremos da categoria de análise redes a fim de verificar as suas elaborações e

interpretações no estudo de movimentos sociais. Frisamos no início do texto que nossa

empreitada teórica seguiria uma armação focada em conceitos e temas que pudessem compor a

abordagem dos movimentos sociais na atualidade. Por conseguinte, rede faz parte deste

complexo universo de conceitos que adentram as ciências sociais e humanas para tratar das

relações e processos existentes entre grupos sociais, conforme veremos a seguir.

3.5.1 Redes

O conceito de redes sociais é complexo e amplo. A formação de redes é uma prática

humana muito antiga em virtude da necessidade de interação social e compartilhamento com o

outro. Dentre as categorias teóricas utilizadas nos estudos atuais sobre os movimentos sociais

apontadas por Gohn (2013, p.32) destaca-se a categoria rede. Para a autora rede social passa a

ter, na atualidade, para vários pesquisadores, um papel mais importante do que o movimento

social.

A categoria rede é utilizada em diferentes sentidos e constitui-se em certo modismo

conforme Gohn, ela é importante na análise das relações sociais, tais como “território” e

“comunidade” porque permite a leitura da diversidade sociocultural e política existente nessas

relações. A autora aponta que tanto nas ciências exatas, quanto nas ciências humanas e

biológicas a ideia de rede não é nova. Nestas últimas os estudos datam dos anos de 1920, na

análise dos ciclos de vida, das teias alimentares etc. Nas ciências sociais o uso de redes sociais

também é antigo, já se falava em redes desde os anos de 1980.

Atualmente a categoria rede é utilizada como instrumento de análise e articulação de

políticas sociais. Scherer-Warren (2005) é uma analista que vem se destacando nos estudos das

redes sociais, a partir da questão da diversidade como forma de retratar a sociedade civil

(GOHN, 2013, p.32). Na prática a categoria rede caracteriza-se por “articular a heterogeneidade

de múltiplos atores coletivos em torno de unidades de referências normativas, relativamente

abertas e plurais (GOHN apud SCHERER-WARREN, 2009, p.515).

Segundo Gohn (2013, p.34), a categoria rede também incorpora várias outras

subcategorias: “circulação, fluxo, troca, intercâmbio de informações, compartilhamento,

intensidade, extensão, colaboração, [...] horizontalidade organizativa, flexibilidade, maior

agilidade etc”. Todavia, o uso indiscriminado de termos novos na busca do moderno pode estar

deixando de lado outras categorias importantes como articulações, processos, relações etc. A

105

socióloga afirma ainda que a questão é complexa e diz respeito à luta política e cultural de

diferentes grupos sociais (GOHN, 2013, p.34 -35).

Sob o ponto de vista de que redes possui várias faces e de que também é palco para uma

diversidade de investigações e perspectivas analíticas, Scherer-Warren (2005, p.9) propõe

analisar o cenário de redes de movimentos, como opção. Para tanto, a autora faz um

mapeamento das abordagens analíticas das ações coletivas na América Latina, demonstrando a

passagem na ênfase das teorias de classe para as teorias dos movimentos sociais. A ideia de

rede para Scherer-Warren (2005, p.9) “implica pensar, desde um ponto de vista epistemológico,

na possibilidade de integração de diversidade”, distinguindo-se, então, da ideia de unidade

totalizadora, comum no pensamento marxista positivista acerca da necessidade de articular

lutas sociais. Ainda assim, para a autora a análise em termos de redes de movimentos pressupõe

mecanismos para articular “o global e o local, entre o particular e o universal, entre o uno e o

diverso, nas interconexões das identidades dos atores com o pluralismo” (SCHERER-

WARREN, 2005, p.9-10).

Em outras palavras, a opção de análise dos movimentos sociais em termos de rede trata

de buscar os significados desses movimentos em um mundo visto cada vez mais como

interdependente, intercomunicativo, onde floresce muitos movimentos de cunho transnacional

(SCHERER-WARREN, 2005). Dentre os quais destacamos os seguintes movimentos: de

direitos humanos, ecologistas, feministas etc. A opção de análise calcada na rede, diz respeito

ao compromisso com os princípios humanísticos que vão permitir “a comunicação, articulação,

intercâmbio e solidariedade entre atores sociais diversos” (SCHERER-WARREN, 2005, p.9-

10). Manuel Castells (2003; 2013), no que lhe concerne, inscreve a noção de rede no cenário

das ferramentas metodológicas ao tratar a sociedade globalizada, inicialmente, como uma rede

de fluxos, e ao avançar em suas proposições teóricas destaca a centralidade da comunicação na

constituição de redes.

3.5.2 Redes de autocomunicação e autonomia

Na perspectiva da comunicação, Manuel Castells (2013, p.11) diz que a mudança basilar

neste âmbito, ocorrida nos últimos anos, está no que ele denominou de autocomunicação, “o

uso da internet e das redes sem fio como plataformas da comunicação digital”. A partir de sua

linha de raciocínio podemos considerar as redes sociais digitais como espaços de autonomia,

muito além do controle de governos e empresas, que, ao longo da história, haviam

106

monopolizado os canais de comunicação como alicerces de seu poder. A partir da segurança

promovida pelo ciberespaço, multidões passaram a ocupar o espaço público para reivindicar

seu direito de fazer história numa “manifestação da autoconsciência que sempre caracterizou

os grandes movimentos sociais” (CASTELLS, 2013, p.10).

Castells (2013, p.11) afirma que “a constituição de redes é operada pelo ato da

comunicação”. Ele define a comunicação como o processo de compartilhar significado pela

troca de informações. Reitera ainda que a principal fonte da produção social de significado é o

processo de comunicação socializada. Essa é parte das premissas de Castells, de que as pessoas,

instituições, a sociedade em geral transforma a tecnologia, apropriando-a, modificando-a,

experimentando-a, como é o caso da internet que, para o sociólogo, é uma tecnologia de

comunicação.

Conforme Castells (2013), a territorialidade física e simbólica dos movimentos sociais

na sociedade é formada pelo espaço híbrido, entre o espaço urbano ocupado e as redes sociais

digitais na internet. A questão é que nesse novo espaço em rede, situado entre os espaços digital

e urbano forma-se um espaço de comunicação autônoma. E autonomia é a quintessência dos

movimentos sociais, “ao permitir que o movimento se forme e possibilitar que ele se relacione

com a sociedade em geral, para além do controle dos detentores do poder, sobre o poder da

comunicação” (CASTELLS, 2013, p.16).

Sobre o argumento anterior, o sociólogo das redes, traz pontos importantes ao questionar

“quando, como e por que uma pessoa ou uma centena de pessoas decidem, individualmente,

fazer uma coisa que foram repetidamente aconselhadas a não fazer porque seriam punidas”

(CASTELLS, 2013, p.17). Em síntese, o entendimento de como esses indivíduos se formam

em rede, primeiro mentalmente, de uns quererem se conectar aos outros, por que são capazes

de fazê-lo, num processo de comunicação que, em última instância, leva à ação coletiva, é

imprescindível.

Contudo, Castells (2013, p.17) diz que a questão premente é que os movimentos sociais

são a chave para a mudança social, para a constituição da sociedade. E para ele, muito mais do

que categorizar movimentos sociais e questionar seu nascimento é preciso compreender o

conjunto de causas estruturais e motivos individuais que os move. Os movimentos sociais são

constituídos de indivíduos, de suas emoções, de seus anseios, de sua subjetividade, de sua

autonomia, acrescentamos especialmente, as singularidades de cada indivíduo.

Andréas Huyssen (2000) entende que as tecnologias da informação e comunicação

sempre transformaram a percepção humana na modernidade. Para Huyssen (2000, p.36),

107

“práticas de memória nacionais e locais contestam os mitos do cibercapitalismo e da

globalização com sua negação de tempo, espaço e lugar”. O autor assegura que foi dessa forma

desde a ferrovia, o telefone, o rádio e o avião e acredita que o mesmo vai acontecer quanto ao

ciberespaço. Aliás, é o que está acontecendo na atualidade, pois vivemos numa intensa

compressão espaço-temporal em que a relação entre passado, presente e futuro está sendo

transformada. E a comunicação mediada pelo computador (CMC), em especial com o suporte

da internet, contribui para este novo e constante ordenamento.

Raquel Recuero (2009) compartilha com Andreas Hyussen a ideia de que as redes

existem muito antes da chegada da internet. Logo, Recuero (2009, p.135) afirma que uma das

primeiras mudanças detectadas pela comunicação mediada pelo computador nas relações

sociais é a transformação da noção de localidade geográfica dessas relações sociais, embora,

assim como Hyussen, aponta que a internet não foi a única responsável por essas

transformações.

Por outro lado, Castells (2003) indica a revolução37 [mutação] da tecnologia da

informação como ponto de partida por sua penetrabilidade em todas as esferas da atividade

humana e afirma que devemos localizar o processo de transformação tecnológica revolucionária

no contexto social em que ele ocorre e pelo qual está sendo moldado. Ele afirma que “a internet

não é simplesmente uma tecnologia; é o meio de comunicação que constitui a forma

organizativa de nossas sociedades” (CASTELLS, 2003, p.287), em outras palavras, a internet

constitui a base material da vida das pessoas, de suas relações cotidianas, de trabalho e

comunicação. Para Castells (2013, p.30) “qual seria o possível legado dos movimentos sociais

em rede ainda em processo? A democracia. Uma nova forma de democracia. Uma antiga

aspiração jamais concretizada da humanidade”. O próximo tópico traz pistas teóricas sobre essa

antiga aspiração da humanidade e coloca em cena os movimentos sociais a partir da categoria

teórica multidão, como forma singular de produção de redes de comunicação e cooperação.

3.6 Multidão multicolorida

Para compor este tópico, abordaremos algumas das principais características sobre a

multidão, que a nosso ver, são importantes e que situam nosso entendimento sobre movimento

social na atualidade. Inserida na corrente histórico-estrutural (GOHN, 2012, p.28) a multidão

37 Preferimos utilizar o termo mutação ao invés de revolução. Revolução implica numa mudança de paradigma,

numa ruptura. Acreditamos que esse processo seja uma mutação tecnológica, como aponta Muniz Sodré (2002).

108

faz parte das novas abordagens teóricas sobre a categoria movimento social. Gohn (2012, p.28)

aponta os estudos de Hardt e Negri (2014) sobre a temática da democracia em escala global e

diz que suas investigações representam um dos principais eixos de pensamento que se posiciona

como de esquerda e que alimenta as práticas dos movimentos sociais.

No entanto, discorrer sobre multidão a partir de autores como David Riesman, Paolo

Virno, Hardt e Negri requer antes de tudo, fôlego e muitas digressões teóricas. Logo, a

abordagem será recortada e direcionada ao sujeito-objeto de estudo desta pesquisa.

O conceito multidão foi debatido inicialmente por David Riesman na década de 1950

tratando da nova classe média nos Estados Unidos. Sob o ponto de vista econômico, político e

psicólogo Riesman faz um detalhado estudo para demonstrar como esses fatores são

engendrados na vida dos indivíduos, juntamente com os processos oriundos da Revolução

Industrial que trouxe significativas mudanças nas formas de vida. “A modernização parece,

destarte, prosseguir com um impacto quase irreversível, e nenhuma tribo ou nação encontrou

um lugar para esconder-se dela” (RIESMAN, 1995, p.43). Tais mudanças são notadas não só

na sociedade americana, mas em toda parte em que há respingos desta moderna civilização.

Um salto entre o pensamento de Riesman e o dos demais autores citados e das décadas

que separam seus estudos, encontramos no meio da caminhada um elo comum, as

singularidades. A partir da seguinte afirmativa, “a ideia de que os homens nascem livres e iguais

é, ao mesmo tempo, verdadeira e enganadora: os homens nascem diferentes. Eles perdem sua

liberdade social e sua autonomia individual quando procuram tornar-se parecidos entre si”

(RIESMAN, 1995, p.379).

Em Paolo Virno (2013, p.60), “[...] o ‘indivíduo social’ é o indivíduo que exibe

abertamente a própria ontogênese, a própria formação (com seus diversos estados ou elementos

constituintes)”. Ou ainda, “a multidão é uma rede de indivíduos. O termo multidão indica um

conjunto de singularidades contingentes” (VIRNO, 2013, p.99). Já em Hardt e Negri (2014,

p.12) a multidão é composta de “inúmeras diferenças internas [...]; diferentes formas de

trabalho; diferentes maneiras de viver; diferentes visões de mundo; e diferentes desejos” e

complementam, “na multidão, as diferenças sociais mantêm-se diferentes, a multidão é

multicolorida” (HARDT; NEGRI, 2014, p.13). Em outras palavras, as diferenças sociais

precisam ser evidenciadas e não vistas na uniformidade.

O ponto de partida de Hardt e Negri (2014) e também de Paolo Virno (2013), gira em

torno da retomada de uma discussão filosófica e política entre os conceitos povo e multidão.

Eles vão abordar a crise do conceito de povo, ligada ao conceito hobbesiano de Estado, até

109

chegar na categoria multidão. Para Virno (2013) tal confrontação é importante por acreditar que

a multidão reemerge, enquanto categoria mais adequada para traçar uma gramática das

inquietudes do homem pós-moderno. Segundo Virno (2013, p.97),

As formas de vida contemporâneas testemunham a dissolução do conceito de

“povo” e da renovada pertinência do conceito de ‘multidão’. Estrelas fixas do

grande debate do século XVII, e encontrando-se na origem de uma boa parte

do nosso léxico ético-político, esses dois conceitos situam-se nas antípodas

um do outro. O ‘povo’ é de natureza centrípeta, converge numa vontade geral,

é a interface ou reflexo do Estado; a ‘multidão’ é plural, foge da unidade

política, não firma pactos com o soberano, não porque não lhe relegue direitos,

mas porque é reativa à obediência, porque tem inclinação para certas formas

de democracia não-representativa.

Porém, não encerram a discussão nessa dicotomia. Virno inclui no debate a força de

trabalho, e o sentido que atribui a este termo é da potência de produzir. Quando faz tal

abordagem está se referindo “a toda classe de faculdade: competência linguística, memória,

mobilidade, etc.” E só hoje a noção de força de trabalho não é redutível, segundo Virno como

na época de Gramsci, a um conjunto de qualidades físicas, mecânicas, mas inclui em si, a ‘vida

da mente’ (VIRNO, 2013, p.61-62). Já Hardt e Negri tratam a questão do trabalho na vertente

da produção imaterial, mais adiante trataremos das duas perspectivas convergentes.

Para Hardt e Negri (2014, p.12-15) numa primeira abordagem é fundamental distinguir

a multidão em termos conceituais, de outras noções de sujeitos sociais, como a de povo, que já

apontamos, além de massas e classe operária. Os autores afirmam que duas características da

multidão são importantes para a contribuição com a possibilidade atual de democracia. São

elas: a produção do comum e a organização política amalgamada com o econômico, social e

cultural. Contudo, para aprofundar às análises sobre o projeto da multidão e as possibilidades

de democracia, os autores travam uma discussão acerca do atual estado de guerra e conflito

global, iniciada com a análise crítica formulada em Império (2001), escrito entre as guerras do

Golfo (1991) e Kosovo (1998).

Certamente não vivemos em uma democracia, como comentam os autores, vivemos

mesmo é no Império, num constante estado de guerra (guerra civil, mundial), que regula as

relações políticas e que investe diretamente na vida social. Sem conflitos políticos não temos

guerra e alcançamos a democracia. A fórmula parece ser simples, porém é complexa e cheia de

contradições. No atual estado de guerra a sua manutenção é tão importante quanto a razão de

existir do Império. As ações dos movimentos sociais são uma resposta às tais práticas

coercitivas de vida.

110

Apresentamos algumas características que nos ajudam a compor a abordagem sobre o

conceito de multidão. A primeira característica diz respeito ao próprio trabalho que por meio

das “transformações da economia, tende a criar redes de cooperação e comunicação e a

funcionar dentro delas. Todo aquele que trabalha com a informação ou o conhecimento – dos

agricultores [...] aos criadores de software” (HARDT; NEGRI, 2014, p.14). Incluindo, segundo

eles, todas as formas de trabalho que criam projetos imateriais, como ideias, imagens, afetos e

relações. Conformando então, a produção biopolítica, pois envolve e afeta todos os aspectos da

vida social. Para os autores (2014, p.15) “esta produção biopolítica e a expansão do comum que

acarreta é um dos pilares em que se assenta hoje a possibilidade de democracia global”.

A segunda característica diz respeito às novas configurações em termos de organização,

que a sua vez, estão mais democráticas, e vai das “formas centralizadas de comando ou ditadura

revolucionária para organizações em rede que deslocam a autoridade para relações

colaborativas” (HARDT; NEGRI, 2014, p.15). Além disso, o desejo pela democracia circula

do nível local ao global, mas sabendo que só desejar e reivindicar não garante sua concretização,

já é um grande passo. Pois, conforme sustentam não devemos subestimar o poder que essas

demandas - queixas e resistências manifestadas contra a atual ordem global - podem ter.

De forma geral, Virno (2013) propõe três aproximações para tratar das determinações

concretas da multidão contemporânea. Tais aproximação são nomeadas de jornadas. Na

primeira jornada se aproxima ao modo de ser dos “muitos”, desde a dialética temor-proteção

de Kant. Ele utilizou palavras-chaves de Hobbes, Kant, Heidegger, Aristóteles com os topoi

Konoi, isto é, os lugares comuns, Marx, Freud (VIRNO, 2013, p.55). Na segunda jornada, o

reconhecimento da multidão contemporânea foi procurado discutindo a justaposição de poiesis

e práxis, Trabalho e Ação política. Os predicados utilizados em relação a isso, foram

encontrados em Hannah Arendt, Glenn Gould, o novelista Luciano Bianciradri, Saussure, Guy

Debord, Marx, Hirschman etc. Na terceira jornada o autor examina outro grupo de conceitos,

desde uma perspectiva diferente sobre a multidão, que segundo ele, está constituída pela forma

da subjetividade.

Os predicados atribuíveis ao sujeito gramatical multidão são: a) O princípio

de individuação, isto é, a antiga questão filosófica que trata sobre que coisa

faz singular a uma singularidade, individual a um indivíduo; b) a noção

foucaultiana de ‘biopolítica’; c) a tonalidade emotiva ou stimmungen, que

qualifica hoje a forma de vida dos muitos: oportunismo e cinismo (atenção:

por tonalidade emotiva não entendo um traço psicológico passageiro, mas uma

relação característica com seu próprio estar no mundo); d) e por fim, dois

fenômenos que, também analisados por Agostinho e Pascal, ascenderam à

111

dignidade de termos filosóficos em Ser e Tempo de Heidegger: a tagarelice

[gerede] e a curiosidade (VIRNO, 2013, p. 55-56).

Dos predicados da multidão apontados por Virno é a noção foucaultiana de biopolítica

que mais nos interessa no momento. Tal noção está dissecada nas análises de Hardt e Negri

(2014, p.135), segundo eles é a forma dominante de produção contemporânea que exerce sua

hegemonia sobre as demais e também: cria bens imateriais como ideias, conhecimento, formas

de comunicação e relações. Nesse trabalho imaterial, a produção ultrapassa os limites da

economia tradicionalmente entendida para investir diretamente a cultura, a sociedade e a

política. O que é produzido, nesse caso, não são apenas bens materiais, mas relações sociais e

formas de vida concretas (HARDT; NEGRI, 2014, p.134-135). É esse tipo de produção que os

autores chamam de biopolítico, para enfatizar o “caráter geral de seus produtos e a maneira

como ele investe diretamente na vida social em sua totalidade” (HARDT; NEGRI, 2014, p.135).

Em outro texto Negri (2006, p.104) diz que biopolítico significa o entrecruzamento do

poder com a vida, a partir da perspectiva foucaultiana de biopoder. Tanto o biopoder quanto a

produção biopolítica investe a vida social em sua totalidade, mas de formas diferentes. O

biopoder está acima da sociedade, como uma autoridade soberana e transcendente e impõe sua

ordem. Já a produção biopolítica é imanente à sociedade, cria relações e formas sociais por

meio da colaboração no trabalho (HARDT; NEGRI, 2014, p.135). Sendo assim, é a produção

biopolítica que entra como pano de fundo na investigação sobre a democracia e que torna clara

a base social para um projeto possível da multidão nos dias de hoje.

Quando introduzem o conceito biopolítico também querem dizer que o entendimento

que tem do trabalho não se limita ao trabalho assalariado, mas refere-se às capacidades criativas

humanas de forma geral. E a nova forma hegemônica que apontamos anteriormente pode ser

entendida como trabalho biopolítico. Segundo Hardt e Negri (2014, p.150) “trabalho que cria

não apenas bens materiais mas também relações e, em última análise, a própria vida social”.

É interessante que na visão dos autores o adjetivo biopolítico indica que as distinções

tradicionais entre o econômico, o político, o social e o cultural já não são tão evidentes.

Igualmente, a biopolítica apresenta uma série de complexidades conceituais que precisam ser

estudadas e aprofundadas. Como, por exemplo, entender a interconexão que os autores fazem

ao situar a imaterialidade no plano da biopolítica à posição hegemônica. Nesse aspecto,

apontam que a principal característica do trabalho imaterial é produzir comunicação, relações

sociais e cooperação (HARDT; NEGRI, 2014, p.156).

Após ter discutido a respeito da constituição dos movimentos sociais, uns, enquanto

agentes propulsores de mudança na sociedade, outros, como fermentadores de ações que, se

112

não buscam a mudança estrutural societária, buscam localmente transformar suas demandas em

ações concretas. Independente dos objetivos que perseguem, eles, os movimentos sociais,

formam uma multidão, que contribuem para a produção biopolítica na sociedade quando

investem seu trabalho na perspectiva da imaterialidade, ou seja, a sua força criativa e criadora

para produzir comunicação, relações sociais e cooperação, tendo em vista, em última instância,

um projeto de democracia.

No próximo capítulo, buscamos discutir como tais movimentos ao longo de sua

constituição histórica utilizam a comunicação como ferramenta intrínseca em seu quefazer.

Além disso, como os processos comunicacionais foram se alterando ao longo do tempo, devido

as transformações tecnológicas provenientes dos processos de globalização. No entanto, cabe

advertir, que nosso intento é sempre buscar o entre, ou seja, uma forma rizomática de

compreender os processos comunicacionais que não se encerram em sua tecnicidade ou mesmo

em sua origem. Compreender o entre é deixar pulular experiências, práticas, com um olhar que

visa às descontinuidades e não a horizontalidade dos acontecimentos. É compreender seus

processos, suas falas, sua comunicação.

113

CAPÍTULO IV – COMUNICAÇÃO E INTERNET NO CONTEXTO DOS

MOVIMENTOS SOCIAIS

Naquele tempo mítico, ao redor do fogo, aquilo era

um congresso cheio de Einsteins e Edisons

(Flusser, 2014, p.70).

Este capítulo contextualiza a comunicação desenvolvida pelos movimentos sociais ao

longo de sua constituição histórica. A saber, como os processos comunicacionais foram se

alterando devido às transformações das tecnologias de informação e comunicação.

