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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Adriana Arrigoni UNIVERSIDADE, POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO MÉDICA: CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS PELA MILITÂNCIA ESTUDANTIL DA FACULDADE DE MEDICINA DA UFRJ Rio de Janeiro 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Adriana Arrigoni

UNIVERSIDADE, POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO MÉDICA: CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS PELA MILITÂNCIA ESTUDANTIL DA

FACULDADE DE MEDICINA DA UFRJ

Rio de Janeiro

2012

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Adriana Arrigoni

UNIVERSIDADE, POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO MÉDICA: CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS PELA MILITÂNCIA ESTUDANTIL DA

FACULDADE DE MEDICINA DA UFRJ

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde.

Orientadora: Profª Drª Vera Helena Ferraz de Siqueira

Rio de Janeiro

Ano: 2012

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Adriana Arrigoni

UNIVERSIDADE, POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO MÉDICA: construção de

significados pela militância estudantil da Faculdade de Medicina da UFRJ

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do Título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde.

Aprovado em __________________________________

______________________________________________________

Profa. Dra. Vera Helena Ferraz de Siqueira – UFRJ

______________________________________________________

Profa. Dra. Vera Lucia Rabello de Castro Halfoun – UFRJ

______________________________________________________

Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca – UFRJ

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Dedico este trabalho a todos aqueles que

acreditam no ser humano e lutam, em cada dia de

suas vidas, por uma sociedade mais justa e

fraterna.

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Agradecimentos A Deus, que, ao colocar em meu caminho a oportunidade de cursar esse mestrado, me apresentou mais uma oportunidade de superar a mim mesma;

Ao meu pai Mario (em memória), meu primeiro "herói";

À eterna compreensão e apoio incondicional de minha mãe, Maria Lúcia, durante todo o percurso do mestrado - sem seu apoio, este trabalho não poderia existir;

À minha irmã, Glória Walkyria, por ter me apresentado ao "mundo acadêmico", me incentivado a cursar o mestrado e acreditado na minha capacidade;

Ao meu querido companheiro Thiago, namorado e amigo, pela paciência e carinho durante esse período, e a toda sua família, que me acolhem como um dos seus;

À minha orientadora, profª Vera Helena, pela inspiração e atenção proporcionadas durante o mestrado;

À minha família espiritual, o Grupo Espírita de Arte Maria Angélica, pelos encontros, sorrisos, alegrias e desafios, recheados de aprendizados, que dividimos juntos nessa jornada na Terra;

Aos militantes do centro acadêmico de medicina da UFRJ, por terem gentilmente me concedido as entrevistas necessárias para esse estudo. À Jussara, secretária do CACC, por toda ajuda prestada durante a pesquisa;

A todos os colegas e funcionários do NUTES com quem convivi durante esses dois anos, em especial à minha turma de mestrado, pelos ótimos momentos vivenciados nessa caminhada;

Às colegas do grupo Gênese, em especial a Marcia, Ana Cláudia, Ana Cristina, Andréa, Marina, Luciana e Imira, pelos encontros e conselhos valiosos;

Aos amigos da espiritualidade, que me guiaram pacientemente durante todo o "solitário" trabalho do mestrado;

A Jesus, o maior educador que já pisou na Terra, que me inspira a um dia conquistar a honra de ser verdadeiramente uma educadora de almas.

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De tudo, ficaram três coisas: A certeza de que estamos sempre começando. A certeza de que precisamos continuar. A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar. Portanto devemos: Fazer da interrupção um caminho novo. Da queda um passo de dança. Do medo, uma escada. Do sonho, uma ponte. Da procura, um encontro. Fernando Pessoa.

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Resumo ARRIGONI, Adriana. Universidade, políticas públicas e formação médica: construção de

significados pela militância estudantil da Faculdade de Medicina da UFRJ. Rio de Janeiro, 2012.

Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de Tecnologia Educacional

para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

Esta pesquisa buscou analisar significados construídos por militantes estudantis da

Faculdade de Medicina da UFRJ a respeito das recentes transformações que estão ocorrendo na

Universidade. Foram investigados seus posicionamentos sobre as políticas públicas de ensino

superior (especificamente o Enem, o Reuni e o Sistema de Reserva de Vagas) e sobre as políticas

públicas de saúde, em suas repercussões sobre a formação médica promovida pela UFRJ. Trata-se

de estudo qualitativo, cujos dados foram obtidos através de seis entrevistas semi-estruturadas com

militantes atuais e recentes do Centro Acadêmico Carlos Chagas da Faculdade de Medicina da

UFRJ, bem como por observações de suas atividades e levantamento fotográfico de imagens e

textos de sua autoria, produzidos no decorrer de campanha eleitoral; como aporte teórico-

metodológico foram utilizadas noções dos estudos culturais e a noção de "poder" conforme

formulações foucaultianas. Como uma das contribuições do estudo, traçamos breve trajetória sobre

o movimento estudantil brasileiro e levantamento sobre as políticas públicas do ensino superior

(Enem, Reuni e Sistema de Reserva de Vagas) e sobre as políticas públicas de saúde no âmbito da

formação médica. Os resultados da pesquisa evidenciaram que apesar de fazer parte da pauta do

movimento estudantil médico discussões a respeito da defesa do SUS e a abertura da universidade

a segmentos exteriormente excluídos da mesma, nota-se nos posicionamentos dos sujeitos

pesquisados um tensionamento entre, por um lado, a defesa de propostas democratizantes, e por

outro, posturas internalistas voltadas à defesa dos próprios interesses da medicina. Temos por

hipótese que a construção histórica e social da Medicina como um saber científico e legitimado é

internalizado nos posicionamentos e nas práticas desses estudantes, por exemplo, na medida em

que se constroem como superiores a outros profissionais, o que é inclusive reforçado por alguns

setores da própria Faculdade de Medicina. É possível afirmar que a militância parece enfraquecida

pela fragilidade e certo tensionamento na defesa das “bandeiras”; pela distância entre os militantes

e os demais estudantes, pouco identificados com a política estudantil; e pela segmentação do

próprio movimento estudantil em geral, onde a pluralidade dos grupos acaba dificultando a atuação

desses militantes. Esperamos que este estudo venha a contribuir no sentido de que o movimento

estudantil se organize de modo a se aproximar dos estudantes não militantes, buscando se construir

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de forma menos excludente; para que a Faculdade de Medicina da UFRJ reflita sobre as relações

de poder que perpassam a profissão médica e a própria Faculdade e suas implicações na formação

médica; e para que a Universidade acolha as experiências da militância estudantil como parte

importante da formação universitária para a cidadania.

PALAVRAS-CHAVE: Movimento Estudantil Médico; Políticas Públicas de Saúde; Políticas

Públicas de Ensino Superior; Identidade; Cidadania.

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Abstract ARRIGONI, Adriana. Universidade, políticas públicas e formação médica: construção de

significados pela militância estudantil da Faculdade de Medicina da UFRJ. Rio de Janeiro, 2012.

Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de Tecnologia Educacional

para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

This research aimed at analyzing the meanings constructed by militant students from

the School of Medicine at the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ) concerning the

recent changes that have been occurring at the University. Their opinions on higher education

public policies (specifically Enem, Reuni and the System for Reserving Positions) and health

policies were investigated, taking into account their repercussion on the medical course at

UFRJ. In this qualitative study, six semi-structured interviews were performed with currently

enrolled or recently graduated students from Carlos Chagas Academic Center (CACC) at

UFRJ. Data was also collected through the observation of their activities and an analysis of

photographic images and texts produced by them during the election campaign. The

theoretical and methodological framework was based on Michel Foucault’s concept of

“power” and notions from cultural studies. One of the contributions brought by this study was

a brief historical account of the Brazilian student movement and an investigation of higher

education policies (specifically Enem, Reuni and the System for Reserving Positions) and

health policies within the medical undergraduate course. The results showed that the debates

on the protection of the national health system (SUS) and the accessibility of the university to

those who are excluded from it were part of the student movement’s agenda. However, it was

possible to observe in the students’ opinions a tension between the advocacy of democratizing

proposals and, on the other hand, a disposition to defend the interests of medicine. Our

hypothesis is that the historical and social construction of medicine as scientific and

legitimate knowledge is embedded in the students’ opinions and attitudes. An example can be

seen in how they create the perception of being superior to other professionals, which is also

reinforced by some sectors of the School of Medicine. Militancy seems to be weakened by the

fragile and sometimes tense advocacy of different causes; by the distance between the

militants and other students that are not interested in university politics; and by the divisions

within the student movement, where the diversity of the groups raises difficulties to the

militants’ actions. We hope that this study may encourage the student movement to

restructure their organization in a way that includes non-militant students, creating a less

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excluding environment. Also, that the School of Medicine may consider the relations of

power present in the medical profession and within the university, as well as their

implications to the medical undergraduate course. Finally, that the university may welcome

the experiences of the students’ militancy as part of the university experience and a path to

citizenship.

KEYWORDS: Medical Student Movement; Public Policies on Health; Public Policies on

Higher Education; Identity; Citizenship.

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Lista de Ilustrações Figura 1: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Mural do CCS com propaganda das chapas.

86

Figura 2: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Cartazes das chapas concorrentes. 87

Figura 3: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Lembrete da data da eleição. 89

Figura 4: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Propaganda da chapa 1 na janela da xerox próxima ao CACC.

90

Figura 5: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Banner da chapa 1. 91

Processo eleitoral do CACC, 2010 - Folder de campanha da chapa 1 (parte externa). 92

Processo eleitoral do CACC, 2010 - Folder de campanha da chapa 1 (parte interna). 93

Figura 6: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Panfleto da chapa Cuidar é Preciso. 98

Figura 7: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Banner chapa 3. 100

Processo eleitoral do CACC, 2010 - Folder de campanha da chapa 3 (parte externa). 101

Processo eleitoral do CACC, 2010 - Folder de campanha da chapa 3 (parte interna). 102

Figura 8: Processo eleitoral do CACC, 2011 - Panfleto da chapa "Lutar é Preciso". 111

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Lista de Abreviaturas e Siglas ABEM Associação Brasileira de Educação Médica ADUFRJ Associação dos Docentes da UFRJ ANEL Associação Nacional de Estudantes - Livre ANDES Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior CA Centro Acadêmico CACC Centro Acadêmico Carlos Chagas (UFRJ) CCMN Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (UFRJ) CCS Centro de Ciências da Saúde (UFRJ) CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Saúde CFM Conselho Federal de Medicina CREMERJ Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro COBREM Congresso Brasileiro dos Estudantes de Medicina CONSUNI Conselho Universitário da UFRJ CT Centro de Tecnologia (UFRJ) DA Diretório Acadêmico DCE Diretório Central dos Estudantes DENEM Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina ECEM Encontro Científico dos Estudantes de Medicina ENADE Exame Nacional de Desempenho de Estudantes ENEM Exame Nacional do Ensino Médio FM Faculdade de Medicina (UFRJ) HUCFF Hospital Universitário Clementino Fraga Filho IFES Instituições Federais de Ensino Superior INEP Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IPPMG Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira LLM Laboratório de Linguagens e Mediações (NUTES/UFRJ) ME Movimento Estudantil MEC Ministério da Educação MEM Movimento Estudantil de Medicina MR-8 Movimento Revolucionário 8 de Outubro NUTES Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (UFRJ) OREM Olimpíada Regional dos Estudantes de Medicina PCdoB Partido Comunista do Brasil PCI Programa Curricular Interdepartamental (FM/UFRJ) PDE Plano de Desenvolvimento da Educação

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PDI Plano de Desenvolvimento Institucional da UFRJ PDUFRJ 2020 Plano Diretor 2020 da UFRJ (ou somente Plano diretor da UFRJ) PEM Programa de Educação Médica (FM/UFRJ) PSOL Partido Socialismo e Liberdade PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado PT Partido dos Trabalhadores PRE Plano de Reestruturação e Expansão da UFRJ REUNI Programa de Apoio a Expansão e Reestruturação das Universidades Federais SESACs Semanas de Estudos sobre Saúde Comunitária SINTUFRJ Sindicato dos Trabalhadores da UFRJ SISU Sistema de Seleção Unificado SUS Sistema Único de Saúde UJS União da Juventude Socialista. Tendência do PCdoB. UFBA Universidade Federal da Bahia UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UnB Universidade de Brasília UNE União Nacional dos Estudantes UNEM União Nacional de Estudantes de Medicina USP Universidade Estadual de São Paulo

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Sumário

INTRODUÇÃO 16

1 MOVIMENTO ESTUDANTIL: A ATUALIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR E DE SAÚDE PARA PENSAR SOBRE A FORMAÇÃO MÉDICA

21

1.1 A trajetória do Movimento Estudantil no Brasil 23

1.1.1 O Movimento Estudantil Médico e a criação da DENEM 31

1.2 As políticas públicas de ensino superior na universidade pública: situando o Reuni, o Sistema de Reserva de Vagas (cotas) e o Enem 37

1.2.1 O Reuni e o Plano Diretor da UFRJ 37

1.2.2 Sistema de Reserva de Vagas: a questão das cotas sociais e raciais 43

1.2.3 O Enem como forma de ingresso na UFRJ 50

1.3 Relações entre políticas públicas de saúde e formação médica 54

1.3.1 Formação médica promovida pela Faculdade de Medicina da UFRJ 64

2 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO 67

2.1 Questões de identidade, cidadania e ativismo estudantil no contexto universitário 69

2.2 A questão do “poder” para Foucault 71

2.3 Utilizando noções de semiótica 75

2.4 Procedimentos metodológicos 76

3 ELEIÇÕES PARA O CACC, 2010: UMA ANÁLISE DO PROCESSO ELEITORAL E DA MILITÂNCIA ESTUDANTIL 83

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APÊNDICE A - ROTEIRO DAS ENTREVISTAS 178

APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 179

3.1 O Centro Acadêmico Carlos Chagas e sua campanha eleitoral de 2010 84

3.2 Identidade política dos militantes e articulações do movimento estudantil 112

4 AS POLÍTICAS DE ENSINO SUPERIOR E A FORMAÇÃO MÉDICA PROMOVIDA PELA UFRJ NA VISÃO DOS MILITANTES DA MEDICINA 120

4.1 O Enem como forma de ingresso 121

4.2 Sobre o Sistema de Reserva de Vagas como forma de ingresso 124

4.3 Sobre a adoção do Reuni na UFRJ 132

4.4 Sobre a formação médica promovida pela UFRJ 138

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 160

REFERÊNCIAS 167

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INTRODUÇÃO

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Nasci no Rio de Janeiro, em 1986, e me graduei em Desenho Industrial - Programação

Visual pela Universidade Estácio de Sá, em 2007. Escolhi o Desenho Industrial como curso de

graduação por identificação com as disciplinas de arte e fotografia. No último ano do curso,

estagiei na área de criação em uma agência publicitária produzindo anúncios voltados

principalmente para o setor automobilístico, sendo efetivada como diretora de arte algum tempo

depois.

Na execução dos projetos de publicidade, tive a oportunidade de aplicar alguns conceitos

de semiótica adquiridos em meus estudos. Comecei então a perceber como as imagens e os

discursos são produzidos nesse contexto e, após algum tempo, o trabalho no campo da publicidade

passou a não me satisfazer mais profissionalmente devido a seu caráter estritamente comercial, o

que me levou a buscar uma maior aproximação entre a minha formação de designer e de

programadora visual com o campo da educação.

Além dessas atividades no campo da publicidade, já vinha há cerca de cinco anos

desenvolvendo práticas educativas em uma instituição espírita cristã localizada em uma

comunidade de Vargem Grande. Nessa experiência educativa, tive oportunidade de perceber as

relações existentes entre as condições materiais de vida, a educação e a saúde, ao acompanhar de

perto crianças muito pobres, doentes e com vários outros problemas derivados dessa condição

social, como a violência, o uso de drogas, etc.

Para aprofundar meus conhecimentos em educação na área da saúde, em 2009, comecei a

frequentar o grupo de pesquisa Gênese sob a coordenação da professora Vera Helena Ferraz de

Siqueira, do Laboratório de Linguagens e Mediações do Núcleo de Tecnologia Educacional para a

Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LLM, NUTES/UFRJ), onde tomei contato com

questões relacionadas a deslocamentos culturais, saúde e educação, a partir de variados "textos"

(filmes, vídeos educativos, sites, materiais de campanha, obras literárias, etc.) compreendidos

como formas empíricas do discurso, particularmente sobre questões concernentes a processos

sociais de exclusão relacionados a questões de gênero, sexualidade e etnia, e, em outra vertente,

voltada ao entendimento dos significados construídos por comunidades específicas de sujeitos em

contextos educativos formais e não formais, principalmente no que se refere à construção de suas

identidades como homens, mulheres, alunos, profissionais e cidadãos (SIQUEIRA, 2001).

A frequência ao grupo de estudos me permitiu entrar em contato com projetos nos quais

pude então perceber mais claramente as conexões existentes entre as diversas tecnologias de

informação trabalhadas teoricamente no LLM / NUTES e minha formação em programação

visual, onde as inovações tecnológicas se fazem presentes a todo o momento, e a relação destas

com a minha insatisfação diante do discurso consumista que circula no campo publicitário.

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A escolha do meu objeto de estudo guarda relação com uma das pesquisas do grupo

Gênese do LLM, um estudo de ROCHA et. al. (2010) sobre as semióticas de cartazes, panfletos e

banners expostas nas áreas de convivência do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFRJ por

ocasião das eleições do Diretório Central dos Estudantes (DCE) desta universidade, em 2009. Na

ocasião deste processo eleitoral, travei contato com integrantes de algumas das chapas que estavam

concorrendo, além de observar a circulação desses jovens distribuindo o material de propaganda e

interagindo com outros estudantes da área da saúde.

Os textos que se destacaram na análise de discurso desse material de propaganda eleitoral

manifestavam principalmente: 1. Apoio ou repulsa à proposta de reforma universitária (Reuni) e ao

Plano Diretor da UFRJ; 2. Críticas à abertura de novos cursos de graduação; 3. Críticas às

condições materiais de estudo e de deslocamento, tanto no campus da Praia Vermelha como no da

Ilha do Fundão, relativas a alimentação, transportes, alojamentos e creches; 4. Reivindicação pela

manutenção da meia-entrada em eventos culturais da cidade e 5. Apoio ou repulsa à União

Nacional dos Estudantes (UNE) (ROCHA et. al., 2010).

As seguintes palavras de ordem foram produzidas, distribuídas e consumidas em um

espaço de tempo relativamente curto, de cerca de quinze dias de campanha eleitoral: “Não ao

monopólio das carteirinhas da UNE”; “Não vou me adaptar”; “A UFRJ não vai pagar pela crise!”;

“A Praia Vermelha é nossa! E não está à venda!”; “Não ao REUNI de LULA”; “Expansão com

QUALIDADE, UFRJ em todos os lugares!”; “Por um DCE COMBATIVO e que integre os

estudantes!”; “Na luta pelo BANDEJÃO1 do CT-CCMN2!”; “Enfrentar a crise com o novo

movimento estudantil”; “Rumo ao Congresso Nacional dos Estudantes”; “Contra as cotas: ainda há

tempo!”. Segundo Rocha et al (2010), com exceção a críticas a abertura de novos cursos, não

foram encontradas nessas semióticas das eleições para o DCE outros questionamentos à formação

profissional promovida pela UFRJ.

Sabe-se que historicamente a militância estudantil tem exercido um papel importante na

universidade, não só reivindicando os direitos dos estudantes, como também lutando por reformas

da própria universidade. Foi inclusive, como afirma Cunha (1983), a partir da luta do movimento

estudantil pela modernização do ensino, que nasceu o projeto de reforma do ensino superior de

1968, como veremos mais adiante neste trabalho.

Para Veiga Neto (2002), a universidade, como outras instituições educacionais modernas, é

um dos lugares privilegiados para a formação da cidadania, tendo como um de seus projetos

centrais a imposição de uma visão de mundo coerente ao jovem, enfatizando a racionalidade, o

1 Restaurante Universitário. 2 Centro de Tecnologia (UFRJ) - Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (UFRJ).

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progresso e a autonomia individual e, segundo Siqueira (2007), no Brasil as universidades públicas

são consideradas, de uma forma geral, instituições de excelência, onde a indissociabilidade do

ensino, pesquisa e extensão podem garantir uma formação privilegiada aos estudantes que

conseguem acesso às suas disputadas vagas.

Atualmente encontra-se em ebulição a discussão das políticas públicas de ensino superior

na universidade pública, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Sistema de Reserva

de Vagas para negros, indígenas e estudantes egressos do ensino público, conhecido também como

"cotas", e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

(Reuni). Essas políticas têm o propósito de diminuir as desigualdades sociais no país, e de um

modo geral, dar maior oportunidade às camadas excluídas da sociedade, a fim de que tenham

acesso ao ensino superior. Inclusive, já estão presentes na UFRJ - contexto do presente estudo -

provocando diversos posicionamentos na comunidade acadêmica, no movimento estudantil e na

sociedade em geral.

Parto do pressuposto que essas políticas terão repercussão na formação dos estudantes de

medicina, uma vez que é plausível supor que o poder historicamente conferido à profissão médica

através de uma complexa construção social, como mostra Foucault (1979), se relaciona ao estatuto

conferido ao curso de Medicina, marcado pelo ingresso altamente seletivo de alunos

majoritariamente de classes privilegiadas, e que tal cenário, bastante evidente nos cursos de

Medicina da UFRJ, guarda relação com a construção identitária dos futuros médicos no decorrer

do seu processo formativo, influindo nas perspectivas assumidas pelos estudantes a respeito das

políticas públicas de ensino superior e de formação médica.

O objetivo geral desta pesquisa foi analisar como os militantes estudantes de medicina da

UFRJ significam as transformações que estão ocorrendo na Universidade, a partir de seus

posicionamentos sobre as políticas públicas de ensino superior e sobre as políticas públicas de

saúde, em suas repercussões sobre a formação médica promovida pela UFRJ.

Como objetivos específicos, procurei:

- Traçar breve trajetória do movimento estudantil brasileiro e levantamento sobre as

políticas públicas do ensino superior (especificamente o Enem, o Reuni e o Sistema de Reserva de

Vagas) e sobre as políticas públicas de saúde no âmbito da formação médica;

- Identificar de que modo a construção histórica e social da Medicina como um saber

científico e legitimado se reflete nos posicionamentos e nas práticas dos estudantes de medicina

militantes do Centro Acadêmico Carlos Chagas (CACC) da UFRJ;

- Analisar a construção identitária desses estudantes como militantes a partir dos

significados que atribuem às políticas de ensino superior e à formação médica, relacionando-os a

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outros discursos que circulam na sociedade - mais especificamente de docentes, reitores,

pesquisadores de universidades públicas, lideranças de movimentos sociais e do movimento

estudantil em geral.

Considerando que os discursos têm implicações nos processos de construção de identidade

e cidadania do estudante de medicina, interessa neste estudo refletir a respeito dos valores que

permeiam as práticas desses futuros profissionais da saúde.

O estudo está organizado em:

Introdução - apresentação do objeto, contexto do estudo, justificativa e objetivos.

Capítulo 1 - revisão bibliográfica com vistas a contextualizar o movimento estudantil em

geral e em particular o movimento estudantil médico, as políticas públicas de ensino superior na

universidade pública, assim como as de saúde, em sua relação com a formação médica promovida

pela UFRJ.

Capítulo 2 - referencial teórico-metodológico.

Capítulos 3 e 4 - resultados e discussão. No capítulo 3, trato da identidade política dos

militantes entrevistados, além de analisar a campanha eleitoral para o CACC, em 2010. No 4 são

discutidos os resultados referentes à visão destes estudantes a respeito das políticas de ensino

superior, das políticas de saúde e da formação médica.

Capítulo 5 - apresentação das considerações finais e, por último, as referências

bibliográficas e o apêndice.

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1 O MOVIMENTO ESTUDANTIL E A ATUALIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR E DE SAÚDE PARA PENSAR SOBRE A FORMAÇÃO MÉDICA

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22

Em pesquisa bibliográfica a respeito do movimento estudantil, foram encontrados trabalhos

que contribuíram especialmente para a organização deste estudo - destaco aqui as teses de Paula

(2004) e de Mesquita (2006) e a dissertação de Carvalho (2006). A tese de Paula (2004) tratou do

movimento estudantil organizado da UFRuralRJ, dirigido pelo DCE, nos últimos vinte e cinco

anos; a tese de Mesquita (2006) estudou a participação de militantes estudantis a partir de quatro

grupos que expressam a atual diversificação do movimento: o movimento estudantil clássico, as

executivas de curso, os coletivos de gênero e os coletivos de cultura; a dissertação de Carvalho

(2006) analisou a prática educativa do movimento estudantil universitário, através da relação entre

estudantes militantes e estudantes não-militantes, no contexto do neoliberalismo.

A tese de Araújo (2006) e as dissertações de Castilho (2002) e Lopes (2004) 3, embora não

tenham sido consideradas neste estudo, também contribuíram para conhecer como a temática do

movimento estudantil vem sendo abordada em pesquisas na área da Educação.

O livro "O poder jovem", de Poerner (2004), publicação citada na maioria das referências

bibliográficas de trabalhos referentes ao movimento estudantil, foi importante para a construção da

primeira seção deste capítulo, pois oferece uma perspectiva do movimento estudantil desde o

Brasil Colônia até o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), apontando algumas das

principais lutas e conquistas do movimento.

Foram de grande valia nesta pesquisa os trabalhos de Cunha (1989; 1983; 1988), que

versam a respeito da universidade brasileira desde sua criação até os dias de hoje. O autor

contextualiza politicamente o percurso da universidade, ampliando desse modo o entendimento a

respeito da sua construção e desafios impostos ao longo dos anos à instituição universitária.

Realizando uma busca a respeito do movimento estudantil médico, a partir do material de

movimento estudantil levantado, foram encontrados somente dois estudos que abordavam essa

temática: o trabalho de conclusão de curso de Ballarotti (2010) e a já mencionada tese de Mesquita

(2006). Ressalto que esta busca não foi exaustiva, sendo possível, portanto, que existam outros

trabalhos a respeito dessa temática que não foram contemplados neste estudo.

Sobre a revisão bibliográfica a respeito das políticas públicas de ensino superior, entendo

que esta tenha sido fundamental para conhecer os objetivos de cada uma dessas políticas e ainda

traçar um panorama dos principais posicionamentos da comunidade acadêmica - docentes, reitores,

pesquisadores e diferentes correntes do movimento estudantil.

Destaco aqui as buscas no portal da UFRJ a respeito dessas políticas na referida

universidade e a consulta a algumas publicações da UFRJ, tais como os jornais da UFRJ, da

3 As teses de Paula (2004), e Araújo (2006); e as dissertações de Carvalho (2006), Castilho (2002) e Lopes (2004) são na área da Educação. A tese de Mesquita é na área da Psicologia Social.

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Associação dos Docentes da UFRJ (ADUFRJ) e do Sindicato dos Trabalhadores da UFRJ

(SINTUFRJ). A busca em artigos e periódicos que tratam das políticas públicas de ensino superior,

embora não tenha sido exaustiva, revelou que a temática das cotas é bastante ampla, ultrapassando

os limites da universidade e das políticas de ensino superior. Desse modo, busquei selecionar

somente o material que viesse ao encontro do foco do presente trabalho.

Destaco ainda a importância da consulta a alguns jornais disponíveis online, como p. ex. a

Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, bem como a sites, como o da Associação Nacional

dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), que complementaram a

pesquisa e contribuíram com a construção de um panorama, ainda que limitado, sobre as políticas

de ensino superior.

Na revisão bibliográfica a respeito das políticas públicas de saúde e de formação médica,

destaco o trabalho de Oliveira et al (2008), que pontuou algumas das principais políticas públicas

em saúde no âmbito da formação médica, e a série de artigos a respeito da temática do Ato

Médico, promovida pelo periódico Ciência e Saúde Coletiva. Dou relevo também à busca no portal

do Ministério da Saúde, a fim de obter informações sobre as políticas de saúde que se

relacionavam com a formação médica.

No âmbito da formação médica promovida pela UFRJ, foi de grande importância o

trabalho de Rocha (2003), permitindo conhecer as principais mudanças curriculares na Faculdade

de Medicina da UFRJ nos últimos anos, bem como as falas esclarecedoras da profª Vera Halfoun4

e do prof Sérgio Zaidhaft5, haja vista a escassez de publicações acessíveis que tratassem dessa

temática.

1.1 A trajetória do Movimento Estudantil no Brasil

O movimento estudantil sempre teve como uma de suas principais bandeiras a melhoria da

educação devido a sua composição de estudantes que vivenciavam em seus cotidianos os

4 Vera Lucia Rabello de Castro Halfoun é professora titular da Faculdade de Medicina da UFRJ. Foi diretora da Faculdade de Medicina da UFRJ (1990-1997); decana do Centro de Ciências da Saúde da UFRJ (1994-1998); coordenadora do núcleo macro-regional RJ/ES da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) (1994-1998); representante das Universidades no Conselho Municipal de Saúde (1994-1998) - conforme consta em seu currículo Lattes. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/7365168014580291. Acesso em: 25 jan. 2012. 5 Sergio Zaidhaft é diretor adjunto da graduação da Faculdade de Medicina da UFRJ; docente do departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRJ; coordenador do Programa de Educação Médica (PEM) da Faculdade de Medicina da UFRJ. Além disso, participa da Comissão de Bioética do Hospital Clementino Fraga Filho (HUCFF) e do Programa de Apoio ao Estudante da Faculdade de Medicina - na ocasião da entrevista (ZAIDHAFT, 2010).

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problemas educacionais. Foi a partir das lutas do movimento estudantil em Córdoba6, na

Argentina, em 1918, que a reivindicação por uma reforma universitária destacou-se nas pautas do

movimento estudantil brasileiro.

Pode-se também relacionar o movimento estudantil às lutas políticas de cada época, como

p. ex. às reivindicações por políticas públicas para a juventude, por maior participação do

movimento em instâncias governamentais, etc. Destaca-se ainda, na história do movimento

estudantil, a relação de cumplicidade deste com os demais movimentos sociais, como p. ex.

movimentos de trabalhadores camponeses, sem terras, negros, indígenas, mulheres, homossexuais,

etc. (MESQUITA, 2006).

Segundo Poerner (2004), a atuação do movimento estudantil vem de longe no Brasil e foi

marcada por diferentes lutas. O autor afirma que a primeira manifestação estudantil que se tem

conhecimento em nosso país deu-se em 1710, quando ocorreu uma invasão de soldados franceses

liderados por Jean François Duclerc no Rio de Janeiro. Também houve participação estudantil na

Inconfidência Mineira, como p. ex. do jovem mineiro aristocrata, recém-formado em Portugal,

José Álvares Maciel, que foi um dos ideólogos do movimento, junto aos inconfidentes. Além

destes, houve ainda outros episódios em que o movimento estudantil esteve envolvido na época,

como a Conjuração Baiana ou dos Alfaiates, de 1798, e na Revolução Republicana de 1817.

Poerner (2004) destaca neste período a participação dos estudantes no "plano ideológico

dos movimentos revolucionários brasileiros anteriores à independência" (p. 60), pois foram os

estudantes que saíram do país para estudar na Europa que trouxeram as idéias de filósofos como

Voltaire, Rousseau e Montesquieu para o Brasil.

Cabe lembrar aqui que, nesse período, de acordo com Cunha (1989), o ensino no Brasil era

ministrado nos colégios jesuítas, que funcionaram no país de 1550 até 1759. O ensino superior

iniciou-se somente em 1808, com as cadeiras de anatomia (no Rio de Janeiro) e de cirurgia (no Rio

de Janeiro e na Bahia), fundadas por D. João VI. Em 1810 foi criada a Academia Real Militar,

onde eram ministrados conhecimentos de engenharia - posteriormente a engenharia viria a ganhar

curso próprio, independente da Academia, em 1874, com a criação da Escola Politécnica. Em

1827, foram criados os cursos jurídicos, em Olinda e São Paulo, mantendo-se durante um longo

período de tempo a existência de somente três áreas no ensino superior brasileiro: medicina, direito

e engenharia.

6 Refiro-me aqui à Carta Magna da Reforma Universitária, documento elaborado no primeiro Congresso realizado em Córdoba por ocasião do nascimento da Federação Universitária Argentina, em 1918 (CUNHA, 1983, p. 210).

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Em 1832, as Academias de Medicina de ambos os estados (RJ e BA) foram transformadas

em Faculdades, abrangendo também os cursos de farmácia e obstetrícia. Os jovens que passaram a

frequentar tais cursos logo se engajaram em "campanhas estudantis" pela abolição da escravatura e

pela proclamação da república, o que na opinião de Poerner (2004) foi mais um passo para a

sistematização do movimento estudantil. Ainda há indícios da participação estudantil individual na

Revolução Farroupilha e na Sabinada, sendo esta última protagonizada pelo docente da Faculdade

de Medicina da Bahia Francisco Sabino Vieira. Alguns anos depois, em 1852, um grupo de

acadêmicos da mesma faculdade baiana viria a fundar "a primeira associação estudantil destinada a

alforriar escravos, a Sociedade Dois de Julho" (POERNER, 2004, p. 63).

Na Primeira República, no início do século XX, a participação dos estudantes nos conflitos

sociais se dava de diversas formas, "desde manifestações de rua contra aumentos dos preços dos

bondes, até aquelas que diziam respeito à própria dominação das oligarquias, como a campanha

pelo voto secreto" (CUNHA, 1989, p. 192). Nesta fase, destacam-se a fundação da Federação de

Estudantes Brasileiros, em 1901 - que não durou muito tempo - e as ações da juventude militar

estudantil na Revolta da Vacina, na Revolta dos 18 do Forte e na Revolução de 1930.

Poerner classifica a atuação dos jovens nesse período como "dispersa" e "caótica", devido à

falta de organização do movimento estudantil e "ausência de plataformas de luta" que motivassem

os estudantes. Segundo o autor, todas as ações anteriores à UNE tinham caráter transitório,

"visando apenas a problemas específicos e determinados, em função de cuja duração nasciam e

morriam" (p. 119).

O mencionado autor acrescenta que o outro problema das organizações que precederam a

UNE era o da regionalidade, o que pode ser exemplificado pela existência da Federação de

Estudantes Brasileiros, da Sociedade Filomática Paulista, do Centro de Acadêmicos Carioca, da

Liga Acadêmica de São Paulo e da Liga Paulista Pró-Constituinte. Sem uma entidade que os

representasse, os estudantes participavam individualmente de entidades como a Liga Nacionalista

de Olavo Bilac, a Liga do Voto Secreto, de Monteiro Lobato, a Aliança Nacional Libertadora,

dentre outras.

Percebendo a necessidade de ter uma representação discente que agregasse seus ideais de

maneira orgânica e que não fosse marcada pelas características da transitoriedade, da regionalidade

e da especificidade, em 1937, no governo de Getúlio Vargas, os estudantes organizam o 1º

Conselho Nacional dos Estudantes, realizado na Casa do Estudante do Brasil, nascendo na ocasião

a União Nacional dos Estudantes (UNE) (POERNER, 2004).

O Conselho foi instalado pelo ministro da educação e, na ocasião, foi aprovada uma

proposta do Diretório Central de Estudantes de Minas Gerais para vedar a discussão política na

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entidade recém-criada - o que durou pouco tempo, pois, alguns anos depois, o caráter político da

entidade já era percebido nitidamente em suas lutas e reivindicações.

Em 1938, houve novamente reunião do conselho, porém desta vez já denominado 2º

Congresso Nacional dos Estudantes. Foi apresentada uma proposta - posteriormente aprovada -

que: Continha todo um projeto político educacional que em nada coincidia com o da política autoritária, pois defendia a universidade aberta a todos; a diminuição das 'elevadíssimas e proibitivas' taxas de exame e de matrícula, as quais faziam a seleção pelo nível de renda e 'não pelas capacidades comprovadas cientificamente'; a vigência nas universidades do 'exercício das liberdades de pensamento, de cátedra, de imprensa, de crítica e de tribuna'; o rompimento da dependência da universidade diante do Estado, propondo a eleição do reitor e dos diretores das escolas pelos corpos docente e discente, representados no conselho universitário; a livre associação dos estudantes dentro da universidade, com representação paritária nos conselhos universitário e técnico-administrativo; a elaboração dos currículos por comissões de professores especializados e representantes estudantis; o aproveitamento dos estudantes mais capazes em cargos de monitores e estagiários, a serem criados (CUNHA, 1989, p. 323).

Vale lembrar que no início da era Vargas, em 1930, havia três universidades no país: a

Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920; a Universidade de Minas Gerais, criada em 1927;

e a Escola de Engenharia de Porto Alegre, criada em 1896. No final da era Vargas, em 45, eram

cinco as universidades: a Universidade do Brasil (antiga Universidade do Rio de Janeiro); a

Universidade de Porto Alegre (antiga Escola de Engenharia de Porto Alegre); a Universidade de

São Paulo, criada em 1934; as Faculdades Católicas, criadas em 1940 (mais tarde esta passaria a se

chamar Universidade Católica e depois Pontifícia Universidade Católica); Universidade do Distrito

Federal, criada em 1935 e depois absorvida pela Universidade do Brasil. Esta última, em 1937,

abrangia quinze escolas superiores e catorze institutos. Segundo Cunha (1989, p. 307), "suas

escolas passaram a ter maior prestígio, todas elas qualificadas de nacionais".

Em 1945, com o fim da Guerra, a deposição de Vargas e a instauração do regime liberal-

democrático no país, as entidades estudantis constituíram uma força política crescente,

desenvolvendo um "projeto de reforma universitária, expressão surgida pela primeira vez na

proposta mesma da criação da UNE, em 1938, e que viria a se ampliar nas três décadas

subsequentes" (CUNHA, 1989, p. 328).

Para Mesquita (2006), os anos 60 foram marcados pela atuação do movimento estudantil

por uma universidade mais justa. O autor enfatiza que as discussões referentes à problemática da

universidade estavam presentes no cotidiano dos estudantes: A vida universitária em si era parte constitutiva da vida destes, permitindo, assim, que a identidade estudantil fosse cada vez mais forte. A universidade, portanto, era um lugar de intensa socialização política: a formação e luta pela reforma universitária uniam-se às lutas mais amplas, à visão de um projeto nacionalista e desenvolvimentista, à experiência do poder nas mãos das camadas de esquerda com Goulart. Nessa conjuntura, os

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estudantes, de fato, se colocavam como sujeitos protagonistas, como sujeitos históricos importantes (MESQUITA, 2006, p. 71).

Conforme disse anteriormente, Cunha (1983) aponta o movimento estudantil como

responsável pelo nascimento do projeto de reforma no ensino superior. Segundo o autor, somente

mais tarde alguns professores integraram o movimento e, na medida em que ele se intensificava, "o

Estado passou a incorporar essa bandeira, acabando, depois de 1964, por arrebatá-la

completamente, redefinindo o seu sentido para torná-lo mero apoio à modernização do ensino

superior" (p. 207).

Em 1960, a UNE promoveu o 1º Seminário Nacional de Reforma Universitária. O

regimento do seminário foi aprovado com os seguintes tópicos de discussão: (1) o exame

vestibular; o programa e o currículo; sistema de aprovação; (2) administração da universidade;

participação do corpo discente na administração da universidade; a autonomia da universidade; (3)

condições de funcionamento: instalações, salas de aula, etc.; pesquisa; (4) realidade brasileira;

mercado de trabalho; (5) corpo docente; cátedra vitalícia; tempo integral; (6) função da

universidade. Estes temas foram votados em plenária e somente o número 3 não foi aprovado.

Posteriormente, os estudantes entenderiam que a autonomia universitária somente seria positiva

quando a universidade estivesse democratizada, ou seja, contasse com a participação estudantil,

pois, caso contrário, o reitor teria plenos poderes de decisão sobre a universidade (CUNHA, 1983).

Da discussão a respeito dos cinco temas restantes, nasceu a "Carta da Bahia" 7, contendo

segundo Poerner (2004) três títulos básicos: "A realidade brasileira"; "A universidade no Brasil"; e

"A reforma universitária". O documento propunha uma "luta pela democratização do ensino, com

acesso de todos à educação, em todos os graus; a abertura da universidade ao povo, mediante a

criação de cursos acessíveis a todos"; e "a condução dos universitários a uma atuação política em

defesa dos direitos operários" (p. 176).

Em 1962, ocorre o II Seminário Nacional de Reforma Universitária, em Curitiba, Paraná.

O tema do seminário era a "análise da universidade": (1) do ponto de vista estrutural; (2) do ponto

de vista regional; (3) do ponto de vista cultural; (4) do ponto de vista político-social; (5) da

teorização da universidade. Os relatórios produzidos a partir desses temas, juntos, formavam a

"Carta do Paraná" (CUNHA, 1983).

Como a Carta da Bahia, a Carta do Paraná se dividiu em três partes: "Fundamentação

teórica da reforma universitária”; “Análise crítica da universidade brasileira"; e "Síntese final:

7 Cunha (1983) destaca aqui a influência da Carta de Córdoba no movimento estudantil, o que pode ser notado inclusive pela adoção do termo "carta" seguido do nome do local onde foi realizado o seminário - no caso o 1º Seminário de Reforma Universitária foi realizado em Salvador, BA.

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esquema tático de luta pela reforma universitária", aprofundando, segundo Poerner (2004), as

propostas da Carta da Bahia.

Nesse período, as ações estudantis concentravam-se principalmente na UNE. Em 1964,

com o golpe militar, o governo de João Goulart foi derrubado e a sede da UNE, invadida, saqueada

e incendiada. Com o Brasil tomado pelos militares, as Forças Armadas utilizavam a opressão para

rebater qualquer pensamento e ação contrários ao regime autoritário e, dentre as primeiras medidas

tomadas pelo novo governo, destaca-se a Lei nº 4.464, ou Lei Suplicy de Lacerda, que substituía a

UNE pela Direção Nacional dos Estudantes e as Uniões Estaduais pelos Diretórios Estaduais8.

Essa lei, segundo Poerner (2004), visava "a extinção da UNE", pois tirava a autonomia do

movimento, tornando-o um mero "apêndice" do Ministério da Educação, dependente do órgão para

verbas e orientação.

Em 1966 a Faculdade Nacional de Medicina da UFRJ é invadida pelos militares,

acontecimento que ficou conhecido como o "Massacre da Praia Vermelha". No momento da

invasão, estudantes de diversos cursos da Universidade do Brasil encontravam-se reunidos na

Faculdade, discutindo as implicações que a Lei Suplicy de Lacerda acarretaria ao movimento

estudantil e à sociedade (UFRJ, 2006b).

O ano de 1968 foi marcado no mundo todo por rebeliões estudantis que colocaram em

cheque a ordem constituída (PAULA, 2004). Destaco aqui a rebelião que ocorreu na França, em

maio de 1968, onde o movimento estudantil francês iniciou um protesto, que resultou na

"paralisação da França" e na mobilização de seis milhões de grevistas (PIACENTINI, 2008).

No Brasil, os estudantes eram o setor popular mais organizado e com “maior poder de

mobilização”, o que fez com que o governo investisse contra o movimento estudantil. Ainda em

68, os estudantes que participavam do 30º Congresso da UNE, clandestinamente em Ibiúna, São

Paulo, foram presos (PAULA, 2004). Neste mesmo ano, houve a Reforma Universitária no Brasil,

que, no entendimento de Martins (2009), de certa maneira modernizou uma parte significativa das

universidades públicas, criando-se condições para articulação do ensino e da pesquisa; abolição das

cátedras vitalícias; introdução do regime departamental; e institucionalização da carreira

acadêmica. Segundo o referido autor, "para atender a esse dispositivo, criou-se uma política

nacional de pós-graduação, expressa nos planos nacionais de pós-graduação e conduzida de forma

eficiente pelas agências de fomento do governo federal" (p. 16). Por outro lado, a Reforma

contribuiu para um ensino privado "estruturado nos moldes de empresas educacionais voltadas

8 Em 1967, Castelo Branco, através do decreto-lei 228, viria a extinguir todas as organizações estudantis, inclusive a que tinha sido criada através da lei Suplicy, o Diretório Nacional dos Estudantes.

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para a obtenção de lucro econômico e para o rápido atendimento de demandas do mercado

educacional" (p. 17).

Uma das mudanças decorrentes da Reforma Universitária de 1968 foi a transferência da

Escola de Medicina da Praia Vermelha para a Ilha do Fundão no início da década de 70 (ROCHA,

2003). A Faculdade de Medicina da UFRJ teve seu prédio neoclássico na Praia Vermelha

demolido em 1976 e, em 1978, houve a implantação do Hospital Universitário Clementino Fraga

Filho na Ilha do Fundão.

Voltando a 1968, outro importante fato ocorrido neste ano foi o Ato Institucional nº 5.

Segundo Paula (2004), o AI-5 esgotou as possibilidades de organização do movimento estudantil

no Brasil. As principais lideranças do movimento foram presas ou optaram pela luta armada. Entre

1969 e 1974, a tortura foi prática comum de controle político, procurando inibir e intimidar a

população.

No final dos anos 1970, o movimento estudantil retornou às ruas, depois de quase uma

década de ausência. Segundo Mesquita (2006, p. 82), em um primeiro momento, as manifestações

se limitavam "ao campus e às reivindicações de questões internas, como a melhoria da

infraestrutura universitária, o fim do autoritarismo no interior da universidade, etc.". Depois,

passaram à luta pela democracia e pela "reorganização do próprio movimento estudantil". Os

estudantes começam a se organizar juntamente com outros grupos, outros segmentos da sociedade,

por elementos que permitissem essa abertura democrática e fim da ditadura, como a anistia de

presos políticos e a realização de eleições para a escolha de representantes. Mesquita (2006) relata

que é dessa maneira que "o movimento estudantil assume a bandeira do movimento das 'Diretas

Já!', que comunicava à sociedade seu desejo de eleições livres" (p. 82).

O mencionado autor ressalta a capacidade do movimento estudantil de amplo diálogo e

interlocução com os mais variados segmentos sociais. Entende que sempre existiu uma articulação

de projetos comuns entre o movimento estudantil e setores populares da sociedade, mas destaca o

impulso que a abertura democrática dá nas relações entre os movimentos sociais e o movimento

estudantil. Mais fortalecidos, ambos conseguem "criar uma grande correlação de forças frente às

questões colocadas para o conjunto da sociedade que desenhava um cenário propício para a

construção de um novo projeto de desenvolvimento para o país" (MESQUITA, 2006, p. 83).

Hoje o movimento estudantil configura-se de outro modo, como a atual sociedade também,

diferentemente da época da ditadura e das lutas que mobilizaram os estudantes até meados dos

anos 80. Abramo (1997) relata a insatisfação de alguns atores políticos, que se queixam da

distância dos jovens da política, o que para a autora "reflete, em primeiro plano, uma preocupação

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com a renovação de quadros no interior dessas organizações, mais do que em tratar e incorporar

temas levantados pelos próprios jovens." Acrescenta ainda que: Essa preocupação vem acompanhada de um diagnóstico que identifica nos jovens um desinteresse pela política e de um modo mais geral pelas questões sociais, como resultado da acentuação do individualismo e do pragmatismo que se afirmam como tendências sociais crescentes, tornando-os “pré-políticos” ou quase que inevitavelmente “a-políticos” (p. 27).

Mesquita (2008) percebe o movimento estudantil hoje ora em sua forma mais "tradicional"

- como p. ex. a UNE e as Executivas de Curso9 - ora "realizando um movimento de incorporação

de novas temáticas e pautas em seu interior", abrindo-se para o que o "cotidiano estudantil" traz de

novo. Porém essas pautas só surgem quando reivindicadas pelos próprios estudantes interessados

nas mesmas, pois, segundo o autor, "as entidades por si só já não conseguem ser espaços onde as

expressões das demandas estudantis sejam discutidas e pautadas" (p. 106). O autor refere-se aqui às

pautas levantadas por determinados segmentos da sociedade, como p. ex. mulheres (coletivos

feministas) e gays/lésbicas/bissexuais/transgêneros (coletivos GLBTs), dentre outros.

Uma das conclusões do trabalho de Paula (2004) apontou no sentido dessa nova articulação

do movimento estudantil, destacando "a multiplicidade das organizações estudantis que emergem

no panorama da Universidade e da sociedade mais ampla e que apontam para mudanças

significativas na participação social desse segmento juvenil" (p. 302). Na opinião de Groppo et al

(2008), "boa parte das mobilizações e ações estudantis e juvenis não passa mais pelos partidos e

pela política institucional, mas sim pelo voluntariado, movimentos culturais e artísticos, revoltas

sócio-políticas contra problemas sócio-econômicos pontuais" (p. 25).

Consideremos, portanto, que o movimento estudantil atua não somente no âmbito da União

Nacional dos Estudantes, mas também em outros espaços de atuação desses estudantes, como os

Diretórios Centrais Acadêmicos10 (DCEs), os Centros ou Diretórios Acadêmicos11 (CAs / DAs) -

que podem ser independentes da UNE; a Assembléia Nacional dos Estudantes - Livre12 (ANEL);

os coletivos, ligas e organizações em geral (partidárias ou não), nas quais militam grupos

estudantis; as executivas de curso; os diversos encontros científicos, congressos, etc., dos cursos

superiores; as associações e sindicatos como p. ex. a ANDIFES e o Sindicato Nacional dos

9 Executiva de curso é a entidade estudantil responsável por organizar encontros e atividades de interesse de um determinado curso superior. A executiva do curso médico é denominada Direção Executiva Nacional de Medicina (DENEM). 10 Diretório Central Acadêmico é a entidade representativa dos estudantes de graduação de uma universidade. 11 Diretório Acadêmico ou Centro Acadêmico é a entidade representativa de um curso de graduação de uma universidade. 12 A ANEL é uma entidade fundada em 2009, por estudantes brasileiros, com o intuito de ser uma alternativa à UNE: "a ANEL é um acúmulo de um setor do movimento que desde 2003 rompe com a União Nacional dos Estudantes e declara-se independente dos governos, de suas políticas e de seu dinheiro" (MAGALHÃES, s/d).

