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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA MARCIA CAMPOS BLEICH JOAQUIM TENREIRO: ARTE , TÉCNICA E HISTÓRIA NO MOBILIÁRIO BRASILEIRO São Paulo 2016

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA

MARCIA CAMPOS BLEICH

JOAQUIM TENREIRO:

ARTE , TÉCNICA E HISTÓRIA

NO

MOBILIÁRIO BRASILEIRO

São Paulo

2016

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MARCIA CAMPOS BLEICH

Dissertação apresentada à Universidade

Presbiteriana Mackenzie como requisito

parcial para a obtenção do título de mestre

em Educação, Arte e História da Cultura.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Rizolli

2016

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B646j Bleich, Márcia Campos.

Joaquim Tenreiro: arte, técnica e história do mobiliário brasileiro / Márcia Campos Bleich – São Paulo, 2017.

112 f.: il; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2017.

Referência bibliográfica: p. 108-112.

1. Tenreiro, Joaquim. 2. Design. 3. Mobiliário brasileiro. 4. Movimento moderno. 5. Madeira. I. Título.

CDD 749.2981

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A Sérgio, Sophia e Helena

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AGRADECIMENTOS:

Em especial ao meu marido, que sempre acreditou no resultado positivo dos esforços

aqui concentrados e nunca me negou seu carinho e amizade.

As minhas filhas, que entenderam minha ausência e torceram por meu sucesso.

Aos meus pais, cujo incentivo e auxílio possibilitaram esta empreitada.

À minha tia Mara pelo apoio e inspiração.

À minha tia Célia pelas aulas de redação.

Ao meu orientador Professor Doutor Marcos Rizolli, sempre atencioso em suas

orientações e palavras de incentivo.

À Professora Dra. Sueli Garcia, tão precisa em seus comentários que deram novos

rumos a esta pesquisa.

Ao Professor Norberto Stori pela análise de meu trabalho.

Aos professores do programa de mestrado em Educação, Arte e História da Cultura,

que tanto agregaram em minha pesquisa.

Aos meus colegas do curso de Design de Interiores do Senac Osasco, companheiros

de jornada acadêmica.

Ao Mackenzie, Universidade que, após 20 anos, retornei para um novo e gratificante

aprendizado.

À Deus, que nunca me faltou.

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São casas simples

Com cadeiras na calçada

E na fachada, escrito em cima

Que é um lar

(Vinícius de Morais)

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RESUMO Joaquim Tenreiro, marceneiro nascido em Portugal, viveu no Brasil desde o ano de

1928. A ele é atribuída uma grande contribuição na criação do Móvel Moderno

Brasileiro. O presente trabalho tem como desafio apresentar uma leitura de sua obra

como marceneiro, designer e decorador e a reconstituição de sua trajetória desde seu

primeiro trabalho, desenvolvido para a residência de Francisco Inácio Peixoto,

projetada por Oscar Niemeyer no ano de 1942, até a finalização de suas atividades

como designer de móveis em 1968. Os móveis e os interiores de Joaquim Tenreiro,

que legou à posteridade uma vasta obra carregada das marcas que testemunham o

Movimento Moderno de Arquitetura e Design no Brasil, são analisadas de forma a

decodificar a criação de uma linguagem para o móvel brasileiro, seguida por grandes

designers que trilharam seus passos.

Palavras chave: Joaquim Tenreiro, Design, mobiliário brasileiro, movimento

moderno, madeira

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Abstract

Joaquim Tenreiro, a carpenter born in Portugal, lived in Brazil since the year 1928, to

whom is attributed a great contribution in the creation of the Brazilian Modern Furniture.

The present work has as challenge to present a reading of his work as carpenter,

designer and decorator and the reconstitution of his trajectory from his first work,

developed for the residence of Francisco Inácio Peixoto, designed by Oscar Niemeyer

in 1942, until the termination of his activities as furniture designer in 1968. The furniture

and interiors of Joaquim Tenreiro, who bequeathed to posterity a vast work laden with

the marks that witness the Modern Movement of Architecture and Design in Brazil, are

analyzed in order to decode the creation of a language for the Brazilian furniture,

followed by great Designers who have tracked his steps

Palavras chave: Joaquim Tenreiro, Design, Brazilian furniture, modern

movement, wood

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1. OS INTERIORES DAS RESIDÊNCIAS NO BRASIL 15

1.1. Das decorações coloniais aos interiores ecléticos 15

1.2. A casa moderna 21

2. JOAQUIM TENREIRO 30

2.1. Da Aldeia portuguesa ao Rio de Janeiro 30

2.2. De marceneiro a designer de móveis 32

2.2.1. A Residência de Cataguases 34

2.2.2. Langenbach e Tenreiro e Tenreiro Móveis e Decoração 42

3. JOAQUIM TENREIRO E O MÓVEL MODERNO BRASILEIRO 50

3.1. Leveza 55

3.2. Texturas 74

3.3. Organicidade 92

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 105

REFERÊNCIAS: 108

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FIGURAS:

Figura 1 - Uma senhora de algumas posses - Debret ................................................ 18

Figura 2 - Projeto Mobiliário Residência de Cataguases ............................................ 40

Figura 3 - Loja de São Paulo- Foto 1 - Década de 1950 ............................................ 45

Figura 4 - Poltrona Leve - 1942 .................................................................................. 57

Figura 5 – Projeções Poltrona Leve ............................................................................ 58

Figura 6 - Cadeira Curva Vistas Frontal e Lateral - Década 1950 ............................. 60

Figura 7 – Cadeira Curva – Década de 1950 ............................................................. 61

Figura 8 - Cadeira Curva com Varetas - 1960 ............................................................ 62

Figura 9 – Cadeira Curva com Varetas ...................................................................... 63

Figura 10 – Cadeira Estrutural -1947 .......................................................................... 64

Figura 11 – Mesa Giz Redonda com Cadeiras Curvas – 1954 .................................. 65

Figura 12 - Mesa Triangular - 1960............................................................................. 66

Figura 13 – Mesa de Centro em Madeira e Vidro - Década de 1950 ......................... 67

Figura 14 – Mesa de Apoio – Década de 1950 .......................................................... 67

Figura 15 - Poltrona Curva com Assento em Concha – ............................................. 68

Figura 16 – Banqueta com Pés em Ferro – 1948 – foto1 ........................................... 69

Figura 17 - Cadeira de Três Pés - Duas madeiras - 1947 .......................................... 70

Figura 18 - Interior Residência Modernista – Arquiteto Rino Levi 1960 ..................... 71

Figura 19 - Sofá em Madeira Curva – Década de 1960 ............................................. 72

Figura 20 – Mesa Tronco – Três Partes- 1955 ........................................................... 77

Figura 21 – Banco Tronco - 1954 ............................................................................... 78

Figura 22 - Cadeira de Embalo em Couro - 1947 ....................................................... 80

Figura 23 - Gabinete com Portas Vermelhas – Década de 1960 ............................... 81

Figura 24 – Cadeira de Três Pés – Cinco Madeiras ................................................... 82

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Figura 25 - Cadeira Curva com Varetas – Foto2 ........................................................ 83

Figura 26 - Biombo em Imbuia - Década de 1950 ..................................................... 84

Figura 27 –Loja de São Paulo - Foto 2 - Década de 1950 ........................................ 85

Figura 28 – Detalhe Loja de São Paulo – Mesa de Centro ........................................ 86

Figura 29 - Mesa Retangular com Tampo em Treliça ................................................ 86

Figura 30- Armário com Portas em Treliça - 1955 ...................................................... 87

Figura 31 - Cadeira de Embalo em Palha - 1948 ....................................................... 89

Figura 32 – Chaise Longue de Embalo Estofada - 1947 ............................................ 90

Figura 33 – Chaise Longue de Embalo em Palhinha – 1947 ..................................... 91

Figura 34 – Espreguiçadeira de Tiras de Couro - 1942 .............................................. 94

Figura 35 – Mesa de Trabalho – Década 1950 .......................................................... 95

Figura 36 – Poltrona Leve – Foto 2............................................................................. 96

Figura 37 – Cadeira de Três Pés – Cinco madeiras ................................................... 96

Figura 38 – Banqueta com Pés em Ferro – Foto 2 .................................................... 97

Figura 39 – Mesa Triangular - Foto 2......................................................................... 98

Figura 40 – Sofá Curvo - Década de 1960 ................................................................ 99

Figura 41 - Conjunto de Cadeiras Colégio Cataguases - 1943 ................................ 100

Figura 42 – Vista Salão Social do Hotel de Cataguases - 1951 ............................... 101

Figura 43 - Corte Sofá com Mantas Soltas - 1955.................................................... 101

Figura 44 - Sofá Com Mantas Soltas -1955 .............................................................. 102

Figura 45 – Mesa Tronco – Duas partes - 1958 ....................................................... 103

Figura 46 – Cadeira Pequena – Década de 1960 .................................................... 104

Figura 47 - Cadeira Curva com Assento em Palhinha ............................................. 105

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INTRODUÇÃO

O estudo do design do mobiliário brasileiro é um tema ainda pouco discutido,

portanto, desenvolver uma dissertação tendo como objeto o mobiliário de Joaquim

Tenreiro e seu trabalho como designer1 apresenta-se como uma forma de trazer ao

cenário acadêmico interdisciplinar um importante debate sobre emergente sociedade

moderna da região sudeste brasileira nos anos 1940, 1950 e 1960, além de identificar

elementos que aproximam sua obra das ambientações brasileiras.

Nascido em Portugal, Joaquim de Albuquerque Tenreiro, mudou-se

definitivamente para o Brasil, no ano de 1928, após passar duas temporadas em terras

brasileiras.

De sua família herdou a profissão de marceneiro que, ligada à grande paixão

que tinha pelas artes plásticas, possibilitou transformar seus móveis em peças

diferenciadas, esculturas em marcenaria, palha, couro, vidro e ferro. Tenreiro estudou

as madeiras brasileiras e introduziu nos interiores móveis esteticamente modernos,

porém vernaculares2, representados por peças leves, ricas em texturas e de design

orgânico.

Em sua juventude, desejava ser arquiteto. Não teve a chance de se dedicar à

formação acadêmica, mas é reconhecido como um dos criadores do mobiliário

moderno brasileiro. Não foi apenas um marceneiro dedicado a reproduzir peças de

estilos diversos, foi designer, utilizou em seus trabalhos as madeiras locais, estudou-

as para explorar as possibilidades plásticas na criação de seus móveis.

Embora distante dos movimentos de arquitetura e design do início do século

XX, criou um mobiliário moderno, de formas limpas, em total sintonia com as ideias

racionalistas defendidas pelas escolas de arte que tiveram início na Europa no período

1 O termo designer, para denominar o profissional que atua no desenvolvimento de projetos de objetos, imagens ou espaços, foi utilizado no Brasil no ano de 1962 com a oferta do curso superior em design da Escola Superior de Desenho Industrial. No período abordado por esta dissertação o termo mais utilizado para denominar o profissional que desenvolvia projeto de peças era desenhista ou projetista industrial, porém no decorrer do texto em diversos momentos utilizamos o termo designer para descrever a atividade de Joaquim Tenreiro. 2 O termo vernacular é utilizado em arquitetura e em design para identificar obras que criam uma ligação direta com a cultura de um local ou pais, empregando matéria-prima e recursos locais.

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entre guerras e, também, com o modernismo norte americano que defendia uma

arquitetura mais orgânica e em harmonia com o ambiente onde era desenvolvida.

O presente trabalho lança um olhar para os móveis criados por Joaquim

Tenreiro com a finalidade de identificar em suas peças elementos que, abandonados

no decorrer do século XIX, passaram a fazer parte de um novo conceito de mobiliário

e entender em que medida a inserção desses elementos aproxima o público dos

móveis modernos e possibilitam sua aceitação.

O mobiliário criado por Tenreiro e que está analisado nesta dissertação tem

por limites dois fatos, o início é o ano de 1942 quando Tenreiro desenhou os móveis

para a residência de Francisco Inácio Peixoto, com projeto de Oscar Niemeyer, o

término em 1968 quando, após entregar os móveis do salão nobre do Palácio do

Alvorada, Tenreiro encerrou as atividades de sua marcenaria e passou a se dedicar a

trabalhos como artista plástico. (MMM & Macedo, 1985)

O texto da presente dissertação está dividido em três capítulos. No primeiro,

dois momentos dos interiores residenciais brasileiros são identificados, os interiores

ecléticos, que se tornaram quase uma obrigatoriedade nos lares das ricas famílias do

século XIX e início do século XX na região sudeste do país, e as casas de arquitetura

moderna que surgem no início da década de 1920 e se intensificam no decorrer da

primeira metade do século XX.

O segundo capítulo apresenta Joaquim Tenreiro, sua trajetória e suas

influências desde o início de seu trabalho na pequena aldeia portuguesa, até

abandonar definitivamente o trabalho como designer e se dedicar às artes plásticas,

após ter sido proprietário de duas lojas de móveis, a primeira no Rio de Janeiro e a

segunda em São Paulo, que funcionavam como lojas galerias e que ditavam

tendências em decoração nas décadas de 1940, 1950 e parte da década de 1960.

A terceira e última parte do trabalho e a motivação dos dois primeiros

capítulos, trata de uma leitura de algumas peças criadas por Joaquim Tenreiro, no

período que teve suas lojas e assinou móveis e decorações de interiores residenciais.

A escolha e apresentação das peças analisadas não seguem necessariamente uma

ordem cronológica, o critério para escolha e divisão das imagens dos móveis foi feita

de forma a proporcionar a identificação de características que tornam a obra de

Tenreiro um importante referencial dentro do mobiliário brasileiro.

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A escolha de Joaquim Tenreiro como tema deste trabalho se deve ao fato de

ser a ele, constantemente, atribuído o feito de criar peças de mobiliário que, além de

alinhadas com a estética moderna de design, trazem em seus projetos referências de

materiais, formas e texturas que possibilitam identificar em sua obra um design

vernacular.

Portanto, o estudo do período tratado nesta dissertação com foco no trabalho

de Joaquim Tenreiro, se justifica pela necessidade de lançarmos um olhar mais atento

e criterioso a criação de objetos, na tentativa de identificar em seus projetos

referências culturais e históricas que influenciaram e influenciam até os dias atuais o

modo de morar nas grandes cidades brasileiras.

Com o propósito de compreender a criação do mobiliário brasileiro, este

trabalho está centrado na pesquisa histórica, sempre baseada em imagens, relatos e

entrevistas da época e da revisão da bibliografia existente.

O estudo teve como suporte a investigação documental por meio da análise

de periódicos com entrevistas, notas, críticas, bem como livros que tratam

especificamente da carreira de Tenreiro e outros registros que de alguma forma

descrevem o cenário do período em foco.

Na bibliografia utilizada destacam-se: “Joaquim Tenreiro - Madeira Arte e

Design”, uma edição comemorativa dos 35 anos da Construtora João Fortes

Engenharia, lançada no ano de 1988, mais de vinte anos após o encerramento das

atividades de sua loja e de sua oficina, o livro é um catálogo das peças que

desenvolveu e, também, uma longa entrevista com o próprio Tenreiro, conduzida por

Ascânio MMM e Ronaldo do Rego Macedo. O livro “Tenreiro”, editado pela Bolsa de

Artes do Rio e Soraia Calls, no ano de 2000, com texto de Sérgio Rodrigues3 e Maria

Cecilia Loschiavo dos Santos, serviu de referência, principalmente iconográfica para

a presente pesquisa. Dos Santos é, também, autora do livro “Mobiliário Moderno no

Brasil”, cujas citações fazem parte deste trabalho.