Como dito anteriormente, nosso intento é sempre buscar o entre. Ou seja, uma forma rizomática

de compreender os processos comunicacionais que não se encerram em sua tecnicidade, ou

mesmo em sua origem. Compreender o entre é deixar pulular experiências e práticas com um

olhar que visa as descontinuidades e não a horizontalidade dos acontecimentos. É compreender

seus processos, suas falas, sua comunicação.

Além de destacar a internet como espaço híbrido de interlocução dos movimentos

sociais, discutimos as possibilidades da luta democrática em torno das formas tecnológicas de

cidadania. Posiciona também a comunicação popular, alternativa e comunitária como um

espaço privilegiado de hegemonia nas lutas dos grupos subalternizados frente às ideias

dominantes. Outrossim, busca refletir criticamente sobre o uso das tecnologias de informação

e comunicação e a sua implicação nas formas de vida contemporâneas ao suscitar alternativas

para um pé fora das redes.

4 Contexto da internet

A internet, tal qual habitamos e navegamos hoje, tem em sua trajetória a ideia de

descentralizar informações. A rede mundial de computadores, conhecida mais tarde como

internet, passou a ser pensada e desenvolvida entre as décadas de 1950 e 1960 nos Estados

Unidos da América. Esta potência sempre reconheceu o papel primordial da comunicação, tanto

para promover quanto para destituir impérios, sociedades, organizações.

A agência de Defesa dos Estados Unidos – Advanced Research Projetcs Agency -,

conhecida como ARPA, tinha como objetivo desenvolver um sistema que possibilitasse a

ligação de vários computadores geograficamente dispersos um do outro por meio de um

114

conjunto de protocolos denominados de TCP/IP38. Tal investida foi uma estratégia utilizada

durante a Guerra Fria para que as informações do governo pudessem estar descentralizadas,

possibilitando assim, que elas ficassem resguardadas e não fadadas a destruição no período da

guerra. Era também uma alternativa caso os aparatos convencionais de telecomunicações da

época fossem destruídos durante os ataques. Com efeito, esse sistema ficou conhecido como

Arpanet, uma rede de computadores de médio e grande porte. Era, no entanto, uma rede fechada

de comunicação entre computadores da base militar e do centro de pesquisa do governo

americano. Segundo Castells (210, p.13-24) a internet nas décadas de 1970 e 1980, passou a

ser mais explorada não somente no contexto militar, sobretudo, acadêmico. Uma vez que a

tecnologia desenvolvida para a Arpanet foi disponibilizada para as universidades e centros de

pesquisa, a partir daí a internet faz emergir seus primeiros respingos.

Por conseguinte, foi na década de 1990 que a internet começou a cair no gosto

“popular”39. Mas isso só foi possível com a criação do world wide web em 1989, pelo cientista

da informação britânico, Tim Bernes-Lee. O cientista amplia a funcionalidade da internet, ao

introduzir uma linguagem padrão de circulação de dados na rede. Neste momento a internet

passa a ser aberta e as conexões por meio da web passam a configurar parte do mundo dito,

virtual, devido a sua dimensão gráfica e de hipertextos. Mais adiante o virtual será discutido.

Em outras palavras, a internet40 (LÉVY, 2014, p.27) pode ser compreendida como o

conjunto de meios físicos, tais como computadores, roteadores, linhas digitais etc. em conjunto

com o protocolo TCP/IP utilizado para transportar a informação. E que em tese, significa o

conjunto de redes disponíveis por meio de protocolos.

Já a world wide web, conhecida como web, ou simplesmente, www é um, entre os

diversos serviços disponíveis através da internet. Bernes-Lee inaugura a web, tal como a

conhecemos. Como uma coleção de documentos interligados (páginas web), hiperlinks,

hipertextos, hipermídia. Ou seja, a www é uma função da internet que junta, em um único e

imenso hipertexto ou hiperdocumento (imagens e sons), todos os documentos e hipertextos que

a alimentam. Assim, conforme comenta Castells (2010, p.19) “a internet estava privativa e

dotada de uma arquitetura técnica aberta, que permitia a interconexão de todas as redes de

38 A sigla TCP significa Protocolo de Controle de Transmissão (Transmission Control Protocol, em inglês) e o IP

significa Protocolo de Internet (Internet Protocol, em inglês). 39Discutimos brevemente no capítulo anterior algumas ponderações sobre o uso do termo popular. O sentido

empregado aqui é de sua amplitude. 40 Internet, rede e web são termos distintos. Apesar da sua utilização como sinônimos, há que se resguardar as

particularidades de cada um.

115

computadores em qualquer lugar do mundo; a www podia então funcionar com software

adequado, e vários navegadores de uso fácil estavam à disposição do público.”

Segundo Castells (2010, p.19) para a maioria das pessoas, empresários e sociedade em

geral foi em 1995 que a internet nasceu. Mas ele supõe que ela nasceu do improvável

cruzamento da big science, da pesquisa militar e da cultura libertária. Sobre este último aspecto,

Lévy (2014) e Castells (2010) afirmam que a internet se desenvolveu como um grande

movimento de contracultura, em grande parte, devido aos esforços dos acadêmicos que viam

na rede a possibilidade de cooperação e do desenvolvimento de uma rede livre e modificável

por qualquer sujeito envolvido no universo hacker41.

Se partimos do pressuposto inicial de que essência da internet parte da descentralização

de informações, podemos afirmar algumas questões. A primeira, que a “era da informação”

configura novas modalidades de gerar, apreender e compartilhar conhecimentos. A segunda, de

que a descentralização de informações configura uma forma refinada de disputa pelo poder.

A terceira questão que engloba as duas anteriores, é a centralidade da comunicação.

Pode parecer contraditória tal afirmativa, mas não é. Porque se temos de um lado, a internet

como precursora da descentralização de informações num fluxo contínuo, do outro lado, temos

a comunicação como processo constituinte da vida social.

Para o bem ou para o mal a internet está aí, aqui, acolá pronta para ser navegada. Um

computador desktop, um notebook, um smartphone, um tablet - para não falar de outras

interfaces onde ela pode ser disponibilizada. Após contextualizar o surgimento da internet

daremos um passo adiante para elucidar como essa técnica está reestruturando as relações

sociais, econômicas, culturais e políticas da sociedade. Aliás, contemporaneamente conhecida

como sociedade da informação, sociedade em rede, ciberespaço, embora, temos nossas reservas

a certas terminologias por não abarcaram a totalidade do contexto social brasileiro. Seguimos

adiante para reelaborar pistas deixadas por críticos importantes das tecnologias de informação

e comunicação.

]

41 Hackers são pesquisadores do espaço cibernético, geeks ou nerds também são termos atribuídos a eles. Já os

crakers, são considerados os contraventores das redes.

116

4.1 A emergência da técnica

Em cada período histórico homens e mulheres sempre dependeram do uso da técnica

para sobreviver, desde a criação de ferramentas para caçar ou coletar alimentos à construção de

abrigos para se proteger de fenômenos climáticos, por exemplo. Com o desenvolvimento

humano às técnicas de subsistência foram sendo modificadas e transformadas culturalmente.

“Tomaram uma pedra na mão esquerda e outra na direita. Isso já é absolutamente misterioso.

Talharam a pedra e fizeram progressos colossais”, destaca Vilém Flusser (2014, p.69) para

afirmar sua proposta de que todas as revoluções são revoluções técnicas. No entanto, mais

adiante ele reitera que a técnica é neutra, mas exacerbante (FLUSSER, 2014, p.73). Pierre Lévy

(2014, p.25), descreve a técnica como um constructo cultural que, à sua vez, condiciona uma

sociedade ao invés de determiná-la. No tocante a neutralidade da técnica em si, o pensamento

de ambos os autores é divergente. Se para Flusser (2014) a técnica é neutra, para Lévy (2014,

p.26) ela não é boa, nem má e tampouco neutra. Para ilustrar esta afirmação destacamos que:

A invenção do estribo permitiu o desenvolvimento de uma nova forma de

cavalaria pesada, a partir da qual foram construídos o imaginário da cavalaria

e as estruturas políticas e sociais do feudalismo. No entanto, o estribo,

enquanto dispositivo material, não é a ‘causa’ do feudalismo europeu. Não há

uma causa identificável para um estado de fato social ou cultural, mas sim um

conjunto infinitamente complexo e parcialmente indeterminado de processos

em interação que se autossustentam ou se inibem. Podemos dizer em

contrapartida que, sem o estribo, é difícil conceber como cavaleiros com

armaduras ficariam sobre seus cavalos de batalha e atacariam a lança em

riste...O estribo condiciona efetivamente toda a cavalaria e, indiretamente,

todo o feudalismo, mas não os determina (LÉVY, 2014, p.25).

Em nosso entendimento, a técnica carrega em si uma potência. E a forma como ela será

empregada dependerá do contexto cultural e socialmente construído, das relações de poder

estabelecidas e dos usos que serão feitos dela.

As tecnologias são dispositivos de poder que não podem ser desconsiderados.

Ao incorporarem em seu design, em sua arquitetura e em seus códigos as

determinações, interesses e perspectivas daqueles que a desenvolveram, as

tecnologias podem destruir ou ampliar direitos. As tecnologias da informação

e comunicação fazem parte de contenciosos tecnopolíticos. A internet e seus

dispositivos são elementos cruciais das disputas econômicas, sociais e

culturais do século XXI (SILVEIRA, 2017, p.85).

Parafraseando Lévy (2014, p.24), por trás das técnicas agem e reagem ideias, projetos

sociais, interesses econômicos, estratégias de poder e os jogos dos homens em sociedade. A

117

necessidade humana de se comunicar com os pares abriu precedentes para o refinamento da

técnica de comunicar, registrar e compartilhar informações provenientes da cultura. No capítulo

dois falamos sobre o desenvolvimento dos meios de comunicação, da prensa de Gutenberg às

TICCS. E a passos largos temos visto as técnicas de informação e comunicação convergindo

entre si e a cada dia mais interativas42, com as múltiplas formas de interação e comunicação

promovidas pela internet.

4.2 Desconstruir ou reinventar?

O que era técnica culminou em tecnologia. E o que era sociedade, está em vias de

(des)construção. E, agora, imersos numa suposta tecnologização da vida, buscamos

compreender o fenômeno em sua realidade concreta pelas lentes dos movimentos sociais. No

entanto, não é a técnica, technê, enquanto condição material da história que nos interessa, mas

sim as transformações e mediações que ocorrem na estrutura social em decorrência do uso ou

não de determinadas tecnologias, especialmente a internet. Muniz Sodré (2012, p.177) afirma

que qualquer tentativa de descrição definitiva das tecnologias digitais está condenada à rápida

obsolescência, porque essas tecnologias são continuamente emergentes.

4.2.1 Sociedade em rede?

A tecnociência produziu tanto o fogo nuclear como as redes interativas. De um lado,

ameaça de morte enquanto espécie em relação à bomba atômica e de outro, diálogo planetário

em relação às telecomunicações, aponta Lévy (2014, p.16) ao destacar a ambivalência das

técnicas, ao mesmo tempo em que atribui a sociedade qual escolha tomar em relação aos

instrumentos por ela construídos. A sociedade em rede circunscrita neste diálogo planetário

apresenta-se como um ente invisível, porém multifacetado a serviço da financeirização do

capital. De acordo com Muniz Sodré (2014, p.55) “o capitalismo contemporâneo é ao mesmo

tempo financeiro e midiático: financeirização e mídia são as duas faces de uma moeda chamada

sociedade avançada [...]”. Sodré recorre a Marx, em “O Capital” para clarificar a noção de

financeirização. O autor rememora a noção do capital em suas frações distintas, que oscilam

42 Inicialmente a interatividade, ou a comunicação interativa era aquela face a face, via telefone e/ou qualquer

tipo de comunicação que estabelecesse o contato físico entre pessoas, assim como o contato com algum material

impresso do tipo abre e fecha, por exemplo. Hoje, essas definições foram ampliadas com as potencialidades das

TICCS.

118

em termos de correlação de forças. O capital produtivo é aquela fração que gera riquezas

palpáveis ou tangíveis movimentando a cadeia de produção. Outra fração é a do capital

financeiro que consiste na troca com base em títulos de crédito.

Nas palavras de Sodré (2014, p.55), “este capital de empréstimo, que se amplia como

uma parte do lucro obtido pela fração produtiva, foi chamado por Marx de fictício, por que é

de fato uma ficção, a imagem de um capital não efetivamente realizado". Neste contexto o autor,

eleva a financeirização há um novo modo de existência humana, ou seja, que vai corresponder

a um novo modo de ser da riqueza. A isto, Sodré (2014, p.55) tem chamado financeirização "e

o que requer o concurso historicamente inédito da comunicação e da informação”.

Castells (2000, p.427) ao definir a sociedade em rede aponta que ela é “constituída de

redes de produção, poder e experiência, que constroem a cultura da virtualidade nos fluxos

globais os quais, por sua vez transcendem o tempo e o espaço”. Dessa maneira, o autor atribui

o advento da sociedade em rede a reestruturação social provocada pela era da informação.

Silveira (2017), além de destacar o papel determinante das tecnologias na vida de cidadãos,

governos e empresas, aprofunda sua análise na contradição inerente a sociedade informacional.

As sociedades informacionais convivem com arranjos empresariais que

dominam o sistema político levando a situações de grande contradição. Ao

mesmo tempo, quando as práticas discursivas começam a validar a ideia de

que a privacidade é demasiadamente subjetiva e desnecessária, o importante

seria proteger os dados, focalizar a informação e não a ideia que se tem de sua

exposição. Mas, os dados pessoais precisariam estar disponíveis para uso

econômico, enquanto as informações sobre as empresas e sobre os

conhecimentos por ela articulados devem ser guardados e protegidos. Afinal,

há uma concorrência e como o conhecimento é difícil de produzir e fácil de

reproduzir, torna-se necessário controlá-lo e impedir o acesso não autorizado.

Nesse aspecto, sociedades informacionais são dependentes do estado para

garantir a propriedade intelectual. Simultaneamente, são levadas pela lógica

do capital a aceitar a transparência quase total para as informações dos

cidadãos e a opacidade quase completa para os dados e o conhecimento gerado

ou apropriado pelas corporações (SILVEIRA, 2017, p.23).

A sociedade informacional descrita por Silveira (2017, p.20) se constitui com

tecnologias que comunicam e controlam simultaneamente. Esse modelo tecnológico apresenta

consequências sociais, econômicas e políticas que segundo o autor, precisam ser bem

compreendidas. A sociedade informacional exposta acima está sob a égide do capitalismo

contemporâneo, cognitivo, informacional-cognitivo, financeiro e midiático, cujas expressões

são empregadas para designar a mesma lógica.

Não obstante, a sociedade informacional segue a lógica da supremacia cibernética

globalizante sob a nova forma de existência humana citada por Sodré. E que,

119

consequentemente, exerce sob essa nova forma de existência um tipo específico de controle,

quase invisível, camuflado pelas camadas da internet. Segundo Silveira (2017, p.20), estamos

mantendo e reproduzindo relações sociais a partir de um gigantesco sistema de controle de

informações.

A partir do exposto, temos pistas de que a forma refinada na qual se apresenta a

globalização visa a uma reorganização capitalista que continua privilegiando os interesses

financeiros em escala mundial. E, consequentemente, privilegiando a imaterialidade da

comunicação e da informação. De forma análoga a ambivalência descrita por Lévy (2014), mas

não isenta da crítica, para Flusser (2014, p.71) quando existem dúvidas sobre quem é o emissor

e quem é o receptor, e ainda, quando não houver mais sentido fazer essa distinção, estaremos

em um sistema conectado em rede.

Já vimos, no entanto, que a noção de rede é anterior à internet. Vimos também que na

atualidade elas ganharam vida nova, ou seja, transformaram-se em redes de informação

energizadas pela internet (CASTELLS, 2003, p.7). Apresentamos a sociedade de rede como

uma forma avançada de sociedade sob o domínio intangível do capital financeiro. Após

apresentar esta nova configuração societária buscamos certo aprofundamento a partir dos

processos históricos que culminaram na ascensão da internet e seus desdobramentos.

Na visão de Manuel Castells (2003) a internet é uma rede de comunicação global que

se apresenta como tecnologia e também como prática social. O autor chegou a esta conclusão

não antes de investigar três processos independentes ocorridos já no final do século XX e que

foram responsáveis pela ascensão da internet como é conhecida hoje. São eles (CASTELLS,

2003, p.8):

a) As exigências da economia por flexibilidade administrativa e por globalização do

capital, da produção e do comércio.

b) As demandas da sociedade, em que os valores da liberdade individual e da comunicação

aberta se tornaram supremos.

c) Os avanços extraordinários na computação e nas telecomunicações possibilitados pela

revolução microeletrônica.

Para o autor, a aderência desses três processos inaugura uma nova estrutura social,

baseada em redes. Castells (2003, p.8) alega que sob essas condições, a internet tornou-se a

alavanca na transição para uma nova forma de sociedade, que ele chama sociedade de rede e

com ela para uma nova economia, discutida anteriormente.

120

Castells (2003), com sua análise da sociedade e das implicações da tecnologia na vida

das pessoas considera o aspecto da expansão da internet à apropriação capitalista. Ao

correlacionar internet, sociedade e economia reflete sobre a importância de localizar o processo

de transformação tecnológica no contexto social em que ele ocorre e pelo qual está sendo

moldado. Examina também o papel desempenhado pela internet na emergência da nova

economia, que traz à baila a transformação da administração de empresas, os mercados de

capitais, novas formas de trabalho e a inovação tecnológica.

Além da reflexão econômica ele situa sua análise nos aspectos relacionados à expansão

da internet avaliando as formas de sociabilidade online, ao apontar o estudo de formas de

participação do cidadão nas redes, das organizações de base e dos movimentos sociais. Destaca

ainda, que a internet apresenta conflitos relacionados com a liberdade e a privacidade na

interação entre cidadãos, governo e empresas. Esta discussão sobre privacidade, liberdade e

segurança de dados na rede foi recentemente ampliada e debatida por Silveira (2017).

Pierre Lévy (2014), a sua vez, atribui ao mesmo fenômeno da sociedade de rede, o termo

ciberespaço.

O ciberespaço (que também chamarei de ‘rede’) é o novo meio de

comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo

especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas

também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os

seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao

neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (matérias e

intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores

que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÉVY,

2014, p.17).

Lévy (2014, p.13) é considerado um otimista por ele mesmo e por outros teóricos, em

suas análises e faz a seguinte reflexão: “não são os pobres que se opõe à Internet – são aquelas

cujas posições de poder, os privilégios (sobretudo os privilégios culturais) e os monopólios

encontram-se ameaçados pela emergência dessa nova configuração de comunicação”. O que se

percebe é que Castells (2003, 2013) de um lado se ocupa em entender a reorganização da vida

das pessoas que de uma forma ou outra, são afetadas pela sociedade em rede. Enquanto, Lévy

(2014) localiza o ciberespaço na dimensão ambivalente de indivíduos e máquinas, aliás, de

como as pessoas se relacionam, trabalham e produzem comunicação e informação. Para Pierre

Lévy (2014, p.107) “o ciberespaço permite a combinação de vários modos de comunicação”.

Ele já falava em correio eletrônico, conferências eletrônicas, hiperdocumento compartilhado,

sistemas avançados de aprendizagem ou de trabalho cooperativo e também sobre os mundos

virtuais multiusuários.

121

Até aqui nada de novo, talvez a novidade resida na forma com que a sociedade se

apropria desses vários modos de comunicação. O ciberespaço ou a sociedade em rede, como

preferir, se reinventa e junto com ele novas formas de olhar, de mergulhar e interagir nesse

universo. Desde sofisticadas plataformas interativas e de comércio eletrônico, por exemplo, à

criação de uma língua adaptada para a velocidade da internet, a qual palavras são suprimidas,

inventadas ou utilizadas como marcadores culturais por grupos específicos. Esses vários modos

de comunicação sofrem o que Sodré (2014) chama de efeito SIG (simultaneidade,

instantaneidade e globalidade), atravessados pela celeridade virtual.

4.3 Virtual

A palavra virtual evoca muitos sentidos, especialmente, a partir da mutação tecnológica

experienciada na nova forma de estar no mundo da vida. O senso comum dá margem para

entender o virtual como uma simulação da realidade por meio de jogos eletrônicos, estilo

second life, com a criação de avatares, da realidade aumentada etc. Para Lévy, (2014, p.48), o

virtual constitui o traço distintivo da nova face da informação, posto que a cibercultura propaga

a copresença e a interação social de quaisquer pontos “do espaço físico, social ou

informacional”. Ele ainda afirma que o fascínio pela realidade virtual decorre em partes pela

confusão decorrente de três atribuições diferentes à palavra virtual.

Na acepção filosófica, é virtual aquilo que existe apenas em potência e não

em ato, o campo de forças e de problemas que tende a resolver-se em uma

atualização. O virtual encontra-se antes da concretização efetiva ou formal (a

árvore está virtualmente presente no grão). No sentido filosófico, o virtual é

obviamente uma dimensão muito importante da realidade. Mas não uso

corrente, a palavra virtual é muitas vezes empregada para significar a

irrealidade - enquanto a ‘realidade’ pressupõe uma efetivação material,

presença tangível. A expressão ‘realidade virtual’ soa então como um

oxímoro, um passe de mágica misterioso. Em geral acredita-se que uma coisa

deva ser ou real ou virtual, que ela não pode, portanto, possuir as duas

qualidades ao mesmo tempo. Contudo, a rigor, em filosofia o virtual não se

opõe ao real mas sim ao atual: virtualidade e atualidade são apenas dois modos

diferentes da realidade. Se a produção da árvore está na essência do grão, então

a virtualidade da árvore é bastante real (sem que seja, ainda, atual) (LÉVY,

2014, p.49).

Sodré (2006, 2012) apresenta o virtual como uma espécie de prótese da realidade. A

despeito de um novo ordenamento do mundo, ou seja, de um espaço tecnossocial que forja uma

forma virtualizada de vida.

122

Há o real, o virtual (ou potencial), a sua representação (a linguagem) e o

possível. Enquanto estrutura, o real apresenta-se ou se faz ver como um

conjunto de ordenações do homem (intelecção, memória, fantasias,

representações) que pressupõe uma ordem de possíveis, isto é, de tudo que

não implique contradição ou tudo que não repugna existir [S. Tomás de

Aquino] (SODRÉ, 2006, p.123).

Para Vilém Flusser (2014, p.246), quando o conceito de virtual é colocado entre os

conceitos de real e fictício, caminhamos para perceber os deslocamentos entre as possibilidades

que caracterizam nosso entendimento ontológico do mundo. De igual modo, acontece quando

o provável é colocado entre os conceitos de falso e verdadeiro. Em ambos, domínios limítrofes,

podemos atribuir enunciados conceituais e escritos, matemáticos e informáticos. Apesar de

Flusser, não ter acompanhado as evoluções significativas da tecnociência e consequentemente

das profundas alterações no mundo da vida promovidas pelas tecnologias cibernéticas, (2014,

p.96-97), destaca:

Podemos nos deslocar não apenas para as galáxias, mas também para as

partículas das quais é feito o mundo. No caso das partículas, devo dizer que

me desloco para a partícula, se é que a partícula existe. Vou para um espaço

bastante estranho, que se pode formular apenas matematicamente. [...]