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Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES); e conforme aponta Mesquita (2006), os

movimentos sociais diversos, como p. ex. movimentos ligados à lutas étnico-raciais; de gênero;

sem-terras; etc.

No âmbito da UFRJ, os principais espaços de atuação do movimento estudantil são o DCE

Mário Prata e os Centros Acadêmicos de cada curso de graduação. O CACC da Medicina está

incluído nesse contexto, e, na sessão a seguir, poderemos compreender melhor o cenário em que

atua ao contextualizar o movimento estudantil médico - lembrando que existem outros espaços na

UFRJ onde nota-se a participação desses estudantes, como p. ex. em fóruns e conselhos

deliberativos das faculdades e da universidade, ADUFRJ e SINTUFRJ, dentre outras organizações.

1.1.1 O Movimento Estudantil Médico e a criação da DENEM

Busco nesta seção traçar um panorama das principais ações do movimento estudantil

médico, destacando a importância da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina

(DENEM) para o movimento estudantil médico. Poucos indícios de atuação do movimento

estudantil médico foram encontrados anteriormente ao período da DENEM, embora entenda que

estes esforços existiram, pois, como visto na seção anterior, a Medicina foi o primeiro curso

superior do país.

A DENEM é a executiva do curso de medicina e atualmente é o espaço de atuação mais

expressiva dos estudantes militantes da área médica. Foi criada em 1986, mesmo ano da

8ª Conferência Nacional em Saúde. De acordo com Ballarotti (2010), embora somente em 1986

tenha sido inaugurado esse espaço oficial do movimento estudantil médico, desde a década de 40

já havia debates entre os estudantes de medicina para a criação de uma entidade representativa da

categoria. Em 1950, na Semana Brasileira de Debates Científicos, tal desejo foi concretizado com a

formação da União Nacional de Estudantes de Medicina (UNEM). Devido à ditadura, em 1960 a

UNEM foi extinta.

Após quase dez anos da extinção da UNEM, em 1969 é realizado o primeiro Encontro

Científico dos Estudantes de Medicina (ECEM), controlado pelo MEC. Mais adiante, o ECEM se

tornaria independente do MEC e seria palco de importantes discussões do movimento estudantil

médico (BALLAROTTI, 2010).

Segundo Ballarotti (2010), na década de 70, reprimido pela ditadura, o movimento

estudantil médico articulava-se basicamente nas Semanas de Estudos sobre Saúde Comunitária

(SESACs), onde ocorriam discussões a respeito da democratização do país e contra a privatização

da saúde. Em meados da década de 1970, se organiza o Movimento de Reforma Sanitária,

articulado ao Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES). Inspirados na Reforma Sanitária

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Italiana, profissionais, intelectuais e lideranças políticas da área da saúde buscavam democratizar a

saúde. Segundo a autora, em 1976, os SESACs se esvaziam por conta da criação de outros espaços

como o CEBES, sindicatos, Associação Nacional dos Médicos Residentes, e ainda o ECEM. Neste

mesmo ano, o ECEM já é realizado pelos estudantes e não mais pelo MEC. No encontro ocorrem

debates sobre os determinantes sociais em saúde, necessidades de mudanças na estrutura social e

econômica da época, dentre outras, acabando por se consolidar o ECEM como o "maior encontro

anual dos estudantes de medicina".

Nos anos 1980, o movimento estudantil médico começa a participar de movimentos que

levaram posteriormente às Ações Integradas de Saúde (AIS) em 1984, e que mais adiante levaram

ao desenvolvimento do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). No período de

transição final da ditadura para república, o movimento estudantil médico se aproxima cada vez

mais dos ideais da Reforma Sanitária, através da participação em núcleos de estudos sobre

educação médica e saúde pública (BALLAROTTI, 2010, p. 21).

Como já foi dito, em 1986 ocorreu a histórica 8ª Conferência Nacional em Saúde. Houve

eleição na UNE, para ser decidido quem seriam os estudantes delegados para a 8ª Conferência

Nacional em Saúde, e foram escolhidos 5 estudantes de medicina, que representaram a categoria na

conferência. Ainda nesse ano, no Congresso da UNE, os militantes de medicina perceberam que

não tinham o espaço de discussão que gostariam na entidade (liderada pelo PC do B), decidindo

assim elaborar uma proposta de criação de uma Federação Nacional dos Estudantes de Medicina.

A proposta foi levada ao ECEM, em 1986, onde foi aprovada a DENEM. Grande parte do

movimento estudantil entendeu que esse tinha sido um rompimento do movimento estudantil

médico com a UNE, porém os militantes de medicina afirmam que não era essa a intenção

(BALLAROTTI, 2010, p. 31).

Segundo um militante da DENEM, a relação da Executiva com a UNE "é de crítica, de

disputa; às vezes, de parceria" (apud Mesquita, 2006). Para o estudante, a DENEM entende a UNE

como um "movimento de juventudes partidárias", que trazem as questões dos grandes partidos

políticos do Brasil para dentro da entidade. Já na DENEM, embora os estudantes possuam filiação

partidária, não trazem a lógica do partido para dentro da DENEM. Mesquita (2006) comenta que a

tensão entre a UNE e algumas executivas de curso já resultou em rompimentos com a entidade,

como foi o caso da Executiva Nacional dos Estudantes do curso de Comunicação Social

(ENECOS).

Ao questionar-se a respeito da organização no movimento estudantil, Barbosa (2008)

aponta o "movimento de área" como uma possível forma de reorganização do movimento

estudantil, "uma vez que vem conseguindo congregar estudantes por áreas de estudo para sustentar

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discussões relativas às suas áreas, além de discussões mais gerais em uma estrutura possível e não

em uma estrutura gigante que acabe inviabilizando o aprofundamento das discussões" (p. 64).

Mesquita (2006) lembra que as executivas de curso

Têm revelado um importante papel na construção de novos espaços de participação no movimento estudantil, rearticulando-o e agregando estudantes que, de outra forma, não se organizariam. Assim o faz quando realiza seus encontros de área trazendo um número significativo de estudantes; assim o faz, quando se torna um espaço para que outros grupos e coletivos se articulem, como foi o caso dos coletivos feministas. Desta forma, como o movimento estudantil clássico, quando interessa, as executivas servem de apoio para que outras expressões estudantis apareçam, articulando também cultura e política (p. 363).

Para Brandão (2008), o distanciamento entre estudantes e lideranças estudantis e a

partidarização do movimento impuseram a necessidade de reorganização do movimento,

procurando solucionar o problema da falta de unidade do movimento estudantil "através de

encontros regionais de área para discussão sobre os projetos de ação e tomadas de decisões sobre

estes, de modo horizontalizado, independente do posicionamento da entidade maior estudantil -

UNE" (p. 77). O movimento de área, ou a executiva de curso como também é conhecido o

movimento de área, desenvolve-se, portanto, como uma nova forma de organização, que pode

atender mais amplamente os interesses específicos dos estudantes, por se tratar de uma estrutura

menor.

Mion (2010) explica que a DENEM estrutura-se atualmente em oito regionais, tendo cada

regional uma coordenação para dialogar com os centros acadêmicos de uma determinada região do

Brasil. Além das oito regionais, a DENEM coordena o Centro de Pesquisas e Estudos em

Educação e Saúde (CENEPES), que é composto das coordenações de área. Segundo o autor, a

executiva de Medicina é ainda responsável pela organização e estruturação dos encontros regionais

e científicos da área, sendo eles: as Reuniões de Regionais (RR); o Encontro Regional dos

Estudantes de Medicina (EREM); o Seminário de Problematização Política (SPP); as Olimpíadas

Regionais dos Estudantes de Medicina (OREM); o Congresso Brasileiro dos Estudantes de

Medicina (COBREM); o Encontro Científico dos Estudantes de Medicina (ECEM); a Reunião de

Órgãos Executivos (ROEX) e o Seminário do CENEPES.

Pude perceber nesse breve levantamento a respeito da trajetória do movimento estudantil

médico e da DENEM que a executiva é um espaço importante na organização do movimento

médico. Lembro também da interlocução do movimento estudantil médico com outras instâncias

da área médica, como p. ex. a Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), o Conselho

Federal de Medicina (CFM), dentre outras.

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Acredito que o Centro Acadêmico Carlos Chagas da UFRJ seja subordinado a DENEM,

assim como outros centros e diretórios acadêmicos dos cursos superiores de Medicina do Brasil.

Pareceu-me que a vinculação do Centro Acadêmico com a Executiva de curso, bem como com

qualquer outra entidade representativa de estudantes, é opcional, porém seria necessária uma

investigação mais aprofundada para compreender exatamente como essas relações se estabelecem.

O CACC relaciona-se com outras organizações estudantis dentro da UFRJ - o DCE Mário

Prata e os outros centros acadêmicos - e dentro da Faculdade de Medicina da UFRJ, com as Ligas

Acadêmicas13; a Associação Atlética Acadêmica Carlos Chagas14; a Comissão de Trote15; o

Esquadrão de Bombas16; e a Bateria Vanguarda Medicina UFRJ17.

Apresento a seguir o Quadro sinóptico I com a síntese dos eventos nos quais o Movimento

estudantil brasileiro e o Movimento estudantil médico participaram ao longo de sua existência e

suas principais reivindicações.

13 As Ligas Acadêmicas a que me refiro aqui são formadas por alunos que tem um interesse comum, em uma determinada área da saúde. Os mesmos reúnem-se para realizar atividades práticas e teóricas sobre este tema, supervisionados por um ou mais profissionais da área. Existem, atualmente, 12 ligas acadêmicas da área de saúde na Universidade Federal do Rio de Janeiro: Liga Acadêmica de Neurologia (LAN), Liga Acadêmica de Medicina Intensiva (LAMI), Liga Acadêmica de Trauma e Emergência (LATE), Liga Acadêmica de Ginecologia e Obstetrícia (LAGO), Liga Acadêmica de Otorrinolaringologia (LAOTO), Liga Acadêmica de Clínica Médica (LACM), Liga Acadêmica de Pediatria (LAPed), Liga Acadêmica de Dermatologia (LAD), Liga Acadêmica da Dor (LADor), Liga Acadêmica de Gastroenterologia (LAGE), Liga Acadêmica de Cirurgia (LiAC), Liga Acadêmica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (LARDI) (CACC, 2010b). 14 A Associação Atlética Acadêmica Carlos Chagas é responsável pela organização dos eventos esportivos entre os graduandos da Faculdade de Medicina da UFRJ. 15 Grupo de alunos responsáveis pela organização do trote no curso de graduação de Medicina da UFRJ. Geralmente é composto pelos estudantes do 2º período do curso médico. 16 Grupo de alunos que participa da organização de festas do curso médico da UFRJ. 17 A Bateria Vanguarda Medicina UFRJ ou, como também é conhecida, Bateria Med UFRJ, corresponde a uma banda formada por estudantes de Medicina da UFRJ. Participa de eventos organizados pelo curso, como chopadas e eventos esportivos.

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QUADRO SINÓPTICO I - TRAJETÓRIA DO ME E DO MEM: PRINCIPAIS EVENTOS

PERÍODO HISTÓRICO GOVERNANTES / EVENTOS HISTÓRICOS

EVENTOS IMPORTANTES NA TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL

EVENTOS IMPORTANTES NA TRAJETÓRIA DO MEM

1710 Invasão de soldados franceses

- Primeira participação estudantil que se tem notícia.

Colonial (1530-1815) 1789

1798 1817

Inconfidência Mineira; Conjuração Baiana; Revolução Republicana.

- Participação no plano ideológico desses movimentos.

Imperial (1822-1889)

1852 Lutas pela abolição da escravatura

- Engajamento nas lutas pela Abolição

1901 Campos Sales (1898-1902) - Fundação da Federação dos Estudantes Brasileiros

1904

Revolta da Vacina;

1922 Revolta dos 18 do Forte;

- Ações da juventude militar estudantil nesses movimentos.

República Velha (1889-1930) 1918 Elaboração da "Carta de

Córdoba", pelo ME argentino.

- Início das reivindicações específicas do ME a respeito de uma reforma universitária, inspiradas na "Carta de Córdoba"

1930 Revolução de 1930. - Ações da juventude militar estudantil nesse movimento.

1937 - I Conselho Nacional dos Estudantes: criação da UNE;

1938 - II Congresso Nacional dos Estudantes: apresentada proposta de reforma universitária;

1945

Getúlio Vargas (1930-1945)

- Entidades estudantis: força política crescente de projeto de reforma universitária.

1950 Gaspar Dutra (1946-1951) - Formação da UNEM

1960 Juscelino Kubischek (1956-1961)

- UNE promove o I Seminário Nacional de Reforma Universitária ("Carta da Bahia").

Era Vargas (1930-1945) Populista (1946-1964)

1962 João Goulart (1961-1964) - UNE promove o II Seminário Nacional de Reforma Universitária ("Carta do Paraná").

1964 - Golpe militar; - Lei Suplicy de Lacerda

- Sede da UNE saqueada, invadida e incendiada; - UNE transforma-se em Direção Nacional dos Estudantes.

- UNEM é extinta pela ditadura (década de 60)

1966 Invasão da FM da UFRJ - Discussão da Lei Suplicy de Lacerda no ME - "Massacre da Praia Vermelha" 1967 Decreto-lei 228 - Extinção de todas as organizações

estudantis.

1968

- Intensa repressão a movimentos sociais, em especial, estudantis. Criação do AI-5. - "Maio de 68" na França.

- Estudantes que participavam do 30º Congresso da UNE são presos;

1969

- Realização do primeiro ECEM, controlado pelo MEC.

Anos 1970

1974

- Início da reconstrução da UNE.

- MEM articula-se nas SESACs.

Ditadura militar (1964-1985)

1976

- Movimento da Reforma Sanitária - Criação de outros espaços como CEBES, Sindicatos, Associação de Médicos Residentes, e o ECEM.

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1986 8ª Conferência Nacional de Saúde

- Fim da ditadura - período de dispersão. Reorganização em conjunto c/ movimentos sociais.

- Criação da DENEM, no espaço do ECEM

1990 Impeachment de Fernando Collor de Mello (1990-1992)

- Rearticulação UNE-UBES - Caras Pintadas

Nova República (1985-atual)

2003 - 2010

Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010)

Composição da UNE com o governo Lula.

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1.2 As políticas públicas de ensino superior na universidade pública: situando o

Reuni, o Sistema de Reserva de Vagas (cotas) e o Enem

Há aproximadamente 40 anos o ensino superior vem enfrentando desafios a fim de

desempenhar um papel universalizante. As políticas instituídas no bojo das universidades públicas,

desde o início do ano 2000, como o Reuni, o Sistema de Reserva de Vagas - ou "cotas", como é

popularmente conhecido - e o Enem, são algumas das tentativas por parte do governo de

democratizar o espaço universitário.

1.2.1 O Reuni e o Plano Diretor da UFRJ

O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

(Reuni) foi instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, e é uma das ações que

integram o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Tem por objetivo ampliar o acesso e

permanência na educação superior (graduação) e aproveitar a estrutura física e de recursos

humanos das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).

As ações do programa contemplam o "aumento de vagas nos cursos de graduação, a

ampliação da oferta de cursos noturnos, a promoção de inovações pedagógicas e o combate à

evasão, entre outras metas que têm o propósito de diminuir as desigualdades sociais no país" (O

QUE..., 2010).

O Reuni tem como diretrizes: a redução da evasão; ocupação das vagas ociosas; aumento

de vagas (principalmente nos cursos noturnos); ampliação da mobilidade estudantil, que possibilite

aproveitar créditos e mudança de cursos e instituições; reorganização dos cursos da graduação;

ampliação de políticas de inclusão e assistência ao estudante; articulação da graduação com a pós-

graduação e da educação superior com a educação básica (BRASIL, 2007). É um programa de

adesão voluntária por parte de cada instituição federal, e possui como meta global alcançar, ao final

de cinco anos após seu início, uma taxa de conclusão média de noventa por cento nos cursos de

graduação presenciais e uma relação de dezoito alunos de graduação por professor em cursos

presenciais (BRASIL, 2007).

No decorrer das buscas sobre o Reuni, foi percebida uma aproximação do projeto de

reforma da estrutura curricular da UFBA reavivado por Naomar Monteiro de Almeida Filho18 e o

Reuni, e dos dois com o projeto Universidade Nova, delineado por Anísio Teixeira (ALMEIDA

FILHO, 2006).

18 Naomar Monteiro de Almeida Filho é médico, ex-reitor da Universidade Federal da Bahia - UFBA, e participou como membro do grupo assessor para elaboração do Reuni (BRASIL, 2007).

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Baseado nos ideais de Anísio Teixeira que deram origem, na década de 1930, à então

Universidade do Distrito Federal e, na década de 1960, à Universidade de Brasília (UnB), Naomar

Monteiro defende em seu projeto que os estudantes entrem nas universidades sem vestibular para

fazerem um ciclo básico de formação que duraria três anos e teria o nome de Bacharelado

Interdisciplinar. Depois os graduados seguiriam para os níveis de formação Profissional,

Licenciatura e para as pós-graduações acadêmicas (mestrado e doutorado) e profissionais

(mestrado acadêmico, que assumiria o atual papel desempenhado pelos cursos de especialização

lato sensu) (ALMEIDA FILHO, 2006).

Embora tenham sido percebidas semelhanças entre o Reuni, a Universidade Nova de

Anísio Teixeira e o projeto de Naomar Monteiro, entendo que seria preciso uma busca mais

minuciosa para embasar a afirmação de que o Reuni foi inspirado no projeto Universidade Nova,

de Anísio Teixeira.

Voltando à estruturação do Reuni, de acordo com o relatório de seu primeiro ano de

implantação (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, 2009), de 54 universidades federais

em funcionamento no Brasil, todas aderiram ao programa - sendo que algumas foram criadas

posteriormente ao Reuni, portanto já dentro do programa. A adesão da totalidade das universidades existentes no ano de criação do Reuni atesta o forte interesse despertado pelo Programa, que preconiza, em seu conceito fundador, a idéia da expansão com reestruturação das instituições federais de ensino superior, abrindo espaço para oportunidades de inovação e de aumento da qualidade da educação superior pública (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR, 2009).

A UFRJ decidiu participar do Reuni a partir da primeira chamada, que se deu em 2007, a

qual estabelecia que o programa se iniciasse na universidade no primeiro semestre de 2008.

Anteriormente ao Reuni, a UFRJ já havia passado por algumas tentativas de reestruturação e

expansão, como se observa a seguir:

1. Plano Quinquenal de Desenvolvimento para a UFRJ / Plano de Desenvolvimento

Institucional (PDI) (UFRJ, 2006a), com críticas à falta de autonomia da Universidade, seu modo de

organização, seu caráter “elitista e profissionalizante de ensino” e inadequação do currículo, dentre

outros fatores problemáticos.

2. Plano de Reestruturação e Expansão da UFRJ (PRE) (UFRJ, 2007a), que visava

principalmente à expansão da Universidade com ampliação de vagas, redução dos índices de

evasão, integração entre as áreas do conhecimento e aumento do comprometimento social da

Universidade.

Na época de elaboração do PRE (UFRJ, 2007a), houve espaço para a manifestação dos

Centros e Unidades, Conselhos Superiores – Conselho de Ensino de Graduação (CEG) e Conselho

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de Ensino de Pós-graduação (CEPG); entidades de representação dos três segmentos, quais sejam:

o DCE, a Associação de Pós-graduação (APG), a ADUFRJ; e o SINTUFRJ, quanto ao anteprojeto

do PRE.

A Faculdade de Medicina também se pronunciou em relação ao PRE, apresentando um

documento específico (UFRJ, 2007b) que reunia comentários, críticas e sugestões para a

implementação do então Programa de Reestruturação e Expansão da UFRJ, dentre as quais destaco

as seguintes:

a. Interiorização do curso de Medicina com criação de uma nova turma em Macaé; b.

Criação do curso Terapia Ocupacional; c. Expansão de vagas nos cursos de Fisioterapia e

Fonoaudiologia; d. Instituição de um projeto pedagógico inovador para a turma de Macaé e para o

curso novo de Terapia Ocupacional, com utilização de novas tecnologias educacionais como a

Telemedicina e a Telesaúde; e. Participação ampliada do corpo social da Faculdade; f. Manutenção

e aprimoramento da identidade acadêmica da Faculdade de Medicina; g. Concretização da busca

de sua SEDE própria (UFRJ, 2007b).

3. Plano Diretor - PDUFRJ 2020 (UFRJ, 2009). Para se adequar às propostas do Reuni e

dar continuidade ao antigo Plano de Desenvolvimento Institucional, o Conselho Universitário da

UFRJ (CONSUNI) colocou à comunidade acadêmica a necessidade da (re)elaboração do

Programa de Reestruturação e Expansão, dando origem finalmente ao Plano Diretor.

Em 15 de janeiro de 2008, o reitor constituiu uma comissão técnica com o objetivo de

elaborar as diretrizes para a execução do Plano Diretor da UFRJ. A proposta apresentada por esta

Comissão Técnica tinha por diretrizes gerais:

1. O princípio da dupla integração, “segundo o qual a integração interna da UFRJ é

inseparável da integração da UFRJ à cidade (e também ao Estado e ao país)”; 2. O princípio da

administração “integrada dos espaços e edificações, contemplando uma visão de conjunto de nosso

patrimônio fundiário e edificado, preservando sua integridade e inalienabilidade” e 3. O princípio

do planejamento de longo prazo, “definido como horizonte o ano de 2020, com dois momentos

intermediários: 2012 e 2016” (UFRJ, 2009).

A dupla integração concentraria os cursos da Praia Vermelha e demais campi na Ilha do

Fundão e integraria a Universidade à sociedade, transformando a UFRJ em um “bairro acadêmico,

com prédios acadêmicos, residências universitárias, instalações dos restaurantes, serviços de

comércio” (LEVI, 2009, p. 13).

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Passados dois anos, Levi19 (LAURO NETO, 2011) afirma que no médio e longo prazo, vai

"buscar criar as condições para transferir as unidades que assim decidirem através de suas

congregações, porque essa é a decisão do nosso Consuni" (p. 16). O reitor explica que, por conta

dos recursos do Reuni, a UFRJ está em condições de construir mais alguns prédios no Fundão: "as

obras da Faculdade de Educação, que já se decidiu pela sua transferência para cá, estão licitadas e

devem ficar prontas em dois anos. A Faculdade de Administração e Ciências Contábeis também

tomou essa decisão, bem como a Decania do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas" (p. 16).

Caso toda a comunidade acadêmica da Praia Vermelha decida pela transferência para o Fundão, o

terreno será utilizado para construir um "centro cultural, de convenções e de eventos, ao qual o

Canecão seria provavelmente incorporado", mas, segundo o reitor, essa decisão está ainda em

discussão (p. 17).

O docente Corrêa e Castro20 (2010), em entrevista ao Jornal da UFRJ, na série especial de

reportagens intitulada "Qual UFRJ queremos ser?", criticou a integração entre Praia Vermelha e

Fundão, pois, em seu entendimento, a integração física não garante que haja uma integração

verdadeira entre as unidades acadêmicas. Oliveira Neto21 (2010) também se posicionou contrário à

medida do Reuni de mudar os cursos da Praia Vermelha para o Fundão, pois entende a Praia

Vermelha como um terreno histórico, de luta contra a ditadura militar. Enfatizou que o Plano

Diretor deve ser valorizado e reavaliado, ao criticar a integração universidade-cidade como se

apresenta no plano diretor e afirmando que a discussão do PDUFRJ2020 ainda "não está madura".

Ressalto aqui que a série de reportagens "Qual UFRJ queremos ser?", foi publicada no

Jornal da UFRJ em período de eleições para o cargo de reitor da UFRJ, na qual alguns docentes da

UFRJ posicionaram-se em relação às políticas inclusivas, dentre elas, o Reuni. Os pesquisadores

entrevistados na série estavam diretamente ligados à campanha eleitoral para reitor da

universidade, concorrendo a cargos de pró-reitores e reitor. Portanto deve-se lembrar que as

opiniões expressas a respeito dessas políticas universitárias não são descoladas da realidade em que

esses docentes atuam dentro da instância universitária. No meu entendimento, as mesmas traduzem

a identificação (ou a oposição) dos depoentes em relação ao atual governo do Brasil.

19 Carlos Levi da Conceição foi membro do Comitê Técnico do Plano Diretor e pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento da UFRJ. Foi eleito reitor da UFRJ em abril de 2011. 20 Marcelo Macedo Corrêa e Castro é professor associado da Faculdade de Educação da UFRJ e decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFRJ. 21 Godofredo de Oliveira Neto é professor associado do Departamento de Letras Vernáculas da Faculdade de Letras (FL) da UFRJ e já exerceu cargos na hierarquia na UFRJ e no Ministério da Educação. Concorreu ao cargo de reitor da UFRJ na eleição de 2010/2011.

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Nessa série de reportagens, Santos22 (2010b) e Foguel23 (2010) mostraram-se favoráveis ao

Reuni. Na opinião de Santos, o Reuni é ainda um esforço tímido para tornar a UFRJ menos

"elitista". Em seu entendimento, a educação básica não é igual para todos, portanto os candidatos

às vagas na UFRJ também não estão em situação igualitária. Para a docente, a expansão trata

"simplesmente de novas vagas em cursos já existentes, e a criação de cursos novos no formato

tradicional".

A docente Foguel compreende o Reuni como o ponto de partida para ampliação de vagas

nas universidades públicas, tanto em termos de crescimento do país, como em termos de cidadania.

Considera que, “sendo a UFRJ uma das mais importantes universidades federais do país, não

poderia jamais ficar de fora como expectadora desse virtuoso processo que ora se inicia no país. O

Reuni, em seu bojo, tornará o Ensino Superior menos elitista no Brasil” (FOGUEL, 2010, p. 19 e

20).

Em seu entendimento, deve ser levado em conta na discussão do Reuni o fato de que o

Brasil ainda é um país pobre e com muitas desigualdades, onde somente a Educação pode reverter

esse quadro. E deve ser lembrado também que passamos atualmente no Brasil por um "momento

de crescimento econômico acelerado, no qual ir para uma universidade deveria fazer parte da

formação de todo cidadão" (FOGUEL, 2010).

Para Chaves & Araújo (2011), o Reuni foi instituído de modo autoritário pelo Poder

Executivo, "sinalizando a unilateralidade na tomada de decisão e na iniciativa para implantação do

Programa, considerando que o Decreto dispensa apreciação e aprovação no Congresso Nacional."

As autoras relatam que a implantação do Programa: Tem sido objeto de polêmicas e movimentos de resistência, particularmente dos movimentos estudantis e docentes, que denunciam a desconfiguração da universidade pública por meio da criação de dois modelos institucionais distintos – a universidade do ensino e a universidade da pesquisa; a intensificação e precarização do trabalho docente e prejuízos à garantia de padrões de qualidade e excelência acadêmica, na medida em que a expansão de vagas ocorrerá sem a necessária proporcionalidade de investimentos financeiros (CHAVES & ARAÚJO, 2011, p.67).

Segundo as mencionadas autoras, aqueles que são contrários às propostas do Programa

entendem que ocorre uma priorização do ensino em detrimento da pesquisa, na medida em que se

estabelece como meta principal a elevação na taxa de conclusão da graduação para 90% e o

aumento na proporção de alunos por professor, na razão de 18/1, e que, dessa maneira, esses 22 Ângela Rocha dos Santos é professora associada do Instituto de Matemática da UFRJ e docente do Programa de Pós-graduação em Ensino de Matemática do IM/ UFRJ. É também ex-decana do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN) da UFRJ. Na época da reportagem estava concorrendo ao cargo de Pró-reitora de Graduação, na chapa do atual reitor Carlos Levi, que veio a tomar posse em meados de 2011. 23 Débora Foguel é professora associada da Faculdade de Medicina da UFRJ e ex-diretora do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e Pró-Reitora de Pós-graduação e Pesquisa da UFRJ, na ocasião deste estudo.

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indicadores poderiam implicar a desconfiguração da tríade ensino, pesquisa e extensão, bem como

"a desqualificação da atividade de ensino e precarização da atividade docente". Enfatizam que

assim o Reuni coloca em questao a identidade da universidade e a "preservação da sua tradição",

uma vez que o ensino de graduação é privilegiado (CHAVES & ARAÚJO, 2011, p. 69).

No âmbito do movimento estudantil, o Reuni causou intensa polêmica. Os estudantes

assumiram posicionamentos de apoio ou repulsa à UNE - que apóia o Reuni - e ao governo de Luís

Inácio Lula da Silva. Destaco a seguir o discurso de um estudante militante do PSTU,

exemplificando a repulsa de algumas organizações no movimento estudantil em relação ao Reuni e

ao apoio dado pela UNE ao Programa: Após muita mobilização, o Reuni foi, finalmente, retirado da pauta de discussão do Conselho Universitário da Universidade Federal Fluminense (UFF). Esta foi uma vitória política fundamental para o movimento. Foram inúmeras as atividades: um abaixo-assinado com mais de quatro mil assinaturas dizendo “não” ao Reuni; uma assembléia geral de estudantes, com cerca de 500 presentes, que também rechaçou o projeto; uma assembléia comunitária, com 400 estudantes e trabalhadores, na última ocupação da reitoria, que votou, por aclamação, posição contrária ao Reuni; duas ocupações da reitoria da UFF; atos que alcançaram as marcas de 400 a 500 estudantes. A força da mobilização levou, inclusive, ao aprofundamento de divisões e disputas no interior da reitoria. [...] A UNE já mostrou de que lado está: foi a quinta coluna do governo e das reitorias em todos os processos, chegando ao cúmulo de, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fazer um cordão de proteção para o reitor Aloisio Teixeira, se enfrentando com um ato de 600 estudantes. Tudo isso para que fosse aprovado arbitrariamente o Reuni naquela universidade. Sua derrota humilhante nas urnas nas eleições do DCE da UFRJ foi a prova de que a entidade governista não fala mais em nome dos estudantes (ROSSI, 2007).

Do mesmo modo posiciona-se a tendência Liberdade Socialismo e Revolução (LSR),

ligada ao Partido Socialismo e Liberdade (PSol): Desde a apresentação do modelo de expansão universitária do governo Lula, o Reuni, o movimento estudantil entrou em ação como há muito tempo não se via. Esta recuperação vem após um período de dificuldade do movimento estudantil. Há mais de 16 anos na direção majoritária da UNE, a UJS (PC do B) mantém a entidade como arena de interesses meramente institucionais, desgarrada das lutas dos estudantes, trocando verbas e cargos no governo por apoio acrítico ao governo Lula. A construção da Frente de Luta Contra a Reforma Universitária foi um passo importante que construiu uma forte coesão entre todos os segmentos da universidade para consolidar a resistência contra os agentes do governo Lula nas universidades do país. [...] Apesar das versões preconceituosas e mentirosas da mídia burguesa, o movimento estudantil retomou nacionalmente uma visibilidade expressiva, mesmo com ausência da direção majoritária da UNE (COSTA, 2007).

Percebe-se nas falas desses estudantes algumas críticas à UNE, o que foi frequentemente

observado também entre os informantes desta pesquisa, quando indagados a respeito do

movimento estudantil brasileiro.

Ao avaliar a adoção do Reuni nas universidades brasileiras, o atual presidente da UNE,

Daniel Iliescu, destaca que o Programa não atingiu o que propôs: Foi o principal programa de injeção de recursos, contratação por concurso, ampliação de vagas, interiorização das universidades, mas é um programa insuficiente, que não cumpriu

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a reestruturação e a expansão propostas. Valorizamos essa experiência, mas compreendemos que está esgotado e que foi insuficiente para as transformações mais profundas que a gente precisa. Agora é o momento de cobrar do Ministério da Educação um novo programa, mais ousado e com mais verba, para levar a universidade brasileira para outro patamar, que o Brasil e a juventude brasileira merecem (ILIESCU, 2011).

Destaquei esses trechos a fim de exemplificar a pluralidade de alinhamentos do movimento

estudantil, atentando para o posicionamento de apoio ou repúdio à UNE e ao atual governo. Como

explica Mesquita (2006 apud Mesquita 2001), "analisar o movimento estudantil hoje é, antes de

tudo, percebê-lo como um movimento plural, capaz de se manifestar através de vários grupos que

se potencializam no cotidiano da condição estudantil" (p. 355).

Diante desse breve panorama apresentado, me propus a investigar como os estudantes de

medicina, particularmente aqueles que participam do movimento estudantil no Centro Acadêmico

Carlos Chagas, significam o Reuni e outras políticas, como p. ex. o sistema de reserva de vagas -

sobre o qual discorro a seguir - para estudantes egressos de escolas públicas, negros e indígenas,

nas instituições públicas federais de educação superior; em outras palavras, interessou entender

como esses ativistas do CACC significam todas essas transformações que estão ocorrendo

atualmente na Universidade bem como suas possíveis repercussões sobre a formação médica

promovida pela UFRJ.

1.2.2 Sistema de Reserva de Vagas: a questão das cotas sociais e raciais

Sabe-se que atualmente, no Brasil, existe uma grande pressão dos movimentos sociais

organizados para a entrada de indivíduos previamente excluídos do ambiente acadêmico, como as

classes populares, negros e/ou alunos provenientes de escolas públicas, na universidade pública.

Tal pressão vem sendo materializada pela implantação de políticas de ação afirmativa, que,

conforme explica Oliven (2007), visam "remover barreiras, formais e informais, que impeçam o

acesso de certos grupos ao mercado de trabalho, universidades e posições de liderança" (p. 30),

dentre elas as cotas raciais e sociais.

Cabe ressaltar que as cotas são apenas um tipo de ação afirmativa; o termo "ação

afirmativa" é mais amplo, e existem inclusive outras formas de "políticas/ações afirmativas

destinadas a facilitar a entrada de determinados grupos no ensino superior público", como

explicam Sousa & Portes (2011, p. 518). Neste estudo, porém, trataremos das ações afirmativas

somente no âmbito das cotas sociais e raciais para o ingresso nas universidades públicas.

Alguns países adotaram anteriormente ao Brasil o sistema de cotas em suas universidades,

como p. ex. a Índia, que reserva um percentual de vagas nas universidades públicas a castas

consideradas inferiores, os dalits (OLIVEN, 2007).

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Nos EUA, o sistema de cotas foi introduzido nos anos 60, e ainda hoje é amplamente

debatido. A Universidade da Califórnia foi uma das primeiras a estabelecer cotas raciais como

forma de ingresso, a fim de aumentar a presença de minorias na instituição. Em 1994, notou-se um

aumento de alunos negros na universidade, que passaram a representar 21% dos estudantes

(OLIVEN, 2007). No ano seguinte, porém, os responsáveis pela universidade suspenderam os

programas de ação afirmativa baseados no critério racial, retrocedendo assim ao percentual de

alunos negros observado nos anos 60. No ano 2001, a Universidade passou então a admitir

automaticamente os melhores alunos das escolas públicas elevando assim o número de alunos

negros novamente (MOEHLECKE, 2004).

Segundo Oliven (2007), foi através das cotas que se acentuou a diversidade étnica no ensino

superior norte-americano, porém não sem dificuldades, pois, como se percebe no exemplo da

Universidade da Califórnia nos EUA, a adoção de ações afirmativas na universidade pública pode

suscitar debates e reações da comunidade acadêmica e da sociedade em geral, mesmo depois de

anos de implementação.

Em nosso país, o sistema de reserva de vagas, ou cotas, vigora em algumas universidades

somente desde 2003, apesar de sua discussão ser antiga no âmbito dos movimentos sociais, como

elucida Santos24 (2010a), e relaciona-se diretamente com outras políticas que pretendem ser

inclusivas, como o Enem e o Reuni. Siqueira (2010) entende que essas políticas que estão

transformando a universidade têm evidentes repercussões nas “posições de sujeito” ocupadas por

alunos e professores, provocando novos desafios à comunidade acadêmica, colocados pela

crescente diversidade do alunado nas instituições de ensino superior. Tais deslocamentos

provocam um debate social importante a respeito da questão dos direitos das “minorias”, trazendo

à discussão a questão dos processos de exclusão social relacionados à classe social e à raça/etnia.

A discussão sobre políticas para a "igualdade racial" iniciou-se no Brasil em 1968, quando

o Ministério do Trabalho manifestou interesse pela criação de uma lei que obrigasse o setor

privado a contratar uma determinada porcentagem de negros - não chegando de fato à elaboração

de tal lei. Em 1980, o deputado federal Abdias do Nascimento propôs em um projeto de lei uma

"ação compensatória" ao negro, devido aos séculos de discriminação racial. Porém, o debate só se

ampliou para além do movimento negro e de alguns intelectuais em meados dos anos 90, quando,

em 1995, o presidente da república Fernando Henrique Cardoso reconhece o Brasil como um país

24 Frei David Raimundo dos Santos, criador e diretor executivo da Educafro, é um militante negro que vem se destacando há alguns anos na área da educação para carentes e afrodescendentes. É uma das principais figuras do cenário nacional no debate sobre Políticas de Ações Afirmativas para negros nas universidades públicas, tendo influenciado diretamente na adoção do sistema de cotas em diversas universidades do Brasil.

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racista, propondo a organização de um encontro em 1996 para se pensar ações que modificassem

essa situação (MOEHLECKE, 2004).

Em 2001, a delegação oficial brasileira encaminhou um relatório à III Conferência Mundial

das Nações Unidas de Combate ao Racismo, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em

Durban, na África do Sul, propondo ações afirmativas, onde figurava, entre as diversas propostas,

as cotas para negros nas universidades públicas (MAGGIE & FRY, 2004).

Logo após o evento, foi aprovada uma lei no Estado do Rio de Janeiro que instituiu "a cota

de até 40% (quarenta por cento) para as populações negras e pardas no acesso a Universidade do

Estado do Rio de Janeiro e à Universidade Estadual do Norte Fluminense" (RIO DE JANEIRO,

2001). A UERJ foi, portanto, a primeira universidade do país a criar um sistema de cotas em

processos seletivos para ingresso em seus cursos de graduação, a partir de 2003. No mesmo ano,

aderiram a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), a do Estado da

Bahia (Uneb) e a Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) (FARIA, 2006).

Logo depois, em 2004, a UnB também aderiu às cotas, tornando-se a primeira universidade

federal a instituir o sistema - parte de seu Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial.

Além das cotas raciais e sociais, a UnB firmou uma parceria com a FUNAI, possibilitando o

acesso de indígenas na universidade, variando de acordo com a disponibilidade de vagas na

instituição.

Desde 2004, diversas universidades já adotaram o critério de cotas. Segundo a carta aberta

sobre cotas, redigida por professores da UFRJ em favor das mesmas, atualmente no Brasil existem

cerca de 130 universidades públicas que utilizam o sistema de cotas no Brasil (CARTA, 2010).

Observa-se uma gama de modalidades: algumas universidades utilizam as cotas no bojo de outras

medidas, outras utilizam somente uma modalidade de cotas (como p. ex. somente cotas para

egressos do ensino público) ou várias modalidades de cotas. São inúmeras as possibilidades de

implantação das mesmas, que já se configuram como realidade em diversas universidades de todas

as regiões do país, bem como são inúmeros os discursos que circulam na sociedade

problematizando as cotas a partir de seu efeito democratizante, criticando ou apoiando as novas

modalidades de ingresso nas universidades públicas. Apresento alguns desses discursos,

observados em posicionamentos de professores, gestores, pesquisadores, lideranças de movimentos

sociais, bem como alguns posicionamentos do movimento estudantil a respeito.

Alguns pesquisadores, como Maggie & Fry (2004), entendem que o sistema de cotas

raciais separa as raças ao invés de misturá-las. Afirmam que "as raças de fato não existem

naturalmente" e que o sistema de cotas força a criação de "categorias raciais". Os referidos autores

argumentam também que não houve debate sobre as cotas antes de serem aprovadas no Congresso.

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Apontam que o fato de deixar que o próprio candidato se classifique como branco, negro ou pardo

é problemático e lembram ainda que uma política para todos é mais interessante que uma política

para alguns. Os autores apostam na melhora do ensino básico para aumentar o número de negros e

mulatos nas universidades, e se valem ainda do argumento de que os brancos pobres seriam

excluídos da oportunidade oferecida pelas cotas raciais: Quem sofrerá as consequências da legislação são os 'brancos' das camadas mais pobres, que serão aqueles a serem excluídos pela reserva de vagas. Será que os legisladores imaginaram a vida social do subúrbio carioca, por exemplo, onde pessoas de diversas aparências convivem nas mesmas ruas, escolas, botequins e famílias, compartilhando também a mesma condição socioeconômica? (MAGGIE & FRY, 2004, p. 76).

Maggie & Fry (2004) comentam ainda que a medida das cotas raciais é vista por muitos

como sendo "paternalista", podendo humilhar os beneficiários. Mencionam que não se pode

resolver a questão da desigualdade de séculos com uma política de custo zero, argumentando que

uma medida mais inclusiva seria p. ex. colocar uma escola pública de melhor qualidade em um

bairro de periferia. Enfatizam ainda que o racismo seria reforçado com as cotas raciais, trazendo

impacto à sociedade em geral.

A respeito de tais argumentos, Kika Bessen (2010), diretora de política social da Oriashé25,

afirma em debate sobre a temática das cotas, promovido pelo programa Brasilianas.org, que o

Brasil é "racista" e que a universidade é um "espaço onde está toda a estrutura racista do país".

Lembra que o debate sobre as cotas sociais nasceu a partir da luta pelas cotas raciais, e só começou

a ser debatido "quando a população negra se organiza em movimento, a sociedade civil se

organiza, e sai em campo pra exigir do Estado brasileiro, que é racista por excelência, o direto à

educação, o direito ao conhecimento". Bessen recorda que a periferia onde cresceu, em São Paulo,

tem em sua totalidade quase 99% de população negra, e que o não negro, "ao estar na periferia ele

não está se distinguindo de ser negro ou não ser negro".

Osorio (2009) argumenta que, entre os que defendem somente as cotas sociais, é frequente

o argumento de que com essa medida seriam abarcados os que possuem baixa renda, estudam na

escola pública e são negros. Nessa perspectiva, as cotas raciais seriam uma ameaça ao branco

pobre, "logo, as quotas sociais resolveriam tanto a desigualdade de classe quanto a de raça no

acesso ao ensino superior, sem a criação de “divisões perigosas” que segregariam racialmente a

nação instilando o ódio entre grupos" (p. 876). Porém, segundo o autor, não há como saber de fato

se as cotas raciais trariam tais "divisões perigosas". Afirma ainda que, embora provavelmente

exista a relação entre estudar em escola pública e ter baixa renda, seria complicado estabelecer

25 A Oriashé - Sociedade Brasileira de Cultura e Arte Negra, é uma organização de mulheres negras que atua no Cohab Cidade Tiradentes, com o objetivo de resgatar a cultura afro-brasileira através da arte.

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como critério o candidato ter estudado em escola pública para ingressar na universidade pelas

cotas, pois dessa maneira muitos poderiam permanecer excluídos, como p. ex. os alunos que

estudaram com bolsa em escolas particulares.

Para Santos (2010a), o problema do negro é racial e social. "Nós, negros, aonde

trabalhamos pelas cotas, colocamos cotas étnicas e sociais. As duas coisas". Segundo o militante

negro: É uma maldade você fazer uma faculdade e fechar com um projeto de cota só social. Deixando o índio pra lá, deixando o negro pra lá... Olha só, hoje na rede pública brasileira, 38% dos formados são de classe média. Se você bota cota social, via rede pública, quem entra nessas vagas é infelizmente essa classe média branca que está nas escolas públicas (SANTOS, 2010a).

Para Osorio (2009), as cotas sociais baseadas na renda familiar também trariam benefícios,

porém poderiam ser insuficientes do ponto de vista das desigualdades raciais. Explica que isso se

deve ao fato de o ingresso no ensino superior ter como pré-requisito o término do ensino médio,

onde é menor a probabilidade de um negro concluir do que um branco - portanto as cotas sociais

beneficiariam mais os jovens brancos. O autor afirma que, dada a coincidência entre raça, classe e

frequência à escola pública, as cotas raciais resultariam nos efeitos reivindicados para as cotas

sociais, "com a vantagem de serem mais eficientes do ponto de vista das desigualdades raciais" (p.

878). Porém, seria insuficiente do ponto de vista das desigualdades sociais, uma vez que os brancos

de classe baixa teriam que competir com os brancos de classe alta, que estariam mais bem

preparados. E por essa mesma razão, as cotas raciais beneficiariam mais o negro de classe média e

alta, do que o negro de classe baixa. Segundo o autor, portanto, são necessárias as duas medidas de

cotas: raciais e sociais, a fim de que se possa atacar a desigualdade de oportunidades ao acesso à

universidade: São mecanismos um tanto quanto rudimentares de promoção da igualdade de oportunidades de acesso ao ensino superior. Porém, é certo que mesmo rudimentares, do ponto de vista da igualdade de oportunidades, é melhor ter quotas do que não tê-las. Existem alternativas melhores e mais sofisticadas do que as quotas. Porém, essas alternativas também exigem a definição dos grupos que serão beneficiados. O debate atual em torno das quotas é justamente sobre quais grupos deverão ser favorecidos. No momento oportuno, quando a decisão sobre os grupos tiver sido tomada, podem-se pensar formas mais refinadas de promoção equitativa de acesso ao ensino superior (OSORIO, 2009, p. 879).

Munanga (2001) esclarece algumas importantes questões sobre as cotas raciais. Afirma

que, se a sociedade brasileira esperasse uma melhora do ensino básico para que os estudantes

pudessem competir em igualdade, "os alunos negros levariam cerca de 30 anos para atingir o atual

nível dos alunos brancos". Enfatiza também que as cotas não serão distribuídas: os alunos que se

candidatarem pelo sistema de cotas raciais irão prestar vestibular assim como os outros. Portanto,

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segundo o autor, o sistema de cotas raciais não colocará na universidade alunos despreparados. A

universidade ainda terá sua excelência garantida.

Em 2010, a UFRJ se posicionou em relação às cotas sociais, reservando 20% das vagas

oferecidas em cada curso a candidatos selecionados pelo ENEM, através do SISU, "que tenham

cursado integralmente o ensino médio em estabelecimentos da rede pública vinculados às

Secretarias Estadual e Municipais de Educação e da Fundação de Apoio à Escola Técnica, do

Estado do Rio de Janeiro" (CONSUNI, 2010). Tal proposta, apresentada na reunião do Consuni no

dia 19 de agosto de 2010, foi utilizada como uma experiência para o vestibular de 2011. Nesta

proposta, 40 % das vagas foram preenchidas por meio de concurso de acesso próprio; 40% das

vagas oferecidas em cada curso foram preenchidas por candidatos selecionados pelo ENEM,

através do SISU; 20% das vagas oferecidas em cada curso foram preenchidas pelos egressos do

ensino público (CONSUNI, 2010).

Segundo a matéria (UFRJ, 2010a) do portal da UFRJ, Marcelo Paixão26, representante do

Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE), argumentou a respeito da porcentagem

determinada na sessão do Consuni que 20% dos estudantes da UFRJ já atendem ao perfil das cotas

sociais propostas, "portanto, em sua visão, instituir cotas inferiores ou mesmo equivalentes a 20%

do total de vagas da universidade não surtiria qualquer efeito na democratização do acesso." O ex-

reitor da UFRJ, porém, destacou que isso não ocorre em cursos como Medicina e Direito, nos

quais, portanto, essa medida seria democratizante.

Para o DCE da UFRJ, que estava presente na votação, embora a porcentagem aprovada

tenha sido abaixo do que eles propuseram, a aprovação das cotas sociais foi um avanço para a

democratização da universidade. Atento para o fato de que o DCE Mário Prata, na ocasião, estava

sendo dirigido por representantes da ANEL: Consideramos que a aprovação dos 20% de cotas sociais representa, sem dúvida, um avanço na democratização do acesso. Porém nós da ANEL, representados no Consuni da UFRJ pelo DCE Mário Prata, consideramos que o passo dado ainda foi bem pequeno. Defendemos 50% das vagas para cotas, divididas entre cotas sociais, de escolas públicas, e raciais, para quem se auto-declarar negro, pardo e indígena. Isso é importante para cumprir uma reparação histórica e uma desigualdade que, desde os tempos da escravidão, coloca negros e brancos em patamares diferenciados de oportunidades em nossa sociedade. Apesar de nossa proposta não ter sido vitoriosa, essa medida foi aprovada com um caráter experimental, e por isso devemos seguir na batalha pela popularização da UFRJ e para que esse debate seja feito com cada vez mais estudantes! (SARAIVA, 2010).

Em entrevista à Folha Dirigida e reproduzida pelo portal da Andifes, o ex-reitor Aloisio

Teixeira (2010) expôs seu posicionamento em relação às cotas sociais, raciais e ao Enem como

26 Professor adjunto do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (LAESER) desta universidade.

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forma de acesso à universidade. Ele entende que o Enem permite uma mobilidade nacional e que

contribui para a democratização do acesso. Em sua visão, "as cotas raciais não alcançariam a

finalidade a que se propõe". Mostrando-se a favor das cotas sociais e à criação de uma bolsa para

auxiliar a permanência desses jovens, ingressos através das cotas no ensino superior, o ex-reitor

expõe a razão de não concordar com as cotas raciais: Se você introduz uma cota racial, a quantidade de jovens atingidos é muito pequena e certamente não estará permitindo ainda que o estudante pobre tenha acesso à universidade. Então, o problema, nesse momento, não é a cota racial; o problema é permitir que o jovem, cuja família tenha uma renda baixa, possa ter acesso à universidade, independente da questão de ser negro, branco ou mulato. Não estou dizendo que não haja racismo, que não haja discriminação contra o negro, que o negro não tenha condições piores de disputar os espaços na vida social. Não é essa a minha discussão. A minha discussão é se a cota racial na universidade permite a democratização do acesso. Eu acho que não (TEIXEIRA, 2010).