A pesquisa documental de natureza iconográfica resgata imagens dos móveis

criados por Tenreiro; além de projetos e croquis. A intensa produção da oficina

3 Sergio Rodrigues (Rio de Janeiro, 1927 – Rio de Janeiro, 2014) se formou em arquitetura pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (FNA), no ano de 1951. Atuou como arquiteto e, principalmente como designer de móveis. No ano de 1961 foi premiado com a criação da poltrona Mole, no Concorso Internazionale Del Mobile, em 1961, em Cantù, na Itália. Embora mais jovem que Tenreiro, teve com ele contato e se declarava um admirador de sua obra, no livro “Tenreiro”, Sérgio Rodrigues conta no texto de abertura um pouco de suas conversas.

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comandada por Joaquim Tenreiro entre os anos de 1942 e 1968 e a grande qualidade

de suas peças, produzidas em madeira de lei, sempre tratadas e secas de forma

criteriosa, possibilitou que um grande número de móveis com o selo da oficina de

Tenreiro chegasse aos dias atuais em excelente estado de conservação. Desta forma,

foi possível ter contato com parte de suas obras em antiquários que as comercializam,

além das imagens dos livros citados.

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1. OS INTERIORES DAS RESIDÊNCIAS NO BRASIL

No dia 23 de junho de 1992, um artigo do Jornal do Brasil com o título: “Ele

fez o Brasil se sentir em casa” (CEZIMBRA, 1992) anunciava o sepultamento de

Joaquim de Albuquerque Tenreiro. Ele havia falecido às vinte e três horas e trinta

minutos do dia 21 de junho, aos 86 anos. O título, bastante sugestivo, é explicado sem

muitos detalhes no subtítulo e no texto de meia página, ao atribuir-lhe a criação do

mobiliário moderno brasileiro e a inserção de elementos e matérias-primas nacionais

em suas peças.

Embora a pesquisa proposta para o presente trabalho seja a análise das

peças criadas por Joaquim Tenreiro dentre o período de recorte proposto, o título da

matéria traz um importante questionamento que permeia todo o texto que segue. Teria

ele efetivamente conduzido o Brasil a sentir-se em casa? Qual casa é essa que

descobrimos ou redescobrimos através de suas peças?

1.1. Das decorações coloniais aos interiores ecléticos

O mobiliário brasileiro, como descreve Lucio Costa4 em artigo publicado na

revista de patrimônio do Iphan, no ano de 1939, foi um “desdobramento do mobiliário

português” e, ainda que o material empregado fosse brasileiro, foram os portugueses

e seus descendentes que desenvolveram o mobiliário que era utilizado nas

residências, mosteiros e conventos, assim como a moda, a gastronomia e outras

vertentes da cultura brasileira, o móvel brasileiro tem suas origens em um passado

colonial marcado pelas intrínsecas raízes comuns entre Brasil e Portugal.

Mesmo que possamos entender a mobília residencial brasileira como uma

vertente da mobília portuguesa, é possível identificar peculiaridades que apontam

4 Lúcio Marçal Ferreira Ribeiro Lima Costa (Toulon, 1902 — Rio de Janeiro, 1998), foi arquiteto, urbanista e professor francês nacionalizado brasileiro. Seus primeiros projetos foram em estilo neoclássico e neocolonial, posteriormente seguiu o modelo de arquitetura modernista de Le Corbusier. Se dedicou ao estudo da arquitetura e do mobiliário Luso brasileiro além de ter sido responsável, na década de 1950, pelo projeto urbano da cidade de Brasília

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para um estilo próprio e independente mais adaptado ao clima e com influências

diversas.

No mesmo artigo, Lúcio Costa traz informações importantes sobre a produção

de móveis no Brasil, o gosto pelo artesanato perfeito de mobílias feitas para durar,

uma vez que, dada a distância e isolamento da colônia não era comum a troca da

decoração interna dos ambientes e as decorações das residências dos ricos senhores

de engenho eram simples e com poucos e bons móveis:

Mas, se a arrumação era despretensiosa e sem sombra de encenação preconcebida – embora ainda existam portadas e tetos decorados de aspecto verdadeiramente nobre, principalmente na Baía – as peças em si eram bem talhadas e bonitas: não só porque a tradição do ofício era fazê-las assim, como também porque os oficiais e ajudantes eram muitas vezes gente da casa, escravos cujos dotes naturais, em boa hora revelados, a conveniência do senhor havia sabido aproveitar. Trabalhando sem pressa, nem possibilidades de lucro, o “prazer de fazer bem feito” era tudo o que importava: isto ao menos era deles, - o dono não podia tirar. (COSTA, 1939)

Segundo Gilberto Freyre, até a transferência da Corte de Portugal para o Rio

de Janeiro, “o primado do europeu de cultura no Brasil significava o primado português

ou ibérico...” e logo na sequência do parágrafo completa o seu pensamento ao

declarar que “ o primado ibérico de cultura nunca foi, no Brasil, exclusivamente

europeu, mas, em grande parte, impregnado de influências mouras, árabes, israelitas

e maometanas” (FREYRE, 2002, p. 456).

Vale salientar que, a colonização portuguesa promoveu, desde o início, uma

troca de costumes e culturas entre as suas colônias e, principalmente em Portugal a

influência oriental sempre foi marcante. Em Texto do catálogo da Exposição Portugal

e a Ásia: Cinco Séculos de Cultura, Helder Carita, arquiteto e pesquisador português,

descreve logo no primeiro parágrafo:

No contexto das relações culturais entre Portugal e a Ásia, que datam dos primórdios do século XVI, a marcenaria e o mobiliário adquiriram uma expressão peculiar e significativa, revelando uma intensa teia de interinfluências que se manifestaram ao nível do quotidiano. (CARITA, 2011, p. 10)

Se em Portugal havia grande influência oriental nos costumes e, do que nos

interessa neste trabalho, no mobiliário, no Brasil não era diferente. Traços da cultura

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oriental eram assimilados via Portugal e, também, diretamente vindos do oriente,

lembrando que a rota de navios, a partir de 1664 com a abertura do porto de Salvador

para a rota Carreira da Índia, passava pelo Brasil tanto na ida como na volta para

Lisboa (LAPA, 2000).

Em seu livro, Sobrados e Mucambos, Gilberto Freyre dedica todo um capítulo

às descrições que evidenciam a influência oriental que sofreu o Brasil desde os

primórdios da colonização até o início do século XIX, quando D. João VI transfere a

sede da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, e ao referir-se às mudanças ocorridas

após este período, declara:

Só o vigor do capitalismo industrial britânico na sua necessidade às vezes sôfrega de mercados não só coloniais como semicoloniais para sua produção, de repente imensa, de artigos de vidro, ferro, carvão, louça e cutelaria – produção servida por um sistema verdadeiramente revolucionário de transporte – conseguiria acinzentar, em tempo relativamente curto, a influência oriental sobre a vida, a paisagem e a cultura brasileira. (FREYRE, 2002, p. 455)

A transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808, e sua permanência

até 1821, representou uma decisiva guinada nos rumos da, até então, colônia

portuguesa na América. Entretanto, muito importante para o presente estudo é que,

uma populosa comitiva de aproximadamente 15 mil pessoas (MALERBA, 2000, p. 20)

veio acompanhada de uma escolta inglesa e com ela o olhar do estrangeiro e “aos

olhos dos recém-chegados, o Rio de Janeiro parecia uma cidade árabe das costas da

África” (SEVCENKO, 2000, p. 56), era necessário transformar a capital em uma cidade

europeia, essas mudanças garantiriam um importante mercado consumidor para a

indústria de manufaturados britânicos, prontos para invadir de forma definitiva as ruas

e as casas da atual sede da coroa portuguesa.

A colonização portuguesa sempre privilegiou o desenvolvimento rural de tal

forma que o maior prestígio estava na vida das fazendas, como ressalta Sérgio

Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, “ as terras da lavoura eram a morada

habitual dos grandes. Só afluíam eles aos centros urbanos a fim de assistirem aos

festejos e solenidades. ” (HOLANDA, 2002, p. 90), sendo assim, “ quando da chegada

de D. João VI, era o Rio de Janeiro capital mais de nome que de fato. ” (LIMA, 2006,

p. 87) , o que pode nos dar uma ideia de como eram precárias as instalações e as

residências da cidade e, por consequência, o mobiliário que as decoravam.

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As descrições das casas e das ruas da Cidade do Rio de Janeiro, feitas na

maior parte das vezes pelos estrangeiros, que vieram ao Brasil como integrantes da

comitiva que acompanhava a família real, falam de edificações sem recuos laterais

nem frontal, com poucas janelas, quase sempre fechadas. Os móveis também eram

poucos, uma grande mesa de jantar em jacarandá, marquesa com assento em

palhinha ou esteiras, costume adquirido tanto dos nativos quanto dos árabes, onde

passavam a maior parte do dia as senhoras rodeadas por escravos (FREYRE, 2002).

Um bom exemplo da descrição feita por Gilberto Freyre são as gravuras do

artista Jean-Baptiste Debret (Paris, 1768 — Paris, 1848), que chegou ao Brasil no ano

de 1816 como integrante da Missão Artística Francesa e permaneceu até 1831 e se

dedicou a desenhar e pintar cenas dos índios, escravos e costumes brasileiros (figura

1) e, após seu retorno à França, publicou o livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil,

nele algumas imagens dão conta de interiores simples e com poucos móveis.

Figura 1 - Uma senhora de algumas posses – Aquarela sobre papel, 16,2 x 23 cm, Jean-Baptiste Debret, Rio de Janeiro, 1823

Fonte: (www.bndigital.bn.br) - Consultado em 27/09/2016

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Na verdade, até a segunda metade do século XVII, o mobiliário brasileiro

manteve-se quase totalmente alheio as influências dos estilos europeus não ibéricos

e, apenas após esse período, com a chegada dos manufaturados da Inglaterra o

cenário das casas brasileiras aos poucos se modificaram, Gilberto Freyre descreve as

mudanças ocorridas no mobiliário residencial do período e nas formas de produção

de tais peças:

Os móveis dos sobrados se afrancesaram no estilo tanto quanto as modas de vestidos das senhoras. Vieram mestres franceses para as cidades do Império, trabalhar com as suas mãos brancas, o jacarandá e as outras madeiras nobres e boas da terra, até então quase só trabalhadas pelas mãos grandes e rudes dos pretos, as vezes por mãos de moça de mulatos efeminados. As velhas cadeiras portuguesas, pesadas e largas, foram desaparecendo das salas de visitas. Móveis importados da Europa. Móveis fabricados não mais no engenho, nem nas casas particulares, mas em oficinas; segundo estilos franceses e ingleses... (FREYRE, 2002, p. 368)

O costume, de interiores com poucos móveis, casas quase sem janelas e

esteiras para se sentar no chão, vão aos poucos sendo alterados pela forte influência

da chegada da Família Real Portuguesa e pela abertura dos portos, que inunda o

comércio carioca de mobílias inglesas e francesas. Ao longo de todo o século XIX os

interiores das residências brasileiras passaram por uma grande transformação, de tal

forma que no início do século XX uma residência da alta classe carioca poderia

facilmente ser confundidas com um lar francês:

A alta sociedade possuía uma vida de luxo e requinte, baseada preponderantemente em modelos culturais estrangeiros e, assim como nos demais elementos da vida da elite carioca, os salões nacionais eram uma cópia dos salões literários franceses. (SCHENTTINO & LEMOS, 2014, p. 324)

A vinda da Missão Artística Francesa para o Brasil, que tinha entre seus

integrantes não apenas o pintor histórico Jean Baptiste Debret, mas o arquiteto

Auguste Henri (Paris, 1776 — Rio de Janeiro, 1850) acompanhado de três aprendizes

e alguns carpinteiros e serralheiros, foi decisiva para divulgar e implantar o Estilo

Neoclássico nas ambientações das residências, passando a ser quase uma

obrigatoriedade nos lares cariocas e paulistas do final do século XIX e início do século

XX.

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Os assentos em palhinha, as esteiras, os baús e arcas para guarda de

utensílios e os mochos, sempre presentes nas casas do início do século XIX, se

tornaram escassos nas decorações e foram gradualmente substituídos por móveis

estofados em veludo, mesas de chá, cômodas e poltronas pintadas e ornamentadas

com metais dourados e cortinas fartas de tecidos.

A transformação dos velhos sobrados cariocas do século XIX no luxuoso

palacete eclético do início do século XX é resultado não apenas de uma nova

adaptação da vida na capital do país, mas de um abandono a antigos costumes e a

inserção de signos que não existiam na cultura brasileira, os interiores domésticos

passaram a ser símbolo de posição social, de tal forma que a tipologia arquitetônica e

de decoração se tornaram sinônimo de civilização e o mundo civilizado, para os

integrantes da alta classe carioca e, também paulistana, estava na Europa, mais

precisamente na França e Inglaterra.

A preferência pelos interiores decorados em estilo neoclássico dominou o

gosto da elite brasileira, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, ao longo

do século XIX e início do século XX. Embora no início do século XX, apoiada em novas

técnicas construtivas e influenciada por jovens arquitetos que traziam inspiração do

Modernismo Arquitetônico da Europa e dos Estados Unidos, a arquitetura em São

Paulo já apresentasse sinais de modernização, as decorações continuavam bastante

ecléticas, os interiores e o mobiliário produzido para a decoração dos ambientes não

acompanhavam a evolução da arquitetura e, mesmo quando os projetos

arquitetônicos eram modernos, as peças utilizadas para a ambientação eram, quase

sempre, em estilo francês, inglês, D. João VI e D. Maria I, de produção artesanal com

utilização de madeira escura e encostos e assentos estofados em veludo.

Algumas atitudes em modernizar o desenho de mobiliário ocorreram ainda no

início do século XX, porém ou foram voltadas para a produção em larga escala de

móveis residenciais que serviam à classe trabalhadora da indústria ou eram móveis

de escritório.

No design de móveis residenciais um exemplo pioneiro de modernização foi

a Indústria de móveis Patente L. Liscio S. A., fundada por Luiz Liscio que, após

patentear a cama, que já era produzida e comercializada por Celso Martinez Carrera,

um marceneiro Espanhol que se dedicava, desde o ano de 1909 na cidade de

Araraquara-SP, à produção de móveis de linhas retas destinado à um público bastante

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modesto, iniciou uma produção industrializada de móveis em madeira torneada

destinada à classe operária, a indústria foi instalada na cidade de São Paulo:

A Cama Patente não representou somente uma inovação nos hábitos do dormitório brasileiro; acima de tudo ela foi um dos episódios mais significativos na história da indústria brasileira em termos de criação de novas tecnologias. Foram desenvolvidos métodos próprios de fabricação e, sucessivamente, construídas máquinas. (SANTOS M. C., 1995, p. 61)

Porém, a modernização do mobiliário no início do século XX, bem como a

produção dentro de um processo mais industrializado e em larga escala, estava

pautada muito mais em fornecer uma mercadoria com preços atrativos, para a

crescente classe de trabalhadores da indústria, do que de traçar novos rumos para o

desenho de móveis e para a decoração dos interiores domésticos.

1.2. A casa moderna

Tenreiro ficou conhecido, principalmente entre arquitetos e designers,

contemporâneos ao seu trabalho ou mesmo que seguiram seus passos, como

pioneiro do mobiliário moderno no Brasil. De fato, seus esforços criativos, durante o

período que atuou no mercado de móveis e decorações de interiores, foram sempre

os de divulgar e defender a utilização de um novo conceito de mobiliário, mais leve e

funcional. Porém, para melhor conceituar seu trabalho, torna-se importante um olhar

mais criterioso ao período em questão.

O final do séc. XIX e o início do séc. XX foram marcados, principalmente na

Europa, pela euforia da tecnologia e da velocidade, pontuada pelos automóveis,

máquinas fotográficas, cinema e inovações que mudaram as relações de trabalho, a

forma de produção dos objetos, o modo de vida dentro das cidades e o processo

construtivo dos edifícios.