Quando me desloco para essa partícula, chego a histórias do tipo: uma

partícula pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, algo que se chama de

salto ‘quântico’. [...]. No cérebro acontecem os mesmos saltos virtuais que no

cosmo. Tanto o cérebro quanto o mundo são um espaço virtual, que é

computado, por um lado, como mundo interior do homem, e por outro, como

cosmo.

A partir da contextualização acima, podemos fazer algumas considerações sobre o

virtual. Ele apresenta-se como uma forma ampliada de estar no mundo, principalmente, no

tocante a dimensão espaço-temporal. Essa dimensão já não existe porque na medida em que

virtualizamos informações, relacionamentos, vida financeira, formação acadêmica

conformamos uma nova existência, e paulatinamente, mais imersos estamos no que Sodré

chama de bios virtual. Já não há mais uma separação fidedigna entre virtualidade e realidade,

como um oximoro, ambas convergem para uma sociedade informacional que ante a noção de

sociabilidade e de encurtamento de distâncias, prioriza o capital e a economia.

Não obstante, a repertório de ações disponibilizados pelo novo padrão comunicacional

de ubiquidade, instantaneidade, interatividade, hipertextualidade etc. estimula o indivíduo a

viver virtualmente e a cada dia estar mais imerso neste universo. Segundo a análise crítica de

Sodré (2012, p.190), essa ambiência “leva o indivíduo a viver virtualmente no espaço imaterial

123

das redes de informação, no bios virtual. O contato aí é mais do que simplesmente virtual – é

tátil, entendido como interação dos sentidos a partir de imagens simuladoras do mundo. ”

Em constante contradição, diríamos, vive-se na rede, busca-se variadas formas de

conexão e interação online, critica-se o isolamento social promovido pelo ciberespaço, critica-

se as relações frouxas e a miríade de amigos feitos e desfeitos nas redes. Ainda assim, não temos

uma alternativa a ela. Corroborando com Castells (2013) já vivemos no espaço híbrido, entre a

presença física e a presença virtual na rede.

4.3.1 Espaço intemporal

Sodré (2012, p.75) relembra que a percepção e a ação humana sobre as coisas do mundo

dependem do espaço e do tempo, nada existe fora desse universo. A compreensão aristotélica

de polis como uma comunidade de lugar, ou seja, como espaço marcado pelo sentido de

transcendência que extrapola a mera sobrevivência em grupo, assim, é percebida mais como

cosmo.

Diferentemente de espaço abstrato, lugar é a localização de um corpo ou de

um objeto, portanto é espaço ocupado. Território, palavra mais moderna, é o

espaço ampliado. Assim, hoje dizemos que território é o espaço afetado pela

presença humana, portanto, um lugar da ação humana. Só que essa localização

não é necessariamente física, pode ser a propriedade comum de um conjunto

de pontos geométricos de um plano ou do espaço. Aí, então, nossa referência

não é mais topográfica, mas topológica – a lógica das articulações do lugar,

portanto, a teoria das forças, das linhas de tensão e atração, presentes no laço

invisível que desenha a cidade como lugar comum (koiné) ou comunidade

(communitas). Nesses termos, lugar é uma configuração de pontos ou de

forças, é um campo de fluxos que polariza diferenças e orienta as

identificações (SODRÉ, 2012, p.74-75).

Castells (2000), por seu turno, fala sobre espaço de fluxos ao apontar que são as práticas

sociais que dominam e moldam a sociedade em rede. A passagem do sistema industrial para o

sistema capitalista traz alterações nas relações de produção, poder e experiência ao fundir ao

modificar as bases materiais da vida social, do espaço e do tempo. Na sociedade informacional

o tempo perde sua característica cronológica ao se transpor para o tempo intemporal, cuja lógica

é a anulação do tempo pela tecnologia. Capital, poder e comunicação eletrônica transitam pelos

fluxos de intercâmbios entre locais distantes e fragmenta a experiência humana ao permanecer

fixa ao lugar. Daí a importância que Castells atribui ao tempo em detrimento do espaço.

Voltando a Pierre Lévy (2014, p.94), o ciberespaço é o espaço de comunicação aberto

pela interconexão mundial dos computadores, de suas memórias e todo o conjunto dos sistemas

124

de comunicação eletrônica. Aliada a esta descrição técnica de computadores e conexões existe

o componente humano, que é o fundamental, os atores sociais sempre afetaram o espaço com a

percepção de novas maneiras de estar e de se relacionar no mundo da vida. Este espaço agora

ampliado é percebido como território, ora ocupado e afetado pela ação humana, ora ocupando

e afetando as relações sociais a partir de uma territorialidade simbólica.

A dimensão espaço-temporal vivenciada na internet, além de suprimir certas barreiras e

de encurtar distâncias, promove uma experiência desterritorializada na prática social. As

comunidades virtuais são bons exemplos, elas existem, porém desterritorializadas no espaço e

no tempo, mas ainda assim pertencem a um espaço simbólico e híbrido, como fora mencionado.

4.4 Comunidade virtualizada

Já discutimos que a ambiência proporcionada pelas tecnologias de informação e

comunicação forjou uma forma de vida virtualizada. Porém, bem anterior a ascensão do

capitalismo cognitivo e de sua forma requintada de administrar a economia e de emanar o poder

sem distribuí-lo, alterações profundas já estavam ocorrendo nas relações do homem com a

sociedade, devido ao progresso tecnoindustrial. Tönnies (1887) crítica a sociedade baseada em

relações contratuais e na individualidade, principalmente, por considerar que ambas tecem um

tipo de relacionamento superficial, sem vínculos orgânicos. Ele via na comunidade, baseada na

vontade coletiva a única saída para uma boa convivência entre os pares.

A comunidade de Tönnies era organicamente fundamentada por laços sanguíneos,

afetivos e territoriais. A comunidade romântica tönnesiana no século XXI está ressignificada.

O progresso, temido por ele, desembocou em alterações estruturais nas sociedades. A

convivência e interação social foram se modificando. As configurações relacionadas à família,

gênero, sexualidade e própria maneira de pensar o sujeito com sua subjetividade, se alteraram

ao longo do tempo. Daí delegar à contribuição de Tönnies e de outros pensadores da época a

definição de comunidade nos dias de hoje, torna-se discutível.

125

4.4.1 O comum, da comunidade

Em contrapartida, existem pontos importantes que precisam ser preservados para que

uma comunidade seja considerada como tal. Em suas diversas configurações desde a

comunidade tradicional, localizada apenas no território físico, àquelas que passam a ocupar

também o espaço virtual e ainda, as comunidades online, que se configuram a partir do

ciberespaço. Apesar da insistente utilização do termo comunidade para descrever qualquer tipo

de interação e compartilhamento online, existe um considerável debate acadêmico em relação

a adequação do termo.

Neste sentido, recorremos a Cicilia Peruzzo (2006, p.14) ao destacar que as

comunidades ainda se caracterizam por um modo de relacionamento com base na coesão, pela

convergência de objetivos, interação, sentimento de pertença, participação ativa,

compartilhamento de identidades culturais, corresponsabilidade e cooperação. Outro ponto

importante é a duração desta comunidade. Ela precisa durar o tempo necessário para que os

sujeitos vivam e tomem parte das características acima.

Kozinets (2014, p.15) é outro autor que resguarda algumas das definições clássicas a

respeito de comunidade ao tratar de comunidades e culturas online. Ele afirma que no ano de

1984, a pesquisadora Starr Roxanne Hiltz criou o termo comunidade online ao situar o

fenômeno mais no âmbito do trabalho do que para o lazer. No entanto, esclarece que o termo

comunidade virtual foi desenvolvido por Howard Rheingold, no ano de 1993, no qual se embasa

para realizar pesquisas etnográficas online.

Para Castells (2003, p.100), Rheingold deu tom ao debate ao defender uma nova forma

de comunidade, que reuniria as pessoas online em torno de valores e interesses compartilhados,

“criando laços de apoio e amizade que poderiam se estender também à interação face a face”.

Rheingold citado por Kozinets (2014, p.15), define comunidade virtual como “agregações

sociais que emergem da rede quando um número suficiente de pessoas empreende [...]

discussões públicas por tempo suficiente, com suficiente sentimento humano, para formar redes

de relacionamentos pessoais no ciberespaço”. Recuero (2009) embasada na definição acima,

esclarece que os elementos formadores da comunidade virtual de Rheingold são:

As discussões públicas; as pessoas que se encontram e reencontram, o que

ainda mantém contato através da internet (para levar adiante a discussão); o

tempo; e o sentimento. Esses elementos, dados através do ciberespaço, seria

um ser formadores de redes de relações sociais constituindo-se em

comunidades (RECUERO, 2009, p.137).

126

Para Kozinets (2014, p.41) “as comunidades online são fenômenos abundantes, e suas

normas e rituais são moldadas pelas práticas da cibercultura e dos grupos culturais gerais que

as utilizam”. Assim, essas comunidades online e os relacionamentos sociais estão em um estado

de transformação. Em outras palavras esses relacionamentos estão se alterando em função das

diferentes formas e liberdades disponíveis por meio das comunicações mediadas por

computador.

Para Lévy (2014, p.130), uma comunidade virtual pode ser desenvolvida a partir de

“afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de

cooperação ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das

filiações institucionais”. Já Castells (2003, p.48-49), com teor mais crítico anuncia que o mundo

social da internet pode ser tão diverso e contraditório como a própria sociedade. Apesar disso,

ele destaca duas características fundamentais das comunidades virtuais, a seguir:

a) a primeira característica de acordo com o analista é o valor de comunicação livre e

horizontal praticada nessas comunidades, mesmo em uma era dominada por conglomerados de

mídia e a burocratizações governamentais.

a) segunda característica diz respeito à possibilidade de qualquer ator social encontrar

qualquer destinação possível na internet, assim induzir a formação de rede.

Segundo Lévy (2014, p.130) as relações virtuais substituem os encontros físicos, nem

as viagens, que muitas vezes ajudam a preparar. Ele é enfático ao afirmar ser um erro pensar

nas relações sociais entre antigos e novos dispositivos de comunicação em termos de

substituição.

Lévy (2014, p.132) sustenta uma posição interessante ao afirmar que as comunidades

virtuais efetivam o contato de grupos humanos que, segundo ele, eram apenas potenciais antes

do surgimento do ciberespaço. Essas comunidades reúnem grupos antes dispersos pelo planeta,

muitas por afinidades, gostos, que agora dispõem de um lugar comum, lugar de troca, de

discussões etc.

Resguardadas as clássicas definições da comunidade tradicional vinculada a terra com

sua noção de pertencimento orgânico. E, ainda às outras configurações atribuídas a noção de

comunidade como vinculação social e, bilateralmente, associada à noção de com e ou comum,

cerne da comunicação e da comunidade. Percebemos que a própria comunidade é dinâmica, e

se altera no curso de sua historicidade. Quando pensamos na comunidade como um processo

dinâmico e em constante transformação não queremos diminuir a força contida em sua própria

127

razão de ser, outrossim, captamos esse entre do que ela é atualmente e de como se configura, e

só assim poderemos olhar para trás e percebê-la em sua totalidade.

Reiteramos, a ideia de laços territoriais ou físicos há muito já foram extrapolados, mas

a qualidade das agregações sociais, o afeto, as escolhas, os laços sociais, o senso de

pertencimento que une pessoas em seus relacionamentos na rede só pode ser estabelecido e

mantido se houver o com, ou o comum, da comunidade.

4.5 Entre nós, as redes

Rede social é comumente utilizada como sinônimo para Facebook, Twitter, Instagram

etc., mas estes são apenas sites de redes sociais que ao agregar pessoas tornam-se uma rede.

Para Recuero (2009, p.69) uma rede social é sempre um conjunto de atores (nós) e de relações,

ou ainda, uma metáfora para tratar de grupos sociais. A autora elenca alguns valores

relacionados aos sites de rede social e sua apropriação pelos atores da rede. São eles,

visibilidade, reputação, popularidade e autoridade. Para Kozinets (2014, p.52-53) uma rede é

composta de “um conjunto de atores ligados por um conjunto de laços relacionais. Os atores,

os ‘nodos’, podem ser pessoas, equipes, organizações, ideias, mensagens ou outros conceitos”.

Atualmente 107 milhões de brasileiros acessam a internet, ou seja, 65% da população

com mais de 12 anos é o que revela o estudo da 15º edição do F/Radar43, realizado em 2016.

Durante as três últimas edições do F/Radar o Facebook liderou entre os sites de redes sociais

mais utilizadas. O envio de mensagens instantâneas, a participação em alguma rede e com 67%

o compartilhamento de conteúdo como textos, imagens ou vídeos são as atividades mais citadas

realizadas na internet, conforme a pesquisa TIC Domicílios44 realizada pelo Centro Regional

de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação – CETIC.br - com base no

percentual de usuários da internet no ano de 2014, com 94, 2 milhões. A Pesquisa de Mídia do

ano de 2015 também mostra que o Facebook é o site de rede social com maior adesão. “Entre

os internautas, 92% estão conectados por meio de mídias sociais, sendo as mais utilizadas o

Facebook (83%), o WhatsApp (58%) e o Youtube (17%)” (BRASIL, 2015).

43 A pesquisa F/Radar é realizada desde o ano de 2007 pela F/Nazca Saatchi & Saatchi em parceria com o Datafolha

e está na sua 15ª. Para saber mais acesse: <http://www.fnazca.com.br/>

44 O objetivo geral da pesquisa TIC Domicílios é medir o acesso e os usos da população brasileira em relação às

tecnologias de informação e comunicação. O período de realização da pesquisa foi de outubro de 2014 a março de

2014. Foram realizadas 19.211 entrevistas em 349 municípios brasileiros. Para saber mais acesse:

<http://cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2014_coletiva_de_imprensa.pdf>

128

O aumento exponencial de acesso aos sites de rede de relacionamento e outros

dispositivos de mensagens instantâneas tem favorecido a um novo tipo de interatividade, que

privilegia “vários modos de interconexão entre máquinas e entre estas os homens” (SODRÉ,

2012, p.164). Nestes espaços de fluxos e conexões, as interações online mudam a própria

percepção dos “nós” em suas práticas sociais cotidianas, já não existe a noção de estar online

ou offline, os “nós” simplesmente estão em rede e entre redes.

4.5.1 Interação Online

“Há uma vertigem permeando as relações, tudo se torna vacilante,

tudo pode ser deletado: o amor e os amigos” (Bauman).

As interações no ambiente virtual são realizadas por intermédio de vários dispositivos

comunicacionais, tais como, sites de relacionamento, listas de discussão, aplicativos de

mensagens instantâneas, blogs, microblogs, jogos online etc. Dá ponta da língua a ponta do

dedo, a interação homem-máquina e a interação homem-máquina-homem se aprimora

diariamente. Quando essa interação permanece no plano homem-máquina parece não haver

reciprocidade, mesmo assim existe ali uma interação. O ser social nasce interagindo com o

meio, com seus artefatos culturais e também tecnológicos. Mas há que se observar o sentido

atribuído à interação. Desde o sentido atribuído a performance do dispositivo tecnológico

aquele cujo meio serve para a interação humana.

De acordo com Kozinets (2014), os primeiros estudos sobre interação online foram

baseados na teoria da psicologia social e em testes experimentais. Tais trabalhos sugeriram que

o meio online oferecia uma base precária para atividade sociocultural. A afirmação se fazia

porque para tais trabalhos não havia sentimento de presença social no meio online, presumindo

uma incerteza na comunicação porque o meio online reduzia a capacidade de transmitir

informações não verbais como tom da voz, sotaques, gírias, expressões faciais, postura etc.

Outra linha de estudo sugeria que os participantes de comunidades online estariam

sujeitos a uma espécie de achatamento de hierarquias, na qual o status social é igualado e as

diferenças sociais minimizadas. Esses cientistas, conforme Kozinets (2014) consideravam que

a tecnologia por trás das comunidades e das interações online sabotavam a estrutura social

adequada para relações sociais acolhedoras.

No entanto, não demorou muito para que outros estudos começassem a questionar essas

suposições e os resultados obtidos com as pesquisas sobre interação online. A análise do

129

conteúdo das comunicações mediadas por computador começou a revelar outras formas de

transmitir informações. Os membros de grupos sociais pareciam desenvolver a capacidade de

expressão na forma escrita, dos quais as pesquisas anteriores revelaram estar ausentes. A

passagem da cultura oral à cultura da escrita como bem lembra Lévy (2014, p.116), foi a

primeira grande transformação na ecologia das mídias. A emergência do ciberespaço, de fato,

produziu e produz um efeito radical sobre a pragmática das comunicações assim como teve, em

seu tempo, a invenção da escrita.

4.5.2 Interação ou representação?

A comunicação mediada por computador (CMC) e recentemente, outros dispositivos

comunicacionais, conforme exposto, passou a revelar outras formas de transmissão de

informações. A dinâmica da comunicação e interação online passa a ser complementada com o

uso de símbolos eletrônicos45 na escrita - emoticons, posteriormente emojis, memes46 e

recentemente o retorno dos gifs animados47 e também a presença de erros ortográficos de forma

proposital, ausência de correções e letras maiúsculas etc. comuns aos navegantes do ciberespaço

– que servem como marcadores de expressões físicas, e principalmente, emocionais. No tocante

às pesquisas interdisciplinares sobre o ambiente online, segundo Kozinets, (2014, p.29) elas

demonstraram que, em vez de serem socialmente empobrecidos os mundos sociais que estavam

sendo construídos por grupos online eram detalhados e enriquecedores.

Apesar da ampla utilização dos pictogramas para representar emoção ou algum tipo de

ou atividade o seu uso em escala mundial, principalmente pela geração Z48 tem mexido não só

com o pragmatismo da nossa língua, mas principalmente com a forma na qual estruturamos

antigas e novas relações. Da virtualidade das interações sociais, emojis, por exemplo, estão

45 Emoticons são símbolos frutos de combinações de caracteres do teclado de um computador, por exemplo, as

carinhas [ :) :( ].

Emojis são pictogramas [👩🌾 👨🌾] que também agrupam os caracteres dos emoticons, mas no formato de

desenho. A utilização mundial deste último, fez com que fossem catalogados mais de 1.000 ícones. Eles podem

ser consultados na Emojipedia disponível em <http://emojipedia.org/>. 46 O termo meme significa basicamente imitação. É um recurso utilizado na internet e está associado ao fenômeno

da viralização de informações, vídeos, imagens, ideias, ou seja, de qualquer discurso difundido na rede e que cai

no gosto dos internautas para enfatizar, dramatizar, criticar discursos etc. 47 Gif (Graphic Interchange Format) é um formato de ficheiro de imagens, sendo muito utilizado na internet devido

à sua capacidade de compressão. Já o gif animado é uma variante desse formato de ficheiro, que permite a

compactação de várias imagens em só arquivo. Atualmente esse tipo de gif é utilizado como emoticons em

mensageiros instantâneos e em sites de redes sociais, por exemplo. 48 Constituída por pessoas que nasceram entre os anos de 1990 até 2010.

130

dispostos no mercado de consumo figurando copos, utensílios, almofadas e inclusive, como

tema para eventos e festas de aniversário.

Neste ponto, há que se observar como a interação online está reconfigurando a vida

cotidiana, inclusive, dos atores sociais que não utilizam aplicativos de mensagens para se

comunicar, e eles ainda existem, e são muitos. Nos jornais, nas novelas nas ruas, essa

“linguagem”, exclusiva do ambiente virtual, é agora apropriada. E assim, um novo ciclo de

oportunidades aparece no espaço de fluxos (CASTELLS, 2003) preconizado pelo capital.

Segundo Kozinets (2014, p.15) “os websites de redes sociais e mundos virtuais levam

os complexos marcadores de muitas culturas e ambos manifestam e forjam novas conexões e

comunidades”. Bauman (2016, online)49 não é tão otimista quanto Kozinets (2014) ao se referir

às relações virtuais. O sociólogo da modernidade líquida afirma que nos relacionamentos

virtuais não existem discussões que terminem em abraços vivos, as discussões são mudas,

distantes. As relações começam ou terminam sem contato algum (BAUMAN, 2016, online). O

tempo, em sua dimensão cronológica vê-se aí comprimido nas imagens e símbolos que ora vão

atribuindo novos significados e sentidos a realidade concreta. Já que o encurtamento de

barreiras geográficas e a instantaneidade de envio e recebimento de mensagens via dispositivos

digitais, e em tempo real, tende a favorecer a esse tipo de interação. Menos palavras e mais

imagens vão modificando não só tempo, mas à maneira de se relacionar com o outro.

“Tudo é transitório. Não há a observação pausada daquilo que experimentamos, é

preciso fotografar, filmar, comentar, curtir, mostrar, comprar e comparar”, alerta Bauman

(2016, online). Apesar da análise acurada de Bauman, da qual comungamos em grande parte,

também é coerente observávamos as próprias contradições do capital. E uma delas, diz respeito

à apropriação da internet como alternativa às mídias de massa50 pela sociedade civil, em

especial, por movimentos e organizações sociais que lutam por demandas coletivas,

prioritariamente, pela mudança de status quo. Nesta perspectiva, como demonstra Lévy (2014,

p.248) o ciberespaço favorece novas potencialidades abertas de interconexão e digitalização da

informação. Ele apresenta essas potencialidades em quatro pontos, inclusive, alguns foram

destacados anteriormente, a saber: o fim dos monopólios da expressão pública, a crescente

variedade dos modos de expressão, a disponibilização crescente de filtros nos sistemas de busca

49 Disponível em <https://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/08/estamos-solidao-multidao-mesmo-

tempo.html> Acesso em out. 2017. 50Assim como Lévy (2014), entendemos como mídias de massa os dispositivos de comunicação que difundem

uma informação organizada e programada a partir de um centro, em direção a um grande número de receptores

anônimos e isolados entre si.

131

por conteúdo específico e a interação online no ambiente virtual (LÉVY, 2014, p.248). Apesar

disso, não significa dizer que esse espaço de conexão mundial descentralizado possibilite a

paridade entre governo, empresa e sociedade civil organizada no tocante ao conjunto da rede,

especialmente, no controle da informação.

4.6 Comunicação organizativa

Cicilia Peruzzo (2004) em Comunicação nos movimentos populares traça uma analítica

sobre a participação popular nos processos de produção, planejamento e gestão dos veículos de

comunicação que se constituem no âmbito dos movimentos sociais populares. Tais análises

foram feitas quando a utilização da internet ainda era bem tímida. Ainda assim sua pesquisa é

extremamente atual, pois analisa a comunicação dos movimentos sociais populares a partir de

suas práticas concretas e que vão se diferenciando no decorrer de suas trajetórias.

Seu estudo tornou-se referência tanto para a academia como para os comunicadores

comunitários/populares por refletir a própria prática dos movimentos. No terceiro capítulo

mencionamos esse aspecto importante na perspectiva de Peruzzo, a partir de uma leitura das

fases - mobilização, organização, articulação e parcerias - pelas quais os movimentos sociais,

em sua maioria, transitam historicamente. Esse entendimento nos ajudou na contextualização

deste estudo, porque ao refletir sobre as fases dos movimentos aqui analisados percorremos

pelas suas práticas comunicacionais e como elas estão sendo alteradas com o uso das TICCS.