Os docentes Santos (2010b) e Oliveira Neto (2010) também se posicionam contrários às

cotas raciais e a favor das cotas sociais. Para Santos (2010b), é necessário se pensar no

acolhimento desse estudante "considerado mais fraco", com medidas como assistência estudantil e

residências universitárias. A docente também discute a posição da UFRJ diante das cotas: Boa parte dos professores tem posição conservadora, apenas se interessa pelo melhor aluno, acha que a UFRJ é para formar pesquisadores e futuros cientistas. A origem dessa posição conservadora vem de longe, de quando a universidade foi criada com a tríade Medicina, Direito e o curso politécnico (SANTOS, 2010b, p.16).

Para Oliveira Neto (2010), as cotas sociais adotadas pela UFRJ constituem uma política

compensatória indispensável que resolve a questão das cotas raciais também, pois as cotas sociais,

segundo o entrevistado, "pegam as mesmas pessoas".

Já Corrêa e Castro (2010) afirma que não se sente "convencido" pelas políticas afirmativas,

pois, segundo o docente, são "políticas pontuais, transitórias". Critica o investimento na educação

de base no Brasil, acusando as cotas de ser uma medida "assistencialista" (p.22).

Foguel (2010) vê as cotas sociais como um início para a democratização da universidade,

entendendo que, de certa forma, abrangem um pouco as raciais, pois a pobreza no Brasil "tem cor".

Afirma, porém, que: Gostaria de ver as cotas raciais aprovadas [...]. As cotas, hoje, são necessárias. Nossas ruas são coloridas de branco, pardo e negro, mas o interior dos nossos prédios e instituições é branco. Dou aula na Medicina há mais de 15 anos e acho que não encho duas mãos de alunos negros que por mim passaram (p.20).

A fala da professora indica a urgência de estudos que contemplem as políticas inclusivas na

UFRJ e seus possíveis desdobramentos, considerando que "os brancos" constituem o grupo

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hegemônico presente na universidade pública atualmente, principalmente nos cursos mais

disputados, como o da Medicina.

Em 2011, a UFRJ aprovou a seleção exclusivamente através do Enem, estabelecendo uma

nova porcentagem para o ingresso de cotistas na UFRJ. Segundo a resolução 14/2011 do Consuni,

as cotas sociais em 2012 corresponderão a 30% do total de vagas na UFRJ e terão, como critério, o

estudante ter cursado o ensino médio em uma instituição pública e possuir uma renda familiar per

capita de até um salário mínimo (CONSUNI, 2011). Na opinião de Paixão (2011), os negros

também serão beneficiados pela cota social na UFRJ, porém "não no percentual que seria

desejável". O professor apresentou uma proposta para cotas raciais na UFRJ nesta reunião do

Consuni, no dia 30 de junho, tendo sido a proposta rejeitada por 17 votos contra 12. Para Paixão,

esses números de votos expressam "que as cotas raciais têm na UFRJ uma maior aceitação do que

primeiramente poderia parecer".

1.2.3 O Enem como forma de ingresso na UFRJ

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi implantado em 1998, durante a gestão de

Paulo Renato Souza, na época ministro da educação do governo do presidente Fernando Henrique

Cardoso (1995-2002). Segundo o Art. 1º de sua regulamentação27, eram objetivos do Enem: "auto-

avaliação do aluno; referência nacional para os egressos do ensino médio; fornecer subsídios às

diferentes modalidades de acesso à educação superior; constituir-se em modalidade de acesso a

cursos profissionalizantes pós-médio".

O Enem tem sido realizado, desde então, anualmente e os resultados são divulgados pelo

Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo

planejamento, operacionalização e avaliação do Enem. A participação do estudante no exame é

voluntária, sendo permitido que tanto candidatos que já concluíram o ensino médio, como os que

ainda estão cursando o ensino médio, realizem a prova.

Desde 1998 até os dias atuais, o Enem passou por algumas modificações, sendo a mais

importante delas em 2009, quando Fernando Haddad, ministro da educação do governo de Luís

Inácio Lula da Silva, apresentou uma proposta de unificar o vestibular das universidades federais.

A proposta foi apresentada à Andifes com o objetivo de que o Enem fosse utilizado pelas

Instituições de Ensino Superior para subsidiar seus processos seletivos. As universidades públicas

federais possuiriam autonomia pelo modo como utilizariam o Enem em sua seleção.

Foram propostas as seguintes opções: o Enem como fase única, com o Sistema de Seleção

27 Portaria Ministerial n.º 438, de 28 de Maio de 1998 (BRASIL, 1998).

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Unificada (Sisu); o Enem como primeira fase no acesso à universidade; o Enem combinado com o

vestibular da instituição; como fase única para as vagas remanescentes do vestibular (UFRJ, 2010

b).

Segundo o Inep (SOBRE..., s/d), hoje o Enem possui, dentre outros objetivos, democratizar

as oportunidades de acesso às vagas federais de ensino superior, pois é apontada como

inconveniência do vestibular tradicional a descentralização dos processos seletivos, que acaba

favorecendo os candidatos com maior poder aquisitivo. Levando em conta o grande número de

jovens de classe baixa que não têm poder aquisitivo para se locomover pelo território brasileiro

para prestar prova em outros estados, um candidato de classe baixa teria suas chances de aprovação

reduzidas, pois suas opções de universidade seriam menores (PASSO 2, 2010).

Em síntese, as principais razões do novo modelo unificado do Enem, configurado a partir

de 2009, são a democratização da participação nos processos de seleção para vagas em todo o país

e a possibilidade de reflexão sobre os conteúdos ministrados no ensino médio e abordados nos

vestibulares tradicionais.

O novo modelo de Enem é composto por quatro testes, um por cada área do conhecimento:

Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (incluindo redação); Ciências Humanas e suas

Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e Matemática e suas Tecnologias. Segundo

o edital do Enem de 2009, esta estrutura aproximaria o exame das Diretrizes Curriculares

Nacionais e dos currículos praticados nas escolas, mas sem abandonar o modelo de avaliação

centrado nas competências e habilidades. O conjunto de conteúdos seria construído em parceria

com as IFES (UFRJ, 2010b).

Entendendo a importância dessas mudanças que estão ocorrendo devido ao novo modelo

de Enem, diversos pesquisadores, reitores, docentes e o movimento estudantil tem se posicionado

sobre o assunto.

Lordelo (2010) afirma em reportagem do jornal O Estado de São Paulo que houve um

crescimento em 2010 de 40% do número de vagas em instituições públicas de ensino superior que

selecionam seus candidatos por meio do Sisu. Em 2010, todas as universidades e institutos federais

utilizaram a nota do Enem de algum modo.

Balduíno28 (TAKAHASHI & GOMES, 2010) afirma que "as universidades ganham

financeiramente ao entrar no Sisu", enquanto Clélio Campolina, reitor da UFMG, coloca que a

universidade não recebeu nenhum benefício e nem pressão do MEC para aceitar o Enem. O reitor

também apoia a tendência de abolir o vestibular: Achamos que isso é um avanço em termos de avaliação do ensino médio, é uma

28 Secretário executivo da Andifes na ocasião do estudo.

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democratização para o ingresso na universidade e a gente espera que, algum dia, o vestibular seja eliminado como critério de seleção para ingresso na universidade. [...] Acho que o país, em algum momento, vai ter que eliminar o vestibular. Isso não pode ser feito de imediato (CAMPOLINA, 2010).

Na opinião de Luís Augusto Fischer, professor da UFRGS, há uma confusão entre

avaliação e seleção, pois o Enem inicialmente tinha como objetivo avaliar os estudantes e agora

passou a ser um instrumento de seleção. O docente também aponta um "desrespeito pela

experiência das universidades" e "autoritarismo do MEC". Afirma ainda que o "MEC induziu as

universidades a aceitarem o Enem como vestibular" (FISCHER, 2009).

Malvina Tuttman, ex-reitora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)

e ex-presidente do Inep, em resposta ao posicionamento do prof. Fischer, afirma que o docente

apenas enfocou os aspectos negativos no Enem. Critica o vestibular e argumenta: O Enem surge com a finalidade de avaliar os alunos do ensino médio e, consequentemente, a qualidade desse nível de ensino. Sob essa perspectiva, a utilização do exame atende a duas finalidades: servir como mecanismo de avaliação dos postulantes ao ensino superior no Brasil e subsidiar reflexões pedagógicas que reorientem, de forma contemporânea, os rumos do ensino médio. Partindo do princípio de que o Enem é legítimo para tal avaliação, por que não utilizá-lo como referência para o acesso único ao ensino superior do país? (TUTTMAN, 2009).

Tuttman (2009) apoia o novo processo do Enem, afirmando que o mesmo traz maior

possibilidade de acesso democrático, onde "o foco se desloca do eixo de expertise em formulação

de questões e assume dimensão mais complexa, que pretende contribuir com a reflexão sobre a

construção de conhecimentos". Enfatiza também que não é verdadeira a colocação de que o MEC

induziu as universidades a aceitarem o novo modelo de Enem, pois a decisão coube aos conselhos

de cada universidade. Lembra ainda que a universidade pública caminha para a "democratização

do seu acesso, contribuindo com uma formação cidadã para a esperada justiça social do nosso

país".

Nos posicionamentos dos pesquisados percebe-se aprovação, em sua maioria por parte de

reitores das IFES, do novo modelo do Enem. São apresentadas algumas críticas que devem ser

levadas em consideração, mas que não excluem sua contribuição para a democratização do acesso

à universidade, mesmo que com algumas falhas.

Como já apontado na seção anterior, em 2010 a UFRJ optou por utilizar o seguinte critério

de seleção para o ingresso dos estudantes:

- 40 % das vagas seriam preenchidas por meio de concurso de acesso próprio;

- 40% das vagas oferecidas em cada curso seriam preenchidas por candidatos selecionados pelo

Enem;

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- 20% das vagas oferecidas em cada curso serão preenchidas por candidatos selecionados pelo

Enem e que tenham cursado integralmente o ensino médio em estabelecimentos da rede pública

vinculados às Secretarias Estadual e Municipais de Educação e à Fundação de Apoio à Escola

Técnica, do Estado do Rio de Janeiro (CONSUNI, 2010).

No âmbito do movimento estudantil, destaco o posicionamento do DCE Mário Prata,

representado na ocasião pela ANEL, que se opõe ao novo Enem na UFRJ - ao contrário da UNE,

que apoia a medida: Nós, do DCE UFRJ e da ANEL, consideramos que em nada o Novo ENEM democratiza o acesso à universidade pública, como dizem o governo Lula, a reitoria e a UNE. Muito pelo contrário, a nova forma de ingresso na universidade acirra a disputa a nível nacional, já que coloca estudantes de diferentes níveis educacionais, por região e de escolas públicas e privadas, para competir juntos pelas mesmas vagas. Além disso, a tão falada “mobilidade” de nada serve já que as universidades não garantem uma política real de assistência estudantil, e por isso só os que podem se manter longe de suas casas são os que podem se bancar pela renda familiar. Além de tudo, todos os problemas técnicos tem gerado uma enorme ociosidade no preenchimento das vagas, como se estivessem sobrando vagas em universidades públicas. [...] No final do ano passado, a ANEL organizou diversos protestos sobre o tema, tendo bastante adesão dos estudantes secundaristas aqui no Rio, e segue tendo uma forte atuação na sociedade contra esse projeto (SARAIVA, 2010).

Em sessão extraordinária em 30 de junho de 2011, foi apresentada no Consuni uma nova

modalidade de acesso à UFRJ: a seleção exclusiva através do Enem, já valendo inclusive para o

ingresso na referida universidade em 2012. Destaco aqui que nessa data já haviam sido encerradas

as inscrições para o Enem, causando, portanto, prejuízos aos estudantes que pretendiam ingressar

na UFRJ em 2012 e não haviam se inscrito previamente no Exame.

Dentre os motivos apontados para a mudança no acesso à referida universidade, destacam-

se: a necessidade da democratização do acesso ao ensino superior "e as ações afirmativas voltadas

para a valorização da escola pública e o apoio a jovens em situação de insuficiência de renda"; a

complexidade da implantação do modelo de seleção escolhido pela UFRJ em 2010; a possibilidade

de participação das IFES na elaboração do Enem junto ao MEC; e a "posição de liderança que a

UFRJ ocupa no sistema nacional de educação superior" (CONSUNI, 2011).

Desse modo, novas questões emergem para discussão, como p. ex. qual será o impacto

dessa mudança na comunidade acadêmica da UFRJ e na relação da universidade com a sociedade,

visto que a mesma ocupa um papel de destaque no cenário educacional, como ressaltado no

parágrafo anterior.

Ao adotar o Enem como fase única, além de transformar-se em um palco de diversidade

cultural e étnica, devido ao ingresso de estudantes provenientes de outras etnias e culturas

diferentes do grupo hegemônico que atualmente predomina na UFRJ, - como se pode perceber p.

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ex. na Medicina, que é composto predominantemente por grupos de classe média alta da região

Sudeste, - a UFRJ colocou todos os candidatos em situação de igualdade perante o ingresso e abriu

espaço para estudantes de outros estados realizarem a prova sem custos e concorrerem às vagas,

ganhando assim maior visibilidade no país.

Visto que o novo Enem ainda é uma medida recente - não tenho conhecimento de estudos a

respeito da adoção do Enem em 2010 e sua mudança em 2011 (que somente entrará em vigor em

2012) - pretendi compreender como os estudantes de medicina militantes do CACC estão

significando essas transformações na universidade.

1.3 Relações entre políticas públicas de saúde e formação médica

Nesta terceira parte do capítulo, procurei traçar um panorama das relações entre o Sistema

Único de Saúde (SUS) e a formação médica, refletindo a respeito da formação para a saúde hoje,

mais especificamente na Faculdade de Medicina da UFRJ, contexto maior deste estudo.

De acordo com Machado (1997), a profissão médica desenvolveu mecanismos fortemente

ideológicos, que fizeram com que os médicos passassem a ser considerados e reconhecidos como

profissionais essenciais ao sistema de saúde. A estreita identificação entre os médicos e o sistema

de saúde – responsabilizando estes profissionais pela qualidade da assistência prestada – não é

casual nem uma associação ingênua da sociedade. Tal fato, para a autora, não é fruto do imaginário

popular, mas de uma complexa construção social, que delega à profissão médica o papel definidor

das políticas de saúde. Os avanços tecnológicos, ao mesmo tempo em que abriram novos

mercados, inclusive novas especialidades e novas profissões, produziram também um acúmulo

considerável de poder de decisão nas mãos dos médicos, no que se refere à formulação de políticas

de saúde.

A autora salienta que a medicina possui algumas prerrogativas monopolistas que a

diferencia da maioria das profissões que disputam o mercado de serviços especializados, pois o

médico tem, por exemplo, um projeto profissional bem sucedido, no qual, ao longo de sua história,

fez uma notável aliança com o Estado, que lhe concedeu prerrogativas legais para seu exercício

exclusivo, e com a elite, vendendo-lhe serviços particulares a preço de mercado.

Ao longo de sua história, prossegue a autora, a medicina adquiriu um vasto, sólido e

complexo conhecimento empírico e científico, transformando sua prática num sofisticado e

complexo ato técnico – científico. A ideia do expert tornou-se, no caso da medicina, uma realidade

incontestável. À doença aplica-se o conhecimento médico para esclarecer e desvendar causas,

definir diagnósticos e terapêuticas, assim como prognósticos. Num dado momento, segundo

Machado (1997), esta expertise tornou-se exclusiva do exercício dos experts. Assim, os médicos

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adquiriram, historicamente, o monopólio de praticar a medicina de forma exclusiva, colocando na

ilegalidade e clandestinidade todos os praticantes empíricos e curiosos desse ofício.

Schraiber (1997), com base em dados historiográficos, afirma que a transição histórica da

medicina liberal para a medicina tecnológica está situada ao redor dos anos 60, enquanto

Donnangelo (1975) explica que o aumento da divisão técnica do trabalho, consistente na

diferenciação das especialidades, e o assalariamento como modalidade predominante de integração

do médico no mercado de trabalho evidenciam o sentido mais geral das mudanças no setor: a

passagem do padrão “artesanal” para novas modalidades de organização da produção.

Desde 1948, os técnicos que elaboraram o Plano Salte (1948), no governo Eurico Gaspar

Dutra, já diziam que “visando o problema da assistência médica no interior do País, será útil

incentivar a prática da clínica médica geral, para a qual o atual planejamento criará boas

oportunidades, diminuindo a acentuada preferência dos médicos pelas especialidades, via de regra

mais rendosas” (apud GENTILE de MELLO, 1977, p. 226). Segundo Gentile de Mello (1997), o

Plano preconizava o “incentivo da prática da clínica médica geral, diminuindo a acentuada

preferência dos médicos pelas especialidades”. Para isso seria recomendável “uma vigorosa

política intervencionista do Estado no campo da assistência médico - social”, fato que está “longe

de ferir a concepção democrática de governo, hoje exercida em grau cada vez mais acentuado por

todos os países civilizados, e se identifica perfeitamente com a proteção do bem estar público, o

objetivo básico do Estado moderno” 29. O caminho para corrigir essas distorções seria formar

médicos generalistas, cabendo, por isso mesmo, “grande responsabilidade à Universidade”.

Berlinguer (1999) cita como principais problemas atuais de saúde pública em nível

mundial as doenças infecciosas, a poluição ambiental, os tóxicos e a violência, ao relacionar o

processo de globalização com os danos e riscos que estão se acumulando em escala global. Para o

autor, “a saúde deve ser encarada hoje como problema global” e “sua globalização é um bem pelo

qual há de se trabalhar de modo explícito e programado” (p. 23).

De acordo com Rocha (2003), a questão da formação médica no país é um tema pertinente

e relevante, tendo em vista a situação sanitária de nossa população, onde, p. ex., convivem novas

doenças, como a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/ AIDS), com o recrudescimento

de outras supostamente já controladas, como a tuberculose, a sífilis, a hanseníase e a dengue.

Concomitantemente, vem ocorrendo desde as últimas décadas do século XX um aumento

significativo do número de idosos em nossa população, levando-nos a conviver com outras 29 Os técnicos que elaboraram o Plano fundamentaram a sua orientação no relatório da Comissão Organizadora do Instituto de Seguros Sociais do Brasil (ISSB) de 1945, cujas conclusões mostravam preocupação com o desequilíbrio da distribuição geográfica dos recursos médicos no Brasil e com a grande concentração de médicos nas capitais e nos grandes centros urbanos (apud Gentile de Mello, 1977).

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patologias que são comuns a essa faixa etária, como a doença de Alzheimer, e o aumento de outras

doenças crônicas e degenerativas, como o câncer. É preciso destacar ainda a questão da violência,

com toda a espécie de desordem que provoca na saúde do indivíduo e de sua comunidade, sendo

por isso, hoje, no Brasil, considerada um gravíssimo problema de saúde pública de proporções

epidêmicas.

O SUS, a política pública de saúde brasileira, vem priorizando a atenção primária em

saúde, como podemos perceber nas ações, seja da Estratégia Saúde da Família30, seja do Programa

Mais Saúde, como também nas campanhas de atenção integral à saúde da Mulher, do Homem, da

Criança, do Idoso, dentre outras. Para Campos (2008), "há relativo consenso internacional sobre a

vantagem dos sistemas públicos baseados em atenção primária à saúde" (p. 517); no entanto,

percebe-se hoje uma carência de profissionais que atuem com essa visão de atenção primária,

trazendo implicações no alcance dos objetivos de tais programas previstos para as políticas de

Estado e, consequentemente, no cumprimento de suas metas. Em uma discussão promovida pela

Radis, revista de comunicação em saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre formação

profissional na área da saúde, Noronha et al (2002, p. 11) afirmam que “a questão dos recursos

humanos representa um aspecto crítico na construção do sistema de saúde brasileiro”. Os autores

apontam o processo de formação fundamentado em um modelo de ensino que valoriza a formação

em ciências básicas, e desvaloriza os aspectos de promoção e prevenção da saúde, como uma das

principais causas do problema.

Amoretti (2005) explica que desde a segunda metade do século 20, vem ocorrendo diversas

transformações na área da saúde, oriundas principalmente do avanço científico e tecnológico no

setor, aumentando-se a possibilidade de resolução de diversas doenças. Em razão disso, o autor

aponta que o foco da prática médica passou a se concentrar na realização dos procedimentos que

valorizam a utilização de instrumentos de diagnóstico e tratamento e no uso de drogas. Esse

desenvolvimento das ciências e tecnologias biomédicas trouxe resultados espetaculares, porém

nem todas as camadas da população estão obtendo acesso a esses procedimentos. Amoretti (2005)

afirma que esse contexto marcou o ensino médico e de demais profissões da área da saúde a partir

dos anos 70. O diversificado desenvolvimento tecnológico impulsionou a divisão do trabalho especializado, influenciando de maneira sistemática os conteúdos curriculares, com a departamentalização curricular. Na medicina, a necessidade de treinamento e capacitação dos profissionais para o uso das tecnologias consagrou as residências médicas e a lógica da formação em serviço com aumento da formação de especialistas, nos hospitais de ensino (AMORETTI, 2005, p. 137).

30 No Portal do Ministério da Saúde, encontram-se informações sobre as principais ações e programas do governo na Saúde (AÇÕES..., s/d).

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O mercado de trabalho passou assim a exigir do profissional médico um conhecimento

especializado, voltado a um modelo centralizado no atendimento hospitalar sustentado por

investimentos de empresas privadas e interesses de camadas minoritárias da população. O ensino

nesse contexto se organiza também de modo fragmentado, dividido em disciplinas por

especialidades, fundamentando-se em conhecimentos científicos provenientes dos avanços

científicos e tecnológicos.

Deve-se, portanto, refletir sobre o tipo de formação a que estão sendo submetidos estes

futuros profissionais da saúde, a fim de que não se perpetue um modelo elitista e privatista de

saúde, ignorando as necessidades da população, e que estejam aptos a atuar na atenção primária em

saúde, ou seja, numa perspectiva de maior ênfase em aspectos preventivos e de promoção da

saúde.

Ao destacarem que o Movimento Sanitário Brasileiro assumiu o protagonismo da Reforma

Sanitária Brasileira que levou ao SUS, Ceccim & Ferla (2009) explicam que o Movimento

Sanitário cresceu entre os docentes da área da Saúde Pública e da Saúde Preventiva e Social, cuja

produção científica informava sobre os processos capazes de condicionar (ou determinar) estados

de saúde e adoecimento, as repercussões sociais do atendimento ou da desassistência em saúde e a

satisfação ou insatisfação dos cidadãos com os padrões assistenciais e preventivos disponíveis.

Noronha et al (2002) salientam que o tema da formação profissional em saúde sempre gerou

inúmeras discussões, até mesmo dentro do próprio Movimento Sanitário, que nos anos 70 realizou

uma importante discussão sobre o sistema de saúde brasileiro e cujos desdobramentos levaram à

criação do Sistema Único de Saúde, garantida pela Constituição de 1988. Segundo os autores, hoje

há entendimento de que o mercado de trabalho, a prática profissional, a estrutura dos cursos de

formação e a prática educativa estão inter-relacionadas, havendo por isso necessidade de que essas

mudanças sejam feitas simultaneamente, de forma a garantir uma formação de profissionais de

saúde com espírito crítico, capazes de refletir e atuar ativamente no aprimoramento do Sistema,

como uma das diversas estratégias de resolução das dificuldades de implementação que o SUS

ainda atravessa.

Para Ceccim & Ferla (2009), O processo de formação não absorveu esse histórico de lutas e projeto de sociedade, fragilizando-o, o que em última instância, não revertido, o fará participar do desmonte de um patamar de cidadania conquistada, exigindo da sociedade novo posicionamento e novo enfrentamento pela mesma causa: saúde como direito de todos e dever do Estado. Diga-se: saúde como direito à vida com qualidade; saúde como direito à atenção integral, com privilégio da promoção e prevenção, sem prejuízo da recuperação e reabilitação dos estados de saúde; saúde como expressão do andar a vida (p. 446).

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Segundo Moraes & Lopes (2010), a universidade vive um momento de transformação "ao

se ver às voltas com a crise de legitimidade e os questionamentos de seu papel na produção e

construção de conhecimentos". Os autores, ao realizarem um estudo sobre a formação de

profissionais em saúde em instituições de ensino superior, comentam que formar recursos humanos

para atender às necessidades sociais da população é um grande desafio, que implica em "propiciar

aos alunos a capacidade de aprender a aprender, de trabalhar em equipe, de comunicar-se, de ter

agilidade frente às situações e de ter capacidade propositiva" (p. 437).

Amoretti (2005), seguindo a mesma linha de pensamento, entende, como uma das

principais questões na discussão da formação dos recursos humanos necessários à saúde no Brasil,

"a qualificação dos profissionais de todas as categorias da saúde para uma assistência integral,

humanizada e com responsabilidade pela continuidade dos cuidados prestados" (p. 138). O autor

ressalta ainda a importância de reverter o quadro de “assistência-ensino-pesquisa” marcado pela

lógica do mercado, o que na maioria das vezes entra em conflito com as expectativas da população.

Amoretti (2005) entende a discussão e reversão desse quadro como sendo: Uma tarefa coletiva de governantes, gestores, entidades representativas, instituições de ensino, pesquisa e assistência, profissionais das diferentes profissões da saúde, docentes, alunos e usuários que constituem a população do nosso país – a principal beneficiária do processo de adequação da formação dos recursos humanos para a saúde e da construção do SUS que queremos (AMORETTI, 2005, p. 141).

A partir de um levantamento sobre as políticas públicas de saúde no âmbito da formação

profissional, Oliveira et al (2008) apresentam as recentes políticas destinadas a "promover

mudanças na formação e na distribuição geográfica dos profissionais de saúde" (p. 334). São elas:

- As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos da Saúde, voltadas aos 14 cursos da área da

saúde. Articulando educação superior e sistema de saúde, têm como base as diretrizes do SUS e

como objetivo capacitar os alunos para atuarem no SUS. Também pretende levar os alunos a

aprender a aprender;

- O Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares nos Cursos de Medicina (Promed), que se

volta às escolas e cursos de graduação em Medicina, objetiva oferecer "cooperação técnica e/ou

operacional" aos cursos que adotarem mudança nos seus currículos, enfocando as necessidades do

SUS. Pretende programar estágios nos hospitais universitários contemplando os principais

problemas de saúde da população e também intenta capacitar o estudante de acordo com a

realidade do SUS. Para que isso ocorra, os cursos devem promover uma formação generalista;

- O VER-SUS, que é uma estratégia de vivência no SUS para estudantes dos cursos de saúde,

pretende aproximar a formação acadêmica das políticas de saúde, possibilitando ao estudante que

ele conheça o funcionamento do SUS em diversas regiões do país, percebendo seus problemas e

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avanços. Segundo Oliveira et al (2008), tal estratégia tem "participação ativa na direção das

diferentes entidades estudantis da área da saúde na construção da vivência, desde seu desenho e

negociação com os municípios até o processo de inscrição dos estudantes" (p. 335).

- O Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS) é voltado aos profissionais médicos

e enfermeiros e se configura como um incentivo técnico, pedagógico e financeiro para estes se

fixarem no Programa Saúde da Família em locais onde exista carência de profissionais da saúde;

- Os Pólos de Educação Permanente do SUS (PEP), atualmente desativados, configuravam-se até

pouco tempo como uma articulação interinstitucional, em um território, entre gestores federais,

estaduais e municipais do SUS, universidades e instituições de ensino com cursos na área da saúde.

Aí se incluíam principalmente suas áreas clínicas e de saúde coletiva; centros formadores, escolas

de saúde pública, núcleos de saúde coletiva, hospitais universitários. Nesse contexto, segundo os

autores, estudantes da área de saúde, trabalhadores de saúde, Conselhos Municipais e Estaduais de

Saúde e movimentos estudantis e sociais que trabalhavam com saúde interagiam fortalecendo

compromissos com o SUS. Em suma, o PEP tinha como objetivo a implementação de projetos de

mudança no âmbito do ensino formal e da educação permanente dos trabalhadores em saúde

(OLIVEIRA et al, 2008, p. 335).

Além destes apontados por Oliveira et al (2008), também figuram entre as políticas

públicas em saúde os seguintes programas:

- O Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), que

tem por objetivo a integração entre ensino e serviço, "visando à reorientação da formação

profissional, assegurando uma abordagem integral do processo saúde-doença com ênfase na

Atenção Básica, promovendo transformações na prestação de serviços à população"

(PROGRAMA NACIONAL DE REORIENTAÇÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM

SAÚDE, 2009). O Programa reflete a preocupação em substituir o modelo tradicional do cuidado

em saúde por um modelo que atenda às demandas do SUS. Quando lançado, contemplava

inicialmente os cursos de graduação das profissões que integram a Estratégia de Saúde da Família:

Enfermagem, Medicina e Odontologia. A partir de 2007, passou a abarcar os demais cursos da área

da saúde, como Odontologia, Nutrição, Biomedicina, dentre outros. O Pró-Saúde pretende

desenvolver uma articulação entre as Instituições de Ensino Superior e o servidor público de

Saúde, potencializando "respostas às necessidades concretas da população brasileira, mediante a

formação de recursos humanos, a produção do conhecimento e a prestação dos serviços com vistas

ao fortalecimento do SUS". Tal iniciativa tem o objetivo de aproximar a formação de graduação no

Brasil das necessidades de atenção básica, como já foi frisado anteriormente, que em nosso país se

traduzem pela estratégia de saúde da família, dentre outras. O distanciamento entre a teoria e a

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prática médica também é apontado aqui como sendo um "dos responsáveis pela crise do setor de

Saúde" (PROGRAMA NACIONAL DE REORIENTAÇÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

EM SAÚDE, 2009).

- O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET Saúde) é uma das estratégias do

Pró-Saúde. Tendo como pressuposto a "educação pelo trabalho", disponibiliza bolsas para tutores,

preceptores (profissionais dos serviços) e estudantes de graduação da área da saúde, a fim de

fortalecer o Sistema Único de Saúde - SUS. O PET-Saúde tem como fio condutor a integração

ensino-serviço-comunidade. Cada grupo PET-Saúde/Saúde da Família é formado por um tutor

acadêmico, trinta estudantes - sendo doze estudantes monitores, que efetivamente recebem bolsas -

e seis preceptores (PET-SAÚDE, 2011). No PET-Saúde/Vigilância em Saúde cada grupo é

formado por um tutor acadêmico, oito estudantes monitores e dois preceptores. Em 2011 também

foram iniciadas ações do PET-Saúde/Saúde Mental/Crack, com 80 grupos selecionados -

proporção de um tutor: três preceptores: doze estudantes (PET-SAÚDE, 2011).

- O Pró-Ensino da Saúde foi lançado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (Capes), em parceria com a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do

Ministério da Saúde. É dirigido a professores e pesquisadores de instituições públicas e privadas,

sem fins lucrativos, com programas de pós-graduação stricto sensu com nota mínima 4. Tem por

objetivo "possibilitar a produção de pesquisas científicas e tecnológicas e a formação de mestres,

doutores e estágio pós-doutoral na área do ensino na saúde, contribuindo, assim, para desenvolver e

consolidar esta área de formação, considerada estratégica para a consolidação do Sistema Único de

Saúde (SUS)" (PRÓ-ENSINO..., 2010).

- O Programa Nacional de Telessaúde foi criado com o objetivo de integrar as equipes de saúde da

família das diversas regiões do país com os centros universitários de referência para melhorar a

qualidade dos serviços prestados em atenção primária, diminuindo o custo de saúde através da

qualificação profissional, redução da quantidade de deslocamentos desnecessários de pacientes e

por meio do aumento de atividades de prevenção de doenças. A implantação do Programa

Nacional de Telessaúde está se desenvolvendo a partir de uma ampla ação governamental

intersetorial coordenada pelo Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e

da Educação na Saúde (SGTES) e da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), com a participação do

Ministério da Educação, por meio das Secretarias de Educação Superior (SESu) e de Educação à

Distância (SEED), da Casa Civil, da Organização Pan-Americana da Saúde, dos Ministérios da

Ciência e Tecnologia, da Defesa e Ministério das Comunicações, além de várias universidades

públicas e entidades como a BIREME, o Conselho Federal de Medicina e a Sociedade Brasileira

de Medicina de Família e Comunidade (SOBRE..., s/d).

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- O Sistema Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS) é uma iniciativa do

Ministério da Saúde em parceria com estados, municípios, instituições públicas de ensino superior

e organismos internacionais para oferta de cursos de pós-graduação e de extensão universitária e

foi criado "com a finalidade de atender às necessidades de capacitação e educação permanente dos

trabalhadores do Sistema Único de Saúde - SUS, por meio da educação à distância na área da

saúde" (A UNA-SUS, s/d).

- Ações relacionadas ao AprenderSUS, que visam aproximar os cursos de graduação das

necessidades preconizadas pelo SUS, a partir de estratégias que promovam a integralidade,

princípio básico do SUS (BRASIL, 2004).

- O Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas

(Pró-Residência), que tem por objetivo "favorecer a formação de especialistas na modalidade

Residência Médica em especialidades e regiões prioritárias, definidas em comum acordo com

gestores do SUS" (BRASIL, 2009).

Ceccim & Ferla (2009) fazem uma importante reflexão sobre o papel da Educação

Superior, que, na sua avaliação, teve pouca ocupação com a produção política que ocorreu no

interior da área setorial da saúde. Segundo estes autores, foram as associações de ensino das

profissões de saúde e o próprio Sistema Único de Saúde que se ocuparam do debate sobre a

mudança na formação e a formulação de diretrizes curriculares, pois, devido ao SUS, "tornou-se

relevante para o conjunto das profissões da área o fortalecimento ou criação de associações de

ensino congregando professores e estudantes de graduação, gestores desse setor nas políticas

públicas, serviços de saúde e representantes da sociedade" (p. 448). Explicam que: As associações de ensino não correspondem às associações profissionais, estas são outras, ocupadas principalmente com especialidades e áreas de atuação profissional. Poderíamos supor que as associações profissionais teriam no setor da saúde a sua principal interlocução, enquanto as associações de ensino estabeleceriam principal interlocução com o setor da educação. Tal não ocorre. As associações de ensino têm buscado, há alguns anos, o setor da saúde para aprofundar seu compromisso com o SUS, entendendo que a isenção da educação para com a formação das novas gerações profissionais para o SUS rebaixaria a conquista da cidadania em saúde a um valor instrumental, invertendo a equação saúde e sociedade em prejuízo de novos contornos e potencialidades para o ensino e a cidadania (CECCIM & FERLA, 2009, p. 448).

Enquanto isso, afirmam os autores, as associações profissionais buscam o setor da

educação para "preservar a lógica da especialização corporativa e a reserva de mercado, anulando o

processo político e social da saúde" (p. 448).

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O melhor exemplo disso é o caso do Projeto de Lei nº 7.703/200631, conhecido como “Ato

Médico”, apresentado pelas corporações médicas, entendendo que tal projeto tem relação direta

com a construção identitária médica e deve ser parte da discussão sobre a formação do profissional

em saúde.

A fim de entender como o assunto vem sendo abordado na produção acadêmica, apresento

a seguir alguns resultados de um levantamento exploratório e preliminar nos periódicos de saúde,

de educação e de educação em saúde, bem como de artigos de opinião disponíveis nos sites do

CFM e CREMERJ.

O Ato Médico é um projeto de lei que tem como principal objetivo a regulamentação do

exercício da medicina. Se aprovado, serão atos privativos do médico o diagnóstico e a prescrição

terapêutica das doenças, dentre outras medidas. O projeto tem sido alvo de debate e polêmica, pois

envolve os demais grupos profissionais atuantes na área da saúde, que em sua maioria posicionam-

se contrários às propostas do projeto.

Edson de Oliveira Andrade (s/d), médico e presidente do Conselho Federal de Medicina no

período de 1999 a 2009, argumenta que a regulamentação da profissão é necessária e acrescenta

que o curso de Medicina é sempre o mais disputado, exigindo do aluno dedicação integral:

"Tornar-se médico é um processo cada vez mais demorado e custoso, pois esse profissional não

pode ser improvisado: necessariamente, tem que ser bem formado." Assinala ainda que "o prestígio

internacional adquirido pela Medicina brasileira é motivo de orgulho e felicidade para os médicos e

para nosso povo".

Machado (2005) concorda com a importância da regulamentação profissional que o projeto

de lei prega. Porém entende que o debate do Ato médico é politicamente incorreto, em termos

sociológicos, apontando o termo 'ato médico' como "provocativo, incorreto e discriminatório".

Afirma ainda ser inaceitável que as demais profissões da saúde se posicionem contrárias ao projeto

de lei, pois "todas elas, sem exceção, têm sua lei que regulamenta a profissão e confere

31 O Projeto de Lei nº 7.703/2006 é a última "versão" do Ato Médico. A primeira versão do projeto é do senador Pedro Cañedo, que apresenta em 1989 um projeto de lei que atribuía a definição de Ato Médico ao Conselho Federal de Medicina (CFM), porém não obteve apoio da entidade. A discussão continuou até 1998, quando o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ) definiu o ato médico, com a resolução no. 121/98. Em seguida, o CFM, em 18 de dezembro de 1998, aprova o novo Estatuto para os Conselhos de Medicina. Por conseguinte, em outubro de 2001, o CFM cria a resolução 1.627/2001, que define o ato profissional de médico como todo o procedimento técnico-profissional praticado por médico legalmente habilitado e dirigido para a prevenção primária, secundária e terciária. Estabeleceram-se, então, as bases que construíram, posteriormente, o Projeto de Lei do Ato Médico PLS 025/02 e, a partir deste, o senador Tião Viana apresentou um projeto substitutivo (GUIMARÃES & REGO, 2005). Atualmente tramitam no Senado o Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 268 de 2002 e na Câmara dos Deputados o Substitutivo ao Projeto de lei nº 7.703/2006, ambos referentes ao Ato Médico e de autoria do senador Benício Sampaio.

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exclusividade de determinados atos profissionais" (p. 20).

Aciole (2006), em seu artigo "A Lei do Ato Médico: notas sobre a sua influência para a

educação médica", analisa a motivação do projeto, enfatizando que o mesmo se baseia em uma

visão conservadora que, além de se refletir como um "conflito de corporações", reforça uma

"supremacia 'natural' da medicina, dada sua identificação histórica com a capacidade de

intervenção da humanidade frente ao seu flagelo mais constante: as doenças." Lampert (2005)

aponta as disputas de poder que se travam no processo de profissionalização e na conquista de um

espaço no mercado de trabalho. Destaca ainda a importância da formação profissional integral, que

visa o equilíbrio entre a "excelência técnica e a relevância social".

No entendimento de Guimarães e Rego (2005), apesar dos esforços da corporação em incluir

em seus argumentos a defesa do SUS, ainda parece que o olhar que falta na discussão do Ato

Médico é aquele voltado ao atendimento da população. Os autores enfatizam ainda que é inútil e

sem justificativa a corporação médica pretender ignorar que outras profissões já conquistaram seu

espaço na área da saúde. O que se requer agora é o bom senso crítico de observar até aonde vão as possibilidades de autonomia profissional e como todos os profissionais poderão atuar para enfrentar as ameaças de perda de identidade resultantes das novas relações de trabalho e da perda de representatividade e de poder de intervenção das corporações no enfrentamento com as grandes empresas da área da saúde (GUIMARÃES e REGO, 2005, p.16).

Concordando com Guimarães e Rego (2005), Aciole (2006) entende que a defesa dos

interesses de saúde da população deve ser a diretriz da formação profissional médica. O autor

entende que o projeto de lei parece apostar ilusoriamente no exercício de uma medicina liberal,

ignorando as recorrentes transformações sociais, políticas e tecnológicas e distanciando os médicos

daqueles de quem deveriam cuidar: a população. Considera a saúde no Brasil como questão social,

que não tem espaço para interesses particulares, e que deve estar em sintonia com uma formação

médica integral, contribuindo para consolidar os objetivos traçados pela Reforma Sanitária.

Lampert (2005) lembra que, ao construir o programa curricular, a escola médica "está tratando de

como vai garantir as competências e habilidades requeridas para a formação do futuro profissional

e, portanto, delimitando o ato médico".

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1.3.1 Formação médica promovida pela Faculdade de Medicina da UFRJ

Rocha (2003) afirma que, dentre os fatores que vem possibilitando uma boa avaliação do

curso médico da UFRJ32, tem-se destacado, desde a década de 1970, o esforço das sucessivas

coordenações de graduação para que o currículo não tenda demasiadamente para a especialização.

De acordo com essa visão, um ensino médico de graduação bom é o que dá uma formação geral

que permita ao aluno no final do curso ter uma noção pelo menos dos problemas mais comuns de

saúde da população brasileira e de como ele vai atuar frente essas situações e que tenha muitas

atividades práticas, porque a medicina não pode ter um ensino predominantemente teórico.

Porém, contraditoriamente, a Faculdade de Medicina da UFRJ continua a formar,

sobretudo, médicos brasileiros “de elite”, segundo o depoimento seus próprios professores,

conforme encontramos em Rocha (2003). A autora destaca algumas mudanças no ensino médico

que ocorreram na Faculdade de Medicina da UFRJ desde a década de 1970, comparando-as com a

formação promovida atualmente por esta instituição. Aponta que na década de 1970 formavam-se

médicos mais generalistas do que hoje, embora naquela época o internato fosse realizado de acordo

com as preferências por especialidades e hoje o objetivo seja formar um médico generalista, que

possa atuar em diversas frentes de trabalho junto à população de todo o Brasil.

A autora explica que, a partir dos anos 70, foram implantadas algumas ações de cunho

interdepartamental na Faculdade de Medicina da UFRJ que visavam integrar o ciclo básico ao

ciclo clínico e inserir o aluno de medicina em atividades práticas, para favorecer uma formação

mais geral ao estudante. O primeiro ponto abordado por Rocha (2003) é que o currículo como um

todo é considerado hoje mais integrado comparativamente ao dos anos 70, já que nessa fase o

curso médico teria atingido o auge da fragmentação de seus conteúdos. A partir de depoimentos de

professores, os programas interdepartamentais (PCI) são apontados como a razão dessa maior

integração, embora não atinjam totalmente os objetivos a que se propõem.

O segundo ponto que a autora destaca como importante é o internato ser mais abrangente

nos dias atuais. Nos seus primórdios, havia sido voluntário; na década de 1970, já tinha se tornado

obrigatório, porém era realizado inteiramente em alguma especialidade escolhida pelo aluno; e

atualmente é obrigatório nas quatro grandes áreas básicas - Clínica médica, Gineco-obstetrícia,

Pediatria e Clínica Cirúrgica (ROCHA, 2003) - além da recentemente introduzida área de

Medicina da Família (HALFOUN, 2011a).

32 O curso de Medicina da UFRJ, em 2007, foi classificado no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) - que tem como objetivo aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências - com o conceito 4. É importante frisar que os conceitos utilizados no ENADE variam de 1 a 5 e, à medida que esse valor aumenta, melhor é o desempenho no exame (INEP, 2008).

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O aumento das atividades de prática médica é outro ponto levantado por Rocha (2003).

Além do internato, correspondente a três semestres letivos33 do curso médico que são passados

integralmente em atividades de prática médica, destaca-se o ensino prático das clínicas nos

ambulatórios desde o 7o período. Rocha (2003) ressalta ainda a implantação da disciplina Atenção

Integral à Saúde em centros de saúde, que possibilita o contato mais precocemente do aluno com

os cuidados primários de saúde.

A recente flexibilização do currículo para que os estudantes possam ter tempo livre para

atividades de sua escolha, através dos "turnos livres", na gestão da profª Vera Halfoun como

diretora da Faculdade de Medicina (1990-1997) (HALFOUN, 2011a) também deve ser destacada

aqui como um passo adiante dado pela Faculdade de Medicina da UFRJ.

Em entrevista ao jornal "A Bula", publicação do CACC, o docente da Faculdade de

Medicina Sergio Zaidhaft comenta algumas dessas mudanças ocorridas no currículo da Faculdade

de Medicina nos últimos anos, "como disciplinas eletivas, as áreas livres para estudos, uma ênfase

nos PCIs, que já vinham começando, mas houve uma ênfase maior nisso". Mas, segundo o

docente, ainda se percebia "que muitos dos desdobramentos da reforma não foram implementados

por uma série de problemas, dificuldades, entraves, etc." (ZAIDHAFT, 2010).

O mencionado professor explica que, ao longo desse período até hoje, uma "série de forças

pressionavam no sentido de a FM repensar seu próprio currículo". Na gestão de Antônio Ledo

como diretor da Faculdade de Medicina da UFRJ (2006-2010), foi aprovado o Programa de

Educação Médica (PEM) pela Congregação da Faculdade de Medicina da UFRJ "com o intuito de

ter um centro dentro da FM que pense o ensino de Medicina, para além da reforma curricular".

Porém, embora tenha sido aprovado antes de 2008, somente em 2009 começou efetivamente a ser

construído: Não se caminhou muito no primeiro semestre de 2009, não sabíamos exatamente como fazer isso, e a partir de julho de 2009 que começamos efetivamente a trabalhar. [...] Então em julho a gente começou sistematicamente a se reunir, temos uma certa premência em relação ao currículo da Faculdade, que é uma diretriz do MEC que o internato seja em 2 anos. Isso já vinha em discussão há algum tempo de como reformular o currículo obedecendo essa diretriz. Parece, não tenho certeza, que das faculdades públicas do país, federais, a única que não tem internato de dois anos é a nossa. Como a diretriz é de 2001, estamos atrasados em 9 anos. Aproveitamos isso como um álibi, já que temos de mexer no currículo, em todas as disciplinas prévias ao internato, para discutir o currículo de forma mais ampla para sanar as dificuldades que sabemos que são históricas aqui, então a gente vem se reunindo com a presença de professores do ciclo básico, clínico, alunos (ZAIDHAFT, 2010).

33 Portal da Faculdade de Medicina da UFRJ. Regras Internato. Disponível em: < http://www.medicina.ufrj.br/colchoes.php?id_colchao=239> Acesso em: 09/01/2012.

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A professora Vera Halfoun destaca o tipo de aluno que vem sendo formado hoje na

Faculdade de Medicina, e a luta de alguns setores da Faculdade para modificar o currículo do curso

médico: Hoje a gente tá formando um aluno cujo valor é: a medicina como meio de ascensão social e de prestígio, de reconhecimento social. A gente não tem hoje o aluno com a visão da Medicina como objetivo dele, como objetivo de servir à sociedade. É ao contrário, é a medicina servindo a ele pra ele conseguir na sociedade o prestígio. [...] Eu estou numa área, atenção básica, que é uma área contra hegemônica dentro da Faculdade, e a gente tá discutindo um plano de currículo, onde a nossa proposta é que a atenção básica finalmente/ Que hoje ela começa no início do curso, tem um gap [espaço] depois só no internato. Então a gente tá querendo que perpasse o curso inteiro. E aí, isso ia esvaziar os alunos do Hospital, trazer os alunos pra rede [SUS], botar os alunos em ambulatórios da rede, o professor vai pra rede, é uma outra visão (HALFOUN, 2011b).

Rocha (2003) entende que não basta à Faculdade estabelecer o modelo de médico que ela

quer formar e esperar que o internato nas quatro grandes áreas básicas garantirá tal formação, pois

na própria Faculdade ele só convive com especialistas, o que igualmente contribui para sua

formação identitária de profissional da saúde. Devido à pressão do mercado de trabalho, o

estudante tem que se especializar para garantir seu "lugar ao sol", tornando mais difícil ainda sua

escolha entre o sistema público de saúde e o privado. Segundo a autora, de um lado temos o

"processo de autonomização da medicina moderna, se descolando assim das pessoas por conta do

enorme desenvolvimento científico e da transformação da saúde em mercadoria". Do outro, uma

situação sanitária precária no Brasil, com acesso restrito aos bens de consumo em saúde. E no meio

de tudo isso, a Faculdade de Medicina, que tenta garantir ainda que o aluno tenha uma formação

básica e visão social (ROCHA, 2003), baseado nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de

Graduação em Medicina, segundo as quais a estrutura do curso médico deve "vincular, através da

integração ensino-serviço, a formação médico-acadêmica às necessidades sociais da saúde, com

ênfase no SUS" (BRASIL, 2001).

Interessa, portanto, neste estudo, refletir como os militantes estudantes de medicina da

UFRJ significam as políticas públicas de saúde em suas relações com a formação médica

promovida pela UFRJ, levando em conta as questões do poder, da identidade e da cidadania.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

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O objetivo desta pesquisa foi analisar como os militantes estudantes de medicina da UFRJ

significam as transformações que estão ocorrendo na Universidade, a partir de seus

posicionamentos sobre as políticas públicas de ensino superior e sobre as políticas públicas de

saúde, em suas repercussões sobre a formação médica promovida pela UFRJ.

Para o alcance desse objetivo, utilizei a metodologia de investigação qualitativa. Segundo

Bogdan & Biklen (1994), o objetivo dos investigadores qualitativos é o de compreender o

comportamento e experiência humanos: "tentam compreender o processo mediante o qual as

pessoas constroem significados e descrever em que consistem esses mesmos significados" (p. 70),

recorrendo à observação empírica por entenderem que através dela podem refletir mais

amplamente sobre a condição humana.

Trabalhei com Bauman (2005) e Hall (2004) para analisar questões de identidade e

cidadania, conceitos centrais neste trabalho, e utilizei também noções de "discurso" e de "poder" de

Michel Foucault (1979; 2003; 2005; 2007; 2008) a fim de compreender as práticas dos estudantes

militantes do CACC em sua relação com a formação médica e as políticas da Universidade.