Nicolau Sevcenko, em seu livro Orfeu Extático na Metrópole, trata do

modernismo na cidade de São Paulo na década de 1920 e, ao definir esse período

pontua:

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O vocábulo ‘moderno’ vai condensando assim conotações que sobrepõe em camadas sucessivas e cumulativas, as quais lhe dão uma força expressiva ímpar, muito intensificada por esses três amplos contextos; a revolução tecnológica, a passagem do século e o pós-guerra. “Moderno” se torna a palavra-origem, o novo absoluto, a palavra-futuro, a palavra ação, a palavra potência, a palavra libertação, a palavra reencantamento, a palavra epifania. Ela introduz um novo sentido à história, alternando o vetor dinâmico do tempo que revela sua índole não a partir de algum ponto remoto no passado, mas de algum lugar no futuro. (SEVCENKO, 1992, p. 228)

Na arquitetura e no design de mobiliário o momento era de mudanças e

experimentações, com o uso do ferro e do aço na construção civil e também nos

utensílios domésticos. A industrialização leva as artes, principalmente o design e o

artesanato, a uma produção massificada de modismos e imitações, peças

produzidas em série, por máquinas de ornamentos, totalmente dissociadas da arte

e do artesanato, tão valorizados em outros momentos.

William Morris (Essex, 1834 - Londres, 1896) e John Ruskin (Londres, 1819 –

1900), artistas defensores do artesanato e das artes e ofícios, criaram na segunda

metade do século XIX o movimento art and craft. Defendiam o artesanato e

criticavam a produção medíocre de peças sem estilo. Embora as críticas feitas por

Morris e Ruskin influenciassem muitos artistas, o retorno ao artesanato se mostrava

um luxo para poucos, dentro da nova sociedade moderna.

Surge por volta do ano de 1890 um movimento voltado para o design e a

arquitetura, o Art Nouveau, como ficou conhecido, aproveitava os novos materiais e

meios de produção industrializados para criar um estilo novo, utilizam o ferro o vidro

e o concreto para criar elementos orgânicos, explorando as curvas sinuosas,

inspiradas na arte oriental.

O Art Nouveau se estendeu pelas artes aplicadas em geral e sobreviveu até

a Primeira Guerra (1914-1918), quando o mundo conheceu os horrores de um

conflito que parou a Europa.

Os arquitetos, assim como os artífices, mais acostumados com a dificuldade

em transitar entre arte e tecnologia e com suas criações sempre colocadas à prova

pelas antíteses entre razão e emoção e, principalmente com a necessidade de

reconstruir espaços devastados na Primeira Guerra, propõe uma mudança de rumos.

Walter Gropius (Berlim, 1883 — Boston, 1969), arquiteto alemão, toma à frente e cria

no ano de 1919, na devastada Alemanha do pós-guerra, a Escola Bauhaus.

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A Bauhaus foi fundada, com forte investimento público, na recém-criada

República de Weimar. Era uma escola de arte, design e arquitetura que tinha como

meta “formar pessoas com talento artístico para serem designers na indústria,

artesãos, escultores, pintores e arquitetos”. (Gropius, 1988, p. 37). Para Gropius,

fundador e idealizador da escola, o processo criativo é fruto do conhecimento que o

artista deve ter do processo de produção e das matérias que serão empregadas,

defendia ser a arte muito mais um processo racional de aprendizado e trabalho que

uma inspiração divina. Em sua concepção, a arquitetura, a pintura e a escultura devem

ser autossuficientes, livres dos adornos e do que ele chamava de “arte de salão”, não

havendo mais espaço para o que não é essencial. (Gropius, 1988).

Gropius era Alemão, nasceu em Berlim e estudou arquitetura em Munique,

viveu as dificuldades da Primeira Guerra Mundial e presenciou a destruição por ela

deixada, Giulio Carlo Argan abre seu livro “Gropius e a Bauhaus” com seguinte

descrição:

Walter Gropius foi um homem do primeiro pós-guerra. Sua obra de arquiteto, de teórico, de organizador e diretor da admirável escola de arte que foi a Bauhaus é inseparável da condição histórica da república de Weimar e da frágil democracia alemã. (ARGAN, 2005, p. 7)

A Bauhaus funcionou em Weimar até 1925 quando, devido a modificações na

orientação política da República, se mudou para Dessau. Permaneceu em Dessau até

o ano de 1932 e, devido à perseguição do governo nazista, mudou para Berlim e foi

definitivamente fechada em 1933. Walter Gropius, esteve na direção da escola até o

ano de 1927.

Tanto os profissionais formados pela Bauhaus quanto os professores que lá

lecionavam, foram decisivos na divulgação de um novo conceito de arquitetura e

design, porém, outros arquitetos que não faziam parte da Escola Alemã também

tiveram importante papel na divulgação e no fortalecimento do movimento moderno.

Muito importante para o movimento moderno de arquitetura e design foi Le

Coubusier (La Chaux-de-Fonds, 1887 — Roquebrune-Cap-Martin, 1965). Nascido na

Suiça e naturalizado francês no ano de 1930, Charles-Edouard Jeanneret-Gris, mais

conhecido como Le Coubusier, desenvolveu sua carreira como escultor, artista

plástico e arquiteto, na França, defendeu que a arquitetura, assim como o design,

deveria ser repensada, com a finalidade de servir ao homem moderno. Assim como

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seus colegas da Bauhaus, Corbusier propôs uma arquitetura funcional, sem

ornamentos desnecessários. Entre suas frases uma das que traduz seu trabalho e

seu envolvimento com o Modernismo é: “ a casa é uma máquina de morar” e “ a

cadeira é uma máquina de sentar”.

Longe das destruições, provocadas pela Guerra, e muito mais alinhados com

o progresso, o desenvolvimento e a crescente hegemonia dos Estados Unidos, os

arquitetos modernos norte-americanos, representados por seu maior expoente, Frank

Lloyd Wright (Richland Center, 1867 — Phoenix, 1959), buscavam se distanciar do

modernismo europeu e diferenciar a cultura da América da cultura velho mundo.

Dessa forma, Wright propôs uma arquitetura que ao eliminar os ornamentos revelasse

as propriedades da matéria e atendesse às necessidades do indivíduo, cria assim a

arquitetura orgânica:

Para Wright, a Arquitetura Orgânica deveria ser concebida de acordo com a cultura, o local específico e com as necessidades individuais de seus habitantes: uma arquitetura para o homem. Ao eliminar os elementos considerados desnecessários, o arquiteto ressalva as propriedades naturais dos materiais, suas cores e texturas. (TAGLIARI, 2011, p. 40)

A nova arquitetura e os novos conceitos de mobiliário e design chegavam ao

Brasil pelas mãos de imigrantes que desembarcavam no território americano em

busca de novas possibilidades, muitos desses profissionais vinham para se refugiar

de uma Europa instável e assolada pela Primeira Guerra, por revoluções e muito

próxima do início de um segundo grande conflito.

O próprio fundador da Bauhaus, Walter Gropius, no ano de 1933 após a

interdição, pelo partido nazista, da escola Bauhaus, transferiu sua residência para os

Estados Unidos e continuou seu trabalho como arquiteto e professor universitário. O

arquiteto Mis Van der Rohe (Aachen,1886 — Chicago,1969), que lecionou e dirigiu a

Bauhaus até 1933 e foi diretor da escola após Gropius, também se mudou para os

Estados Unidos e lá continuou seu trabalho como arquiteto e professor de arquitetura.

No Brasil, no início do século XX, a mistura de estilos, tanto na arquitetura

quanto nos interiores das residências, levou à criação, mesmo antes do pioneirismo

dos modernistas, de um movimento de retorno às origens que ficou conhecido como

Nativismo.

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Na arquitetura, porém, o nativismo surgiu pela primeira vez no pais, em São Paulo, com a campanha iniciada por Ricardo Severo, em 1914, com a conferência “A arte tradicional brasileira”, realizada sobre os auspícios da Sociedade de cultura Artística. Assim, a arquitetura, como um movimento que conheceu seu apogeu nos anos 20, fenecendo em começos de 30, se antecipava à pintura na busca das raízes nacionais num passado até então esquecido. (AMARAL A. A., 1988, p. 75)

Porém, o Nativismo, liderado por Ricardo Severo (Lisboa, 1869 — São Paulo,

1940), representou muito mais um retorno ao estilo arquitetônico português do que

um estudo aprofundado das raízes da arquitetura brasileira e, foi o arquiteto Lucio

Costa quem primeiro se dedicou a estudar a arquitetura colonial brasileira

desenvolvendo no mesmo período, no Rio de Janeiro, o neocolonialismo.

O retorno às origens e o forte nacionalismo que tomou conta das nações nas

décadas de 1910 e 1920 foi fortemente impulsionado pela Primeira Guerra Mundial, o

grande conflito acirrou os ânimos nacionalistas e derrubou os ideais socialistas de

quebras de fronteiras, mesmo em países como o Brasil, que se encontravam na

periferia dos ataques bélicos, vale salientar que, as comemorações do centenário da

independência também amplificaram o sentimento nacionalista daquele momento.

Com o espírito nacionalista de retorno e busca às origens e, de forma

antagônica, com forte influência internacional que resultava do contato com artistas

que expunham suas obras no Brasil ou que vinham definitivamente se instalar em

território brasileiro, teve início, principalmente na cidade de São Paulo, o Modernismo

nas artes, que teve sua representação máxima na “Semana de Arte Moderna de 22”5.

A semana de Arte Moderna de fevereiro de 1922 realizada em São Paulo representa um marco na arte contemporânea do Brasil, comparável, por sua repercussão, a chegada da missão francesa ao Rio de Janeiro no século passado ou, no século XVIII, à obra de Aleijadinho. Essa manifestação tem importância dilatada por se consequência direta do nacionalismo emergente da Primeira Guerra Mundial e da subsequente e gradativa industrialização do pais e de São Paulo em particular. (AMARAL, 1988, p. 13)

Neste primeiro momento, os arquitetos que se incumbiram de divulgar o novo

estilo arquitetônico, presente na Europa e nos Estados Unidos, não seguiram os

mesmos passos dos artistas da “Semana de Arte Moderna de 1922”, de busca de

5 A Semana de Arte Moderna de 22 ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo entre 11 e 18 de fevereiro de 1922.

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elementos nacionais e, acabaram por tentar implantar um estilo que era tão estranho

ao Brasil quanto o ecletismo, porém este, por estar presente em terras brasileiras há

quase um século, já encontrava grande aceitação.

Entre os artistas e os arquitetos estrangeiros que, devido à formação que

tiveram na Europa, trouxeram novidades para a decoração de interiores no Brasil,

estava John Louis Graz (Genebra,1891 - São Paulo, 1980). Nascido na Suíça no ano

de 1891, fez cursos de Arquitetura, Decoração e Desenho na Escola de Belas Artes

de Genebra e mudou-se para o Brasil no ano de 1920, participou da semana de Arte

Moderna de 1922 e foi pioneiro ao desenvolver projetos de interiores alinhados com

os ideais de arquitetura da Escola Bauhaus.

Graz desenvolveu projetos de decoração para residências em São Paulo,

nestes projetos desenhava móveis, vitrais, portas, maçanetas, luminárias e outros

objetos de decoração.

John Graz não foi só pioneiro no desenho de mobília, mas também foi o primeiro a pôr em prática no Brasil o conceito de design total, tão presente nos ideais da Bauhaus. Dessa forma, Graz projetou o móvel, previu sua distribuição no espaço, as luminárias, painéis, vitais e afrescos. (SANTOS M. C., 1995, p. 40)

Os móveis e também os espaços criados por Graz, apesar de seu pioneirismo

e de seu talento, não apresentavam em nenhum momento um novo caminho para os

interiores modernos brasileiros, o que fez com que seu trabalho se concentrasse em

alguns clientes que se mostravam dispostos a aceitar a nova estética vinda da Europa.

Um enorme esforço, não em criar uma linguagem brasileira, mas em introduzir

o modernismo no Brasil, foi o do arquiteto ucraniano Gregori Warchavchik (Odessa,

1896 — São Paulo, 1972), que chegou ao Brasil no ano de 1923, vindo da Itália,

onde estudou no Instituto Superior de Belas Artes de Roma, e trouxe com ele os

conceitos dos movimentos de arquitetura e design da Europa. Em 1925 publicou no

jornal O Correio da Manhã o manifesto “Acerca da Arquitetura Moderna”, em que

apresenta os princípios da nova arquitetura europeia e, em 1928 os aplica no projeto

de sua residência na Vila Mariana, em São Paulo:

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Uma casa é, no final das contas, uma máquina cujo aperfeiçoamento técnico permite, por exemplo, uma distribuição racional da luz, calor, água fria e quente, etc. A construção desses edifícios é concebida por engenheiros, tomando-se em consideração o material de construção da nossa época, o cimento armado. Já o esqueleto de tal edifício poderia ser um monumento característico da arquitetura moderna, como o são também pontes de cimento armado e outros trabalhos, puramente construtivos, do mesmo material. E esses edifícios, uma vez acabados, seriam realmente monumentos de arte da nossa época, se o trabalho do engenheiro construtor não se substituísse em seguida pelo arquiteto decorador. (WARCHAVCHIK, 1925)

A residência moderna, projetada por Warchavchik na Rua Santa Cruz, 325

era vista com curiosidade e admiração, sua fachada frontal lisa e sem ornamentos e

os caixilhos de ferro e vidro em extensos rasgos horizontais foram alvo de muitas

críticas. Em uma crônica para o Diário de São Paulo no ano de 1936, Tarsila do

Amaral descreveu o impacto causado pelo projeto moderno de Warchavchik:

Aos domingos, famílias de São Paulo, no clássico automóvel recheado de gente, iam para a rua Santa Cruz, paravam, desciam, postavam-se diante do portão central, comentavam o absurdo de uma casa sem telhado, o absurdo de umas janelas inteiramente de vidro, colocadas como uma faixa em sentido horizontal, fazendo ângulo reto com a faixa da parede lateral. Tudo liso, sem um ornamento escultórico. Que loucura! Risadas ostensivas... (AMARAL A. , 2001, p. 109)

O projeto do mobiliário para a casa modernista foi todo criado e desenvolvido

por Warchavchik. As peças apresentavam desenhos de linhas retas, planos verticais

e horizontais, um design completamente diferente do tradicional móvel de madeira

maciça de pés entalhados que dominava o cenário das casas brasileiras. Entre as

novidades estavam os móveis desenvolvidos em chapas de madeira compensada e

as peças embutidas, como armários para dormitório e conjuntos de cama e criado.

O uso do compensado de madeira, normalmente importado, permitiu um

desenho de mobiliário alinhado com o movimento da escola Bauhaus, peças

desenhadas para serem produzidas de forma industrializada. Para Warchavchik, o

mobiliário, assim como o projeto da residência, devia seguir os novos conceitos de

design universal de projetos racionais, sendo os materiais construtivos e os

elementos estruturais o próprio acabamento, sem a utilização de ornamentos e

decorações desnecessárias.

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O mobiliário projetado por Warchavchik surgiu muito mais da necessidade de

desenvolver peças para a decoração das residências por ele projetadas, uma vez

que não havia, no Brasil, uma produção adequada para os projetos em estilo

moderno que desenvolvia, do que de um esforço de traçar novos caminhos para o

mobiliário nacional.

No ano de 1930, em um novo projeto residencial, também na cidade de São

Paulo, Gregori Warchavchik tem, novamente, a oportunidade de expor suas peças.

A residência, intitulada casa modernista de São Paulo, localizada na Rua Itápolis,

961 no bairro do Pacaembu, ficou aberta para visitação e, como em uma galeria,

os móveis e os ambientes podiam ser vistos, uma forma de divulgar o novo estilo

e, também seu trabalho como arquiteto.

No mesmo ano da inauguração da casa modernista da Rua Itápolis, o jovem

arquiteto Lucio Costa, também alinhado com as ideias modernista, assumiu a

direção da escola Nacional de Belas Artes, na cidade do Rio de Janeiro, e convidou

Warchavchik para lecionar no curso de arquitetura, durante dois anos ele

disseminou seus conhecimentos sobre arquitetura moderna e no ano de 1931

inaugurou a casa modernista do Rio de Janeiro, nos mesmos moldes da casa de

São Paulo.