Historicamente os movimentos sociais expõem e compartilham o comum, bem antes do

advento da internet e da visibilidade conseguida por meio das redes sociais digitais. A luta

comum de muitos homens e mulheres, excluídos de direitos básicos como saúde, moradia,

educação etc. continua a cada dia mais visível e premente. Eles e elas expõem, compartilham e

essencialmente querem que suas reivindicações e desejos por melhores condições de vida sejam

ouvidos e atendidos. Esse pôr em comum faz parte da natureza da comunicação.

Juan Díaz Bordenave (1997) descreve a importância e a dinamicidade da comunicação

na vida das pessoas. Reconhece, inclusive, as múltiplas formas de fazê-la, desde a interpessoal,

passando pelos folhetins aos alto-falantes até o desenvolvimento das redes telemáticas de

comunicação. No livro “O que é a Comunicação” o autor compara a evolução da comunicação

ao longo do tempo, dos grunhidos à comunicação por satélite ao desenvolvimento de uma

árvore.

132

Assim como cresce e se desenvolve uma grande árvore, a comunicação evolui

de uma pequena semente – a associação inicial entre um signo e um objeto –

para formar linguagens e inventar meios que vencessem o tempo e a distância,

ramificando-se em sistemas e instituições até cobrir o mundo com seus ramos.

E não contente em cobrir o mundo, a grande árvore já começou a lançar seus

brotos à procura das estrelas (BORDENAVE, 1997, p.23).

A analogia apresentada pelo autor demonstra que a comunicação evoluiu e se

aperfeiçoou na produção de seu conteúdo e em seus meios de divulgação, assim como passou

a influenciar a vida cotidiana das pessoas, “incidindo na cultura, na econômica e na política das

nações” (BORDENAVE, 1997, p.34). Movimentos sociais e setores subalternizados da

sociedade civil, em grande parte, desenvolvem a sua política de comunicação a partir da

realidade local, dos escassos recursos disponíveis e/ou inexistentes, do nível de participação e

engajamento dos atores sociais envolvidos. Aliás, essa comunicação faz mais sentido quando é

utilizada como instrumento político, de organização e participação popular.

A sua vez, Manuel Castells (2013, p.19-20) afirma que os movimentos sociais sempre

dependeram de mecanismos de comunicação. Assim como Bordenave (1997), o estudioso da

sociedade em rede cita como exemplo, variadas formas de comunicação que vão desde os

boatos, sermões, panfletos aos manifestos difundidos a partir de qualquer meio de comunicação

disponível. Castells (2013, p.19-20) acompanhando as transformações sociotécnicas aponta que

em nossa “época, as redes digitais, multimodais, de comunicação horizontal, são os veículos

mais rápidos e mais autônomos, interativos, reprogramáveis e amplificadores de toda a

história”. E ainda afirma que:

As características dos processos de comunicação entre indivíduos engajados

em movimentos sociais determinam as características organizacionais do

próprio movimento: quanto mais interativa e autoconfigurável for a

comunicação, menos hierárquica será a organização e mais participativo o

movimento. É por isso que os movimentos sociais em rede da era digital

representam uma nova espécie em seu gênero (CASTELLS, 2013, p.19-20).

Aproximando o pensamento de Bordenave e Castells independentemente dos meios e

tipos de comunicação apontados, dos mais rudimentares às suas transformações ao longo do

tempo, elaboramos a seguinte proposição: o essencial não é o tipo de plataforma de

comunicação ou meio utilizado, mesmo com as novas configurações demandadas pela internet,

do tipo faça você mesmo e do barateamento dos custos de operacionalização e capacitação

técnica das pessoas envolvidas com a comunicação “oficial” do movimento. Mas sim a própria

133

dinâmica comunicacional entre os atores envolvidos – dos líderes aos militantes - e como ela

será facilitadora e ao mesmo tempo complexa para a organização política do movimento.

Referenciar o esquema sobre a evolução da comunicação proposto por Bordenave

(1997) é pensar a metáfora elaborada por Deleuze e Guattari (1995a, p.17), “não existem pontos

ou posições num rizoma como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem

somente linhas”. Os autores se afastam do esquema da árvore na dimensão do signo linguístico

- significado e significante51- de Ferdinand de Saussure, por acreditarem que a representação e

o decalque não dão conta de traduzir a ação e o devir da própria realidade. Assim, o significante

remete-nos a uma representação do real já o rizoma nos aproxima mais do real.

Toda lógica da árvore é uma lógica do decalque e da reprodução. Tanto na

Lingüística quanto na Psicanálise, ela tem como objeto um inconsciente ele

mesmo representante, cristalizado em complexos codificados, repartido sobre

um eixo genético ou distribuído numa estrutura sintagmática. Ela tem como

finalidade a descrição de um estado de fato, o reequilíbrio de correlações

intersubjetivas, ou a exploração de um inconsciente já dado camuflado, nos

recantos obscuros da memória e da linguagem. Ela consiste em decalcar algo

que se dá já feito, a partir de uma estrutura que sobrecodifica ou de um eixo

que suporta. A árvore articula e hierarquiza os decalques, os decalques são

como folhas da árvore. Diferente é o rizoma, mapa e não decalque. Fazer o

mapa, não o decalque. A orquídea não reproduz o decalque da vespa, ela

compõe um mapa com a vespa no seio de um rizoma (DELEUZE;

GUATTARI, 1995a, p.22)

De acordo com Deleuze e Guattari (1995a, p.22) “se o mapa se opõe ao decalque é por

estar inteiramente voltado para uma experimentação ancorada no real. O mapa não reproduz

um inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o constrói.” Aproximar a comunicação dos

movimentos sociais da dimensão rizomática é perceber que eles ao longo de história estão se

modificando, assim como as linhas de fuga que não param de se remeter umas às outras. Num

estante, essas linhas e rotas de fuga podem se reencontrar, atribuindo novamente o poder ao

significante.

Certamente, movimentos sociais que buscam por um novo projeto político e

emancipador, que lutam por suas demandas específicas precisam mesmo é alcançar a terra que

fortalece os rizomas e não somente as estrelas. Para concluir, elaboramos outra proposição:

portanto, quanto mais rizomática for a comunicação e consequentemente a participação política

e organizacional dos membros que compõe o movimento mais interativa será a comunicação,

51 Para saber sobre significado e significante na perspectiva dos autores veja Mil Platôs. Capitalismo e

Esquizofrenia. v. 1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.

134

no sentido proposto por Muniz Sodré (2010) e também autoconfigurável como demonstra

Castells (2013).

4.7 A prática da comunicação nos movimentos sociais

De acordo com Peruzzo (2004) na prática da comunicação popular os movimentos

sociais brasileiros estão construindo algo de novo, ou seja, uma expressão de interesses

coletivos que trazem em seu interior um esforço pela autonomia com fazer democrático num

novo espaço de ação política. Segundo a autora (2004, p.148) neste processo os movimentos

sociais forjam sua própria comunicação, a que entendemos como comunicação comunitária,

desenvolvida no contexto em que atuam, primordialmente para expressão em nível local e para

divulgação de conteúdos específicos das demandas do próprio movimento.

Porém, na perspectiva dos movimentos sociais entendidos nesta pesquisa como

propulsores de mudanças estruturais da sociedade, no contexto da ação coletiva, eles buscam

novas formas de fazer sua comunicação e não coadunam com meios massivos quando a grande

tendência desses meios é criminalizar as ações desenvolvidas pelos movimentos sociais,

principalmente, aqueles que lutam pela transformação da sociedade e da ordem vigente. De

igual modo, também forjam sua comunicação que é expressa desde o nível local ao nacional.

No contexto das décadas de 1980 e 1990 os canais de comunicação utilizados pelos

movimentos eram modestos. De acordo com Peruzzo (2004, p.148), o que compõem esses

canais são os meios grupais, impressos, visuais, sonoros e audiovisuais: “festas, celebrações

religiosas, teatro popular, música, poesia, jornalzinho, boletim, mural, panfleto, cartilha,

folheto, cartaz, faixas, camisetas, fotografias, filmes” [...]. Os canais utilizados se

caracterizavam principalmente como um instrumento simples e de baixo custo em um grande

contraste com o progresso tecnológico já disponível na sociedade à época, porém inacessível

para a maioria das pessoas. A realidade hoje não é diferente mesmo com o advento da internet.

Ainda existem diversas comunidades rurais espalhadas pelo Brasil e a grande maioria não tem

rádios comunitárias e ou acesso à internet.

Peruzzo (2004, p.149-154) também aponta várias limitações na produção da

comunicação comunitária, como por exemplo, abrangência reduzida, inadequação dos meios,

uso restrito dos veículos, pouca variedade, falta de competência técnica, conteúdo mal

explorado, instrumentalização, carência de recursos financeiros, uso emergencial, ingerências

135

políticas, participação desigual. Para Miklos (2014. p.111) “o veículo comunitário é

apresentado com uma perspectiva educacional e formativa, proporcionando um consumo crítico

da informação.” Não obstante, há que se observar a realidade concreta do grupo e ou movimento

para enfatizar a perspectiva apresentada pelo autor.

4.8 Publicidade social, sim!

Publicidade do latim publicus, é o ato de tornar público, divulgar. Propaganda do latim

propagare significa plantar, mergulhar, propagar princípios e ideias. Publicidade e propaganda

são duas ferramentas muito discutidas e controversas, ainda mais em uma corrente de estudos

como a comunicação comunitária. Embora muitos profissionais considerem a mesma coisa, os

objetivos são distintos. Para Rafael Sampaio (2003, p.27) “propaganda é a divulgação de um

produto ou serviço com o objetivo de informar e despertar interesse de compra/uso nos

consumidores”. Sampaio (2003, p.27) utiliza três definições de termos da língua inglesa para

explicar a abrangência da propaganda. São eles: a) advertising: Anúncio comercial; b)

Publicity: informação disseminada editorialmente; c) Propaganda: propaganda de caráter

político, religioso ou ideológico.

Não obstante, para Sampaio as três definições descritas acima ao serem utilizadas no

Brasil se entrelaçam nos termos publicidade e propaganda, daí sua utilização como termos

correlatos. Já para Neuza Demartini Gomes (2001, p. 111) publicidade e propaganda não são

termos sinônimos, assim há que se resguardar a utilização dos mesmos.

A carência de recursos financeiros é um ponto crítico que afeta organizações populares.

Em muitos casos as pessoas não têm dinheiro para se deslocar até a sede do movimento para

participar de reuniões, assim como é difícil fomentar veículos apoiado por recursos da própria

comunidade. Uma forma para driblar este problema está em conseguir verbas mediante projetos

apresentados a instituições financiadoras, por meio de editais públicos ou na própria

arrecadação de fundos como anúncios comerciais, festas populares, donativos. Problemas

financeiros são um complicador da própria comunicação comunitária porque pode pôr em risco

a continuidade do trabalho e a autonomia do grupo. Este é um problema de difícil solução e já

amplamente debatido na subárea da comunicação comunitária, mas que ainda merece ser

observado e debatido em pesquisas posteriores.

Em nosso entendimento a utilização da publicidade social já vigora entre muitos

movimentos e grupos organizados, que notadamente, utilizam-se das ferramentas, mas sem

136

necessariamente nomeá-las. “Embora as técnicas de publicidade e propaganda sejam

direcionadas para o mercado, isto não significa que estas ferramentas não possam vir a ser

usadas na comunicação popular, de maneira que sejam adaptadas e transformados numa

publicidade social” (SILVA, 2005, p.3-4). E não há nenhum problema nisso, quando a

publicidade é incluída para a autossustentação do movimento, para o desenvolvimento local e

particularmente para gerir a sua comunicação. Essa noção mecanicista da publicidade é fruto

da apropriação do sistema capitalista cujo objetivo principal é a acumulação do capital.

Saldanha (2015) elucida nossa explicação quando esclarece que:

A Comunicação Comunitária se concentra no resgate e na valorização do território

e, por isso mesmo, precisa ser entendida coexistindo “no contexto da sociedade de

massa” globalizada. Se a comunicação acontece no momento em que a partilha de

sentido se torna comum tanto para quem emite, como para quem recebe, e um dos

espaços para a concretização do ato comunicacional é a Comunidade, é possível

reconhecer a ligação da Comunidade no campo da Comunicação Social. Da forma,

a Publicidade pode ser pensada no ambiente comunitário, mesmo que aparentemente

sejam contraditórios (SALDANHA, 2015, 717).

Ao longo dos últimos anos temos observado a apropriação da publicidade como

ferramenta de divulgação/promoção de produtos comercializados pelo MST. À primeira vista

a assertiva não corresponde ao discurso do movimento sobre a utilização da publicidade. Em

outra pesquisa (SILVA, 2005) levantamos a hipótese da utilização da publicidade pelo MST,

inclusive, sugestionamos que a publicidade produzida por eles poderia se enquadrar em tipo de

publicidade moderada ou social. No entanto, o movimento tratou de rebater ao nosso

questionamento e em uma longa explanação durante a entrevista, explicou que não faziam uso

da publicidade em suas comunicações, mas sim que utilizavam a propaganda ideológica. A

grande questão reside menos na apropriação do termo, e mais nos usos que são feitos de

determinados dispositivos, ora engendrados de tal forma pelo sistema capitalista, que se torna

um disparate a publicidade servir a outra lógica que não seja a mercadológica. O que seria então

a propaganda ideológica ao agitar pessoas, discursos e dispositivos?

A publicidade social também pode ser utilizada para difundir ideias, produtos e serviços,

principalmente ao ser utilizada como uma ferramenta comunitária. Em nosso entendimento

quatro perguntas básicas são necessárias para fundamentar uma publicidade social: Quem

somos? Em que acreditamos? Como queremos que nos vejam? O que fazemos?

A seguir elencamos também seis importantes categorias iniciais para o

desenvolvimento deste tipo de publicidade. São elas: comunidade; vínculo; marca; organização;

território e negócio social. Estas categorias apresentadas podem atuar em conjunto, ou

137

isoladamente, isso vai depender do nível de organização de determinado movimento e/ou

comunidade.

A publicidade social utilizada como uma ferramenta comunicacional comunitária pode

auxiliar no desenvolvimento autossustentável de um meio comunitário dentro de uma

comunidade, por exemplo. Pode contribuir com a geração de vínculos entre os membros de

uma comunidade ao criarem, por exemplo, uma marca do local. E assim, podem promover os

produtos desenvolvidos peles moradores e fomentar a circulação do dinheiro na comunidade.

Outro ponto é que a publicidade social pode contribuir com a organização da comunidade em

termos de desenvolvimento local, de cuidado com os bens públicos gerenciados pelo coletivo.

Outra perspectiva importante é a noção de território que pode ser resgatada, tanto o físico quanto

o simbólico, no qual o sujeito passa a se perceber e a ser percebido dentro daquele local como

sujeito de sua história, e assim, passa a valorizá-lo. Por último, mas não menos importante é a

noção de negócio social formado pelo coletivo. A publicidade pode ajudar na divulgação dos

produtos e na construção de marcas que expressam o valor ou valores daquela localidade, e

conforme mencionado existe a geração de riqueza que vai circular dentro da comunidade.

Apesar do quesito financeiro e de autossustentação dos meios comunitários ser um

complicador para a continuidade de seus trabalhos, existem muitos aspectos positivos na prática

comunicacional dos movimentos (PERUZZO, 2004): diversificação dos instrumentos,

apropriação de meios e técnicas, conquista de espaços, conteúdo crítico, autonomia

institucional, articulação da cultura, elaboração de valores, formação das identidades,

mentalidade de serviço, preservação da memória, democratização dos meios, conquista da

cidadania. Nesse sentido, concordamos com a autora quando afirma que a comunicação dos

movimentos representa um campo rico em significação em termos políticos e culturais.

Alguns movimentos sociais trabalhados nesta pesquisa, mesmo com limitações

apresentam experiências avançadas de comunicação e que envolvem a participação conjunta.

Inclusive, observamos nos movimentos sociais analisados a presença dos pontos positivos

elencados acima. Líderes e militantes de grupos organizados de alguma forma podem produzir

e contribuir para uma comunicação que realmente seja útil ao processo de educação para a

cidadania e para a transformação social, ou seja, para o projeto de soberania popular.

Após apresentar as limitações e os pontos positivos na prática comunicacional

desenvolvida por segmentos subalternizados da sociedade - lembrando sempre que tais

processos são dinâmicos e que podem avançar ou se modificar em sua realidade concreta –

abordaremos a emergência dessas práticas na internet.

138

Até aqui mencionamos as características alinhadas por Cicilia Peruzzo (2004), inclusive

ela relata experiências avançadas na comunicação comunitária no âmbito dos movimentos

populares na América Latina. As limitações e os pontos positivos mencionados não deixam de

ocorrer no caso dos movimentos sociais que trabalhamos na pesquisa, seja em maior ou menor

escala. No último capítulo demonstramos como essas características se apresentam no contexto

dos 10 movimentos sociais mapeados no espaço híbrido da internet.

4.9 Movimentos sociais na internet

Na atualidade presenciamos a emergência de novas mídias, de novas formas de fazer e

compartilhar comunicação. Desde o refinamento da técnica propriamente dita como a CMC,

agora, comunicação online, ao espraiamento da comunicação pelo globo e em tempo real. Esta

última, com as possibilidades aventadas a partir da internet, assunto que trataremos mais

adiante. Os autores, Briggs e Burke (2006, p.15) orientam que a mídia precisa ser vista como

um sistema que está em constante mudança. E ao serem introduzidas novas mídias no sistema

de comunicação, ainda assim, antigas e novas coexistem e interagem.

Segundo Peruzzo (2010, p.231) ao que se refere à comunicação mediada por

computador ela contribui para ampliar os canais de participação ativa dos cidadãos e cidadãs.

A pesquisadora afirma que existem experiências crescentes que abarcam dinâmicas

colaborativas em rede com a participação autônoma dos sujeitos, desde comunidades virtuais

até sítios colaborativos. Para Miklos (2014, p.111), a comunicação comunitária “engloba os

meios tecnológicos e outras modalidades de canais de expressão sob controle de organizações

comunitárias e movimentos sociais”. Contudo, a ampliação desses canais de comunicação pode

se apresentar de forma distinta, assim como acontece com a comunicação mais rudimentar,

dependendo do nível de participação do grupo.

a. Convergência

Como a própria etimologia da palavra indica, convergência significa convergir, ou seja,

possibilitar que caminhos se encontrem. Para Henry Jenkins (2009, p.27-28), o sentido que a

convergência carrega vai contra o processo tecnológico que reúne várias funções dentro de um

único aparelho. “A convergência representa uma transformação cultural [...]”. Apoiamo-nos na

afirmativa de Jenkins, porque a convergência é um processo que vai se desenrolar em nosso

139

intelecto e nas práticas culturais, por conseguinte, nas mídias, nos aparelhos e nos sentidos que

atribuímos a eles.

De uma forma ou de outra, a comunicação dos movimentos sociais sempre existiu via

folhetos, marchas, reuniões etc., com o desenrolar da história novos processos comunicacionais

aparecem, desaparecem, ou passaram a ser utilizados com frequência menor. Tais processos

vão depender do contexto, dos recursos financeiros e materiais. Na atualidade, temos visto a

manifestação desta convergência e maneira como ela tem acontecido no âmbito dos

movimentos sociais. De forma gradual e convergente eles passam a atuar no espaço híbrido de

comunicação. A comunicação que sempre aconteceu no bojo dos movimentos sociais, se

reinventa e conquistam outros espaços, outros dispositivos apoiados nas TICCS.

Durante o ano de 2005 realizamos pesquisa52 sobre as formas de comunicação dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Naquela época a internet já tinha expressividade, não

como nos dias de hoje, mas já disponibilizava várias formas de conexão no universo online.

Desde a disponibilidade de criação de blogs, sites institucionais, participação em site de redes

de relacionamento, como o antigo Orkut, criação de web rádios, dentre outros. Do universo da

internet à época, o MST possuía apenas um site institucional que abordava a história do

movimento, sua mística, notícias, entre outros conteúdos. No estudo realizado fizemos o

levantamento dos seus principais instrumentos de comunicação, que colaboram para forjar a

identidade coletiva, política e cultural do movimento:

Como instrumentos de comunicação, possuem os seguintes meios: Jornal Sem

Terra, Revista Sem Terra, Assessoria de Imprensa, Página na Internet e Rádio

Comunitária (Vozes da Terra). Entretanto, a visibilidade é fortemente mantida

através de marchas com a bandeira erguida, acampando à beira de estradas e

em praças públicas, realizando vigílias, atos ecumênicos, ocupando fazendas

e órgãos públicos. A partir daí forma-se a identidade social do MST. É através

dessas ações coletivas, tidas por muitos como transgressoras da ordem legal,

que a identidade dos “sem-terra” é construída e é desta maneira que o MST se

constitui como sujeito coletivo (SILVA, 2005, p.36).

Hoje esta realidade está sendo modificada, na verdade ampliada culturalmente.

movimentos sociais tradicionais como MST e o Movimento dos Atingidos por Barragens

(MAB), já ampliaram suas formas de comunicação a partir das possibilidades apresentadas

pelas TICCS. Desde sua origem, o MAB foi reconfigurando sua comunicação e hoje uma de

52 Trabalho de conclusão de curso (TCC), sob o título: Formação e informação do MST. Comunicação e cidadania

como expressão coletiva de organização.

140

suas importantes frentes de atuação é a comunicação na internet. O MST também circula pelo

espaço híbrido da internet e mantém seus canais online atualizados. Agora, o que isso significa

em termos de participação e de disputa pelo espaço digital ainda não sabemos. O fato é que por

trás de toda ação existe uma intencionalidade política, principalmente, quando abordamos

movimentos sociais que buscam alterações estruturais da sociedade e do sistema que a constitui.

b. Participação na internet

Movimentos sociais, manifestações públicas, comunidades virtuais e redes online não

são espaços intocáveis (PERUZZO, 2017). A comunicação é um direito humano, e como tal

precisa ser garantido e exercido, pelo menos. Vimos à explosão dessa vontade de comunicar a

partir dos levantes da Primavera Árabe, dos diversos protestos espalhados pelo mundo e os

reflexos das manifestações que eclodiram no Brasil no ano de 2013. Para Castells (2013, p.11)

a mudança fundamental ocorrida nos últimos anos está no domínio da comunicação, no que ele

denominou como autocomunicação, ou seja, “o uso da internet e das redes sem fio como

plataformas da comunicação digital”. Castells (2013), as manifestações começaram nas redes

sociais digitais, porque estas são espaços de autonomia, que perpassam controles

governamentais e empresariais já que ao longo da história, ambos, haviam monopolizado os

canais de comunicação como base de seu poder.

Segundo Castells (2013) as manifestações não foram protestos espontâneos, mas sim

provocados por descontentamentos muito antigos ligados a organizações das sociedades civis

que existem em determinados países, sob a perspectiva social, política, econômica e ditatorial.

Nesse sentido, os atores sociais formaram redes, independente de suas opiniões ou filiações, se

uniram e compartilharam indignação e desejo por mudança, essas são análises otimistas

apresentadas por Castells (2013) sobre as recentes manifestações ocorridas no mundo e também

no Brasil.