Também recorri, em alguns momentos, a autores que trabalham com o campo curricular (SILVA,

2003, 2010; VEIGA-NETO, 2002) e com o movimento estudantil (PAULA, 2002, 2004, 2008;

MESQUITA, 2006). Utilizei ainda as teorias de Joly (1996), Penn (2002) e Fairclough (2001) para

analisar as semióticas (cartazes, banners, folders) produzidas por esse grupo na comunicação com

os demais alunos não militantes, por ocasião do processo eleitoral do CACC.

Entendendo que os discursos constroem identidades e relações sociais, busquei identificar

os significados construídos nos discursos que circulam acerca das políticas de ensino superior e de

saúde, relacionando-os com as questões de poder, identidade e cidadania. Compreendendo que

esses discursos estão inseridos no contexto mais amplo de uma sociedade de consumo e de

informação, estive também atenta aos discursos que abarcam questões da contemporaneidade, tais

como gênero, inclusão e exclusão, diversidades e diferenças, nas falas desses estudantes e nas

semióticas produzidas por esses estudantes de medicina que militam, ou militaram recentemente,

no movimento estudantil através do Centro Acadêmico Carlos Chagas da Faculdade de Medicina

da UFRJ. Desse modo, procurei relacionar as falas dos estudantes com alguns outros discursos que

circulam na sociedade - mais especificamente de docentes, reitores, pesquisadores de universidades

públicas, ativistas de movimentos sociais e do movimento estudantil em geral - partindo do

pressuposto de que os discursos não só representam como instituem significados, sendo

relacionados ao contexto sócio-histórico e ao poder, e entendendo que o embate posto entre

diferentes posicionamentos a respeito das políticas públicas de saúde e de ensino superior

consubstanciam relações de poder, conforme aprofundarei a seguir neste capítulo.

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2.1 Questões de identidade, cidadania e ativismo estudantil no contexto universitário

Atualmente vivemos em um tempo de incertezas, denominado por alguns de modernidade

tardia, ou pós-modernismo, o qual Barbero (2009) define ser "um tempo em que o velho já se foi,

mas que o novo não tem forma ainda". Silva (2003) entende estarmos vivendo em um tempo que

paradoxalmente nos proporciona novas possibilidades "de conhecimento, de comunicação, de

movimento, de diminuição da dor e de aumento do prazer, de sustentação da vida", mas que

também passamos por um "tempo de desespero e de dor, de sofrimento e miséria, de tragédia e

violência, de anulação e negação das capacidades humanas" (p. 07).

Harvey (2007) aponta como característica desse novo tempo a “compressão espaço-tempo”

que, devido ao avanço das novas tecnologias da informação e comunicação que acentuam a

rapidez com que tudo ocorre no mundo, gera a “volatilidade” e a “efemeridade de idéias,

ideologias e valores” (p. 258). Segundo o autor, a sensação de fluidez se faz presente, tornando o

futuro cada vez mais difícil de ser previsto. Em seu entendimento, “não só bens produzidos são

jogados fora, mas também valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego às pessoas,

lugares, modos de agir e ser” (p. 268).

Hall (2004) atribui a essa mudança na organização da sociedade uma instabilidade do

sujeito, afirmando que as identidades unificadas, estáveis, agora se configuram novas identidades,

fragmentando o sujeito moderno. Para Bauman (2005), "as identidades ganharam livre curso, e

agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, capturá-las em pleno vôo, usando os seus próprios

recursos e ferramentas" (p. 35). Indo ao encontro das idéias de Hall e Bauman, Ribeiro (2005)

lembra que vivenciamos hoje uma quebra da vida linear, que antigamente seguia a seguinte ordem:

infância, juventude, maturidade e velhice. O autor explica que atualmente a juventude “constitui

um certo ideal social”, sendo diretamente relacionada a valores como liberdade pessoal. Sarlo

(2004) também comenta a quebra das identidades, e alerta que "em seu lugar não ficou o vazio,

mas o mercado que corteja a juventude, depois de instituí-la como protagonista da maioria de seus

mitos" (p. 40). A autora lembra que, ao mesmo tempo em que o mercado promete uma forma do

ideal, também exclui, apontando os indivíduos que podem fazer suas escolhas.

Para Carrano (2007), a capacidade de saber escolher apresenta-se também como um

desafio educativo de autoprodução de sujeitos e coletividades humanas. Segundo o autor, as mais

recentes formulações sobre o conceito de identidade se afastam da idéia de consolidação de um

“eu” estável que definiria por completo a personalidade e o campo cultural dos indivíduos tal como

foi formulado na modernidade. Hoje, individuar-se significa muito mais se redefinir continuamente. O verdadeiro obstáculo não estaria mais na capacidade ou não de mudança, mas em como assegurar a unidade e a continuidade da história individual num mundo de complexidades e

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alternâncias existenciais. As possibilidades que os indivíduos têm de fazer escolhas em suas vidas cotidianas não são, contudo, totalmente livres. Elas dependem dos vínculos que estabelecemos nas múltiplas redes existenciais que constituem o social (CARRANO, 2007).

Um dos grandes desafios da contemporaneidade, explica o autor, passou a ser a construção

da unidade social em sociedades marcadas por significativas diferenças e desigualdades pessoais e

coletivas: Escutar a si e ao outro se torna, portanto, a condição para o reconhecimento e a comunicação. Para escutar numa relação solidária é preciso, contudo, assumir a própria identidade, entrar em relação com a diferença e rejeitar as desigualdades que venham a configurar a constituição das coletividades humanas (CARRANO, 2007).

Destaco o papel da Universidade pública na construção identitária dos estudantes e, por

conseguinte, seu papel frente à cidadania. Encontramos nos trabalhos de Siqueira & Rocha (2008)

e Rocha & Siqueira (2009) que os alunos de graduação desenvolvem variadas atividades, fora das

demarcações do currículo formal, como festas, grupos de estudos, atividades comunitárias, se

posicionando e assumindo valores que não necessariamente coincidem com as normas do currículo

formal, como também, nesses espaços, considera-se que há um afrouxamento dos diversos

dispositivos de poder exercidos pela Universidade. As autoras explicam que as relações de poder

que se travam nesses espaços, entre os diferentes grupos ali presentes, têm repercussões

importantes em sua formação, concluindo que são contextos ricos em significados para

compreendermos as transformações contemporâneas e entendendo que as universidades são

espaços que refletem os "ideários" da sociedade, sendo estes "ideários" criados e transmitidos

principalmente pelos docentes e discentes.

Dentre essas atividades desenvolvidas pelos estudantes, encontra-se a participação no

movimento estudantil que, segundo Paula (2002), é e foi "um espaço de atuação que permite à

juventude universitária uma percepção de que os problemas brasileiros podem ser discutidos e

enfrentados, e não simplesmente sofridos ou ignorados". A referida autora argumenta que, apesar

dos valores hegemônicos da sociedade atual, como o individualismo e o consumismo - reforçados

muitas vezes pelas instituições educacionais - a juventude militante "resiste" e "tenta resgatar

valores coletivos". Paula (2002) atribui aos movimentos juvenis organizados, mais especificamente

ao movimento estudantil, o papel de protagonista social de uma "ressignificação ética e construção

de valores para uma sociedade-cidadã".

Siqueira (2008) entende a questão da cidadania como estreitamente relacionada às formas

pelas quais atualmente estão se dando a construção das identidades e das diferenças. Segundo a

autora, a ideia de que uma teoria da cidadania não deve considerar todos os indivíduos como

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sujeitos dos mesmos direitos e obrigações, apenas com interesses diversos, é defendida por vários

pensadores contemporâneos, que desafiam a noção essencializante da cidadania, negam toda a

perspectiva de homogeneização e convidam-nos a analisar as formações e as experiências sociais a

partir da complexa configuração da realidade social. Para Torres (2001, apud Siqueira, 2010), além

dos interesses diversos, estão em questão as diferenças de classe, sexo, raça, etnicidade, preferência

sexual e muitas outras diferenças presentes nas percepções, preferências e experiências do ator

social.

Neste sentido, meu estudo procurou ir ao encontro das reflexões formuladas por Rocha &

Siqueira (2008) de que a educação para a cidadania diz respeito a todas as instituições de

socialização, de formação e de expressão da vida pública, cabendo à universidade desenvolver no

estudante os saberes e as práticas de uma cidadania ativa. Para que a cidadania do estudante se

desenvolva plenamente e tenha um significado real para sua futura prática profissional, é

necessário que se desenvolva antes de tudo uma consciência do desenvolvimento de sua identidade

profissional. Para as autoras, as amplas relações de poder da sociedade pós-moderna extravasam as

instituições, inclusive a Universidade, que é considerada um lugar privilegiado para a formação da

cidadania (p. 161).

2.2 A questão do “poder” para Foucault

Ao abordar a questão do "poder", Foucault explica que ele não emana do Estado, de leis,

ou de uma forma de dominação, nem representa uma força de que alguns indivíduos sejam

dotados. Segundo Foucault, estas são apenas suas "formas terminais". Para o filósofo, a questão do

poder deve ser compreendida, primeiramente, como a "multiplicidade de correlações de força

imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização" (FOUCAULT, 2005,

p.88).

Parti, portanto, do entendimento que as relações de poder não se encontram em posição de

superestrutura: elas atravessam as superestruturas, pois, para Foucault (2005), o poder é móvel,

está em toda parte, "provém de todos os lugares", e as grandes dominações são sustentadas por essa

multiplicidade de correlações de força, de embate. Sendo assim, para o autor, o poder não é

entendido verticalmente, de "cima para baixo", como seria uma percepção comumente observada.

No entendimento de Foucault (2005), o poder se exerce em meio a relações que, além de

móveis, são também desiguais. É a partir dessa compreensão das relações de força que o autor

analisa o mecanismo do poder, procurando as respostas para determinados questionamentos, não

nas leis, ou no que ele chama de "Grande Poder", e sim se perguntando "quais serão as relações de

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força mais locais, mais imediatas, que estão em jogo? Como se tornam possíveis essas espécies de

discursos e, inversamente, como esses discursos lhes servem de suporte?" (p. 92).

De acordo com Foucault (2008), para analisarmos o discurso, não devemos nos voltar para

além do discurso. Deve-se "ficar no nível do próprio discurso" (p. 54). O filósofo nos mostra que

os discursos como se apresentam na fala, ou em um texto, não são apenas palavras, signos que

detém um significado oculto por detrás deles, e esclarece que, ao analisarmos os discursos,

destacam-se "um conjunto de regras próprias da prática discursiva". E tais regras definem práticas

que, segundo o autor, formam os objetos a que se referem. Portanto, ao invés de olharmos para o

discurso como um conjunto de signos, olhamos para o discurso como "práticas que formam

sistematicamente os objetos de que falam".

O autor explica que “os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar

esses signos para designar coisas. É esse mais que os tornam irredutíveis à língua e ao ato da fala.

É esse mais que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever” (FOUCAULT, 2008, p. 55).

Nesse sentido, o discurso não é entendido como apenas uma expressão de algo, uma simples

referência a alguma coisa: ele apresenta determinadas características que tornam possível definir

seu "espaço" e reconhecê-lo.

Grande parte do estudo do filósofo se deu a respeito da relação poder-saber, da interface

entre verdade e poder. Para o autor, Há efeitos de verdade que uma sociedade como a sociedade ocidental produz a cada instante. Produz-se verdade. Essas produções de verdade não podem ser dissociadas do poder e dos mecanismos de poder, ao mesmo tempo porque esses mecanismos de poder tornam possíveis, induzem essas produções de verdade, e porque essas produções de verdade têm, elas próprias, efeitos de poder que nos unem, nos atam. São essas relações verdade/poder, saber/poder que me preocupam (FOUCAULT, 2003, p. 233).

Foucault entende o saber como construção histórica. Segundo Veiga-Neto (2005), "as

relações de força constituem o poder, ao passo que as relações de forma constituem o saber, mas

aquele tem o primado sobre este" (p. 156). Veiga-Neto (2005) segue explicando que o poder não se

apoia em nada fora de si mesmo, enquanto que o saber se sustenta em elementos exteriores,

podendo, desse modo, ser apreensível, ensinável.

Poder e saber se entrecruzam no sujeito e o que opera esse cruzamento é o discurso, pois "é

justamente no discurso que vêm a se articular poder e saber" (Foucault, 2005, p. 95). Segundo

Foucault (2003), o analista de discurso não deve procurar "por trás do discurso, alguma coisa que

seria o poder e sua fonte” (p. 253). O filósofo afirma: Eu parto do discurso como ele é! [...] O tipo de análise que pratico não trata do problema do sujeito falante, mas examina as diferentes maneiras pelas quais o discurso desempenha um papel no interior de um sistema estratégico em que o poder está implicado, e para qual o poder funciona. Portanto, o poder não é fonte nem origem do discurso, já que o próprio discurso é um elemento em um dispositivo estratégico de relações de poder (p. 253).

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Nessa linha de pensamento, o que interessa a Foucault é "o fato de que alguém disse

alguma coisa em um dado momento" (2003, p. 255). O filósofo não busca investigar o sentido,

mas sim a função que se pode atribuir, uma vez que aquela determinada fala foi pronunciada

daquele modo, naquele determinado momento.

Considerando que "o discurso é uma série de elementos que operam no interior do

mecanismo geral do poder" (FOUCAULT, 2003, p. 254), é preciso considerar que, através do

discurso, o poder é "vinculado" e "orientado." O autor vai, portanto, buscar nos discursos como

uma determinada questão é produzida, reforçada, contrariada, etc. Seguindo essa linha de

raciocínio, não devemos nos preocupar em perguntar p. ex. aos discursos dos estudantes de

medicina militantes sobre as políticas públicas de saúde e universitária, "de que teoria implícita

deriva, ou que divisões morais introduzem, ou que ideologia - dominante ou dominada

representam" e sim devemos interrogar a esse discurso: "que efeitos recíprocos de poder e saber

proporcionam?" (FOUCAULT, 2005, p. 97). Em vista dessas colocações de Foucault, questiono:

qual o contexto e quais relações de força se manifestam em determinados episódios?

Focando nossos olhares ainda mais atentamente na questão do poder e do saber em relação

à Medicina, recorrerei brevemente à história da medicina social, trazida por Foucault (1979), onde

o autor descreve como se deu o "nascimento da medicina social", apontando um caminho diverso

do que foi traçado por alguns autores. O filósofo inicia a explanação afirmando que a medicina

social iniciou-se como uma "medicina de Estado", passando por uma "medicina urbana" para

depois se transformar em uma "medicina da força de trabalho".

Ao descrever a "medicina de Estado", o autor busca na Alemanha do século XVIII a

explicação de que o Estado passa a controlar o ensino médico, sendo o médico "o primeiro

indivíduo normalizado na Alemanha", antes mesmo da população. A prática médica passa a ser

subordinada por um poder administrativo superior, e o médico passa a ser um administrador de

saúde, responsável por regiões muito ou pouco populosas. Com a organização de um saber médico, a normalização da profissão médica, a subordinação dos médicos a uma administração central e, finalmente, a integração de vários médicos em uma organização médica estatal, tem-se uma série de fenômenos inteiramente novos que caracterizam o que pode ser chamada de medicina de estado (FOUCAULT, 1979, p. 50).

No caminho da medicina social, posteriormente desenvolve-se o que Foucault denomina de

"medicina urbana", a partir da urbanização na França do século XVIII. Para dominar o pânico

urbano que tomava conta da sociedade devido ao seu crescimento populacional e estrutural, a

classe burguesa lança mão do modelo médico e político da "quarentena", existente na Europa

desde a Idade Média. Ao contrário do modelo médico suscitado pela lepra, onde medicalizar era

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excluir, no caso da quarentena o poder político consistia em "distribuir os indivíduos uns ao lado

dos outros, isolá-los, individualizá-los, vigiá-los um a um, constatar o estado de saúde de cada um,

ver se está vivo ou morto e ficar, assim, a sociedade em um espaço esquadrinhado, dividido,

inspecionado" (FOUCAULT, 1979, p. 53).

Ao invés da exclusão, do exílio, da purificação da cidade sem os doentes, a organização

político-médica passa a utilizar "a análise da cidade, individualizante, o registro permanente; não

mais um modelo religioso, mas militar", de controle do que ocorre na sociedade (p. 53). O autor

entende a higiene pública como uma variação sofisticada da quarentena, acrescentando que "é daí

que provém a medicina urbana da França do século XVIII" (p. 53).

Os principais objetivos da medicina urbana eram analisar as regiões de perigo no espaço

urbano e controlar a circulação, não das pessoas, mas do ar e da água. Foucault (1979) explica que

por conta da análise do ar, das condições de vida da população, etc., houve uma aproximação da

Medicina com a Química e, consequentemente, a inserção da prática médica em um "corpus de

ciência físico-química" (p. 55).

Afirma o autor que a passagem de uma medicina urbana para uma medicina científica se

deu através da "socialização da medicina devido ao estabelecimento de uma medicina coletiva,

social, urbana" (p. 55). Foucault entende que essa é a grande importância da medicina urbana: ter

provocado a inserção da medicina em um discurso e um saber científico.

Segundo o autor, a medicina passou da análise do meio ambiente para os efeitos desse

meio sobre o organismo, e só depois à análise do próprio organismo. Foucault entende que esse

modo de organização da medicina foi importante para a constituição da medicina científica (p. 56).

O filósofo continua explicando que a "medicina dos pobres" foi o último alvo da medicina

social, depois desta passar pelo Estado e pela cidade. Somente no século XIX que o pobre foi visto

como alvo de perigo, segundo o autor. Começa a organizar-se então um serviço autoritário, não de

cuidados médicos e sim de controle médico da população, como p. ex. a obrigação da população se

vacinar; a obrigação do indivíduo de declarar se possuía alguma doença perigosa; a intervenção

nos locais insalubres. Essas medidas, segundo Foucault (1979), "tinham por objetivo o controle das

classes mais pobres" (p. 57).

O autor explica ainda que a medicina social inglesa conseguiu unir os três tipos de

medicina descritos anteriormente: "uma medicina assistencial destinada aos mais pobres; uma

medicina administrativa encarregada de problemas gerais, como a vacinação, as epidemias, etc.; e

uma medicina privada que beneficiava quem tinha meios para pagá-la" (p. 57). Foucault acrescenta

ainda que esses modelos são utilizados, mesmo que de maneiras diferentes, nos sistemas médicos

dos países mais desenvolvidos da atualidade.

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Como se pode perceber no breve histórico da medicina social descrito, a medicina, o poder,

o saber e o controle sempre estiveram em relação estreita. Pretendi, portanto, no decorrer do

trabalho, me deter ainda mais na noção de poder de Foucault tendo em vista que é pressuposto do

presente trabalho que esse poder percebido na construção da Medicina como um saber científico e

legitimado se reflete nas práticas dos estudantes de medicina militantes do CACC da UFRJ e

influencia na construção da identidade e cidadania desses futuros profissionais.

2.3 Utilizando noções de semiótica

Segundo Joly (1996), a imagem é um termo polissêmico, muito antigo, que “vem de longe

no tempo” e, portanto, “não surgiu aqui, agora, com a televisão e a publicidade” (p. 17). Na

realidade, considerando-se os vários aspectos da imagem, muitas teorias podem abordá-la: teoria

da imagem em matemática, em informática, em estética, em psicologia, em sociologia, em retórica,

etc., mas é preciso apelar para uma teoria mais geral, mais globalizante, que nos permita

ultrapassar as categorias funcionais da imagem. Essa é a teoria semiótica, que apresenta uma

abordagem analítica, permitindo compreender a imagem sob o ângulo da significação e não, por

exemplo, da emoção ou do prazer estético, ou seja, que considera seu modo de produção de

sentido, a maneira como provoca significações, isto é, interpretações (p. 28).

Em relação à complementaridade entre imagem e linguagem, Joly (1996) entende que “a

linguagem não apenas participa da construção da mensagem visual, como a substitui e até a

completa em uma circularidade ao mesmo tempo reflexiva e criadora” (p. 11).

Para Barthes (1964, apud Penn, 2002), a semiologia contribui mais quando entendida como

uma parte da linguística. Embora as imagens, objetos e comportamentos possam significar e, de

fato, significam, eles nunca fazem isso autonomamente: “todo sistema semiológico possui sua

mistura linguística”. Penn exemplifica que o sentido de uma imagem visual é ancorado pelo texto

que a acompanha e pelo status dos objetos, tais como alimento ou vestido, visto que sistemas de

signos necessitam “a mediação da língua, que extrai seus significantes (na forma de nomenclatura)

e nomeia seus significados (na forma de usos, ou razões)” (p. 321).

Segundo Penn (2002), a imagem é sempre polissêmica. É por isso que geralmente as

imagens estão acompanhadas de algum tipo de texto, pois o texto tira a ambiguidade da imagem –

uma relação que, segundo a autora, Barthes denomina de “ancoragem”, em contraste com a relação

mais recíproca de “revezamento”, onde ambos, imagens e texto, contribuem para o sentido

completo (p. 322). Penn (2002) coloca ainda que, tanto na linguagem escrita como na falada, os

signos aparecem em sequência, mas nas imagens os signos estão presentes simultaneamente.

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A fim de complementar o estudo das semióticas presentes nas eleições para coordenação

do CACC, recorri a algumas noções da análise crítica de discurso de Fairclough (2001), em que o

autor entende que "os discursos não apenas refletem ou representam identidades e relações sociais,

eles as constroem, ou as 'constituem'; diferentes discursos constituem entidades-chave [...] de

diferentes modos e posicionam as pessoas de diversas maneiras como sujeitos sociais". São esses

"efeitos sociais" provocados pelo discurso que são estudados na análise proposta por Fairclough.

Procurei compreender os "eixos plásticos" nas imagens, que Joly (1996) apresenta como

sendo: formas, cores, composição e textura (quando tais elementos estiverem presentes). Após essa

análise inicial, procurei utilizar o princípio da permutação que a autora traz, como sendo:

Um princípio que permite descobrir uma unidade, um elemento relativamente autônomo, substituindo-o por outro [...] o que ajuda a distinguir os diversos elementos uns dos outros, permitindo a interpretação das cores, das formas, dos motivos, pelo que são [...] e sobretudo pelo que não são (p. 52).

Para Joly (1996), a abordagem semiótica considera “seu modo de produção de sentido”, ou

seja, a maneira como provoca significações, isto é, interpretações. De fato, um signo só é “signo”

se “exprimir ideias” e se provocar na mente daquele ou daqueles que o percebem uma atitude

interpretativa (p. 29).

Tais referenciais teóricos me permitiram encontrar elementos que inicialmente estavam

naturalizados nas imagens, analisando seu significado e o porquê de estarem sendo representados

daquela determinada forma.

2.4 Procedimentos metodológicos

A fim de atingir os objetivos propostos nesta pesquisa, realizei os seguintes procedimentos

metodológicos:

a) Levantamento fotográfico das imagens e textos (cartazes, banners, pôsteres, panfletos)

localizados nas áreas de convivência do CCS produzidos pelos estudantes de medicina militantes

do CACC no sentido de interagir com a comunidade discente do curso de medicina da UFRJ, além

de utilizar a internet para complementar a pesquisa (jornais, blog do CACC e site oficial do

CACC).

b) Observação Participante de atividades desenvolvidas no e pelo CACC, tais como:

descanso, lazer dos estudantes de medicina na hora do almoço; eleição para coordenação do CACC

- 2010; e atividades promovidas pelos militantes, como p. ex. a visita guiada ao HUCFF durante a

recepção de calouros no primeiro semestre de 2010.

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Segundo Ludke & André (1986), a observação direta permite que o observador chegue

mais perto da visão do sujeito pesquisado. Ao acompanhar "in loco" as experiências dos sujeitos,

podemos "tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade

que os cerca e às suas próprias ações" (p.26).

Lakatos & Marconi (1979) chamam a atenção para o fato de que “a observação é uma

técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza os sentidos na obtenção de

determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em

examinar fatos ou fenômenos que se desejam estudar” (p. 190-195).

Ludke & André (1986) também alertam para algumas decisões que o observador deve

tomar. A primeira delas é em que medida o pesquisador explicitará aos sujeitos o seu papel e os

objetivos do estudo. A segunda decisão refere-se à "duração do período de permanência do

observador em campo", que dependerá do tipo de problema que está sendo estudado e do objetivo

do estudo (p. 29). Alertam que uma permanência curta demais pode levar a conclusões apressadas,

embora uma permanência no local longa demais não garanta resultados aprimorados. Levando em

conta que, neste estudo, a observação é complementar às entrevistas, o grupo não foi acompanhado

exaustivamente em todas as suas atividades diárias no CA.

O trabalho de observação foi iniciado em março de 2010, com visitas periódicas ao CACC,

a fim de observar a movimentação rotineira dos estudantes e me aproximar do objeto de estudo.

c) Entrevistas semi-estruturadas (roteiro disponível no Apêndice A) com lideranças

recentes e atuais do movimento estudantil eleitas para o CACC com a finalidade de levantar e/ou

aprofundar questões exploradas nos procedimentos anteriores.

Segundo Triviños (1987), a entrevista semi-estruturada: Em geral, é aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferece amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar da elaboração do conteúdo da pesquisa (p. 146).

Guy Michelat (1987) utiliza o termo entrevistas “não diretivas” para formular certas

considerações sobre a utilização de entrevistas semi-estruturadas como método de análise dos

fenômenos sociais. De acordo com o autor, na entrevista não diretiva procura-se fazer com que o

entrevistado assuma o papel de exploração habitualmente detido pelo entrevistador, de forma que

este último então desempenhe mais um papel de facilitador e de apoio. Conclui Michelat (1987)

que “parte-se assim da ideia de que a pessoa interrogada é a mais apta a explorar o campo do

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problema que lhe é colocado, em função do que ela pensa e sente. Isto deve corresponder a uma

aceitação real, pelo entrevistador, da pessoa interrogada tal como ela é” (p. 191).

O autor salienta que, como numa pesquisa qualitativa somente um pequeno número de

pessoas é interrogado, é importante escolher indivíduos os mais diversos possíveis, pois é o

indivíduo em si “que é considerado como representativo pelo fato de ser ele quem detém uma

imagem, particular é verdade, da cultura (ou das culturas) a qual pertence”. Tenta-se deste modo

“apreender o sistema, presente de um modo ou de outro em todos os indivíduos da amostra,

utilizando-se as particularidades das experiências sociais dos indivíduos enquanto reveladores da

cultura tal como ela é” (p. 199).

Os indivíduos selecionados para as entrevistas realizadas foram lideranças atuais e recentes

do CACC. A escolha desses estudantes se deu a partir da observação feita durante a campanha

eleitoral dos grupos concorrentes à liderança do CACC, em 2010. A observação proporcionou-me

uma noção panorâmica, uma primeira aproximação com o campo de estudo, enquanto nas

entrevistas, individualmente, pude explorar as questões mais específicas da pesquisa. É importante

destacar tal informação, pois entendo que o fato de conhecer anteriormente os grupos e depois os

indivíduos tem influência nos resultados. Ressalto aqui a importância de ter entrevistado

integrantes de diferentes grupos do CACC, atuais e recentes, para traçar um breve panorama das

últimas gestões que formaram o movimento estudantil médico na UFRJ.

No caso do grupo Todos pela Medicina, apesar de os estudantes terem me recepcionado

bem no dia do debate, em contatos posteriores se mostraram sem disponibilidade para participar da

pesquisa. Como uma pesquisadora do grupo Gênese, do LLM/NUTES, tinha contato com um dos

estudantes que havia tido uma atuação expressiva nos anos anteriores como liderança no CACC

nesse grupo, o Roberto, resolvi abordá-lo para a entrevista, tendo sucesso. A entrevista seguinte à

de Roberto, com o estudante Bruno, responsável pela criação da chapa Todos pela Medicina, foi

realizada a partir da indicação de Roberto.

Já em relação ao grupo Cuidar é Preciso, entrevistei três militantes do grupo que conheci

no dia do debate. Uma das militantes indicou o colega Geraldo, que havia participado de uma

gestão ainda mais antiga que as duas citadas.

Foram, portanto, realizadas seis entrevistas, com militantes do CACC, todas gravadas e

transcritas. Duas delas foram feitas com integrantes do sexo masculino da gestão passada (Todos

pela Medicina), três com as lideranças da atual gestão (Cuidar é Preciso), do sexo feminino, e uma

com um integrante de uma gestão mais antiga que as duas citadas, do sexo masculino. Como

limitação do estudo, destaco o insucesso em entrevistar mais dois estudantes de medicina que

haviam recentemente desempenhado papéis de destaque no contexto do movimento estudantil

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médico da UFRJ. Os estudantes em questão não demonstraram interesse em participar da presente

pesquisa.

As entrevistas foram realizadas em salas de aula e de reunião do Centro de Ciências da

Saúde da UFRJ, na Ilha do Fundão, RJ, nos intervalos das aulas desses estudantes, entre setembro

de 2010 e abril de 2011. Cabe aqui esclarecer que os grifos em negrito nas falas dos estudantes são

marcações desta pesquisadora e não correspondem necessariamente a uma ênfase na fala do

entrevistado. Os grifos foram utilizados quando um determinado trecho da fala do entrevistado é

relevante para a pesquisa.

É importante observar que se mostrou bastante difícil entrevistar os estudantes de medicina

em geral, pois estes sempre justificam estar envolvidos com estudo e trabalho e não terem tempo

de participar da pesquisa. Da mesma maneira, é interessante lembrar que, durante a entrevista,

todos participantes pareceram apreciar os temas abordados na pesquisa. Apresento a seguir o

Quadro sinóptico II, com o perfil dos entrevistados, e em seguida exponho algumas observações

feitas em diário de campo a partir dos encontros com os estudantes para realização das

entrevistas34.

34 Todos os nomes aqui mencionados são fictícios, visando preservar o anonimato dos informantes.

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QUADRO II PERFIL DOS ENTREVISTADOS MILITANTES DO CENTRO ACADÊMICO CARLOS CHAGAS, 2010

35 Seguem os anos de atuação das gestões no CACC, que neste estudo nos interessam: Gestão "Nada será como antes" (2005/2006); Gestão "Todos pela medicina" (2007/2008/2009); Gestão "Cuidar é Preciso" (2010); Gestão "Lutar é Preciso" (2011). 36 Facção vinculada a um partido político que atua no movimento estudantil, local ou nacional, também denominada corrente estudantil (PAULA, 2004). 37 Sem filiação a partidos políticos. 38 A chamada "frente de esquerda" é composta pelos seguintes partidos: Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e Partido Comunista Brasileiro (PCB). É caracterizada pela oposição ao PT e demais frentes de oposição, como o Partido da Social Democracia Brasileira (PSBD). Disponível em: <http://www.pstu.org.br/cont/%7B71CE4829-6476-46CD-8257-B0F1B8227334%7D_2006jul_manifestofrente.pdf> Acesso em: 26 de dez. 2011.

ENTREVISTADO / GESTÃO35

FORMA DE PARTICIPAÇÃO E ANOS DE ATUAÇÃO NO CACC

TENDÊNCIA36 / TRAJETÓRIA POLÍTICA

RESIDÊNCIA / TIPO DE COLÉGIO EM QUE ESTUDOU

Roberto "Todos pela Medicina"

Liderança - 2007 e 2008 Integrante - 2009

Independente37. Simpatiza com o Partido dos Trabalhadores (PT); Nunca militou antes de entrar para a Faculdade de Medicina.

Zona Norte. Colégio privado, com bolsa.

Iolanda "Cuidar é Preciso" e "Lutar é Preciso"

Liderança - 2010 e 2011

Independente. Identificou-se como membro da "frente de esquerda" 38. Embora não especifique mais sua orientação política, pode-se concluir através da entrevista que Iolanda simpatiza com o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL); Ex-integrante do DCE Mário Prata da UFRJ; Nunca militou antes de entrar para a Faculdade de Medicina.

Zona Norte. Colégio privado.

Bruno "Todos pela Medicina"

Responsável pela criação do grupo em 2006. Após o início da gestão, em 2007, trancou a Faculdade para militar dois anos na UNE.

Filiado a um partido recém-criado por militantes do MR-8, o Partido Pátria Livre; Exerceu o cargo de secretário-geral na União Nacional dos Estudantes (UNE); Ex-liderança do DCE Mário Prata da UFRJ; Assim como os pais, é militante desde jovem no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). No futuro, deseja atuar somente politicamente, como sempre fez, não pretendendo disputar cargo parlamentar.

Zona Sul. Colégio público (Pedro II).

Helena "Cuidar é Preciso" e "Lutar é Preciso"

Liderança - 2010 e 2011

Independente; Militante desde o ensino médio; Atua na DENEM, na área de Coordenação de Políticas de Saúde.

Zona Norte. Fundamental em colégio privado e ensino médio no público (IFRJ).

Geraldo "Nada será como antes" e "Lutar é Preciso"

Integrante - 2006 Integrante - 2011

Filiado ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU); Militante desde o segundo ano do ensino médio; Integrante do DCE Mário Prata da UFRJ.

Centro. Colégio público.

Yasmin "Cuidar é Preciso" e "Lutar é Preciso"

Liderança - 2010 e 2011

Independente, não descarta a filiação a um partido político no futuro; Militante desde o ensino médio; Já integrou a DENEM.

Zona Norte. Colégio privado.

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Como se pode perceber no Quadro II, dos seis alunos entrevistados, quatro estudaram em

escola particular. Embora não esteja explícito no quadro, dois deles se destacaram por residirem

em bairros predominantemente de classe média baixa. Os sujeitos da pesquisa tinham, na ocasião

da entrevista, entre 23 e 25 anos e estavam cursando do 7º ao 12º período do curso de Medicina.

Todos são brancos.

Roberto mostrou-se uma pessoa muito comunicativa e falante. Estava animado em falar

sobre o centro acadêmico, afirmando que é um assunto que aprecia muito. O entrevistado falou

bastante, quase sem precisar que eu fizesse as perguntas, e eu o deixei livre para falar, mais do que

nas outras entrevistas, pois, como essa era a primeira entrevista, eu desejava compreender o

"mundo do centro acadêmico", entendendo que essas informações poderiam acrescentar tanto em

conhecimento sobre o objeto de estudo, como em novas questões a serem abordadas nas próximas

entrevistas. O estudante trouxe uma pasta (sem que eu pedisse nenhum material adicional além da

entrevista) com fotos (dele com a antiga gestão, e com o Professor Emérito Clementino Fraga

Filho), papeis de propaganda de festas da época em que coordenou o CA, edições antigas dos

jornais "A Bula", mostrando as fotos das pessoas que participaram da gestão com ele, fotos de

professores, etc. Foi muito simpático e solícito. Mostrou-se bem agitado, gesticulava muito e

algumas vezes falou palavras de baixo calão. A entrevista transcorreu como uma conversa

informal.

A segunda entrevista, com Iolanda, foi difícil de ser marcada - desde o início do projeto

tentava agendar inúmeras vezes com a entrevistada, nunca tendo sucesso. Sempre estava ocupada,

nunca tinha horário para a entrevista. Iniciou na gestão do CACC no ano de 2010, tendo, portanto,

vários compromissos relacionados ao CA. Ressalto a importância da entrevista, devido ao

posicionamento de coordenadora geral da atual gestão do CACC que a entrevistada ocupava no

momento do estudo. Iolanda pareceu-me uma pessoa reservada, tranquila, fatores que tornaram

esta bem diferente da outra entrevista realizada com Roberto. Manteve o mesmo tom de voz

durante a entrevista inteira.

A terceira entrevista foi realizada com Bruno, por indicação de Roberto. Sua entrevista

trata mais do movimento estudantil como um todo, de sua importância na sociedade. A entrevista

foi muito rica para uma melhor compreensão de como se articula o movimento estudantil no país,

principalmente no âmbito da UNE. Em seguida, entrevistei Helena, indicada por Iolanda, que

também é da atual gestão.

A entrevista com Geraldo, por sua vez, se deu a partir da indicação da Helena e da Iolanda,

devido ao estudante ter pertencido a um grupo que teve grande destaque no CACC da UFRJ em

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2006. Já Yasmin foi a última entrevistada e foi importante para que eu pudesse aprofundar algumas

questões que foram recorrentes nas falas dos outros entrevistados.

O termo de consentimento livre e esclarecido (ver Apêndice B) foi utilizado junto a todos

os entrevistados para que não houvesse nenhum constrangimento ou impossibilidade de as

entrevistas serem usadas neste projeto de pesquisa. Segundo Ludke & André (1986), deve-se evitar

a "manipulação dos sujeitos que podem vir a saber que estão sendo usados sem autorização, vindo

a desenvolver uma atitude de resistência a qualquer tipo de pesquisa." (p. 50). Tal questão é

relevante não somente por suas implicações éticas, mas também pelo seu efeito na validade do

estudo.

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3 ELEIÇÕES PARA O CACC, 2010: ANÁLISE DO PROCESSO ELEITORAL E DA MILITÂNCIA ESTUDANTIL

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Apresento, neste capítulo, a análise da campanha eleitoral para a coordenação do CACC,

em 2010, através da análise dos materiais de campanha que foram afixados por todo o Centro de

Ciências da Saúde da UFRJ; de entrevistas com militantes, destacando seus posicionamentos

políticos; além da Observação Participante de um debate entre concorrentes das duas chapas

candidatas ocorrido durante o processo eleitoral. Desse modo, busquei traçar a identidade política

desses estudantes para melhor compreender os significados construídos pelos mesmos a respeito

das políticas públicas de ensino superior e formação médica.

3.1 O Centro Acadêmico Carlos Chagas e sua campanha eleitoral de 2010

O Centro Acadêmico Carlos Chagas da Faculdade de Medicina da UFRJ, assim nomeado

em homenagem ao sanitarista Carlos Justiniano Ribeiro Chagas, é utilizado frequentemente pelos

estudantes de Medicina principalmente nos momentos de intervalo das aulas - em especial na hora

do almoço, às 12h, momento em que geralmente está abarrotado de alunos, engajados em diversas

atividades. Os estudantes se reúnem para almoçar; usufruir da estrutura física do espaço, que possui

em seu interior microondas, mesas e cadeiras, sofás, lojinha que vende doces e bebidas (muitas

vezes mais baratos do que nos restaurantes do CCS), calendários com as atividades do CA, etc.;

debater os temas relacionados com a agenda do movimento estudantil; planejar eventos esportivos

e científicos; ou simplesmente descansar e conversar com outros estudantes dos diferentes períodos

do curso médico.

O CACC possui três sedes: uma principal, localizada no CCS, descrita no parágrafo

anterior; uma sede no subsolo do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), que é

menos frequentada do que a sede do CCS, possuindo em seu espaço uma mesa de sinuca, uma

televisão pequena, três sofás e uma pequena cantina; e uma terceira sede, também no HUCFF,

localizada no oitavo andar do Hospital, geralmente procurada como local de estudo, mas que na

ocasião desta pesquisa encontrava-se fechada devido a furtos que ocorreram no local.

No caso da sede do CCS, da qual irei me ocupar aqui por ser a principal, os alunos contam

com uma funcionária custeada pelo CACC que possui uma função próxima de uma secretária do

Centro Acadêmico, disponibilizando inscrições para que os alunos participem de Ligas

Acadêmicas, de reuniões e de grupos específicos, como a Atlética, sendo também responsável pela

lojinha do CACC e pela manutenção do espaço. Nas paredes do interior do CACC são afixadas

informações diversificadas, como faixas de eventos esportivos, calendários com as atividades

relativas ao Centro Acadêmico e/ou ao curso de Medicina, propagandas de camisas para a Copa do

Mundo 2010 com os dizeres "Medicina UFRJ", dentre outras que possam interessar aos estudantes.

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Em meados de março de 2010, observei, através de diversos materiais de campanha do

CACC espalhados pelos corredores do CCS, que estava ocorrendo o processo eleitoral para

coordenação no Centro Acadêmico Carlos Chagas, sobre o qual me deterei a seguir. As chapas

concorrentes já foram aqui mencionadas. São elas: a chapa 1, denominada "Todos pela Medicina"

e a chapa 3, intitulada "Cuidar é preciso". Conforme informado por uma das integrantes da chapa

3, a chapa 2, organizada por Geraldo, desistiu de participar do processo eleitoral, aparentemente

por falta de integrantes suficientes. Lembro aqui que Geraldo integrou o grupo de oposição a

Todos pela Medicina, em 2006.

Na época da eleição de 2010, quando foi colhido o material descrito a seguir, a chapa 1

Todos pela Medicina era o grupo da situação. Embora constasse em seu folder de campanha que a

chapa era composta por 30 membros e 17 colaboradores, no debate ocorrido entre as duas chapas,

na véspera da eleição, a chapa 1 estava em número bem reduzido, e foi apontada pelos alunos

presentes como sendo chapa de um só estudante, que fica à frente de todas as decisões e é quem

realmente "trabalha" pela chapa. Estavam presentes no debate, representando essa chapa, dois

coordenadores do grupo, ambos do sexo masculino. Faço essa diferenciação para contrapor à

composição da chapa 3, que possuía maior número de estudantes do sexo feminino entre seus

membros, inclusive em sua coordenação.

Através de observações, registradas em fotografias, foi possível identificar algumas das

estratégias de marketing da campanha da chapa 1. Foram elas: panfletos colados nos murais do

CCS, paredes do CCS e do próprio CACC; adesivos com o nome, número da chapa e a palavra de

ordem "Vote!"; camisetas com a mesma arte dos adesivos; folders com a proposta da gestão;

panfletos afixados nos murais do Bloco B do CCS, lembrando os estudantes de votarem,

informando os dias de votação e o número da chapa Todos pela Medicina; e banners na entrada

principal do CCS, na passagem do CCS para o HUCFF e na entrada do hospital que é mais

utilizada pelos estudantes estagiários do HUCFF. Apesar de parecerem bastante expressivas, essas

iniciativas de campanha eleitoral da chapa 1 só se mostraram presentes na última semana que

antecedeu o evento da eleição. Até essa data, eram observadas apenas movimentações de

campanha da chapa concorrente de número 3, a Cuidar é Preciso.

Vamos deter primeiramente nosso olhar em um dos murais do Bloco B do CCS, onde se

encontrava o material de divulgação das eleições. Percebe-se uma sobreposição de cartazes, de

diversos tipos e tamanhos, divulgando os mais variados assuntos, como anúncio de venda de

carros, cursos de acupuntura e de massagem chinesa, aluguel de quarto, homeopatia, informações

sobre "como ter uma vida saudável", entre outras (Figura 1).

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Figura 1: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Mural do CCS com propaganda das chapas.

Entende-se, portanto, que as informações espalhadas nos corredores do CCS não dizem

respeito ao currículo formal, e, sim, a diversos outros interesses da comunidade acadêmica. Essas

semióticas sobrepondo-se umas as outras constantemente, localizadas em um local de passagem

como o CCS, possuem um caráter provisório, uma vez que a qualquer momento qualquer pessoa

pode substituir um cartaz por outro, e até mesmo devido ao fato de serem tantas as informações e

tão diferentes entre si, que acabam causando uma poluição visual, tornando-se difícil destacar

qualquer informação.

Ao observarmos o panfleto da chapa 1, que foi afixado nos murais do CCS (Figura 2) e do

CACC, notam-se algumas características: o papel é verde claro, no tamanho A4, com orientação

horizontal, fonte regular preta e texto escrito em caixa alta. O panfleto contém somente as

seguintes informações: a palavra "chapa", o número "1", e o nome da chapa: "TODOS PELA

MEDICINA". A palavra "chapa" quase não é percebida acima do número "1". O número 1, que é

o número escolhido pelos estudantes para a votação, está em destaque pelo tamanho bem superior

ao nome da chapa, ocupando um espaço maior que a metade da altura da folha. O nome da chapa

ocupa quase todo o espaço restante do panfleto. Observa-se que provavelmente o panfleto da chapa

1 foi colocado posteriormente ao da chapa 3, pois está sobrepondo-o levemente.

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A chapa 1 escolheu a cor verde, que tradicionalmente está relacionada à medicina, como

cor de campanha, embora os tons de verde variem de um material para outro. A fim de

compreender a questão identitária implicada nessa escolha, faço aqui uma analogia com o que Hall

(2004) chama de "culturas nacionais". O autor afirma que as "culturas nacionais" são compostas,

além de "instituições culturais", de "símbolos e representações", sendo estes: Um modo de construir sentidos, que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. [...] ao produzir sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos são contidos nas estórias contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas (p. 51).

Figura 2: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Cartazes das chapas concorrentes.

Entendo que aqui a Medicina representa o papel do que o autor chama de "nação", e os

militantes da chapa 1, ao se apropriarem da cor verde em sua campanha eleitoral, remetem à

memória da Medicina, à sua imagem tradicional, que foi construída ao longo de sua existência.

Analisando o nome da chapa 1, "Todos pela Medicina", é pertinente indagar algumas

questões, como: A quem se refere o termo "todos"? Por que o slogan "Todos pela Medicina"? Por

que a Medicina necessita que "todos" voltem seus olhares a ela? O nome da chapa lembra um

"lema" de uma luta, convocando os estudantes de medicina a participarem dessa "luta". Remete

inclusive a questões de poder, quando no panfleto de gestão coloca que a motivação para participar

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das eleições nasceu "da vontade de colocar a Medicina da UFRJ sempre no topo". Tal trecho revela

o desejo de manter o curso de Medicina da UFRJ como diferenciado diante dos demais cursos da

saúde e Universidades do país, dando-lhe um status de privilégio, pois estaria no "topo", ou seja,

em primeiro lugar.

Foucault (1979) afirma que o médico passou a ocupar espaços de poder principalmente a

partir do século XVIII, pois, devido a razões econômicas e ao desejo de evitar que as doenças se

espalhassem na sociedade em geral, o hospital passaria de "morredouro" a um local de cura, de

tratamento, onde, ao invés de ser gerido e controlado pelas instituições religiosas, seria o médico

quem iria administrá-lo em toda sua estrutura. Mais adiante, tal disciplinarização do hospital

interferiria também na formação médica, pois já não bastaria o conhecimento dos livros para o

médico exercer sua profissão e sim seria preciso a vivência no hospital, com as observações

contínuas e anotações sobre os doentes. Tais observações e anotações inclusive vieram a evidenciar

mais tarde quais métodos eram mais adequados no tratamento de determinadas doenças.

Além do poder dentro do hospital, o médico também passou a ser requerido na

disciplinarização de outros espaços da sociedade, pois o entendimento de "doença" da época era

que a doença não estava só no indivíduo como também em seu entorno (ar, água, alimentação,

etc.). Portanto, o médico passaria a atuar em diversas instâncias de poder, no que Foucault chama

de "polícia" médica, como veremos mais adiante.

Sendo assim, entendemos melhor porque as questões de poder encontram-se tão presentes

nos discursos dos estudantes de medicina, que desejam manter, reforçar esse poder histórico da

profissão com o nome "Todos pela Medicina". Ao afirmarem que querem "colocar a Medicina da

UFRJ sempre no topo", fica evidente uma competição entre a Medicina da UFRJ e a Medicina das

demais universidades, a respeito de "quem tem mais conhecimento", "quem tem a melhor

formação", "quem será o melhor médico", "quem terá maior prestígio na sociedade", etc. Percebe-

se claramente aqui que ocorre uma disputa entre saberes do curso médico da UFRJ e os cursos

médicos das outras universidades.

Na Figura 3, temos outro panfleto da chapa 1, afixado com adesivos, também da mesma

chapa, em um mural do CCS. Foram observados panfletos iguais a esse somente nos murais do

Bloco B do CCS, onde se percebe uma constante circulação dos estudantes de medicina.

Nota-se que este difere do panfleto analisado anteriormente, não seguindo a mesma

programação visual da chapa em questão. Impresso em papel A4, com orientação horizontal, na

cor branca, utilizando uma fonte mais arredondada e sem serifa39, o panfleto tem a pretensão de

39 Traço adicionado ao início ou ao fim dos traços principais de uma letra (BRINGHURST, 2005).

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informar os dias em que as eleições do CACC serão realizadas, lembrando o estudante de medicina

de votar e aproveitando para divulgar a chapa 1.

Figura 3: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Lembrete da data da eleição.

Fairclough (2001) nos elucida a respeito do “discurso híbrido”, onde há uma mescla de

"informação e publicidade". No caso da Figura 3, podemos destacar como sendo "informações" ao

leitor os dizeres "Eleições CACC; Quarta (17/03), Quinta (18/03) e Sexta (19/03); Não se esqueça

de votar!" e podemos destacar o que entendemos ser propaganda: "Chapa 1 - Todos pela

Medicina" juntamente com os adesivos que estão fixando o papel no mural, com os seguintes

dizeres: "Vote Chapa 1 Todos pela Medicina", que reforçam a mensagem do voto na chapa 1.

Segundo o autor, "textos do tipo informação e publicidade [...] são comuns em várias ordens de

discurso institucionais na sociedade contemporânea" (FAIRCLOUGH, 2001, p. 151). Ao mesclar

as informações sobre o dia da votação e confirmação da importância da participação do estudante

com o número da chapa e a palavra de ordem "vote" precedendo o nome da chapa em questão, a

chapa 1 está valendo-se do discurso publicitário para conquistar eleitores a seu favor.

Na Figura 4, encontram-se os panfletos da chapa 1 afixados na janela da xerox, que é

localizada próximo à entrada do Centro Acadêmico Carlos Chagas. Percebe-se que a repetição é

um recurso utilizado para reforçar a idéia da propaganda, e também pode ser pensada no intuito de

dar destaque a uma informação em meio à profusão imagética do CCS.

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Figura 4: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Propaganda da chapa 1 na janela da xerox próxima ao CACC.