A década de 1930 foi o início do processo de modernização da arquitetura

brasileira e, um importante marco dessa modernização foi a construção do

Ministério da Educação e Saúde Pública entre os anos de 1936 e 1945 que,

localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro, com projeto assinado por Lucio

Costa, Carlos Leão, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Ernani Vasconcellos

e Jorge Machado Moreira, contou com a consultoria do arquiteto Le Corbusier.

“Sofreu o prédio, durante e após sua construção fortes críticas”, porém no cenário

internacional “a reação positiva foi imediata” (CAVALCANTI, 2001, p. 373), eram

os ventos do modernismo que se instalavam nas ruas do Rio de Janeiro.

Porém, mesmo antes da inauguração do edifício do Ministério, a arquitetura

das residências brasileiras já mostrava o esgotamento do velho modelo

neoclássico, que dominou no século anterior e, um arquiteto que se mostrou com

vigor e capacidade para divulgar o estilo moderno que se anunciava foi Oscar

Niemeyer, que tendo se formado como Engenheiro e Arquiteto no ano de 1934, já

em 1937 assinava seu primeiro projeto residencial na cidade do Rio de Janeiro,

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além de ter feito parte da equipe de arquitetos que desenvolveu o projeto do

Ministério da Educação e Cultura.

Nestes primeiros anos de ruptura com os antigos estilos de móveis e

arquitetura, que dominavam o mercado, Joaquim Tenreiro ainda trabalhava como

funcionário em uma marcenaria, porém, não poderíamos entender seu trabalho sem

um olhar atento para as primeiras décadas do século XX. Mas, como pontua Maria

Cecilia Loschiavo dos Santos em seus estudos, os móveis criados no Brasil antes dos

anos de 1940, mesmo quando desenvolvidos com uma proposta estética mais

moderna, eram apenas uma reprodução dos móveis que já eram apresentados na

Europa antes de ter início a Segunda Guerra (1939-1945):

Embora muito importantes, os pioneiros do móvel moderno brasileiro das primeiras décadas do século XX, não desenvolveram uma linguagem nacional para a nova estética de móveis que despontava e as peças desenvolvidas seguiam a evolução normal do mobiliário europeu (SANTOS M. C., 1995, p. 39).

O pioneirismo de Gregori Warchavchik, tanto em seus projetos arquitetônicos

como no desenho de peças e mobiliários para suas residências, foi decisivo para o

móvel brasileiro. As linhas retas de suas mesas, poltronas e cadeiras, projetos

desenvolvidos para a produção em série e o uso de novos materiais, trouxe novas

possibilidades formais para o mobiliário, porém, nunca atingiu uma produção em

larga escala, tão pouco criou peças com características nacionais.

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2. JOAQUIM TENREIRO

2.1. Da Aldeia portuguesa ao Rio de Janeiro

Nascido em Portugal no ano de 1906, Joaquim Tenreiro esteve por duas

temporadas na cidade do Rio de Janeiro, antes de se mudar definitivamente para o

Brasil, em 1928, onde viveu até seu falecimento, no ano de 1992.

O estudo do período vivido por Tenreiro na Europa, até sua definitiva mudança

para o Brasil, embora não faça parte do recorte estabelecido nesta dissertação, será

importante para um melhor entendimento de sua trajetória na criação dos móveis

modernos.

Melo, local onde nasceu Tenreiro, é uma pequena aldeia portuguesa, localizada

na região central de Portugal na Serra da Estrela. No início do século XX, contava

com aproximadamente 1.400 habitantes, não tendo em nenhum momento atingido

população maior que 1.500 habitantes. Em Melo, trabalhou como artesão desde os

oito anos, aprendeu o oficio com seu pai que era marceneiro e fazia todo tipo trabalho

em madeira. Seu pai não era designer, segundo relatos de Joaquim Tenreiro, “não

era capaz de criar, porque se dedicava apenas à perfeição do artesanato”

(TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 9)

Sobre suas duas passagens pelo Brasil, Tenreiro descreveu:

Eu só convivia com a gente de Melo. Quando muito ia à vila de Gouveia. Quando tinha três anos de idade, meus pais vieram para o Brasil como imigrantes e eu vim com eles. Assim, meu primeiro contato com a cidade grande foi com o Rio de Janeiro. Lembro-me muito bem. Fiquei assombrado quando entrei na baia da Guanabara. Estava um dia maravilhoso de sol – nunca tinha visto coisa assim. O navio entrou, parecia um sonho. Com oito anos, voltei a Portugal. Dos doze aos quatorze vivi na cidade do Porto na casa de um tio. Ali aprendi as brincadeiras de rapaz: corri todos os becos da cidade, convivi com as malandragens e as coisas boas, conheci os museus. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 8)

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O Brasil foi o país onde Tenreiro escolheu viver, após uma segunda temporada

no Rio de Janeiro, entre os anos de 1925 e 1927, voltou à Portugal para se casar e

retornou para fixar residência definitiva no país.

Vim para o Brasil como simples artesão. O Brasil era meu sonho. Tinha intenções de mudar, de melhorar. Não tinha dinheiro para entrar em uma faculdade, e me formar. Queria ser arquiteto, mas não podia fazer arquitetura. Tinha família para sustentar. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 10)

A experiência da juventude em Portugal foi importante para o trabalho que

realizou como designer. Foi na aldeia de Melo que desenvolveu a habilidade em

trabalhar os diferentes tipos de madeira, o que lhe conferiu mais tarde o título de

mestre das madeiras e, do período em que viveu na cidade do Porto, de 1918 a 1920,

trouxe referências estéticas para suas lojas de móveis e para a criação de suas peças.

Em entrevista, ao falar sobre os anos que esteve em Porto, Tenreiro deixava claro que

“ sempre teve um projeto e no Porto, quando rodava por aquelas ruas, olhava tudo

com interesse, especialmente quando eram coisas de arquitetura, lojas de móveis,

coisas em madeira. ” (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 9)

Tenreiro chegou definitivamente ao Brasil no ano de 1928. Passou a trabalhar

como artesão em uma pequena oficina de móveis, porém, paralelamente estudou

desenho no Liceu Literário Português6. Em sua própria avaliação, a formação que

recebeu em desenho geométrico e técnico foi definitiva para que posteriormente

desenvolvesse atividades de designer nas oficinas em que trabalhou e para a criação

de seus próprios móveis.

Quando cheguei procurei logo uma escola. Foi no Liceu Literário Português, onde comecei a fazer desenho geométrico. Dali fui para o Liceu de Artes e Ofícios, depois apareceu o Núcleo Bernadelli, quando me liguei ao grupo de rapazes que o fundaram. Aí comecei a ter uma noção muito mais clara de desenho. Muito mais aberta até para o móvel, que continuava fazendo naquela altura. Já não era mais um artesão. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 10)

6 O Liceu Literário Português foi uma entidade sem fins lucrativos, fundada no ano de 1868, na cidade do Rio de Janeiro, por um grupo de portugueses. A finalidade da instituição era promover a profissionalização de jovens, principalmente imigrantes portugueses. http://llp.bibliopolis.info/Inicio/Sobre-o-Liceu Joaquim Tenreiro iniciou lá, no ano de 1929, o curso de desenho e foi premiado no ano seguinte com o prêmio Joaquim Alves Meira.

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Embora jovem, Tenreiro já era grande conhecedor das madeiras e sabia como

utilizá-las na execução de móveis. Com o conhecimento da matéria-prima e com a

formação em desenho técnico, era inevitável que questionasse o trabalho como

simples reprodutor de estilos e se dedicasse a criar suas próprias peças.

Joaquim Tenreiro chegou ao Brasil sem formação universitária e em busca de

trabalho, tinha como única formação a prática da marcenaria. Porém, se por um lado

Tenreiro não detinha, como outros imigrantes já citados, uma formação acadêmica,

com ele vinham referências de um Brasil que se perdeu rapidamente sob o forte

domínio cultural britânico do século XIX. Em seu livro Móvel Moderno no Brasil, Maria

Cecilia Loschiavo dos Santos inicia o texto sobre Joaquim Tenreiro com a seguinte

descrição:

De todos os designers de seu período, Tenreiro é, certamente, o mais representativo, seja pelo vigor de sua obra, seja pela alta qualidade artesanal de sua produção, seja porque nos remete mais profundamente às nossas tradições lusas... (SANTOS, 1995, p. 90)

Dessa forma, ressalta-se a importância da compreensão de que Tenreiro não

era apenas mais um imigrante em terras brasileiras, mas um português, com

capacidade para inserir em suas obras elementos próprios da tradição brasileira que,

não por acaso, se mesclam com aquelas oriundas de sua terra natal onde, apesar de

uma assimilação mais lenta e resistente, o mobiliário e os interiores das residências

também apresentavam grande influência dos estilos franceses e ingleses desde o

século anterior.

2.2. De marceneiro a designer de móveis

Assim que chegou ao Rio de Janeiro, com a intenção de se estabelecer

definitivamente no Brasil, além de estudar desenho, Tenreiro trabalhou como

marceneiro, primeiro em uma pequena oficina e mais tarde na Laubisch & Hirth.

A marcenaria Laubisch & Hirth foi a primeira onde Joaquim Tenreiro

desenvolveu atividades como designer de móveis, “foi lá que houve uma abertura

maior para meu trabalho” (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 11), sua opção

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por trabalhar naquela que era uma das maiores marcenarias da época possibilitou

ampliar seus conhecimentos das madeiras e suas aplicações. Na Laubisch & Hirth

teve a oportunidade de trabalhar em uma oficina com mais de 350 operários e quando,

por ter conhecimento de desenho, passou a compor a área de projetos da empresa,

e seguiu no seu aprendizado, foi com um dos sócios da oficina, o Sr. Hirth que

aprendeu os estilos dos móveis:

Entrei na seção de desenhos da Laubisch & Hirth onde passei a desenhar no meio de outros profissionais de diversos níveis. E continuei assim, aprendendo com um, com outro, mas no fundo fiz meu desenho sozinho, embora no meio de alguns profissionais que vieram da Europa e traziam exatamente essa tradição artesanal herdada. O Hirth, um dos sócios, era um homem incapaz de aceitar o moderno, achava aberrante, mas os estilos ele conhecia a fundo. Fazia qualquer um, e com ele aprendi os estilos. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 11).

A Laubisch & Hirth era uma marcenaria de grande porte, uma das maiores entre

as que atuavam no mercado de móveis de alto padrão, e desenvolvia projetos

residenciais completos, os clientes que contratavam seus serviços buscavam móveis

de estilo que eram desenvolvidos artesanalmente, todos executados com excelência,

em madeiras nobres, para atender a um público de alto poder aquisitivo. Os clientes

da Laubisch & Hirth entendiam ser a decoração com móveis de estilo um símbolo de

que pertenciam a uma classe dominante que estava ligada ao modelo europeu, o

mesmo que teve sua chegada ao Brasil no início do século anterior, não se rendiam

ao Moderno.

Tenreiro permaneceu nessa atividade de 1933 até 1936, quando foi trabalhar

na Leandro Martins, uma grande marcenaria e tapeçaria portuguesa, cuja clientela

eram famílias com o mesmo perfil das atendidas na Laubisch & Hirth e que também

buscavam decorações de estilo para suas residências. O convite para trabalhar na

posição de chefe de sessão na casa de móveis Leandro Martins veio de Maurice

Noisière, designer francês de quem foi auxiliar na Laubisch & Hirth, dessa experiência

Tenreiro pontuou:

Com ele trabalhei seis anos, de maneira que o meu artesanato, que veio da província portuguesa, que veio da aldeia, apurou-se em contato com essas experiências, com o artesanato brasileiro, e apoiada em profissionais do desenho. Comparo esse processo porque passei, ao que

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li mais tarde, sobre o aprendizado na Bauhaus, idealizado por Gropius. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985)

Permaneceu na Leandro Martins até o ano de 1941, quando voltou à Laubisch

& Hirth na posição de projetista de móveis. Seu trabalho de designer de móveis como

funcionário em oficinas, foi desenvolvido entre 1933 e 1943 e neste período havia, no

Brasil e, principalmente no Rio de Janeiro, muito pouco espaço para a criação de

móveis que não fossem cópias de peças em estilo francês e inglês.

Embora sem aceitar, nem tão pouco entender o motivo do gosto da elite pelo

mobiliário de estilo, na oficina não tinha escolha e se dedicava ao trabalho de detalhar

móveis que lhe pareciam mal resolvidos e ultrapassados, segundo ele mesmo

colocava, o Hirth sócio da Laubisch e Hirth, era “um homem incapaz de aceitar o

moderno, achava aberrante” (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985).

Tenreiro nunca se contentou em desenvolver cópias de móveis de estilo e

entendia ser necessário uma correção significativa no desenho do mobiliário que

decorava as residências no Brasil. As peças então produzidas eram pesadas, as

madeiras nacionais eram pouco e mal exploradas, e os tecidos eram normalmente de

veludo, quentes e de difícil manutenção. Em decorrência da crítica que fazia do

mobiliário que ele mesmo desenhava nas marcenarias onde trabalhou, iniciou a

criação das primeiras peças modernas, mas até o ano de 1941, elas eram apenas

projetos.

2.2.1. A Residência de Cataguases

O retorno de Joaquim Tenreiro, na atividade de designer de móveis, à

Laubisch & Hirth, no ano de 1942, possibilitou-lhe a execução de peças que até então

não passavam de projetos ou de peças únicas que criava para decorar sua residência.

É o nascimento dos ambientes modernos de Joaquim Tenreiro.

No ano de 1941, Francisco Inácio Peixoto, mineiro da cidade de Cataguases,

procurou pelo arquiteto Oscar Niemeyer para encomendar um projeto para sua

residência.

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Cataguases é uma pequena cidade, localizada na zona da mata mineira,

distante 320 Km de Belo Horizonte e 258 Km da cidade do Rio de Janeiro. Desde o

início do século XX, embora afastada dos grandes centros urbanos e com uma

população de pouco mais de 16.000 habitantes, Cataguases foi palco de várias

manifestações artísticas e culturais modernas. No ano de 1927, foi criado em

Cataguases um grupo, protagonizado por jovens entre 17 e 28 anos, que ficou

conhecido pelo mesmo nome das revistas que publicou entre os anos de 1927 e 1929

– Verde. (SANT'ANA, 2013, p. 102)

O movimento produziu seis edições da Revista Verde e quatro livros elaborados

por integrantes do movimento e, por sua repercussão, contou com a colaboração de

importantes nomes do movimento moderno de arte, entre os quais se destacam os

escritores Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 1902 — Rio de Janeiro, 1987), Mário

de Andrade (São Paulo, 1893 — São Paulo, 1945) , Oswald de Andrade (São Paulo,

1890 — São Paulo, 1954) e Antônio de Alcântara Machado (São Paulo 1901 - Rio de

Janeiro, 1935).

Entre os jovens que compunham o movimento estava Francisco Inácio Peixoto,

na época com 18 anos, estudante de Direito, nascido em uma família de fazendeiros

e industriais do ramo têxtil, Francisco Peixoto sempre viveu em Cataguases, fez

grandes investimentos na área da Cultura e, para o projeto de sua residência, entre

os anos de 1940 e 19417, contratou o arquiteto carioca Oscar Niemeyer, já conhecido

em Belo Horizonte pelos projetos que estava desenvolvendo no bairro da Pampulha,

entre eles a residência de fim de semana do então prefeito de Belo Horizonte,

Juscelino Kubitscheck e a Igreja de São Francisco.

Para desenhar os móveis da residência, cujo projeto era de linhas retas, com

estilo moderno e espaços amplos, o arquiteto e seu cliente, procuraram a marcenaria

Laubisch & Hirth, onde Joaquim Tenreiro trabalhava, e o projeto do mobiliário da

Residência de Cataguases foi desenvolvido por ele.