Contudo, há que se diferenciar os protestos brasileiros – devido a uma demanda muito

específica, o aumento do preço das passagens de ônibus e metrô em São Paulo, e também,

transitória - dos movimentos sociais e grupos organizados anteriores ao movimento dos

indignados, assim denominado por Gohn (2014).

Nesse contexto os meios hegemônicos de comunicação, especialmente a televisão,

repercutiam as notícias que eram veiculadas em tempo real pelos próprios manifestantes e por

coletivos de comunicação, como a Mídia Ninja53. Em um primeiro momento para inviabilizar

53 A Mídia Ninja é uma rede de comunicação livre criada no ano de 2013 a partir das manifestações ocorridas no

Brasil e que levaram milhões de pessoas às ruas. Na ocasião realizou coberturas ao vivo nos protestos, com pontos

141

ou denegrir as ações dos grupos organizados. E em um segundo momento, a mídia hegemônica

passava a pautar suas notícias a partir dos assuntos e demandas veiculadas na internet, oriundos

das páginas ou canais de comunicação dos atores envolvidos. Peruzzo (2017) analisa o papel

da mídia hegemônica e também dos manifestantes durante os protestos e considera que:

Por um lado, as mídias convencionais penetram com suas versões e visões que

acabam ajudando a formar opiniões e a mobilizar quem participa desses

fóruns. Elas informam, mostram aglomerações, indicam lugares, apesar de

moldarem as reportagens segundo percepções de fora, visões de classe e da

própria política editorial. Tendem a desqualificar as manifestações [...]. Se não

fossem as mídias alternativas e as redes online no Facebook, Twitter,

Instagram etc. não saberíamos das muitas facetas reais dessas manifestações

públicas. Todos os meios editam, eis um bom motivo para que haja

diversidade deles. É uma das razões das lutas pela democratização da

comunicação. Só a amplitude de canais de comunicação e de emissores pode

ajudar na circulação diversificada de informações e dar conta das várias

dimensões que as grandes manifestações públicas contêm (PERUZZO, 2017,

p.11).

Não há como negar a importância das manifestações ocorridas no Brasil, pois sabemos

que as tecnologias de informação e comunicação tiveram um papel diferenciador no contexto

dos protestos. Velocidade, instantaneidade, popularidade e a emergência de novos

comunicadores, são aspectos marcantes dessas manifestações que apontam aos menos três

lados:

1. Tiros de borracha, spray de pimenta, porrada e bomba como reguladores da ordem

social.

2. Pedras, gritos de guerra e palavras de ordem, smartphones e câmeras.

3. A mídia hegemônica com sua visão maniqueísta das ações coletivas – que aos poucos –

foram se individualizando.

Este último aspecto, no que diz respeito a individualização das ações, diferencia

claramente a razão de ser dos movimentos sociais que buscam um bem comum daqueles outros

que, em partes, devido ao calor das emoções e da euforia tecnologizante fetichiza a ideia do

aqui e agora, do puro acontecimento. Resguardadas as diferenciações, os movimentos sociais

nas palavras de Castells (2013, p.17) são constituídos de indivíduos, de suas emoções, anseios,

subjetividade e autonomia e representam a chave para a mudança social.

de vista invisibilizados pela mídia tradicional. A Mídia Ninja busca formas de produção e distribuição de

informação a partir das novas tecnologias e de uma lógica colaborativa de trabalho. Para saber mais acesse

<http://midianinja.org/>

142

4.9.1 Armações

Os processos de comunicação desenvolvidos por alguns movimentos sociais na internet

de um lado são produzidos para circular na própria rede e causar repercussão e adesão dos

sujeitos e ou militantes que se identificam com a causa. No intuito de ocupar o espaço híbrido

da internet, e por vezes, pautar o noticiário dos veículos hegemônicos de comunicação. E por

outro, alguns movimentos utilizam a internet, apenas como mais um dispositivo de

comunicação. Em outras palavras, esses processos vão depender de algumas configurações do

movimento social em questão, por exemplo, da fase em que se encontra, da bandeira de luta e

do nível de organização.

Paralelamente, os movimentos sociais constroem alianças com outras organizações,

coletivos, associações, cooperativas no intuito de articular demandas específicas, de construir

projetos coletivos, ou simplesmente, para dar força e ampliar a luta coletiva. Ao juntar as

tecnologias a estes processos emancipatórios e de reivindicações cidadãs a participação é

ampliada e ecoada para outras instâncias, além da sociedade civil. Para Sodré (2012, p.175) na

prática, as tecnologias se entrelaçam com movimentos sociais, e mesmo com influências

externas, que se relevam amadurecidos num determinado momento histórico.

Assim é que as revoltas contra os governos de longa duração no mundo árabe

(monarquias e ditaduras militares) tinham no centro da movimentação grupos

islâmicos (como era bem o caso da Irmandade Mulçumana no Egito) – mas

principalmente uma classe média de considerável amplitude, com residências

próprias e participação importante no consumo tecnológico. No Brasil, por

sua vez, a campanha “ficha limpa” era de iniciativa da Confederação Nacional

dos Bispos do Brasil e de mais de 44 organizações da sociedade civil (SODRÉ,

2012, p.175).

No Brasil, são vários os exemplos das possibilidades de participação coletiva por meio

da “democracia eletrônica”, Sodré contextualiza a campanha popular pela exigência de “ficha

limpa” para candidatos ao parlamento no país no ano de 2010. De acordo com as explanações,

a partir das praças virtuais, milhões de assinaturas e mensagens levaram o Congresso a votar a

lei que proíbe o registro eleitoral a políticos condenados por crime grave. “A Lei da Ficha

Limpa, a despeito das eventuais dificuldades para sua completa aplicação, é provavelmente a

mais notável conquista da sociedade civil brasileira na primeira década deste século” (SODRÉ,

2012, p.173). Neste viés, Sodré (2012) acredita ser possível a aliança entre a imaterialidade do

espaço virtual à noção de uma territorialidade cultural. Em outras palavras, o campo cultural é

143

também o campo das diferenças sociais, que implicam uma redefinição do jogo de poder, que

é, sobretudo, político.

Em momento posterior, Peruzzo (2010) considera que as novas práticas possibilitadas

pelas TICCS atualizam as formas de comunicação de segmentos subalternizados da sociedade.

A pesquisadora salienta que essas práticas vêm do interesse social presente nos cidadãos e nas

organizações civis em interferir nos sistemas geradores e mantenedores da desigualdade,

além das possibilidades inovadoras, como a interatividade, criação de conteúdos apropriativos,

entre outras proporcionadas pelas tecnologias.

Na atualidade e na efemeridade do estado de coisas, quais armas os movimentos sociais

podem utilizar para perceber as idiossincrasias do poder no espaço de fluxos?

É preciso considerar o uso social da internet. Apesar dela faz parte da base que estrutura

as tendências mercadológicas, como a financeirização do capital alinhadas à comunicação e a

informação, pode servir aos movimentos sociais, a partir dos processos comunitários de

comunicação como ferramenta de articulação e mobilização cidadã. A sociedade em rede

apresenta-se de forma tão ambígua, que existe possibilidades participativas através da criação

de conteúdos autênticos que sejam relativos aos próprios setores subalternizados. A mesma

tecnologia que oprime, também liberta. É neste contexto de ambivalência que a internet está

circunscrita. Silveira (2017), apesar de criticar a sociedade informacional afirma que inúmeras

possibilidades de resistência a lógica do capital já estão em curso.

Entretanto, a internet, expressão da sociedade informacional, é uma rede de

compartilhamento de informações, sejam sinais ou produtos imateriais. As

possibilidades de criação e compartilhamento são utilizadas por indivíduos e

coletivos que, intencionalmente ou não, praticam também uma economia da

dádiva e de trocas sem finalidade econômica. Resistências à mercantilização

extrema e ao domínio das interações em rede pelo domínio do mercado

existem inúmeros processos de colaboração e compartilhamento de

iniciativas, conhecimentos e desejo de realização de trocas solidárias.

Expressão da ambivalência que podem adquirir algumas tecnologias

(SILVEIRA, 2017, p. 23-24).

Os movimentos sociais nascem desejantes de comunicação, e por si, já comunicam.

Parte desta natureza comunicante está alicerçada na vontade coletiva expressa por melhorias

em condições específicas (demandas de bairros, associações) ou em alterações estruturais na

sociedade, do ponto de vista das relações de produção estabelecidas em determinado momento

histórico. A exemplo, o movimento francês, datado de 1789, conhecido como a Queda da

Bastilha que foi motivado devido às péssimas condições de vida expressas pela fome, alto preço

dos alimentos e dos impostos sob os auspícios da nobreza.

144

Assim, protestos, mobilizações, saques, foram diferentes maneiras utilizadas pelas

camadas populares, com forte influência da burguesia para que tivessem participação política.

Foi um movimento de grande repercussão que origina a Revolução Francesa e a Declaração

dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos. Este breve comentário, evidencia a natureza

comunicativa de um movimento social, independente de meio técnico ou tecnológico de

comunicação, regime político ou momento histórico.

Mas há que se observar o oposto à precarização da vida. Há que se observar práticas que

sustentam e alimentam a dimensão coletiva de compartilhamento de saberes, fora das amarras

tecnologizantes que tendem a esgaçar os laços sociais e anular o outro. Para Sodré (2012,

p.185),

Do vazio da existência - que o mercado hoje tenta preencher pela

disseminação infinita de artefatos técnicos - emerge a reivindicação coletiva

de novos modos de inteligibilidade do fenômeno humano, dos, envie um

pensamento capaz de amenizar a distância em que o perspectivismo da

tecnociência nos coloca frente ao mundo um pensamento menos de econômico

menos para hoje e mais afinado com que na razão há, concretamente, de

sensível. A dimensão humana dos modos de transmissão do saber e do

relacionamento social não depende da natureza técnica dos dispositivos.

Um pé fora das redes é possível, desde que essa existência seja implicada de

“responsabilidade (obrigação) e parceria (ser junto a outro), mas principalmente a injunção de

se assumir, por sensibilidade, o destino da experiência do mundo como abertura para outros

mundos possíveis” (SODRÉ, 2012, p.185).

4.9.2 Cidadania com um pé na rede, é possível?

De acordo com Sodré (2012, p.177) assim como nos espaços históricos concretos, a luta

democrática em torno das formas tecnológicas de cidadania também leva em consideração a

possibilidade de se controlar digitalmente o espaço social. As discussões críticas a este respeito

podem tomar vários rumos (SODRÉ, 2012, p.180), desde uma “inclusão” forçada, repetindo

um mesmo ciclo de exclusões anteriores na educação, na escrita, a própria midiatização,

entendida como articulação da vida social, como dispositivos de mídia.

Aliás, a facilidade de acesso à internet e aos sites de redes sociais digitais não implica

dizer, que parte da população vilipendiada de seus direitos mais básicos como saúde, moradia,

emprego e educação estejam exercendo cidadania por meio das TICCS. E tampouco que os

145

movimentos sociais estejam ocupando o espaço privilegiado da internet, como forma de

reorganização de suas lutas.

Inversamente, existe outro rumo dessa afetação tecnológica na vida social. A internet

por ser um espaço plural pode ser utilizada para auxiliar na promoção da cidadania ao facilitar

o intercâmbio de processos comunicacionais. Desde que, sirva como instrumento de ação para

homens e mulheres na ampliação do debate sobre seus direitos. Os movimentos sociais, assim

como outras formas de organização social, podem utilizá-la como um instrumento privilegiado

para comunicar, informar, atuar, recrutar, resistir, organizar ou para simplesmente ocupar.

4.10 Rizomas

Na pesquisa teórica colocamos em dispersão a utilização do termo popular para adjetivar

movimentos sociais. E de igual modo para caracterizar a comunicação por eles desenvolvida, o

que sustentamos até aqui por comunicação comunitária. Neste ponto, defendemos que a outra

comunicação dita comunitária tem um misto de alternativa, popular, local, contra-hegemônica,

entre outros termos, como vimos anteriormente. Sendo assim, não cabe esvaziar sua dimensão

simbólica ao escolher um termo em detrimento do outro. Ou seja, não é a terminologia popular

ou comunitária que vai definir a comunicação dos movimentos sociais e/ou grupos

subalternizados, mas sim suas práticas. Muito embora, tenhamos defendido a noção do comum,

do comunitário e da categoria multidão o fizemos não isentos de questionamentos políticos e

teóricos. Mas sim por acreditarmos que a raiz da comunicação, da comunidade e da multidão

está no comum e na conjugação das diferenças.

Em outra parte do texto retomamos de forma breve a discussão sobre a crise do conceito

de povo ligada ao conceito de Estado em Hobbes, levantada pelos autores italianos Hardt, Negri

(2014) e Virno (2013) até chegar à categoria Multidão. Como já fora mencionado, a multidão

permite uma leitura das inquietudes do homem pós-moderno, que a primeira vista parece-nos

mais apropriada ao contexto da crise política vivenciada pelo país. E assim, esta categoria nos

permite reavaliar as roupagens dos movimentos sociais. E de igual modo a ideia de povo,

porque não tem estatuto universal ou uma única bandeira de luta. Sendo assim, povo pode

representar várias facetas da sociedade, desde àquelas que lutam pela injustiça social, pelas

minorias, aquelas que querem destituir politicamente um governo, por exemplo.

146

Se por um lado, defendemos e nomeamos os termos e abordagens que nos auxiliaram

na construção do marco teórico empregado até aqui, por outro, a tentativa pela teoria

fundamentada em dados aplicada ao último capítulo poderá confrontar tais teorias. Enfim, a

análise54 empreendida no contexto dos movimentos sociais na internet possibilitará o confronto

com as próprias teorias empregadas nos capítulos anteriores, assim como a utilização de certos

termos que deixamos em suspensão, e que estão fundamentalmente relacionados à pesquisa.

O caminho percorrido foi fundamental para o conhecimento e o reconhecimento do

campo. Porém, por ser um campo movediço e ubíquo, buscamos novas proposições que venham

orientar ou singularmente ofertar um panorama do, entre, de como ocorre no presente

momento, os processos comunicacionais dos movimentos sociais na internet.

54 Durante o exame de qualificação um questionamento importante foi levantado, a possibilidade de não haver

material suficiente para às análises. Não obstante, a nossa postura é de que um(a) pesquisador(a) não retorna

vazio(a) do campo. Sabemos que não retornaremos vazios do campo, pois a pesquisa sempre trará algo de novo,

posto que o mundo em que vivemos está em constante movimento. Há mais de 2.500 anos, o filósofo pré-socrático,

Heráclito de Éfeso já nos advertia que, ninguém pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois ao entrar nele

novamente, as águas não serão as mesmas, tampouco o ser humano.

147

CAPÍTULO V - AS MÚLTIPLAS VOZES DA MULTIDÃO

Capítulo empírico baseado em trabalho de campo online que visa a sistematizar a tese

por meio da confrontação e comparação dos capítulos teóricos às análises de dados obtidas. A

composição da presente metodologia descrita e aprofundada no capítulo primeiro será aqui

resgatada para demostrar como os resultados foram alcançados. A primeira parte do capítulo

consistirá no mapeamento da comunicação dos movimentos sociais na internet e as respectivas

mídias utilizadas. A segunda parte traz os resultados da pesquisa feita nos portais sobre a

abordagem que estes dão aos conteúdos publicados que envolvem os movimentos sociais. A

terceira parte focalizará os processos comunicacionais de dois movimentos, o MST e o MAB,

apresenta como ambos trabalham com a comunicação e traz a releitura dos conceitos utilizados

no decorrer do trabalho em detrimento das análises empíricas.

5 Mapeamento dos movimentos sociais

Após revisão de literatura descrita nos capítulos dois e três e do levantamento dos

movimentos sociais brasileiros que possuíam representação nacional e se enquadravam nas

categorias teóricas definidas por Gohn (2013), já tínhamos pistas teóricas de que os processos

comunicacionais estavam em transformação devido as mutações proporcionadas com o avanço

das tecnologias de comunicação e informação. Como explicitado no capítulo metodológico,

alguns dos critérios de escolha dos movimentos foram: representatividade, abrangência,

bandeiras de luta pautadas no direito da pessoa humana e, sobretudo, com base nos

antagonismos sociais, nos quais, grande parte dos atores sociopolíticos está alijada de seus

direitos. E, particularmente, aqueles cujas linhas de atuação, encontram-se a alteração da ordem

societária vigente. Nessa primeira fase, de entrada, dedicamos o tempo necessário para

compreender as características dos movimentos sociais, como, por exemplo, tempo de atuação,

bandeiras defendidas, assim como a identificação das plataformas55 que mais utilizam na

internet.

Antes de iniciarmos a apresentação do mapeamento realizado é necessário que façamos

a ressalva de que as categorias “Setor de Comunicações” e a “Movimento na área do Trabalho”

55 Os termos plataformas, canais e mídias sociais são empregados como sinônimos. No entanto, ao utilizarmos o

termo rede social digital estaremos nos referindo ao relacionamento das pessoas por meio de grupos, comunidades,

fóruns etc. E mais especificamente atenta à discussão sobre redes que empreendemos no referencial teórico.

148

não foram levadas em consideração de forma isolada por acreditarmos que ambas perpassam

todos os movimentos sociais.

A seguir apresentamos o mapeamento realizado, do qual foram selecionados o MAB e

o MST para posterior análise em profundidade.

1. Movimento social - questão urbana:

Para esta categoria foi considerado o movimento nacional específico de moradia,

denominado Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - MTST. Este movimento surgiu no ano

de 1997 e organiza os trabalhadores a partir do local em que vivem, ou seja, por atuar nas

periferias se autodenominam como movimento territorial urbano. A principal bandeira de luta

do MTST é a moradia. A forma de organização é coletiva, e para efetivá-la atuam em frentes

formando Coletivos Políticos, Organizativos e Territoriais. O MTST também se organiza em

Setores, dentre eles, destacamos o de Comunicação e Simbolismo - responsável pela

comunicação do movimento, ou seja, pelos canais de divulgação, além de fortalecer as

identidades simbólicas do movimento. Os principais canais de comunicação utilizados pelo

MTST são:

a) Site institucional – www.mtst.org.br

Figura 1 - Tela inicial do site MTST

Fonte: Site MTST

149

b) Canal no Youtube - MTST Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

Figura 2 - Canal no Youtube – MTST

Fonte: Canal Youtube MTST

c) Página na rede social Facebook - https://www.facebook.com/mtstbrasil

Figura 3 - Rede Social Facebook

Fonte: Facebook MTST

150

d) Aplicativo para dispositivos móveis - App MTST

Figura 4 - Aplicativo para dispositivos móveis – App MTS

Fonte: MTST

2. Movimento social - questão do meio ambiente - urbano e rural:

O Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB no ano de 1989 realizou o Primeiro

Encontro dos Trabalhadores Atingidos por Barragens com representantes de várias partes do

país. Gradativamente o movimento foi se organizando nacionalmente, pela defesa e luta dos

atingidos e atingidas por barragens, em consonância com a defesa da água e da energia. Entre

as principais plataformas utilizadas pelo MAB para a divulgação do movimento na internet

estão:

151

a) Site institucional - http://www.mabnacional.org.br

Figura 5 - Tela inicial do site MAB

Fonte: MAB

b) Página no microblog Twitter - https://twitter.com/MAB_Brasil

Figura 6 - Microblog Twitter MAB

Fonte: MAB

152

c) Página na rede social Facebook - https://www.facebook.com/MAB.Bras

Figura 7 - Rede social Facebook MAB

Fonte: MAB

d) Canal no Youtube – MAB Comunicação

Figura 8 - Canal no Youtube – MAB

Fonte: MAB

153

e) Instagram - atingidosporbarragens

Figura 8 - Instagram MAB

Fonte: MAB

3. Movimento social - identitário e cultural – gênero:

A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e

Intersexos – ABGLT é uma rede nacional fundada em 1995 por 31 grupos, na atualidade

congrega 300 organizações afiliadas, sendo a maior organização do gênero na América Latina

e Caribe. Sua principal bandeira está pautada na luta pelos direitos humanos de lésbicas, gays,

bissexuais, travestis e transexuais - LGBT -, a fim construir uma sociedade democrática para

que todas e todos não sejam submetidos a qualquer tipo de discriminação e violência, por causa

de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. Existem várias organizações e coletivos

LGBTs espalhados pelo Brasil com sítios, páginas de redes sociais na internet, canais no

Youtube etc. A inclusão da ABGLT no mapeamento ocorreu a partir dos critérios já apontados,

mas também, por corresponder a uma das fases - parcerias - pelas quais passam os movimentos

sociais, debatidas no capítulo III.

154

a) Site institucional - https://www.abglt.org/

Figura 9 - Tela inicial do site ABGLT

Fonte: ABGLT

b) Página na rede social Facebook - https://www.facebook.com/ABGLTnaLuta

Figura 10 - Rede social Facebook ABGLT

Fonte: ABGLT

155

4. Movimento social - identitário e cultural – etnia:

O Movimento Negro Unificado – MNU atua desde o ano de 1978 na luta do povo negro

no Brasil, sua principal bandeira é o combate ao racismo e a defesa da vida. O MNU é um dos

movimentos identitários mais antigos do Brasil, e hoje encontra-se organizado em vários

estados, atuando também em outras frentes que visam a construção de um projeto político para

uma nova sociedade. Estruturado como entidade, o movimento congrega várias organizações

que lutam contra a discriminação racial e pela defesa dos direitos dos negros e negras. A

comunicação faz parte de uma das frentes de atuação do MNU, destacamos as plataformas que

são mais utilizadas na internet:

a) Site institucional – mnu.org.br

Figura 11 - Tela do site MNU

Fonte: MNU

156

1. Página na rede social Facebook – Movimento Negro Unificado Brasil – MNU

Figura 12 - Rede social Facebook MNU

Fonte: MNU

5. Movimento social - identitário e cultural – gerações:

O Levante Popular da Juventude é uma organização de jovens militantes pela luta de

massas que buscam a transformação da sociedade. Uma das principais tarefas do Levante é

mobilizar e organizar os jovens brasileiros para lutar por seus direitos enquanto grupo social.

Assim, se organizam a partir de três frentes de atuação, estudantil, territorial e camponesa. O

Levante surge no ano de 2006 no estado do Rio Grande do Sul, a partir de debates da

organização política Consulta Popular e de movimentos sociais, principalmente, o MST, para

organizar os jovens militantes de esquerda. É um movimento extremamente jovem em sua

constituição e na forma de encaminhamento de suas reivindicações, apesar de não defender uma

bandeira única. O Levante está presente e organizado nas disputas sociais, promovendo várias

manifestações com o objetivo de repercutir suas ações local e nacionalmente. As lutas e

reivindicações do Levante se reverberam nas técnicas de Agitação e Propaganda, na realização

de escrachos, batucadas e de várias expressões artísticas e culturais. Devido ao perfil de seus

militantes, o Levante Popular da Juventude se destaca na utilização das plataformas digitais na

internet.

