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UNIVERSIDADE MUNICIPAL SÃO CAETANO DO SUL GRADUAÇÃO EM DIREITO BÁRBARA CRISTINA MARRETO MARQUES A CARTA PSICOGRAFADA COMO PROVA NO TRIBUNAL DO JÚRI São Caetano do Sul 2016

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UNIVERSIDADE MUNICIPAL SÃO CAETANO DO SUL

GRADUAÇÃO EM DIREITO

BÁRBARA CRISTINA MARRETO MARQUES

A CARTA PSICOGRAFADA COMO PROVA

NO TRIBUNAL DO JÚRI

São Caetano do Sul

2016

BÁRBARA CRISTINA MARRETO MARQUES

A CARTA PSICOGRAFADA COMO PROVA

NO TRIBUNAL DO JÚRI

Trabalho apresentado ao Programa de

Bacharelado em Direito da Universidade

Municipal de São Caetano do Sul – USCS.

Orientador

Prof. Carlos Gianfardoni

São Caetano do Sul

2016

BÁRBARA CRISTINA MARRETO MARQUES

A CARTA PSICOGRAFADA COMO PROVA

NO TRIBUNAL DO JÚRI

Monografia apresentada no curso de

graduação à Universidade Municipal São

Caetano do Sul, Faculdade de Direito

para a conclusão do bacharelado em

Direito.

Área de concentração

Data de defesa: ___/___/___

Resultado: ____________________________.

Banca Examinadora constituída pelos professores:

Prof. Carlos Gianfardoni ___________________________________

Universidade Municipal São Caetano do Sul

1º Examinador ___________________________________

Universidade Municipal São Caetano do Sul

2º Examinador ___________________________________

Universidade Municipal São Caetano do Sul

REITOR DA UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL – USCS

Prof. Dr. Marcos Sidnei Bassi

PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO

Prof. Ms. Hélio Gonçalves de Souza

GESTOR DO CURSO DA ESCOLA DE DIREITO

Prof. Dr. Robinson Henriques Alves

Dedicatória

Quero dedicar este trabalho a minha família,

que é a minha base. Primeiramente ao meu

noivo Valério, que me apoiou desde o início,

me deu força para acreditar no tema escolhido,

nos momentos de dificuldade com paciência,

me incentivou a jamais desistir. Quero dedicar

também a minha mãe Adriana, responsável

pela minha educação e pelos ensinamentos da

vida que me fizeram a mulher que sou hoje.

Não posso deixar de agradecer ao meu irmão

Renato que sempre esteve ao meu lado, me

protegendo e a minha vó Odete, responsável

também pela minha formação. Dedico ao meu

professor orientador Carlos Gianfardoni, que

com boa vontade acreditou no meu tema, me

incentivou e me aconselhou.

Agradecimentos

Expresso meu agradecimento primeiramente a

Deus, por me iluminar, por me dar saúde e

sabedoria para desenvolver da melhor maneira,

pela primeira vez, um trabalho acadêmico.

Agradeço a todos que direta ou indiretamente

contribuíram para que fosse possível a

realização e conclusão do meu trabalho.

Agradeço especialmente a minha família pelo

apoio e por compreender os momentos de

ausência. Agradeço aos colegas de trabalho,

especialmente às minhas coordenadoras

Najme e Mônica, que tiveram a compreensão

nesse período. Agradeço ao meu professor

orientador, Carlos Gianfardoni e estendo o

agradecimento a USCS, que com os

professores e colegas me deram a

oportunidade do conhecimento. Em especial,

às colegas Patrícia, Juliana e Kamila. A todos o

meu muito obrigado.

A necessidade para o homem de viver em sociedade, ocasiona-lhe

obrigações particulares? Sim, e a primeira de todas é a de respeitar o direito

dos seus semelhantes. Aquele que respeitar esses direitos será sempre justo. No

vosso mundo, onde tantos homens não praticam a lei de justiça, cada um usa

de represálias e é isso o que faz a perturbação e a confusão de vossa sociedade.

A vida social confere direitos e impõe deveres recíprocos.

(Allan Kardec)

Resumo

O presente trabalho trata do uso da carta psicografada, como meio de prova, no

Tribunal do Júri. Traz um breve relato histórico da origem do Tribunal do Júri, sua

importância, devido à participação de populares em decisões importantes, no

deslinde de crimes contra o bem jurídico mais importante, protegido pela

Constituição Federal, à vida. Analisa os procedimentos previstos no Código de

Processo Penal que regem o Tribunal do Júri, especificando os atos e o papel de

cada membro da Sessão Plenária. Para possibilitar o entendimento da carta

psicografada, a pesquisa traz breve relato acerca da doutrina Kardecista, trazendo

ideias de Allan Kardec, principal representante da doutrina. O objetivo não é tratar

do assunto com cunho religioso, mas esclarecer os aspectos principais acerca da

doutrina, a fim de possibilitar o entendimento quanto à origem da psicografia e a

forma como ela é apresentada. O uso da carta psicografada como prova está

demonstrado também, em casos concretos, apurados a partir de pesquisa

bibliográfica e jurisprudencial. O ordenamento jurídico, juntamente com a doutrina

traz as possibilidades de provas que poderão ser apresentadas, não tratando-as

como um rol taxativo, mas um rol aberto, para que não se limite as formas de se

chegar a um resultado justo. A prova poderá ser aceita, desde que não seja ilegal. É

preciso compreender, por fim, como se dá o uso de tal prova e qual seu objetivo.

Palavras Chave: Processo Penal, Tribunal do Júri, Provas e Psicografia.

Abstract

This work deals with the use of psychographic letter as evidence in the jury. Presents

a brief historical account of the origin of the jury, its importance due to the popular

participation in important decisions in the disentangling of crimes against the most

important legal and protected by the Federal Constitution, the life. Analyzes the

procedures laid down in the Criminal Procedure Code governing Jury Court,

specifying the acts and the role of each member of the Plenary Session. To facilitate

the understanding of the psychographic letter, the research brings brief report about

Kardecist doctrine, bringing Allan Kardec ideas, the main representative of the

doctrine. The goal isn’t to discuss the matter with religious overtones, but clarify the

main aspects concerning the doctrine, in order to facilitate understanding as to

origin of the psychographics and how it is presented. The use of the psychographic

letter as proof is also demonstrated, in specific cases determined from bibliographic

and jurisprudential research. The legal system, together with the doctrine brings the

possibilities of evidence that can be presented, not treating them as an exhaustive

list, but an open list, so it does not limit the way to reach a fair result. The proof may

be accepted, provide it is not illegal. You have to understand, finally, how it is the use

of such evidence and what its objective is.

Keywords: Criminal proceedings. Jury court. Evidences. Psychographics.

SUMÁRIO:

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12

2. ORIGEM HISTÓRICA DO TRIBUNAL DO JÚRI ............................................... 14

3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO JÚRI ..................................................... 19

3.1 Da Plenitude de Defesa. ..................................................................................... 19

3.2 Do Sigilo Das Votações ...................................................................................... 20

3.3 Da soberania dos Veredictos. ............................................................................. 21

4. DA COMPETÊNCIA DO JÚRI ............................................................................ 23

5. DA PREPARAÇÃO DO PROCESSO PARA JULGAMENTO EM PLENÁRIO. 26

5.1 Formação da Culpa ............................................................................................. 27

5.2 Pronúncia ............................................................................................................ 28

5.3 Impronúncia ......................................................................................................... 28

5.4 Desclassificação .................................................................................................. 29

6. PREPARAÇÃO DO PLENÁRIO ........................................................................ 31

6.1 Do alistamento dos Jurados ................................................................................ 32

6.2 O réu ................................................................................................................... 33

6.3 A acusação .......................................................................................................... 33

6.4 A defesa .............................................................................................................. 34

6.5 Solenidades da Sessão Plenário ......................................................................... 34

6.6 Debates ............................................................................................................... 36

7. DO JULGAMENTO ............................................................................................ 40

7.1 Quesitos .............................................................................................................. 40

7.2 Sentença ............................................................................................................. 42

8. DAS PROVAS .................................................................................................... 44

8.1 Das Provas admitidas no Plenário do Júri ........................................................... 45

9. ESPIRISTISMO .................................................................................................. 50

10. A PSICOGRAFIA ............................................................................................... 52

11. A PSICOGRAFIA COMO PROVA NO PLENÁRIO DO TRIBUNAL DO JÚRI...55

12.CASOS CONCRETOS DO USO DA PSICOGRAFIA NO TRIBUNAL DO JÚRI. 57

12.1 Caso 1 ............................................................................................................... 57

12.2 Caso 2 ............................................................................................................... 57

13. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 59

14. Referências Bibliográficas ............................................................................... 61

15. Anexo A – Principais peças – Caso Ourinhos ............................................... 63

16. Anexo B – Principais peças – Caso Campos do Jordão .............................. 94

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1. INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objetivo ilustrar a possibilidade de

apresentação da carta psicografada, como meio de prova no Tribunal do Júri. Busca

compreender como essa prova pode ser aceita, qual seu fundamento no

ordenamento jurídico e suas possibilidades de apresentação.

O rito do Tribunal do Júri está previsto na nossa Carta Magna, trazendo a

ideia de levar a sociedade o julgamento, condenando ou absolvendo, individuo

acusado de violar o bem jurídico mais importante e protegido, à vida.

Os crimes de competência do Tribunal do Júri são os crimes tipificados no

Código Penal, como crimes dolosos contra a vida, nos artigos 121 á 127, nas formas

consumadas e tentadas.

O legislador coloca três princípios constitucionais que deverão estar

presentes, sob pena de nulidade, em todo o processo de julgamento, em todas as

fases que levarão ao deslinde, ou seja, que motivarão a decisão dos jurados. Tais

princípios estão na Constituição Federal, sendo eles a plenitude de defesa, o sigilo

das votações e a soberania dos veredictos.

Os jurados serão escolhidos dentre a sociedade através de indicações de

seus empregadores ao juiz, ou poderão se inscrever, desde que estejam dentro do

que exige a Lei. Há exigência de que sejam pessoas, sobretudo, de reputação

ilibada. A decisão do Júri é soberana, porém não motivada na Lei. Os jurados

estarão presentes no julgamento, a eles serão apresentados todos os fatos

relevantes e as provas pertinentes ao processo, que através disto chegarão a um

veredicto. Tal decisão é passível de recurso aos órgãos superiores do Poder

Judiciário, porém, caso seja verificado que a decisão dos jurados é contrária às

provas dos autos, o Tribunal determina que se instale novo Conselho de Sentença,

ou seja, não modifica a matéria no mérito, manda julgar novamente pelos jurados.

O Conselho de sentença instalado no Tribunal do Júri fará papel de juiz

naquele caso específico, porém há diferença na motivação para escolha do

veredicto final, uma vez que as decisões que emanam dos tribunais comuns,

realizadas por juiz togado merecem fundamentação legal combinado com o conjunto

probatório do caso a ser julgado. Já o Conselho de Sentença é formado por

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populares, pessoas que se presume não conhecer o ordenamento jurídico, logo,

suas decisões não serão fundamentadas em Lei. O jurado vota de acordo com suas

convicções e impressões criadas ao longo de todo julgamento.

O rito realizado no Tribunal do Júri tem a ideia de elucidar aos sete jurados

tudo que ocorreu no processo até aquela fase de julgamento, ou seja, as

testemunhas são ouvidas novamente, bem como, o réu é interrogado, seguido dos

debates entre Ministério Público, que opera como órgão acusador e defesa.

O uso da carta psicografada no Tribunal do Júri já ocorreu no ordenamento

jurídico, ocasião em que nos casos aqui apresentados, o réu foi absolvido. O

objetivo do presente trabalho não é convencer ou criar debates religiosos, mas de

ilustrar a aceitação por parte do Poder Judiciário da apresentação de tal prova,

tendo-a como prova documental, que poderá ser apresentada tanto pelo órgão

acusador, quanto pela defesa.

É importante ressaltar que o presente trabalho não tem objetivo de provocar

discussões de cunho religioso. A doutrina Kardecista foi apresentada, especificando

seus três pilares, a filosofia, a ciência e a religião, a fim de possibilitar o

entendimento da psicografia.

O presente trabalho tem como objetivo mostrar como deverá ser realizada à

apresentação da carta psicografada no processo, assim como qualquer outro

documento que venha a ser acostado nos autos como meio de prova, observando

sempre, o que dispõe o Código de Processo Penal e as demais Leis pertinentes ao

assunto.