Foi na criação do mobiliário que compôs a decoração da residência de

Cataguases que Tenreiro começou a revelar a sua concepção de móvel moderno

brasileiro, com peças ergonômicas, de desenhos leves e orgânicos com a inserção de

7 A primeira vez que a residência de Cataguases aparece em literatura é no primeiro livro de Stamos PAPADAKI (1950) – The work of Oscar Niemeyer. Nesse livro, há várias ilustrações com os croquis do estudo preliminar (p. 118- 119) e consta como construída em 1943, porém, o projeto e a execução seriam de um ou dois anos antes, data de difícil precisão.

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matérias primas brasileiras, peças muito distintas do mobiliário ecléticos produzido

pela Laubish e Hirth.

Sobre a criação dos móveis da residência de Cataguases e o início de sua

história com o móvel moderno brasileiro, Joaquim Tenreiro expôs:

Foi quando trabalhava na Laubisch que projetei meus primeiros móveis modernos, para a casa de Dr. Francisco Inácio Peixoto, em Cataguases, que fora projetada por Oscar Niemeyer. Devo ressaltar que o projeto desses móveis só chegou às minhas mãos porque naquele momento a firma estava desfalcada de seus dois principais profissionais. Depois de prontos, o Dr. Francisco viu e gostou. Foram os primeiros móveis modernos da firma Laubisch & Hirth. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 12)

A residência projetada por Niemeyer seguia o ideal moderno de arquitetura que

vinha sendo defendido desde os anos 1920, porém, verificamos no desenho da

residência de Cataguases características que conferem à obra um estilo moderno

pontuado por elementos muito brasileiros, de forma antagônica ao projeto da casa

moderna de Warchavchik, onde a ideia principal era negar e até esconder elementos

que remetessem à arquitetura brasileira, como é o caso do telhado que, embora

presente, não pode ser visualizado na fachada pela inserção das platibandas que os

esconde.

No projeto de Niemeyer, um grande telhado de duas águas com telhas em

barro, envolve a residência e cria uma varanda no andar superior e outra no inferior,

as duas voltadas para o fundo do terreno com vista para o rio Pomba8. As varandas e

o telhado em duas águas dão à residência um ar quase colonial, porém o jogo de

volumes, a distribuição dos cômodos, o uso de pilotis e a orientação da fachada

principal para o fundo do lote, uma característica dos projetos modernos do início do

século XX, possibilitam identificar que se trata de um projeto moderno.

Em tese de doutorado, defendida na Faculdade de Arquitetura da Universidade

de Brasília por Fernando Mello, intitulada “Cataguases e Suas Modernidades”, o autor

descreve a residência de Francisco Peixoto:

8 O rio Pomba é um rio brasileiro, que banha os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. É um dos principais afluentes da margem esquerda do rio Paraíba do Sul. A cidade de Cataguases está localizada às margens desse importante rio.

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Como uma associação de partes, a clareza da composição é evidenciada no uso de cores e materiais: alvenaria branca do bloco superior com as janelas pintadas em azul, apoiada no bloco da garagem revestido de pedra e nos pilotis pintados em marrom. Ainda que externamente pudéssemos ver elementos comuns da arquitetura tradicional, sua aplicação responde a uma composição absolutamente moderna, implicando num total domínio da sintaxe geométrica e construtiva da nova arquitetura. (MELLO, 2014, p. 300)

A residência de Cataguases, que conjugava em seu projeto elementos

brasileiros em uma alma moderna, era exatamente como Joaquim Tenreiro entendia

que deveria ser o móvel brasileiro; leve e ergonômico, produzido com matéria prima e

referências nacionais (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985).

O mobiliário projetado para residência de Cataguases é apenas o início de uma

produção de ambientes elegantes, confortáveis e modernos, uma necessidade

urgente para os novos edifícios modernos, que com seus embriões nos anos 1920

com o pioneirismo de alguns arquitetos já citados, nasce de forma definitiva nesse

trabalho e é aprimorado nas décadas seguintes. Em estudos sobre a origem do

mobiliário moderno brasileiro, verificamos a importância da escolha de Joaquim

Tenreiro para o projeto da residência de Cataguases:

A escolha de Joaquim Tenreiro para a ambientação da residência moderna em Cataguases, em 1942, fora a virada histórica do móvel no grupo dos arquitetos modernos, que já ditavam os rumos da arquitetura brasileira, assim como uma vitória da tradição sobre a corrente internacional, no projeto do móvel moderno no Brasil, a escolha da madeira como seu principal elemento. (MELO, 2008, p. 264)

Os móveis de Cataguases, embora desenvolvidos dentro da Laubisch & Hirth,

marcenaria de móveis de estilo e não modernos, podem ser considerados um marco

no design de mobiliário brasileiro. Tenreiro mostrou, com os móveis que projetou, que

era possível desenvolver uma decoração moderna com a utilização de materiais como

madeira e couro em peças com cores vibrantes.

A decoração da Casa de Cataguases é composta de móveis leves, sem

ornamentos, funcionais e ergonômicas, são peças modernas em sua essência,

mesmo sem serem desenvolvidas em aço cromado ou em chapas de compensado

importado, um mobiliário artesanal, não industrializado, mas ainda assim, moderno,

uma vez que conjugam em seus projetos alguns conceitos que possibilitam alinha-los

tanto com o modernismo Europeu que divulgava a sobriedade, a ausência de

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ornamentos, racionalidade nas formas e no uso da matéria-prima, como com o

modernismo americano de projetos mais orgânicos e que evidenciavam as

propriedades da matéria prima empregada.

São móveis coloridos, com o uso de madeira em tom castanho, pés e braços

curvos e contínuos e assentos em trançados de couro vermelho e azul, onde podemos

verificar o mobiliário em constante diálogo com a arquitetura que os abriga.

Joaquim Tenreiro aponta nesse primeiro momento qual caminho deveria seguir

o móvel brasileiro das décadas seguintes. Os interiores das residências modernas

necessitavam de uma ambientação feita com com peças criadas por designers que

tivessem sensibilidade para entender sua simplicidade estética e sua complexidade

conceitual.

Sua concepção de movimento moderno manifestou-se em terras brasileiras,

orientada pela percepção da nova arquitetura que tomava conta das ruas do Rio de

Janeiro. desde quando fixou residência no Brasil e, também, a partir da realização do

projeto de Cataguases ou em intercâmbio de ideias com arquitetos como Niemeyer,

Lucio Costa, Sérgio Bernardes, Francisco Bolonha e outros importantes profissionais

modernistas que passaram a utilizar seus móveis na decoração de seus projetos.

As obras desenvolvidas por Tenreiro, à partir do projeto da Residência de

Cataguases, são um testemunho de que os móveis de estilo que produzia nas oficinas

por onde passou eram, apenas, uma demonstração de sua indiscutível habilidade

técnica e da grande capacidade de desenhar e executar móveis em madeira. Sua

compreensão do móvel era inovadora e contemplava o estudo das formas e das

matérias-primas mais adequadas para a criação de uma linguagem brasileira, além

de sua dedicação em estudar ergonomia, com o intuito de produzir móveis mais

confortáveis e adequados às proporções humanas, fato que o aproxima muito do

Movimento Moderno de Arquitetura e Design.

A disposição dos móveis, na sala da residência de Cataguases, também se

mostra inovadora, uma sala de visitas com móveis leves que possibilitam diferentes

distribuições, poltronas e cadeiras dispostas em diagonal e a inserção de uma

espreguiçadeira, demonstram que a própria organização do espaço se apresenta mais

moderna, bem diferente dos rígidos ambientes dos casarões neoclássicos de corados

com cadeiras, poltronas e sofás de espaldar alto , dispostos de forma rígida dentro

dos espaços, sem mobilidade e de forma hierarquizada.

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Outro fator determinante no projeto de interiores dessa residência é o fato de

que todos os ambientes são projetados dentro do mesmo estilo, algo que não ocorria

nas residências do período, onde cada cômodo era decorado em estilo diferente,

sendo os franceses e ingleses os preferidos da elite, única consumidora dos móveis

produzidos na Laubisch & Hirth. Tenreiro demonstra que a leitura da obra

arquitetônica é fundamental para o desenvolvimento de peças que dialogam com os

espaços. Foi com o título de decorador que se estabeleceu e durante duas décadas

foi referência no mercado de decoração de alto padrão.

Analisar os móveis de Tenreiro dentro do espaço arquitetônico para o qual

foram criados, evidencia o equilíbrio entre as peças que desenhava e o espaço onde

eram utilizadas. Quando perguntado sobre sua preocupação com a arquitetura na

criação do mobiliário respondeu: “sim, envolvia-me com o projeto, com os espaços

internos, com as próprias ideias funcionais do arquiteto” (TENREIRO, Madeira Arte e

Design, 1985, p. 43)

Em artigo escrito no ano de 1955 para o segundo exemplar da revista Módulo

Brasil Arquitetura, Tenreiro faz uma defesa da decoração como parte do projeto do

espaço:

Um senso da proporção e do equilíbrio, onde a forma é encontrada para os fins desejados; e não uma forma gratuita, qualquer, fantasiada de moderna, onde a composição reúne os diversos elementos consubstanciando-lhes uma expressão lógica, normal e nova. Onde as cores estão para o todo, formando ambiente que defina maneira de viver e que lhe seja também o veículo material e espiritual. Decoração de interiores que não seja a rotina, mas a sensibilidade que faz a casa ser diferente, original, nova, que define personalidade e que no final seja muito simples. (TENREIRO, Sobriedade, distinção e acolhimento, 1955, p. 59)

Tenreiro, dizia não considerar o projeto dos móveis de Cataguases totalmente

seu, pois havia sido desenvolvido dentro da Laubisch & Hirth. Ele dizia que “meu

móvel moderno, de fato, só começou mesmo em 1942, quando consegui fazer por

inteiro a minha Poltrona Leve” (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 60).

Entretanto, a residência de Cataguases abriu um leque de novas oportunidades para

sua carreira de designer, na própria cidade, seguindo a trilha inaugurada com a

residência moderna de Francisco Peixoto, outras obras de arquitetura moderna foram

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desenvolvidas em Cataguases e, em boa parte delas encontremos móveis assinados

por Joaquim Tenreiro.

O mobiliário de Cataguases, desenvolvido para a residência de Francisco

Peixoto e para outras que se seguiram, são um testemunho da trajetória

empreendedora de Tenreiro. As peças que verificamos na imagem da Sala de Tv de

Cataguases (figura 2), foram quase todas desenvolvidas com o selo da empresa

Laubicsh & Hirts. Já no projeto do Colégio de Cataguases - 1943, também assinado

por Oscar Niemeyer, algumas peças já levam o selo da oficina Langebach e Tenreiro

Ltda em outras ainda podemos verificar o selo da Laubisch & Hirth. Em mais dois

projetos, desenvolvidos na cidade mineira, o Hotel de Cataguases – 1951, assinado

pelos arquitetos Aldary Henrique Toledo e Gilberto Lyra Lemos e na residência de

Ottoni Alvim Gomes e Nanzita - 1958, assinado pelo arquiteto Francisco Bolonha,

parte do mobiliário estampa o selo da Tenreiro Móveis e Decoração, o que permite

vislumbrar a evolução de seu trabalho.

Figura 2 - Projeto Mobiliário Residência de Cataguases

Fonte: (http://www.asminasgerais.com.br) – Consultado em 10/05/2016

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Na figura 2, podemos verificamos elementos que estão tratados no próximo

capítulo deste trabalho, a leveza de peças sem ornamentos, a organicidade das

curvas, as texturas das madeiras e dos trançados de couro. Criar uma espreguiçadeira

em madeira curva com assento trançado em couro azul, em um momento em que os

móveis produzidos no Brasil, principalmente na marcenaria Laubisch & Hirth, eram

sempre entalhados com assentos em veludo, significava uma mudança de rumos no

projeto de móveis.

Nesse projeto, nos chama a atenção o desenho do conjunto de cadeira e

espreguiçadeira com braços e pernas em madeira curva e assentos e encosto

trançados em couro. Tais peças, embora significassem uma novidade para o desenho

de mobiliário brasileiro, apresenta muita semelhança com o trabalho desenvolvido

pelo arquiteto e designer finlandês Alvar Aalto, importante representante da

arquitetura moderna orgânica de linhas curvas e que, em trabalho datado de final dos

anos 1930.

Por mais envolvido que fosse Tenreiro com as artes plásticas, a arquitetura e o

design, ainda que seu entendimento e esforço se canalizassem para a criação de um

novo padrão de móveis, não é possível saber se houve o seu contato com as peças

desenvolvidas por Alvar Aalto, se as viu em alguma publicação ou mesmo leu algo a

respeito do arquiteto e de sua obra, principalmente pelo isolamento do Brasil em

período de guerra mundial. Poderíamos entender que Oscar Niemeyer tivesse tomado

contato com a estética moderna orgânica e de alguma forma direcionado o trabalho

das peças da Residência Peixoto.

Independente das influências que possam ter direcionado a criação da

espreguiçadeira, é possível verificar que o desenho orgânico dos pés, a suave

curvatura do assento e, principalmente o trançado de fitas de couro coloridas

possibilitam ao observador vislumbrar uma peça tão brasileira quanto as “redes de

dormir” dos índios ou as camas Catre, originárias da Índia e da China, que tinham o

estrado em tiras trançadas de couro, muito comuns no Brasil nos séculos XVIII e XIX.

O projeto do mobiliário de Cataguases abriu, para Tenreiro, a oportunidade de

investir em sua própria empresa de móveis. Assim, junto com José Languenbach,

vendedor da Laubisch e Hirth ele inaugurou, no ano de 1943, uma pequena oficina,

na Rua da Conceição, no centro do Rio de Janeiro, de nome Languenbach e Tenreiro.

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2.2.2. Langenbach e Tenreiro e Tenreiro Móveis e Decoração

A Langenbach e Tenreiro foi inaugurada em 1943 e contava com apenas 15

funcionários. A opção de produção do novo empreendimento foi por um móvel

artesanal, em um primeiro momento, por falta de recursos para a compra de

maquinário que possibilitasse desenvolver móveis em escala industrial e,

posteriormente, pela opção de Tenreiro em desenvolver um móvel personalizado e

diferenciado, destinado a um público com condições financeiras para arcar com o

custo do luxo de ter em suas residências móveis artesanais de design diferenciado.

O nome da firma era Langenbach & Tenreiro Ltda. Ela veio realmente da necessidade que eu tinha de fazer alguma coisa nova. Movimentando a oficina a meu gosto fazia aquilo que achava certo e melhor para a época. Por isso parti para o móvel artesanal, que era a única maneira que tinha de fazer móveis individualmente. Se quisesse fazer naquela altura uma indústria não teria como fazê-la. Não teria recursos. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 18)

Nos primeiros anos, a oficina da Rua Conceição desenvolvia projetos de

móveis personalizados em estilo moderno e inglês, este segundo pela segurança de

oferecer aos clientes peças já consagradas e que, na avaliação de Tenreiro, eram as

menos rebuscadas entre os estilos que eram comercializados nas oficinas de alto

padrão, mais aproximadas da concepção de decoração moderna, além de ser uma

exigência de seu sócio, José Langenbach.

No ano de 1947, Tenreiro e Langenbach optam por abrir uma loja de móveis,

localizada em Copacabana, na Rua Barata Ribeiro. Assim como ocorria na oficina, os

móveis produzidos eram em parte modernos e em parte em estilo inglês, todos

desenhados por Tenreiro. Embora não tivesse mais intenção em produzir móveis de

estilo e de já estar completamente convencido de que era possível investir em criar

exclusivamente móveis modernos, seu sócio insistia na produção do mobiliário de

estilo, muito mais pela segurança de ofertar peças que já eram aceitas pelo público

do que por gosto pessoal. Após o primeiro mês todas as peças modernas da loja já

haviam sido vendidas e, desde então, somente móveis modernos eram expostos nos

ambientes cuidadosamente decorados da loja de Copacabana.