157

a) Site institucional - http://levante.org.br/

Figura 13 - Tela inicial do site Levante

Fonte: Levante Popular

b) Página da rede social Facebook - www.facebook.com/levantepopulardajuventude

Figura 14 - Rede social Facebook Levante

Fonte: Levante Popular

158

c) Canal no Youtube – Levante Popular da Juventude

Figura 15 - Canal no Youtube – Levante

Fonte: Levante Popular

6. Movimento social - questão da fome:

Ação da Cidadania56 atualmente é uma organização não governamental com sede no

centro do Rio de Janeiro. No entanto, não podemos deixar de evidenciar essa iniciativa

promovida pelo sociólogo Betinho que à época suscitou a mobilização da sociedade civil pela

temática. A fome é um problema estrutural e político da sociedade brasileira marcado por

profunda desigualdade, assim, quem tem fome realmente tem pressa. O que existe atualmente

são ações isoladas de grupos e ONGs espalhados em diversas partes do país.

O movimento social Ação da Cidadania, contra a Fome, a Miséria e pela Vida surgiu no

ano de 1993 com o conceito de “solidariedade, todos nós podemos”. Destarte, é importante

evidenciar essa iniciativa promovida pelo sociólogo Betinho que à época suscitou a mobilização

da sociedade civil pela temática. Desde então, a Ação da Cidadania formou uma rede de

56 A Ação da Cidadania atualmente é uma organização não governamental com sede no centro do Rio de Janeiro.

No entanto, não podemos deixar de evidenciar essa iniciativa promovida pelo sociólogo Betinho que à época

suscitou a mobilização da sociedade civil pela temática. A fome é um problema estrutural e político da sociedade

brasileira marcado por profunda desigualdade, haja vista que quem tem fome realmente tem pressa.

159

mobilização nacional para ajudar milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza. Esta rede

é composta por comitês locais da sociedade civil organizada, os quais são formados por

lideranças comunitárias e com a participação de vários setores sociais. Atualmente a Ação da

Cidadania é uma organização não governamental com sede no centro do Rio de Janeiro e busca

combater todos os tipos de “fome” com a ampliação do debate pelos direitos plenos de

cidadania. Não obstante, A fome é um problema estrutural e político da sociedade brasileira

marcado por profunda desigualdade, assim, quem tem fome realmente tem pressa.

a) Site institucional - http://www.acaodacidadania.com.br/

Figura 16 - Tela do site Ação da Cidadania

Fonte: Ação da Cidadania

b) Página na rede social Facebook - www.facebook.com/acaodacidadania/?fref=ts

Figura 17 - Rede social Facebook Ação da Cidadania

Fonte: Ação da Cidadania

160

7. Movimento social – área do direito:

Este eixo temático foi repensando diversas vezes durante a pesquisa, pois aparentemente

ele entrava em conflito com o eixo 3 que trata dos movimentos identitários e estaria ligado a

primazia dos direitos humanos. No entanto, o exercício de retornar ao campo diversas vezes

despertou o nosso olhar para outra configuração de movimentos, que busca na união de diversas

bandeiras de lutas, maior visibilidade e força política, mesmo que isso possa significar certo

esvaziamento de propósitos e razões de ser de cada movimento. Chamou-nos atenção à

evolução de conceito do Movimento dos Trabalhadores Desempregados para Movimento de

Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos e também a junção de um movimento urbano criado

mais recentemente na área da moradia.

Então, como o eixo Movimento na área do trabalho, assim como o eixo mencionado

acima, circula e se imbrica aos demais movimentos, decidimos estrategicamente por mapear o

MTD e MOTU, por estarem em fase de transição e unificação e assim, poderíamos observar

aspectos mais específicos no desenvolvimento da comunicação.

O Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos - MTD e o MOTU são

movimentos urbanos, cuja principal bandeira reivindicativa é a luta por moradia, mas não se

encerra nela. O MTD surgiu no ano de 1999 no Rio Grande do Sul, sendo fundado pelo MST e

outros movimentos próximos. Na época, o nome era Movimento de Trabalhadores

Desempregados, cuja inspiração era um movimento homônimo na Argentina. Já o MOTU –

Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos surgiu entre os anos de 2005 e 2006.

Atualmente o MOTU tem frentes de atuação em Ceará e Sergipe. Já o MTD atua em seis estados

brasileiros: Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Paraíba e Distrito Federal. A

partir do ano de 2013, os dois movimentos iniciaram uma reformulação estratégica cujo

objetivo é a unificação em uma só entidade: o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores

por Direitos (MTD). Todos os estados, exceto o Sergipe, já fizeram a mudança do nome.

A comunicação desenvolvida por estes dois movimentos, segundo dados extraídos de

entrevista, consta de assessoria de imprensa, alimentação das páginas do Facebook, articulação

com mídias alternativas que têm parceira política com MTD, especialmente o Brasil de Fato,

Mídia Ninja e Jornalistas Livres. Além disso, produzem cartazes, panfletos e outros materiais

de agitação. Ainda não construíram uma política de comunicação e como plataforma para

divulgar suas ações utilizam o Facebook.

161

a) Página na rede social Facebook - www.facebook.com/MTD-e-MOTU-Brasil

Figura 18 - Rede social Facebook MTD e MOTU/Brasil

Fonte: MTD e MOTU/Brasil

8. Movimento social decorrente de questões religiosas:

O Grito dos Excluídos surgiu no Brasil a partir da ideia de aprofundar o tema da

Campanha da Fraternidade, realizada desde o ano de 1964 pela Igreja Católica Apostólica

Romana. Anualmente a Igreja desenvolve a temática da Campanha da Fraternidade a partir da

conjuntura vivenciada no país. A intenção da Campanha é chamar a atenção para as mazelas

humanas e sociais e tentar modificar a realidade concreta à época. O Grito surge como um

porta-voz dos excluídos e desde o ano de 1995 lança um lema e convida a população para

conclamar no dia 07 de setembro, “Dia da Independência” a alteração da ordem vigente. O grito

autointitulado como expressão das manifestações populares apregoa o ecumenismo, por

entenderem que ele faz parte da prática das lutas.

O Grito dos Excluídos, na verdade, não se configura nos moldes dos movimentos sociais

clássicos ou novos, doravante, centraliza as ações das manifestações dos grupos que tem suas

vozes silenciadas e visam uma profunda transformação da sociedade. No ano de 1999, o Grito

dos Excluídos alcançou a América e aglutinou várias vozes excluídas de processos

democráticos por uma melhor condição de vida.

162

a) Site institucional – http://www.gritodosexcluidos.org

Figura 19 - Tela do site Grito dos Excluídos

b) Página na rede social Facebook - https://www.facebook.com/grito.dosexcluidos

Figura 20 - Rede social Facebook Grito dos Excluídos

Fonte: Grito dos Excluídos

Fonte: Grito dos Excluídos

163

9. Movimento social – rural:

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST é um movimento nacional

específico pela Reforma Agrária Popular. Já fizemos aqui um brevíssimo regaste sobre este

Movimento. A comunicação desenvolvida para a internet é estruturada pelo site nacional do

Movimento. No entanto, nos últimos anos têm ampliando seus canais de comunicação na

internet, a utilização de Facebook, Twitter, Instagram e Youtube são explorados

gradativamente.

a) Site institucional - http://www.mst.org.br

Figura 21 - Tela do site MST

Fonte: MTST

b) Página na rede social Facebook - www.facebook.com/MovimentoSemTerra

Figura 22 - Rede social Facebook MST

Fonte: MST

164

c) Página no microblog Twitter - https://twitter.com/MST_Oficial

Figura 23 - Microblog Twitter MST

Fonte: MST

d) Canal do Youtube - Movimento Sem Terra

Figura 24 - Canal do Youtube

Fonte: MST

165

e) Instagram – MST Oficial

Figura 25 - Instagram MST

Fonte: MST

10. Movimento social global:

A Via Campesina é um movimento internacional que congrega em média 200 milhões

de agricultores pequenos e grandes, sem terra, jovens, mulheres, indígenas, imigrantes e

trabalhadores agrícolas de várias partes do mundo. A Via Campesina defende que a agricultura

do campesinato, pela soberania alimentar, é uma forma de promover justiça social e dignidade

a estes grupos. O grande embate político deste movimento global é com o agronegócio, pois

destroem a natureza e as relações sociais.

a) Site institucional - http://viacampesina.org/

Figura 26 - Tela do Site Via Campesina

166

Fonte: Via Campesina

b) Página na rede social Facebook - www.facebook.com/viacampesinaOFFICIAL

Figura 27 - Rede social Facebook Via Campesina

Fonte: Via Campesina

Retoma-se que a divisão acima é feita por uma questão didática, que nos permite

elucidar e contextualizar os movimentos sociais. Como apresentado no capítulo três, por meio

de Peruzzo (2004), os movimentos passam por transformações ao longo de sua existência,

assim, eles não podem ser colocados em categorias rígidas; a classificação serve, na verdade,

para orientar o debate e a discussão

5.1 Os MS nos portais jornalísticos

Conforme explicado em nosso capítulo metodológico os procedimentos teórico-

metodológicos empregados durante a investigação foram divididos em etapas. Inicialmente

realizamos a pesquisa bibliográfica focada no estado da arte sobre comunicação e movimentos

sociais. Em paralelo a isto, realizamos um mapeamento dos principais movimentos sociais que

poderiam compor o estudo, bem como o levantamento de seus principais canais de

comunicação, especialmente, os disponibilizados por meio da internet, vistos no tópico anterior.

Posterior à revisão de literatura iniciamos a pesquisa documental em conjunto com a

observação participante netnográfica, como discutiremos a seguir:

A pesquisa documental foi realizada nos principais portais de notícias brasileiros (IG,

G1, Uol, Terra), a fim de que conseguíssemos saber como os movimentos sociais em seus

diferentes eixos temáticos são abordados nestes portais.

167

Esta fase da pesquisa nos portais foi realizada em duas etapas. A primeira etapa ocorreu

durante 30 dias, no período de 01 a 30 de maio do ano de 2016. A segunda ocorreu um ano

após, ou seja, no período de 01 a 30 de maio do ano de 2017.

Durante 30 dias, período que compreendeu a primeira etapa da pesquisa, realizamos

observação diária dos conteúdos, com o auxílio do diário de campo. Na observação buscamos

identificar os conteúdos que foram publicados e que continham a palavra-chave movimento

social. Nesta etapa, encontramos 43 textos; desses descartamos dois que, embora tivessem a

palavra-chave em seu texto não abordavam de fato a temática aqui trabalhada.

Inicialmente coletamos os dados diretamente dos portais, utilizando o diário de campo

para registrar nossa contribuição com as impressões gerais que obtivemos no decorrer de cada

semana. Mais adiante, com o intuito de refinar esses dados e traçar um panorama geral sobre

como os movimentos sociais são abordados nesses principais portais brasileiros, buscamos

compreender nos 41 textos encontrados quais eram os movimentos abordados, qual a temáticas

das publicações e se os conteúdos publicados davam voz ou não aos movimentos sociais em

questão.

Sobre os movimentos que aparecem na mídia constatamos que 48,78% dos textos não

abordavam um movimento em específico, e sim trabalhavam com vários, muitas vezes

colocando no mesmo pacote sindicatos, associações etc. Dos textos que citavam movimentos

sociais específicos, 9,75% citava o LGBT, 7,37% abordava o MST, 7,37% a CUT, 7,37% o

MTST e 17% abordaram outros movimentos como das mulheres, do Levante Popular da

Juventude e o movimento indígena.

Gráfico 1- movimentos sociais presentes nos conteúdos dos portais

48,78%

9,75%

7,37%

7,37%

7,37%

17%

0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00%

Múltiplos movimentos

LGBT

MST

CUT

MTST

Outros

168

Também buscamos compreender qual temática os textos que tinham relação com os

movimentos sociais abordavam. A maior parte deles, 48,78% era sobre manifestação; 24,3%

sobre eventos; 7,3% sobre polícia; 7,3 % sobre ocupação; 7,3% sobre direitos humanos e 4,8%

sobre ocupação, conforme representado no gráfico a seguir.

Gráfico 2 - Assuntos explorados pelos conteúdos dos portais

As manifestações que foram o assunto mais abordado envolviam, principalmente,

protestos realizados contra o governo Temer. Já eventos, o segundo assunto mais abordado

trazia informações sobre ações organizadas pelos movimentos que iriam acontecer como, por

exemplo, a parada LGBT. Buscamos, ainda, verificar se os portais citavam alguma fonte dos

movimentos sociais em seus conteúdos. 65,8% continha algum entrevistado dos movimentos

sociais 34,14% não continha.

Gráfico 3 - Conteúdos dos portais que davam voz aos movimentos

48,78%

24,30%

7,30%

7,30%

7,30%

0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00%

Manifestação

Eventos

Direitos Humanos

Ocupação

Polícia

65,80%

34,14%

0,00% 20,00% 40,00% 60,00% 80,00%

Sim

Não

169

Embora a maior parte do conteúdo apresente entrevistas com pelo menos um membro

dos movimentos sociais isso não significa dizer que os portais dão voz aos movimentos sociais,

e nem que as temáticas abordadas apresentavam especificamente as lutas e as reivindicações

desses movimentos. Pois, na verdade, o que estava em pauta era a crise política vivenciada pelo

país, principalmente, com o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e o

andamento da investigação Lava Jato. Os dados tabulados contribuem para exemplificar as

observações gerais obtidas nas notas de campo.

Quadro 5 - Observação do diário de campo

Semana Notas de campo

Primeira Foco na política. Ênfase no processo de impeachment da

presidenta Dilma e sobre o afastamento de Eduardo Cunha. A

abordagem sobre os movimentos sociais aparece diluída nas

matérias e notícias, às vezes, com foco em manifestações e

grupos de manifestantes.

Segunda Foco na política. Michel Temer presidente em exercício.

Terceira Foco na política. Em pauta: Ações do novo Governo. Protestos

contra Michel Temer na Virada Cultural em SP.

Quarta 20ª edição da Parada do Orgulho LGBT. Lei de Igualdade de

Gêneros.

Fonte: autoria própria

Após um ano, retomamos aos quatro portais e os observamos por novos 30 dias para

identificar se o comportamento dos veículos diante a temática movimentos sociais permanecia

o mesmo ou se havia se alterado. De forma geral, identificamos que movimentos sociais de

variados matizes e centrais sindicais continuaram sendo pauta nos veículos selecionados para

análise. No entanto, assim como na primeira rodada de coleta, o intuito dos veículos não era

visibilizar a luta dos movimentos, mas abordar se eles representavam uma parcela mais

significativa de enquadramento político dos movimentos, de esquerda ou direita. Já que

movimentos sociais engajados, que no ano anterior de coleta estavam na luta para se posicionar

contra o impeachment da presidenta Dilma, neste defendiam veemente a saída de Temer

alegando à sua chegada ao poder como um golpe.

As conturbadas modificações políticas que descrevemos acima também nos auxiliaram

a confirmar nossa escolha sobre quais movimentos sociais seriam utilizados na próxima etapa

da análise. O percurso cartográfico direcionou nosso olhar para o MAB e para o MST. O

primeiro porque não teve visibilidade nos veículos hegemônicos pesquisados durante o período

de coleta e o segundo como contraponto, uma vez que é um Movimento conhecido da mídia e,

170

portanto, com mais visibilidade. O objetivo desta etapa não foi o de comparar movimentos,

embora em alguns momentos tal ação tenha ocorrido devido à riqueza do dado gerado. Na

sequência, apresentamos e discutimos os dados da pesquisa netnográfica realizada sobre os

processos comunicacionais dos dois movimentos sociais selecionados.

5.2 Observação participante netnográfica – OPN

Nesta etapa, conforme descrito anteriormente, foram selecionados dois movimentos

sociais para que tivessem uma análise em profundidade sobre seus processos comunicacionais

na internet.

5.2.1 OPN - MST

A partir da observação notamos que os meios pelos quais o MST mais se engaja

comunicacionalmente são pelo site institucional e pela página no Facebook. Para identificarmos

como eles lidam com a ferramenta observamos o período de 01 a 30 de maio de 2017. Ressalta-

se que entre as motivações da escolha do período está o fato de ele abarcar datas importantes

para o movimento como, por exemplo, o dia do trabalhador e os desdobramentos do processo

de impeachment da presidenta Dilma.

Em um mês de análise foram identificadas 110 postagens, o que dá uma média de 3,6

publicações por dia. Sobre o envolvimento desses conteúdos com os usuários, identificou-se

que no período analisado houve 80.092 reações57, uma média de 728 por postagem. Além de

6.266 comentários, que representa a média de 56 por post e, ainda, houve 33.922

compartilhamentos, que nos dá uma média de 308 por publicação.

Esses dados são interessantes, pois nos trazem indícios sobre a interação que os usuários

possuem com as publicações oficiais do MST. Nota-se que a interação por reação foi a maioria

e ressalta-se que ela é uma atividade mecânica do usuário que exige apenas que acione ou não

um botão. Em comparação, o número de compartilhamentos é menor, uma vez que ele exige a

identificação e apropriação do usuário com o conteúdo, fazendo com que seja publicado na sua

página pessoal. Já os comentários, se comparados com a representatividade da página, ocorrem

57 Segundo definição do Facebook, “a métrica de curtidas na publicação agora se chama reações à publicação. Ela

mede a quantidade de reações em seus anúncios ou publicações impulsionadas. O botão de reações em um anúncio

permite que as pessoas compartilhem reações diferentes ao conteúdo: Curtir, Amei, Haha, Uau, Triste ou Grr”.

171

em baixa proporção. Por outro lado, identifica-se que os comentários não são estimulados, uma

vez que não sofrem interação por parte dos organizadores da página e não são respondidos.

Sobre o modo como as publicações da página do Facebook são trabalhadas

identificamos que há uma otimização dos conteúdos que são publicados pelo site institucional

do Movimento, uma vez que 40% do material publicado são originários do site. Além disso,

fotos e vídeos também são utilizados pelo Movimento. A seguir, o gráfico representa quais

formatos são explorados nas postagens realizadas pela página do Facebook do MST, vejamos:

Gráfico 4 - Formatos presentes nos posts do Facebook do MST

Por meio da OPN identificamos que os conteúdos compartilhados do site institucional

são, em sua maioria, notícias produzidas sobre o movimento. Assim sendo, a maior parte do

conteúdo presente no Facebook do MST se caracteriza como notícia que tem como finalidade

a informação. Já as fotos publicadas são acompanhadas por pequenos textos que as descrevem.

Importante acrescentar que as notícias compartilhadas no Facebook são sempre acompanhadas

de imagens. Com exceção das notas, sobre as quais falaremos mais adiante, todos os conteúdos

publicados possuem apelo imagético, tal ação é coerente com a tendência de consumo da

informação, uma vez os conteúdos com imagens são muito mais visualizados dos que os sem.

Os vídeos representam 18% dos formatos publicados e geralmente atendem a dois tipos

de produção: 1 – depoimento de pessoas que na maioria dos casos é gravado em primeiro plano

e contempla o posicionamento sobre algum fato; 2 – vídeos com produção mais sofisticada cuja

estrutura narrativa e estética se aproxima do documentário.

Em eventos estão às publicações que utilizam o próprio recurso do site Facebook que

cria um acontecimento com dia, horário e local marcado e permite que as pessoas confirmem

40%

36,36%

18,18%

2,72%

2,72%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%

Conteúdo originário do site institucional

Foto

Vídeo

Notas

Eventos

172

ou não a presença. Marcha e manifestações foram as motivações dos eventos criados. Em notas

estão os posicionamentos oficiais do Movimento sobre algum acontecimento em específico.

Estas postagens não possuem imagens, são escritas de maneira mais formal que as outras

publicações e também possuem uma extensão textual maior.

Também buscamos saber quais as temáticas que foram trabalhadas nas publicações do

Facebook do MST. Organizamos as temáticas em categorias para fins didáticos, embora

saibamos que muitas delas são correlacionadas. Por exemplo, muitos eventos são formas de

manifestações. Os três assuntos mais abordados nas publicações do MST foram: eventos,

conflitos e manifestações. A seguir a representação gráfica da presença da distribuição dos

assuntos por post:

Gráfico 5 - Temas presentes nas publicações do Facebook do MST

Importante mencionar que em apoio está tanto ações de apoio recebidas pelo

Movimento, quanto as realizadas por ele à outras instituições e pessoas e que houve um

equilíbrio entre as ações dos dois tipos de apoio. Na definição evento constam as publicações

sobre marchas realizadas, ações sobre datas comemorativas, festivais, jornadas e outros. Já na

categoria conflitos foram computadas tanto as publicações que abordavam diretamente os

embates, das ocupações às desapropriações, quanto os que traziam conflitos de ideologias,

posicionamentos e discussões como, por exemplo, o posicionamento do MST frente ao governo

Temer.

12,72%

31,81%

3,63%

16,36%

4,54%

21,81%

1,81%

1,81%

5,54%

0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00%

Apoio

Evento

Histórico

Manifestação

Reunião

Conflito

Entrevista

Nota

Campanha

173

Observamos nas postagens que as publicações geralmente atentem a duas lógicas: 1 –

são sobre coberturas de ações instantâneas ocorridas (marchas, manifestações, conflitos,

ocupações etc); 2 – são publicações com tendências político-partidária apoiando governo e

figuras políticas do partido dos trabalhadores.

Outra ação feita durante nossa análise foi a busca por alguns indícios sobre o tipo de

material com maior aceitação por parte do usuário. O post que mais teve compartilhamentos e

reações no mês analisado foi o “Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia”,

publicado no dia 17 de maio de 2017, que teve 11.594 compartilhamentos e 9,2 mil reações,

vejamos:

Figura 28 - Post do MST com mais compartilhamento e reações

Fonte: MST

O segundo conteúdo com mais compartilhamento e também o segundo com mais

comentários foi o “João Pedro analisa afastamento de Eduardo Cunha”.

174

Figura 29 - Segunda postagem do MST com mais compartilhamentos e comentários

Fonte: MST

A terceira publicação com mais compartilhamento foi “MST apoia a luta dos estudantes

de São Paulo e todo o Brasil”. Já o conteúdo com mais comentários, 391, foi “Nesse momento,

o cantor Tico Santa Cruz canta para milhares de pessoas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.

Foto: Mídia Ninja”, o qual foi também o segundo com mais reações. O terceiro post com mais

comentários foi o “Nesta manhã, as duas principais BRs que dão acesso à Brasília foram

trancadas por Sem Terras do MST e MTL. A manifestação integra a Jornada de Lutas pela

Democracia e Contra o Golpe. Confira o vídeo!”.

Por fim, o terceiro conteúdo mais reações foi o “Hoje é mais um dia de lutas. A Parada

LGBT de SP leva o combate à Transfobia à Avenida Paulista na maior manifestação LGBT no

mundo”. Sobre estes conteúdos com mais visibilidades é preciso dizer que quatro dos seis

materiais foram feitos em vídeo e dois com fotos, dois deles contam com celebridades (Tico

Santa Cruz e João Pedro Stédile e dois são posts relacionados a causa LGBT.

5.2.2 OPN - MAB

A página do Facebook do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB tem 46.305

curtidas e em um mês de análise, de 01 a 30 de maio de 2017, contou com 98 postagens, o que

dá uma média de 3,2 por dia. Quanto a interatividade dos usuários com a página do MAB temos

que ao todo foram 4 mil reações, cerca de 40,8 por postagem, 180 comentários, o que dá uma

média de 1,8 por publicação e quanto aos compartilhamentos em um mês foram feitos 3413,

cerca de 34,8 por postagem.