Aqui revela-se uma possibilidade, portanto, de uso da carta

psicografada como prova, que será apresentada no Tribunal do Júri a fim de que

seja mais um meio colocado no conjunto probatório, auxiliando na elucidação do

caso aos respeitados jurados.

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2. ORIGEM HISTÓRICA DO TRIBUNAL DO JÚRI

Ao longo da história do direito brasileiro o Tribunal do Júri foi se

aperfeiçoando e adaptando-se, conforme o momento histórico que o país vivia,

sofrendo influências dos regimes políticos, passando pelas fases republicana,

totalitária e democrática.

Sua primeira criação foi influenciada pelo direito Inglês. “A origem remota do

júri é atribuída aos centeni comites de Roma, mas certamente a figura pode ser

dada como nascida na Inglaterra, a partir de Henrique II, por volta do ano 1100”.

(GRECO, 2012, p.588). Foi instituído em 18 de junho de 1822, pelo Príncipe

Regente, mantendo como princípios básicos a ideia de bondade, justiça e salvação

pública. A organização do Tribunal reunia inicialmente 24 (vinte e quatro) cidadãos.

Havia alguns fatores determinantes para a escolha dessas pessoas, tais como

“homens bons, honrados, inteligentes e patriotas” (NUCCI, 1999, p 36).Essas

pessoas eram convocadas para desempenhar seu papel no Júri. Dessas vinte e

quatro pessoas, o réu tinha poder de rejeitar dezesseis, restando oito para

formação do Conselho de Sentença. O procedimento do júri foi inserido na

Constituição de 1824, no capítulo que tratava acerca do poder judiciário, estando

distante ainda, da ideia de direitos e garantias individuais como veremos mais a

frente na história, conforme disciplina a doutrina.

“No Brasil o Tribunal do Júri existe desde 18 de junho de

1822. Surgiu originalmente para julgar os crimes de abuso da

liberdade de imprensa, sendo composto inicialmente por 24

cidadãos selecionados na sociedade (cidadãos bons,

honrados, inteligentes e patriotas).” (TASSE, GOMES E

BIANCHINI, 2012, p.15).

Ainda com inspiração nas Leis Inglesas, tratando sobre o abuso de liberdade

da imprensa criou-se a Lei de 20 de setembro de 1830, onde definiu-se o júri de

acusação e de julgamento.

Cabia ao primeiro (arts 20 a 23) julgar a admissibilidade da

acusação. Após ouvir a acusação e a defesa, bem como

testemunhas, se fosse o caso, e tomar ciência das provas, o

conselho de jurados se reunia a portas fechadas para decidir,

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por maioria absoluta, se achou ou não achou matéria para

acusação (art. 21). O passo seguinte era reunir o júri de

julgamento para, ouvindo as alegações as partes, colhidas as

provas e respondendo aos quesitos elaborados pelo juiz de

direito, deliberar em sala secreta, por maioria absoluta, acerca

da culpa do réu (arts. 23 a 36). (NUCCI, 1999, p.37)

O código de 1832 aproximou a ideia do que temos hoje de Tribunal do Júri,

onde o juiz preside a sessão, esclarece aos jurados o que e como deve ser

desempenhado seu papel, e ao final, aplica a pena condizente com a decisão dos

jurados.

Em 1841, para a maioria da doutrina, o Júri foi excluído no ordenamento

jurídico, transferindo a competência aos delegados e juízes do município, porém

logo em seguida, em 1950 através de Decreto-Lei, foram definidos os crimes de

competência do Júri, conforme explana Nucci.

Foi extinto o júri de acusação e sua tarefa – julgar admissível a

acusação – passou a competência dos delegados e dos juízes

municipais, cabendo ao juiz de direito examinar todos os processos

de formação de culpa podendo emendar os erros que achasse, bem

como fiscalizar a atividade das autoridade (sic) policiais. A

competência do juiz de direito aumentou e a dos jurados diminuiu.

(NUCCI, 1999, p.37).

Com a Proclamação da República o Júri se manteve no ordenamento jurídico,

limitando sua competência aos crimes federais.

A primeira vez que o Júri foi considerado como direito do cidadão e tido como

uma garantia constitucional foi em 24 de fevereiro de 1891, graças a Rui Barbosa,

que considerou princípios que se perpetuaram ao longo do tempo, como direito a

liberdade, princípio do juiz natural, princípio do devido processo legal e direito a

fiança, princípio da legalidade da prisão, dentre outros conforme Nucci (2012).

Em 1899 o STF definiu as características do Júri

[...] fixando-lhe características: a) composição por jurados

qualificados periodicamente pelas autoridades designada por lei; b)

conselho de julgamento composto de certo número de juízes,

escolhidos a sorte; c) incomunicabilidade dos jurados com pessoas

estranha ao Conselho; d) alegações e provas das partes produzidas

publicamente perante ele; e) julgamento segundo a consciência; f)

irresponsabilidade pelo voto. (NUCCI, 1999, p.38)

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Em 1937 houve alteração no texto constitucional, silenciando definições

acerca do Tribunal do Júri, motivo pelo qual, através de decreto explanou-se a

competência do júri, se aproximando do que conhecemos hoje, determinando

competência de julgamento aos crimes de homicídio, infanticídio, induzimento ou

auxilio ao suicídio, duelo com resultado de morte ou lesão seguida de morte, roubo

seguido de morte e sua forma tentada. Entretanto a soberania do júri fora tirada com

o artigo 96 da carta constitucional de 1937.

Se, apreciando livremente as provas produzidas, quer no sumário de

culpa, quer no plenário de julgamento, o Tribunal de Apelação se

convencer de que a decisão do júri nenhum apoio encontra nos

autos, dará provimento a apelação, para aplicar a pena justa, ou

absolver o réu. Conforme o caso. O Brasil vivia uma politica

totalitária, onde outros direitos e garantias não previstos

expressamente no texto constitucional poderiam ser inseridos a

qualquer tempo, de acordo com o interesse do cenário politico.

Tratou-se de um documento nitidamente produzido sob a égide de

um Estado totalitário, bastando ver as limitações que se estabeleceu

para a liberdade de pensamento e as hipóteses autorizadas da pena

de morte, voltada especificamente para delitos políticos. (NUCCI,

1999, p.39).

Em 1946 com o fim do totalitarismo e o retorno a democracia, tudo aquilo que

se tinha de garantia e de norma no direito, que fora rechaçado retornou ao texto

constitucional, conforme disciplina Nucci.

[...] quando o Brasil voltou a democracia, houve por bem o

constituinte de 1946 restabelecer tudo aquilo que entendeu ter sido

extirpado por força de violência e totalitarismo. Dentre essas

tendências fez ressurgir, mais forte e com maiores garantias , o

Tribunal do Júri. Sob o titulo IV (Da Declaração de Direito), capitulo II

(Dos Direitos e das Garantias Individuais), estabeleceu, no art. 141,

§28, que “é mantida a instituição do júri, com a organização que lhe

der a lei, contando que seja impar o número dos seus membros e

garantido o sigilo das votações, a plenitude de defesa do réu e a

soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência

o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. (NUCCI, 1999,

Pag.40)

No mesmo sentido, explica Grego.

No correr da história brasileira, o júri teve sua competência ora

ampliada ora restringida, fixando a Constituição de 1946 a

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competência mínima para os crimes dolosos contra a vida,

convivendo com ele o júri de imprensa e o escabinado de economia

popular. (Greco, 2012, p. 588).

Essa nova Constituição teve como objetivo apagar as marcas fortes do

totalitarismo vivido anteriormente e a instituição do júri trazia ideia de democracia,

entregando uma parte do poder a sociedade, conforme disciplina Nucci.

[...] em verdade, o que parece ter movido o legislador de 1946 a

trazer de volta o tribunal popular ao texto da constituição, inclusive

com maiores garantias, foi o fato de o júri sempre ter representado

um foco de democracia, uma tribuna livre onde as causas são

debatidas e apreciadas diretamente pelo povo (NUCCI,1999, p.41)

Ataliba Nogueira foi quem fez a defesa da permanência e aperfeiçoamento do

júri na Lei brasileira da época defendendo a ideia que de para o direito penal,

sobretudo, era uma forma de expressar democracia e individualizar as penas. “A

defesa da Constituição foi feita por Ataliba Nogueira, dizendo que o Tribunal do Júri

era índice de democracia, expressão da liberdade e sempre realizou, dentro da

justiça penal, notável trabalho de individualização da pena.” (NUCCI, 1999, p.42)

Portanto foi uma forma usada para mostrar a sociedade a democracia de forma

materializada, trazendo ao povo a competência de decidir e julgar certas matérias no

direito penal.

Mesmo na concepção moderna da democracia, não podemos afastar

o cidadão da função de julgar, uma vez que colabora no governo

elegendo seus dirigentes. Colabora na confecção da lei elegendo os

parlamentares; colabora na distribuição da justiça julgando seus

semelhantes.(NUCCI, 1999, p.42)

A Constituição de 1967 trouxe junto com a volta do militarismo no pais

mudanças em relação ao Tribunal do Júri, mantendo sua existência e soberania no

julgamento de crimes dolosos contra a vida. Aqui observa-se uma proximidade com

o que temos hoje e um distanciamento do Tribunal do Júri das questões politicas. O

texto constitucional dizia “são mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá

competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida.” Dois anos após essa

determinação constitucional, limitou-se a soberania do julgamento dos tribunais do

júri, através de emenda constitucional de 1 de outubro de 1967 com o seguinte texto

“é mantida a instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes

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dolosos contra vida.” Nesse contexto ficou a cargo de lei ordinária a tarefa de apurar

a soberania ou não das decisões dos tribunais.(NUCCI, 1999, p.43)

Com o fim do período militar no Brasil, que teve duração entre os anos de

1964 e 1985, o legislador deparou-se com a necessidade de resgatar princípios

constitucionais que se perderam desde a constituição de 1946, trazendo ideias de

liberdade, igualdade, segurança nas decisões.

Nesse diapasão, chegamos ao que conhecemos hoje, em que a nossa atual e

vigente constituição de 1988 trata o Tribunal do Júri no Titulo II, Dos Direitos e

Garantias Fundamentais, Capitulo I Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos,

artigo 5º, inciso XXXVIII, leia-se “É reconhecida a instituição do júri, com a

organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude da defesa; b) o sigilo das

votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos

crimes dolosos contra a vida".

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3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO JÚRI

A Constituição Federal determina três princípios basilares que deverão estar

presentes no rito do tribunal do júri, são eles a plenitude de defesa, o sigilo das

votações e a soberania dos veredictos, conforme artigo 5º inciso XXXVIII, da referida

carta magna.

3.1 Da Plenitude de Defesa.

Fator ligado a plenitude de defesa é o fato do réu ser julgado em plenário

pelos seus semelhantes, ou seja, um corpo de jurados de reputação ilibada,

nomeados pelo juiz, porém sem o conhecimento técnico do funcionamento do

ordenamento jurídico. Discute-se a amplitude dessa defesa, uma vez que a

Constituição Proclama que todos os cidadãos são iguais perante a Lei (Art. 5º, sem

distinção de qualquer natureza), porém a discussão seria em torno da distinção

entre classe social, cultura, profissão, segundo Nucci.

Um médico, v.g., é igual a um marceneiro que, por sua vez, é igual a

um sem-teto, sem profissão definida. Pode um médico julgar um

marceneiro, que pode julgar um sem-teto. Em tese e juridicamente

falando, sim. Mas, na pratica, seria um julgamento justo? Os valores

utilizados pelo medico seriam os mesmos que tem o marceneiro e

este, por seu turno, teria os mesmos que o sem-teto? O princípio da

isonomia prevê, afinal, que se deve tratar desigualmente os

desiguais? Assim sendo, não seria natural que pessoas do mesmo

nível cultural, social e econômico julgassem acusados de igual

status? (NUCCI, 1999, p.142)

O Código de processo penal não prevê essa distinção na convocação dos

jurados para organização do júri, logo conclui-se que o réu ser julgado por seus

pares significa que sociedade irá julgá-lo a partir do desenvolvimento do devido

processo legal, garantindo a plenitude de defesa nos esclarecimentos pertinentes e

na formação da convicção dos jurados.