Interessante também é pensarmos na relação entre a repetição dos panfletos e a palavra

xerox, que indica a existência de um serviço de cópias disponível naquele local. Este é um local

estratégico de propaganda eleitoral, pois se encontra ao lado da entrada do CACC. Chamo atenção

especial para a folha presa ao lado dos panfletos, colada com recortes do adesivo da chapa 3, onde

se lê: "Manifesto de apoio à Chapa 3", que quase desaparece em meio à repetição dos panfletos da

chapa 1.

Na Figura 5, encontramos o banner da chapa Todos pela Medicina, afixado na entrada

principal do CCS. O fato de estar localizado nesse espaço e de estar próximo ao letreiro "CENTRO

DE CIÊNCIAS DA SAÚDE" e à estátua de Alexander Fleming confere à propaganda um

destaque, haja vista que dialoga com elementos de tamanha importância. Ao mesmo tempo,

devemos lembrar que aquela entrada do CCS é um local onde frequentemente coexistem

propagandas de festas, chopadas, etc., promovidas por estudantes de todos os cursos da saúde.

Inclusive o material utilizado para produzir o banner, assim como sua programação visual, fonte

utilizada e disposição das informações, nos remete aos banners de festas que frequentemente estão

expostos nesse local.

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Figura 5: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Banner da chapa 1.

Joly (1996) traz a noção de “expectativa” para explicar que uma obra nunca se apresenta

como algo novo, que surge simplesmente sem passado. Aquela determinada produção está

relacionada a outras produções e idéias, a um contexto, o que para Jauss (apud JOLY, 1996)

significa que "por todo um jogo de anúncios, de sinais, de referências implícitas, de características

já familiares, seu público está disposto a um certo modo de recepção" (p. 62).

Também se percebe a discrepância entre os diferentes materiais de campanha utilizados

pela chapa 1, onde é difícil reconhecer que este banner faz parte de uma campanha maior e

conectar essa informação aos outros materiais já observados na campanha. Com o nome da chapa

em destaque de uma ponta a outra do banner, na cor verde, a palavra de ordem "Vote chapa 1" e os

dias da votação, o banner não traz a informação do que se trata, o porquê daquelas datas destacadas

embaixo da imponente frase: "TODOS PELA MEDICINA".

A Chapa 1 investiu em folders (expostos nas p. 92 e 93, em formato aberto), distribuídos

no dia do debate aos possíveis eleitores, onde expôs sua proposta de gestão.

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Processo eleitoral do CACC, 2010 - Folder de campanha da chapa 1 (parte externa).

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Processo eleitoral do CACC, 2010 - Folder de campanha da chapa 1 (parte interna).

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Logo abaixo do nome da chapa, na frente do folder, observa-se um texto que antecede

tópicos referentes às medidas que serão tomadas pela chapa em questão, caso vença a eleição.

Deter-nos-emos primeiramente nesse texto, por ser rico de significados para o estudo em questão, e

depois discorreremos sobre os itens da proposta.

No primeiro parágrafo o eleitor é lembrado que esta chapa já ultrapassou seu terceiro ano

de gestão na coordenação do CACC, revelando também uma preocupação em deixar claro para o

estudante que a chapa não é mais a mesma: "Após seu terceiro ano de gestão, a Chapa 1 - Todos

pela Medicina - se renova e cresce com qualidade, aprimorando o que conhece e buscando

compromisso ainda maior com o CACC e com os alunos da Faculdade de Medicina". Os termos

"se renova" e "cresce com qualidade", referentes à chapa, transparecem o desejo de mostrar que a

gestão está diferente, melhorada, com uma nova "cara", o que pode ser corroborado pelas falas dos

estudantes da chapa 1 no debate40 descrito ao final desta seção, ao destacarem a presença de

estudantes de períodos iniciais da Medicina na chapa 1.

Ainda no texto, logo depois é comentado que "a chapa se compõe por alunos

determinados, que já entram com uma função definida, favorecendo a execução de projetos, a

integração das Diretorias e a coalizão dos diferentes grupos de alunos da Faculdade de Medicina

(FM)". Mais adiante perceberemos a importância dessa questão da composição das chapas e

funções pré-definidas de seus membros.

Em seguida, é abordada uma questão polêmica: o Ato Médico, onde a chapa propõe um

debate com os estudantes a respeito do projeto de lei: "Primeiramente devemos informar que nosso

caráter político ao longo de 2010 será guiado por uma real e ampla discussão sobre o ATO

MÉDICO internamente na Medicina e, posteriormente, com outros cursos, desfazendo mitos".

Quando se avalia a fala do coordenador da chapa 1 no debate ocorrido na véspera da

eleição, ao expor as prioridades de projetos: "O projeto de lei não é absurdo"; "Uma pessoa que é

contra a regulamentação de sua própria profissão é um tanto estranho..." e se reflete sobre o trecho

grifado no parágrafo anterior, percebe-se em sua fala um tom de ironia com a chapa concorrente e

um alinhamento favorável ao projeto de lei, apesar de afirmarem que não possuem uma posição

formada sobre o Ato Médico.

O texto inicial do folder finaliza apresentando os projetos pretendidos para a gestão,

argumentando experiência e trabalho no ano anterior, como gestão: "Abaixo segue a lista dos

projetos planejados pela chapa 1 - Todos pela Medicina - que, embora ambiciosos, são palpáveis

40 Debate ocorrido em 16 de março de 2010, na sala 16 do Bloco B (CCS /UFRJ).

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através da experiência por nós obtida e pelo ano de trabalho de 2009, quando foram encaminhados

diversos projetos."

Os projetos são divididos por assuntos: Representação estudantil (com 7 itens); Finanças

(com 4 itens); Extensão (com 5 itens); Infraestrutura (com 4 itens); Projetos sociais (com 2 itens);

Comunicação (com 3 itens); Ensino (com 5 itens); e, por fim, Cultura e eventos (com 10 itens).

O folder apresenta propostas como: expandir o número de computadores e ares-

condicionados nas sedes do CACC; realizar festas de dia das crianças e Natal no IPPMG e na Vila

Residencial da UFRJ, além das festas e shows para os estudantes de medicina; construção de um

novo site; produção de jornal bimestral e de um livro com a "história do CACC e da Medicina no

Brasil"; realizar uma ampla reforma estrutural da sede do subsolo do HUCFF; e muitas outras

ainda.

No item "Representação estudantil", são apresentadas as ideias relacionadas ao Ato

Médico, onde os estudantes afirmam que promoverão debates sobre o projeto de lei e sobre o piso

salarial nacional do médico, dentre outras questões.

Na parte "Extensão", a chapa comenta sobre expandir o comitê de intercâmbio; "ajudar na

busca de bolsas de extensão para os diversos projetos dos alunos de medicina"; "ampliar o número

de alunos atuando no Ambulatório de Promoção à Saúde" e enviar equipes de alunos para

participarem do Projeto Rondon.

Em "Ensino", são propostas a elaboração de um novo currículo, que "preconiza dois anos

de internato"; a criação de uma "diretoria de internato"; "estimular a criação de uma Unidade de

Saúde da Família na Vila Residencial da UFRJ"; apoio às Ligas Acadêmicas na elaboração de um

"Congresso de Ligas, com posterior publicação de uma revista científica dos acadêmicos de

Medicina da UFRJ, em parceria com a CAPES."

No item "Cultura e eventos", são prometidas diversas atividades: celebração do centenário

de Noel Rosa; ‘Calourada Pró-Haiti’ juntamente com inúmeros outros cursos da UFRJ, com a

Atlética e com a Comissão de trote; retomada do bloco da UFRJ – ‘Minerva Assanhada’ - com a

Bateria da Medicina; continuar realizando as festas juninas da UFRJ e do CACC; ‘Maratoma’;

buscar financiamento para a II Semana Cultural dos Estudantes de Medicina da UFRJ; shows com

bandas dos alunos; ‘Forró com cachaça’; realização de palestras preferencialmente com

profissionais de sucesso na mídia como Paulo Niemeyer, Pitanguy, Dráuzio Varella, além de

dirigentes da UFRJ (HUCFF, FM, Reitoria), Suzana Herculano, etc.; e, por fim, realização de

shows com artistas de destaque: Diogo Nogueira, Noca da Portela, Ritmistas do Monobloco, Beth

Carvalho, etc.

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Como percebemos, as propostas da chapa 1 se mostram "ambiciosas", como definem os

próprios membros da chapa, sendo algumas bastante trabalhosas e, por que não dizer, difíceis de

serem cumpridas, como p. ex., expandir o número de computadores, fazer festas de Natal, de Dia

das Crianças, além das inúmeras festas propostas no item "Cultura e eventos", extremamente

onerosas para um grupo pequeno como o CACC. Aqui cabe a pergunta: como dar conta de todas

essas promessas feitas aos eleitores?

Os itens que comentam a criação de uma revista científica dos acadêmicos de Medicina em

parceria com a Capes, palestras dos dirigentes da UFRJ (exemplificando como dirigentes, os do

Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, o Reitor e o diretor da Faculdade de Medicina,

além de profissionais da Medicina) e a produção de um livro que contará a história do CACC, bem

como da Medicina no Brasil, mostram que o foco da chapa 1 é voltado para a Medicina da

UFRJ, propondo atividades, projetos, festas, sempre relacionados somente à Medicina.

Novamente aqui percebemos um sentimento de orgulho e de pertencimento a um grupo seleto que

é a Medicina da UFRJ.

Além dessa questão, tais projetos não são simples de serem realizados devido a custos de

toda ordem e a necessidade de que haja um engajamento de um contingente de estudantes muito

maior do que os envolvidos com um centro acadêmico poderiam ter. No caso da produção do livro,

seria necessário um grande conhecimento na área da Saúde, pois, além de levantar dados sobre a

história do CACC para redigi-la, a chapa também se propõe a trazer a história da Medicina no

Brasil, o que é uma árdua tarefa, mesmo para um pesquisador experimentado.

Vamos nos deter brevemente em "Cultura e eventos", por entender que a chapa parece se

preocupar bastante com esse assunto, devido ao número de itens desdobrados nele. Percebe-se a

menção de bebidas alcoólicas e alguns significados sexuais em algumas festas, como "bloco da

Minerva Assanhada" e "Maratoma". Trocando-se a letra "m" pela "n" do termo "Maratoma",

percebemos que o nome escolhido refere-se à "Maratona", porém com significado diferente,

referindo-se ao ato de tomar bebidas alcoólicas, como uma competição.

No geral, o folder traz poucos itens que propõem mudanças relevantes e significativas para

a formação do alunado. Em sua maioria, são questões relacionadas ao bem-estar do estudante no

CACC, à própria estrutura do CACC na Faculdade de Medicina, às festas e eventos. Até são

propostos alguns projetos relevantes, mas deixam dúvida se realmente são possíveis de serem

concretizados e até que ponto a chapa 1 está realmente interessada e capacitada para trabalhar pela

conquista de seus objetivos.

Para finalizar, no verso do folder, encontram-se duas listas: "composição da chapa" e

"colaboradores da chapa". Na primeira, os membros da chapa estão organizados conforme os

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períodos em que se encontram na Faculdade de Medicina, com um total de 30 estudantes. Dentre

esses, 13 são da mesma turma do coordenador principal da chapa 1. Na segunda lista, estão

descritos os nomes de 17 estudantes, entre eles, antigos membros da gestão, que agora se

apresentam apenas como "colaboradores". No total, dentre 47 estudantes mencionados, cerca de 35

são homens. Utilizo o termo "cerca", pois alguns nomes são apelidos e não fica claro se são de

homem ou de mulher.

Em relação à chapa 3, Cuidar é Preciso, foram identificados os seguintes materiais de

campanha: panfletos colados nos murais dos corredores do CCS e no próprio espaço do Centro

Acadêmico Carlos Chagas, banners espalhados pelo CCS e HUCFF, camisas que os simpatizantes

da chapa usavam, adesivos - alguns colados inclusive no banheiro feminino de um dos corredores

do CCS bastante frequentado pelos estudantes de medicina - e folders distribuídos no dia do debate

entre as chapas com a sua proposta de gestão. A chapa também utilizou como ferramenta de

marketing um blog na internet, porém tal recurso não foi analisado neste estudo.

No panfleto de divulgação (Figura 6), afixado em um mural do CCS, percebe-se no nome

da chapa algumas características marcantes como p. ex. o verbo "cuidar", que poderia ser mais

facilmente associado com o curso de Enfermagem do que com o curso de Medicina. O termo

“cuidar” pressupõe uma série de valores que não condizem com uma visão técnica e curativa da

Medicina, e sim com uma visão mais humana, até mesmo, de acordo com a tradição, mais

feminina.

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Figura 6: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Panfleto da chapa Cuidar é Preciso.

Sobre o termo “preciso”, ao mesmo tempo em que indica necessidade, também podemos

relacioná-lo com precisão. O número 3 ganha certo destaque no cartaz e maior destaque ainda ao

decorrer da campanha, como observaremos adiante. Suponho que a chapa não tenha escolhido

inicialmente o número 3, pois, se configurando como terceiro grupo a concorrer pela coordenação

do CACC, provavelmente foi natural que seu número fosse o 3. Porém, arrisco afirmar que esse

número, na fonte escolhida pelo grupo para a campanha, lembra a forma dos seios femininos -

embora não possa afirmar ao certo se tal escolha foi intencional.

A respeito da apropriação que a chapa 3 faz de seu número ao longo da campanha, Joly

(1996) nos lembra que "uma imagem é antes de mais nada algo que se assemelha a outra coisa". A

autora explica que a função da imagem é "querer dizer outra coisa que não ela própria, utilizando o

processo de semelhança." Se essa imagem for percebida como sendo representação, então ela

também será um signo (p. 39). O entendimento do número 3 como um signo da chapa 3 ficará

evidente mais adiante neste trabalho.

É pertinente lembrar que esta chapa tem em sua composição 12 estudantes, sendo quatro

deles do sexo masculino e oito do sexo feminino, segundo seu folder de campanha. As duas

coordenadoras da chapa são estudantes mulheres.

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Analisando os elementos visuais da Figura 6, percebemos que as cores predominantes são

amarelo e preto. A fonte utilizada na logomarca possui espessura, forma e tamanho das letras

irregulares e está em caixa alta. Já a fonte utilizada para informações é regular, provavelmente uma

fonte mais comum, bastante utilizada em textos curtos, sem serifa e em caixa baixa.

Observamos também a utilização do número 3 em destaque maior que o das demais

informações. O papel utilizado para o panfleto é amarelo, tamanho A4, e a fonte das informações,

preta, utilizando a orientação vertical do papel. As informações do panfleto afixado nos murais do

CCS são as seguintes: no canto superior esquerdo o nome da chapa com o seu número referente ao

lado, destacando-se pelo tamanho; indicação sobre do que tratava o panfleto, alinhada à direita

abaixo do número 3: "Eleições CACC - Medicina UFRJ" e data das eleições; e no canto inferior

esquerdo o endereço do blog, alinhado parte à esquerda e parte à direita, acompanhando a seguinte

frase: "Visitem nosso BLOG", sendo o endereço o nome da chapa, também em destaque pelo seu

tamanho no panfleto, porém menor que o número 3.

Foram colados diversos desses panfletos nos corredores e blocos do CCS, principalmente

no Bloco B, onde ocorrem muitas aulas do curso de Medicina. Pude notar que a propaganda da

chapa 3 estava em número bem superior a da chapa concorrente, principalmente no que se refere

aos panfletos.

Na Figura 7, ao utilizar somente o número da chapa no banner, ao invés das informações

sobre a chapa, dia da eleição etc., a chapa Cuidar é Preciso apostou no número 3 como símbolo de

sua gestão, ultrapassando o limite de ser apenas um número no qual o eleitor pode ou não escolher

votar. Joly (1996, p. 35) indica que Peirce41 propõe três tipos de signos: o ícone, o índice e o

símbolo.

O ícone corresponde à classe de signos “cujo significante mantém uma relação de analogia

com o que representa”, como p. ex. uma fotografia ou um desenho de uma árvore é um ícone na

medida em que lembra uma árvore. O índice corresponde à classe dos signos “que mantém uma

relação casual de continuidade física com o que representam”, como p. ex. fumaça e fogo; palidez

e cansaço; marcas de pneu na lama. O símbolo corresponde à classe de signos “que mantém uma

relação de convenção com seu referente”, como p. ex. a bandeira é o símbolo de um país; a pomba,

o símbolo da paz. Peirce ainda esclarece que não existe um signo “puro”, e sim características

dominantes (JOLY, 1996). Com base nessa classificação de Peirce, o número 3 (Figura 6) pode ser

entendido como ícone quando, ao olharmos para ele, podemos lembrar seios femininos e pode ser

41 Charles Sanders Peirce foi um “matemático, cientista, lógico e filósofo norte-americano” que desenvolveu uma corrente da teoria semiótica (SANTAELLA, 2005).

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entendido como símbolo quando entendemos sua relação com o referente - que neste caso, é a

chapa 3 (Figura 7).

Figura 7: Processo eleitoral do CACC, 2010 - Banner chapa 3.

Continuando a observar o número 3, percebe-se que ele tem uma forma que quase se

fecha, podendo aludir às observações já feitas neste trabalho, quando foi analisado o nome da

chapa e seus possíveis sentidos e relações com a Medicina. O número três, dessa forma, reforça a

idéia de proteção e cuidado, complementando o título da chapa.

Nas figuras expostas nas p. 101 e 102, temos o folder (em formato aberto) de divulgação da

chapa 3. Como a chapa 1, este também possui inicialmente um pequeno texto onde são expostas as

principais idéias da chapa, e logo em seguida o material é dividido em diversos itens por assunto.

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Processo eleitoral do CACC, 2010 - Folder de campanha da chapa 3 (parte externa).

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Processo eleitoral do CACC, 2010 - Folder de campanha da chapa 3 (parte interna).

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O texto inicia expondo os objetivos da chapa e, logo em seguida, suas principais

preocupações: "Somos um grupo que deseja tornar o CACC cada vez mais próximo dos estudantes

e atuante no sentido de garantir nossos direitos enquanto estudantes, melhorias na nossa faculdade

e na nossa formação".

As expressões utilizadas pela chapa - "somos um grupo"; "nossos direitos"; "nossa

faculdade"; "nossa formação" - denotam uma intenção de criar uma identidade de comunidade em

relação ao CA, onde o estudante de medicina terá um apoio, terá com quem dividir seus anseios,

conquistas e insatisfações relacionadas à faculdade ou à formação médica.

O texto segue reforçando sua intenção através de termos como "dedicaremos" e

"empenho", e novamente a palavra "direitos" aparece: "Dedicaremos grande empenho às frentes de

Reforma Curricular e de Direitos dos Estudantes, à parte de Estrutura e de Comunicação do

CACC, bem como ao Projeto Social de Promoção da Saúde na comunidade".

É dada ênfase à participação dos alunos nas tomadas de decisão do CA quando a chapa

afirma querer construir "coletivamente" o CACC, incentivando "uma maior participação dos

estudantes no CACC, tornando-o um instrumento que os apoie no início da longa e por vezes

penosa jornada do tornar-se médico." Percebe-se nesse trecho a utilização dos termos "penosa

jornada" referindo-se ao processo de formação em Medicina e apresentando o CACC como um

ponto de apoio ao estudante.

O texto finaliza com a seguinte frase: “Cuidando da nossa faculdade e dos nossos alunos,

pra cuidar da nossa população”. Novamente aqui percebemos a utilização do verbo cuidar,

juntamente do termo “nosso”, referindo-se à faculdade, aos alunos e à população. A tentativa de

aproximação com o eleitor fica clara quando observamos uma intenção com conotação

tradicionalmente alinhada ao “maternal” no trecho “cuidar dos nossos alunos”. Tal característica é

reforçada também por outros termos utilizados pelo grupo, como: “dedicaremos”; "empenho";

"somos um grupo"; "mais próximo dos estudantes"; entre outras.

Logo abaixo do texto descrito anteriormente estão os nomes dos membros da gestão,

também organizados por turmas. Ao todo são 12 integrantes, sendo 8 mulheres e 4 homens.

Abaixo dos nomes, encontramos o endereço do blog da gestão, que parece ter sido criado

exclusivamente para a campanha eleitoral.

Os assuntos estão dispostos da seguinte forma: Comunicação (com 4 itens); Estrutura (com

8 itens); Finanças (com 5 itens); Relações estudantis (com 5 itens); Sócio-esportivo (com 3 itens) e

Científico-Cultural (com 4 itens). Além desses, há dois textos: um que debate a questão da

qualidade de vida do estudante de Medicina e outro que explica o que é o Projeto Social na Maré.

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Os estudantes abordaram questões como: criação de um blog do CACC; retomar o jornal

"A Bula" e o informativo "Genérico"; realizar debates, oficinas, publicação de matérias

relacionadas ao movimento estudantil, bem como discutir Educação Médica; manter diálogo e

acompanhar notícias e reuniões da DENEM, ABEM e DCE, ocupando os lugares de decisão nos

fóruns da UFRJ "discutindo pautas com antecedência com os alunos, levando as discussões e

propostas e dando um feedback para os alunos do que é discutido e decidido nesses espaços"; estar

mais próxima da Atlética e das Ligas Acadêmicas; realizar uma grande festa na prefeitura; realizar

uma Semana Acadêmico-Cultural; discutir a “escassez de projetos de extensão na Medicina” e a

"seriedade/aprendizagem" na Iniciação Científica. Estes são alguns dos temas expostos no folder

da chapa.

O breve texto mencionado anteriormente (Figura da p. 101), que debate a qualidade de vida

do estudante de Medicina, é intitulado "Qualidade de vida e direitos dos estudantes de Medicina" e

inicia destacando uma suposta fala que criticaria a reivindicação de direitos do estudante de

Medicina: "'Reclamando de barriga cheia' é o que poderiam dizer quando estudantes de Medicina

se queixam da longa carga horária, pouco tempo para almoçar, dormir e realizar outras atividades

alheias à faculdade". Ainda no texto, é citada uma tese de doutorado que possui como tema a

“qualidade de vida” do estudante de medicina, argumentando que a abordagem desse assunto, que

pode "parecer coisa de gente mimada, é assunto de diversos trabalhos sérios”.

O texto segue trazendo a justificativa para "analisar os direitos dos estudantes, como

frequência mínima obrigatória, direito à prova de segunda chamada, tolerância máxima de atraso

para entrada em sala de aula" e outras questões, argumentando que tais normas dificultam que o

aluno "tenha maior liberdade de conduzir sua vida acadêmica segundo suas necessidades pessoais".

A chapa conclui afirmando que pretende organizar uma "comissão de direitos dos estudantes" para

buscar mais informações sobre "regulamentos que regem as atividades discentes e na medida do

possível, fazer com que eles sejam adequadamente efetuados ou mesmo revistos".

O outro texto da chapa 3, intitulado "Projeto social na Maré", explica o que é o projeto,

seus objetivos e oportunidades para o estudante de Medicina. O projeto, que está em processo de

desenvolvimento, consiste em um intercâmbio entre as Faculdades de Medicina de Cuba e da

UFRJ, onde o aluno brasileiro e cubano de qualquer período poderá participar. A partir de um

levantamento sobre os problemas de saúde da região (Comunidade da Maré), o projeto pretende

"promover assistência e educação em saúde”, relatando à secretaria de saúde as atividades

realizadas “a fim de incentivar a promoção de melhorias na região". A chapa Cuidar é Preciso

afirma ser uma oportunidade de intercâmbio entre "as realidades do sistema de ensino e saúde

cubano e brasileiro, com conferências, oficinas e atividades culturais" e que haverá "participação

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de outros cursos da saúde, ou não, a fim de ampliar as formas de intervenção na comunidade e

somar conhecimento". Conclui que será uma oportunidade de conhecer a Maré, comunidade

vizinha à Ilha Universitária, que "não podemos nos furtar de enxergar". Entendo que é um projeto

interessante, mas que exige grande capacidade de negociação política, além de uma reflexão a

respeito da violência na comunidade, que pode colocar em risco o projeto.

Abaixo do texto mencionado, encontra-se apenas a frase: "Saiba mais no nosso blog!"

abaixo de um "X" entre dois traços, que indica o fim do folder.

Podemos observar que o "carro-chefe" da chapa 3 é a reivindicação dos “direitos do

estudante de Medicina”. Essa questão já é clara quando observamos o nome da chapa e a que se

refere o termo cuidar, como já foi analisado anteriormente.

Alguns textos presentes no folder também evidenciam essa questão, como o texto

"Qualidade de vida e direitos dos estudantes de Medicina", no qual a chapa afirma querer "garantir

melhores condições de estudo e convivência", criando, para isso, uma "Comissão de direitos dos

estudantes" e buscando informações sobre regulamentos da prática discente. Pretende discutir o

Movimento Estudantil, situando, portanto, o estudante dentro da política, espaço bastante

frequentado pelas coordenadoras da chapa.

O desejo de se aproximar da Atlética, realizando campeonatos esportivos em conjunto,

justifica-se pela busca da melhora da qualidade de vida do estudante através do esporte e de

atividades de lazer. Os diversos canais de comunicação que serão criados, como o blog, jornais e

mala direta, também fazem parte de um desejo de aproximar o estudante da chapa.

Ainda sobre os direitos dos estudantes, identificamos o item "Estrutura" como sendo o

assunto com maior número de itens desdobrados, porque justamente refere-se a mudanças no

âmbito "físico" da qualidade de vida do estudante, do conforto e bem-estar proporcionados no

CACC.

Voltando ao Projeto Social na Maré, penso que, apesar de parecer indicar uma preocupação

social da chapa, alinhando-se com questões de cidadania, o projeto deve ser acompanhado para

melhor entendimento de seus reais objetivos e de sua dimensão.

Aqui cabe nos perguntarmos: e os deveres sociais, políticos e civis? Deve-se refletir, diante

da ênfase na reivindicação da chapa 3 pelos direitos dos estudantes de medicina, sobre quais seriam

seus deveres perante a sociedade e como se dá a relação de compromisso entre o profissional

médico e a população. Em relação à formação médica, além da chamada “reforma curricular”, a

chapa 3 somente aborda a formação quando se propõe através da Maré a intervir em um espaço

sócio-economicamente desfavorecido, visando a assistência e promoção da saúde. Cabe ainda

ressaltar de que se trata de um projeto a ser desenvolvido apenas no período das férias. Como já

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dito, deve-se acompanhar o projeto de perto, para entender sua dimensão e como será realizado na

prática.

As chapas também fizeram propaganda política no ambiente externo do CCS, em frente ao

HUCFF. Ao incluírem em suas campanhas o ambiente do Hospital, interagindo com pontos

específicos deste, como o letreiro externo e a entrada principal, os estudantes deixam claro o desejo

de associação das chapas com o HUCFF, que, para o estudante de medicina, é a extensão da sala

de aula, onde ele vivencia, na prática, a experiência de "ser médico".

As duas chapas organizaram um debate eleitoral, realizado no dia 16 de março de 2010, em

uma sala do bloco B do CCS, para discutirem as principais propostas de campanha. Registrei o

debate através de anotações em um diário de campo e, após o término do debate, me apresentei aos

estudantes membros das chapas, expondo que a razão da minha presença naquele evento era a

pesquisa de mestrado que estava desenvolvendo no NUTES. Os estudantes foram receptivos e

alguns se mostraram interessados em participar da pesquisa.

Aponto a seguir os principais tópicos discutidos no debate, os indivíduos presentes e o

modo como se deram as discussões travadas naquele espaço. Recorro aqui a Fairclough (2001),

quando se refere a uma dimensão política e ideológica da prática discursiva, que podemos observar

presente nesses discursos. Entende-se aqui por "dimensão política" um conceito mais abrangente

que o meio político em si. O autor afirma que: O discurso como prática política estabelece, mantém e transforma as relações de poder e as entidades coletivas (classes, blocos, comunidades, grupos) entre os quais existem relações de poder. O discurso como prática política não é apenas um local de luta pelo poder, mas também um marco na delimitação do poder: a prática discursiva recorre a convenções que naturalizam relações de poder e ideologias particulares e as próprias convenções, e os modos em que se articulam são um foco de luta (p. 94).

No início do debate, estavam presentes os integrantes da chapa número 3, Cuidar é Preciso,

da chapa número 1, Todos pela Medicina, e cerca de oito estudantes de medicina. A baixa

frequência de estudantes, em uma Faculdade de aproximadamente 1200 alunos42, pode indicar o

pouco envolvimento dos não militantes nas questões relativas ao movimento estudantil.

Sete estudantes, em sua maioria mulheres, estavam vestindo a camisa amarela com o título

da chapa 3; havia outros simpatizantes da chapa também presentes que não trajavam a camisa. Os

membros da chapa 3 permaneceram sentados durante a maioria do tempo do debate.

Por sua vez, cinco estudantes representavam a chapa 1, sendo que apenas dois deles se

manifestaram durante o debate. Os dois estudantes que se expressaram pela chapa 1 trajavam

camisa social listrada e calça jeans e eram do sexo masculino. Passaram o tempo inteiro em pé.

42 Considerando que são doze turmas, uma por semestre, com aproximadamente 100 alunos em cada turma.

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O debate iniciou com cada chapa dispondo de cinco minutos para explanações gerais sobre

o seu plano de gestão. A chapa Cuidar é Preciso foi a primeira a expor suas idéias, colocando como

principais preocupações: “uma vontade de construir coletivamente” a gestão com os estudantes de

medicina, resolvendo problemas do cotidiano e dando retorno aos alunos de tudo que ocorre

através de jornais e do blog do CA.

A prioridade da chapa 3 seria promover uma reforma curricular; ter um CACC

“transparente”, que os alunos saibam o que está acontecendo, "que funcione" - fala da

coordenadora da chapa 3; publicação mensal do balancete; conseguir anunciantes para o jornal "A

Bula"; dar início ao Projeto Social na Maré, promovendo a assistência e a promoção em saúde.

"Por que a Maré? Porque é perto." - fala da coordenadora da chapa 3. “Os membros da chapa

seriam divididos em comissões", ficando cada comissão responsável por um assunto do CACC. A

coordenadora da chapa 3 também comenta sobre um questionário passado por eles, entre os

estudantes de medicina de uma turma, para pesquisar sobre que necessidades os estudantes

estavam sentindo em relação ao CACC, mas não dá maiores detalhes sobre o assunto.

Logo depois, o coordenador da chapa 1 colocou como sendo uma das principais

preocupações da sua gestão o “Ato Médico”, destacando a necessidade de uma discussão ampla

sobre o tema e o desejo de promover debates com as carreiras mais envolvidas com o Ato Médico.

Embora não tenha se posicionado formalmente em relação ao Ato Médico, o estudante comenta

que "o projeto de lei não é absurdo", e "uma pessoa que é contra a regulamentação de sua própria

profissão é um tanto estranho...".

Outras questões colocadas pela chapa como sendo importantes foram: Reforma Curricular;

acesso à internet, pois segundo o coordenador da chapa: "no CCS é difícil internet"; também

comentam o projeto da Vila Residencial da UFRJ, coordenado por um dos integrantes da chapa;

apontam uma necessidade de “intercâmbio” para os alunos de medicina; desejam promover

palestras com profissionais, como Dráuzio Varella, para os alunos.

Após os minutos iniciais de apresentação, o debate se inicia com uma chapa perguntando e

a outra respondendo. A questão sobre o Ato Médico foi colocada pela chapa 1 e a chapa 3 recusou-

se a assumir uma posição contrária ou favorável ao projeto de lei. A chapa 1 coloca como relevante

para os alunos a questão do OREM (Olimpíada Regional dos Estudantes de Medicina) e indaga à

chapa 3 o seu planejamento para o OREM. A chapa 3 afirma desejar um “relacionamento aberto,

com diálogo” com os alunos. Entende que o OREM é importante para os alunos e pretende tomar

as decisões junto com eles.

Após uma troca de acusações referentes ao planejamento do OREM de 2009, a chapa 3

defende-se das acusações, afirmando que houve uma “evasão de grande parte da gestão antiga do

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CA” - nesse momento, a sala já tem cerca de 22 estudantes presentes (ouvintes), além dos

membros das chapas, e a chapa 1 defende-se alegando que está com novos integrantes, de

períodos iniciais da Medicina. A chapa 3 indaga à chapa 1 “como conseguirá que essas pessoas

fiquem, que trabalhem efetivamente pelo CA”. Tal questão não é esclarecida, devido ao

esgotamento do tempo de debate entre as duas chapas.

Há então uma abertura para perguntas e dúvidas dos alunos ouvintes às chapas em disputa.

Nesse momento, alguns alunos questionam determinadas questões, como Reuni e cotas, porém,

por estar em local mais afastado, não pude compreender bem suas falas. Um aluno (ouvinte), que

já pertenceu à chapa 1 no passado, questionou a questão comentada pela chapa 3 em relação à

chapa 1 de evasão do grupo Todos pela Medicina na gestão passada, realizando uma "chamada",

com base nos nomes que estavam no panfleto da chapa 1, mostrando que grande parte da chapa 1

não estava presente no debate pré-eleição.

Outra estudante quis saber o que cada pessoa de cada chapa vai fazer na gestão. Essa

questão me pareceu ser vista como de grande importância pelos alunos de medicina que ali

estavam presentes.

A chapa Cuidar é Preciso se define como “simples” e que “não querem ter enquanto chapa

uma posição definida sobre o Ato Médico, nem sobre Reuni, Cotas, Enade, etc.”. Declaram que

cada integrante da chapa possui uma opinião (que não são expostas ali no debate). Se forem eleitos,

“querem informar a todos os estudantes periodicamente o que cada integrante da chapa está

produzindo”. Um integrante da chapa 3 manifesta sua opinião, afirmando que a chapa 3 se formou

por "pessoas cansadas de ver sempre as mesmas coisas acontecendo" . Querem “priorizar a questão

do currículo, pensando também no HU e na qualidade de vida do estudante de medicina”.

Visualizam uma formação mais ampla, porém não especificam o que entendem por "formação

mais ampla".

Durante o debate, a chapa 3 manteve uma postura mais leve, de bom humor, talvez até de

ironia em relação às acusações dirigidas a eles pela chapa concorrente. Os integrantes desta chapa

também participaram mais ativamente do debate, se manifestando a todo o momento, e no final das

contas foi esta a chapa que ganhou a eleição, com 268 votos contra 137. Incluindo os 7 votos nulos,

o total de votantes, portanto, foi de 412 alunos - menos do que a metade dos estudantes da

Faculdade de Medicina da UFRJ, que totalizam cerca de 1200 alunos, conforme já apontado.

Os resultados indicam que, embora aparentemente sejam diferenciadas uma da outra, as

duas chapas concorrentes têm um mesmo pensamento central quando analisamos mais

profundamente seu material de campanha: prevalece uma visão ainda contida nos próprios

interesses do curso médico, evidenciada nos lemas de cada chapa e em seus discursos, com pouca

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ênfase em questões pertinentes à formação profissional e ao papel do estudante como cidadão em

uma universidade que se deseja democrática.

Na chapa 1, destaca-se o sentimento de orgulho de pertencer ao grupo que cursa Medicina

na UFRJ, reforçando o aspecto da distinção, do poder e da tradição conferido historicamente à

Faculdade de Medicina da UFRJ no contexto da educação brasileira. Não é abordada a intenção de

interagir com outros cursos da Saúde, fora nos debates previstos sobre o Ato Médico. Seus

membros, embora não se posicionem explicitamente, são favoráveis à sua aprovação, conforme foi

observado durante o debate. Abordam algumas questões de mudança de currículo, porém não

explicam o que entendem por um "novo currículo". Não discutem questões importantes de

mudança que estão ocorrendo na Universidade, como o REUNI, o Enem e o Sistema de Reserva

de Vagas (Cotas), em momento algum de sua campanha.

A chapa 3 se apresentou de maneira diferente da chapa 1, o que pôde ser percebido

principalmente pelo comportamento de seus integrantes durante o debate ocorrido na véspera das

eleições, bem como pela programação visual das suas semióticas. Enquanto os membros da chapa

1 pareceram assumir atitudes “mais profissionais no sentido político”, seja pela forma de falar, por

permanecerem sempre de pé, utilizando palavras de ordem, frases mais agressivas e cobranças de

posicionamento, os da chapa 3 pareciam ser mais ingênuos ou amadores, idealistas. Utilizando

palavras-chave como “cuidar” e "dedicar", pareciam se dirigir ao estudante de uma forma mais

individualizada, propondo um atendimento mais personalizado ao estudante, enquanto que a chapa

1 ofereceu uma abordagem mais voltada para o coletivo em geral.

A chapa 3, vencedora do processo, apresentou maior coerência visual e mais empenho em

conseguir se eleger do que a antiga gestão do CACC, ao que tudo indica já desgastada por três

mandatos sucessivos. Propuseram-se a lutar por uma reforma curricular e pelos direitos dos

estudantes, mas pareceu-me ser uma visão política muito restrita, que contempla o estudante de

Medicina isoladamente, sem inseri-lo no contexto mais amplo das outras profissões da área da

saúde e da própria universidade. Apesar da menção de incluir na sua proposta de projeto social

estudantes de outros cursos, "da saúde, ou não", são propostas muito incipientes, ainda

predominando a posição centralizadora do estudante de medicina.

Entendo que os próprios centros acadêmicos, visando representar os interesses de cada um

dos cursos da universidade, tendem a reproduzir as questões de identidade e diferença desses

cursos, sendo que na medicina, por razões históricas, as questões de poder se encontram mais

evidentes na relação que o curso estabelece com os demais da área da saúde, reforçando no

estudante de medicina esse sentido de supremacia como observamos nas seguintes falas: “na

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vontade de colocar a medicina da UFRJ sempre no topo” (chapa 1) e “cuidando da nossa faculdade

e dos nossos alunos, pra cuidar da nossa população” (chapa 3).

Segundo Fairclough (2001), "os enunciados são [...] constituídos por elementos de outros

textos". O autor diferencia "intertextualidade manifesta" de "intertextualidade constitutiva": a

primeira se dá quando o texto traz referência explícita a outro(s) texto(s) e a segunda, quando "um

texto incorpora outro texto, sem que o último esteja explicitamente sugerido". No caso da

campanha realizada pelas chapas 1 e 3 para o CACC, na utilização de cartazes, banners, adesivos,

folders, panfletos, seja para divulgar as eleições, debates ou propostas das chapas concorrentes,

identifica-se a "intertextualidade constitutiva", pois tal prática nos remete a outras práticas,

frequentemente observadas nas campanhas partidárias do país (ROCHA et al, 2010).

Não somente a campanha eleitoral do CACC nos remete às campanhas partidárias dos

grandes partidos, como as próprias práticas desses estudantes, o modo como suas identidades estão

sendo construídas a partir das diferenças entre os grupos, reforçam os embates percebidos nas

relações entre os partidos políticos que simpatizam e representam no ambiente universitário. Tais

embates ainda são permeados por relações de poder que atravessam esses grupos, por cursarem a

Faculdade de Medicina da UFRJ.

Entendo ainda que o grupo Cuidar é Preciso se constituiu a partir de uma "síntese" das

gestões anteriores do CACC, o que pode ser percebido na fala da estudante Iolanda, ao relatar que,

quando foi concebido, o grupo Cuidar é Preciso pretendia: Aproveitar a facilidade com que a Todos pela Medicina dialoga com o estudante por fazer festa, por cuidar da salinha do centro acadêmico. Na época eles fizeram uma semana cultural em uma das gestões deles. A gente achou a ideia legal, mas a gente pensou que talvez uma semana só cultural... Faltava pra gente fazer semana acadêmica. E a gente quis aproveitar também as coisas boas que a gente via na gestão do Geraldo, que era a vontade e o não medo de se discutir a política, a necessária política. Aí a gente tentou fazer uma síntese maluca dessa coisa toda, aí virou um terceiro grupo (Iolanda).

Por sua vez, o grupo Todos pela Medicina construiu sua identidade em oposição ao grupo

que estava anteriormente no poder do CACC - conclusão que ficará mais evidente no decorrer

deste trabalho. Percebe-se aqui o que para Foucault configura-se como uma forma de "resistência"

na relação de poder. O filósofo explica que "onde há poder, há resistência" e, assim como não

existe um grande poder, soberano e absoluto, não existe também um lugar da "grande recusa",

"foco de todas as rebeliões"; existem "pontos de resistência", que são "o outro nas relações de

poder". E, assim como o poder perpassa as instituições sem se localizar neles, a "pulverização dos

pontos de resistência atravessa as estratificações sociais e as unidades individuais" (FOUCAULT,

2005, p. 92). A identidade desses grupos foi, portanto, construída a partir da diferença, dentro das

relações de poder que atravessam os mesmos.

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Passado um ano do debate e do processo eleitoral descrito, observei, em meados de abril de

2011, que o CACC encontrava-se novamente em época eleitoral. Apesar de não pretender

acompanhar o processo eleitoral de 2011, desejava ao menos saber quem estava disputando o

espaço e quais discursos estavam sendo veiculados pelos grupos, por isso busquei informações a

respeito das chapas concorrentes à liderança do CA neste ano. Observei que não havia cartazes e

banners do lado de fora do CCS, como na eleição de 2010, somente havia panfletos da chapa

intitulada "Lutar é Preciso" presos nos murais dos corredores do CCS (Figura 8). Chamo aqui a

atenção do leitor para o adesivo que prende o panfleto ao mural, correspondente à propaganda de

campanha do prof. Godofredo de Oliveira Neto, então candidato a reitor da UFRJ.

Figura 8: Processo eleitoral do CACC, 2011 - Panfleto da chapa "Lutar é Preciso".

Os panfletos da nova chapa 3 eram idênticos entre si, só diferiam pelas citações destacadas

no centro do papel. Na Figura 8, a citação é de Bertold Brecht: "Em vez de serem apenas bons,

esforcem-se para criar um estado de coisas que torne possível a bondade (...). Em vez de serem

apenas livres, esforcem-se para criar um estado de coisas que liberte a todos". No outro panfleto, o

destaque era um trecho de uma música de Chico Buarque de Hollanda: "Inútil dormir que a dor

não passa/ Espere sentado / Ou você se cansa / Está provado, quem espera nunca alcança". Foram

observados apenas esses dois tipos de material de campanha.

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Relacionando esses versos com o nome da chapa e algumas falas dos estudantes, expostas

nos capítulos seguintes, entendo que os mesmos demonstram um desejo do grupo de mostrar ao

estudante de medicina a necessidade do envolvimento do estudante nas discussões promovidas

pelo CACC.

Ao buscar no espaço do CACC mais alguma evidência de campanha eleitoral da outra

chapa, encontrei Helena, uma das entrevistadas da chapa Cuidar é Preciso, atualmente denominada

Lutar é Preciso. Conversando informalmente com a estudante, soube que a outra chapa ainda não

havia apresentado nenhum material de campanha, pois estava envolvida com a eleição para reitor

da UFRJ, apoiando o candidato Carlos Levi da Conceição. Mas a estudante afirmou que era o

mesmo grupo da antiga chapa Todos pela Medicina que iria concorrer com a Lutar é Preciso.

Ao ser indagada sobre a mudança de nome (de "Cuidar" para "Lutar"), a candidata

esclareceu que a chapa sempre preferiu "lutar", porém havia escolhido "cuidar" para "não assustar"

os estudantes. E quanto à cor rosa, ao invés do amarelo, a estudante justificou que a cor rosa é mais

próxima do vermelho (cor que simboliza os partidos de esquerda). A chapa Lutar é Preciso

também fez um blog com alguns textos, como propostas de gestão e balanço do ano de 2010, como

na eleição passada. Novamente venceu a eleição para coordenar o CACC em 2011.

3.2 Identidade política dos militantes e articulações do movimento estudantil

A seguir, destaco algumas falas dos sujeitos entrevistados, a fim de entendermos seus

posicionamentos políticos.

Cabe aqui lembrar, como já percebido na análise das semióticas, que a gestão atual do

CACC, Cuidar é Preciso, onde atuam Iolanda e Helena, se opõe à gestão anterior, Todos pela

Medicina, onde atuaram Roberto e Bruno, e se aproxima da gestão mais antiga, onde atuou

Geraldo.

Lembro também que Roberto e Bruno já não atuavam mais no CACC na disputa eleitoral

descrita na seção anterior. Como colocado anteriormente, no quadro II, ambos desempenharam

alguma função no grupo Todos pela Medicina, seja de ajudante ou de liderança, somente no

período entre 2006 (campanha eleitoral) e 2009. Não obtive sucesso em entrevistar as lideranças do

grupo Todos pela Medicina que concorreu ao CACC nas eleições de 2010. Tais esclarecimentos se

fazem importantes para que não haja confusão na leitura das entrevistas e análises.

A visão que os estudantes possuem a respeito do que é política é bastante similar, embora

seus posicionamentos político-partidários sejam diferentes. Para Iolanda, a política está em toda

parte, não sendo necessário estar vinculado a um partido político para se "fazer" política:

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Eu posso te dizer que tudo pra mim é política. Acho que tudo que a gente faz cotidianamente é política, seja de forma pensada, ou não pensada, seja coletiva ou individualmente. Política pra mim é talvez tudo que impacte no coletivo. E aí entram inclusive as ações individuais. Daí eu acho que a gente faz política nas nossas relações interpessoais, amorosas, amizades, familiares... A gente faz política no ambiente de trabalho, de estudo, eu acho que em toda parte, ela tá em toda parte (Iolanda).

Geraldo vê a política como "um instrumento que a gente utiliza pra transformar a

realidade", algo que se "faz no dia a dia" e não somente dentro de partidos políticos, ou na hora de

eleger um dirigente para o país. Roberto possui uma idéia de política bem próxima à de Geraldo e

Iolanda. O estudante avalia sua participação no CACC como fator importante no seu crescimento

como administrador e gestor. É o ato cotidiano, né? Tudo envolve política, não adianta. Você tá fazendo uma política o tempo todo pra você chegar num final determinado comum, entendeu? Então você faz política estudantil para melhorar a educação. Faz política partidária pra aumentar a força do partido. Você faz política, enfim, dentro da faculdade pra angariar fundos pra determinada coisa. Enfim, tudo é um processo político. Você tem que tá sempre convencendo alguém daquele seu projeto. Eu vejo mais ou menos assim, nessa linha (Roberto).

Bruno significa a política como "um meio, uma forma que você tem pra se organizar no

seu meio, e poder, baseado na organização e na conscientização das pessoas, mudar o que há de

errado e melhorar o que está certo". O estudante avalia que os anos em que ficou afastado da

universidade foram “anos ganhos”, e não perdidos, pois acha que conseguiu "ajudar bastante os

estudantes nesse período".

Para Bruno, o país deve contar com o movimento estudantil para muitas melhoras que

ainda precisam ser realizadas, como p. ex. a ampliação de vagas nas universidades públicas, pois

segundo ele "um país também só vai se desenvolver a partir do momento que ele tiver uma parcela

maior da sociedade com mais capacidade de trabalhar, mais desenvolvido, com uma formação

melhor, produzindo mais tecnologia. Pra isso tu tem que apostar na universidade”. Bruno

lembra ainda que: Movimento estudantil tem um caráter político muito forte também, certo? Poder discutir e tirar as principais opiniões políticas em relação às principais polêmicas, aos principais debates que tem dentro da universidade, e logicamente a minha opinião é que a coisa só vai pra frente a partir do momento que você tem uma opinião política e consegue convencer os outros disso, e, enfim, a partir disso conseguir construir o melhor. Então pra mim política estudantil é isso: capacidade dos estudantes se organizarem pra poder mudar o que tem de errado e enfim, trazer tanto progresso à universidade, ao ensino, quanto o próprio progresso do Brasil (Bruno).

Para Bruno é importante militar no movimento estudantil, pois estudar em uma

universidade pública implica em uma dívida com a sociedade e com a universidade: "tem muita

gente que [fala] 'Não, não tem nada a ver, eu pago meus impostos, minha mãe pagou o pré-

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vestibular pra eu entrar, então não devo nada a ninguém'. A minha visão é diferente. Eu sempre

me senti na necessidade de contribuir e sempre fiz isso com muito prazer. Então também me

deu muito prazer participar do centro acadêmico" (Bruno). Considerando que a militância de

Bruno decorre, em parte, de sua família ser envolvida com militância política já há muitos anos,

entendo que o estudante seja influenciado pelo pensamento dos militantes de gerações anteriores à

sua.

Paula (2008) afirma que, dentre os estudantes universitários, um pequeno grupo tem a

visão de que cursar uma universidade pública "exige um compromisso social corporificado em

uma participação política". Para a referida autora, "essa percepção é própria de uma unidade de

geração específica que se insere no movimento estudantil e em outros movimentos sociais, nas

décadas de 70, 80 e 90" (p. 16).

Ao comentar a respeito da função do CA, o estudante Bruno destaca seu papel de defender

os direitos dos estudantes: Agora nós estamos precisando dar uma revitalizada no Hospital Clementino Fraga Filho, que pra nós é um negócio muito, temos uma relação muito grande com o Clementino [refere-se ao hospital] porque, po, o Clementino ainda é um dos exemplos, pelo menos do ponto de vista dos recursos humanos, entendeu, que o SUS funciona, que dá pra ter saúde pública de qualidade, entendeu? [...] O movimento estudantil representa os estudantes quando defende as melhorias do HU. Agora vai ser demolida a perna seca [referindo-se à metade do Hospital que não teve concluída sua construção], com a condição que seja construído um hospital mais moderno no lugar. É papel do CA de Medicina lutar para que isso seja implementado. [...] Tem importância fundamental na formação médica você ter um hospital desse, isso aí é insubstituível. Mas também pra população, um hospital no coração da Zona Norte, aqui, ou seja, estamos a 5 minutos da Avenida Brasil, é um negócio também insubstituível pra população. Então, quando a gente faz essa defesa, a gente tá pensando na formação médica, mas também tá pensando na população, porque fechar também é ruim pros caras. Isso é um exemplo. O centro acadêmico serve pra isso (Bruno).