A princípio esses dados podem nos levar a comparação com a página do MST e nos

levar a afirmação que o MAB possui muito menos repercussão e engajamento. Isso de fato

175

acontece, mas é preciso levar em consideração que o MST possui em sua página seis vezes mais

curtidas que o MAB, uma vez que o primeiro tem mais de 300 mil curtidas e o segundo mais

que 40. Por isso, não compararemos o alcance e a repercussão de ambas as páginas, apenas o

gerenciamento e a estratégia gerada por elas.

Quanto ao modo como as publicações são feitas, temos que foto e vídeo são os recursos mais

utilizados. Vejamos o gráfico a seguir:

Gráfico 6 - Formatos presentes nos posts do Facebook do MST

Fotografia, com 53% de presença das postagens, foi o recurso mais utilizado nas

publicações do MAB. Nesta categoria, enquadram-se também outros recursos visuais

imagéticos criados como cartazes, ilustrações entre outros. Todavia, estes outros recursos são

bem menos explorados, representam apenas 15% da amostra de foto.

Já o vídeo foi o segundo formato mais utilizado com 31,6% de presença nos materiais.

A maior parte dos vídeos corresponde a filmagens sobre as ações, manifestações e eventos que

o Movimento criou ou participou. Ainda, entre os formatos publicados temos 14% de

publicações de notícias de site institucional e apenas 1% das publicações são de eventos.

Enquanto estratégia comunicacional, nota-se que enquanto o MST aposta nas publicações de

conteúdo informativos, o MAB se prende mais a publicações de fotos.

Sobre os assuntos presentes nas publicações do MAB, manifestação foi o mais

abordado. O gráfico a seguir representa a divisão de temas por publicação feita na página do

Movimento.

53%

31,60%

14,28%

1%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%

Foto

Vídeo

Site

Evento

176

Gráfico 7 - Temas presentes nas publicações do Facebook do MAB

Manifestação foi o tema mais presente nas publicações da página do Movimento, com

42,8%. O segundo assunto mais presente foi conflito, com 25,5%, lembrando que nesta

categoria foram inseridos não só os conflitos físicos de ocupação e confronto, mas também os

ideológicos que abordavam posicionamentos diferentes entre o Movimento e outras instituições

e/ou pessoas. A terceira temática mais comentada foi eventos, nesta categoria inclui-se atos

políticos, eventos culturais como lançamento de filmes, entre outros.

Sobre as publicações feitas, a que teve mais compartilhamento, mais reações e mais

comentários foi a postagem de uma imagem feita em protesto ao desastre ambiental provocado

pela empresa Samarco que ocorreu no município de Mariana em Minas Gerais, no ano de 2015.

Vejamos a publicação:

10,20%

15,30%

42,80%

4%

25,50%

1%

1%

0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00% 40,00% 45,00%

Apoio

Evento

Manifestação

Reunião

Conflito

Entrevista

Nota

177

Figura 30 - Post do MAB com mais curtida, compartilhamento e reações

Fonte: MAB

A imagem acima teve 1600 compartilhamentos e 532 curtidas, médias bem acima da

página, na qual geralmente cada publicação receberia 40 compartilhamentos, por exemplo. O

segundo conteúdo que teve mais reações e compartilhamento também era relacionado ao

desastre de Mariana:

Figura 31 - Segunda postagem do MAB com mais reações e compartilhamentos

Fonte: MAB

178

A terceira publicação com mais reações foi o compartilhamento da notícia “MAB

denuncia golpe e violações de Direitos Humanos no Parlamento Europeu”. A terceira

publicação com mais compartilhamento e a segunda com mais comentário é um vídeo em

comemoração à chegada da ex-presidente Dilma. Por fim, o terceiro conteúdo com mais

comentários é o de uma notícia sobre “Fala do MAB na Câmara dos Deputados em Brasília,

durante a Comissão de Direitos Humanos e Minorias”. Interessante apontar que ao contrário do

MST, o MAB não é muito acompanhado por pessoas contrárias ao seu movimento e, com isso,

geralmente recebe comentários positivos:

Figura 32 - Comentários sobre a postagem do MAB

Fonte: MAB

Esta seção delineou parte importante da observação participante netnográfica, com a

interpretação do conjunto de dados extraídos sobre a forma como o MST e o MAB divulgam

seus processos comunicacionais na internet em âmbito nacional.

179

5.3 (Des)amarrando os conceitos

As entrevistas semiestruturadas foram codificadas conforme demonstra o quadro seis,

mais abaixo. Após submergirmos nas codificações propostas pela técnica da teoria

fundamentada em dados e resgatar os conceitos deixados em dispersão durante a pesquisa, os

explicitamos e buscamos as relações que, de alguma forma, os vinculavam. O refinamento das

categorias emergidas das falas dos respondentes foram comparadas com os dados extraídos e

já debatidos anteriormente. Pudemos apreender algumas categorias teóricas que emergiram de

ambos Movimentos, MST e MAB, em comparação aos dados extraídos na etapa anterior.

Ao empreender um estudo com base nas técnicas da teoria fundamentada em dados

objetiva-se, principalmente, pesquisar um fenômeno que seja comum a uma determinada

temática ou objeto específico de pesquisa, com o intuito de buscar correlações entre os

respondentes sobre um mesmo objeto específico. Assim, voltando ao campo comparando dados

e construtos teóricos até a sua saturação. Em nossa empreitada, o conjunto de procedimentos

descritos na metodologia ancorados nas técnicas da teoria fundamentada foi um desafio.

Primeiro, porque certamente não seria fácil realizar tal feito mesmo se tivéssemos realizado esta

pesquisa com um único movimento social, buscando teorizar sobre o uso das tecnologias de

informação e comunicação pelos militantes, por exemplo. Segundo, sem perder de vista que

toda pesquisa deixa sombras, buscamos analisar o fenômeno em questão na totalidade por nós

recortada. Assim, ao buscarmos as técnicas da teoria fundamentada em dados foi porque ao

estudarmos a netnografia percebemos que algo há mais que não estava na superfície poderia ser

acrescentado ao trabalho. Chegamos então, a metodologia da teoria fundamentada em dados ao

sistematizar nosso conhecimento sobre a netnografia, assim uma metodologia mesclando-se a

outras.

Destarte, após realizarmos o levantamento dos movimentos sociais e termos mapeado

de forma sumária seus processos comunicacionais na internet, buscamos os devires, a

construção de um mapa, sempre inacabado. Assim, com o respaldo da cartografia buscamos

ouvir e observar para além daquelas informações que fornecessem um conjunto de dados

precisos ou que revelasse constructos semelhantes ou díspares.

No contexto das entrevistas semiestruturadas, conforme descrito no capítulo

metodológico, realizamos quatro. Mantivemos um bom relacionamento com os informantes-

chaves, que inclusive, não solicitaram anonimato, mas mesmo assim preservaremos a

identidade de todos.

180

Conforme relatamos, apesar de termos construído um roteiro de questões bem

estruturado e organizado não tínhamos como focar em um incidente específico. Então,

buscamos com a utilização da codificação interpretar os constructos, códigos e categorias a

partir da elaboração de categorias mais universais que contemplasse a diversidade em termos

de bandeira de atuação e processos comunicacionais na internet do MAB e do MST, ambos

movimentos analisados. Fizemos três tipos de codificação, aberta, axial e seletiva trabalhando

com a codificação textual sequência por sequência. Após leitura de cada tópico frasal e/ou

sequência de linhas extraíamos rótulos dessas sequências. A exigência era de que cada estrutura

capturada ela exprimisse uma ação, dessa forma, realizamos a codificação aberta em mais de

60 páginas de transcrição literal.

Quadro 7 - Exemplo de codificação

Fonte: Autoria própria

A codificação aberta consistiu em levantar e selecionar o material bruto, para em seguida

criar novas categorias. A seguir apresentaremos abaixo as principais:

181

Quadro 4 – Codificação aberta

Categoria Aberta

Participação coletiva

Luta de classes

Construindo atrativos

Contra-hegemonia

Atuação em rede

Usando a tecnologia conforme a necessidade

Faltando definição das ações de comunicação

Divulgando

Pensando a segurança na rede

Preocupação com fake news

Criminalização / Silenciamento

Faltando debate sobre comunicação

Seguindo às tendências na internet

Fonte: autoria própria

A codificação aberta ocorreu no primeiro nível de abstração, no qual examinamos e

separamos os dados. As categorias emergiram das entrevistas, principalmente dos códigos in

vivo, porém estas, foram comparadas com os dados arquivais que selecionamos com o apoio do

programa Evernote, com as notas de campo escritas ao longo da coleta dos observáveis e

também com os dados tabulados na seção anterior.

A codificação axial depreendeu da anterior, com a formação e desenvolvimento de

rótulos e conceitos. Esta etapa esteve intimamente relacionada às notas de campo, nas quais nos

baseamos para refinar as categorias criadas. Assim, podemos apontar as categorias

depreendidas das anteriores:

182

Quadro 8 - Categorias

Categoria Aberta Categoria Axial

Participação coletiva Princípio organizativo, decisão coletiva

Luta de classes Todos os movimentos pela luta de classes.

Multidão

Construindo atrativos Estética, conteúdo com apelo imagético, memes,

cards, vídeos, filmes, documentários

Contra-hegemonia Disputa contra-hegemônica

Atuação em rede Discurso único, conteúdo jornalístico, Brasil de

Fato

Usando a tecnologia conforme a

necessidade

Inovação, criação de aplicativos

Faltando definição das ações de

comunicação

Fragilidade, comunicação técnica

Divulgando Publicidade e Propaganda ideológica

Pensando a segurança na rede Reavaliação/estudo da comunicação na internet

Preocupação com fake news Instrução aos militantes

Criminalização / Silenciamento MST e MAB

Faltando debate sobre comunicação Comunicação como direito humano

Seguindo às tendências na internet Divulgação de produtos e serviços no Instagram

Após esta etapa examinamos outras vezes o conjunto das entrevistas codificadas para

buscar mais informações e assim, poder saturar os dados até que não conseguíssemos mais

extrair informações. Com a sistematização desses dados chegamos a criação de conceitos mais

gerais, que interpretamos à luz das teorias empregadas nos capítulos anteriores e dos conceitos

que deixamos em dispersão.

A seguir apresentaremos a formulação das categorias seletivas emergidas apontando os

principais resultados sistematizados e interpretados. No entanto, as categorias publicidade,

notícias falsas e unidade política aparecem destacadas, mas isso não significa que elas estão

assim demostradas por ordem de relevância, mas para ilustrar como foi o processo de

construção e ampliação da teoria. As demais categorias aparecerão esmiuçadas no texto.

Muitas terminologias e conceitos têm sido utilizados para representar as manifestações

oriundas das classes ora, subalternizadas. Assim, munidos com uma amostragem teórica

183

concentrada nas categorias que emergiram das entrevistas dos respondentes, bem como dos

dados extraídos, conseguimos chegar a conceitos mais gerais para nos aproximarmos daqueles

que, num primeiro momento, deixamos em dispersão. Não foi tarefa fácil codificar, analisar e

interpretar o conjunto de dados composto por uma multiplicidade de imagens, vídeos e textos,

para buscar o que sempre nos moveu no percurso teórico-metodológico deste trabalho.

Entretanto, este processo nos permitiu encontrar as conexões, brechas, insurreições que só

poderiam ser encontradas com a confrontação de teoria existente ao trabalho netnográfico de

imersão nos canais mais utilizados pelos movimentos e principalmente, por meio das

entrevistas.

Publicidade – Chamada de propaganda ideológica pelo MST e de divulgação na

assessoria de imprensa do MAB, a publicidade é assim reverberada nas ações comunicacionais

de ambos os movimentos. Esta afirmativa complexa sustenta-se teórica e praticamente nesta

pesquisa, pois ao partimos da fundamentação teórica, seguida da observação e posterior

confrontação do rigor de pensamento dos respondentes, esta categoria tornou-se evidente na

observação participante netnográfica.

À primeira vista a assertiva não corresponde ao discurso dos movimentos sobre a

utilização da publicidade. Se por um lado, existe a resistência pela nomenclatura “publicidade”,

existe por outro, a ampla utilização do termo propaganda ideológica no caso do MST, quando

se trata da divulgação dos produtos da Reforma Agrária Popular, bem da conscientização sobre

o consumo desses tipos de produtos. Não obstante, o avanço vertiginoso das tecnologias de

informação, comunicação e conhecimento possibilitou maior abertura para a divulgação de um

dos pilares da Reforma Agrária Popular, a produção de alimentos saudáveis e a utilização de

técnicas publicitárias têm auxiliado cumprimento deste papel.

Nota-se que para os movimentos sociais a comunicação é compreendida como um

território quase sagrado de compartilhamento dos atos políticos e reverberação de suas lutas. A

partir da OPN e do próprio discurso dos respondentes verificamos que a comunicação, ou seja,

os processos comunicacionais desenvolvidos por eles não são estanques, e assim, por vezes

acabam por usar as mesmas ferramentas que a mídia hegemônica, as quais representam o capital

e oprimem a sociedade. No entanto, a utilização da publicidade ocorre de forma diferenciada e

focada nos objetivos do movimento. Apesar de negarem durante as entrevistas a utilização da

publicidade e de a ignorarem teoricamente em seu sentido político e social, acabam por se

empoderar dela na prática, ao realizarem uma publicidade contra-hegemônica e/ou social

184

(SILVA, 2005). Principalmente, quando divulgam e vendem os produtos orgânicos da Reforma

Agrária Popular.

Assim, apontam para a apropriação da propaganda ideológica em detrimento da

publicidade, pois esta última, estaria comprometida com a financeirização de mídia pelos

conglomerados de comunicação e com isso são avessos a utilização das técnicas publicitárias.

No entanto, afirmam que utilizam técnicas de fotografia e elementos estéticos para se

destacarem no Instagram, principalmente. As técnicas de fotografia aliadas aos recursos

publicitários nas redes sociais digitais colaboram com o discurso da propaganda ideológica

desses movimentos.

Vejamos a seguir uma elucidação sobre o uso da publicidade:

O MST ao realizar uma feira de agroecologia, divulga os produtos da agricultura

familiar. Por um lado, essa divulgação tem um apelo ideológico no tocante ao discurso da

soberania alimentar. Embora, também apresente aspectos e formatos publicitários na

organização e divulgação das feiras e produtos, muitos deles com identidade visual e

logomarca, que objetivam representar assentamentos, acampamentos e cooperativas espalhados

pelo país.

Um exemplo citado durante a OPN foi a divulgação do Armazém do Campo. Na mesma

linha de atuação, segue o MAB ao divulgar por meio de assessoria de imprensa, trailers e fotos

de documentários, como é o caso do filme “Arpilleras: bordando a resistência”, lançado no Sesc

de São Paulo em 2017. A seguir temos as imagens dos posts do Facebook que divulgaram o

documentário e o Armazém do Campo.

Figura 33 - Publicidade nas páginas do MAB e do MST

Fonte: MAB e MST

185

Mesmo que, ambos os movimentos desconsiderem o termo publicidade, chegam a

afirmar que o Brasil de Fato, por exemplo, um grande parceiro e idealizado pelos próprios

movimentos utiliza a publicidade para a sustentação do veículo.

Ainda, no quesito publicidade, ambos os Movimentos, têm utilizado o Instagram para a

divulgação das lutas, sobretudo, para a exposição dos produtos comercializados no caso do

MST e das produções artísticas no caso do MAB, ambos com direcionamento maior, que é a

própria luta contra o capital. As publicações de conteúdo direcionadas para o aplicativo

Instagram seguem às tendências e formatos de utilização própria dos aplicativos, ou seja, as

fotografias, ilustrações e outros formatos imagéticos exploram o recurso estético das imagens,

com a utilização de filtros, angulação em primeiro plano, entre outros.

Notícias falsas (Fake news) – O tema das notícias falsas que circulam na internet, surgiu

durante as entrevistas. Os respondentes demostraram preocupação com a crescente utilização

deste tido de conteúdo que ao ser disseminado na rede viraliza, geralmente, com o intuito de

criminalizar o MST. Outro fator atrelado as notícias falsas que pudemos observar foi a grande

preocupação com os ataques cibernéticos nas páginas e perfis destes movimentos. Segundo

relato de um dos respondentes, o MST chega a receber 6 mil ataques de robôs por mês. A partir

desta discussão, a temática da segurança e privacidade na rede também foi abordada durante as

entrevistas, o que parece estar relacionada a própria forma como a Coordenação Nacional de

Comunicação de ambos os movimentos dá as diretrizes de utilização das redes sociais digitais.

Entretanto, embora os movimentos estejam recebendo algumas diretrizes de como utilizar as

tecnologias, este processo ainda está em fase de amadurecimento.

Unidade política - Outro conceito emergido nas codificações e interpretado à luz das

teorias utilizadas nos capítulos anteriores foi o de luta de classes. No geral, os dez movimentos

sociais mapeados têm uma variedade de frentes de atuação que perpassam a lógica de

organização estrutural dos movimentos. Por exemplo, o MDT e o MOTU são movimentos

distintos, mas ao se fundirem ampliam suas frentes de atuação. Outro caso mais específico pode

ser ilustrado pelo MAB, ao incluir em suas frentes de atuação a luta LGBT. Assim, a definição

clássica de classes sociais passa estar fragmentada nas bandeiras e eixos de atuação dos

Movimentos. Isso comprova que na atualidade existe uma imbricação e correlação entre esses

eles, que têm uma ideologia maior que é a unidade política. Embora isso não signifique dizer

que esta noção de classes sociais está refutada em nossa pesquisa.

186

Apesar de não termos utilizado o termo unidade política na teoria, ela emerge a partir

das falas dos respondentes e do material analisado, uma vez que, não buscam apenas dar conta

de suas demandas específicas. A unificação das lutas, na atualidade parece conformar a ideia

de que eles formam uma rede, não somente pelo seu aspecto tecnológico, mas também por ser

uma rede de colaboração mútua e defesa e alargamento de direitos humanos e sociais.

Muito embora, militantes conservadores de esquerda desconsiderem este novo papel

desempenhado pelos movimentos sociais, por acreditaram em certo esvaziamento da luta, neste

trabalho percebemos que na atualidade o caminho para a justiça social e um projeto novo de

democracia passa necessariamente por relações colaborativas, em rede. Destarte, as redes de

colaboração em torno dos movimentos sociais, vão priorizar suas singularidades em relação às

suas frentes de atuação, que são múltiplas, mas que mesmo assim, refletem a luta pelo seu viés

revolucionário, bem como as micro lutas e embates que ocorrem no interior da sociedade

organizada. Seja o movimento de mulheres, negros, jovens, de ampliação dos direitos das

pessoas com necessidades especiais, ou pela defesa dos animais, do ambiente, etc., de uma

forma ou de outra, eixos e temáticas dos movimentos acabam se encontrando e se solidificando.

Essas novas relações podem ser compreendidas a luz de Hardt e Negri (2014, p.150), a partir

da introdução do conceito de biopolítico -, trabalhado no capítulo três desta pesquisa-, por meio

do qual compreende-se que o trabalho não pode ser restringido a atuação assalariada, mas sim

que ele envolve capacidades e práticas criativas, ou seja, corresponde às relações e a própria

vida social.

Assim, discute-se o que seria multidão, senão, esta forma subjetiva e comum de pensar

as alteridades humanas que se conjugam e se completam na busca por uma nova forma de

democracia global? O tecnocapitalismo, apenas, reinventa formas diferenciadas para a

manutenção e circulação do seu poder. As revoluções, que outrora, refletiam as massas

quebrando máquinas e grilhões, na atualidade se apresentam como forma heterogênea de

multiplicidades de forças. A luta de classes, que outrora, congregava trabalhadores operários,

na atualidade orienta o conflito e a busca por mudanças específicas da grande diversidade

humana que incide na formação de redes e, particularmente, de multidão. Assim, orienta a luta

de tod@s que buscam um novo projeto de sociedade igualitária e democrática, que, sobretudo,

priorize a defesa dos direitos humanos em sua amplitude, tais como movimentos vinculados a

melhorias nas condições de trabalho e de remuneração; a defesa dos direitos humanos relativos

aos segmentos sociais e aqueles que lutam para minimizar desigualdades que afetam grandes

contingentes populacionais (PERUZZO, 2014).

187

Dessa forma, cada período histórico dará conta da realidade concreta vivida pela grande

diversidade humana e de movimentos sociais. Aqui nesta pesquisa vimos uma reinvenção do

sentido de luta libertária e revolucionária para outro tipo de configuração, por uma luta que

demanda não somente o operário ou camponês, mas que busca o chamamento político de

tod@s, seja instituições, atores políticos e movimentos sociais, cada um ou tod@s, ao seu modo,

dando um grito pela multidão.

Em contrapartida, ao abordar esta nova configuração dos movimentos sociais e a

atuação em rede, conforme temos afirmado neste capítulo, não podemos deixar de lado outros

aspectos importantes que antes eram a razão de ser dos movimentos. Sim, os movimentos

sociais têm se mostrado muito mais pacíficos a luta de tod@s do que necessariamente a sua luta

específica, seja pela Reforma Agrária Popular, seja pela moradia, por exemplo. Esta

reconfiguração está pautada na conjuntura vivenciada pelo país marcada por profundas crises,

na ordem da política e consequentemente de representação do Estado. Alguns movimentos ao

se institucionalizarem perderam um pouco da autonomia e da capacidade de negociação ao

cederem as pressões impostas a uma certa abertura ao diálogo com os representantes desse

Estado desmantelado.

Por outro lado, o debate em torno dos direitos humanos tem crescido vertiginosamente

devido a fermentação provocada por grupos específicos e abraçada pelos movimentos sociais,

à guisa de referência, o MAB e o MST, ambos passam a atuar na frente da ampliação dos

direitos de cidadania e defesa dos direitos conquistados a duras penas. Apesar da palavra

cidadania ser pouco utilizada nas falas dos respondentes, percebemos que esses dois

movimentos têm atuado singularmente na causa LGBT. O MST, por exemplo, por meio da

militância e coordenação estadual na Bahia, conquistou uma cadeira no Conselho Estadual dos

Direitos da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

O conjunto de dados analisados nesta pesquisa, à luz da técnica da teoria fundamentada

em dados, nos permitiu uma leitura diferenciada de como os movimentos sociais encaminham

as suas lutas por meio da internet. Muitos movimentos acompanharam as tendências e

novidades oriundas das tecnologias de informação e comunicação. A comunicação em torno

dos anos de 1980 e 1990 esteve refletida por meio de reuniões, panfletos, cartilhas,

manifestações artísticas e depois, foi se reinventando com a criação de estação de rádios

comunitárias e alternativas. Ainda que a década de 1990 represente uma guinada estratégica

para muitos movimentos sociais, antes rígidos e sem diálogo com as demais instâncias da

sociedade, passam a fortalecer suas redes de relacionamentos, se institucionalizam e assim

188

passam a priorizar também a comunicação. Já outros movimentos, trabalham a comunicação de

forma tão intrínseca que é difícil saber exatamente em que período ela passa a ser trabalhada

com mais veemência. Uma cartilha do MST datada de 1986 já alertava da importância da

comunicação para a organização dos assentamentos e acampamentos. Com a chegada dos anos

2000 a comunicação foi ganhando novas roupagens na internet.