A defesa do réu não deverá restringir-se a argumentos jurídicos e

doutrinários, deve ir além da defesa formal. O causídico deve usar todos os

argumentos possíveis, conforme disciplina a doutrina

20

Toda forma de defesa é, em princípio, válida, no procedimento do

júri, incluindo a autodefesa (feita pelo acusado), assim como a

defesa técnica (desenvolvida pelo defensor).Exemplo: o advogado

pode fazer apelo emocional aos jurados para conseguir a absolvição.

Teses que normalmente não são aceitas pelo juiz singular (por

exemplo: coculpabilidade da sociedade) podem ser invocadas no

plenário do júri. (TASSE, GOMES E BIANCHINI, 2012, p.40).

Portanto a defesa deve esgotar os meios de convencimento dos jurados em

benefício do réu, conforme disciplina a doutrina a seguir, que faz referência ao uso

da carta psicografada.

A defesa plena não se esgota apenas nos argumentos jurídicos, e

sim, também, em recursos psicológicos emocionais, em teses

culturais etc. Inclusive carta psicografada já foi admitida no plenário

do Tribunal do Júri (TJ/RS, Apelação Crime 70016184012, 1ª

Câmara Criminal, rel. Des. Manuel José Martinez Lucas, j. 11-11-

2009, www.tjrs.jus.br). (TASSE, GOMES E BIANCHINI, 2012, p.41).

A falta da defesa plena no Tribunal do Júri pode ocasionar a dissolução do

Conselho de Sentença. Se o Juiz Presidente entender que o réu não foi defendido,

dissolve-se a sessão e designa novo julgamento com novo conselho de sentença.

(TASSE, GOMES E BIANCHINI 2012).

3.2 Do Sigilo Das Votações

O sigilo da votação no Tribunal do Júri vai de encontro com um dos princípios

mais importantes do nosso ordenamento jurídico, o princípio da publicidade, previsto

no art. 5º, LX a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a

defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Além de previsto nesse artigo,

a constituição volta a falar novamente da publicidade no artigo 93, IX “todos os

julgamentos dos órgãos do poder judiciário serão públicos [...] podendo a lei, se o

interesse público exigir, limitar a presença em determinados atos, às próprias partes

e a seus advogados, ou somente a estes”. (NUCCI, 1999, p.164).

Vale ressaltar que a restrição a publicidade no momento da votação tem suas

razões. A principal delas é a segurança e integridade do jurado, o plenário atrai

atenção da sociedade e ao final uma parte dela estará insatisfeita com o resultado.

Sendo assim, o jurado precisa sentir-se a vontade para fazer suas escolhas com

base em tudo que viu e ouviu. “O jurado precisa sentir-se seguro para meditar e

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votar, quando convocado a fazê-lo pelo juiz presidente, o que jamais aconteceria

estivesse em público, mormente na frente do acusado.” (NUCCI, 2012, p.). Nesse

mesmo sentido disciplinam Tasse, Gomes e Bianchini.

De acordo com nossa opinião, deve ser mantida a atual estrutura

sigilosa na votação, já que os jurados não possuem a mesma

segurança que os juízes togados. São pessoas do povo que não

contam com nenhuma proteção especial. São, ademais, mais

suscetíveis a influências externas. A atual regulamentação da

votação sigilosa não é inconstitucional (ao contrário, conta com

proclamação explícita na CF – art. 5º, XXXVIII, b). (TASSE, GOMES

E BIANCHINI, 2012. P.45).

Nesse contexto não há uma não observância ao princípio da publicidade,

afinal, todos os demais atos do tribunal do júri são realizados a portas abertas, além

das oitivas, interrogatório, debates e explicações quanto as teses apresentadas.

Para Nucci,

O que é admissível durante o julgamento, pois faz parte do equilíbrio

indispensável entre a publicidade e a imparcialidade do júri, não se

deve admitir durante a votação. A plateia já acompanhou a instrução,

ouviu os argumentos e presenciou a produção da prova. Não há

razão para manter-se presente durante a votação. Público é o

julgamento, mas não necessariamente o momento em que o juiz se

retira para meditar e dar seu veredicto. (NUCCI, 1999, p.167).

No mesmo sentido, disciplinam Tasse, Gomes E Bianchini

A polêmica sobre o sigilo das votações é tanta que parte da doutrina

brasileira afirma ser desnecessária a existência de sala especial,

sendo certo que a presença do público nada atrapalharia a decisão

dos jurados. Porém, em que pese entendimento contrário, a lei

delimita os participantes do momento da votação, excluindo a plateia

o referido ato, sob pena de nulidade (CPP, art. 485).(TASSE,

GOMES E BIANCHINI, 2012, p.45).

22

3.3 Da soberania dos Veredictos.

Um dos conceitos apresentados para soberania no dicionário é “qualidade da

pessoa que exerce seu poder de modo extremo; característica de quem expressa

uma autoridade suprema: a soberania de um juiz.” Nos casos de Júri essa soberania

de decisão é outorgada ao povo, através do Conselho de Sentença, que será

formado por membros da sociedade. A Constituição traz a garantia de que essa

decisão será suprema. Sendo assim, o que os jurados decidirem tem validade e

eficácia imediata. A maneira que o jurado formará sua convicção para apresentação

do seu veredicto, que vale ressaltar, é livre de fundamentação, está descrito

claramente no próprio juramento que é realizado publicamente o inicio da Sessão

Plenária nos termos do artigo 472 do Código de Processo Penal. “Nas palavras de

Ricardo Vital de Almeida, patrimônio da cidadania e garantia fundamental, a

soberania plena dos veredictos do Júri está acima de quaisquer pretensas

justificativas que possam permitir sua negação”. (ALMEIDA, 2005, p. 57; NUCCI,

2008 P. 33).

A decisão final do Tribunal do Júri é passível de recurso, mas não existirá

Tribunal togado que possa modificar a decisão de um corpo de jurados do povo, “Os

juízes ou tribunais não podem substituir os jurados nessa tarefa (STF, HC

85.904/SP).” (TASSE, GOMES E BIANCHINI, 2012, p.46), o que ocorrerá nessas

hipóteses é a determinação de um novo julgamento em plenário, se observado

algum vício ou nulidade. Outra hipótese seria de surgir uma prova inédita, tornando

indispensável novo julgamento, remetendo novamente a decisão a um Conselho de

Sentença.

23

4. DA COMPETÊNCIA DO JÚRI

A competência do Tribunal do Júri está determinada no Título V, Capítulo III,

artigo 74 e parágrafos do Código de Processo Penal, que descreve crimes que

deverão ser julgados pelo rito especial do Júri, bem como as regras de

competências nos casos concretos. A competência da Tribunal do Júri é disciplinada

pela doutrina como funcional

Na visão de Porto

Regras de competência funcional são fixadas (a) em razão da fase

do processo, (b) do objeto do juízo e (c) dos graus de jurisdição.

Todos os três critérios são identificados no procedimento que cuida

da apuração judicial dos crimes entregues ao julgamento pelo

Tribunal do Júri. O primeiro critério estabelece as fases da

competência do Juiz singular na primeira fase do procedimento e em

seu encerramento, e do Juiz Presidente do Tribunal do Júri a seguir.

O segundo distingue as atribuições do Juiz Presidente e dos jurados.

O terceiro estabelece a competência dos Tribunais de segundo grau

conhecendo apelações.(PORTO, 2002, p. 30).

No mesmo sentido disciplina Greco

Quanto à competência, a Constituição assegurou ao júri o julgamento

dos crimes dolosos contra a vida, entendendo-se como tais os do

capítulo próprio do Código Penal, [...] A Constituição não referiu a

figura tentada nem o julgamento dos crimes conexos. A tentativa não

necessitava, mesmo, ser citada, porque o crime tentado é o próprio

crime em fase de execução. Já quanto aos conexos, a menção seria

conveniente, mas a extensão a eles é da tradição do direito

brasileiro, e não se questionou a sua exclusão nem mesmo na época

em que a competência do júri era privativa para os crimes dolosos

contra a vida. (GRECO, 2012, p. 589).

Mirabete ressalta a ideia de termos na competência das decisões não

somente o juiz togado, mas também os jurados.

Na competência funcional, tem como elemento de distribuição os

atos processuais, distinguem-se também três aspectos: as fases do

processo, o objeto do juízo e o grau de jurisdição.[...] O caso mais

típico dessa espécie de competência encontra-se nos tribunais

colegiados heterogêneos, como do Júri, onde há juízes togados ou

profissionais, e juízes de fato ou populares. (MIRABETE, 2006, p.

157).

No mesmo sentido explica Dezem

24

[...] competência funcional pelo objeto do juízo 10 - ocorre nas

hipóteses em que a competência é diferenciada conforme a divisão

dos papeis de cada um dos órgãos no julgamento da causa. Assim,

por exemplo, é o caso do Tribunal do Júri, em que os jurados julgam

a matéria de fato e o juiz togado (aquele que fora aprovado em

concurso público) julga a matéria de direito.(DEZEM, 2016, p.91).

Na explanação quanto a competência, Nucci ressalta o disposto no texto

Constitucional

Trata-se de competência constitucional, cuja lei de organização

judiciária não pode alterar ou suprimir, devendo apenas

regulamentar. Assim, de acordo com o disposto no art. 5.º, XXXVIII,

d, da Constituição Federal, cabe ao Tribunal do Júri julgar os delitos

dolosos contra a vida. Segue o mesmo espírito a Constituição de São

Paulo, disciplinando, no art. 83, que “os Tribunais do Júri têm as

competências e garantias previstas no art. 5.º, XXXVIII, da

Constituição Federal. Sua organização obedecerá ao que dispuser a

lei federal e, no que couber, a lei de organização judiciária”. Assim,

cabe a esta última indicar, em Comarcas com mais de uma Vara

privativa do Júri, qual será a competente para julgar o crime doloso

contra a vida. (NUCCI, 2016, p. 196).

O §1º do artigo 74 do Código de Processo Penal define: Compete ao Tribunal

do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo

único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados”. Os

crimes nele descritos são os classificados no Código Penal como crimes dolosos

contra a vida, onde há o animus necandi, ou seja, tem como conduta principal tirar a

vida de alguém. Esses crimes estão disciplinados na Parte Especial do Código

Penal, no Título I Dos crimes contra a pessoa, limitados no Capitulo I Dos Crimes

Contra a Vida. Nesse rol temos o crime de homicídio simples (art. 121, caput),

privilegiado (art. 121, §1º), qualificado (art.121, §2º), induzimento, instigação e

auxilio ao suicídio (art.122), infanticídio (art. 23) e as várias formas de aborto (124,

125, 126 e 127).

Importante ressaltar que na análise dos fatos, no caso concreto, os crimes

que vierem conexos aos descritos no §1º do artigo 74 do Código de Processo Penal,

serão também julgados pelo Tribunal do Júri. Esta máxima está disciplinada no

artigo 78, I do Código de Processo Penal, a saber, “Na determinação da

25

competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: I -

no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum,

prevalecerá a competência do júri”. Segundo Nucci

[...] demonstrando ser possível que o Tribunal Popular julgue outros

delitos, que não somente os dolosos contra a vida, encontra-se o

cenário dos crimes conexos. É viável que os jurados decidam

condenar ou absolver o autor de um estupro ou de ou (sic) roubo, por

exemplo, bastando que o delito seja conexo ao crime doloso contra a

vida. Por isso, se a competência fosse exclusiva, tal situação,

corriqueira nos julgamentos ocorridos diariamente no Brasil, jamais

se daria. (NUCCI, 2008, p.35)

Há uma discussão doutrinária acerca da competência de crimes que tem

como resultado morte que são julgados por juiz togado, no rito que lhe couber, como

por exemplo, no crime de Latrocínio, disciplinado no §3º do artigo 157 do Código

Penal, onde temos o resultado morte, porém o objetivo da conduta do agente não é

contra a vida, o dolo é em relação ao patrimônio da vítima, para Nucci

No caso de latrocínio, não se trata, realmente, de caso em que o

resultado ‘morte’ seja preterdoloso, como faz certo, aliás, a extrema

gravidade da pena cominada; mas, além de que o fato figura entre os

crimes contra o patrimônio, já aqui o homicídio-meio não reveste

jamais as características que o indicam ao julgamento pelo júri: é um

crime fria e perversamente praticado, a revelar ao maleficio e

profundamente anti-social. (NUCCI, 1999, p.176).