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Minha loja começou diferente de todas as outras do Rio de Janeiro. As lojas eram um amontoado de móveis. Tinham, por exemplo, cadeiras empilhadas umas por cima das outras. A minha loja foi montada com ambiente padrão. Era um salão com sofá, tapete, mesa, cadeiras, tudo nos seus lugares. Os quadros na parede também eram adequados, assim como as luminárias. Enfim, era tudo no mesmo estilo, era uma loja de design. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 22)

A casa inaugurada pela Langenbach e Tenreiro, não era apenas uma loja de

móveis, mas uma galeria de arte que, desde o início, recebeu renomados artistas do

movimento moderno em exposições individuais que divulgavam o nome da loja e a

inseriam na cena artística moderna carioca. A loja era decorada por Tenreiro que,

além dos móveis, desenhava as luminárias, escolhia os quadros, tapetes, objetos de

decoração e divisórias, uma ambientação completa.

Uma nota do colunista Antônio Bento, para o Diário Carioca, fala das mostras

de arte da loja e galeria de Copacabana:

São raras no Rio as galerias destinadas a exposições de artes plásticas. Notava-se sobretudo a falta duma sala dedicada à apresentação de pintura moderna. Com esse objetivo acaba de ser inaugurada em Copacabana a casa Langenach & Tenreiro, especializada também em mobiliário a nova galeria situada à rua Barata Ribeiro n. 488 abriu as portas apresentando quadros dos pintores A. Balloni, Burle Marx, Oscar Meira, Hilda e Quirino C J. Pancetti F.F. Saldanha, J. Tenreiro, Bruno Giorgi, Zaque Pedro, juntamente com porcelanas de Margaret spencer. (BENTO, 1948, p. 6)

No ano de 1949, uma mostra com 50 telas de Cândido Portinari (Brodowski,

1903 — Rio de Janeiro, 1962) foi inaugurada na galeria de Tenreiro. A mostra colocou

definitivamente a loja da Rua Barata Ribeiro no circuito das galerias de arte e divulgou

o nome da empresa de móveis nos jornais da, então, capital do país. (Correio da

Manhã, 1949)

A década de 1940 marcou o início do trabalho de Joaquim Tenreiro como

designer de móveis em estilo moderno que, com a introdução de elementos regionais,

conferiu às peças uma identidade genuinamente brasileira, porém, é no decorrer dos

anos 1950 que seu trabalho se solidifica, ganha o respeito dos críticos, arquitetos,

artistas e do público, normalmente pessoas de alto poder aquisitivo, dispostas a

aceitar o novo modelo estético proposto pelo desenho moderno dos móveis e dos

ambientes por ele criados.

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O sucesso dos móveis, produzidos na oficina da Rua Conceição e dos que

eram vendidos na loja da Rua Barata Ribeiro, aliado a um momento de grande

crescimento econômico do país, foi tão significativo que no ano de 1953 uma nova

loja, dessa vez em São Paulo, na Rua Marquês de Itu, foi inaugurada. No ano de 1954

a oficina da Rua Conceição passou a não mais ter espaço suficiente para abrigar a

crescente produção de móveis e uma nova oficina, que chegou a contar com 100

operários, foi inaugurada no Rio de Janeiro.

No ano de 1953, devido à problemas pessoais, Langenbach desfez a sociedade

com Tenreiro e o nome da loja passou a ser Tenreiro Móveis e Decorações Ltda.,

tendo Patrocina Dias Tenreiro, filha de Tenreiro, como sócia.

Em 1956, três anos após sua abertura, a loja de São Paulo mudou da Rua

Marquês de Itú para a Rua Augusta, no moderno edifício recém-inaugurado, Conjunto

Nacional.

Tenreiro falava com carinho da loja da Rua Augusta (figura 3) : “conseguimos

alugar uma loja no Conjunto Nacional, que é um prédio na Av. Paulista esquina com

a rua Augusta(...) A do Rio, Praça General Osório, era bonita, mas a de São Paulo era

superior, tinha dimensão. ” (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 19)

Ter uma filial em São Paulo, cidade que desde os anos 1920 contava com

arquitetos e artistas que se empenhavam na divulgação do movimento moderno,

sendo muitos deles antigos conhecidos de Tenreiro e expositores de sua galeria-loja

no Rio, era uma ideia bastante coerente. Aliado a este fato, a cidade de São Paulo

experimentava, desde o início do século XX, um crescimento vertical tanto no

comércio como na indústria, o que era refletido em um acelerado crescimento

demográfico e de mercado consumidor.

O empreendimento na emergente cidade industrial era, ao mesmo tempo, uma

conquista e um desafio, principalmente, pela opção de Joaquim Tenreiro em

concentrar sua produção em peças personalizadas e produzidas de forma artesanal.

Muitas empresas, designers e arquitetos dividiam o mercado moveleiro de São Paulo,

algumas mantinham uma produção em estilo eclético, outras oficinas se dedicavam a

desenvolver e comercializar móveis para a classe trabalhadora e vários projetistas e

arquitetos já tinham como opção a criação de móveis modernos direcionados a uma

classe média alta, como os jovens intelectuais da época, que aceitavam os novos

padrões estéticos propostos pelo modernismo.

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Figura 3 - Loja de São Paulo- Foto 1 - Década de 1950

Fonte: (http://ignezferraz.com.br) – Consultado em 26/04/2016

Quando a filial de São Paulo iniciou suas atividades, Joaquim Tenreiro já era

reconhecido pela autenticidade de seus móveis, pela sobriedade dos ambientes que

criava e por participar ativamente da cena artística do Rio de Janeiro, levando para

sua loja exposições de grandes artistas, reconhecidos no Brasil e no mundo. Porém,

em São Paulo, embora seu trabalho também fosse conhecido e admirado, era

necessário conquistar um mercado que, embora em ascensão, já contava com

investidores locais.

A loja de São Paulo foi criada para ter como gerente José Langenbach, mas

como já colocado, ele se afastou da sociedade no mesmo ano em que foi inaugurada

e Tenreiro teve que se dividir entre São Paulo e Rio de Janeiro. Vale lembrar que para

alcançar o reconhecimento com sua primeira loja, na cidade do Rio de Janeiro,

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Tenreiro não se dedicou apenas a criação e execução, de forma primorosa, de peças

em madeira, mas em administrar uma loja-galeria que era notícia quase semanal nos

jornais da capital, com suas mostras de arte, lançamento de móveis e vernissages.

Algumas empresas de São Paulo já mantinham uma produção mais

industrializada, com uma publicidade que ressaltava o valor do novo conceito. A

Forma Móveis e Objetos de Decoração, estabelecida na Rua Augusta, próxima à

Tenreiro Móveis e Decoração, além de sua própria produção, desenhada por um de

seus proprietários Martin Eisler (Viena, 1913 – São Paulo, 1976), trazia para o

mercado brasileiro peças consagradas de designers e arquitetos modernos, muitos

deles formados pela escola Bauhaus. Vários profissionais, inspirados no processo

industrial de produção, direcionaram seus trabalhos totalmente para a produção em

série de suas peças, diminuindo seu custo e acirrando a disputa pelo mercado

consumidor.

Entre as empresas que optaram por uma produção industrializada podemos

citar a Fábrica de Móveis Z datada de 1950, resultado da associação entre Sebastião

Pontes e José Zanine Caldas; a Làtelier Móveis e a Unilabor Indústria de Artefatos de

Ferro e Madeira, esta última uma comunidade de trabalho em forma de cooperativa,

criada pelo designer Geraldo de Barros, no bairro do Ipiranga, em São Paulo.

O esforço em criar o móvel moderno e transformar o interior das residências

em espaços mais adaptados aos novos tempos já não era tão necessário, uma vez

que o novo estilo era cada vez melhor aceito e o móvel moderno brasileiro, defendido

por Tenreiro no decorrer dos anos 1940 e 1950, já fazia parte das lojas de móveis e

das revistas de decoração, design e arquitetura que circulavam nas capitais

brasileiras.

Nesse novo momento, os designers e empresários da área moveleira estavam

empenhados em desenvolver um móvel industrializado, que não perdesse em

qualidade para os móveis artesanais e que tivessem como atrativo um preço mais

acessível.

Por ser a cidade de São Paulo um polo industrial e experimentar desde o início

do século XX um grande crescimento, não é difícil entender que todas as experiências

de industrialização da produção de mobiliário tivessem sede em terras paulistanas.

Maria Cecília Loschiavo dos Santos descreve esse momento:

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Se, por um lado, os princípios da modernização do móvel já estavam presentes e assentados, as circunstâncias históricas brasileiras nos anos 1950 configuraram as condições necessárias ao desenvolvimento das principais experiências de industrialização da mobília. Chegava entre nós a produção em série. (SANTOS, 1995, p. 145)

Assim, em sua loja de São Paulo, Tenreiro experimentou uma concorrência

com empresas que, além de oferecer móveis modernos, muitas vezes inspirados em

peças que ele próprio havia desenvolvido no decorrer da década anterior, já tinham

ao longo da segunda metade dos anos 1950, investido na industrialização da

produção.

Durante alguns anos, Tenreiro conseguiu fazer de sua produção artesanal e do

projeto personalizado de suas peças um diferencial, porém, a partir do início dos anos

1960, com as incertezas resultantes do momento político do país e a desaceleração

da economia, seus móveis passaram a não ter preços atraentes para o mercado e no

ano de 1961 as atividades da loja de São Paulo foram encerradas, permanecendo em

funcionamento apenas a unidade do Rio de Janeiro.

Para Tenreiro, um excepcional artesão, profundo conhecedor das madeiras e

de todas as técnicas requeridas em seu manuseio, era difícil aceitar que seu móvel

fosse produzido em série. Para ele, a indústria trazia perdas significativas ao mobiliário

de alto padrão, não ao móvel rústico, mas ao artesanal produzido com rigor, encaixes

perfeitos, detalhes que ele não tinha convicção de que não perderiam em qualidade

quando executados por máquinas.

Em uma análise mais aprofundada das palavras de Tenreiro em diversos

momentos de sua trajetória, verifica-se que a opção por manter seu mobiliário dentro

de uma produção artesanal e atingir, assim, o seu público alvo, não era uma certeza

absoluta. Quando da criação de sua primeira oficina, Tenreiro deixa claro que a opção

pela produção artesanal foi resultado da escassez de recursos para investir em

maquinário e, algumas vezes, em artigos de revista e em entrevistas, fez uma defesa

do desenho industrial, o que leva o leitor a acreditar que o mais importante é a criação

do objeto, independente de qual processo utilizado para sua produção.

O que importa, porém, esclarecer é: não está no desenho em si o processo industrial. Em princípio o desenho consiste na invenção ou criação da forma, do todo, e é na planificação industrial ou artesanal que ele deriva a sua finalidade dirigida (TENREIRO, O Desenho do Móvel, 1967).

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Tenreiro, entretanto, poderia ser considerado um artífice, capaz de desenvolver

todas as etapas necessárias para a produção de suas peças, o que transformava a

necessidade de industrializar sua produção na mais árdua das tarefas de sua carreira

de empreendedor do mercado de decoração. Com sua loja sofrendo com a

concorrência de empresas que, graças à otimização do processo de fabricação de

seus móveis, ofereciam preços bem mais atraentes, Tenreiro não resiste e, no ano de

1968, opta pelo encerramento de suas atividades como designer de móveis e passa

a se dedicar às artes plásticas.

Em entrevista, no ano de 1985, Tenreiro pontua a comparação que fazia entre

pintura e design:

A pintura me prende mais, porque na pintura estou mais presente do que no móvel. Crio o móvel, desenho-o, dou-lhe o caminho que deve ter e, feito isso, outro a completa”. (MACEDO, 1985, p. 89)

Suas palavras evidenciam um dilema próprio dos artistas que viveram o período

de industrialização: o medo de que a produção em série trouxesse uma grande perda

de qualidade aos objetos, motivação de movimentos do final do século XIX e início do

século XX, principalmente do Art and craft de Morris e Ruskin. Em outro momento,

próximo de fechar sua loja do Rio, em artigo da revista Arquitetura, em 1967,

transparece a sua dúvida quanto à produção de móveis:

Mas criar um móvel, por exemplo, não é apenas aquele momento de "inspiração", aquele instante de imaginação formal, que fica marcado no risco, como criação, mas também aquele prolongamento que continua até a realização e até que esse móvel esteja em condições de função e utilidade. (TENREIRO, O Desenho do Móvel, 1967)

Mesmo com sua resistência em produzir seus móveis em série, Tenreiro foi

responsável por criar peças esteticamente modernas e por levar aos interiores das

casas brasileiras das décadas de 1940, 1950 e 1960 o novo estilo de design que já

predominava na Europa E Estados Unidos desde a década de 1920.

Apesar de não ter desenvolvido seus móveis de forma industrializada, como

preconizava o movimento moderno de design e arquitetura, Joaquim Tenreiro entrou

para a história do mobiliário brasileiro como um dos precursores do móvel moderno

no Brasil e suas peças, embora não tenham sido produzidas em série, significaram

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um grande passo para a introdução do mobiliário brasileiro na estética modernista do

século XX, com o diferencial de uma linguagem nacional.

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3. JOAQUIM TENREIRO E O MÓVEL MODERNO BRASILEIRO

Comecei a notar que o mobiliário não tinha nada a ver com o Brasil. Era uma aventura qualquer de um móvel, metido a um estilo qualquer da Europa. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 57)

Na literatura que encontramos sobre o trabalho de Joaquim Tenreiro

identificamos seu nome sempre vinculado à criação do móvel moderno brasileiro, isso

se deve ao fato de ter sido ele um dos primeiros projetistas de móveis e decorador a

perceber que prescindir dos móveis de estilo, que dominavam as decorações

brasileiras, não significava introduzir no Brasil a receita de móveis aplicada na Europa,

mas encontrar uma linguagem nacional para o mobiliário e para a decoração de

interiores moderna.

Sua defesa da produção artesanal de seu mobiliário, além de inviabilizar, a

partir da década de 1950, os preços de sua produção, apresentava-se como uma

contradição ao movimento moderno de design e arquitetura, que pregava o valor da

produção industrializada. Como já citado, Walter Gropius, fundador da Bauhaus,

colocava como linha mestra de sua escola que o “alvo era eliminar as desvantagens

da máquina, sem sacrificar nenhuma de suas vantagens reais” (Gropius, 1988), ideia

compartilhada e divulgada por Warchavchik em seus projetos das residências

modernas da década de 1930.

Desde aquele período, a indústria de móveis para escritório, impulsionada pela

possibilidade da fabricação seriada e pelo estilo americano propagado velozmente

pelas telas de cinema, saía à frente e modernizava sua produção ao lançar um novo

conceito de móvel, mais leve e funcional, sem os habituais entalhes. Entretanto, o

mobiliário residencial permaneceu, por pelo menos uma década, com sua produção

voltada para os pesados móveis ecléticos que prevaleciam desde o século XIX.

Se por um lado, as peças criadas por Tenreiro eram artesanais, por outro, o

resultado estético de seu mobiliário era leve, ergonomicamente bem resolvido e

funcional. Para Tenreiro, o móvel artesanal era o caminho para manter esteticamente

modernos os seus projetos de interiores, sem provocar rupturas nos modos de

produção compatíveis com o período das décadas de 1940 e 1950.

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Nada obstante a envergadura do resultado da sua obra, merece menção o

aparente paradoxo representado pelo modo de produção quase totalmente artesanal

desenvolvido por um desenhista industrial, peculiarmente caracterizado pelo seu

envolvimento com a propagação da estética do movimento moderno.

Nesse movimento, seja no âmbito da concepção do modernismo racional

europeu, ou da arquitetura orgânica americana, os ambientes internos adquiriram

maior integração. A flexibilidade de disposição do mobiliário nesses interiores impunha

a leveza como requisito para viabilizar a facilidade de composição, proporcionando o

incremento do dinamismo nas ambientações dos espaços.