Com o olhar voltado para os elementos constituintes do materialismo histórico-dialético,

a tendência histórica, a abstração real, o antagonismo e a constituição da subjetividade,

acreditamos ter compreendido como esses processos comunicacionais estão sendo construídos

dentro de um sistema hegemônico estabelecido, ou seja, como a realidade social concreta desses

movimentos é construída a partir de relações de poder, inclusive, no espaço híbrido da internet.

A comunicação dos movimentos sociais na internet e a utilização de novas ferramentas

comunicacionais, se desenvolve na medida em que a lavoura cresce, parafraseando um de

nossos entrevistados, orientando assim a prática social.

As brechas presentes podem servir de norte para a orientação de pesquisas no

desenvolvimento de tecnologias “populares”, para o fortalecimento da teoria crítica voltada

para a comunicação desenvolvida pelos movimentos, no que compete à sua dimensão como

direito humano desconfigurando, assim, a visão tecnicista da comunicação por hora

diagnosticada pelos próprios movimentos, como deficitária. Outra abertura importante diz

respeito às categorias “Construindo atrativos” e “Divulgando”, pois, estão relacionadas a uma

das formas pelas quais o MST e o MAB têm reinventado a comunicação. As narrativas

discursivas apresentadas no tema da Reforma Agrária Popular, por meio dos produtos da

agroecologia e pela afirmativa de que Água e Energia não são mercadorias, com a produção de

documentários e filmes, ambos divulgados na internet, recebem tratamento e apelo imagético

refinado ao trabalharem em seus processos comunicacionais, com o que chamamos de

publicidade social.

189

CONCLUSÃO

A disputa hegemônica pelo poder acontece no espaço híbrido da internet e representa a

abertura para outros espaços alternativos de construção de poder e resistência. Os movimentos

sociais apresentados nesta pesquisa apontam para o ser de muitos, que é a multidão, esta, que

compreende e visa a uma mudança profunda e estrutural da sociedade vigente.

Esta pesquisa demonstrou que a novidade é a forma perversa com que o

tecnocapitalismo refina as suas técnicas e se move no espaço entre fluxos, e que em sua

contradição, produz forças contrárias. Assim, pode a novidade residir nas próprias brechas deste

sistema que degrada, mata e excluí?58

Refletindo sobre a questão acima, a pesquisa explorou alguns encaminhamentos que

elucidaremos a partir de três hipóteses de trabalho que nortearam este trabalho, a saber:

Verificamos que os processos comunicacionais desenvolvidos pelos movimentos

sociais na internet fomentam um espaço de comunicação autônoma na medida em que forjam

dispositivos de resistência para auxiliar a luta pela democracia.

Além disso, identificamos que mediante os processos de comunicação, também há luta

pelos e nos espaços sociais da internet, sempre em busca de novas formas de democracia.

Notou-se ainda, a partir da terceira hipótese de trabalho que embora a internet não seja

o meio exclusivo, ela potencializa o processo comunicacional desses movimentos sociais.

Assim, o primeiro encaminhamento foi a partir da compreensão e reestruturação de 10

eixos temáticos utilizados por Gohn (2013) para categorizar os tipos de movimentos sociais,

dos quais apresentamos o seguinte resultado: movimentos sociais ao redor da questão urbana;

em torno da questão do meio ambiente; movimentos de gênero; etnia; gerações; demandas na

área do direito; ao redor da questão da fome; decorrentes de questões religiosas; movimentos

rurais e movimentos sociais globais. E assim, após essa reestruturação mapeamos os 10

movimentos sociais embasados nas características representatividade, abrangência, bandeiras

de luta pautadas no direito da pessoa humana e, sobretudo, com base nos antagonismos sociais,

nos quais, grande parte dos atores sociopolíticos estão alijados de seus direitos.

Assim, após esse ponto de partida seguimos para outro encaminhamento que resultou

na contextualização da primeira hipótese de trabalho. Portanto, a afirmativa de que os processos

comunicacionais desenvolvidos pelos movimentos sociais na internet fomentam um espaço de

58 Para lembrar o lema do 22ª Grito dos Excluídos.

190

comunicação autônoma na medida em que forjam dispositivos de resistência para auxiliar na

luta pela democracia pôde ser compreendida quanto os movimentos sociais passam a formar e

a formatar novas redes no espaço híbrido da internet. A comunicação desenvolvida pelos

movimentos torna-se autônoma na medida em que esses movimentos ao se empoderar do

próprio sentido do por em comum, o fazem também na internet. A posteriori, os dispositivos

forjados por eles são o seu próprio discurso, a razão de existir do movimento. Esta constatação

se deu principalmente, a partir da OPN do MST e do MAB, pois foram os movimentos

estudados em profundidade.

Além disso, identificamos que mediante os processos de comunicação, também há luta

pelos e nos espaços sociais da internet, sempre em busca de novas formas de democracia. Esta

assertiva complexa também norteou a pesquisa como hipótese de trabalho, como aponta

Bourdieu (2004, p.29) os agentes sociais também podem “lutar com as forças do campo,

resistir-lhes e, em vez de submeter suas disposições às estruturas”, e assim, tem-se a

possibilidade de modificar as estruturas em razão de suas disposições. Existe uma grande

discussão acerca do domínio da internet e de que seus interesses apontam mais para a

tecnocapitalismo do que para atuar em benefício de sujeitos comuns. Isto é fato, mas existe a

própria contradição capital, pois quanto mais se espraia, mas rastros e brechas constitui. O

campo é formado por lutas e tensões, sabemos disso, e os movimentos sociais representam a

possibilidade de mudar estruturas societárias vigentes que esgaçam o tecido social e degradam

os sujeitos excluídos de seus direitos.

Notou-se ainda, a partir da terceira hipótese de trabalho que embora a internet não seja

o meio exclusivo, ela potencializa o processo comunicacional desses movimentos sociais. Dos

10 movimentos pesquisados todos estão presentes na internet, seja por meio de páginas nas

redes sociais digitais, seja por meio de blogs – muitos sem atualização de conteúdo -, entre

outras plataformas, mas estão presentes no espaço de fluxos. Logo, a maioria dos movimentos

sociais pesquisados seguem às tendências e acompanham o fluxo das transformações

tecnológicas. Eles constroem novas teias comunicacionais no ambiente virtual, ou melhor, no

espaço entre fluxos. Porém, existe também aqueles movimentos que apenas aderem às certas

tendências, mas acabam por não dar continuidade ao processo comunicacional na internet. Esta

afirmação é uma brecha para se pensar o motivo pelo qual muitos sujeitos coletivos acabam por

seguir comportamentos, atitudes e moldar seus artefatos culturais.

No decorrer da pesquisa ao discutirmos a respeito da constituição dos movimentos

sociais, vimos que alguns atuam como agentes propulsores de mudanças societárias e que outros

191

atuam como fermentadores de ações que, se não buscam a mudança estrutural societária,

buscam localmente transformar suas demandas em ações concretas. Outro aspecto interessante

da discussão foi resgatar as fases descritas por Peruzzo (2004) mobilização, organização,

articulação e parcerias pelas quais os movimentos sociais passam ao longo de sua constituição

histórica. E assim, perceber que mesmo que esta análise das fases tenha sido feita no final dos

anos de 1990 é ainda aplicável nos dias de hoje, no caso dos movimentos e grupos sociais que

surgiram recentemente.

No capítulo quatro também apontamos como o estudo das fases ajudou na

contextualização deste estudo, porque ao refletir sobre as fases dos movimentos aqui analisados

percorremos pelas suas práticas comunicacionais e como elas estão sendo alteradas com o uso

das tecnologias de comunicação, informação e conhecimento. Os movimentos sociais sempre

compartilharam o comum, na verdade sua razão de existir passa por esse por em comum, que

liga indivíduos e acaba por formar coletivos. O compartilhar, cooperar e por em comum faz

parte da natureza da comunicação. A visibilidade conseguida por meio das redes sociais digitais

é consequência desse por em comum e da reverberação de suas ações. Como mencionamos a

luta comum de muitos homens e mulheres, excluídos de seus direitos básicos continua a cada

dia mais visível e urge por soluções, que na maioria das vezes, são resolvidas, e quanto não,

são visibilizadas por meio das ações coletivas.

Nossa intenção foi a de buscar o entre, ou seja, uma forma rizomática de compreender

os processos comunicacionais que não se encerraram em sua tecnicidade, ou mesmo em sua

origem. Compreendemos o entre ao deixarmos que as experiências, práticas durante a

observação participante netnográfica nos conduzisse pelas falas de cada movimento, num

processo dialético, no qual nosso olhar visou as descontinuidades e não a horizontalidade dos

acontecimentos analisados, já que na internet o tempo é relativo e o aqui e agora é um devir.

No decorrer da pesquisa ao refletirmos sobre a autonomia do campo comunicacional

recorremos a Muniz Sodré (2014) quando ele apresenta a especificidade da vinculação social

inscrita num núcleo objetivo de uma ciência comunicacional. Sodré demonstra que as práticas

socioculturais ditas comunicacionais ou midiáticas estão sendo formatadas como um campo de

ação social que corresponde a uma nova forma de vida, o bios midiático. Nesse quesito essas

práticas comunicacionais ou midiáticas, não esgotariam e nem sintetizariam o problema da

vinculação, já que esta nova relação social gerida por dispositivos midiáticos é fruto do mercado

tecnofinanceiro. A noção de vinculação social, aqui resgatada é definida como a radicalidade

da diferenciação e da aproximação entre os seres humanos (SODRÉ, 2002, p.223). Por

192

conseguinte, a complexidade da afirmação de Sodré mencionada acima, nos levou a pensar que

as formas de vida na contemporaneidade, estão atravessadas pelo bios midiático, inclusive, os

movimentos sociais, por serem formados por sujeitos imbuídos de suas subjetividades e

alteridades. E também das lutas que se travam nessa ambiência e das batalhas que podem ser

vencidas. Quem sabe fazer emergir daí, dessas batalhas, processos vinculativos atravessados

pela simbiose das identidades e das redes um outro lugar, uma outra ambiência em que a

alteridade seja percebida como o outro constituinte do eu.

Assim, outro encaminhamento que a pesquisa elucidou é que a vinculação social

ultrapassa a interação humana, já que interagir não é o mesmo que vincular. O MAB ao fazer o

corpo a corpo nas comunidades atingidas ou em risco, promovem um tipo de vinculação que

acaba por se repercutir entre os moradores daquela localidade, já que em muitos dos locais em

que o MAB atua a internet não chega. Então, esses moradores ainda são informados sobre as

ações do Movimento por meio de jornal impresso ou por comunicado oral das lideranças.

O MST quanto reúne seus membros para a realização de sua mística está num processo

mais singular do que o mero interagir, mais no processo de vincular e de se apropriar. Mas

como fica esse mesmo processo na internet? Ele acaba por auxiliar e fomentar espaços antes

não ocupados, mas que cuja significação está para além da interação homem máquina. A

intenção primeira deste movimento é difundir o seu discurso e enfrentar o capital, fomentando

discussões a respeito da Reforma Agrária Popular. Tanto para o MAB como para o MST a

vinculação acontece de forma orgânica em cada acampamento, assentamento, mobilizações,

atos, formando aí uma rede humana de vinculação social. Já a rede do espaço virtual funciona

como uma extensão rizomática de ampliação de suas lutas. No entanto, ainda assim, preservam

o aspecto de inserção social dos sujeitos militantes desde uma dimensão simbólica frente às

orientações de valores, ou seja, de conduta da razão de ser do movimento.

Destarte, a pesquisa aclarou a tendência da atuação em rede dos movimentos sociais,

seja com outros tipos de organizações ou com veículos de mídia alternativos. Ao mesmo tempo

em que as redes atuam potencialmente no fortalecimento do capitalismo tecnofinanceiro, elas,

a partir do momento em que são apropriadas pelos movimentos sociais passam a ser utilizadas

de modo subversivo ao sistema, atuando como fomentadoras de mudanças sociais.

Chamou-nos a atenção o fato de que essas mesmas redes ao fortalecerem o capitalismo

tecnofinanceiro poderiam também ser utilizadas de um modo subversivo grupos sociais. Muitas

questões envolvem estar na rede, e é claro que, o simples fato de estar na rede não resolve

questões estruturais da sociedade e nem mesmo promoverá a democratização da comunicação,

193

há ainda um debate intenso sobre essa discussão, e que ainda inclui como relembra Hardt e

Negri (2014) a deserção do Estado. Ainda mais, neste interregno, em que temos visto a retirada

de direitos humanos e sociais duramente conquistados.

As abordagens sociológicas que utilizamos no trabalho estruturam o saber sobre os

movimentos sociais em duas frentes, a de conflitos sociais e também a de demandas específicas

de direitos. Alinhada a estas abordagens a categoria multidão, evidenciou-se como alicerce

teórico, em busca de novas abordagens sobre os processos comunicacionais dos movimentos

sociais nesse mundo conectado, ubíquo e veloz.

Outro ponto que se tornou importante na discussão teórica e política da comunicação

desenvolvida por esses movimentos sociais na internet é que a própria comunicação está

intrínseca à relação de produção do comum, e assim, é o alicerce do poder, seja do próprio

capital, seja da multidão.

Embora a observação participante netnográfica tenha compreendido o movimento dos

Trabalhadores Sem Terra e o Movimento dos Atingido por Barragens, os dados coletados no

mapeamento sobre os oito movimentos sociais, também nos indicam que existe uma expressiva

apropriação dos recursos comunicacionais do ponto de vista tecnológico. Nota-se, no entanto,

que embora a comunicação desses movimentos sociais seja trabalhada na internet ainda falta

inseri-las ou ampliá-las no contexto menor em que também se situam, no caso de comunidades,

acampamentos e assentamentos, isto, quando existe a disponibilidade de conexão à rede

mundial de computadores, e principalmente, capacitação teórica e técnica para atuar na

comunicação comunitária.

Após submergirmos nas codificações propostas pela técnica da teoria fundamentada em

dados e resgatar os conceitos deixados em dispersão durante a pesquisa, os explicitamos e

buscamos as relações que de alguma forma os vinculavam. Muitas terminologias e conceitos

têm sido utilizados para representar as manifestações oriundas das classes ora, subalternizadas.

Assim, alguns termos que deixamos em dispersão durante a revisão focada de literatura como,

por exemplo, o de popular aliado à comunicação, puderam ser resgatados. Porém, a pesquisa

demonstrou que os conceitos de comunicação popular e comunitária debatidos na academia e

analisados com base nas práticas dos movimentos são feitos sem uma reflexão teórica do que

eles realmente representam, além da compreensão técnica do fazer comunicacional.

Dados empreendidos na pesquisa apontam que os movimentos sentem a necessidade

de potencializar a comunicação em duas grandes frentes: a primeira é da comunicação que

dialoga com os próprios militantes, ou seja, interna. E a segunda é uma comunicação pensada

194

estrategicamente para atuar para fora dos movimentos, ou seja, para a ampliação do debate com

a sociedade. Nestes quesitos apontados, tanto o MST como o MAB, estão buscando refletir

sobre o próprio sentido de comunicação, para assim, buscar formação técnica para os

comunicadores populares, cujo objetivo visa a inserir reflexão teórico-crítica ao produzir

conteúdo e atuar frente à comunicação na internet.

Os debates teóricos a respeito da comunicação em sua dimensão humana e a cerca dela

para o desenvolvimento da luta específica de cada movimento não é realizado de forma

consistente. Vários fatores colaboram para que este desenvolvimento acabe sendo prejudicado.

Um deles é a própria abrangência nacional do movimento em questão que em muitos casos,

desfavorece que militantes participem de forma ativa de formações. Outro fator encontrado na

pesquisa diz respeito aos custos de deslocamento etc.

À guisa de conclusão, a reboque do discurso de que a internet está aí, e que devemos

nos adaptar a esse novo modo de estar no mundo, em que a cada dia a realidade vivida passa a

ser tecnologizada e que, consequentemente, as relações humanas tendem a estar reverberadas

nas redes digitais precisamos repensar um projeto possível de sociedade democrática.

Multidão.

195

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201

APÊNDICE A - Termo de Consentimento Informado Online

Universidade Metodista de São Paulo

Título do Projeto de Pesquisa: movimentos sociais na internet: comunicação, democracia e

resistência em rede

Pesquisadora: Suelen de Aguiar Silva

Termo de Consentimento Livre Esclarecido para Pesquisa Online

Você está sendo convidado(a) a ser um(a) participante voluntário(a) em um estudo científico.

Finalidade:

O objetivo deste estudo é mapear os processos comunicacionais dos 10 principais movimentos

sociais brasileiros presentes na internet. Esperamos saber mais sobre as práticas

comunicacionais dos movimentos sociais na internet e entender as imbricações destes com o

uso das tecnologias de informação e comunicação.

Terminada a investigação, a pesquisadora pretende publicar o estudo em uma revista acadêmica

e apresentá-lo em congressos.

Procedimentos:

Se você decidir fazer parte deste estudo, sua participação envolverá:

consentir uma entrevista a ser realizada pessoalmente, por telefone, por meio de chat ou

correio eletrônico;

essa entrevista levará cerca de duas horas;

a mesma entrevista focará em suas experiências online relacionadas a comunicação do

movimento social em que você participa;

no caso de uma entrevista face a face, a sessão será gravada; a entrevista por telefone

será gravada; a entrevista por meio de chat e correio eletrônico será arquivada para

referência futura.

Riscos

Sua participação no estudo pode envolver os seguintes riscos:

Não há riscos previsíveis ou desconfortos no presente estudo. Os riscos envolvidos não são

maiores do que aqueles envolvidos em atividades diárias, como falar ao telefone ou utilizar

202

correio eletrônico. Uma vez que alguns temas relacionados a luta dos movimentos sociais

podem ser sensíveis, é possível que suas lembranças sejam despertas e tornem-se emocionais.

Benefícios

Sua participação no estudo pode lhe trazer os seguintes benefícios:

Você não se beneficiará de nenhuma forma por participar do estudo. Contudo, sua participação

pode contribuir para o nosso mapeamento dos processos comunicacionais dos movimentos

sociais populares brasileiros na internet.

Compensação

Não há nenhum tipo de remuneração por sua participação nesta pesquisa.

Sigilo

Os seguintes procedimentos serão adotados a fim de manter a sua identidade pessoal em sigilo:

Para proteger o sigilo de sua identidade, seu nome não aparecerá em nenhuma publicação. Você

receberá um pseudônimo (nome falso) que será utilizado em vez do seu nome, para disfarçar

sua participação. No caso de citações sobre atividades que você realizou online (como

postagens, comentários etc), esse disfarce poderia ficar vulnerável. Usando um mecanismo de

busca, uma pessoa motivada poderia violá-lo, assim como poderia pegar uma citação feita na

pesquisa e usar um mecanismo de busca para encontrar a página online real. Eles poderiam,

portanto, violar o disfarce do pseudônimo usado na pesquisa e localizar a postagem original.

Não prevemos descobrir informações confidenciais nesta pesquisa. No caso de isso acontecer,

outras precauções serão utilizadas para proteger sua confidencialidade.

Os dados que coletarmos sobre sua participação no movimento social serão mantidos em sigilo

dentro dos limites da lei. Para assegurar que esta pesquisa está sendo conduzida de forma

adequada, ela será submetida ao Comitê de Ética da Universidade Metodista de São Paulo.

No caso de comunicações eletrônicas no consentimento online, você deve estar ciente de que

este documento não está sendo executado a partir de um servidor HTTPS “seguro”, como o tipo

utilizado para efetuar transações com cartão de crédito. Existe, portanto, uma pequena

possibilidade de que as respostas sejam visualizadas por pessoas não autorizadas.

Custos para você

203

Os participantes da pesquisa não terão nenhum custo como resultado de seu consentimento para

serem entrevistados.

Direitos dos participantes

Sua participação neste estudo é voluntária. Você não tem nenhuma obrigação de

participar.

Você tem o direito de mudar de ideia e sair do estudo a qualquer momento, sem

apresentar qualquer motivo e sem qualquer penalização.

Qualquer nova informação que possa fazer você mudar de ideia sobre estar no estudo

será fornecida a você.

Você receberá uma cópia deste documento de consentimento.

Você não renuncia a qualquer de seus direitos legais ao assinar ou concordar com este

termo de consentimento.

Perguntas sobre o estudo

Se você tiver alguma dúvida sobre esta pesquisa, pode contatar a pesquisadora Suelen Aguiar

pelo telefone (21) 99842-9135 ou via WhatsApp no mesmo número.

Você leu as informações nesta página, concorda em participar?

(Marque uma alternativa)

Li e entendi estas informações e concordo em participar.

Eu não quero participar.

Endereço de correio eletrônico:

(necessário para confirmar a identidade)

Enviar

204

APÊNDICE B – Roteiro de entrevista semiestruturada online

A temática da entrevista versa sobre os processos comunicacionais desenvolvidos pelo

movimento social (nome do MS). Espera-se, portanto, explorar informações concernentes ao

desenvolvimento da comunicação na internet em nível nacional.

Questões iniciais:

Nome59

Qual a sua formação?

Qual a sua idade?

Tempo de atuação no MS

Você atua em qual setor? Nacional/estadual

Rotina produtiva:

1. Quantas pessoas/militantes trabalham com a comunicação do MS?

2. Como a equipe que trabalha com a comunicação do MS está estruturada?

3. A comunicação é desenvolvida por coletivos?

4. Existe um manual de comunicação? Como são estabelecidas as regras de redação?

5. Quais são os meios de comunicação (próprios) utilizados?

6. Como o MS organiza a sua produção comunicacional em termos de pautas/conteúdos?

7. Quais são as estratégias de comunicação mais usadas?

8. Além do jornalismo utilizam alguma ferramenta publicitária para divulgar os

produtos/ações do MS?

Internet:

9. Utiliza a comunicação como processo organizativo e conscientização política? Caso

sim, você pode falar um pouco a respeito e também da transformação dessa comunicação ao

longo do tempo até chegar nas tecnologias de informação e comunicação (TICCS)/internet.

10. Qual o papel das TICCS hoje para as lutas sociais, em especial, para os militantes?

11. Como o MS faz uso e gerenciamento das redes sociais?

59 Adotaremos pseudônimos para preservar a identidade dos participantes na pesquisa.

205

12. Quando se define o conteúdo nas pautas, os recursos hipertextuais, multimidiáticos, de

interatividade, entre outros, são estabelecidos previamente?

13. Como o MS avalia a utilização da internet? Explique.

14. Com que frequência as mídias do MS são atualizadas?

15. Qual o direcionamento do MS para a produção de audiovisuais?

Relacionamento /interação na rede:

16. Como é feito o relacionamento com os leitores/militantes? Existe diálogo?

17. Visão do movimento sobre a comunicação e a comunidade externa/sociedade.

18. Avaliação final do uso das tecnologias de informação e comunicação (TICCS),

principais lacunas, perspectivas de mudanças, entre outros:

206

ANEXO – Parecer consubstanciado do CEP

207

208