O STF pacificou o entendimento através da Sumula 603 “A competência para

o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri.”

26

5. DA PREPARAÇÃO DO PROCESSO PARA

JULGAMENTO EM PLENÁRIO

O procedimento de júri é matéria tratada no Código de Processo Penal, mais

precisamente pelos artigos 406 a 497, CPP. Trata-se de um procedimento especial,

classificado pela maioria dos doutrinadores como trifásico. A fundamentação da

denominação se dá pela organização do rito, dividindo-se na fase de pronúncia que

vai do recebimento da denuncia até a pronúncia, como a primeira, a preparação do

plenário nos casos de processos pronunciados como uma segunda fase do

processo e, finalmente, não menos importante, a terceira fase que é o julgamento

em plenário.

Na visão de Nucci o procedimento é trifásico, como explica.

Após a reforma do capítulo concernente ao júri, torna-se clara a

existência de três fases no procedimento. A primeira, denominada de

fase de formação da culpa (judicium accusationis),estrutura-se do

recebimento da denúncia ou da queixa até a pronúncia (ou outra

decisão, proferida em seu lugar, como a absolvição sumária, a

impronúncia ou a desclassificação). A segunda fase, denominada de

preparação do processo para julgamento em plenário, tem início

após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia e segue até o

momento de instalação da sessão em plenário do Tribunal do Júri. A

terceira, denominada de fase do juízo de mérito (judicium causae),

desenvolve-se em plenário, culminando com a sentença

condenatória ou absolutória, proferida pelo juiz presidente com base

no veredicto dado pelos jurados. (NUCCI, 2016, p. 704)

Para alguns doutrinadores, o procedimento de júri seria bisáfico, excluindo-se

a fase de preparação.

Reis e Gonçalves disciplinam como procedimento bifásico

A primeira fase, denominada sumário da culpa (ou judicium

accusationis), tem inicio com o recebimento da denuncia e encerra-

se com a preclusão da decisão de pronúncia. Tal etapa traduz

atividade processual voltada para a formação de juízo de

admissibilidade da acusação. A segunda fase denominada juízo da

acusação (ou judicium causae), se inicia com a intimação das partes

para indicação das provas que pretendem produzir em plenário e tem

fim com o transito em julgado da decisão do tribunal do júri. Essa

fase compreende uma etapa preparatória ao julgamento e ao próprio

27

julgamento do mérito da pretensão punitiva. (REIS; GONÇALVES,

2015, p. 506).

Greco segue a linha doutrinária disciplinando o procedimento, também, como

bifásico.

O procedimento do julgamento dos crimes de competência do júri é

bifásico. A primeira fase, que era denominada sumário de culpa,

encerra-se com a preclusão da decisão de pronúncia. A segunda

inicia-se a partir daí e se encerra com o julgamento em plenário.

(GRECO, 2012, 590).

5.1 Formação da Culpa

A partir do oferecimento e recebimento da denuncia, inicia-se a primeira fase

do processo de júri, onde o réu será citado nos termos do artigo 396 e 396-A do

Código de Processo Penal, a denuncia poderá apresentar até oito testemunhas, que

serão ouvidas em juízo, conforme disposto no artigo 406, §2º do Código de

Processo Penal. Após a citação o réu terá o prazo de dez dias para apresentar a

resposta, onde poderá arguir preliminares, e alegar que for interessante a sua

defesa, bem como, oferecer documentos, especificar provas, arrolar testemunhas,

não excedendo a oito pessoas, assim como a acusação, conforme descrito no artigo

406. § 3º do Código de Processo Penal. Após a apresentação da defesa, o órgão

acusatório deverá se manifestar no processo, no sentido de arguir preliminares ou

apresentar novos documentos, se assim desejar, garantindo o princípio do

contraditório. O juiz em seguida, deverá designar audiência una em observância ao

§ 2º do artigo 411 do Código de Processo Penal, onde as testemunhas serão

ouvidas, as provas serão apresentadas, o réu será interrogado, seguindo-se dos

debates entre acusação e defesa, observando o princípio da oralidade e o disposto

nos parágrafos 4º, 5º e º do artigo 411 do Código de Processo Penal. Após as

alegações finais, compete ao juiz a decisão de pronúncia. Nesse momento o

processo terá três possibilidades de destino distintas, são elas a decisão de

pronúncia, desclassificação ou decisão de impronúncia.

28

5.2 Pronúncia

A pronúncia levará o acusado à Júri Popular, para Nucci

É a decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação,

remetendo o caso a apreciação do Tribunal do Júri. Trata-se de

decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação de culpa,

inaugurando a fase de preparação do plenário, que levará ao

julgamento de mérito. Embora se trate de decisão interlocutória, a

pronúncia mantem a estrutura de uma sentença, ou seja, deve conter

o relatório, a fundamentação e o dispositivo. (NUCCI, 2011, p.73)

Na visão de Reis e Gonçalves

Pronúncia é a decisão por meio da qual o juiz, convenci do

existência material do fato criminoso e de haver indícios suficientes

de que o acusado foi o seu autor ou participe, admite-se que ele seja

submetido a perante o tribunal do júri.(REIS; GONÇALVES, 2015, p.

508).

A fundamentação do juiz deverá observar a materialidade do fato e da

existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, conforme disciplina o

artigo 413 caput do Código de Processo Penal. É nesse momento também que o juiz

decidirá quanto à manutenção da prisão ou arbitramento de fiança nos casos que

tratarem de réu preso, conforme artigo 413, § 2º e 3º do Código de Processo Penal.

Nesse caso, havendo pronúncia, encerra-se a primeira fase do procedimento do

Júri.

Nos termos do artigo 416 do Código de Processo Penal, que tratando-se a

decisão de pronúncia de uma sentença, caberá o recurso de apelação. O juiz deverá

utilizar-se do princípio pro societate, no caso, de dúvida, levando a decisão a júri

popular (REIS; GONÇALVES, 2015, p.509)

5.3 Impronúncia

Trata-se de decisão interlocutória e deve ir de encontro ao que seria uma

decisão de pronúncia, ou seja, deve ser inversa. O juiz deverá fundamentar no

sentido de não haver materialidade e indícios de autoria do crime, conforme disposto

no artigo 414 do Código de Processo Penal. Para Nucci “Se o juiz não vislumbrar

prova segura da materialidade ou não colher provas existentes nos autos indícios

seguros acerca da autoria, outro caminho não deve haver senão impronunciar o

acusado.” (NUCCI, 2011, p.107)

29

Se o juiz não se convencer da existência do crime ou seja, apesar de

convencido não se considerar demonstrada a possibilidade de o

acusar ser autor ou partícipe, deve proferir decisão de impronúncia.

Trata-se de decisão de caráter terminativo, por meio da qual o juiz

declara não existir justa causa para submeter o acusado a

julgamento popular. (REIS; GONÇALVES, 2015, p. 512).

A determinação na impronúncia será de extinção do processo sem o

julgamento do mérito. Essa decisão cabe recurso do réu, uma vez que não se trata

de absolvição.

A decisão de impronúncia, que anteriormente era desafiada por

recurso em sentido estrito, passou a sujeitar-se, a partir da edição da

Lei N.11.689/2008, o recurso de apelação (art. 416 do CPP). A

alteração teve por objetivo conferir uniformidade ao sistema recursal,

de modo que sempre será cabível apelação contra decisões que, no

rito do júri, ponham fim ao processo, reservando-se o recurso em

sentido estrito para atacar decisões não terminativas. (REIS;

GONÇALVES, 2015, p. 513).

O réu poderá recorrer no sentido de provar sua inocência buscando uma

absolvição sumária que dê fim ao processo, uma vez que enquanto não houver a

extinção da punibilidade, surgindo novas provas poderá ser oferecida nova denuncia

ou interposição de queixa, conforme disciplina o artigo 414, p.u do Código de

Processo Penal.

5.4 Desclassificação

A decisão de desclassificação após a instrução se dá, quando fica claramente

demonstrado que não ocorreu nos fatos os crimes de competência do Tribunal do

Júri, o juiz assim como em todas suas decisões, precisa se convencer disso e

demonstrar sua fundamentação, para que não haja violação aos princípios

constitucionais já descritos, que protegem e garantem a competência do Tribunal do

Júri.

Por meio da decisão de desclassificação, que tem natureza não

terminativa, o julgador reconhece, portanto, a existência de prova da

ocorrência de crime doloso contra a vida e, concomitantemente, a

existência de elementos que evidenciem a pratica de infração

estranha a competência do tribunal popular. (REIS; GONÇALVES,

2015, p. 515).

A decisão de desclassificação é interlocutória e dela caberá recurso em

sentido estrito, conforme art. 581, II, do Código de Processo Penal.

30

Trata-se de decisão interlocutória, onde o juiz modifica a competência, sem

tratar questões de mérito no processo, ou seja, desclassifica a infração penal que

havia sido admitida no momento do recebimento da denuncia, determina que se faça

as comunicações necessárias, bem como, a redistribuição para uma das Varas

Criminais, para que os fatos sejam julgados pelo juiz natural.

Se o juiz se convencer, em discordância com a denuncia ou queixa,

da existência exclusiva de crime que não seja da competencia do

juiz, deverá remeter os autos ao juízo competente, caso não seja

(art. 419 do CPP)[...] Fernando Capez e Vicente Greco Filho afirmam

que o novo juiz esta obrigado a receber o processo, sem que possa

suscitar o conflito, na medida em que a decisão, por quanto incorrida

na origem ou confirmada pelo Tribunal, mostra-se preclusa, restando

ao novo julgador absolver ou condenar o acusador. Outra corrente,

defendida, dentre outras, por Julio Fabrini Mirabete, Helio Tornaghi e

Guilherme de Souza Nucci sustenta que o conflito pode ser

suscitado. (REIS; GONÇALVES, 2015, p. 516).

Já Tornaghi ensina “[...] que desclassificar é dar-lhe [ao crime] nova

enquadração legal, se ocorrer mudança de fato, novos elementos de convicção ou

melhor apreciação dos mesmos fatos e elementos de prova.” (TORNAGHI, 1967,

apud, NUCCI, 2015, p. 121).

31

6. PREPARAÇÃO DO PLENÁRIO

Essa fase se dá entre a fase da formação do juízo de culpa e o julgamento do

Tribunal do Júri em Plenário. Ela ocorrerá na hipótese de pronúncia, basicamente

nessa fase serão tomadas as devidas ações no processo para que na data

designada para o julgamento em plenário tudo ocorra na mais perfeita ordem,

observando-se o que dispõe o Código de Processo Penal.

O Juiz presidente do Tribunal do Júri ao receber os autos, determina a

manifestação da parte acusadora para que nesse momento arrole suas

testemunhas, tendo direito de em seu rol apresentar até 5 pessoas para serem

ouvidas em plenário, conforme disposto no artigo 422, caput do CPP. A

determinação também fará referência a parte contrária, nesse caso, a defesa, que

irá se manifestar igualmente, com os mesmos direitos. Se uma das partes do

processo, acusação ou defesa, exceder o número de testemunhas fixados em lei

poderá requerer ao juiz para que as testemunhas que excedem sejam ouvidas em

plenário como testemunhas do juízo. As testemunhas, se residentes na comarca,

deverão ser intimadas para comparecer na data da sessão do julgamento, porém se

houver alguma testemunha arrolada que resida fora da comarca, será determinada a

expedição de carta precatória, sem prejuízo de uma notificação constando as

informações do julgamento em plenário, dando a opção de ela poder ser ouvida fora

da comarca, observando que ninguém tem o dever de depor fora da comarca onde

reside.

Depois de recebidas as manifestações das partes no processo, o juiz deverá

analisar o que foi proposto quanto as testemunhas, provas a serem produzidas ou

demais diligências e determinar que se faça o necessário, bem como, redigir o

relatório sucinto do processo, designando a data prevista para o julgamento do

plenário, nos termos do artigo 423, I e II do Código de Processo Penal.