Roberto também se posiciona alinhado com Bruno. Para o estudante, o CA deve "sempre

defender a Medicina e defender os alunos" nos fóruns da Faculdade de Medicina, em seus

interesses, não somente materiais. Explica sua afirmação comentando o caso da "prova prática" de

residência do HUCFF. O estudante explica que, na época em que foi realizada a entrevista, estava

em discussão se a prova prática requerida para o ingresso nessa residência deveria ou não ser

abolida do processo de seleção. Caso fosse abolida, só passaria a haver a prova escrita, o que no

entendimento de Roberto, ampliaria as possibilidades de ingresso de alunos de medicina externos à

UFRJ na residência do HUCFF. Ao perceber que o CACC não estava lutando pela permanência da

"prova prática" - que em sua opinião garantiria a aprovação dos estudantes de medicina da UFRJ,

pois são mais preparados que os das demais universidades - o estudante buscou apoio junto a

diretores e gestores da Faculdade de Medicina e do HUCFF para discutir o assunto. Segundo

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Roberto, "isso é defender o aluno da Medicina. É defender o aluno da UFRJ. Entendeu?"

Destaca ainda como sendo função do CACC "promover saúde pública, ou enfim, saúde de

qualidade. A gente tem que ser promotor disso (Roberto).

Percebe-se na fala do estudante Roberto, ao comentar a respeito do melhor preparo dos

estudantes da Faculdade de Medicina da UFRJ para realizar a prova prática de residência do

HUCFF, a construção de um significado de soberania desta Faculdade em relação a outras escolas

médicas. Observa-se nas falas de Bruno e Roberto uma tensão com os princípios do SUS, que

preconizam o trabalho em equipes multiprofissionais, pois embora os dois estudantes defendam o

sistema público de saúde, destacam a necessidade de defender os estudantes de medicina, o que

confere um reforço do poder médico.

Segundo Hall (2004), hoje os indivíduos podem possuir várias identidades, algumas vezes

até mesmo contraditórias, pois à medida que existem mais possibilidades de significação e

representação cultural, podemos nos identificar com um sem-número de identidades, pelo menos

temporariamente. Desse modo, embora Bruno e Roberto se declarem identificados com os valores

preconizados pelo SUS, fica evidente em suas falas o sentimento de superioridade da carreira

médica, da Faculdade de Medicina da UFRJ, em detrimento de outras áreas do conhecimento e de

outras universidades.

Em contraponto às idéias de Bruno e Roberto, Iolanda destaca justamente a importância de

se pensar primeiramente na categoria "profissionais de saúde", antes do "profissional médico": Acho que também é papel do Centro Acadêmico mostrar que a categoria 'profissionais de saúde' é algo muito mais confortável no âmbito das reivindicações do que a categoria 'médica', que pouco avança sozinha, já que a saúde é um processo, né, ele é multiprofissional, multifatorial, tem vários determinantes, determinantes inclusive que o nosso currículo não aborda, e que é impossível a gente promover qualquer mudança que seja, seja no âmbito maior, seja no âmbito da vida individual de um paciente, não dá pra gente fazer sozinho. Seria muita prepotência da nossa parte. Eu acho que deveria ter atividades em conjunto, tocar políticas em conjunto [com as outras profissões da saúde]. Todas as pautas que forem de todos eu acho que são prioritárias (Iolanda).

É interessante observar ainda que a estudante afirma não perceber nos conteúdos do

currículo da Faculdade de Medicina os vários determinantes da saúde citados por ela, sendo

provável, portanto, que busque em outros espaços, além da universidade, o conhecimento sobre a

prática médica mais afinada com os princípios da saúde pública.

Refletir sobre as falas desses estudantes se faz necessário, pois suas convicções políticas

não podem ser separadas da sua atuação no centro acadêmico, visto que este é um espaço, antes de

tudo, político, dentro da universidade pública, como Bruno afirma: "o movimento estudantil não

deve ser visto separado nem dos alunos e nem da política". Helena afirma que, ao se posicionar

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politicamente, enquanto gestão, no centro acadêmico, vem causando incômodo em alguns

estudantes que pensam que o centro acadêmico não deve ser político.

Tal afirmação vai ao encontro às conclusões da pesquisa de Carvalho (2006) a respeito da

relação entre estudantes e militantes em um curso da UFRJ. Ao analisar a percepção dos estudantes

não militantes sobre o movimento estudantil, Carvalho (2006, p. 135) concluiu que ocorria "o

afastamento da política", que era identificada pelos estudantes como "politicagem, ou seja, briga

entre grupos desvinculada das dificuldades enfrentadas pelo conjunto dos estudantes, ao longo de

sua formação". Outros motivos apontados pela autora como causas desse "afastamento" foram a

identificação da "partidarização do movimento", o fortalecimento da "perspectiva individualista" e

o "aumento da resignação [dos estudantes em geral] diante da realidade". Segundo Carvalho

(2006), estas eram as principais causas da distância entre os estudantes não militantes e o

movimento estudantil.

Enquanto na visão de alguns estudantes o CACC deve ser um espaço separado das lutas

políticas, Bruno destaca a força política que o CA de Medicina da UFRJ possui: "é um dos centros

acadêmicos que são maior referência no movimento estudantil, na UFRJ e no Brasil. Isso

demonstra que tem uma força grande". O estudante atribui esse prestígio do CACC ao destaque

que teve a luta dos estudantes de medicina quando foi demolido o prédio da Faculdade de

Medicina na Praia Vermelha e na reconstrução do DCE, após a ditadura. Acrescenta que na UNE,

em todos os encontros, o CACC "sempre foi um CA muito respeitado". Destaca também a

projeção de alguns líderes do CACC dentro da UFRJ e no Brasil: Agora, do ponto de vista geral, o movimento estudantil de medicina da UFRJ é um negócio que sempre foi muito reconhecido historicamente. No Brasil, mas aqui dentro da universidade também e tal. Inclusive já teve... Antes do José Marcos, que é o atual diretor [do HUCFF], era o Alexandre Cardoso, do hospital, e antes era o Amâncio43. O Amâncio foi presidente do CA e tal. Em 1980. Po, depois ele virou diretor do hospital. Também tiveram alguns presidentes de CA que tiveram uma exposição maior (Bruno).

Roberto também destaca a projeção do CACC no movimento estudantil e na UFRJ.

Embora todos os cursos tenham direitos iguais em relação à participação nas congregações de seus

cursos, o estudante afirma que os outros centros acadêmicos "não tem nada da força que o centro

acadêmico da medicina tem, que o centro acadêmico da engenharia tem." O estudante entende que

essa “força” se relaciona a existência de uma “unidade” nos cursos: "porque a unidade da 43 Amâncio Paulino de Carvalho foi diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e presidente da Associação Brasileira dos Hospitais Universitários. Ingressou na Faculdade de Medicina da UFRJ em 1975, envolvendo-se com o movimento estudantil por intermédio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), onde fez sua militância, inclusive como membro da direção municipal do partido. Atuante no processo de reconstrução do CA de Medicina da UFRJ, Amâncio foi eleito presidente do centro. Participou também da rearticulação da União Estadual dos Estudantes (UEE) do Rio de Janeiro, em 1979, tornando-se presidente da entidade no mesmo ano (MEMÓRIA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL, 2004).

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Engenharia é muito maior, e a unidade da Medicina também é muito maior entendeu?" Em sua

percepção, embora poucos alunos de medicina participem do movimento estudantil na UFRJ, os

que participam tem uma força muito importante na universidade: "Isso é um fato, as pessoas

respeitam bem. Entendeu? Você chegar com a sua opinião lá, é a opinião da Medicina, a opinião

da Engenharia, a opinião do Direito. Isso tem um peso diferente da opinião tal, entendeu?"

Como já apontado no primeiro capítulo, os primeiros cursos superiores criados no Brasil

foram a Medicina, o Direito e a Engenharia. São cursos que, portanto, trazem uma marca de

tradição em seu bojo. Dentre os três, o curso de Medicina foi o pioneiro, criado no século XIX.

Para aprofundar um pouco mais o entendimento a respeito do assunto, recorro a Foucault (1979),

que traz alguns esclarecimentos a respeito da construção histórica do poder na Medicina.

Ao traçar a constituição da política de saúde no século XVIII, Foucault explica que o

surgimento da medicina do século XIX, com seus grandes avanços, "não pode ser dissociado da

organização, na mesma época, de uma política de saúde e de uma consideração das doenças como

problema político e econômico, que se coloca às coletividades e que elas devem tentar resolver ao

nível de suas decisões de conjunto" (p. 107).

Segundo Foucault, enquanto o poder na Idade Média se ocupava com as funções da guerra

e da paz, no século XVIII surge uma nova função para o poder: "a disposição da sociedade como

meio de bem-estar físico, saúde perfeita e longevidade", sendo o exercício das funções de "ordem,

enriquecimento e saúde" assegurado menos pelo Estado, ou por um aparelho único, e mais por um

conjunto de regulamentos e instituições múltiplas, que recebem o nome de "polícia". O termo

polícia, no século XVIII, não se referia somente à instituição policial, e sim a um "conjunto de

mecanismos pelos quais são assegurados a ordem, o crescimento canalizado nas riquezas e as

condições de manutenção da saúde 'em geral'". O filósofo elucida ainda como se desenvolve o

poder do médico na sociedade, mostrando que este profissional no século XVIII já ocupava

espaços políticos e econômicos de destaque, poder esse que ainda se mantém em alguma medida: A súbita importância que ganha a medicina no século XVIII tem seu ponto de origem no cruzamento de uma nova economia 'analítica' de assistência com a emergência de uma 'polícia' geral da saúde. Qual o suporte dessa transformação? Grosso modo, pode-se dizer que trata da preservação, manutenção e conservação da força de trabalho. Mas sem dúvida o problema é mais amplo: ele também diz respeito aos efeitos econômico-político da acumulação dos homens. O grande crescimento demográfico do Ocidente europeu durante o século XVIII, a necessidade de coordená-lo e de integrá-lo ao desenvolvimento do aparelho de produção, a urgência de controlá-lo por mecanismos de poder mais adequados e mais rigorosos fazem aparecer a "população" - com suas variáveis de números, de repartição espacial ou cronológica, de longevidade e de saúde - não somente como problema teórico, mas como objeto de vigilância, análise, intervenções, operações transformadoras, etc. (FOUCAULT, 1979, p.109).

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Voltando aos estudantes de medicina do CACC, para as militantes Iolanda e Helena, o

CACC deve ser um espaço de promoção da autonomia do médico, que possa ajudar o estudante a

relacionar o que acontece na vida do estudante de medicina com as questões maiores da sociedade.

Segundo Iolanda, é papel do CACC, em um primeiro momento, "permitir um convívio

harmonioso" entre os alunos, apesar das diferenças morais, políticas ou religiosas e, em um

segundo momento, "dar autonomia pra esses futuros profissionais e nesse sentido fazer com que

eles compreendam concretamente qual é a sua realidade e as suas perspectivas". Para Helena,

frequentemente os estudantes não visualizam que algumas discussões que ocorrem na sociedade

têm relação com eles: Muitas vezes tem demandas que os próprios estudantes não sabem que é uma demanda. Um exemplo genérico que não necessariamente eu concordo: ser contra as cotas. Muitos deles: "Ah, eu sou contra a cota, não sei o que...", mas não analisa a necessidade, a sociedade, que a população tem de ingressar numa faculdade. É claro que assim, a gente tem toda uma conjuntura que complica a entrada dessas pessoas mesmo quando elas são cotistas, porque elas entram aqui, e a gente sabe que infelizmente o ensino é defasado, tem dificuldades, e é só nisso que os alunos pensam. Eles não vão para além. Então a gente vê também como o papel do centro acadêmico esse ir para além, trazer para os alunos (Helena).

Helena destaca a necessidade de conscientizar os estudantes a respeito de sua realidade

enquanto cidadãos. Uma visão de cidadania apenas focada na garantia de direitos civis e políticos

não é satisfatória, pois só esses elementos não asseguram a democracia sem os direitos sociais,

aqueles que garantem a participação dos indivíduos na riqueza coletiva: o direito à educação, ao

trabalho, ao salário justo, à saúde. Nesse entendimento, a cidadania não é algo passivo, ela exige

participação política e cívica que geralmente acontece a partir de lutas e de conflitos. A fala de

Helena se alinha ao que Bignoto (2005) aponta, quando afirma que o debate sobre cidadania

tornou-se ainda mais sério diante do desafio levantado pelas transformações sofridas pela

sociedade, entre as quais se destacam a questão do individualismo e a apatia crescente que vêm

dominando a vida social.

No caso dos estudantes Bruno e Roberto, os significados percebidos se aproximam dos

identificados a partir da análise semiótica feita anteriormente, onde se destaca no material eleitoral

da Todos pela Medicina um reforço da supremacia da profissão médica. Já em relação a Iolanda,

Helena e Yasmin, sua afirmativa sobre a necessidade de autonomia do estudante de medicina

apresenta uma tensão em relação ao significado transmitido por seu material de campanha, que

propõe "cuidar" dos estudantes de medicina.

Como veremos adiante, os posicionamentos desses estudantes em relação às temáticas

aqui abordadas não são estáveis: variam entre a identificação com valores relacionados à

perpetuação do poder na Medicina e valores relacionados ao movimento estudantil - como p. ex.

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'coletividade', 'democratização da universidade', posicionamento 'político-partidário', etc. Bauman

(2005) afirma que atualmente "o 'pertencimento' e a 'identidade' não têm a solidez de uma rocha,

não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis" (p. 18). Para o autor,

"no admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as identidades no

estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não funcionam." (p. 33). Hoje as identidades

"flutuam no ar", ganharam "livre curso" e agora cabe a cada um "capturá-las em pleno vôo, usando

os seus próprios recursos e ferramentas" (p. 35).

Diante das diversas opções, os indivíduos escolhem, mais ou menos à sua própria vontade,

o objeto de sua identificação, podendo transitar entre uma e outra identidade, conforme lhes

convém. Para Bauman (2005), "o anseio por identidade vem do desejo de segurança". E, embora

essa gama de possibilidades de identificação "possa parecer estimulante no curto prazo", flutuar

sem apoio num espaço pouco definido "torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora

de ansiedade."

O autor, porém, explica que "por outro lado, uma posição fixa dentro de uma infinidade de

possibilidades também não é uma perspectiva atraente", pois "em nossa época líquido-moderna,

em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, 'estar fixo' - ser

'identificado' de modo inflexível e sem alternativa - é algo cada vez mais malvisto" (p. 35).

Percebe-se isso nas falas dos estudantes que não desejam ser identificados com um determinado

partido político, como no caso de Helena, Yasmin e Iolanda, que, embora não sejam filiadas a

nenhum partido político, participam de atividades relacionadas aos mesmos - em coletivos,

organizações, etc. - e reproduzem seus discursos nas questões abordadas no presente estudo.

A partir da explicação de Bauman em relação às identidades, é compreensível que os

discursos dos estudantes transitem entre diversos significados, que ora evidenciam a supremacia da

profissão médica, ora evidenciam as lutas do movimento estudantil, mesmo que essas

identificações sejam em alguns momentos contraditórias, como percebemos ao longo deste

trabalho.

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4 AS POLÍTICAS DE ENSINO SUPERIOR E A FORMAÇÃO MÉDICA PROMOVIDA PELA UFRJ NA VISÃO DOS MILITANTES DA MEDICINA

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Neste capítulo apresento alguns significados construídos pelos estudantes em relação às

políticas de ensino superior e à formação médica, a partir de suas falas.

Foram exploradas questões relacionadas ao posicionamento da UFRJ em relação ao Reuni

e sua repercussão sobre o Plano Diretor da Ilha do Fundão; à possibilidade de ingresso na UFRJ

através do Enem e ao Sistema de Reserva de Vagas através de cotas sociais e cotas raciais.

Ressalto que a discussão a respeito das cotas acabou por se revelar mais extensa que a

discussão a respeito das demais políticas de ensino superior, como o Reuni e o Enem. Acredito que

isso se deve a ampla repercussão social que a temática das cotas suscita, além de ser objeto de

discussão há alguns anos, em várias áreas do conhecimento além da educação.

4.1 O Enem como forma de ingresso

O novo modelo do Enem como prova unificada é recente, portanto ainda não temos uma

avaliação do impacto desta medida na universidade pública. Acredito, porém, que essa é uma

discussão que tende a ganhar fôlego, devido às intensas modificações que o Enem vem causando

no ingresso dos estudantes nas universidades brasileiras nos últimos dois anos.

Os estudantes entrevistados apontam deficiências no Enem, exceto um deles, que o aprova

em sua totalidade. As falas desfavoráveis ao Enem estão relacionadas ao não cumprimento do que

se propõe, perpetuando a exclusão, além da interferência na autonomia da universidade. Também

foram percebidas opiniões relacionadas ao fracasso do Enem como método de avaliação do

governo e como responsável pela "perda" dos "melhores alunos" para outras universidades. Foi

ainda apontada a necessidade de políticas de assistência estudantil para o ingressante pelo Enem.

Helena entende o Enem como “um método de avaliação do governo”. E como método, em

sua opinião, é muito fraco, pois deveria contemplar todos os campos que influenciam na educação

do estudante, para que a avaliação não seja somente justa - considerando que a educação é

diferenciada de acordo com o nível sócio-econômico -, “mas que também seja capaz de trazer

dados que possibilitem uma avaliação transformadora da realidade da educação no Brasil”.

A estudante ressalta que a escola é quem "avalia o conhecimento adquirido e o MEC é

responsável por avaliar a qualidade da educação da Escola, não do aluno". Finaliza afirmando que

é a favor de métodos de avaliação que contribuam para modificar a realidade do país, o que não é o

caso do Enem.

Destaco aqui que a entrevistada pareceu estar desinformada sobre o novo modelo do Enem,

que atualmente não se configura como um instrumento de avaliação e sim como uma modalidade

de acesso às universidades brasileiras.

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Para Roberto, a modalidade do Enem através do Sisu44 é prejudicial à UFRJ, pois dessa

maneira a instituição deixa de ter os melhores alunos, que podem migrar para outras universidades:

"pode ser até arrogante, mas eu acho que o Fundão tinha que pegar os melhores alunos,

entendeu?". Roberto explica seu raciocínio: Quando você cria o Sisu, você pode trocar [de universidade]: "Eu fiz 100 pontos. Com 100 pontos eu passo pro Fundão. Ah beleza. Mas com 100 pontos eu também posso ir pra USP." O cara pode escolher pra onde ele vai. "Opa, então eu vou pra USP!" Você tinha que ter: "Você quer fazer aqui? Então tá." Os melhores que fizeram aquele vestibular vão entrar no Fundão (Roberto).

É interessante observar que, embora Roberto apoie a perpetuação da excelência da UFRJ

como instituição formada por uma elite intelectual, percebe-se uma tensão em sua fala quando o

mesmo reconhece a excelência da Faculdade de Medicina da USP, que seria a primeira opção do

estudante que quisesse cursar Medicina.

No entendimento de Bruno, o Enem "é um formato mais democrático de vestibular". O

militante afirmou não ter muito a falar sobre o Enem, somente que acha "legal", pois permitiu a

abertura de mais vagas na universidade. Já para Iolanda, o Enem continua a excluir ao invés de

incluir. Mas ainda assim a estudante é a favor da expansão das vagas, da infraestrutura e da verba

da universidade, embora afirme que essa não é a solução para os problemas enfrentados pela

instituição. A gente tem, por exemplo, os melhores amazonenses, os melhores acreanos, etc., que fizeram os melhores cursinhos - ou seja, tem mais dinheiro - tendo acesso às vagas, por exemplo, na UFRJ. Enquanto uma população que teve menos condições, teve uma educação mais precária, mais barata, tem diminuído esse acesso. Mas no fim das contas, a parcela que tem acesso à universidade é muito pequena (Iolanda).

Na mesma linha de pensamento, Márcio Costa, professor associado da Faculdade de

Educação da UFRJ, acredita que o acesso à universidade ainda é meritocrático, e o Enem não é

capaz de resolver essa questão; no entanto, para o docente, o novo Enem surtirá um efeito positivo

sobre o conteúdo do Ensino Médio, por ser outro modelo de prova, não sendo tão "decoreba" 44 O Sistema de Seleção Unificada (Sisu) é o sistema informatizado, gerenciado pelo Ministério da Educação (MEC), no qual instituições públicas de ensino superior oferecem vagas para candidatos participantes do Enem. O processo seletivo do Sisu possui uma única etapa de inscrição. Ao efetuar a inscrição, o candidato deve escolher, por ordem de preferência, até duas opções entre as vagas ofertadas pelas instituições participantes do Sisu. O candidato também deve definir se deseja concorrer às vagas de ampla concorrência ou às vagas destinadas a políticas afirmativas. Durante o período de inscrição, o candidato pode alterar suas opções. Será considerada válida a última inscrição confirmada. Ao final da etapa de inscrição, o sistema seleciona automaticamente os candidatos mais bem classificados em cada curso, de acordo com suas notas no Enem e eventuais ponderações (pesos atribuídos às notas ou bônus). Serão considerados selecionados somente os candidatos classificados dentro do número de vagas ofertadas pelo Sisu em cada curso, por modalidade de concorrência. Caso a nota do candidato possibilite sua classificação em suas duas opções de vaga, ele será selecionado exclusivamente em sua primeira opção. Serão feitas duas chamadas sucessivas. A cada chamada, os candidatos selecionados têm um prazo para efetuar a matrícula na instituição, confirmando dessa forma a ocupação da vaga (CONHECENDO..., 2012).

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quanto o vestibular (COSTA, 2010).

Geraldo afirma que, embora as premissas do governo para a implantação do Enem sejam

"verdadeiras", pois o vestibular é um "funil", que seleciona as pessoas que tiveram melhores

oportunidades de estudo, "o Enem não mudou essa situação". O estudante avalia que talvez a

situação tenha até piorado, pois o problema do acesso à universidade não é o tipo de prova e sim a

falta de vagas. Essa fala vai ao encontro à fala do então secretário executivo da Andifes, Balduíno

(TAKAHASHI & GOMES, 2010), para quem, com o novo Enem, há uma possibilidade de

aumento da desigualdade, pois "pode ser que os cursos mais concorridos tenham cada vez alunos

mais bem preparados, enquanto que os menos concorridos não".

Segundo Geraldo, considerando que o novo Enem só mudou o tipo de prova, as diferenças

regionais do ensino ainda favorecem mais os estudantes que tiveram melhores oportunidades de

estudo: Sendo uma prova única pro Brasil inteiro e colocar todas as vagas pra serem disputadas por todos os estudantes, ele primeiro desrespeita assim as diferenças regionais né, o jeito como o ensino é dado em cada lugar, que não é que o estudante do Rio de Janeiro ele tem... Sei lá, o estudante do Piauí que tem o pior ensino pelo ensino que o próprio governo colocou agora, o ensino básico - básico médio, né. Não é que não tenha as mesmas condições de disputar uma vaga com os estudantes do Rio, de São Paulo, de uma escola de classe média do Rio de Janeiro e tal. [...] Alguém do Rio de Janeiro, vai estudar prioritariamente no Rio de Janeiro. É difícil mudar, ir pra outro estado (Geraldo).

A necessidade da assistência estudantil também é apontada pelo mencionado aluno. Em

sua opinião, seria necessário que "se ampliasse o número de vagas, ampliasse assistência

estudantil com bolsa pros alunos, bolsa que dê pro aluno se sustentar dentro da universidade, com

alojamento, com bandejão, com transporte, isso aí sim permitiria que os estudantes tivessem

mobilidade acadêmica". Como as condições de alojamento da UFRJ são muito precárias, quem

acaba tendo condição de fazer o Enem e concorrer a uma vaga em outro estado são “os estudantes

que tem mais dinheiro pra manter uma estadia fora de seu estado, que não é nem de perto barato,

né? Tem que alugar apartamento, pagar conta e tal, alimentação” (Geraldo).

Aqui se percebe uma relação entre o posicionamento de Geraldo com o do movimento

estudantil mais amplo, especificamente da ANEL, quando a entidade afirma que "a mobilidade dos

estudantes apresentada pelo ENEM não é para os estudantes que historicamente são excluídos da

universidade pública", pois as políticas de permanência na universidade são insuficientes, "como a

falta de casas de estudante ou bolsas de ensino/pesquisa/extensão e restaurantes universitários"

(NOVO..., 2010).

Para Yasmin, o problema do Enem é sua interferência na autonomia da universidade: "É

sabido as diferenças, sabe? Aqui [UFRJ] é muito pesquisa, muito teoria, né? A UFF é mais social,

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cada uma tem suas características, assim. E aí, quando você hegemoniza o acesso, você tira um

pouco dessa autonomia da universidade, da sua própria produção, sabe?". Percebe-se na fala da

estudante uma preocupação com a permanência das "características" de cada universidade, dentre

elas a de pesquisa, de produtora de conhecimento científico, na UFRJ.

Assim como Geraldo, Yasmin ressalta a importância das diferenças regionais, recordando a

ocasião em que prestou vestibular para uma universidade em Londrina: "Lá caía geografia local,

sabe? Enfim, você perde essas particularidades, sabe? Do que você precisa pra tá ali, trabalhar e

tal." A aluna acrescenta ainda que, por ser uma prova longa, o Enem acaba se tornando também

uma prova de resistência física. No entendimento da estudante, nem deveria haver vestibular.

O posicionamento dessa aluna vai ao encontro ao do DCE da UFRJ, que em artigo em seu

blog, afirma que o novo Enem ignora "as diversidades regionais, colocando estudantes de regiões

muito diversas para seguir um modelo único, que certamente não será o mais adequado para aferir

o aprendizado de todos.". Também é apontada pela entidade a deslealdade do processo, pois

"sabemos que algumas regiões do país são mais pobres e têm uma rede de ensino mais precária. Os

estudantes destas regiões serão muito afetados, pois jovens de outras regiões podem entrar em suas

vagas mais facilmente" (DCE UFRJ, s/d).

Visto o alinhamento entre os discursos dos entrevistados, os de outras instâncias do

movimento estudantil, como a do DCE da UFRJ, e os que circulam na comunidade acadêmica

como do corpo docente, entendo que a relação entre esses discursos se estabelece a partir do

posicionamento político adotado por esses estudantes, com base em sua identidade de militantes

estudantis.

4.2 Sobre o Sistema de Reserva de Vagas como forma de ingresso

Considerando que a UFRJ aprovou somente a modalidade de cotas sociais, que vigorou em

2011 pela primeira vez, ainda não se sabe ao certo o impacto dessa mudança nessa instituição.

Embora a UFRJ não tenha adotado até o momento as cotas raciais, entendo que é importante

compreender o posicionamento dos militantes em relação às duas modalidades de cotas, pois,

como já exposto no capítulo I, as cotas sociais nasceram no bojo das cotas raciais.

O posicionamento dos depoentes em relação às cotas sociais é em sua maioria favorável,

entendendo-se que as cotas são uma medida emergencial, que trará oportunidade ao jovem

excluído. Aqui os significados construídos se misturam entre a adoção de cotas para egressos do

ensino público e a adoção de cotas para quem possui renda baixa. Alguns argumentos, como p. ex.

a falta de oportunidade ao pobre de ter acesso a um ensino de qualidade e a concorrência desleal

entre quem teve condições financeiras de custear um bom estudo na educação básica e quem não

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teve condições, foram utilizados pelos estudantes em defesa das cotas sociais. Quanto às ressalvas

às cotas sociais, algumas falas apontaram a necessidade de assistência financeira aos estudantes

cotistas que ingressarem na universidade.

Em relação às cotas raciais, as falas desfavoráveis estão relacionadas ao argumento de que

a má qualidade do ensino básico é o principal motivo pelo qual a maioria das pessoas de etnia

negra não consegue ingressar na universidade pública; e ao risco que acarretaria à qualidade do

ensino superior o ingresso dessas pessoas na universidade através da adoção das cotas raciais.

Foram percebidas ainda falas que apontam mudanças na forma de perceber o ingresso dos

cotistas, entendendo que essas pessoas podem contribuir para a democratização do conhecimento -

tanto negros, quanto pobres - como discutirei a seguir.

Os militantes Roberto e Helena, embora pertençam a diferentes correntes ideológicas

dentro do movimento estudantil, manifestam o mesmo posicionamento em relação às cotas:

apoiam as sociais, enquanto não concordam com as raciais. Roberto enfatiza que sempre foi contra

a cota racial, pois entende que esta não é a medida ideal para o problema da exclusão: “não é

porque o cara é negro que ele é mais pobre, tem mais dificuldade ou não. Eu acho que o

branco pobre tem o mesmo problema do negro pobre. É uma puta sacanagem. Só porque o cara é

branco e pobre, o cara não pode entrar na faculdade, mas o negro pobre pode entrar?", questiona

Roberto.

Embora compreenda que a maioria dos pobres no Rio de Janeiro seja de etnia negra,

Helena é contra a cota racial, defendendo apenas a social, que em sua opinião abarcaria tanto

brancos quanto negros. Afirma que não é porque a maioria dos brasileiros é de etnia negra que se

deveria criar cotas só para negros, pois “não é porque o cara é negro que ele tem que ter facilidade

pra entrar. Agora, o cara ser pobre faz sentido, que ele não teve acesso. O pobre com certeza não

teve acesso a uma boa educação. Agora, o negro não. Tem negro que ele pode ter tido. Ser de

classe média e ter tido sua oportunidade de estudo" (Helena).

Nota-se que o argumento de aumento do preconceito, com grande circulação nos últimos

anos, não está presente nesses depoimentos, como se encontra p. ex. no pronunciamento de Zarur

(2010) na audição pública promovida pelo Superior Tribunal Federal (STF) antes do julgamento

sobre adoção do sistema de cotas como forma de ingresso na universidade pública. O antropólogo

posicionou-se contra as cotas, afirmando que estas “agravam o racismo”, pois, segundo ele, “no

Brasil não há segregação racial que gere ódio e assassinatos”. Por esse motivo, afirma que não faz

sentido justificar as cotas com o argumento da diversidade e declara ter se espantado ao deparar-se,

na UnB, com um "Centro de Convivência Negra", que, segundo o autor, é "um verdadeiro

monumento à segregação" (Zarur, 2010).

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Já na visão da UNE, espaços como p. ex. o Encontro de Negros, Negras e Cotistas da UNE

não significam segregação, e sim luta pela inclusão: A UNE defende a unidade da juventude a partir da sua diversidade, privilegiando a organização de estudantes mulheres, gays, lésbicas, negros e outros grupos que compõe o mosaico colorido da classe estudantil brasileira. Entre as principais atividades do movimento estudantil nessa área estão o Encontro de Negros, Negras e Cotistas da UNE (Enune) e o Encontro de Mulheres da UNE (EME). Além disso, a UNE possui uma diretoria LGBT e participa da organização das principais paradas gays do Brasil. Defende as políticas afirmativas para a afirmação de minorias raciais, de gênero e, principalmente, para estudantes pobres terem mais acesso à universidade (DIVERSIDADE, s/d).

De acordo com Iolanda, embora a adoção das cotas não resolva a questão da desigualdade

social, ela é importante "por ter inserido na universidade, com acesso e influência nas pesquisas,

nos projetos de extensão, pessoas de origem humilde, né?". Para a estudante, é "interessante ter

essas pessoas aqui produzindo conhecimento, não só pessoas de origem mais elitizada".

Também Geraldo afirma que as cotas são um avanço, e que além das sociais também as

cotas raciais deveriam ser adotadas pela UFRJ, lembrando que hoje a população negra é mais

vítima de violência, recebe menores salários pelos mesmos empregos e, em geral, tem escolaridade

mais baixa que a população branca. Lembra que isso é um "problema histórico" que deve ser

resgatado e, embora as cotas não sejam solução definitiva, ajudam neste resgate. Para esse aluno,

“o correto seria as cotas serem na proporção de negros e pardos que existem na sociedade. No Rio

de Janeiro em geral, né? [...] E dentro da universidade, não sei o número certo, mas diria que 80%

são brancos assim...”. E sobre as cotas sociais, afirma que: Resolver, resolver, não resolve. Mas acho que é uma medida interessante que permite que emergencialmente outros estudantes que não teriam condições de passar pra universidade por conta de uma concorrência muito desleal [...]. Não teriam nenhuma condição de concorrer por aquela vaga, né? (Geraldo).

Segundo Munanga (2001), a cota racial é “uma medida emergencial, enquanto alternativas

não surgem” e entendê-las como injustas é "uma maneira de fugir de uma questão vital para mais

de 70 milhões de brasileiros de ascendência africana e para o próprio futuro do Brasil" (p. 42). As

cotas não vão estimular o preconceito contra o negro, pois este “já existe em todas as camadas da

sociedade”. Afirma que os negros que entrarem pelas cotas estarão tendo uma oportunidade única

de ter acesso a um conhecimento científico que os acompanhará por toda a vida, e que "apesar dos

preconceitos que persistirão ainda por muito tempo, abrirão com facilidade algumas portas, graças

a esse conhecimento adquirido" (p. 41).

Nessa mesma linha de pensamento, apesar de entender que a medida das cotas não é o

ideal, Iolanda destaca a necessidade não só do acesso das pessoas excluídas ao conhecimento, mas

também na produção dele: “ter pessoas excluídas, com características excluídas, tendo influência

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sobre a população, tendo influência sobre si mesmas, né, na produção de políticas para si

mesmas, né? De tecnologias para si mesmas”.

O estudante Bruno ressalta, em sua argumentação em defesa das cotas, que as mudanças no

ensino básico no país demorariam muitos anos para trazer um resultado efetivo. Significa as cotas

sociais adotadas pela UFRJ como um avanço, mas ainda "tímido", pois, em sua opinião, deveriam

ser adotadas também as cotas raciais, tanto pela UFRJ, quanto pelo ensino federal de todo o país. O

militante justifica seu posicionamento destacando a dívida histórica que o Brasil possui com a

população negra. Afirma que a cota é uma questão de oportunidade para a população negra e não

de falta de capacidade intelectual para o ingresso na universidade. Segundo Bruno, enquanto não é

possível a abertura de mais vagas na universidade, "é mais do que justo dar chance pra essa

população, pra essas pessoas que já são mais de 50% da população do Brasil, tenham acesso a

ensino de qualidade". Portanto, para o estudante, a medida não é humilhante, e sim uma

oportunidade de acesso.

Neste sentido, as falas de Iolanda, Bruno e Geraldo alinham-se a um discurso democrático

principalmente no que tange à igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior e aos

direitos coletivos. Suas argumentações fundamentam-se na dívida histórica da sociedade com a

população negra, alinhando-se ao que Munanga chama de "mito da democracia racial" (p. 35), que,

segundo o autor, ainda paira no "imaginário coletivo" da sociedade. E tem gente que vira e fala: "Ah não, mas isso aí é preconceito contra o negro porque você tá querendo dizer o seguinte: que o negro não tem condição de passar sozinho porque tem menos poder intelectual e por isso tem que ter as cotas." [...] Isso pro negro não é questão de ser menos inteligente ou não. É questão de ter mais ou menos oportunidade (Bruno).

Yasmin ressalta que existe realmente uma dívida histórica com a população negra, e que a

discussão de cotas na Faculdade de Medicina é muito difícil de ser realizada, por ser um assunto

polêmico. Segundo a militante, na opinião da maioria dos estudantes de medicina, "a cota tem essa

questão de piorar o ensino, rola umas lendas assim... Rola um preconceitozinho bom". Lembra

ainda que não tem nenhum negro em sua turma: "Dá pra contar em duas mãos o número de negros

de toda a Faculdade [de Medicina]. E a maioria desses são intercambistas da África. Tem

convênio".

Bruno também identifica a ausência de negros na Faculdade de Medicina: "Vamos pegar o

exemplo da Medicina: uma turma de 99 alunos tem 1 negro. Essa que é a média. Tem até turma

que tem dois, às vezes três... Três já é exceção".

De acordo com recente pesquisa sobre a demografia racial no Brasil, realizada pelo

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de negros ultrapassou o número de

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brancos. Relata o Instituto que "no Censo Demográfico de 2010, 97 milhões de pessoas se

declararam negras, ou seja, pretas ou pardas, e 91 milhões de pessoas, brancas." Houve, portanto,

um aumento do número de negros declarados em relação aos anos anteriores, sendo observada

uma taxa de crescimento da população negra entre 2000 e 2010 de 2,5% ao ano, enquanto a da raça

branca aproximou-se de zero” (COMUNICADOS DO IPEA, 2011).

Segundo o portal do governo federal, dentre os jovens brancos com mais de 16 anos, 5,6%

frequentavam o ensino superior em 2007, enquanto entre os negros esse percentual era 2,8%. Em

1997, esses patamares estavam em 3% e 1%, respectivamente (PERCENTUAL..., 2011).

Como mencionado em Siqueira et al (2011), em estudo feito entre estudantes da área da

saúde não cotistas da UFRJ, certa “dispersão”, ou seja, “desvio dos interesses propriamente

científicos” (Casper, 2003) é percebida em relação aos objetivos “reais” da universidade, a partir

do ingresso de cotistas na UFRJ, instituição esta que foi identificada frequentemente pelos próprios

estudantes no decorrer das entrevistas como uma instituição “de excelência”. Para Roberto, p. ex.,

a mudança necessária deveria ser primeiramente na educação básica, e não através da adoção de

cotas na universidade, pois segundo ele “não adianta você querer arrumar um problema lá de

baixo, sacaneando o outro em cima. Se o problema é do ensino fundamental e do médio, você

não pode ‘precarizar’ o ensino superior”. “Precarizar” significa para o estudante a diminuição

da excelência historicamente atribuída ao ensino da UFRJ, na medida em que classes sociais antes

excluídas passem a frequentar em proporções maiores os cursos universitários através das cotas.

A expectativa de que as políticas inclusivas venham a estimular uma melhor qualidade de

vida e favorecer o aperfeiçoamento das condições sociais foram aspectos desconsiderados na fala

de Roberto; em seu lugar, como analisado no já mencionado estudo feito por Siqueira et al (2012),

“as argumentações pareceram incorporar o ideal de universidade postulado por Humboldt em

1811, com seus “verdadeiros objetivos” equivalentes aos interesses científicos, à pesquisa e à

transmissão da ciência (Casper, 2003), sendo o que não se enquadra nesses objetivos visto como

fonte de dispersão”.

O mesmo pensamento de que as cotas sociais ‘precarizam’ a universidade é identificado na

fala da estudante Helena, ao comentar a necessidade da assistência estudantil ao cotista: “políticas

de inclusão devem vir com políticas de assistência. Você tem que nivelar o cara, pra não cair a

qualidade do próprio ensino. Porque cai! Cai!”. Também Yasmin ressalta que é a favor tanto

das cotas sociais como das raciais, desde que venham acompanhadas de políticas de assistência ao

cotista. Destaco aqui que o posicionamento de Yasmin é relacionado à sua identidade política, pois,

como afirma a estudante:

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Quanto às cotas aqui na universidade, eu não acompanhei muito o debate, mas pelo que eu acompanhei assim, tinha estudos assim acho que da Adufrj que mostravam que... Não, primeiro que não tinha nenhuma política de assistência pra essas pessoas, né, que entrarem... [...] Sabe, você não pode abrir cotas... E de qualquer forma, pelos estudos que a Adufrj fez - acho que foi a Adufrj que fez - o perfil... Com as cotas, o perfil social da UFRJ não mudou, não aumentou. Continua entrando o que já entrava pelo vestibular comum. Isso foi uma discussão. Assim, eu acredito neles [Adufrj] por identidade política assim, mas não acompanhei muito. Acho assim que a universidade tem que tá preparada pra isso sabe.

Aqui Yasmin refere-se à abertura de vagas proposta pelo Reuni, outra questão debatida

pela ADUFRJ, à qual a estudante provavelmente teve acesso: "Que nem abrir vaga sabe? 'Ah, abrir

vaga é bom', ainda mais [incompreensível] dentro da universidade. Se não tem campus, se não tem

laboratório, se não tem professor... Abrir vaga pra quê, né?".

Veloso (2009) esclarece que, em pesquisa sobre o sistema de cotas raciais nos anos de

2004, 2005 e 2006 na UNB, a primeira tendência constatada foi a de ausência de diferenças entre

os cotistas e não cotistas, o que contraria a argumentação de alguns críticos que alegam que, com a

adoção do sistema de cotas, haveria um declínio no padrão acadêmico da universidade. Kleinke45

(2010) também comprova que as cotas sociais na Unicamp, através de um programa próprio da

universidade, têm dado certo: "Alguns professores falavam: ‘Ah, vai baixar o nível da

universidade’. O que acontece é que a gente conseguiu mostrar com dados que isso não existe. Que

você tem uma melhora acadêmica junto com inclusão social".

Queiroz & Santos (2006), ao investigarem como a política de cotas adotada pela

Universidade Federal da Bahia (UFBA) estaria influenciando nas notas de corte, concluíram que as

variações nessas notas não eram decorrentes da política de cotas. Exemplificando o rendimento de

cotistas e não cotistas, os autores destacam alguns cursos disputados, como p. ex. Medicina, onde

no ano de 2005 os cotistas da UFBA tiveram seu coeficiente pontuado em 93.3, enquanto os não

cotistas tiveram coeficiente 84.6, fato que também ocorreu em outros cursos historicamente

elitizados da universidade em questão. Destacam ainda que os alunos negros que ingressaram

através das cotas "tendem a se afirmar positivamente como negros e também como indivíduos". Os

autores questionam o que significaria então “a racialização da sociedade brasileira, tão temida e

propalada por intelectuais contrários ao sistema de cotas, senão a defesa de pontos de vista que se

traduzem em manutenção de privilégios e lugares de exercício do poder?” (p. 735).

A Faculdade de Medicina da UFRJ completou 200 anos de existência em 2008 e sua

existência é anterior à própria noção de “universidade”, de acordo com Rocha (2003). É

predominantemente frequentada por uma parcela da sociedade detentora de maior poder aquisitivo

45 Maurício Kleinke é coordenador de pesquisa da Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest - Unicamp).

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e sempre se destacou no cenário da educação brasileira, devido à característica de excelência

conferida historicamente ao seu curso médico, o qual, segundo a própria Faculdade de Medicina,

"por repetidas vezes é considerado pelo Exame Nacional de Cursos do MEC e pela avaliação das

condições de oferta como um dos melhores cursos médicos do Brasil" (UFRJ, s/d).

Tal destaque é confirmado na fala do estudante Roberto, ao ser indagado sobre sua

impressão de cursar Medicina na UFRJ. O militante afirma que seus colegas de turma do curso

médico entraram com as melhores classificações no vestibular. Culpa os professores de reforçarem

essa diferenciação entre o curso de Medicina da UFRJ e outros cursos da saúde e/ou outras

universidades, reproduzindo suas falas, tais como: "Vocês são a elite do Brasil!"; "Vocês são os

melhores do Brasil!"; "Vocês tão aqui, vocês tão na UFRJ!"; "Tem que honrar a UFRJ!".

No meu entendimento, a questão do poder desenvolvida por Foucault está claramente

exemplificada com o campo de conhecimento médico. Tal noção de poder permite compreender as

significações contrárias à entrada de novos atores sociais oriundos das classes populares, de outras

etnias como também de outras regiões do Brasil na UFRJ, reconhecida como “instituição de

excelência” e, sobretudo, como “produtora de conhecimento”, e, no caso da sua Faculdade de

Medicina, preferencialmente identificada com estudantes pertencente a classes sociais mais

abastadas, de etnia branca e oriundas de colégios particulares.

É possível também indagar de que maneira o currículo, mais especificamente da Faculdade

de Medicina da UFRJ, poderá contribuir para a inclusão desses novos sujeitos que ingressam

através das cotas, ou para a exclusão, reforçando a resistência à entrada destes indivíduos no

mundo acadêmico.

O depoimento do estudante Bruno aponta que a universidade pública não cumpre seu papel

de ser democrática: A partir do momento que tu tem pouca vaga, quem vai acessar? Quem tem mais condição de entrar. E quem tem mais condição de entrar? Quem tem mais condição de ter um ensino básico de qualidade, quem tem condição de pagar um cursinho pré-vestibular e logicamente isso daí é o pessoal da classe média, classe média alta, o pessoal que tem um poder financeiro maior, certo? (Bruno).

Iolanda afirma que é possível defender as cotas raciais pela formação de uma elite

intelectual por parte da universidade que seja de negros além de brancos, e que possam influenciar

a população, pois, para a estudante, “a elite intelectual tem uma influência no restante da

população, né? Tem o respeito, tem o medo, tem uma admiração... É o médico, é o engenheiro, é

o desenhista industrial, é... Enfim, tem uma referência que não é qualquer coisa”. Como coloca

o Prof. Dr. Dennis de Oliveira, do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Estudos Interdisciplinares sobre

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o Negro Brasileiro da USP, em participação no debate sobre cotas raciais promovido pelo

programa de televisão Brasilianas.org, A questão da cota, além da justiça social, ela é importante também pra reformar a universidade. A gente banca uma universidade que é pública, e que tipo de profissional está se formando lá? Um profissional que está preocupado com as demandas raciais importantes, com a questão racial, questão indígena, questão negra, etc.? Esse profissional está preocupado, por exemplo, com a saúde pública da população pobre? Se é uma universidade que ela tá apenas referenciada num segmento da sociedade, a tendência dela é reproduzir apenas a preocupação desse segmento da sociedade (OLIVEIRA, 2010).

Cabe aqui indagar: será que a entrada desses estudantes cotistas no curso de medicina da

UFRJ não estará contribuindo para uma formação que tenha maior afinidade com as reais

necessidades de saúde da população, visto que a universidade estaria abrindo as portas do

conhecimento a classes geralmente excluídas do acesso e produção do mesmo?

Silva (2010) ressalta também que, em termos de representação racial, o texto curricular

conserva as marcas da herança colonial. Segundo o autor, "o currículo é, sem dúvida, entre

outras coisas, um texto racial", sendo a questão da raça e da etnia uma questão central de

"conhecimento, poder e identidade". O autor entende que o conhecimento sobre raça e etnia,

incorporado no currículo, é inseparável da formação dos jovens como seres sociais, levantando a

seguinte questão: "como desconstruir o texto racial do currículo, como questionar as narrativas

hegemônicas de identidade que constituem o currículo?" (p. 102).

Ficaram evidenciados nos depoimentos dos estudantes certos posicionamentos recorrentes

em relação às cotas, alinhados a discursos que circulam na sociedade, tais como: “é preferível

melhorar o ensino básico ao invés de adotar cotas”; “as cotas provocam a precarização da

universidade pública”; ou, “as cotas raciais são uma medida democrática, que trazem oportunidade

de acesso e produção de conhecimento do negro para o negro”.

Por outro lado, não houve reprovação às cotas sociais, apesar da preocupação evidenciada

com a “precarização” do ensino na UFRJ e com a necessidade de "políticas de assistência

estudantil" direcionadas ao cotista e da ênfase na afirmativa de que as cotas "não resolvem" o

problema da desigualdade no acesso ao ensino superior. Posicionamentos contrários apareceram

somente em relação às cotas raciais, que parecem causar maior polêmica, reproduzindo reações

também observadas na sociedade em geral. Tais opiniões, em meu entendimento, revelam pouco

conhecimento sobre a política de cotas, bem como ignorância ou silêncio a respeito do rendimento

dos cotistas nas universidades que já adotaram o sistema de reserva de vagas.

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4.3 Sobre a adoção do Reuni na UFRJ

A respeito da adoção do Reuni e sua repercussão no Plano Diretor da UFRJ, os estudantes

revelaram posicionamentos políticos mais claros do que em relação às outras temáticas, por se

tratar de um assunto que divide a comunidade acadêmica da UFRJ, como percebemos na fala da

prof.ª Ângela Rocha dos Santos, que afirma que as críticas ao Reuni "são posições políticas e

partidárias trazidas para dentro da universidade." Penso que não somente as críticas, mas

também o apoio ao Reuni traduz diferentes posições político-partidárias da sociedade dentro da

Universidade.

Na perspectiva de realizar uma aproximação entre as recentes mudanças em debate na

Universidade com o campo de formação médica visto pela ótica da militância estudantil, verifiquei

no site do Centro Acadêmico Carlos Chagas da Faculdade de Medicina da UFRJ a existência de

diferentes posicionamentos de estudantes de medicina em relação ao REUNI, durante a gestão

Todos pela Medicina, entre 2007 e 2009. Observe-se que ambos os posicionamentos que seguem

datam de 2007, podendo ter sido modificados posteriormente.

Em seu artigo “Transformação necessária” (CACC, 2007e), a acadêmica de medicina

Helena Ferraz afirma que o projeto do REUNI significa “um avanço para a universidade e que

com os estudantes participando, o projeto aprovado pode ser proveitoso para a UFRJ”, e

argumenta: Claro que não podemos aceitar o projeto como um todo, temos diversas críticas, mas sabemos que esse projeto tem pontos avançados e que, com a participação dos estudantes para propor e modificar, o projeto aprovado pode realmente mudar os rumos da UFRJ. E é isso que devemos fazer, superando as posições do contra tudo e contra todos, sem jamais apresentar qualquer tipo de proposta (CACC, 2007e).

No entanto, outra estudante de medicina, Letícia Hastenreiter, no artigo “Por que o REUNI

é prejudicial à educação?” (CACC, 2007f), denuncia a ausência de participação dos estudantes e

docentes nas tomadas de decisão da UFRJ no que diz respeito ao assunto: O governo parece querer que a UFRJ seja o grande modelo de implementação do Reuni e a reitoria já está tentando aprovar o decreto sem que antes haja discussão pela comunidade acadêmica. Existe uma óbvia conclusão dessa história toda: se as medidas fossem boas, não haveria necessidade de serem colocadas autoritariamente. Certo? Mesmo aqueles que gostam do conteúdo do Reuni terão que concordar que não se pode fazer uma grande reestruturação do meio universitário sem que a comunidade possa entender, questionar e sugerir sobre o assunto (CACC, 2007f).