As peças produzidas por Joaquim Tenreiro marcam o início da história do

mobiliário no Brasil com os interiores modernos de identidade brasileira, e

representam uma ponte construída entre o Brasil colonial do século XVIII, de peças

entalhadas “sem pressa nem possibilidade de lucro” (COSTA, 1939) e o Brasil

moderno do início do século XX. Uma ruptura discreta e bem-sucedida com interiores

outrora decorados em estilo eclético, de móveis pesados, pouco ventilados e de difícil

manutenção, muitas vezes importados da Europa ou produzidos por profissionais

estrangeiros.

Porém, aos seus leves móveis de linhas puras e ausências de ornamentos,

Tenreiro acrescentou elementos que aproximam sua obra do que identificamos como

brasileiro. Diante da dificuldade de apontar as características identificadoras da

nacionalidade de uma peça, principalmente no Brasil, dada a extensão do território e

a pluralidade cultural aqui presentes, autores que se dedicaram ao estudo da evolução

do mobiliário brasileiro, como é o caso de Lucio Costa em “ Notas sobre a evolução

do mobiliário brasileiro” e de Tilde Canti em “ O móvel no Brasil – Origens, Evoluções

e Características”, apontam para uma raiz comum na gênese dessa identidade

peculiar do móvel brasileiro ou luso-brasileiro:

A sobriedade mobiliária dos primeiros colonos se manteve depois como uma das características da casa brasileira. Mesmo porque, como já se lembrou muito a propósito, o clima o mais das vezes quente da colônia, o uso das redes em certas regiões e o costume tão generalizado de sentar-se sobre esteiras, no chão, não estimulavam o aconchego dos interiores nem os arranjos supérfluos ou de aparatos. Quanto menos coisa melhor. (COSTA, 1939, p. 151)

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As composições formais, em contornos curvos, trançados e planos e a criação,

já em suas primeiras peças, das espreguiçadeiras com assentos em couro trançado,

palha ou tecido, remetem ao antigo hábito de utilizar esteiras e mochos para sentar

nos interiores e nas varandas dos sobrados e das casas de fazenda.

Como fator decisivo para a aceitação do móvel de Tenreiro como referência em

móvel moderno brasileiro destaca-se a ampla utilização da madeira no

desenvolvimento das suas peças. Desde a colonização, o móvel tem sido sinônimo

de madeira no Brasil, devido à grande facilidade de recursos naturais e de mão-de-

obra. Ainda nos dias atuais, boa parte das peças de mobiliário que não são

desenvolvidas em madeira natural imitam a cor e a textura dos vários tipos de

madeiras outrora utilizadas para decoração.

Em uma análise de sua trajetória e de sua formação como artesão em oficinas,

como designer e artista plástico, Tenreiro dizia ter passado pelo mesmo processo que

passavam os alunos da Bauhaus:

Quando li um livro sobre a Bauhaus senti um dos maiores prazeres da minha vida. O Walter Gropius explicava o ensino, o desenvolvimento do aluno na escola. Foi exatamente o caminho que eu tomei. Coincidência! Eu operava numa oficina, estava em contato com designers, com operários já experimentados, quer dizer, era como uma escola do nosso tempo. Tirei partido disso sem querer, sem conhecer. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985)

Seus conhecimentos de desenho e sua grande capacidade de trabalhar a

madeira, lhe deram capacidade para criar uma linguagem mais genuína para o

mobiliário brasileiro e criticar as cópias de estilos diversos que eram utilizadas nas

decorações nas décadas de 1920, 1930 e 1940.

Entre os anos de 1943 e 1968, Joaquim Tenreiro atendeu em sua oficina e em

suas duas lojas, um grande número de clientes que buscavam para suas residências

uma decoração mais leve e adaptada a um novo padrão de moradia que surgia nas

cidades brasileiras, principalmente no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em São

Paulo.

Sua produção foi intensa e pode ser dividida em diferentes grupos que não

seguem, necessariamente, uma linha cronológica, sendo assim, neste último e

conclusivo capítulo, encontramos uma divisão que visa um melhor entendimento de

sua obra e que não tem como base as datas de criação, matéria-prima utilizada ou

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técnica empregada. Sua obra, ou uma representativa parte dela, está analisada

segundo aspectos formais de leveza, textura e organicidade.

Tal divisão se dará graças à observação de que estes elementos, conferem à

sua obra aspectos bastante peculiares. Seus trabalhos transitam entre o antigo, o

moderno e o contemporâneo, de tal forma que ao observar o mobiliário e os interiores

decorados por Tenreiro, até mesmo o mais atento crítico encontrará dificuldade em

estabelecer relações entre suas criações, mesmo entre peças contemporâneas.

As peças comercializadas em sua loja não eram coleções de móveis renovadas

periodicamente, “era capaz de fazer um móvel para uma pessoa, hoje, aqui, e amanhã

fazer um móvel completamente diferente. Isso, aliás, era uma praxe” (TENREIRO,

Madeira Arte e Design, 1985)

Sua capacidade em criar móveis de desenho muito limpo, com pés finos e

estruturas no limite da sustentação e, no mesmo espaço, inserir peças em madeira

quase bruta e outras com ventilados assentos em palhinha em contraponto com as

pesadas estruturas de jacarandá, demonstram sua habilidade para apresentar novas

soluções estéticas para o mobiliário e para os ambientes internos, aguçando os

sentidos e a curiosidade de um público que desde o início do século XX presenciava

a mudança nos modos de viver e morar da sociedade moderna da capital do Brasil.

“O arquiteto trabalha com forma e volume, à semelhança do escultor, e, tal

como o pintor, trabalha com cor, mas, entre as três a sua é a única funcional. Resolve

problemas práticos. ” (RASMUSSEN, 1986, p. 32). Podemos entender que o designer

tenha o mesmo desafio que o arquiteto, ou seja, criar um objeto funcional, por meio

de soluções práticas, ainda que em escala reduzida e aplicações distintas.

Provavelmente por esse motivo as artes plásticas, a literatura e a música, abriram

novas possibilidades para o processo de modernização, desde a década de 1920,

especialmente após a Semana de Arte Moderna de 1922. Todavia, tanto a arquitetura

quanto o mobiliário, principalmente o residencial, tiveram um caminho mais árduo e

de difícil aceitação.

Wucius Wong, em seu livro Princípios de Forma e Desenho, traz uma

importante discussão sobre a diferença entre o bidimensional e o tridimensional ao

falar dos aspectos da forma e suas palavras servirão de guia na análise das peças

criadas por Tenreiro:

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Devido ao fato de vivermos em um mundo tridimensional, nossa experiência de forma é primariamente tridimensional. Uma forma tridimensional é aquela em direção à qual podemos caminhar, da qual podemos nos afastar ou em torno da qual podemos andar; pode ser vista de diferentes ângulos e distâncias. Está ao nosso alcance, podemos tocá-la ou mesmo manuseá-la. (WONG, 1998, p. 138)

As formas tridimensionais que compõem os espaços não são apenas para

serem vistas e admiradas por diversos ângulos ou distâncias e, mais do que

manuseadas, são utilizadas quase como uma extensão de nossos corpos, de tal forma

que, ao visualizarmos uma cadeira, poltrona, mesa ou cama, pensamos

imediatamente no conforto que podem proporcionar.

A divisão do mobiliário de Tenreiro, segundo elementos de forma, não é uma

tarefa simples, porém, tal dificuldade só demonstra a importância de lançarmos um

olhar atento aos elementos que compõem e permitem classificar sua obra como

Moderna e Brasileira, trazendo à luz a criação de um design vernacular.

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3.1. Leveza

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Quanto ao material, fazia questão que fosse muito sólido. Mas visualmente a cadeira era levíssima. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 60)

Ao classificar um objeto como leve não estamos necessariamente falando de

suas propriedades físicas, embora estas também possam ser abordadas em nossa

avaliação, mas de aspectos visuais que remetem à suavidade, delicadeza, simetria e

ao equilíbrio. A leveza é uma característica quase indissociável da obra de Tenreiro

que, com linhas puras e um equilibrado contraste de volumes e vazios, desenvolveu

boa parte de seu trabalho com foco na leveza e simplicidade de formas e materiais.

Projetar uma peça simples é um primeiro passo para se obter como resultado

um objeto leve, porém, simplificar é uma atitude de projeto, é “resolver o problema

eliminando tudo o que não serve à realização dos objetivos” e “ simplificar é um

trabalho difícil e exige muita criatividade” (MUNARI, 2008, p. 126). Nas análises que

seguem, de algumas peças desenvolvidas por Tenreiro, podemos verificar a

simplicidade, tanto no esboço quanto no produto final.

Conforme pontua Munari, um objeto é simples quando retiramos dele tudo o

que não é necessário (2008), porém, outros elementos também contribuem para sua

leveza. O equilíbrio é uma importante atitude de projeto que torna um objeto leve, e

este não é dimensionado pela capacidade que a peça tem de se sustentar, mas por

um equilíbrio visual, de planos, simetria, cores e formas. Na análise das peças de

Tenreiro verifica-se a constante utilização da composição de áreas preenchidas e

vazios, estruturas finas e equilibradas, pés palitos e simetrias.

Tenreiro considerava a Poltrona Leve (figura 4) como o seu primeiro e mais

significativo móvel moderno. Em suas palavras, o desenho da Leve trazia em seu

projeto a síntese da sua concepção do móvel moderno brasileiro.

A minha Poltrona Leve foi concebida e obedecia a um princípio que eu achava que deveria ser seguido pelos móveis modernos brasileiros, independente do tamanho, mas formalmente leves. Uma leveza que nada tem a ver com o peso em si, mas com a graciosidade, a funcionalidade bem dentro dos seus espaços. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 60)

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A Poltrona Leve foi largamente produzida ao longo das décadas de 1940 e

1950. Nos anos 1950, foi estofada com tecido estampado por Fayga Ostrower9 e com

sua fina estrutura de madeira executada em imbuia. O primeiro exemplar, estofado

em tecido com uma leve textura, foi desenvolvido em madeira marfim. Ainda nos anos

1950, ganhou uma versão em ferro com apoio de braço em madeira ebanizada que

ficou conhecida como Poltrona Leve em Ferro.

A Leve pode ser estudada na carreira de Tenreiro, e na história do mobiliário

brasileiro, como uma

impactante ruptura com os

interiores decorados com

móveis em estilo eclético e

representa o início da

atuação de Tenreiro no

projeto de ambientes

modernos, com móveis,

cortinas, aparelhos de

iluminação, biombos

vazados e paredes em

treliça, com toda a

ambientação dentro de um

mesmo conceito de

decoração.

A ruptura estabelecida com o

projeto dessa Poltrona, que

traz em seu nome uma das

principais características da

obra realizada por Tenreiro,

pode ser atribuída ao fato de ser a Leve uma peça sem os ornamentos e os entalhes

característicos dos móveis ecléticos. Seus pés levemente torneados dão destaque à

estrutura que compõe a cadeira e seu estofado em um único bloco de espuma,

9 Fayga Ostrower (Lodz, 1920 — Rio de Janeiro, 2001) foi uma artista plástica e ilustradora, nascida na Polônia

veio para o Brasil no ano de 1934, aqui cursou artes plásticas e desenvolveu um amplo trabalho de ilustração, entre eles estampas étnicas, uma delas foi desenvolvida especialmente para revestir a poltrona Leve, no ano de 1953.

Figura 4 - Poltrona Leve - 1942

Fonte: (https://legadoarte.wordpress.com) – Consultado em 02/09/2016

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revestida com um mesmo tecido sem estampa, para valorizar a utilização do mínimo

de materiais e linhas para a composição do objeto.

A Leve foi projetada e produzida no ano de 1942 e até os dias atuais são

encontradas poltronas

inspiradas em seu desenho,

limpo e sem ornamentos, nas

vitrines das lojas de móveis. O

projeto, bastante inovador, foi

muito copiado ao longo dos

anos 1950 e 1960 por lojas de

móveis e marceneiros, que

tinham exemplares das peças,

tanto nas lojas como nas fotos

dos anúncios que eram

veiculados nas revistas de

decoração. Os braços curvos e

finos remetem a uma das mais

importantes criações do

mobiliário brasileiro a, já citada

em capítulo anterior, Cama

Patente que, “ se não o mais

brasileiro dos móveis, pelo

menos uma peça muito

representativa da forma de

morar dos brasileiros neste

século” (SANTOS, 1995, p. 59). Porém, embora a semelhança estética e a sugestão

ao modo de viver e morar dos brasileiros aproximem as peças, outros fatores as

distanciam. Enquanto a Cama Patente foi criada para ser mais acessível a um

mercado consumidor de menor renda, por meio da produção industrializada e em

série, a Poltrona Leve, como todo o trabalho de Tenreiro, destinava-se a atender às

classes de maior poder aquisitivo e sua obra foi, como já discutido antes, toda

produzida de forma artesanal.

Figura 5 – Projeções Poltrona Leve

Fonte: (www.phillips.com) – Consultado em 06/10/2016

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As pernas e braços da poltrona leve são executadas, em sua primeira versão,

em madeira, material sólido, cuja característica rígida é suavizada pela espessura fina

e levemente curvada, no limite necessário para sua sustentação. Embora a maior

ligação de Tenreiro fosse com as madeiras, os estofados em tecidos diferenciados,

com estampas exclusivas e texturas diversas faziam parte de suas criações. No caso

específico da Leve, pode-se verificar, tanto em seu desenho (figura 5), como na foto

do início deste capitulo (figura 4), que o estofado recebe o mínimo de enchimento, o

que contribui com a leveza da poltrona.

No catálogo da Tenreiro Móveis e Decorações, a Leve era apresentada em

um desenho de sua vista frontal e superior. Nas projeções ortogonais pode ser

identificada a intenção, desde o projeto, de executar uma peça síntese. No desenho

da poltrona Leve verifica-se uma estrutura em madeira a sustentar o estofado na parte

inferior da peça, porém, a base foi suprimida na execução, o que torna o resultado

ainda mais leve.

No desenho, a estrutura preta e o estofado indicado por finas linhas,

evidenciam o contraste entre materiais, uma característica recorrente nas peças de

Tenreiro. A presença marcante das formas negativas é outro aspecto que o desenho

revela e justifica que a poltrona traga a leveza em seu nome. As formas negativas em

um objeto, assim como em um desenho, são aquelas que não fazem parte do objeto,

ou seja, planos que se formam pela delimitação do espaço entre as estruturas da

peça.

Na Poltrona Leve, assim como em várias outras criações, Tenreiro trabalha a

estrutura, quase sempre em madeira, como uma moldura de espaços vazios que

tornam a peça mais leve, uma vez que a rígida estrutura é muito menor que os vazios

que se formam entre suas partes. No caso da Leve, o próprio assento, revestido em

tecido claro, assume o papel de espaço negativo, que parece flutuar entre seus pés e

braços.

Em outros trabalhos desenhados por Tenreiro a leveza é obtida pela

composição de espaços negativos e positivos. No projeto da residência de Francisco

Peixoto, a intenção de trabalhar as proporções entre a estrutura das peças e os

espaços negativos formados por elas, pode ser encontrada no conjunto de poltrona e

espreguiçadeiras com assentos em couro trançado e nas poltronas com braços curvos

(figura 2).

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Destacada criação da década de 1950, para a residência de Nanzita Ladeira

Salgado10, também na

cidade de Cataguases, a

Cadeira Curva (figuras 6 e

7) exemplifica a leveza

obtida através da

composição entre os

espaços positivos e

negativos. A Cadeira

Curva foi muito utilizada

por Tenreiro em mesas

redondas e triangulares.