Solicitada a produção de provas e diligências pelas partes, deve o

juiz residente do júri decidir sobre elas prontamente, determinando

todas as providências necessárias para que efetivamente sejam

32

produzidas (salvo se impertinentes ou desnecessárias). (TASSE,

GOMES e BINCHINI, 2015, p. 90)

6.1 Do alistamento dos Jurados

As formalidades do alistamento de jurados estão disciplinadas nos artigos 425

e 426 do Código de Processo Penal, que define a quantidade de jurados

convocados, de acordo com o número de habitantes na comarca. Prevê a

publicidade da listagem, determinando que seja fixada na porta do Plenário, além de

publicada para imprensa até o dia 10 de outubro do ano vigente. Para cada sessão

são convocados no mínimo vinte e cinco jurados. Deverão estar presentes na

sessão no plenário no mínimo quinze, para que o sorteio dos sete jurados ocorra,

formando então, o Conselho de Sentença. Com o crescimento da população, não há

como os juízes convocarem os jurados apenas por indicações de terceiros ou

autoridades locais, sendo assim, recorrem ao cartório eleitoral para indicação da

listagem de jurados. Com a falta de proximidade do juiz presidente com os jurados,

faz-se a consulta de antecedentes criminais de cada um dos jurados.

O juiz presidente dará inicio aos trabalhos em plenário, bem como,

coordenará os procedimentos, observando ao que a lei determina. Nesse contexto,

por parte da doutrina é visto como mero coordenador dos trabalhos, porém, quando

se pensa em nulidade dos atos, sabemos que qualquer ato em discordância à lei

precisará ser anulado e repetido, sendo assim, o juiz presidente é mais que um

coordenador, ele precisa ser claro e preciso, para comandar a sessão, bem como,

apoiar os jurados leigos, elucidando qualquer imprevisto sempre que possível. As

perguntas, pleitos ou protestos, deverão ser dirigidos ao juiz singular que decidirá

quanto ao deferimento ou indeferimento. Segundo Nucci “Demanda-se, portanto, ao

presidente do Tribunal Popular, uma postura serena, equidistante das partes,

humanizada e cautelosa no trato, mas sempre firme e elucidativa em suas decisões.

O respeito às partes e ao réu é outra exigência quanto ao comportamento do

magistrado, exposto que está ao julgamento da população, acompanhando o

desenrolar dos trabalhos”.

33

6.2 O réu

O comportamento do réu na sessão plenária é importante, uma vez que será

julgado por um corpo de juízes leigos, que levarão em conta suas impressões

durante o julgamento. O uso ou não de algemas, será determinado pelo juiz

presidente, de acordo com o disposto no artigo 474, § 3º do Código de Processo

Penal. O réu será interrogado, momento em que tem a oportunidade de apresentar

sua defesa, sem prejuízo da defesa técnica, ocasião em que o juiz presidente

deverá levar em consideração a fala do réu, uma vez que o interroga diretamente,

para formação das questões levadas aos jurados no momento da decisão. Os

jurados podem fazer perguntas ao réu, direcionando sua questão ao magistrado,

que fará a pergunta diretamente ao acusado.

6.3 A acusação

O Ministério Público no processo de Júri representa a sociedade, uma vez

que os crimes aqui julgados envolvem ação publica incondicionada, figurando o

respeitado órgão como autor da ação. Haverá exceção a essa regra quando houver

conexão de um dos crimes dolosos contra a vida a um crime de ação privada, nesse

caso teríamos a atuação do Ministério Público e do advogado da queixa-crime no

mesmo processo. Outra exceção seria a inércia do Ministério Público em apresentar

a denuncia no prazo legal, processando-se a ação privada subsidiária da pública,

nesse contexto, o ministério público atuaria como fiscal da lei, podendo retornar a

autoria da ação na inércia do ofendido.

O órgão acusatório deve também apresentar suas teses aos jurados,

explicando de forma clara e precisa, evitando termos técnicos, visto tratar-se de um

corpo de jurados leigos acerca do ordenamento jurídico e seus jargões. Deverá

demonstrar conhecimento do processo e fundamentações coerentes com a

denuncia anteriormente ofertada. Há de se destacar, que o Ministério Público não

está obrigado a pedir a condenação ao final da sua explanação, se assim entender,

poderá pedir a absolvição do acusado, explicando claramente as razões do pedido,

aprofundando-se nas questões que o levam a esse entendimento.

34

6.4 A defesa

É responsabilidade inerente à defesa trabalhar pela garantia do princípio da

plenitude de defesa do réu. Nenhum processo prospera sem a presença de um

defensor constituído pelo réu ou dativo. Cabe ao defensor agir de modo que se

apresente todas as teses defensivas possíveis em favor do réu. Deverá ter acesso à

conversa particular com o acusado, momento em que deverá apresentar a ele suas

teses, os possíveis caminhos de defesa e o que poderá ocorrer no deslinde da

sessão do júri. O defensor não deverá se ausentar do plenário sem deixar um

representante da defesa, como já dito, ele trabalha para garantia da plenitude da

defesa, portanto, deve acompanhar todos os atos, estando atento se algum

procedimento tomado merece impugnação, para que não ocorra preclusão do

protesto.

A atuação da defesa deve ser coerente com os fatos e o defensor deve se

preparar para o inesperado, visto que se trata de um julgamento peculiar, onde sete

pessoas da sociedade, que atuando como juízes irão construir suas convicções a

partir do que lhe for apresentado, sendo assim, o advogado deve conhecer do

processo e se comunicar com os jurados da maneira mais clara possível, evitando o

excesso de termos técnicos que dificultem o entendimento. Segundo Nucci

Atuar na tribuna da defesa, no Tribunal do Júri, é missão peculiar e

realmente destacada, pois demanda conhecimento jurídico seguro,

flexibilidade para o trato com outras pessoas, didática peculiar para

expor ideias, frieza para enfrentar, diante do público, revezes

inesperados, estrutura emocional para defender o cliente, sem

ultrapassar as fronteiras da ética profissional, agilidade no raciocínio

para que as impugnações orais, escritas em ata, sejam

imediatamente promovidas, quando falhas se apresentarem, firmeza

para sustentar as prerrogativas do advogado, sem avançar para o

campo do desrespeito e da ofensa; enfim, o advogado necessita

apreciar a instituição do júri e ser para esta vocacionado. (NUCCI,

2011, P.166).

6.5 Solenidades da Sessão Plenária

O juiz presidente é quem coordena os atos do Tribunal do Júri, ele dará inicio

a sessão, certificando se as partes estão presentes (Autor, Defesa, réu,

testemunhas). Fará em seguida à conferência do número de jurados, tendo no

mínimo 15 (quinze), serão apregoados, conforme disposto no artigo 463 do Código

35

de Processo Penal; nesse momento deverão ser apresentados os possíveis casos

de suspeição ou impedimento de determinado jurados, conforme disposto no 466

caput do Código de Processo Penal; seus nomes serão colocados na urna para

sorteio de sete jurados, formando o conselho de sentença. No momento do sorteio

as partes podem recusar até três jurados sem apresentar os motivos de tal recusa,

nos termos do artigo 468 do Código de Processo Penal. Atingindo o número de sete

jurados está formado o Conselho de Sentença, momento em que os jurados, serão

advertidos pelo juiz quanto a incomunicabilidade com o mundo externo e entre eles

enquanto durar a sessão em plenário, os atos que serão realizados, deverá

esclarecer também que os jurados podem fazer questionamentos quanto ás provas

e alegações das partes, devendo ser direcionadas ao juiz presidente, observando

que na formulação de dúvidas o jurado não pode exprimir opinião.

O início da instrução se dá com a inquirição da vítima e das testemunhas,

seguido do interrogatório do réu. O não comparecimento da vítima ou das

testemunhas, devidamente intimadas, poderá acarretar em condução coercitiva, se

assim for requerido e entender o magistrado, nos termos do § 1º do artigo 461do

Código de Processo Penal. Quanto ao réu, se estiver preso, é imprescindível sua

presença em plenário, sendo a apresentação de responsabilidade do Estado. Se

tratar-se de réu solto, se apesar de devidamente intimado, não comparecer, será

decretada sua prisão preventiva 457 caput do Código de Processo Penal.

As testemunhas e as vítimas serão inquiridas pelo juiz presidente da sessão,

que passará a palavra para a acusação e defesa formularem perguntas que serão

dirigidas ao interessado pelo magistrado. Da mesma forma será feito o interrogatório

do réu, momento em que ele tem de apresentar sua defesa, sem prejuízo da defesa

técnica. Vale ressaltar que ele possui o direito de ficar em silêncio, mas tratando-se

de um corpo de jurados leigos, o silêncio pode ser mal interpretado e atrapalhar sua

defesa. A vítima não presta compromisso de dizer a verdade, sendo assim, prestará

declarações. Sua palavra é importante para busca da verdade real, uma vez que em

Plenário acaba havendo julgamento das pessoas e dos fatos. É comum, que se

coloque em evidência, a favor do réu, a pessoa da vítima, sobretudo quando essa é

falecida. Segundo Nucci

[...] no Tribunal Popular, não se aprecia a causa em ótica

exclusivamente técnica, pois o juiz natural é pessoa leiga. Julga-se o

36

fato (ex.: homicídio) e também, no mais das vezes, a figura do

ofendido, para que seja analisado igualmente pelo Conselho de

Sentença. (NUCCI, 2011, p.185).

6.6 Debates

Após encerrada as oitivas, declarações e o interrogatório do réu, a sessão

plenária atinge a fase dos debates, onde órgão acusador e defesa apresentarão

suas teses aos jurados. A cada parte é concedida uma hora e trinta minutos para

explanação da tese e suas ideias aos sete jurados, quando o processo tem apenas

um acusado nos termos do artigo 477, caput do CPP. Segundo Greco “O juiz

deverá levar em conta, no caso de mais de um acusador (Ministério Público e

assistente), que o titular da ação penal pública é o Ministério Público, devendo dividir

o tempo, portanto com prevalência para o órgão oficial.

Nos processos em que houver mais de um réu, esse tempo é elevado a duas

horas e meia para cada parte conforme o artigo 477, § 2º do CPP, tempo esse que

deverá ser dividido igualmente entre os defensores, na hipótese de os réus

apresentarem advogados distintos, motivo pelo qual, é tão invocado o

desmembramento do processo sob alegação de cerceamento de defesa. Se as

teses defensivas são iguais para todos os acusados, não haverão grandes prejuízos.

Sorte que não atingi os casos em que as teses são diferentes. O pouco tempo pode

ferir o princípio da plenitude de defesa. Nesses casos a cisão do processo pode se

dar a requerimento da defesa ou de próprio ofício pelo Juiz presidente determinando

o desmembramento do processo ou concessão do aumento de tempo de

manifestação de cada defensor.

No momento dos debates, o órgão acusador poderá pedir absolvição ou a

condenação, devendo observar o princípio do devido processo legal, expondo os

motivos de sua posição em plenário. A tese deverá ser explicada com detalhes aos

jurados, fazendo relação com a lei, os autos, as oitivas, o interrogatório, sempre

considerando que trata-se de um corpo de jurados legalmente leigos, então nesse

37

momento todo cuidado com a explicação da tese se faz necessária. A doutrina

clássica diverge da doutrina moderna.

Segundo Nucci

Não se nega, em hipótese alguma, a liberdade de atuação das

partes, muito menos a independência funcional do membro do

Ministério Público. Porém há direitos absolutos e supremos,

merecendo haver coexistência harmônica entre todos. (NUCCI, 2011,

p.207)

[...] FREDERICO MARQUES E BORGES DA ROSA não admitem,

por exemplo, que o promotor possa pedir absolvição do réu no

plenário, tendo em vista que a norma processual penal preceitua que

o acusador lerá a libelo e produzirá a acusação, implicando num

comando legal, não passível de afastamento. De outra parte, se, à

época da pronúncia, pediu acusação a pronúncia, não pode o

promotor desistir da palavra, pedindo a absolvição. (MARQUES,

1997; ROSA, 1982 apud NUCCI, 2011 p. 207)

[...] ROBERTO LYRA, afirmando que seria má-fé, perseguição e

arbítrio pretender a condenação de alguém contra a verdade e contra

as provas. Ao defender a sociedade, busca o acusador realizar

justiça. (LYRA, apud, NUCCI, 2011, p.207).

Disciplina ainda Tasse, Gomes e Bianchini

Embora o pedido inicial do Ministério Público tenha sido pela

condenação, nada impede que, se entender o caso, venha a pedir a

absolvição do acusado em plenário. Além de acusador, o órgão

ministerial é fiscal da lei (custos legis), razão pela qual deve zelar

pela escorreita aplicação do direito e da justiça. Portanto,

evidenciada a inocência do acusado (ou a possibilidade relevante

dela, quando há dúvida até o limite do razoável sobre sua

responsabilidade), o órgão do Ministério Público estará legitimado a

requerer a absolvição do processado (proporcionando o ensejamento

da incidência do princípio do in dubio pro reo). (2012, p.145)

Os artigos 478 e 479 do Código de Processo Penal, trazem as proibições, sob

pena de nulidade das referências que não poderão ser feitas em debates para os

jurados.

Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer

referências (art. 478):

I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram

38

admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de

autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;

II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de

requerimento, em seu prejuízo.

O pedido de improcedência da ação em plenário não é bem aceito pela

doutrina

Exposta a prova e justificados os fundamentos do processo ter

atingido a fase de julgamento em plenário, cuida-se de alternativa ao

Orgão do Ministério Público explicar aos jurados a sua visão do caso,

pedindo, se o caso, a absolvição. O que se nos afigura insustentável

é o pedido de improcedência da ação a ser apresentado como fato

consumado, sem qualquer respeito aos jurados, pois nem mesmo se

apresentaria o contexto probatório ao Conselho de Sentença. O juiz

presidente tem o dever constitucional de zelar pela soberania e

competência do Tribunal do Júri e pela plenitude de defesa do

réu.(NUCCI, 2011, p.207).

O artigo 479 do Código de Processo Penal trata das proibições de exibição de

documentos ou objetos não juntados nos autos com antecedência de 3 (três) dias,

dando ciência a parte contrária.

Para Greco

Compreende-se na proibição do art. 479 a leitura de jornais ou

qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações,

fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio

assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato

submetida à apreciação e julgamento dos jurados. É permitida a

leitura ou exibição de textos ou materiais genéricos, exemplificativos,

tais como livros de doutrina ou modelos. Nada, porém, relativo ao

fato concreto que esteja sendo julgado, salvo conhecimento da parte

contrária com a antecedência mínima de 3 dias, a fim de que possa

aquela produzir contraprova. (GRECO, 2012. P. 616)

Para Tasse, Gomes e Bianchini

Não será permitida em plenário a leitura de jornais ou qualquer outro

escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias,

laudos, quadros, croqui, ou qualquer outro meio assemelhado, cujo

conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e

julgamento dos jurados (CPP, art. 479, parágrafo único). Nenhuma

das partes pode surpreender a outra exibindo folha de antecedentes

não juntada previamente. Nem cópias de outros processos, nem

39

matérias jornalísticas sobre o tema etc. Tudo deve ser juntado

previamente, para se permitir a ciência da parte contrária. Se o

documento não tem nenhuma pertinência com o fato, pode ser lido

ou exposto. Não há impedimento de se lerem obras científicas ou

doutrinárias em plenário. Vestes da vítima não podem ser mostradas

no dia do plenário; nem arma, nem cicatriz na vítima. (2012, p.148)

Em relação à defesa, o causídico tem como dever de ética profissional

suscitar teses benéficas ao réu, utilizando-se do ordenamento jurídico.

Caberá ao causídico desempenhar sua função da melhor forma

possível para atender os interesses do seu cliente (nisso reside o

princípio da plenitude da defesa). Ainda que seja o acusado réu

confesso, deverá o defensor desenvolver teses que possam excluir o

fato típico e antijurídico ou o fato punível ou fato punível e culpável.

(TASSE, GOMES E BIANCHINI, 2012, p.146)

Ainda que tratar-se de réu confesso, as teses deverão buscar o afastamento

máximo causas de aumento de pena ou agravantes, por exemplo, para que a

dosagem da pena seja mais branda possível, garantindo assim a plenitude de

defesa do réu, prevista na Constituição Federal.

Se não lograr a absolvição, há que perseguir a condenação menos gravosa (e

a que esteja dentro do que estabelece o devido processo legal, porque ninguém

pode ser privado da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo – CF, art.

5º, LIV).

40

7. DO JULGAMENTO

7.1 Quesitos

O Código de Processo Penal traz nos seus artigos 482 á 491, os termos em

que deverão ser formulados os quesitos ao Conselho de Sentença. “Na sua

elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões

posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações

das partes.” (GRECO, 2012, p. 617). Deverá ser quesitado primeiramente quanto a

materialidade do crime, nesse caso, do crime principal doloso a vida, que invocou o

julgamento em Plenário. Após, será quesitado aos jurados quanto ao nexo de

causalidade entre a lesão provocada e o resultado morte conforme artigo 483, I do

Código de Processo Penal. Essa ordem faz-se necessária para que se a resposta

para o primeiro questionamento for ‘não’ o réu será absolvido, uma vez que não

houve crime, nos termos do § 3º do artigo 483 do Código de Processo Penal,

ressaltando que serão revelados os votos de modo que não se saiba se houve

unanimidade na escolha dos jurados, com intuído de preservar o sigilo da votação

individual, bem como, a soberania do veredicto. Objetivamente se houverem mais de

3 votos iguais, sendo sim ou não, já se decide a demanda e encerra a apuração dos

votos dos jurados. Se a resposta do primeiro questionamento for sim e do segundo

não, temos a modificação da competência para julgamento, uma vez que decidiu-se

que houve lesão, mas que não resultou a morte.

Por isso, constituindo o homicídio de um delito progressivo, que

contém, invariavelmente, uma lesão corporal, primeiramente, indaga-

se do Conselho de Sentença a existência do delito-base (lesão). Na

sequencia, pergunta-se sobre o crime mais grave e consequencial

(homicídio). (NUCCI, 2011, p227)

O terceiro quesito deverá ser em relação a pessoa, ou seja, quanto a autoria

do crime e seus partícipes, nos termos do artigo 483, II do Código de Processo

Penal. Nesse momento se não restou absolvição na decisão dos jurados, nos

termos do artigo 483, III do Código de Processo Penal, será indagado aos jurados,

com base nas teses da defesa, sem prejuízo do que foi alegado no interrogatório do

réu, se existe causa de diminuição de pena, artigo 483, IV do Código de Processo

Penal.

41

Há extensa discussão doutrinária acerca da obrigatoriedade de se quesitar o

já citado artigo 483, III do Código de Processo Penal “se o acusado deve ser

absolvido”. Com base no princípio constitucional da plenitude de defesa, se a

resposta do Conselho de Sentença é ‘não’ no quesito da autoria, dispensaria o

inciso III do referido artigo, nesse contexto o quesito seria facultativo. Entretanto, é

recomendado para que se garanta a plenitude da defesa, que haja teses

subsidiárias se o Conselho de Sentença optar pelo “sim” no quesito referente ao

inciso II do artigo 483 do Código de Processo Penal, afinal, como já explanado, o

Conselho é composto por pessoas leigas em Direito e suas decisões não são

passíveis de fundamentação. Segundo Nucci

[...] com base em inúmeras teses defensivas viáveis, mas também a

existência de mera clemencia, o Tribunal do Júri tem o direito

constitucional impostergável de absolver o acusado, se assim

desejar. [...] a plenitude da defesa clama pelo terceiro quesito. Sem

maiores confusões, em particular, contra os interesses do réu,

haverá, em todo julgamento, um quesito obrigatoriamente formulado

aos jurados acerca da possível absolvição. (NUCCI, 2015, p. 267).

É necessário destacar que a quantidade de quesitos será determinada pelo

caso concreto e suas peculiaridades, variando na existência e na quantidade de

possíveis qualificadoras ou causas de aumento de pena, sempre na observância da

Lei. As partes, juntamente com o juiz presidente formularão os quesitos ainda em

plenário, de forma clara e objetiva para posterior apresentação aos jurados, nos

termos do artigo 484 do Código de Processo Penal, devendo tais quesitos manter

relação com a pronúncia, as teses apresentadas em plenário, o interrogatório do

acusado, ou seja, dentro do contexto do processo, dos fatos, das alegações e

provas. Após a explicação clara aos jurados quanto a redação dos quesitos, os

jurados serão levados a sala secreta, juntamente com o juiz presidente, o

representante do Ministério Público, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de

justiça, conforme redação dada pelo artigo 485 e parágrafos do Código de Processo

Penal. Aos jurados serão apresentados primeiramente, os quesitos que são ligados

as teses que beneficiam o réu, sob pena de nulidade do julgamento. O assunto é

tratado pela Súmula 162 do STF em consonância com artigo 483, IV do Código de

Processo penal, a saber, “É absoluta a nulidade do julgamento, pelo Júri, quando os

quesitos da defesa não precedem aos das circunstâncias agravantes”.

42

Na sala secreta, o juiz presidente deverá ler claramente cada quesito. Os

jurados receberão sete cédulas contendo ‘sim’ e ‘não’, entregues pelo oficial de

justiça, que recolherá os votos e em seguida o descarte da cédula oposta não

utilizada para voto, nos termos do artigo 486 e 487 do Código de Processo Penal,

observando o princípio que garante o sigilo das votações. “A tentativa de

interpretação da vontade dos jurados, votando “sim” ou “não” a cada quesito

apresentado, constitui indevida invasão na livre convicção intima, não

fundamentada, portanto, do Tribunal do Júri.” (NUCCI, 2011, p. 330). Todos os atos

deverão ser registrados no termo de audiência, inclusive o desdobramento da

votação, que ficará a cargo do escrivão, observando o disposto no artigo 488 do

aludido diploma.

Esgotando os quesitos e encerrada a votação, deverá no termo redigido pelo

escrivão, conter as assinaturas do juiz presidente, dos jurados e das partes do

processo, observando o disposto no artigo 491 do Código de Processo Penal.

7.2 Sentença

Com o fim do julgamento dos quesitos na sala secreta, cabe ao juiz

presidente a elaboração da sentença. Nos caso s de Júri não faz-se necessário na

produção da sentença a explanação do relatório, nem da fundamentação, uma vez

que o isso já foi feito na sentença de pronúncia. Nesse diapasão, satisfatório é

apenas o dispositivo da referida sentença, nos termos do artigo 492, I e II do Código

de Processo Penal. Deve-se mencionar nos termos da sentença que a “o conselho

de sentença, nessa data decidiu”, limitando-se o magistrado a qualquer

fundamentação além do que fora decidido pelo Conselho de Sentença.

[...] o veredicto proferido pelo Tribunal do Júri é, constitucional e

legalmente, imotivado, pois lastreado na convicção intima dos

jurados. Descabe, por conta disso, qualquer tipo de comentário do

magistrado em relação ao mérito. Se o fizesse, estaria invadindo

competência que não lhe diz respeito. (NUCCI, 2011, p. 334).

Portanto o magistrado deverá limitar-se a fixação da pena para o acusado.

Nos casos de condenação, com base no artigo 59 do Código Penal, aplicando

as circunstancias judiciais ao caso, computando as agravantes e atenuantes

descritas nos artigos 61 à 66 do Código penal, bem como as considerações acerca

43

do aumento ou diminuição da pena. Finamente deverá determinar o regime de

cumprimento da pena, nos termos do artigo 33 do Código Penal.

Nos casos de absolvição, deverá o magistrado considerar o que foi

apresentado como tese pela defesa e aceito como verdadeira para os jurados, a fim

de que seja possível a capitulação correta e pertinente das possibilidades elencadas

no artigo 386 do Código de Processo Penal.

Nesse diapasão, observa-se que a sentença proferida no Júri tem suas

particularidades e não oferece ao magistrado liberdade de mencionar o que

entender correto, tudo deverá ter sido tratado e passado pelo crivo da escolha do

Conselho de Sentença, tendo sempre como base os princípios constitucionais, no

caso em tela o da soberania do veredicto.

44

8. DAS PROVAS

As provas são utilizadas no ordenamento jurídico, a fim de convencer e dar

forma aos fatos que ocorreram, uma vez que não poderão ser reproduzidos

literalmente, por tratar-se de pretérito. É usada na tentativa de divulgar a verdade ou

a validade de algo. Sendo assim, o legislador elencou uma série de caminhos

possíveis e lícitos para formação do convencimento. A palavra “prova” tem origem

no latim probatio.

Segundo Nucci

A prova vincula-se à verdade e à certeza, que se ligam à realidade,

todas voltadas, entretanto, a convicção de seres humanos. O

universo no qual eles estão inseridos tais juízos do espirito ou

valoração sensíveis da mente humana precisa ser analisado tal como

ele pode ser e não como efetivamente é.(NUCCI, 2011, p15).