O docente Corrêa e Castro (2010) indica que há uma falta de autonomia e acusa o Plano de

Desenvolvimento Institucional de ter sido aprovado em meio a tensões, em 2007, resultando no

atual Plano Diretor. Observa que muitos se abstiveram da discussão, pois hoje na universidade "o

cara não tem tempo pra pensar. Pensa no seu artigo, na sua pesquisa, no seu financiamento".

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Enfatiza ainda que a "discussão não nasce na universidade", e sim que ela é plantada a partir do

compromisso com o Reuni.

Segundo o estudante Roberto, “o Reuni só trouxe a possibilidade de melhora para a UFRJ”.

O militante destaca que os líderes do Centro Acadêmico Carlos Chagas, em sua gestão, apoiaram a

adesão da UFRJ ao Reuni, embora não pudessem se posicionar por todos os estudantes de

medicina da instituição: A gente apoiava a expansão que a UFRJ teve. E foi uma expansão absurda de boa. Claro que tem seus problemas, mas o recurso que a gente recebe hoje na UFRJ é estrondoso. O centro acadêmico de Medicina, a gente não apoiou, porque a gente não pode fazer isso. Agora, os diretores em geral [do CACC, na gestão em que Roberto foi coordenador-geral] apoiavam. Isso pra Reitoria não desvincula. Se eu estou lá, apoiando eles, na cabeça deles é o Centro Acadêmico, entendeu? (Roberto)

Destaca-se na fala de Roberto a importância do líder estudantil responsável pelo CA, que,

embora nem sempre pretenda representar o estudante de medicina, acaba por fazê-lo, pois é

reconhecido pela comunidade acadêmica como tal.

O estudante Bruno se identifica como um dos militantes que mais lutou para que o Reuni

fosse aprovado na UFRJ. Explica a importância da adesão da universidade ao Programa e ressalta

os seus aspectos positivos, pois, para o militante, mesmo que haja "um problema ou outro", o

Reuni "é um negócio bom pros estudantes. Não tinha porque não existir". Eu tava na UNE, mas eu vinha aqui pra UFRJ. Fui sempre uma das principais pessoas no movimento estudantil que defendeu o Reuni. É o seguinte, Reuni é uma chance da gente ampliar a UFRJ e com aporte de recurso, entendeu? O Reuni foi um negócio bom pra Universidade. Vai dar acesso a mais estudantes e sem mexer na qualidade. Pelo contrário, a UFRJ tá correndo atrás do prejuízo que a gente acumulou de anos anteriores. Temos que voltar a pensar a UFRJ como centro estratégico de produção de conhecimento no Brasil. Eu acho que a gente tem que caminhar mais nessa lógica. Pra isso a gente tem que construir mais prédio, mais laboratório, mais alojamento universitário, que tá previsto [no Reuni]. (Bruno)

Recentemente, nas eleições para reitor da UFRJ, Bruno e Roberto apoiaram a candidatura

do prof. Carlos Levi da Conceição, vencedor do processo (LISTA, 2011). Lembro aqui que Levi

ocupou, na gestão de Aloísio Teixeira, um importante cargo de liderança frente ao Reuni, como

Pró-reitor de Planejamento de Desenvolvimento da UFRJ, e que o vice-reitor na atual gestão de

Levi é o prof. Antônio Ledo, ex-diretor da Faculdade de Medicina da UFRJ. Tais fatores podem ter

provocado a decisão dos estudantes Bruno e Roberto de apoiar o candidato: o desejo de ter a

Medicina no leme da UFRJ e a continuidade de expansão da instituição.

No debate realizado a pedido do DCE da UFRJ entre os candidatos ao cargo da Reitoria,

Levi manteve o posicionamento de defesa do Reuni na Universidade, um dos principais assuntos

debatidos, frente às acusações dos estudantes e demais candidatos, que apontaram a má aplicação

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dos recursos do Programa, a falta de estrutura nos cursos criados e a falta de discussão ampla com

a comunidade acadêmica sobre o Programa, como falhas da implantação do Reuni na instituição. Estou convencido de que o processo implementado nesta universidade vai ser consolidado, aprimorado. Trabalharemos para evitar recuos [...] Onde se pode ver a precarização, também se pode ver a expansão que se teve. Há o esforço de buscar soluções e alternativas para incorporar novos contingentes de alunos. Não podemos ficar engessados aguardando que as condições sejam as ideais (ESTUDANTES..., 2011).

Iolanda entende como um ponto positivo do Reuni a "expansão de vagas", porém destaca

que a "transitoriedade da verba" e os cursos que tendem à especialização de algumas áreas

podem ser prejudiciais ao próprio formando: Parecem sub-especializações, pós-graduações, que eu acho que cultiva a formação cada vez mais alienada, né, do processo de trabalho, de se entender mesmo, né, de entender o seu papel. Faz a formação cada vez mais específica, mais dependente de outras, e sem compreender o todo. E carreiras que às vezes não são voltadas para interesses da população, são voltadas pra interesses de mercado, financiados com impostos públicos, né, que é uma tristeza. (Iolanda)

Para a estudante Helena, o Reuni “fere a autonomia universitária”. Embora não tenha se

aprofundado no tema e mencione que existam discussões mais aprofundadas sobre o assunto,

explica porque é contra o Programa. No seu raciocínio, a Universidade, como qualquer entidade,

“ela cresce e gasta mais. Logo, ela precisa de mais verba. Só que o governo só vai dar essa verba se

ela aderir ao Reuni, que já é uma moeda de barganha, por quê? Porque o Reuni tem uma série de

etapas que você tem que cumprir. Algumas delas, né, é você aumentar o número de estudantes”.

Mas, para Helena, “se uma infraestrutura já tá saturada, você ainda vai aumentar o número de

estudantes, essa infraestrutura vai ficar ainda mais precarizada. Aí você pensa: Até que ponto essa

verba vai ser o suficiente?”.

Ao comentar sobre a questão da autonomia universitária diante do Reuni, o docente

Oliveira Neto (2010) explica que o Programa não dita normas sobre onde devem ser aplicados os

recursos que a UFRJ recebe do governo. Afirma que o Reuni tem por objetivo aumentar o número

de alunos matriculados no ensino superior e que cada universidade tem autonomia para decidir

como aplicar os recursos em favor de uma educação de qualidade. Não é somente uma questão numérica. O Reuni não diz que o dinheiro tem que ser aplicado neste ou naquele curso, isso cabe à universidade. O Reuni não quer saber se a UFRJ vai trazer os cursos da Praia Vermelha para Cidade Universitária ou não. Ele não toma conhecimento disso. Então onde está a interferência? (OLIVEIRA NETO, 2010, p. 18)

Quanto à possibilidade de concurso para admissão de mais professores, Helena fala que há

previsão, sim, porém “você não prevê contas. Nada é muito claro no Reuni. Não é claro, por

exemplo, que o governo vai liberar essa quantia a partir do momento que a escola adere ao Reuni”.

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Entendendo que a proposta do Reuni não é uma política confiável, a militante expõe suas

principais dúvidas a respeito: Lá no programa diz que, depois de cinco anos, a escola vai ser avaliada, pra ver se ela tem realmente direito àquela verba, porque a verba do Reuni não precisa ser dada em sua totalidade a partir do momento em que a escola assina. O governo tá dando porque é meio que um acordo de cavalheiros: "Olha, assinei, você vai me dar minha verba". Mas, assim, o governo pode suspender a verba do Reuni mesmo que a escola tenha implantado algumas medidas, só que tem que atingir certas metas. E tem metas que são complicadíssimas de serem atingidas (Helena).

E conclui: Eu sei que - é o que eu tenho muito claro nas minhas conclusões - que fere a autonomia universitária; é uma barganha, a questão do financiamento; e ainda assim, o financiamento não é certo. Então, se você já tá barganhando pra ter financiamento, já tá errado. E você tá mais errado ainda porque o financiamento não é garantido (Helena).

Segundo Geraldo, o governo implementou o Reuni argumentando que pretendia "ampliar o

número de alunos nas universidades públicas". Porém, afirma que não parece ser esse o real

objetivo do Programa. Para ele, o Reuni promove uma reestruturação que viria a prejudicar muito o

ensino, por conta de suas metas globais: Ele coloca como metas globais: mudança da relação professor-aluno pra 18. Taxa global de conclusão 90%, que é o que você tem em nenhum lugar por diversos motivos, a partir do momento que o estudante não consegue se manter na universidade até o final, por problemas acadêmicos, por “N” motivos que não podem ser atacados, só dizendo que tem que concluir, né? E mudança das modalidades de graduação pra bacharelados interdisciplinares, cursos de terminalidade breve e tal. O que significa mudar a relação professor aluno de 1 pra 10, pra 1 pra 18? Seria basicamente dobrar o número de pessoas em cada sala de aula, mas não contratar mais professores pra que seja proporcional essa mudança, simplesmente o inchaço das salas de aula, né? (Geraldo).

Percebe-se a relação entre essa fala e a seguinte de Roberto, ao comentar o posicionamento

que a gestão contrária à sua, da qual Geraldo participava, tinha em relação ao Reuni. Segundo

Roberto, a liderança da gestão citada distorcia as informações em relação ao Reuni para os

estudantes: [A liderança da gestão citada, contrária à de Roberto] Foi na sala lá do pessoal nosso mais baixo, e chegou: "Olha só, vão dobrar as vagas". "É, o Reuni diz isso mesmo, vamos dobrar as vagas". Falou na cara isso: "Ano que vem, nessa sala aqui tem 100 alunos, né? Vão ter 200 alunos de medicina". Todo mundo, aquele negócio, rebuliço e tal. Eu falei: "Você sabe que não é isso." Por que não é? Porque vai aumentar globalmente. Porque vai criar novo curso, vai criar curso noturno... Expansão em geral! Não é dobrar as vagas ali, entendeu? E usa isso! Sabe e faz e fala. Não tem critério algum (Roberto).

Destaco aqui a disputa política travada entre os grupos e a reprodução das relações

observadas nos grandes partidos políticos, como já apontada na análise das semióticas das eleições

do CACC. Ressalto ainda o importante papel exercido pela liderança estudantil, que está em

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contato direto com os estudantes, formando opiniões e influindo em posicionamentos a respeito de

questões importantes para a comunidade acadêmica e para sociedade, como é o caso do Reuni.

Geraldo critica também a questão da verba, "que ele [o MEC] colocava que, se as

universidades cumprissem essas metas, elas teriam direito de até 20% a mais de verba que ia ser

dado durante apenas os cinco anos seguintes", lembrando que talvez essa verba seja condicionada à

capacidade orçamentária do MEC, novamente afirmando que "você tem que praticamente dobrar o

número de alunos nas universidades públicas aumentando só 20% das verbas. Isso aí ia tá levando

a um caos que já tá levando hoje a diversos lugares, que eu vou falar depois".

Geraldo aponta como exemplo de precarização o caso do campus de Xerém, onde alunos

de Biofísica "chegam a assistir aula num ginásio poliesportivo. Não existe nem uma sala de aula,

que é o mínimo da estrutura pra ter uma aula, né?". Também comenta a deficiência de uma

formação a partir do bacharelado interdisciplinar, o que, em sua opinião, "ia se formar uma mão de

obra barata pro mercado sabe? Um bacharel em Saúde. Que ela faz? Que essa pessoa faz? Ele

entende de Saúde no geral. O que faz um bacharel em Humanidades? Não tem uma

habilitação específica!". Na sua avaliação, “não existe assim uma solução mágica pro acesso à

universidade, né? Pra garantir acesso, tem que garantir mais verba, contratar mais professor,

democratizar a gestão da universidade, né?". Por fim, faz uma crítica à instância que exerce o poder

de decidir essas políticas na UFRJ, argumentando que o estudante está prejudicado neste contexto: Eles estão muito antidemocráticos, né, a gente no Conselho universitário, os professores tem 70%, os técnicos tem 15% e os estudantes tem 15%. Então são 40 e poucos professores... Não sei o número, sei lá, são dois estudantes votando, dois técnicos, e o resto tudo professor. Eu acho que ficou longe de resolver todos os problemas a que se propunha assim (Geraldo).

A estudante Yasmin apresenta alguns exemplos que indicam que o Reuni abriu vagas,

porém sem condições para expandir efetivamente. Você vê aquela questão lá do pessoal do curso de Relações Internacionais, que ficou aqui um tempão, não tinha instituto pra eles; o pessoal da Medicina de Macaé, que não tem laboratório de anatomia, não tem professor. Mal tem professor pro que tá lá agora, conforme vai rolando os períodos, não tem previsão de concurso. Enfim, é meio que pra dar uma resposta ao governo. É óbvio, né, que todas as universidades brasileiras não têm dinheiro. Se tem alguma possibilidade de você ganhar dinheiro, você acaba aceitando. Uma precarização absurda assim. O que a UFRJ melhorou com o Reuni? O hospital caiu - demoliram no final - pessoas sem sala de aula, violência bombando na universidade... (Yasmin).

Observei que a argumentação frágil de alguns depoentes ao comentarem o Reuni - como

Helena e Yasmin - evidencia a mera repetição de falas que circulam em determinados grupos,

como o próprio CA, a ADUFRJ, o DCE, ao posicionarem-se contrariamente ou a favor do Reuni.

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Roberto relata ainda como foi o processo de aprovação do Reuni e a disputa política que se

travou dentro da universidade. Aponta que o outro grupo, no qual Geraldo militou, procurou

impedir que o Reuni fosse adotado na UFRJ, devido ao seu posicionamento político contrário ao

governo de Luís Inácio Lula da Silva. Eles [referindo-se ao grupo em que Geraldo militou] estavam lá no auditório do CT fazendo de tudo pra perturbar a ordem. Quando eles viram que não ia dar certo, que ia ser aprovado e tal, eles invadiram o palco. E a gente tava lá em cima lá, todo mundo... E de empurrar mesmo, empurraram a professora Sylvinha Vargas, entendeu? Então a gente tava lá. E nesse momento - e isso é importante - foi o momento que as pessoas viram mesmo, entendeu, que a gente tava protegendo, vamos dizer assim, o Reuni e nego tava querendo entrar pra cancelar, pra não ter a votação. Qual era a deles? Foi uma jogada regimental, porque se eles não aprovassem naquele dia o Reuni, não ia dar tempo de entrar com o decreto pra poder ganhar o dinheiro. E a UFRJ não ia entrar. Por quê? Era uma expansão, era o governo Lula. Partidarismo entendeu? Partidária a coisa. Não é acadêmico aquilo, entendeu? (Roberto).

Segundo Mesquita (2003), a partidarização cria um "estilo de intervenção" que limita a

intervenção estudantil. Esse "estilo de intervenção", baseado na profissionalização da política, é

caracterizado por um "discurso de convencimento, onde os militantes – muitas vezes com um

espírito vanguardista – vão ao encontro dos estudantes. Uma linguagem caracterizada pela

estratégia do convencimento, pois parte de uma concepção hierarquizada da compreensão dos

fatos" (p. 128).

Analisando o conjunto dos depoimentos acerca da adoção do Reuni proposto pelo governo

como política de expansão do ensino superior para as universidades públicas, percebeu-se que

prevaleceu entre os depoentes o entendimento de que essas mudanças podem levar a UFRJ a um

processo de precarização da qualidade de ensino e produção do conhecimento e de perda de

autonomia universitária uma vez que a Universidade fica obrigada a implantar cursos de qualidade

precária e a expandir quantitativamente as suas vagas para novos estudantes sem garantir o

ingresso de mais professores. Outros depoimentos entendem que setores da Universidade, sejam

estudantes ou professores, não apoiam o Reuni porque divergem da política partidária do governo.

Ficou evidenciada a influência dos posicionamentos político-partidários dos estudantes ao

apoiarem ou rejeitarem as políticas de ensino superior (principalmente em relação ao Enem e ao

Reuni) do governo de Luís Inácio Lula da Silva. Bruno, p. ex., pertencendo a uma tendência que

apoia o governo Lula, concorda com todas as medidas apontadas, enquanto Iolanda, Yasmin,

Helena e Geraldo apontam diversas críticas em relação às políticas, assim como os partidos dos

quais esses estudantes simpatizam ou são filiados (PSol e PSTU) agem em relação ao PT. Bauman

(2005, p. 18) afirma que "as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a

maneira como age - e a determinação de se manter firme a tudo isso - são fatores cruciais tanto

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para o 'pertencimento' quanto para a 'identidade'". Percebe-se, portanto, que a formação política

desses estudantes influencia seu modo de pensar e agir em relação a essas questões aqui estudadas.

4.4 Sobre a formação médica promovida pela UFRJ

Nesta sessão procurei identificar algumas práticas sociais em saúde promovidas pelos

militantes, bem como suas visões sobre a formação médica promovida pela UFRJ. Interessou,

portanto, analisar como esses estudantes vêm discutindo a questão da formação profissional

médica no contexto do movimento estudantil, relacionando tais significados à questão do poder e

suas repercussões para as identidades e para a cidadania.

Observando o material coletado no site do CACC, percebi que a gestão Todos pela

Medicina (CACC, 2007a), da qual participaram Roberto e Bruno, promoveu campanhas de doação

de sangue para o Hospital Universitário e doação de alimentos para a ONG Recomeçar; incentivou

a participação dos alunos no Projeto Rondon; criou o Ambulatório de Promoção à Saúde; e

incentivou a participação de estudantes de medicina em projetos de prevenção e promoção da

saúde no projeto "UFRJ Mar" (CACC, 2007d). Ainda no site oficial do CACC, foi percebida a

divulgação de eventos como o II Congresso de Educação Médica, organizado pela ABEM

(Associação Brasileira de Educação Médica), onde se pretendia discutir assuntos como p. ex.

reforma curricular, internato, ligas acadêmicas, dentre outros, tendo como tema os 200 anos do

Ensino Médico no Brasil.

Dentre essas iniciativas, destaco o "Ambulatório de Promoção à Saúde", realizado nos

mesmos moldes do Ambulatório Social, projeto anterior do CACC. Trata-se de um projeto de

extensão organizado pela Diretoria de Extensão do Centro Acadêmico Carlos Chagas, que tem por

objetivo atender a população da Vila Residencial da UFRJ, orientando os moradores quanto a

diversos assuntos relacionados à prevenção e promoção da saúde. O objetivo do projeto é integrar

alunos de medicina de diferentes períodos e também de diferentes cursos do CCS, estimulando a

troca de experiências de diversas áreas do conhecimento que possam contribuir com a promoção

em saúde (CACC, 2007b).

Bruno considera que o Ambulatório Social "é uma grande iniciativa dos estudantes do

movimento estudantil" e hoje "é mega respeitado dentro da Universidade". Explica que

participam do projeto estudantes de "períodos mais baixos, períodos médios e dos períodos mais

altos": "hoje, no Ambulatório, tem estudante do M2 ao M12. Do segundo ao décimo segundo

período". Em sua avaliação, o Ambulatório é "um negócio importante" para os estudantes: O que é na verdade o Ambulatório? É os estudantes promoverem a atenção e prevenção da saúde da população da Vila Residencial aqui da UFRJ, que é um lugar carente, certo? É uma vila que, enfim, tem pessoal... Tem população de baixa renda e tal, e lá que, que

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acontece? A população vai ao Ambulatório Social e tal, como se fosse a primeira entrada dela pra tratar de saúde. Que às vezes tem dificuldade de entrar nos hospitais, isso e aquilo e tal, então vai lá, conversa com os estudantes e tal, os estudantes examinam, avaliam, fazem diagnóstico entendeu? (Bruno).

Roberto explica que o Ambulatório Social - que posteriormente viraria Ambulatório de

Promoção à Saúde - conseguiu três bolsas da Pró-reitoria de Extensão (PR5) e foi o primeiro

projeto de extensão da Faculdade de Medicina: "até 2008, é um absurdo isso, né, a Faculdade de

Medicina não tinha projeto de extensão! Não se falava em extensão na Medicina, entendeu? Pra

tu ver assim a gente foi ridicularizado, não tinha nenhum professor pra poder assumir o projeto".

Na ocasião da entrevista, participavam do projeto dois professores da Faculdade de

Medicina, como explica Bruno: O Roberto Medronho [atual diretor da Faculdade de Medicina da UFRJ] e o Dr. Lúcio [Lúcio Pereira de Souza, atual coordenador de extensão da Faculdade de Medicina da UFRJ] e o seguinte, lá quando é diagnosticado um problema maior, faz-se um esforço pra encaminhar esses pacientes pra algum hospital que possa dar continuidade àquele tratamento, entendeu? (Bruno).

O estudante esclarece, no entanto, que o Ambulatório não é uma unidade de saúde: O Ambulatório não é uma unidade de saúde porque não pode ser, entendeu, não é isso. É um negócio que serve principalmente à promoção da saúde, né, combate ao tabagismo, combate ao etilismo, ao alcoolismo, que lá é grande e tal, a própria saúde da mulher e tal, e, além disso, tem o exame básico lá, o estudante que tá lá faz a anamnese, faz o exame físico, isso e aquilo e tal, e quando diagnosticam um problema maior, faz-se um esforço de encaminhar pra outro setor (Bruno).

Para Bruno, a experiência de participação dos estudantes neste Ambulatório é importante,

porque "por um lado os estudantes aprendem e por outro, contribuem com a Vila lá, com a

população e um terceiro, que estrategicamente pra mim é o mais legal e tal, é porque bota o

estudante em contato ali direto com a população carente". O estudante enfatiza a importância do

contato direto com a população carente: A gente precisa formar cada vez mais, né, médicos de qualidade e tal, que consigam dar contribuição pro SUS, pro serviço público, entendeu? Tudo bem que o cara que se forma aqui tem o direito de ter o consultório dele, tem o direito de trabalhar no Copa D'Or, tem o direito de tudo. Agora, po, não interessa à Faculdade de Medicina um cara que, po, fica aqui dentro da UFRJ 6 anos e depois sai pra dedicar 100% do tempo dele ao... À iniciativa privada, entendeu? Pra ser só médico do Copa D'Or, pra ter só consultório pra cobrar 300, 400, 800 reais, porque hoje tem médico que cobra isso - isso por uma consulta e tal. E às vezes você convivendo ali com a população, ajuda você a criar consciência em relação a isso. Então eu diria que essa questão do Ambulatório especialmente é muito importante (Bruno).

Também foram percebidas iniciativas da gestão Cuidar é Preciso relacionadas à promoção

da saúde, além de propostas de eventos que discutem aspectos da formação médica. Dentre essas

iniciativas, encontra-se um projeto ainda em fase de planejamento a ser implantado em parceria

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com a escola de Cuba (ELAM) e em conjunto com outros cursos da UFRJ que vão além da área da

saúde. Segundo Iolanda, esse projeto "lembra um projeto de extensão, mas eu acho que não pode

ser categorizado como extensão a princípio". A estudante explica em que consiste o Projeto: A gente vai entrar em contato com uma comunidade, vai fazer atendimento, equipe médica, os médicos formados, em conjunto com o pessoal que faz Medicina lá em Cuba. Vai fazer um levantamento epidemiológico daquela população, vai fazer uma prévia de formação em algumas doenças prevalentes, algumas especialidades que são muito importantes na atenção básica; vai fazer algumas atividades culturais - não só pros alunos que estão participando, mas também pra população - ações educativas em saúde, e, num terceiro momento, a gente vai fechar uma conclusão sobre como foi esse contato com a população, incluindo um relatório que a gente vai entregar à autoridade local em saúde, e também um retorno pra própria população (Iolanda).

Iolanda enfatiza a necessidade de, durante o processo de desenvolvimento do Projeto,

"falar um pouco sobre movimentos sociais, sobre luta política". Também expõe sua opinião a

respeito das atividades de extensão que a Universidade promove para que estas não se tornem

assistencialistas: Porque eu acho que extensão é diferente de assistencialismo, que tem muita gente que junta as duas coisas, que acha que é dar alguma coisa pra população. Eu acho que o retorno mais justo e mais duradouro vai em torno de defesas de políticas de longo prazo, né, a partir do contato com essa população. Ver do que ela realmente precisa e ver o que a universidade tem a oferecer, não com um viés paternalista, mantenedor, né, que eu acho que esse é o papel do Estado, de dar conta da infraestrutura, dos empregos, de saneamento básico, e tudo mais (Iolanda).

Roberto também enfatizou que o Ambulatório Social não tinha intenção de ser

assistencialista: "uma coisa que eu não queria era assistencialismo, né? Faça-me o favor, né?

Ninguém precisa mais ficar fazendo assistencialismo, né?” (Roberto).

É interessante observar aqui que embora os projetos de ambos os grupos - Todos pela

Medicina e Cuidar é Preciso - se assemelhem, não há interlocução entre eles em momento algum.

Atribuo isso ao posicionamento político de cada grupo, que, por construírem sua identidade

apoiada na diferença entre ambos, não dialogam, perdendo, em meu entendimento, a oportunidade

de crescimento como um só grupo: o que representa os estudantes da Faculdade de Medicina da

UFRJ. Essa oposição entre os grupos é apontada por Roberto, ao relatar a experiência do

Ambulatório Social: Aí que tá o problema. Aí que tá a velha história do partidarismo, vamos botar assim, entendeu? [...] Que que acontece? Os caras são de um coletivo. Eles não podem se misturar com outra gente. Porque eles têm a marca do partido, a marca da gestão deles tem que ser separada, entendeu? Daí então não participa de coisas que são boas, entendeu? Pra poder deixar a marca, entendeu... 'Ah, o projeto dos caras, né, não posso ir pra lá, tem que criar um projeto nosso aqui, tem que fazer outra coisa aqui'. Não agrega. Desagrega mais, entendeu? (Roberto).

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A questão do "partidarismo" no movimento estudantil foi apontada em diversos estudos

que tratam da temática do movimento estudantil. No estudo de Carvalho (2006), o partidarismo foi

destacado como um dos fatores de distanciamento entre os estudantes militantes e não militantes

do curso de Ciências Sociais da UFRJ. Entendo que, no caso do presente estudo, a partidarização

do movimento apontada por Roberto dificulta a união do próprio movimento, o que também é

reconhecido por Iolanda: "A categoria estudantil não é homogênea. Tem vários interesses

diferentes, muitas vezes antagônicos. Então, pra mim, a política estudantil, ela é uma política

como qualquer outra, mas que sofre muitas mediações pra se lidar com o público alvo, né, o

estudante. Os interesses são diversos".

Acredito que a própria fragmentação do movimento estudantil abala a estrutura do

movimento como um todo, comprometendo seu objetivo de representar o estudante na

universidade e na sociedade.

Além das iniciativas referentes a projetos sociais, no caso da gestão de Iolanda foram

também observadas algumas iniciativas de discussão sobre o currículo da Faculdade de Medicina,

como p. ex., através da "Semana Acadêmica" e de textos divulgados no blog da gestão Cuidar é

Preciso. Comentam brevemente o Programa de Educação Médica (PEM) da UFRJ, destacando a

importância da participação estudantil na elaboração e discussão das pautas abordadas no

Programa: O Programa de Educação Médica (PEM) da UFRJ ganhou corpo recentemente, tendo sido aprovado pela Congregação da FM em 12/2009 como “um fórum permanente de estudos e discussão, aberto à comunidade envolvida diretamente com educação médica.” [...] Assim como os docentes do PEM, achamos importante e insubstituível a contribuição estudantil para esse caldo tão rico de discussões, oportunidade em que temos uma visão global e dos objetivos da nossa formação e podemos colocar um tijolo nessa construção, que é uma vivência concreta recente do currículo atual e nosso senso crítico e reflexivo, que desejamos estimular ao longo deste ano (CACC, 2010a).

Em 2011, passado um ano após o início da gestão Cuidar é Preciso, ao concorrerem

novamente à coordenação do CACC - desta vez com o nome "Lutar é Preciso" - o grupo expôs sua

visão de formação médica e o que esperam da Faculdade de Medicina da UFRJ: Queremos que nossa Faculdade forme médicos com uma base sólida nas ciências básicas, que compreendam a saúde de maneira integral, sua inserção na relação médico-paciente, com a equipe de saúde, no sistema de saúde, com o complexo médico-industrial, com a sua própria saúde, de forma que eles vislumbrem o horizonte da humanidade plena e o persigam coletivamente, como deve ser feito, na contracorrente do pensamento individualista e fragmentado que nos é inculcado por tantos anos e que vem nos fazendo perder direitos, liberdade e qualidade de vida. É por isso que convidamos você a participar conosco dessa luta, que vai muito além do cuidar. Lutar é preciso (CACC, 2011).

Entendo que essa convocação para a luta se relaciona à visão que o grupo Cuidar é Preciso

tem dos estudantes de medicina em geral:

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Hoje em dia a gente tem vários absurdos, né. A precarização dos serviços de saúde, o nosso currículo médico muitas vezes dando uma formação extremamente positivista, que não contempla mais o nosso modelo de saúde, nem preconizado pelas diretrizes curriculares, e as pessoas não acham absurdo. Elas não acham absurdo o hospital universitário [HUCFF] ter uma perna seca desde a sua inauguração. Elas só acham absurdo quando a perna seca tem um abalo, e aí, no dia seguinte, deixa de ser um absurdo. As pessoas estão bastante anestesiadas (Iolanda).

Iolanda entende que o médico de classe média, ideologicamente identificado com a classe

dominante "entra em conflito com seus próprios interesses, ele não se entende enquanto um

trabalhador em saúde, ou um futuro trabalhador em saúde. Ele se entende ainda um pouco

com aquela visão velha do médico liberal".

Para a estudante, as pessoas "começam a se frustrar no início da faculdade, se formam e

ficam extremamente frustradas. E aí a gente tem, inclusive como consequência disso, o uso de

drogas abusivo, né? É uma das categorias profissionais que mais usa drogas, a categoria médica.

Não só pela carga horária excessiva, pela tensão... Acho que pela frustração também".

Roberto enfatiza que foi o "Projeto Rondon", divulgado no CACC pela gestão Todos pela

Medicina, que modificou sua visão a respeito de ser médico: “Muito bom. Mudou minha vida

esse projeto. Mudou. Eu voltei de lá... Quando eu voltei do Rondon foi quando a gente

começou a criar o Ambulatório Social, entendeu?” (Roberto).

A divulgação do Projeto Rondon pelo grupo Todos pela Medicina pretendeu conquistar a

participação da UFRJ no projeto, assim como o diálogo com outros Centros Acadêmicos do CCS

da UFRJ, e, desse modo, mobilizar equipes interdisciplinares de estudantes e docentes para

expedições nas zonas mais carentes do país (CACC, 2007c).

O estudante Bruno, na UNE, foi coordenador nacional do Projeto Rondon. Segundo ele "o

Projeto Rondon hoje é um mega projeto de extensão que a UNE, ela reviveu ele em parceria

com o Ministério da Defesa, ou seja, em parceria com as forças armadas e tal, que em nossa

opinião hoje tem um papel importante no Brasil, que é exercer a defesa".

Bruno explica que os estudantes nas universidades se organizam em equipes de seis alunos

e dois professores e, a partir de um edital, eles fazem um projeto que é aplicado nos municípios

com mais baixo IDH no país, principalmente no interior da Amazônia, mas também no sertão

nordestino, Pantanal mato-grossense, Vale do Jequitinhonha em Minas, Vale da Ribeira em São

Paulo e Pampas gaúchos: "são as regiões mais pobres do Brasil".

Prossegue explicando que quem faz essa logística toda são as Forças Armadas, a UNE e a

rede do movimento estudantil, que ajudam a "levar o projeto pra dentro da universidade pros

estudantes, pra conversar com os estudantes, trazer e tal, e os estudantes produzem... Os

professores participam - e aí entra as três áreas, né, humanas, tecnológica e saúde, mas a maioria é

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da saúde". Nos municípios escolhidos, os estudantes desenvolvem diversos projetos que, de

acordo com Bruno, são "tipo solução dos problemas crônicos de saneamento básico da cidade, que

normalmente é a principal responsável pela mortalidade infantil, doença diarreica, combate às

doenças sexualmente transmissíveis e tal".

Como se sabe, o Projeto Rondon foi criado durante a ditadura militar de 196446, foi

interrompido em 1989 e retornou em 2005 buscando imprimir uma nova filosofia de atuação,

explicada a seguir: A principal característica que a gente buscou implementar nesse, nesse retorno - começou em 2005 e tal, recomeçou em 2005 - foi fazer um projeto de extensão que fugisse do assistencialismo. Porque, tudo bem, tem gente que pratica assistencialismo e nós não somos contra, entendeu, a gente acha que quem quer fazer isso, legal. Mas poderia render mais pra população de lá um projeto que fosse render mais que isso, em vez de resolver o problema ali do cara na hora, oferecesse soluções mais a longo prazo e tal pra aquela região (Bruno).

Sobre os resultados concretos dessas expedições estudantis, ele acredita que: A partir do momento que você manda os estudantes, eles, além de implementarem certos projetos, eles fazem um diagnóstico crítico da região, enviam isso pro Ministério do Planejamento e tal. É um negócio interessante, entendeu. Tem diversas vertentes o Projeto Rondon, mas eu diria que o Projeto Rondon é um dos projetos hoje de extensão que envolve muito a área da saúde, tocado pelos estudantes, e que funciona, é um sucesso. Acredito que desde 2005 até agora, em 2010, com as expedições que tiveram agora em julho, já participaram mais de 15 mil estudantes no Brasil inteiro (Bruno).

Percebe-se ainda a relação entre o projeto político do estudante no âmbito do movimento

estudantil mais amplo da UNE e a intenção de estar participando da formulação de políticas

públicas como parte desse processo de militância estudantil, indo para além do âmbito da

universidade: E a nossa luta é pra aumentar e tal. Inclusive, a última vez que eu estive com o presidente Lula, quando eu ainda era a gestão e tal, tava com uma proposta de institucionalizar o Projeto Rondon. Transformar numa parceria, em vez de um programa de governo, um programa de estado. Ou seja, saindo o Lula e elegendo um outro presidente, por exemplo o Serra. O programa continuaria, entendeu. E a nossa luta era pra ampliar e tal, inclusive nesse ponto o Lula sempre nos deu muito apoio nessa questão do Rondon. Mas é um grande projeto de extensão e tal que é um dos exemplos dessa atuação dos estudantes (Bruno).

Segundo o depoimento de Bruno, "quem foi pioneiro na UFRJ nessa discussão do Rondon,

quem puxou essa discussão aqui pra dentro foi o CA de Medicina junto com o CA de Engenharia e

tal". Roberto considera que o desinteresse da UFRJ dificultou bastante: "A UFRJ era uma

vergonha, a UFRJ... A gente não tinha o Projeto Rondon". Prossegue Roberto:

46 O Projeto Rondon foi criado em 1967, enviando 30 estudantes e professores para trabalhar em cidades carentes de Rondônia. Até 1989, quando foi interrompido, mais de 350 mil universitários e professores tinham trabalhado em comunidades pobres. Retornou em 2005 a pedido da UNE (LULA..., 2005).

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Aí eu tracei um plano com ele, com o Bruno, da gente fazer o seguinte: toda operação- que é uma operação no meio do ano e uma operação no final do ano - vamos mandar um cara da Engenharia - que a gente é muito ligado ao Caeng [Centro Acadêmico de Engenharia da UFRJ] mesmo - e um cara da Medicina. São as duas maiores unidades da faculdade: Engenharia e Medicina. [...] Daqui a pouco a gente vai ter então - quando acabarem - vai ter um total de oito pessoas que foram ao Rondon. E as oito pessoas que foram ao Rondon tem a obrigação de implementar o Rondon na UFRJ. Esse foi o acordo. Aí foi. Eu fui, o Célio foi, mó galera foi. E foi assim: quatro da Medicina, quatro da Engenharia. A gente conseguiu na PR-5 a aprovação. [...] (Roberto).

O estudante lembra que a maior dificuldade de implantação do Projeto foi devido ao

desinteresse de professores em participar dessa experiência: E os professores daqui não são nem um pouco motivados. Ainda mais ter que ir pra Amazônia, ficar 20 dias na Amazônia, sem ganhar nada. Ninguém... Não vai mesmo, né? [...] Surreal, não tinha professor. Convida, mas cara, olha só: o cara não vai ganhar nada pra ir pra lá. O cara não tem vínculo nenhum com essa parte de extensão, essa parte de... Não tem nenhum vínculo, não tem nada. O cara tem que ir antes, ele vai antes, passa uma semana antes, pra conhecer a região, e volta. E é cansativo, entendeu? E depois, no meio das férias do cara, o cara tem que passar, de quinze a vinte dias lá, sem ganhar um centavo, sem ganhar nada, entendeu? E enfim... Tinham que ser dois professores. A gente não tinha nenhum professor (Roberto).

Após muitas dificuldades, conseguiram ir com apenas um professor, mas o Projeto exige a

presença de dois professores, pois conforme explica Roberto "se chegar lá e tiver um professor só,

eles cancelam a operação. É, tem que ter dois, porque se um passar mal, quem vai ficar

supervisionando, entendeu? Tem que ser isso mesmo". E, depois da ida do grupo do qual Roberto

participou, o Projeto não teve continuidade: "E no ano seguinte, a professora que era até da

COPPE47 falou 'Ah não vai dá mais, não vou mais não'. Mas tem o vínculo ainda, tem o projeto. É

só pegar um grupo de alunos, escrever o projeto, pegar um professor bom e ir, e mandar pro

Rondon, que funciona".

Analisando a fala de Roberto, percebe-se que a participação política desses estudantes

mudou o rumo de seus projetos na carreira médica. Entendo que a militância no ME tem grande

influência na escolha desses estudantes em seguir carreira acadêmica (como é o caso de Roberto) e

atuar na saúde pública (como Bruno, Yasmin, Iolanda, Helena e Geraldo).

Paula (2008), em pesquisa a respeito do movimento estudantil da UFRuralRJ, afirma que,

para os militantes, "o movimento estudantil mostrou 'outra dimensão, muito mais ampla' do curso

ajudando-os a 'ser um profissional mais completo', por perceberem a dimensão humana e social das

profissões, da formação para a cidadania" (p. 19), o que pode ser percebido nos depoimentos que

seguem, a respeito da importância da militância estudantil em suas vidas: Acho que traz uma lição muito de organização, sabe, de compromisso, você não pode fazer as coisas da sua cabeça, você tem que cuidar daquilo como uma entidade que é de

47 Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa e Engenharia (UFRJ).

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todos os estudantes, então tem que ter compromisso com a sala do CA, você tem que ter compromisso em como você vai pautar as discussões. Então, é um aprendizado assim importante também. Contribui também até pra formação mesmo, né, você começa a entender, discute, começa a discutir com pessoas fora daqui, [começa] a adquirir outras visões, discute com a direção da Faculdade [de Medicina], com a Reitoria e tal, entra em contato com muito mais gente, vai ampliando a sua maneira de ver as coisas, sua maneira de olhar. Vai entendendo como é que se organiza a sua vida, sabe, como são as coisas (Geraldo). Então, é esse aprendizado de saber trabalhar em conjunto que eu acho que vale como uma experiência até profissional importante na hora de você trabalhar em equipe na saúde. Eu acho que botou um pouco meu pé no chão com relação às ideias da política, né, como se confronta com a realidade. Você vê que não era o que você pensava exatamente, é diferente. [...] E eu acho que contribuiu [a militância] muito pra ver assim, que concretamente as coisas mudam o tempo inteiro. [...] São muitos aprendizados que talvez eu não consiga transmitir em palavras, assim. E acho que acaba indiretamente me ensinando a administrar a minha própria vida. Porque antes eu tinha menos tarefas, agora eu tenho mais tarefas. E aí o lazer, por exemplo, nem sempre tem lugar (Iolanda).

Como se percebe nas falas de Geraldo e Iolanda, a militância estudantil permite ao

estudante de medicina desenvolver uma visão mais ampla da própria vida e da Medicina, para além

da Faculdade de Medicina da UFRJ.

Observou-se ainda, nas análises elaboradas pelos estudantes entrevistados, uma forte ênfase

na importância de se desenvolver projetos de cunho social, de extensão, como parte do processo de

formação profissional médica e o quanto a Faculdade de Medicina da UFRJ está ausente desses

projetos na Universidade. Há diferenças relativas à concepção desses projetos pelas duas últimas

gestões, mas prevalece o reconhecimento da importância dessas iniciativas como forma de se

contrapor à formação médica promovida pela Faculdade, principalmente porque, na visão desses

alunos, esta parece não se preocupar em discutir e relacionar os problemas de saúde da população

nos seus aspectos políticos, sociais, culturais, entre outros. Também é criticada a ênfase na

pesquisa em detrimento da extensão. Pareceu-me que a extensão é, sobretudo, entendida como o

papel que a Universidade deve desempenhar para contribuir para a cidadania tanto da população

como desses futuros médicos.

Apesar da fragilidade de algumas propostas encaminhadas pelos estudantes e de sua falta

de continuidade, avalio que são experiências interessantes para a formação da identidade

profissional desses estudantes e fazem parte do processo de construção da cidadania desses

sujeitos, e entendo que a Faculdade de Medicina deveria valorizar esses projetos e incentivar a

participação docente nos mesmos.

Considerando a preocupação desses estudantes com as questões aqui descritas, interessou

indagar como eles se posicionam em relação à Lei do "Ato Médico", considerando que a Lei vai de

encontro às diretrizes do SUS principalmente no que diz respeito ao entendimento de que o

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trabalho multiprofissional é essencial para as necessidades de saúde da população. Foram

percebidos depoimentos favoráveis e desfavoráveis ao projeto de Lei e entendo que as razões que

levam às diferentes posições a respeito nos permitem refletir sobre a questão do poder que a

medicina tem na sociedade e como este poder repercute no processo de formação da identidade

médica durante o próprio curso de graduação. No depoimento a seguir, o estudante entende que o

médico tem um papel que se sobrepõe aos das demais profissões da área da saúde e que a Lei

permitirá que este fato seja reconhecido: É uma necessidade pra gente da Medicina. Pode ter alguns excessos, mas é uma necessidade. Das treze carreiras da Saúde, a única que não é regulamentada é a Medicina. Só que sou eu quem digo quem nasceu e quem morre. Olha que surreal. Não existe a Lei do Médico. Agora o cara que morreu, só pode dizer que tá morto se o médico olha... Entendeu? Enfim, são coisas assim, disparates na Constituição, absurdas, né. E tinha que ter, tinha que fazer. E aí nós temos hoje pessoas dentro do Centro Acadêmico atual e anteriores também que eram contra o Ato Médico. Sou totalmente a favor [enfático e questionador] (Roberto).

O posicionamento de Roberto vai ao encontro do de Andrade (s/d), quando o então

presidente do Conselho Federal de Medicina afirma que: Os médicos brasileiros necessitam de uma lei que reconheça sua efetiva importância social, seu espaço profissional e muito mais que isso: que dê à sociedade a justa e precisa tranquilidade no bom relacionamento que deve existir entre as diversas profissões envolvidas na assistência à saúde, bem como a garantia de que essa assistência atinja os níveis de qualidade e excelência à altura das exigências do nosso povo (ANDRADE, s/d).

Considerando que, para Foucault, o poder é veiculado nos discursos, entendo que em

ambos os posicionamentos - de Roberto e de Andrade - o poder da Medicina é reforçado, como se

pode perceber nos trechos grifados em suas falas.

Já no entendimento de Iolanda, a Lei prejudica o SUS e contrapõe as demais profissões da

saúde à profissão médica: O Ato Médico é uma coisa muito complicada. Atende a interesses outros, que não são uma atenção digna à população. Então, é uma coisa que me incomoda bastante. Atende a um interesse básico que é a reserva de mercado, né. Eu não acho que a profissão não deva ser regulamentada. Eu acho que tem que dizer o que o médico pode fazer e o que o médico não pode fazer. Agora, a gente não tem que dizer o que o fisioterapeuta não pode fazer, o que um psicólogo não pode fazer (Iolanda).

A estudante prossegue explicando: Eu acho que é uma reserva de mercado com um texto muito pobre, né, que fala basicamente de procedimentos invasivos e acho que diagnóstico. Por exemplo, não trata nem do modelo de saúde preconizado pelo SUS, não fala absolutamente nada de prevenção, não fala de promoção, ou seja, fica escancarado que o benefício imediato seria pra uma categoria profissional específica, né? E um benefício muito raso. Eu acho que, se fosse pra lutar por direitos trabalhistas, eu definitivamente seria a favor assim, por maiores salários, por melhores condições, insalubridade, menor carga horária... Agora definir o que as outras profissões não podem fazer eu acho errado (Iolanda).

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Bruno argumenta que "a maioria das carreiras da área da saúde tem uma regulamentação. E

a carreira da Medicina não tem. Então eu acho que ter uma regulamentação pra carreira de

Medicina é um negócio importante. Veja bem, eu não tenho posição contrária, tenho posição a

favor". Concorda que existem algumas questões na Lei que devem mudar porque "interferem um

pouco nas outras carreiras da saúde... Os pontos mais exagerados eu não concordo, mas, no geral

eu acho que é completamente justo e tal". Para Bruno, a Lei "na verdade, é uma regulamentação da

carreira médica no Brasil. Isso tá claro que é uma necessidade... Que precisa acontecer, então eu

acho que é necessário haver alguma mudança".

Helena ainda não tem uma posição a respeito: Cara, pra mim ele ainda tá muito confuso. Tipo, o motivo de ser dele, de regulamentar a profissão e tal, eu acho válido, mas tem algumas coisas que eu acho, sei lá, meio esquisitas, e que eu não tenho nada completamente formulado, tá, pra te falar assim. Então a princípio eu não sou nem contra, nem a favor (Helena).

Enquanto Yasmin afirma que: Foi uma atitude meio corporativista dos médicos, de mandar no que é seu assim, e acabou infringindo as outras profissões assim. As profissões que estão regulamentadas de saúde, elas foram regulamentadas antes do SUS assim, então você nem prevê certas coisas que o SUS trouxe assim... Trabalho em equipe, [...] o atendimento é universal e tal (Yasmin).

Yasmin defende que ao invés do "Ato Médico" seja regulamentado um "Ato de Saúde",

que "até delimite assim certas funções, o que é do médico, o que é do enfermeiro, o que é do

nutricionista, o que é do fisioterapeuta, mas fazer isso junto com as outras profissões assim,

porque acabou subordinando muito também as outras profissões à Medicina". A estudante

argumenta inclusive que, por exemplo, existem procedimentos que na prática sequer são realizados

pelo médico: Questão de ventilação mecânica e tal, quem faz é o fisioterapeuta, não é o médico. Mas tá lá como sendo função do médico assim. Acaba inviabilizando um trabalho em equipe mais fluido entendeu. 'Ah vou te processar, vou te enfiar a faca, isso é meu'. Acho bem ruim assim. A defesa dos movimentos sociais é que se construa em conjunto, né, num ato dos profissionais de saúde (Yasmin).

Geraldo, assim como Yasmin, entende que a Lei é "corporativista assim, né, é pra garantir

uma reserva de mercado pros médicos", para garantir coisas como: "ah! Isso aqui só o médico

pode fazer e tal", "para indicar isso tem que ser um médico" ou "chefes de serviços de saúde tem

que ser todos médicos e tal". O estudante entende que a Lei traz uma visão muito reduzida da

profissão médica:

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Para garantir aquele mercado pra Medicina, né? E na minha opinião, ele vai muito contra os princípios do SUS, que é integralidade, de multiprofissionalidade e tal. Acho que ele revela muito o médico como chefe da equipe, como mandatário de toda saúde do paciente, não entendendo que o paciente tem diversas demandas, que existe a necessidade de uma multiprofissionalidade para atender aquele paciente, né? É um tema muito polêmico assim na Medicina. Difícil se tocar! (Geraldo).

Guimarães e Rego (2005) comentam a regulamentação da profissão como objeto de luta,

apontando o crescimento da crise no trabalho e na formação médica como causas para tal fato

ocorrer somente nos dias atuais, e não no passado - já que a profissão é pioneira nas ciências da

saúde. Os autores afirmam que há uma necessidade da corporação médica em "defender seu

monopólio de competência", que se encontra ameaçado por categorias profissionais da saúde que

vem ocupando um crescente espaço no setor.

Segundo Aciole (2006), frente às mudanças do setor da saúde, restam à corporação médica

somente a "autonomia ético-científica e a preservação dos poderes prescricionais e delegacionais,

além de uma grande legitimação social da medicina". O autor argumenta que tais elementos

contribuem para manter e reforçar o "fetiche" da assistência médica pela ação do saber da

medicina, centralizando esse saber na configuração de qualquer modelo assistencial "que se preze"

(ACIOLE, 2006).

A discussão a respeito da Lei do Ato Médico evidencia novamente a questão do poder

médico, na qual "o fortalecimento da identidade profissional das outras carreiras da saúde, as

disputas entre distintas identidades profissionais, a busca pela afirmação como profissão e as

contradições e os conflitos de interesses em diversos âmbitos" foram apontadas como motivações

para o projeto de lei (GUIMARÃES E REGO, 2005).

Entendo que as colocações que os entrevistados fazem sobre as relações entre a formação

médica promovida pela UFRJ e as necessidades de saúde da população resultam em grande parte

dessa aproximação com a política estudantil, que permite a eles uma compreensão diferenciada

sobre esses temas. Também permite que eles se percebam mais claramente como atores sociais,

que são capazes de influir - ainda que minimamente - em algumas instâncias dos processos

decisórios sobre o currículo médico na Faculdade de Medicina. Seus discursos nos fornecem pistas

sobre como esses estudantes significam a questão de “ser médico” no mundo contemporâneo e

seus significados são importantes para a compreensão do processo de formação da identidade

médica desses estudantes.