Segundo Greco

A finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é o seu

destinatário. No processo, a prova não tem um fim em si mesma ou

um fim moral ou filosófico; sua finalidade é prática, qual seja,

convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é

sempre impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção do

magistrado. (GRECO, 2012, p.280).

Nucci classifica o conceito de provas em objetivas e subjetivas, onde a

primeira traz a ideia de verdade incontestável, por exemplo, um laudo necroscópico

como prova, não deixa dúvida de que a pessoa faleceu, ou seja, traz uma realidade

que não causa grandes dúvidas. Já a segunda, traz a ideia de uma certeza do ser,

do espirito, sem óbvia relação com a realidade, por exemplo, se alguém some sem

deixar pistas, há uma certeza subjetiva de que ele faleceu, mas não

necessariamente exprime realidade. (NUCCI, 2011, p16).

Segundo ensina Carrara “a certeza está em nós; a verdade está nos fatos”.

(CARRARA, 1944, apud NUCCI, 2011, p.16). Sendo assim o que soa como verdade

absoluta para uns gera dúvida e desconfiança em outros, por isso considera-se uma

prova subjetiva.

Segundo Malatesta

45

A verdade é a conformidade da noção ideológica com a realidade;

certeza é a crença nessa conformidade, provocando um estado

subjetivo do espirito ligado a um fato, ainda que essa crença não

corresponda a verdade objetiva.”(MALATESTA, 1960, apud, NUCCI,

2011,p.15).

Para Greco a classificação das provas ocorre segundo vários critérios.

[...] as provas podem ser diretas ou indiretas. As primeiras são as

destinadas a demonstrar o próprio fato principal da demanda, ou

seja, aquele cuja existência, se comprovada, determina a

consequência jurídica pretendida; as provas indiretas são destinadas

à demonstração de fatos secundários ou circunstanciais, dos quais

se pode extrair a convicção da existência do fato principal. A prova

indireta é a prova de indícios. (GRECO, 2012, p. 281).

Aproximando o conceito apresentado ao corpo de jurados, as provas se

fazem indispensáveis para o convencimento do Conselho de Sentença, uma vez que

sua decisão não será fundamentada, será decidida de acordo com o que for

apresentado, as teses acusatórias e defensivas, as provas, os depoimentos, enfim, e

ao final o jurado analisa o que lhe é mais sensato e decide. Há que se ressaltar a

importância de provas apresentadas de maneira clara e objetiva, que nesse

convencimento do jurado, ele utilizará tudo que viu e ouviu em plenário combinado

com suas vivências, crenças e convicções.

As espécies de provas admitidas no processo penal estão disciplinadas no

TÍTULO VII - DA PROVA, do artigo 155 à 200 do Código de Processo Penal.

8.1 Das Provas admitidas no Plenário do Júri

As provas, de modo geral, serão utilizadas para convencimento e

fundamentação tanto por parte do autor e réu, quanto nas decisões dos juízes. Para

explicar o conceito de prova a maioria da doutrina classifica dois tipos, a prova direta

e a prova indireta, conforme disciplina Vicente Greco

Assim, quanto ao objeto, as provas podem ser diretas ou indiretas.

As primeiras são as destinadas a demonstrar o próprio fato principal

da demanda, ou seja, aquele cuja existência, se comprovada,

determina a consequência jurídica pretendida; as provas indiretas

são as destinadas à demonstração de fatos secundários ou

circunstanciais, dos quais se pode extrair a convicção da existência

46

do fato principal. A prova indireta é a prova de indícios.(GRECO,

2012, p. 280)

Deve se tentar provar os fatos pertinentes, ou seja, que possua interesse ao

processo e ao convencimento do juiz. Além da pertinência dos fatos, deverão

mostrar-se comprovados até mesmo os fatos notórios, que estão relacionados com

as elementares do crime em questão. Isso ocorre nos crimes de homicídio, que

mesmo sabendo que houve uma morte, que nesse caso é o fato notório, é

indispensável a apresentação do laudo de corpo delito, demonstrando e

comprovando tal fato, por se tratar de uma elementar do crime de homicídio.

(GRECO, 2012, p. 281).

As provas no processo penal estão amparadas por princípios fundamentais

que nos auxiliam a definir o que é possível ser apresentado como prova e o que

poderá gerar nulidade ou ser desentranhado dos autos, impedindo que se chegue a

decisões fundadas em tais provas. Segundo Machado, são os cinco princípios mais

importantes na apresentação e produção de provas: o princípio da legalidade, o

princípio da comunhão das provas, o princípio da liberdade de produção, o princípio

da não autoincriminação e o princípio da livre apreciação da prova. (2013, p.470). As

provas apresentadas, sobretudo deverão obedecer a legalidade, “[...] a prova é um

verdadeiro direito, logo o seu exercício não pode configurar nem um abuso desse

direito nem uma infringência a lei.” (Idem, 2013, p.470). Na situação em que a prova

não obedece o princípio da legalidade, é considerada como prova ilegal, que nesse

caso, não serão admitidas em juízo, uma vez que vão de encontro ao disposto no

Art. 5º da Constituição Federal, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas

por meios ilícitos”. No mesmo sentido disciplina o art. 157 do Código de Processo

Penal, a saber,

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do

processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação

a normas constitucionais ou legais.

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas,

salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e

outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte

independente das primeiras.

47

§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só,

seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou

instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova

declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial,

facultado às partes acompanhar o incidente.

A produção de provas, portanto, não poderá ferir o direito material, sendo

considerada ilícita quando a prova foi obtida por meio ilícito violando a norma legal,

tão pouco, violar natureza processual, que a doutrina denomina como prova

ilegítima, que são obtidas ou introduzidas com violação de normas de natureza

processual, como por exemplo a exibição documentos em plenário do Júri, sem o

devido contraditório. (REIS; GONÇALVES, 2015, p. 261)

A forma de convencimento, para posterior decisão é diferente quando

observamos a fundamentação do juiz togado em relação aos jurados, no

procedimento do júri, o Art. 155 do Código de Processo Penal, indica como deverá

ser o convencimento do juiz natural

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova

produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua

decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na

investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e

antecipadas. (Art. 155, Código de Processo Penal).

Em relação a decisão dos jurados, essa será formada pelo convencimento,

utilizando o sistema da íntima convicção, ou seja, da certeza moral de cada um

deles, “[...] confere ampla liberdade aos juízes leigos para avaliação das provas,

dispensando-os de fundamentar a decisão.” (REIS; GONÇALVES, 2015, p. 255). A

jurisprudência concorda, proferindo decisões no mesmo sentido.

As decisões proferidas pelo Tribunal do Júri decorrem do juízo de

intima convicção dos jurados e representam exceção à

obrigatoriedade de fundamentação dos provimentos judiciais (art. 93,

IX, da CF) contemplada pela própria Carta Politica, que assegura o

sigilo das votações aos integrantes do Conselho de Sentença (art. 5º,

XXXVIII), b, da CF)” STJ – HC 81.352/RJ – 5ª Turma – Rel. Min.

Arnaldo Esteve Lima – Dje 03.11.2008)

48

No mesmo sentido, decide o Tribunal de Justiça de São Paulo.

APELAÇÃO – Homicídio tentado – Condenação – Alegação de

condenação manifestamente contrária à prova dos autos - Veredicto

de acordo com a prova amealhada – Admissão do julgamento pelo

Júri confirmada por este E. TJSP em sede de RESE -Pena –

Redução pela forma tentada em fração proporcional ao iter criminis

percorrido - Recurso improvido - (voto 30199). (Relator(a): Newton

Neves; Comarca: Santo André; Órgão julgador: 16ª Câmara de

Direito Criminal; Data do julgamento: 16/08/2016; Data de registro:

17/08/2016).

O ordenamento jurídico segue essa máxima do livre convencimento dos

jurados, porém há uma limitação quando a decisão for manifestamente contrária as

provas dos autos, conforme prevê o Art. 593, § 3º. Do Código de Processo Penal,

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:

III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:

§ 3o Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad

quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente

contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu

a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo,

segunda apelação.

Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou

a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência

mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Nesse sentido

disciplina Greco

Compreende-se na proibição do art. 479 a leitura de jornais ou

qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações,

fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio

assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato

submetida à apreciação e julgamento dos jurados. É permitida a

leitura ou exibição de textos ou materiais genéricos, exemplificativos,

tais como livros de doutrina ou modelos. Nada, porém, relativo ao

fato concreto que esteja sendo julgado, salvo conhecimento da parte

contrária com a antecedência mínima de 3 dias, a fim de que possa

aquela produzir contraprova. (GRECO, 2012, p.616).

A não observância da norma disciplinada no art. 479 irá resultar em nulidade,

sendo ela de natureza relativa, conforme decisão do STJ.

49

Eventuais nulidades decorrentes da inobservância do art. 479 do

Código de Processo Penal são de natureza relativa, e, como tal,

exigem a demonstração de efeito prejuízo pela parte dita

prejudicada. Máxima pas de nullite sans grief. Precedentes (STJ –

Resp 1.339.266/DF – 6ª Turma – Rel. Min. Maria Thereza de Assis

Moura – julgado em 03/06/2014 – Dje 26.04.2014).

Na hipótese de apelação provida, alegando decisão manifestamente contrária

as provas dos autos, o tribunal determinará a realização de uma nova sessão de

julgamento pelo tribunal do júri, uma vez que o tribunal não poderá simplesmente

modificar a decisão, em observância ao princípio constitucional da soberania dos

veredictos. Nesse caso, da decisão que sobrevir de um novo júri, não caberá mais

recurso fundado na alínea d do art. 593, § 3º do Código de Processo Penal,

conforme disciplina Greco.

Decisão manifestamente contrária à prova dos autos é a que afronta

a corrente probatória dominante e inequívoca dos autos, no sentido

da condenação ou da absolvição. Se os autos contêm duas correntes

ou versões probatórias, a decisão não será manifestamente contrária

à prova dos autos e não será anulada. (GRECO, 2012, p.538).

50

9. ESPIRISTISMO

A doutrina tem como principal representante Allan Kardec, que fundou e

propagou o espiritismo nos anos de 1855 a 1869, onde escreveu as cinco principais

obras da doutrina e consagrou sua existência ao Espiritismo. As cinco obras são

conhecidas como pentateucos da religião, esclarecendo a crença e sua prática. São

elas: O livro dos espíritos, escrito em 1857, O livro dos Médiuns escrito em 1861, O

evangelho Segundo o Espiritismo escrito em 1864, O céu e o Inferno escrito em

1865 e a Gênesi escrito em 1868. Essas obras são basilares para a doutrina,

conforme demonstra a figura 1.

Fonte: https://sirconandoyle.wordpress.com/espiritismo/o-livro-dos-espiritos/

A doutrina espírita tem três princípios basilares, são eles: a ciência, a religião

e a filosofia. Segundo Allan Kardec “A ciência espírita compreende duas partes:

experimental uma, relativa às manifestações em geral; filosófica, outra, relativa às

manifestações inteligentes”. (KARDEC, 2004, p. 68). Disciplina ainda que

51

Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma

doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas relações

que se estabelecem entre nós e os Espíritos; como filosofia,

compreende todas as consequências morais que dimanam dessas

mesmas relações. (KARDEC, 2009, p.7).

Sendo assim, a doutrina é regida por três grandes pilares, a ciência que tem

papel de explicar os fenômenos, desmistificando milagres. A filosofia que vêm para

provocar o questionamento, que levará ao entendimento de determinado fenômeno.

E por último e não menos importante a religião, que indica o comportamento em

sociedade, tendo como foco central a família, o lar.

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10. A PSICOGRAFIA

Dentre as práticas do espiritismo, surge a psicografia que é tratada por

Kardec especificamente na obra “O livro dos Médiuns”, no Capítulo XV. A psicografia

é uma técnica escrita, usada para comunicação de um espírito com o plano material,

ou seja, comunicação entre encarnados e desencarnados, através de uma pessoa

denominada no processo de psicografia como médium. O próprio Kardec define

quem é médium, na mesma obra que trata acerca da psicografia.

Todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos

é, por esse fato, médium. Essa faculdade é inerente ao homem; não

constitui, portanto, um privilégio exclusivo. Por isso mesmo, raras são

as pessoas que dela não possuam alguns rudimentos. Pode, pois,

dizer-se que todos são, mais ou menos, médiuns. Todavia,

usualmente, assim só se qualificam aqueles em quem a faculdade

mediúnica se mostra bem caracterizada e se traduz por efeitos

patentes, de certa intensidade, o que então depende de uma

organização mais ou menos sensitiva. É de notar, além disso, que

essa faculdade não se revela, da mesma maneira, em todos.

Geralmente, os médiuns têm uma aptidão especial para os

fenômenos desta ou daquela ordem, donde resulta que formam

tantas variedades quantas são as espécies de manifestações”.

(Kardec, 2003, p.235)

A psicografia é uma forma de comunicação. É usada a escrita e no processo

o médium funciona como mero transcritor do que o espírito está transmitindo. Em

seu livro Kardec descreve que a psicografia pode ser feita por Médiuns mecânicos,

intuitivos e semimecânicos. Os médiuns mecânicos são usados pelos objetos,

conforme explica Kardec

O Espírito lhe dá uma impulsão de todo independente da

vontade deste último. Ela se move sem interrupção e sem embargo

do médium, enquanto o Espírito tem alguma coisa que dizer, e pára,

assim ele acaba. [...] Nesta circunstância, o que caracteriza o

fenômeno é que o médium não tem a menor consciência do que

escreve. Quando se dá, no caso, a inconsciência absoluta; têm-se os

médiuns chamados passivos ou mecânicos. (Ibidem, p. 256).

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Os médiuns intuitivos não são guiados pelo lápis na escrita como ocorre na

forma anterior. Aqui o médium usa a intuição para comunicação e posterior

transcrição como descreve Kardec “O Espírito livre, neste caso, não atua sobre a

mão, para fazê-la escrever; não a toma, não a guia. Atua sobre a alma, com a qual

se identifica. A alma, sob esse impulso, dirige a mão e esta dirige o lápis.” (Ibidem,

p. 257). Portanto nesse caso o movimento da escrita é voluntário e facultativo.

Os médiuns semimecânicos são definidos por Kardec como uma mistura dos

dois anteriores, ou seja, une características dos mecânicos e dos intuitivos.” O

médium semimecânico participa de ambos esses gêneros. Sente que à sua mão

uma impulsão é dada, mau grado seu, mas, ao mesmo tempo, tem consciência do

que escreve, à medida que as palavras se formam.” (Ibidem, p. 258).

A psicografia é estudada por médiuns até os dias atuais. No Brasil o maior

representante da doutrina espírita e da psicografia foi Francisco Cândido Xavier, que

ficou conhecido como o maior psicógrafo da história. Nasceu em 1910, na cidade de

Pedro Leopoldo em Minas Gerais e faleceu em 2002 em Uberaba, Minas Gerais, de

parada cardíaca. Suas obras são conhecidas mundialmente. Escreveu através da

psicografia 451 livros, além das cartas psicografadas para famílias que iam em

busca de consolo ou algum contato com ente querido falecido. É importante

ressaltar que em relação aos direitos autorais de seus livros publicados, são

cedidos, gratuitamente, às editoras espíritas ou a quaisquer outras entidades.

De acordo com Weimar Muniz de Oliveira, Presidente da Federação Espírita

de Goiás, a psicografia pode ser definida como "um dom mediúnico pelo qual o

médium recebe, por via intuitiva ou mecânica, a mensagem de autoria espiritual".

Para que aconteça uma psicografia o espirito se aproxima do médium. Há

uma espécie de osmose, através das costas o médium sente os efeitos físicos.

Explicá-la através da ciência é um fenômeno que ocorre através da energia que

acompanha todo ser humano, alguns chamam de áurea, outros de ectoplasma. A

partir disso se dá a comunicação entre o espírito e médium. O Professor Fernando

Ortiz, explica o fenômeno:

[...] o calor ao influir no órgão corporal, virá influir também no espirito,

porquê este, para exteriorizar-se, encontrará um instrumento, o

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corpo, cuja temperatura normal se alterará favoravelmente para as

serenas manifestações terrenas do espirito.(ORTIZ, 1998, p.129).

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11. A PSICOGRAFIA COMO PROVA NO PLENÁRIO DO

TRIBUNAL DO JÚRI

Cartas de um modo geral, estão classificadas nas provas para o processo

penal, como documentos. A doutrina traz diversas definições acerca do termo

documentos para o processo penal, conforme explica a doutrina abaixo.

[...] pode se definir singelamente documento como a representação

escrita de um fato. De momo que a característica essencial do

documento é sua capacidade de reproduzir determinado fato

histórico por meio da linguagem ou por intermédio de quaisquer

signos, desde que a linguagem e os signos sejam escritos ou

grafados numa base qualquer que pode ser, por exemplo, o papel, a

madeira, a pedra, o tecido, etc.(MACHADO, 2013, p.518).

Para Greco o documento é dividido em dois elementos

Documento é todo objeto ou coisa do qual, em virtude de linguagem

simbólica, se pode extrair a existência de um fato. O documento,

portanto, é composto de dois elementos: o físico ou material e a

linguagem simbólica. O elemento físico ou material pode ser

qualquer coisa apta a conservar os símbolos, e estes, por sua vez,

não são apenas os gráficos ou visuais. É documento, pois, não só o

papel escrito, mas também a fotografia, a gravação magnética de

som ou de dados de computador. (GRECO, 2012, p. 339).

A doutrina traz a ideia de identificar no documento o sentido jurídico e o fato

histórico, conforme disciplina José Frederico Marques, “ tem-se o fato representado

que vem a ser o fato histórico reproduzido no documento e que é, na verdade, o

conteúdo deste ultimo, e o fato representativo que se constitui do documento

próprio”. (MARQUES, 1997, p.317, apud, MACHADO, 2013, p. 518).

Fernando da Costa Tourinho Filho, vai além na sua classificação para

documentos no processo penal, disciplinando que “[..] pode considerar ainda a

categoria dos documentos gráficos, ou seja, aqueles documentos representados por

desenhos , pinturas, cartas topográficas, etc., ou também por croquis, plantas,

maquetes, etc.” (TOURINHO FILHO, 2006, p. 565, apud, MACHADO, 2013, p.518).

Desse modo, entende-se que o uso da carta psicografada como prova no

Tribunal do Júri classifica-se como documento comprobatório, que deverá ser

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juntado aos autos, como qualquer outro, a fim de demonstrar por quem lhe

apresenta, seja órgão acusador ou defesa, a tese pertinente ao que se pretende,

visando o convencimento do corpo de jurados.

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12. CASOS CONCRETOS DO USO DA PSICOGRAFIA

NO TRIBUNAL DO JÚRI

O livro A Psicografia no Tribunal de Vladimir Polizio, traz alguns casos em que

a psicografia foi usada como prova em processos judiciais. O livro indica dois casos

específicos que ocorreram no estado de São Paulo. Através de pesquisa de campo

no arquivo do Tribunal de Justiça, foi possível coletar fotos dos processos, que estão

no anexo do presente trabalho.

12.1 Caso 1

Processo nº 408.01.2005.012198-3

Vara de Origem: 1ª Vara Criminal de Ourinhos

Data dos Fatos: 22/04/1997

Réu: Milton dos Santos e outros.

O réu foi denunciado pela prática do crime de homicídio, tipificado pelo artigo

121, § 1º, inciso I e IV c.c artigo 29, ambos do Código Penal. O réu teria mandado

matar seu concunhado e compadre, a vítima Paulo Roberto Pires. A denúncia foi

recebida, seguida da instrução e o Juiz pronunciou o réu, levando o caso para

julgamento pelo Tribunal do Júri. Na fase de produção das provas foi apresentada

pela defesa, uma carta psicografada por Paulo, onde ele pede a família que

“inocentem o Milton para que ele prossiga sua vida aproveitando-se da observação

dos fatos para dirigir melhor os destinos de sua família”, bem como, pede que “os

culpados pela minha morte do corpo paguem suas culpas”. A carta foi apresentada,

o órgão acusador solicitou perícia grafotécnica, que atestou não ser de Paulo as

assinaturas. Houve a sessão plenária do Júri, onde por decisão do corpo de jurados,

Milton foi absolvido. Não houve recurso da decisão.

12.2 Caso 2

Processo nº 64.142.3/7

Vara de Origem: Comarca de Campos do Jordão

Data dos fatos: 28/10/1979

Réu: Benedito Martiniano França

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O réu foi denunciado pela prática do crime de homicídio, tipificado pelo artigo

121, § 2º, inciso II do Código Penal. O crime ocorreu em uma colônia de férias em

na cidade de Campos do Jordão, após uma discussão devido a uma manobra

perigosa feito pelo réu com o carro, quase atingindo a vítima e seu filho, no decorrer

da discussão réu e vítima entraram em luta corporal e com um golpe de faca

desferido por Benedito a vítima Gilberto Cuencas Dias faleceu. A denúncia foi

recebida, seguida da instrução e o Juiz pronunciou o réu, levando o caso para

julgamento pelo Tribunal do Júri. Na fase de produção de provas a família

apresentou a carta psicografada pelo Médium Francisco Cândido Xavier, onde a

vítima pedia que a família considerasse que “estar alguém perante a justiça, a fim de

responder por atos lamentáveis já é muita carga de provação nos próprios ombros.

Em vista do que exponho, rogo assim para não nos sentirmos superiores ao amigo

que me cortou o corpo sem saber o que fazia”. A carta foi apresentada na sessão

Plenária do Tribunal do Júri e o réu foi absolvido por unanimidade pelo Conselho de

Sentença. Houve recurso por parte do órgão acusador, porém o Tribunal superior

negou provimento ao recurso.

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13. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho permitiu analisar a possibilidade de utilizar um meio de

prova pouco falado no ordenamento jurídico, a carta psicografada, como uma forma

de prova no processo penal, mais especificamente no Tribunal do Júri.

O uso de tal prova se faz possível, visto que o nosso ordenamento jurídico

traz um rol indicativo das provas que poderão ser produzidas para que se demonstre

a verdade acerca dos fatos. O Direito Penal busca com as provas tanto a verdade

objetiva, quanto subjetiva, logo proíbe-se apenas as provas consideradas ilegais,

que firam os princípios constitucionais e processuais.

A decisão emanada pelo Conselho de Sentença, conduz a uma reflexão

importante, acerca do veredicto ser proferido sem necessidade de fundamentação

legal, levando a inevitável comparação às decisões proferidas por um Juiz togado,

ou seja, os jurados votam e decidem de acordo com as suas convicções, pelo

entendimento pessoal, com base em tudo que lhe foi apresentado na Sessão

Plenária. Há que se considerar que a decisão irá definir os rumos da vida dos

envolvidos, ressaltando ainda, que estão naquela situação pelo cometimento de um

determinado crime contra a vida, bem jurídico protegido com afinco pelo legislador,

se observarmos as penas aplicadas para tais condutas. É claro que toda decisão é

passível de recurso, mas de acordo com o princípio da soberania que tem as

decisões proferidas pelos jurados, repete-se todo o rito e leva a questão novamente

a julgamento, ou seja, os Tribunais Superiores não são competentes para modificar

decisões dos jurados, mas analisam a coerência do veredicto de acordo com as

provas apresentadas e se entenderem que a decisão é contrária a prova dos autos,

proferem decisão no sentido de determinar novo julgamento.

A pesquisa também demonstrou que a doutrina Kardecista vai além da

religião, que se utiliza também da ciência e da filosofia, a fim de explicar os

fenômenos por ela considerados. Sendo um desses fenômenos a psicografia, que é

uma forma de comunicação do mundo material e espiritual. Observa-se que a

consideração da filosofia e da ciência como pilares para o entendimento da doutrina

espírita assemelha-se aos estudos jurídicos, que também se vale da filosofia para

buscar respostas e é considerada uma ciência.

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Portanto, conclui-se que é possível o uso da carta psicografada como prova

no Tribunal do Júri, desde que respeitado o que indica à legislação, no que tange ao

prazo para juntada da prova, a vista às partes para manifestação, a veracidade do

que se apresenta, enfim respeitando o que determina a Lei, sob pena de nulidade.

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14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Brasil, 24 out. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 27 set. 2016.

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Disponível em: <http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/07/135.pdf>. Acesso em:

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XAVIER, Francisco Cândido. Voltei. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 1975.

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15. ANEXO A – PRINCÍPIOS PEÇAS - CASO OURINHOS

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16. ANEXO B – PRINCIPAIS PEÇAS – CASO CAMPOS

DO JORDÃO

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