Para Roberto, "ser médico significa não só ajudar no sofrimento alheio, mas como o

médico ser efetivamente o fator que muda o sofrimento alheio". Acrescenta que, se houver uma

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atividade preventiva, não precisará chegar a esse ponto. Aponta "o respeito social" como um fator

interessante da profissão: Porque não adianta você ficar falando de dinheiro, hoje em dia como é que tá a Medicina, mas a função social do médico é muito importante ainda. [...] Então você vê que a pessoa confia. A pessoa se despir, aquela coisa toda, entendeu? Isso aí é bem interessante mesmo, que entende que o médico tem essa função social. [...] Mas essa função é muito bonita mesmo, né. E dê pra você intervir, né. Você chegar, descobrir a coisa, você vai e trata, e cura, né. Isso aí não tem... Não me arrependo nem um pouco do que eu estou fazendo [ri] (Roberto).

Essa "função social", proferida por Roberto, também é apontada por Yasmin: "o médico

hoje, na sociedade, ele tem um papel de ordenar a sociedade, de fazer com que a população

trabalhadora esteja apta a continuar trabalhando". Ela reconhece, no entanto, que o médico

"usa todo um referencial técnico, teórico, científico que, por exemplo, não vem do Brasil, vem dos

grandes institutos de pesquisa americanos, europeus, pra ordenar, né, manter a população

trabalhando, ativa e tal". Nesse sentido, seu papel social "de qualquer forma é uma autoridade

que tá ali, que as pessoas chegam e falam até coisas da vida que às vezes não fala nem para um

amigo, né?" (Yasmin).

Para Yasmin, a limitação do médico é entender junto com o paciente porque ele sofre

daquela determinada condição, pois "o paciente tem a sua visão e enfim, é ele que sabe da vida

dele, e aí, juntos, arranjarmos uma solução paliativa e não paliativa pra isso", e ir para além disso,

conscientizando-o dos "porquês" de sua atual condição de saúde. No exemplo apresentado a seguir

por essa aluna sobre a questão da hipertensão arterial, fica evidente o papel social e político que o

médico tem em relação à saúde da população: Por exemplo, o cara é hipertenso. A solução médica pra hoje pra isso é você dar um anti-hipertensivo, orientar ele pra fazer exercício e ter uma alimentação decente. Só que as pessoas não se alimentam mal por escolha. Tem pouco tempo pra se alimentar, a comida que elas têm no supermercado é aquela enlatada, cheia de sal, não sei o quê... Enfim, acaba que por um monte de outras condições você se alimenta mal, não tem tempo de se exercitar, é caro fazer academia, não tem tempo, a calçada é toda esburacada, enfim, tem um monte de questões que não dá pra seguir esse protocolo, então você tem que fazer o paciente entender que não pode viver aquilo e ver em que limitação pode. [...] Se o cara trabalhasse menos, ele ia melhorar... Enfim, você não pode prescrever isso. Todo mundo, se trabalhasse menos, ia viver muito melhor, né? Mas fazer o cara entender que se ele trabalhasse menos ele ia ficar melhor, se ele tivesse uma alimentação mais adequada, enfim, e que isso não tá restrito à individualidade dele, né, isso passa por uma organização coletiva (Yasmin).

Nesse sentido, para ela o papel do médico é conscientizar, "mostrar que, se as pessoas se

organizarem, dá pra melhorar muito mais a saúde do que prescrevendo anti-hipertensivo". Já para

Iolanda, "o médico é um profissional como qualquer outro" e argumenta: Muita gente acha que o médico é super autônomo, vai ser necessariamente rico só porque ele faz medicina. É... Enfim assim, eu acho que é uma profissão como qualquer outra. Que tem apenas a peculiaridade de lidar com seres humanos. Então eu acho ser

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médico parecido com ser fisioterapeuta, parecido com ser um psicólogo na área saúde, um nutricionista… (Iolanda).

Iolanda recorda-se de já ter tido uma visão idealista da profissão, onde o médico teria

"alguma coisa especial pra mudar o mundo". Essa visão idealizada, segundo ela, foi transformada

a partir do contato com a militância estudantil: "eu acho que a política ajuda muito nisso, assim,

a redimensionar a medicina e a carreira profissional dentro de um universo assim. Eu vi que

a carreira não é tudo. Na verdade, é só uma parte pequena assim, uma parte importante, que tem

um significado importante" (Iolanda).

Entendo que essa transformação da visão a respeito do papel do médico, descrita por

Iolanda, deve-se ao fato de que a militância estudantil coloca o estudante em contato com questões

que somente a formação universitária não dá conta de atender. Na hipótese de Paula (2008), a

militância permite que os estudantes engajados, principalmente as lideranças, adquiram uma

"estrutura e volume de capital que os distingue e diferencia dos demais alunos, o que os tornaria

mais competentes socialmente que seus pares que cursaram a mesma Universidade" (p. 17).

No entendimento de Bruno, ser médico "está diretamente relacionado com a aplicação de

conhecimentos adquiridos na graduação no atendimento à população". Em sua opinião, o maior

objetivo da medicina deve ser "o compromisso com a saúde da população do seu país", sendo

que "o melhor modo de contribuir com isso é atuar na saúde pública", o que é o seu objetivo:

"para mim é isso. Poder ajudar as pessoas do ponto de vista de resolver os seus problemas de saúde

e dar maior qualidade de vida".

Já Helena hesitou ao ser questionada sobre o papel do médico. Segundo a estudante, a

primeira resposta em que pensava era relacionada ao "cuidar" das pessoas, porém, "cuidar das

pessoas, você pode cuidar de muitas formas diferentes". Em seguida, passou a entender que "ser

médico, ser profissional da saúde, é você tentar ajudar aquela pessoa da melhor forma

possível". E a melhor forma possível "é você obviamente ser tecnicamente capacitado pra avaliar a

condição biológica, porque ninguém trabalha, ninguém produz, ninguém vive, se estiver doente",

portanto, "ser médico é ser capacitado tecnicamente, pra cuidar das questões biológicas e

psicológicas, e sociais, né?". Conclui dizendo que é "ser um profissional capaz de lidar com as

questões bio-psico-sociais e entender e talvez oferecer a possibilidade de discutir e de auxiliar o seu

paciente a mudar aquele determinante social que tá influenciando no processo saúde-doença dele".

Yasmin chama a atenção para o fato de que, no entanto, o conhecimento médico atual não

está acessível a todos os médicos: "e eu acho que acaba que a gente também de alguma forma

também não tem acesso a todo ele, muitas vezes a gente tem acesso a normas, quais são as normas

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que a gente tem que seguir, sem entender como que esse conhecimento é produzido, né, porque

que a política é importante".

Em seu livro "Pedagogia da Autonomia", Paulo Freire destaca a necessidade de

compreender a educação como sendo "ideológica". Segundo o autor, a ideologia tem a ver com a

"ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade

ao mesmo tempo em que nos torna 'míopes'". O autor exemplifica como pode se dar esse

ensino/aprendizado, limitado por uma visão restrita, sem reflexão política e social: A capacidade de nos amaciar que tem a ideologia nos faz às vezes mansamente aceitar que a globalização da economia é uma invenção dela mesma ou de um destino que não poderia se evitar, uma quase entidade metafísica e não um momento do desenvolvimento econômico submetido, como toda produção econômica capitalista, a uma certa orientação política ditada pelos interesses dos que detêm o poder. [...] Pega-se o trem no meio do caminho e não se discutem as condições anteriores e atuais das diferentes economias. Nivelam-se os patamares de deveres entre as distintas economias sem se considerarem as distâncias que separam os "direitos" dos fortes e o seu poder de usufruí-los e a fraqueza dos débeis para exercer os seus direitos. [...] Uma das eficácias de sua ideologia fatalista é convencer os prejudicados das economias submetidas de que a realidade é assim mesmo, de que não há nada a fazer mas a seguir a ordem natural dos fatos (FREIRE, 1996, p. 127).

Percebe-se que Yasmin tem uma visão crítica da Faculdade de Medicina e reconhece a

necessidade de reflexão a respeito do conhecimento difundido na Faculdade, opondo-se a

naturalização dos fatos, para o que Freire chama a atenção do leitor.

Geraldo argumenta que ser médico é ser "um profissional que tá em contato com as

pessoas e trabalha tentando promover saúde, atuando em todas as esferas da sociedade, não

sozinho, como também nas esferas pra mudar as condições de vida, as condições de saúde de

uma população, da sociedade em geral". Mas ele percebe que muita gente entende que ser

médico hoje "na verdade eu acho que tá muito distante disso, que é uma relação mais comercial

com a Medicina mesmo. A gente aprende aqui a chamar paciente de cliente assim. São os

clientes e tal, tem uma relação comercial mesmo". Salienta que isso se aprende na Faculdade: "‘Ah

o cliente e tal’. Não é o paciente, é o cliente! Muitas vezes, muito professores falam ‘Ah, os

clientes... ’ Então é uma relação muito comercial mesmo, sabe? Então tá bem longe da visão

que eu tenho".

Assim como Iolanda, Geraldo revela já ter tido "uma visão romântica assim da Medicina",

como pensar que "Ah ser médico pra ajudar as outras pessoas e tal". Hoje ele pensa que ajudar as

outras pessoas não acontece apenas na medicina, pois as outras profissões contribuem

também: "quando você tem uma profissão que ajuda a construir alguma coisa na sociedade, tá

ajudando as outras pessoas, sabe. É um médico, um professor, um engenheiro, um gari, todo

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mundo tá ajudando, mas acho que [ser médico] é uma profissão que tem um papel a cumprir que

não cumpre hoje, né?" (Geraldo).

O discurso desses estudantes sobre o papel do médico na sociedade parece ser identificado

com uma visão mais social e política certamente influenciada ou fortalecida pela própria militância

estudantil. Destacam-se nesses discursos a importância do médico "na mudança de

comportamentos prejudiciais à saúde", "na intenção de provocar mudanças positivas na saúde da

população", "no apoio à saúde pública", o entendimento de que "outras profissões da área da saúde

também têm importante papel social para a saúde das pessoas", além da crítica a uma "visão

comercial que a medicina detém hoje estimulada pelos próprios professores da Faculdade".

Os alunos afirmam ter uma visão mais realista do campo médico, menos "idealizada",

menos "romântica" do que quando começaram a Faculdade, e se não houve qualquer

aprofundamento explícito sobre a relação que a formação médica deve ter com as políticas

públicas de saúde, ou se não foram capazes de nomear e analisar espontaneamente programas de

saúde pública relevantes ou de domínio público, foi possível identificar esta relação tanto quando

eles falam sobre o papel social e político da profissão médica, como quando eles questionam a

formação médica promovida pela Faculdade de Medicina da UFRJ, conforme discutirei a seguir.

As falas que seguem evidenciam críticas à Faculdade de Medicina da UFRJ, relacionadas

ao currículo, apontando a metodologia de ensino como ultrapassada, a distância teoria/prática, os

conteúdos como incompletos e inadequados, o “desestímulo” por parte dos professores e a

"infraestrutura" precária dos locais de estudo.

A militante Iolanda assinala que ficou muito insatisfeita com o currículo da Faculdade de

Medicina: "não por achar que os conteúdos eram desnecessários, não fiquei tão chateada de haver

repetições dos conteúdos, porque há. Mas fiquei insatisfeita de ter os conteúdos de forma

desintegrada com o que eu vou trabalhar futuramente". Relata se questionar o tempo todo: "mas

pra quê eu estou aprendendo isso?" Nesse sentido, indica ser importante a proposta de

"aprendizado baseado em problemas", porque "tem uma carga afetiva muito grande, né? Te

apresenta um paciente". A aluna critica ainda a estruturação do ciclo básico, onde segundo ela não

há contato do aluno com pacientes: Ainda que fique difícil, ainda que não seja o que você vai acompanhar todo dia, você começa a pensar aquilo como ser humano, que tem demandas, angústias, problemas, que sofre, que você tem essa vontade de cuidar. E aí que eu acho que essa vontade de cuidar que mobiliza um pouco a busca pelo conhecimento. E a gente fica durante o ciclo básico um pouco anestesiado dessa vontade de cuidar do outro. Ela fica sufocada (Iolanda).

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Helena vê muitos aspectos ruins e poucos que podem ser considerados adequados na

formação promovida pela UFRJ. Considera no geral de péssima qualidade o curso da UFRJ, seja

pela metodologia de ensino: "eu como aluna não consigo o melhor de mim com essa metodologia.

Eu e todos meus amigos", seja porque "os professores por N fatores são muito desestimulados".

Acresce que: Por nós sermos um curso que precisa de um cenário prático bem vivenciado que não está separado de um hospital e de ambulatório, acaba que a gente é vinculado aos serviços de saúde também. E os serviços de saúde que nós temos são muito precarizados, o que influencia no nosso ensino, pelo menos no nosso ensino público, né? A infraestrutura em si não oferece condições mínimas pra se estudar bem, por exemplo, eu estudo numa sala, num hospital que tem mofo. E eu sou alérgica! Legal, né? Eu acho que esses (problemas) são os mais gritantes (Helena).

Na opinião de Yasmin, muitas disciplinas poderiam ser melhores, "ter outros conteúdos e

não tem. E outra coisa, a gente é muito biológico mesmo, né? Aí tem todas as hipocrisias assim.

Eu acredito que a saúde é determinada primordialmente pela parte social, assim". Yasmin

assinala que apenas a dimensão biológica da doença é desenvolvida durante a formação médica: A gente tem algumas disciplinas de Psicologia Médica, assim uns pedacinhos na M4 [4º período de Medicina] e na M5, aí tem psicologia médica na M6 e psiquiatria na M9. Só. A parte social é inferida, né, porque não existe absolutamente nada assim. Todas as disciplinas da Medicina social assim são muito ruins, são bem largadas assim. Então a gente não... Essa parte, assim, de entender o papel do médico, de porque que existe favela, porque que pobre tem mais doença que rico, sabe, isso não existe (Yasmin).

Geraldo é outro estudante que também afirma que o curso não correspondeu às suas

expectativas. Ele acha que a medicina que se aprende na Faculdade "tem a ver com a idéia de

medicina que se tem hoje na sociedade: medicina puramente curativa, centrada nos grandes

hospitais, não centrada nas relações entre as pessoas". Faz críticas a alguns desses problemas: Hoje o nosso currículo da Faculdade de Medicina é um currículo que, na maior parte do tempo, você aprende a tratar as doenças, você não aprende a tratar o doente, você não aprende a fazer Medicina, porque fazer Medicina é mais do que saber a doença, é mais do que dar o diagnóstico. Você tem que entender aquele paciente, você tem que entender qual a realidade que cerca aquele paciente (Geraldo).

Assinala que "existe toda uma corrente dentro da Medicina que acha que o processo saúde-

doença não é determinado só biologicamente. Ele é determinado principalmente socialmente".

Geraldo oferece como exemplo: Se você atende uma criança moradora da comunidade, de comunidade carente, que tá com parasita, você tem que entender que não adianta você dar remédio só praquele parasita, porque a criança vai continuar pisando em vala negra e vai continuar tendo parasita, vai continuar doente. Então as doenças não são iguais entre todo mundo, são cada uma, cada pessoa tem a doença dependendo da realidade que cerca ela (Geraldo).

Mas, segundo o estudante, não é isso que se aprende na Faculdade de Medicina:

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Aqui a gente aprende assim: ‘Ah, doença X trata de maneira Y’. Independente do contexto. Então, as pessoas são indiferentes, o que é importante é a doença. Até tem algumas pessoas que falam ‘Ah, tem que ter uma relação boa médico-paciente’, mas não chega a aprofundar pra além desse discurso superficial (Geraldo).

Yasmin aprofunda a crítica de Geraldo afirmando que o curso está inserido na seguinte

lógica: "a gente está aqui pra ser formado pro mercado de trabalho", dando exemplos de como

certos temas são tratados pelos professores: "Medicina Legal é uma disciplina basicamente pra

você não ser processado. O que você deve fazer pra se defender do seu paciente, sabe?". Segundo a

estudante, a relação médico-paciente também é discutida com um sentido utilitário: "'Ah! Você

tem que ter uma relação boa médico-paciente pra ele aderir ao tratamento’, meio que uma

enganação pra você convencer o cara sabe?".

Na análise de Rocha (2003), no Brasil há na medicina uma formação voltada às exigências

do mercado de trabalho privado, enquanto tem sido cada vez mais exigida pela sociedade uma

formação profissional que esteja articulada ao perfil da demanda por necessidades em saúde da

maioria expressiva da população brasileira.

Ceccim & Ferla (2009) salientam que a formação dos profissionais de saúde tem se

mostrado um importante fator de resistência aos avanços da cidadania em saúde. Para os autores,

participam desse processo contrapondo-se a uma formação profissional para o SUS: as corporações

e o mercado de interesses do complexo produtivo da saúde; "a disputa pelos imaginários

profissionais promovida pelas corporações e pelo ideário social neoliberal e conflitos de posição

em estruturas de poder no trabalho"; e também "deficiências no processo de educação dos

professores, de composição dos cenários de aprendizagem e de interação das instituições

formadoras com as instâncias de condução setorial e atuação profissional da saúde" (p. 446).

Apresento a seguir os discursos que destacaram os pontos positivos da Faculdade. Esses

discursos estão relacionados à "segurança" do estudante em exercer bem a carreira médica

"seguindo os passos da Faculdade"; ao elevado "conhecimento técnico" dos professores; e ao

"conservadorismo" da Faculdade, que prioriza o conhecimento teórico. É interessante notar que,

apesar das diversas falhas apontadas, os militantes ainda consideram o ensino na Faculdade de

Medicina da UFRJ satisfatório, exceto a estudante Iolanda, que não destacou aspectos positivos do

curso médico.

Para Bruno o ensino na UFRJ provê todos os subsídios necessários à prática médica: "eu

acho que a qualidade do ensino é ótima e tal. Logicamente que não é perfeito, não é mil

maravilhas, a gente tem algumas críticas, umas coisas que poderiam melhorar". O militante, que

pretende atuar na saúde pública ao se formar, relata que, apesar das críticas, no geral o ensino

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médico da UFRJ "corresponde às minhas expectativas e tal, e eu tenho segurança, me sinto seguro

que eu tenho condição de exercer bem minha carreira seguindo aqui os passos da faculdade".

Afirma que o maior objetivo da medicina deve ser "o compromisso com a saúde da população do

seu país", sendo que "o melhor modo de contribuir com isso é atuar na saúde pública".

Para Helena, embora o ensino seja ruim e os professores "desestimulados", como vimos

anteriormente, os aspectos positivos do curso estão relacionados à qualidade técnica de alguns

professores e ao acesso a “casos raros”: De bom é que a gente tem professores médicos fantásticos! Os caras assim são um absurdo! Você pensa: 'Quando eu ficar doente, eu quero esse cara!' Porque eles têm um conhecimento técnico pra além... Enfim, padrão de nível internacional, sabe. E por termos um hospital de alta complexidade, a gente acaba vendo casos raros, e diferentes, o que torna a coisa mais interessante, mas nada além disso (Helena).

Yasmin, apesar de ter criticado o curso médico na UFRJ, considera o curso "bom", e

entende que, de certa maneira, "foi bom" que ele não tenha passado pelas reformas pelas quais

outras escolas médicas passaram. Porque "a maioria das escolas está passando por reformas

curriculares", com a lógica de "meio que queimar um pouco a parte teórica pela prática assim".

Para a entrevistada, de certa maneira isso só acaba piorando o ensino, "porque a faculdade é o

momento de você ter o contato com o que foi produzido naquela área, a teoria daquilo. Você vai ter

a vida inteira pra praticar, né?".

A mencionada aluna coloca que é "óbvio que você tem que ter prática no curso médico,

mas não dá pra gente 'ah, não é importante saber que o que a gente usa de hipertensivo é isso, onde

que atua e tal, importa que você use isso, né, quando aparecer esses sintomas aqui, você use esse

remédio, ou faz essa prescrição'". Ou seja, de uma certa maneira a estudante considera que "isso é

bom, é um conservadorismo que acabou preservando algumas coisas assim".

Uma possível explicação para esse tensionamento nos posicionamentos de Helena e

Yasmin refere-se à multiplicidade de identificações e posições de sujeito ocupadas pelo indivíduo,

pois, como afirma Hall (2004), "na medida em que os sistemas de significação e representação

cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de

identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos

temporariamente" (p. 13).

Entendo que esse tensionamento deve-se à identificação dos militantes ora com os valores

do movimento estudantil - como pensamento crítico; luta pelo acesso da população à saúde e a

uma educação de qualidade; consciência política; cidadania; dentre outros - ora com o lugar de

poder ocupado pela Faculdade de Medicina da UFRJ, devido à tradição da faculdade e da profissão

médica. Portanto, ao mesmo tempo em que Yasmin deseja uma formação mais voltada aos

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aspectos sociais da vivência médica, valoriza o "conservadorismo" do curso, fator que pode ser um

empecilho a uma efetiva mudança na Faculdade de Medicina para uma formação mais voltada às

reais necessidades de saúde da população.

O aspecto relacionado ao destaque ocupado pela medicina, ao "poder-saber" reforçado na

Faculdade de Medicina pelos seus docentes, discentes, mídia e sociedade em geral, observado em

alguns momentos nos discursos desses estudantes, pode ser percebido no discurso de Roberto, ao

comentar que, no início da sua graduação, "tinha uma imagem de que o curso médico na UFRJ

fosse excelente". O estudante relata que às vezes os professores pronunciam-se de modo irônico e

às vezes falam sério, reproduzindo suas falas: "Ah, não sabe essa parada não? Então quando tu for

sair aí, mermão, bota o esparadrapo aí da Minerva!" [batendo na lateral do braço]; "Tu é aluno do

Fundão, você não tá aqui pra saber o comum. Tem que saber o diferencial". Explica ainda que

o sentimento de superioridade é comum, principalmente no início do curso médico: "Tem essa

questão assim muito forte, essa lavagem cerebral mesmo, né? Isso é retratado nos alunos. Tu pega

aluno de M1, M2 48, o cara acha que é o rei assim..." (Roberto).

Percebe-se nas falas dos professores da Faculdade de Medicina, conforme reproduzidos por

Roberto, um discurso que mantém e reforça o poder da Medicina e do curso médico na referida

instituição. Foucault (2007) salienta que o poder produz saber, e que ambos estão diretamente

implicados, de maneira que não há uma relação de poder sem que esteja relacionada com um

campo do saber, bem como não há saber que "não constitua ao mesmo tempo relações de poder"

(p. 27). Para o autor, "não é a atividade do sujeito que produziria um saber, útil ou arredio ao poder,

mas o poder-saber, os processos e as lutas que o atravessam e que o constituem, que determinam as

formas e os campos possíveis do conhecimento" (p. 27).

Foucault (1979) nos esclarece a respeito da construção do poder na Medicina, ajudando a

compreender melhor a importância conferida historicamente ao médico em nossa sociedade. O

autor explica que o grande crescimento demográfico que se deu na Europa no século XVIII gerou

uma "necessidade de coordená-lo e de integrá-lo ao desenvolvimento do aparelho de produção, a

urgência de controlá-lo por mecanismos de poder mais adequados e mais rigorosos", iniciando-se

aí uma tecnologia da população: "estimativas demográficas, cálculo da pirâmide das idades, das

diferentes esperanças de crescimento da riqueza da população, diversas incitações ao casamento e à

natalidade, desenvolvimento da educação e da formação profissional" (p. 110).

Como parte desses problemas, os corpos não eram vistos mais como ricos ou pobres, p. ex,

e sim como "mais ou menos utilizáveis, mais ou menos suscetíveis de investimentos rentáveis,

48 Períodos iniciais do curso médico na UFRJ. A letra "M" corresponde à Medicina e o número que segue corresponde ao período em que se encontra o estudante.

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tendo maior ou menos chance de sobrevivência, de morte ou de doença, sendo mais ou menos

capazes de aprendizagem eficaz". Tornou-se necessário, portanto, organizar a população de modo

que seja assegurada não somente sua sujeição, mas também sua utilidade máxima. A partir daí,

delineia-se a Medicina como instância de controle social.

Foucault (1979) relata que era atribuição do médico ensinar aos indivíduos as regras de

higiene, "que estes devem respeitar em benefício de sua própria saúde". Explica o filósofo que uma

medicina como técnica geral da saúde assume cada vez mais um lugar de maior importância nas

estruturas administrativas e na maquinaria de poder, mais do que como serviço de cura de doenças.

Foucault cita alguns dos espaços em que o médico passa a ter sua atuação destacada: O médico penetra em diferentes instâncias de poder. [...] O excesso de poder de que se beneficia o médico comprova, desde o século XVIII, esta interpretação do que é político e médico na higiene: presença cada vez mais numerosa nas academias e nas sociedades científicas; participação ampla nas Enciclopédias; presença a título de conselheiro junto aos representantes do poder; organização de sociedades médicas oficialmente encarregadas de um certo número de responsabilidades administrativas e qualificadas para tomar ou sugerir medidas autoritárias; papel desempenhado por muitos médicos como programadores de uma sociedade bem administrada (o médico como reformador da economia ou da política é um personagem frequente na segunda metade do século XVIII); sobre-representação dos médicos nas assembléias revolucionárias. O médico se torna o grande conselheiro e o grande perito, se não na arte de governar, pelo menos na de observar, corrigir, e melhorar o "corpo" social e mantê-lo em permanente estado de saúde. E é sua função de higienista, mais do que seus prestígios de terapeuta, que lhe assegura essa posição politicamente privilegiada no século XVIII, antes de sê-la econômica e socialmente no século XIX (FOUCAULT, 1979, p. 112).

O trecho destacado nos leva a refletir sobre o lugar de poder ocupado pelo médico na

sociedade em geral, na relação com outras profissões da saúde e na relação com o paciente. A

forma como os professores reforçam e sustentam essa imagem de poder, de história, de tradição, de

excelência de ensino, não corresponde ao que esses estudantes relatam estarem encontrando no

curso médico da UFRJ, mas serve para reforçar uma atitude de superioridade, de arrogância, de

poder do estudante de Medicina em relação às demais escolas médicas, assim como em relação às

outras profissões da área da saúde: Pra tu ter ideia como é tão nojento, como era tão nojento aqui, eu não tinha, o Centro Acadêmico não fazia também, isso foi uma coisa que foi até a gente mesmo que fez isso, não existia camisa nenhuma da Medicina - não sei se você já percebeu que a Medicina gosta de fazer camisa pra cacete, né? A gente tinha muitas camisas da Medicina. Nunca tinha uma camisa só assim: 'Medicina UFRJ'. Não tinha essa camisa! (Roberto).

Segundo Roberto, as camisetas sempre continham discursos agressivos de desqualificação

do outro. Inclusive percebe-se que o próprio estudante reforçava o aspecto de superioridade da

Medicina da UFRJ no início da sua graduação: Era sempre assim: Medicina UFRJ, a melhor do Brasil, dane-se o resto. Chegou ao auge... Eu fiz uma camisa assim, nessa época de M1, M2, a gente fez uma camisa que era assim: 'Covardes nem tentam; Fracos ficam pelo caminho; Somente nós alcançamos.

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Medicina UFRJ', entendeu? A outra seguinte, a minha né, que [incompreensível] calouros fizeram uma camisa com um cara do Fundão pisando nos caras da Unirio, UFF e UERJ. [demonstra com gestos como era a imagem] Pisando literalmente, pisando mesmo, entendeu? Pisando. A noção é essa. Porque teve um Enade da vida aí que lançou não sei como, que aqui é a melhor faculdade de Medicina do Brasil... É. Cinco anos seguidos. Cinco anos seguidos. E até hoje nego canta isso (Roberto).

Yasmin reproduz o que seria o pensamento dos docentes na Faculdade de Medicina: "Ah!

Vai todo mundo se formar, todo mundo vai garantir o seu, vocês vão ser ótimos médicos. O

diploma da UFRJ tem uma excelente aceitação no mercado. Então vocês vão passar na residência,

ótimo, beleza, cada um no seu...". A estudante argumenta que "não importa o resto". Para Yasmin,

essas colocações dos professores tornam a discussão muito difícil: "Porque ainda tem esse

fetiche, né: 'essa é a melhor faculdade de medicina do Brasil! '. E já não é, nem pelos

parâmetros do ENADE é mais, há muito tempo. Mas fica esse fetiche assim. Como é que você vai

dizer que o currículo é ruim pros estudantes assim, que podia ser melhor, que podia ser outra

coisa?".

Para Silva (2003), o currículo é uma forma de discurso e não pode ser separado das

relações de poder. O autor afirma que o currículo está diretamente relacionado com a formação de

identidades sociais, sendo estas em parte definidas em meio a "processos de representação e

exclusão, de relações de poder", dividindo o mundo social. Acrescenta ainda que o "currículo

produz e organiza as identidades culturais, de gênero, identidades raciais, sexuais, etc.". Dessa

perspectiva, "o currículo não pode ser visto simplesmente como um espaço de transmissão de

conhecimentos. O currículo está centralmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos

tornamos, naquilo que nos tornaremos. O currículo produz, o currículo nos produz" (p. 27).

Entendo que o lugar de poder ocupado pela Faculdade de Medicina da UFRJ, sustentado

pelos discursos dos professores, médicos, estudantes de medicina, mídia e da sociedade em geral,

reforça posicionamentos excludentes que retardam o avanço da Faculdade de Medicina, na

formação de profissionais cujos perfis venham ao encontro das reais necessidades da população

brasileira.

Concluo que, embora algumas falas dos militantes reproduzam a imagem de superioridade

da Faculdade de Medicina, os entrevistados constroem significados alinhados à visão de que o

estudante de medicina da UFRJ vem se construindo como médico a partir de uma formação em

que há pouca ou nenhuma ênfase nos determinantes sociais do processo saúde-doença, e percebem

criticamente que a Faculdade de Medicina, através de sua cultura e inclusive dos docentes, reforça

essa identidade de poder do médico na sociedade, tendendo desta forma a estimular a formação de

profissionais que se identifiquem muito mais com o mercado e pouco preocupados em perceber a

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importância que a saúde pode ter na transformação dos indivíduos e da sociedade. Conforme

mostrei neste estudo, as teorizações de Foucault a respeito da construção histórica das relações de

poder na medicina ajudam a entender o lugar de poder ocupado pelo médico na sociedade em

geral, na relação com outras profissões da saúde e na relação com os pacientes.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Como exposto na introdução deste trabalho, o objetivo desta pesquisa foi compreender

como os militantes estudantes de medicina da UFRJ significam as transformações que estão

ocorrendo na Universidade a partir de seus posicionamentos sobre as políticas públicas do ensino

superior e sobre as políticas públicas de saúde, em suas repercussões sobre a formação médica

promovida pela UFRJ.

Os resultados da pesquisa evidenciaram que, apesar de fazer parte da pauta do movimento

estudantil médico discussões a respeito da defesa do SUS e a abertura da universidade a segmentos

anteriormente excluídos da mesma, nota-se nos posicionamentos dos sujeitos pesquisados um

tensionamento entre, por um lado, a defesa de propostas democratizantes e, por outro, posturas

internalistas voltadas à defesa dos próprios interesses da medicina. Temos por hipótese que a

construção histórica e social da Medicina como um saber científico e legitimado é internalizada

nos posicionamentos e nas práticas desses estudantes, por exemplo, na medida em que se

constroem como superiores a outros profissionais, o que é inclusive reforçado, entre outras

instâncias, por alguns setores da própria Faculdade de Medicina. É possível afirmar que a

militância parece enfraquecida pela fragilidade e certo tensionamento na defesa das “bandeiras”;

pela distância entre os militantes e os demais estudantes, pouco identificados com a política

estudantil; e pela segmentação do próprio movimento estudantil em geral, onde a pluralidade dos

grupos acaba dificultando a atuação desses militantes.

Em suas falas a respeito do Enem e do Reuni, ficou evidenciada a influência de seus

posicionamentos político-partidários, ao apoiarem ou rejeitarem essas políticas de ensino superior

do governo de Luís Inácio Lula da Silva; foram também percebidos alinhamentos a discursos que

circulam em outros espaços da Universidade e do Movimento Estudantil. Nas falas referentes ao

Sistema de Reserva de Vagas, ficaram evidenciados alguns posicionamentos recorrentes em

relação às cotas, alinhados a discursos que circulam na sociedade; foi também percebido um

discurso democrático a respeito da Universidade. No geral, os estudantes consideram, com

ressalvas, que as cotas sociais podem ser positivas para a democratização da universidade.

Para os entrevistados, o estudante de medicina da UFRJ vem se construindo como médico

a partir de uma formação em que há pouca ou nenhuma ênfase nos determinantes sociais do

processo saúde-doença, além dessa formação não incluir projetos de extensão que aproximem

esses estudantes do meio-ambiente em que as pessoas das classes sociais mais pobres vivem, para

que assim possam estabelecer relações entre as suas condições de vida, de trabalho, suas crenças,

sua cultura, sua história e, é claro, a condição de saúde em que se encontram. Aqui cabe uma breve

questão para reflexão: em que medida o projeto de extensão substitui a inserção de determinados

conteúdos no currículo?

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Os depoentes afirmam que vários problemas de saúde encontram suas soluções muito

menos através da medicalização e muito mais intervindo positivamente no meio-ambiente, como

em atividades mais específicas de promoção e prevenção para a saúde; que as políticas de saúde

precisam formular, implantar e desenvolver programas - alguns mais específicos, outros mais

abrangentes - que busquem resolver esses problemas; e que a formação médica esteja articulada

para dar respostas e investigar as melhores soluções numa visão de educação para a cidadania.

Paula (2004), em seu trabalho a respeito dos militantes da Universidade Federal Rural do

Rio de Janeiro, concluiu que "o movimento estudantil, de forma declarada ou subterrânea,

propiciou um patamar de distinção para os militantes, em relação à maioria dos estudantes da

Universidade" (p. 300). No caso do presente estudo, acredito que o diálogo com a DENEM, espaço

de destaque na atuação do movimento estudantil médico, construído a partir "da participação de

estudantes que reivindicava e lutava pela universalização da saúde juntamente com outros

movimentos sociais" (MESQUITA, 2006, p. 196), bem como os recentes movimentos que

emergem em diálogo com o "movimento estudantil clássico", expressões "de um tempo onde as

demandas culturais, identitárias e associativas têm tido uma importância central na dinâmica da

sociedade" (p. 363) e o próprio histórico de lutas do movimento estudantil em torno das questões

que envolvem a democratização da universidade, possibilitam ao estudante de medicina que

participa do movimento estudantil médico adquirir saberes e aptidões - como sobre as políticas

públicas no âmbito da saúde e da educação - valiosos para uma possível futura ocupação de cargos

diretivos e/ou políticos.

Pude, portanto, perceber neste estudo que faz parte do processo de formação política desses

militantes estudantes de medicina incorporar o discurso sobre uma formação médica ser coerente e

comprometida com as necessidades da população, assim como faz parte de sua vivência política o

engajamento nas discussões sobre as políticas que pretendem contribuir para a democratização do

acesso à universidade.

Apesar disso, as propostas de atuação no CACC desses militantes, tanto em relação à saúde

como à educação médica, parecem frágeis. Entendo que isso se deve aos inúmeros desafios

enfrentados na trajetória política e estudantil desses indivíduos. Os militantes constituem número

reduzido, se considerarmos o conjunto geral dos estudantes de medicina da UFRJ, e se envolvem

em inúmeras outras frentes de trabalho nessa atuação política, além de estudarem em tempo

integral, o que, no conjunto, se torna uma expressiva carga de compromissos, gerando também

algumas frustrações.

Outro desafio vivenciado por esses militantes é a distância que se estabelece entre o

movimento estudantil médico e o estudante não militante. Os militantes, mesmo possuindo, no

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geral, uma visão alinhada à inclusão, e percebendo as limitações da formação médica promovida

pela UFRJ, parecem não conseguir articular discussões a respeito dessas temáticas junto aos

estudantes de medicina que não militam no movimento estudantil, apesar do elevado número de

votantes não militantes nas eleições para coordenação do CACC - vide seção 3.1, capítulo 3 deste

estudo. Uma hipótese para essa participação ocorrer de modo mais expressivo somente no período

eleitoral pode ser devido ao lugar de importância ocupado pelo CACC na UFRJ, porém seria

necessário direcionar o olhar da pesquisa aos estudantes não militantes para melhor compreender

suas motivações enquanto estudantes da Faculdade de Medicina da UFRJ.

Portanto, existem diversos entraves a serem enfrentados pelo movimento estudantil médico

da UFRJ para que ele possa efetivamente contribuir com uma mudança na universidade e na

formação médica. A Faculdade de Medicina da UFRJ, pela sua trajetória histórica institucional,

inclusive sinalizada pelos seus docentes, tende a reforçar a identidade de poder do médico na

sociedade, estimulando, por conseguinte, uma formação profissional mais identificada com o

mercado e pouco consciente sobre a importância que a saúde pode ter na transformação dos

indivíduos e da sociedade.

O lugar de poder ocupado pela Faculdade de Medicina da UFRJ, sustentado pelos

discursos dos professores, médicos, estudantes de medicina, da mídia e da sociedade em geral,

pode ainda reforçar posicionamentos contrários às ações afirmativas, visto que um curso tido como

"de excelência" passaria a estar ao alcance de "novos grupos sociais" que não detém os requisitos

necessários à manutenção deste poder. Considero, no entanto, que, para além da oportunidade de

acesso ao conhecimento médico por estudantes negros, indígenas e de baixa renda, através das

cotas sociais e raciais, a entrada desses novos atores sociais no ambiente universitário público

brasileiro poderá significar mudanças não só nas políticas de ingresso no ensino superior, como

também nas políticas de saúde, no currículo, refletindo-se na própria produção do conhecimento.

Ficou evidenciado ainda um "embate identitário", uma verdadeira "crise de identidade"

protagonizada por esses militantes, que ora mantém um discurso alinhado aos seus

posicionamentos políticos, ora alinhado a uma visão elitista da medicina a que estão expostos na

Faculdade de Medicina da UFRJ - o que é contraditório com a própria postura de militante

estudantil.

Para Hall (2004), o conceito de identidade é complexo, "muito pouco desenvolvido", para

se fazer afirmações conclusivas. Tendo isso em mente, afirma o autor que as identidades modernas

"estão entrando em colapso" e vem ocorrendo diversas transformações que abalam a ideia que nós

temos de nós mesmos como "sujeitos integrados". Segundo Hall (2004, p. 9), "essa perda de um

'sentido de si' estável é chamada algumas vezes de deslocamento, ou descentração do sujeito". E

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essa descentração do sujeito, "tanto de seu lugar no mundo social e cultural, como de nós mesmos -

constitui uma 'crise de identidade' para o indivíduo". O sujeito já não tem mais no que se apoiar,

em algo que garanta sua segurança. Ele transita entre diversas identidades.

Os militantes de medicina deslocam-se entre seu papel de estudantes da Faculdade de

Medicina da UFRJ e sua identidade de militantes estudantis, no movimento estudantil médico.

Esse deslocamento pode ser um fator de empecilho para a contribuição dos militantes com a

transformação da formação médica promovida pela UFRJ, visto que, mesmo tendo uma formação

diferenciada pelo movimento estudantil, não conseguem se desvencilhar da posição de "poder" que

ocupam ao pertencerem ao corpo discente da referida Faculdade.

Um exemplo disso ficou evidenciado nos grupos que concorriam à coordenação do CACC,

durante o processo eleitoral de 2010, quando houve uma predominância da visão centrada nos

interesses do bem estar do estudante de medicina, como observamos nas seguintes falas: “na

vontade de colocar a medicina da UFRJ sempre no topo” (chapa 1) e “cuidando da nossa faculdade

e dos nossos alunos, pra cuidar da nossa população” (chapa 3). E mais adiante, nas entrevistas,

quando os estudantes expõem suas visões a respeito das políticas públicas de educação e saúde, ao

posicionarem-se contrários às cotas raciais devido à possibilidade destas causarem um declínio no

nível de ensino da Faculdade; ao defenderem a característica da UFRJ de priorizar o conhecimento

teórico, em detrimento de um conhecimento voltado à prática, ou mesmo a uma vivência social; ao

exaltarem a formação médica promovida pela Faculdade de Medicina da UFRJ, mesmo após

apontarem seus problemas. Cabe até levantar como hipótese se essa identidade do estudante da

Faculdade de Medicina da UFRJ alinhada a uma visão elitista da Medicina não acaba por

prevalecer nas práticas desses militantes, em detrimento da identidade de militante estudantil mais

identificada com setores excluídos da sociedade em geral.

Chama atenção também - apesar de não ter sido o foco deste estudo - a pluralidade de

grupos que hoje compõe o movimento estudantil. Conforme visto brevemente no capítulo I, foi

possível perceber que a UNE não se configura mais como a única e principal entidade

representativa dos estudantes universitários. Hoje, com a ebulição das demandas culturais como as

questões de gênero, sexualidade, religião, etnia, etc., existem diversos grupos representativos dos

estudantes universitários. Destaco também as entidades que atuam representando os interesses

específicos dos cursos de graduação em âmbito nacional, como é o caso das executivas de curso.

Desse modo, o movimento se amplia, dialogando com movimentos sociais, buscando dar conta de

todas essas questões.

Se, por um lado, é justo que as minorias e pequenos grupos lutem por seu espaço, por outro

lado, o movimento fragmenta-se, pois lutas por ideais mais universais, como p. ex. por uma

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universidade "pública, gratuita e de qualidade", ficam enfraquecidas diante de interesses mais

imediatos e também importantes. Enquanto que, na ditadura, o movimento estudantil, mesmo

sendo composto por diferentes tendências, lutava com o objetivo de combater os abusos da

ditadura militar e pelo retorno do estado democrático de direito, atualmente a configuração do

movimento estudantil acaba, a meu ver, dificultando ainda mais a atuação desses militantes de

medicina, que acabam atuando somente no âmbito do próprio movimento estudantil médico.

Entendo que é necessária uma reflexão, por parte da Faculdade de Medicina da UFRJ, a

respeito da formação que vem proporcionando aos estudantes, considerando que o currículo,

concebido como "um campo de luta em torno da significação e da identidade", como aponta Silva

(2010), tem implicações evidentes na construção identitária desses futuros profissionais da saúde.

Não deixo, porém, de considerar que as relações de força que se estabelecem na construção do

currículo da referida Faculdade configuram-se como "relações desiguais", considerando os

esforços de mudança curricular promovidos pela mesma, e que fatores influentes como a potência

da incorporação das novas tecnologias, da indústria farmacêutica, influenciam na construção desse

currículo, pois, como afirma Silva (2010), o mesmo não pode ser separado das relações de poder,

"que fizeram e fazem com que o currículo inclua um tipo determinado de conhecimento e não

outro" (p. 135).

Considero ainda que os esforços do movimento estudantil médico na UFRJ em promover

algumas discussões a respeito do currículo e em buscar outros espaços onde o estudante de

medicina possa atuar na promoção e prevenção da saúde da população conferem "resistência" a um

modelo de currículo tecnicista. No entendimento de Foucault (2005), onde existe relação de poder,

existem espaços de resistência, pois a resistência é que configura o "adversário", a "pressão" na

relação de força. Esses "pontos de resistência" estão em toda relação de poder e disseminam-se

com mais ou menos intensidade, às vezes provocando grandes rompimentos, grandes divisões,

porém, mais comumente, sendo “pontos de resistência móveis e transitórios" (p. 92). Desse modo,

embora as relações aí expressas sejam desiguais, tem-se verificado ao longo dos anos, tanto pela

Faculdade de Medicina da UFRJ como pelo CACC, iniciativas ao encontro de um currículo mais

humanista, capaz de formar médicos mais identificados e capazes de trabalhar em consonância

com o SUS.

Sabemos que realizar mudanças nesses espaços não é tarefa fácil, e que não existem

soluções "mágicas" que resolvam tanto a fragmentação que ocorre dentro da Universidade quanto

dentro do movimento estudantil. Como aponta Giroux (2003), a Universidade está cada vez mais

sendo "redefinida em termos do mercado, à medida que a cultura empresarial subordina a cultura

democrática, e o aprendizado crítico é substituído por uma lógica instrumentalista" (p. 20).

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Segundo o autor, isso acaba por desvalorizar o papel do ensino superior "como uma esfera pública

democrática, comprometida com os valores mais amplos de cidadãos engajados e críticos" (p. 20).

Desse modo, ao invés dos jovens serem "sujeitos críticos" de seu mundo, acabam sendo educados

para tornarem-se "consumidores em potencial".

Giroux lembra ainda que a política é "a marca de uma sociedade civilizada para impedir

que a justiça e a compaixão sejam extintas em cada um de nós" e ao mesmo tempo "um chamado

para reconhecer as alegações da humanidade, para eliminar o sofrimento desnecessário enquanto

afirma a liberdade, a igualdade e a esperança" (p. 55). Consequentemente, entendo que seja

importante que a Universidade dê um maior peso a essas experiências dos militantes, buscando

interagir mais efetivamente com a militância, contribuindo assim para que se transformem em

sujeitos mais ativos no seu próprio processo educacional.

Portanto, considerando que "a luta pela democracia é uma tarefa política e educacional"

(Giroux, 2003, p. 56), acredito que a Universidade deve estar atenta para a importância que tem a

dimensão política no processo educacional, reconhecendo que: A educação política também significa ensinar os estudantes a correr riscos, fazer perguntas, desafiar aqueles no poder, honrar tradições críticas e ser reflexivo a respeito da forma como a autoridade é utilizada na sala de aula e em outros espaços pedagógicos. Uma educação política propicia a oportunidade para que os estudantes não apenas se expressem de forma crítica, mas para que alterem a estrutura de participação e o horizonte do debate pelo qual as suas identidades, seus valores e seus desejos são moldados (p. 161).

Se esses militantes desejam efetivamente fazer valer a sua atuação política, precisam pensar

em como trazer para o centro do debate político o estudante de medicina não engajado na política

estudantil, com a finalidade de ampliar o debate sobre a formação médica, construindo juntos

novos e transformadores significados a respeito de uma universidade mais inclusiva e, portanto,

mais democrática que possam repercutir positivamente no contexto mais amplo da sociedade.

É importante que a Universidade, por sua vez, supere sua inércia buscando compreender o

que vem ocorrendo em seus espaços sociais fora das demarcações do currículo oficial e que acolha

as experiências dos seus discentes militantes dando-lhes mais suporte, maior visibilidade, apoiando

projetos, promoção de encontros, seminários, congressos e fóruns de debates que agreguem

inclusive a experiência de outras universidades brasileiras. Enfim, cabe reconhecê-los como

sujeitos ativos na construção de suas próprias identidades com repercussões para a consolidação de

uma cidadania ativa e consciente não apenas dos seus direitos, mas, sobretudo, de seus deveres.

Quem sabe, esse não seja um caminho interessante para alcançarmos uma universidade "para

todos" como o movimento estudantil sempre sonhou e lutou?

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APÊNDICE A - ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

I- Informações gerais do entrevistado Nome: Período: Idade: Naturalidade: Bairro: Ensino fundamental e médio em colégio público ou privado: Anos em que atuou no CACC: E-mail: Telefones: II- Sobre participação no Movimento Estudantil - Política e sua importância; - Filiação a partido político; - Trajetória no movimento estudantil; - Conhecimento sobre a história do movimento estudantil e do CACC; - Visão sobre o movimento estudantil atualmente; - Função do Centro Acadêmico para os estudantes de medicina (que atividades promove; o que costuma divulgar); - Entendimento dos estudantes que não militam sobre os que militam no movimento estudantil; - Significado de participar (ou ter participado) do CACC. III- Sobre a Formação Médica - Significado de ser médico; - Opinião sobre o curso médico; - Posicionamento sobre o Ato Médico (individual e do CACC); - Participação e/ou conhecimento de algum projeto de educação e/ou saúde de iniciativa dos estudantes de medicina. IV- Sobre a formação universitária e incorporação de políticas de inclusão pela UFRJ - Expectativas sobre a UFRJ antes do ingresso; - Interação com outros cursos da saúde; - Opinião sobre as políticas de inclusão universitárias (Cotas e Enem); - Opinião sobre a recente adoção das cotas sociais pela UFRJ; - Opinião sobre Reuni e Plano Diretor da UFRJ; - Posicionamento do CACC em relação às políticas inclusivas; - Opinião sobre a participação do estudante de medicina no movimento estudantil da UFRJ. V- Sobre a experiência de pertencer à coordenação do CACC - Número aproximado de militantes que participam (ou participaram) da gestão; - Participação de homens e mulheres na gestão e na participação do CACC; - Sobre o acompanhamento das eleições 2010 - Opinião sobre o processo eleitoral e sobre os grupos concorrentes.

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APÊNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

A pesquisa “Universidade, políticas inclusivas e formação médica: construção de

significados por estudantes de medicina” está sendo desenvolvida no Laboratório de Linguagens e

Mediações do NUTES/UFRJ pela aluna de mestrado Adriana Arrigoni do Programa de Pós-

graduação Educação em Ciências e Saúde, sob a orientação da profa. Vera Helena Ferraz de

Siqueira.

Sua participação é de grande importância, à medida que os resultados da pesquisa

favorecerão um entendimento mais ampliado dos processos de construção identitária dos

estudantes de medicina do Centro Acadêmico Carlos Chagas da UFRJ.

Caso você concorde, a entrevista será gravada, uma vez que esse procedimento facilitará a

etapa de coleta de dados. Comprometemo-nos a manter o anonimato das entrevistas, usando nomes

fictícios na divulgação dos seus resultados.

Eu, ________________________________________________, concordo em participar da

pesquisa “Universidade, políticas inclusivas e formação médica: construção de significados por

estudantes de medicina”, acima mencionada, através de entrevista gravada (não gravada).

Rio de Janeiro, _____________________