Seu desenho em vistas

frontal e lateral (figura 6)

permite verificar o

processo de criação da peça e o equilíbrio desejado que, vale ressaltar, é obtido após

sua execução (figura 7). Nessa cadeira, onde a madeira empregada na estrutura é o

jacarandá, verifica-se a utilização de um estofado com o mínimo de espessura, pés e

braços muito finos e, novamente, uma composição de espaços preenchidos e vazios

em que os espaços vazios são emoldurados pelas finas estruturas em madeira. O

encosto formado por uma faixa com largura mínima descreve uma curvatura que se

projeta para as laterais e pés para criar o efeito da sensação de flutuação da peça.

A Cadeira Curva também chama atenção pela utilização de um espaldar mais

baixo, uma novidade para as cadeiras de sala de jantar que, nas decorações da

primeira metade do século XX, apresentavam um encosto mais alto e estofado com

espuma e tecidos estampados ou veludos. O projeto da peça traz em suas proporções

um novo discurso formal de leveza.

10 Nanzita Ladeira Salgado (Cataguases, 1919 – 2009) foi uma artista plástica que se destacou por suas pinturas, na década de 1950 o arquiteto Francisco Bolonha projetou sua residência e atelier, nessa ocasião Joaquim Tenreiro retornou à cidade de Cataguases e desenvolveu o projeto do mobiliário que, permanece na residência.

Figura 6 - Cadeira Curva Vistas Frontal e Lateral - Década 1950

Fonte: (http://www.asminasgerais.com.br) – Consultado em 02/10/2016

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O artifício de composição entre formas positivas e negativas, não foi o único

utilizado por Tenreiro com a

finalidade de conferir leveza

às suas criações, os pés

muito finos, conhecidos como

pés palitos, também são

presença constante em seu

mobiliário e podem ser

percebidos tanto na Poltrona

Leve quanto na Cadeira

Curva. No início do século XX,

os pés de móveis mais finos e

com menos detalhes já eram

utilizados mesmo em peças

clássicas de fabricação

artesanal, principalmente no

mobiliário de estilo Inglês.

Os móveis em estilo eclético e

mesmo as tradicionais peças

coloniais tinham, muitas

vezes, seus pés esculpidos

em forma de patas de animais,

torneados ou com entalhes,

como se sustentassem um grande peso, possivelmente uma forma de valorizar o

móvel com uma estrutura robusta.

Nas criações de Tenreiro, os Pés Palitos foram constantemente utilizados em

cadeiras, sofás, poltronas, cômodas e mesas. Sempre de forma bastante equilibrada,

essas estruturas conferem às peças a sensação de extrema leveza. Mesmo nas

cadeiras de balanço, antes da base curva, as madeiras que compunham a estrutura

eram finas e cilíndricas.

Fonte: (https://www.1stdibs.com) – Consultado em 12/12/2016

Figura 7 – Cadeira Curva – Década de 1950

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Sobre uma conversa entre Tenreiro e Sérgio Rodrigues, o arquiteto e designer

descreveu, no texto de abertura do

livro Tenreiro: “ ele olhou e disse -

Sergio, você abusa da espessura

das madeiras! – E você dos pés

palito – acrescentei” (CALS, 2000,

p. 13). Porém, embora os pés

palitos fossem bem aceitos pelos

clientes e conferissem às peças

um ar mais delicado, Tenreiro não

limitou seu trabalho ao uso desse

tipo de estrutura que, a partir da

segunda metade da década de

1950, tornou-se quase uma

obrigatoriedade nos móveis

classificados como modernos, um

modismo que tomou conta das

revistas de decoração e das

vitrines de lojas de móveis.

A opção pela leveza, na

obra de Tenreiro, apresenta-se

desde o projeto da peça e, embora

existam vários desenhos seus de

perspectivas dos espaços internos

das residências, com frequência, as

peças eram apresentadas em projeções ortogonais - superior, lateral e, em alguns

casos, frontal. Nesses desenhos, a estrutura, normalmente em madeira, é

representada em preto e tanto a palhinha quanto os estofados são mais claros, por

vezes brancos, ou sem nenhum preenchimento.

Figura 8 - Cadeira Curva com Varetas - 1960

Fonte: (http://passadocomposto.com.br) – Consultado em 06/10/2016

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A cadeira curva com varetas, representada em vistas superior e lateral (figura

9) conjuga, em seu projeto,

quase todos os elementos já

citados identificadores da

leveza: os pés palito, a estrutura

curva na parte superior da peça,

os contrastes entre espaços

negativos e positivos formados

pelos pés e pelas varetas que

estruturam o encosto e um

assento muito fino e leve. Todos

esses elementos se somam no

desenho dessa cadeira que

pode ser classificada como leve,

porém também será analisada

como uma peça que abriga um

discurso de textura e de

organicidade.

Vale ressaltar que a

intenção de criar um encosto

vazado, estruturado por um

conjunto de espaços negativos,

formados pelas finas linhas que

sustentam a curva superior do

encosto, é uma construção de

intensa leveza e, assim como na

Cadeira Curva, os vazios tomam

o lugar dos pesados estofados

das poltronas estofadas de

estilos diversos que eram

comuns nos interiores da

primeira metade do século XX.

Figura 9 – Cadeira Curva com Varetas Vistas frontal e superior – 1960

Fonte: (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 69)

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Tenreiro utilizou as finas varetas em madeira para compor um encosto leve e

sem estofado em algumas de suas

cadeiras, uma dessas peças, que

ficou bastante conhecida, foi a

Cadeira Estrutural. Criada no ano de

1947, em duas versões, uma com

assento em palha e outra estofada,

nos dois casos com encosto em

varetas muito finas.

A Estrutural foi reeditada no ano de

1967 em latão polido com encosto e

assentos estofados e, apesar de ter

seu encosto revestido com tecido, as

varetas, nesse caso em latão,

continuaram presentes. A versão da

Cadeira Estrutural em latão foi a

última peça de mobiliário produzida

pela Tenreiro Decorações. Após

finalizar a entrega das peças que

foram projetadas para compor a

mesa de jantar do Salão de

Banquetes do Palácio do Itamarati na

capital do país, as atividades

comerciais de sua loja foram

encerradas. As varetas de encosto,

tanto na versão em latão quanto em

madeira possuem um diâmetro

mínimo.

Além dos pés palitos, da proporção entre espaços negativos e positivos e das

finas estruturas, parte das cadeiras assinadas por Tenreiro trazem, principalmente nos

assentos e espaldares, um antigo material utilizado dentro de uma nova linguagem, a

Figura 10 – Cadeira Estrutural -1947

Fonte: (http://www.herancacultural.com.br) – Consultado em 06/10/2016

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palhinha, que se tornou gradativamente uma característica diferencial das criações

assinadas por Tenreiro.

A inserção da palha no desenho do mobiliário moderno está tratada no

próximo capítulo quando são analisadas as texturas criadas e inseridas em sua obra,

porém, vale mencionar que, por ser um material menos denso, a delicada trama de

palha trançada para móveis, confere às peças uma leveza não apenas visual, mas

material. Nas palavras do próprio Tenreiro em entrevista, a palhinha “servia às

condições naturais, especialmente no calor do Rio de Janeiro e até mesmo de São

Paulo” (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985).

A palhinha, quando inserida nos assentos e encostos das poltronas de

jacarandá, representam uma forma de suavizar a dureza da madeira com a utilização

de uma sutil e delicada trama composta por cheios e vazios, para tornar o móvel, além

de mais arejado, mais maleável e confortável. A utilização da palha inverte a curvatura

dos assentos das cadeiras e poltronas que, principalmente nas cadeiras com assentos

e encostos revestidos em veludo e estofados com espuma, apresentam uma curvatura

convexa e quando substituída pela trama de palhinha formam uma curvatura

sutilmente côncava, quase plana.

Menos valorizadas que os assentos, porém não menos importantes, as mesas

receberam grande atenção

nos projetos de Tenreiro. O

mobiliário destinado às

refeições, trabalho ou apoio

nas salas de visitas, foi tratado

em seus projetos não apenas

como um item necessário que

ocupa um grande espaço nas

residências, mas como a

possibilidade de criar um

elemento de grande destaque.

Entre as inovações

apresentadas, destaca-se o

projeto de mesas para

Figura 11 – Mesa Giz Redonda com Cadeiras Curvas – 1954

Fonte: (http://www.garimpocontemporaneo.com.br/) – consultado em 10/06/2016

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refeições em formatos triangular e também redondos.

A utilização de mesa de jantar em formato redondo não era comum, nem nas

decorações ecléticas do final do século XIX e início do século XX, tampouco nas

decorações coloniais que ostentavam as mesas de jantar retangulares, com a cadeira

do patriarca, à cabeceira da mesa, sempre maior, de braço, “uma espécie de trono,

como as cadeiras dos mestres-régios nas salas de aula” (FREYRE, 2002, p. 339).

O formato redondo ou ainda triangular com os cantos arredondados, podem ser

analisados como mais

uma leveza formal. Neste

caso, não apenas a peça

é leve em seu desenho ou

material utilizado, mas o

layout das residências se

tornam menos rígidos

com uma mesa de jantar

sem cabeceira. Tal peça

sugere, inclusive, uma

maior leveza nas relações

domésticas e familiares.

Um diferencial verificado

nas mesas de jantar

projetadas por Tenreiro, é

a utilização de um tampo

em cristal pintado com um recorte no centro (figuras 11 e 12). O recorte era apenas

visual, uma vez que o tampo em cristal pintado tinha seu centro sem pintura, capaz

de criar, graças à transparência, a ilusão de que o centro é vazado, novamente uma

leveza proporcionada pela ausência, ou sensação de ausência, de matéria.

Retirar o centro do grande plano horizontal, necessário à composição de uma

mesa de jantar, se apresenta como uma forma de quebra visual em sua estrutura,

sem, porém, tirar sua estabilidade. Os pés transversais, formados por planos muito

finos, sugerem a leveza do tampo que, além do recorte central, é fabricado em cristal

pintado, cujo brilho também sugere um material mais leve e moldável.

Figura 12 - Mesa Triangular - 1960

Fonte: (www.phillips.com) – Consultado em 06/10/2016

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Nos anos de 1950, na Mesa de Centro em Madeira e Vidro (figura 13), Tenreiro

une vários elementos

que conferem leveza

ao projeto. Um tampo

redondo em cristal

transparente, finos pés

curvos e cruzados que

formam um jogo de

espaços negativos

que se formam entre a

fina estrutura de

madeira cilíndrica. Os

materiais utilizados

nessa peça são

determinantes para o

projeto, onde apenas a fina estrutura, que surpreende por romper com a expectativa

de um móvel de madeira, se destaca e pode ser vista através do tampo em cristal

transparente.

Um exemplo da sugestão de que a peça é produzida com um material tão leve

que pode facilmente ser

moldado é a Mesa de

Apoio (figura 14), cujo

tampo se curva e se

transforma em pé. O

desenho do tampo de

madeira passa ao

observador a sensação

de que o compensado

revestido em chapa de

madeira escura é uma

fina folha de papel. O

peso da peça parece ser

sustentado apenas pelos finos pés palito com as pontas revestidas em metal dourado.

Figura 14 – Mesa de Apoio – Década de 1950

Fonte: (http://www.bolsadearte.com) – Consultado em 12/12/2016

Figura 13 – Mesa de Centro em Madeira e Vidro - Década de 1950

Fonte: (https://www.1stdibs.com) – Consultado em 12/12/2016

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Transformar grandes planos em delicadas curvas foi uma constante na obra de

Tenreiro, não apenas as

madeiras, foco principal de

suas obras, mas alguns

estofados receberam um

tratamento de planos que

se curvam em finas

espessuras. Um desses

estofados é a Poltrona

Curva com assento em

Concha (figura 15). Embora

nos anos 1960, a aceitação

pelo mobiliário moderno já

fosse bem maior que nas

décadas de 1940 e 1950, o

desenho dessa poltrona

surpreende por suas

curvas, pela fina espessura

das laterais dos braços e

pelos delicados pés finos

que sustentam o compacto conjunto estofado.

A Poltrona Curva com Assento em Concha (figura 15) era produzida com

almofadas soltas e formava, em alguns projetos de interiores, conjunto com o sofá de

três lugares de mesmo desenho (figura 40) e que está analisado sob a ótica da

organicidade em tópico posterior. Embora a foto traga o estofado em cor clara,

Tenreiro costumava utilizar tecidos coloridos nos estofados de suas peças, assim

como tramas, mesclas e xadrezes.

No final do século XIX, principalmente na Europa, o ferro passou a ser

largamente utilizado como matéria prima para a confecção de móveis e de peças de

decoração. Tenreiro, embora fosse marceneiro, não deixou de utilizar o ferro em seus

trabalhos. Como mencionado, a Poltrona Leve (figura 4), recebeu nos anos 1950 uma

versão em ferro, assim como a Cadeira Estrutural (figura 10) foi reeditada em latão na

década de 1960.

Figura 15 - Poltrona Curva com Assento em Concha –

Década de 1960

Fonte: (http://legadoarte.com.br) – Consultado em 12/12/2016

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No final dos anos 1940, em uma delicada banqueta em pau marfim e

jacarandá com os pés em

ferro (figura 16), Tenreiro

mostra o potencial da

utilização do metal para

trazer leveza à peça. Um

banco que lembra os

mochos integrantes do

mobiliário das residências

brasileiras, na maioria das

vezes, feitos de pedaços de

troncos, a banqueta traz um

assento em tiras de

madeiras brasileiras, nesse

caso, marfim e amendoim,

feita em encaixes perfeitos e

sustentada por finos e lisos

pés de ferro. A leveza da

peça é complementada por

um recorte no encontro entre

o assento e o encosto. Por

não possuir cantos vivos,

todas as arestas são arredondadas.

O trabalho artesanal de encaixes sem pregos ou parafusos das tiras de

madeiras claras e escuras, é um diferencial de uma de suas mais famosas e

surpreendente peças, a Cadeira de Três Pés (figura 17). Criada em duas madeiras,

no ano de 1947, no projeto dessa cadeira, Tenreiro evidencia sua capacidade de

criação, ao tempo que ampara a reflexão sobre a real condição de artista plástico, um

escultor, que teve como formação profissional a marcenaria, além de mostrar sua

espetacular habilidade técnica e seu conhecimento dos tipos de madeira existentes

no Brasil.

Figura 16 – Banqueta com Pés em Ferro – 1948 – foto1

Fonte: (http://passadocomposto.com.br) – Consultado em 20/04/2016

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A Cadeira de Três Pés integrou o cenário da peça de teatro de Silveira

Sampaio, “A Necessidade

de ser Polígamo”, que

tratava de um triângulo

amoroso. No mesmo

cenário, o diretor utilizou um

exemplar da Poltrona Leve.

Este subcapítulo do

presente trabalho é

dedicado a estudar as

peças de Tenreiro sob a

ótica da leveza e à primeira

vista a Cadeira de Três Pés

não transmite leveza,

principalmente por se tratar

de um maciço assento em

madeira, sem nenhum

vazado. Seus pés em forma

cônica projetados para

suportar o peso do assento

e encosto em madeira

maciça, são apresentados

com uma espessura bem

maior do a existente em boa

parte dos móveis com pés semelhantes. Porém, a leveza na Cadeira de Três Pés

reside exatamente no fato de todo o peso estar apoiado em apenas três pés e

apresentar o desenho do assento e encosto em uma única peça, sem braços.

A cadeira, uma escultura em madeira, recebeu versões com dois, três e até

cinco tipos distintos de madeira, além de ter sido exposta, no ano de 1961, no Salão

de Arte Moderna do Rio de Janeiro, ocasião em que despertou a atenção dos críticos

e do público.

Figura 17 - Cadeira de Três Pés - Duas madeiras - 1947

Fonte: (http://passadocomposto.com.br) – Consultado em 20/04/2016

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Na imagem (figura 18), a Cadeira de Três Pés (figura 17) faz parte da

ambientação da sala de uma residência projetada pelo Arquiteto Rino Levi11. O projeto

modernista, do início dos anos 1960, apresenta espaços amplos e portas deslizantes

que se abrem para integrar a sala de estar com o jardim e a varanda. Nela, a cadeira

parece flutuar, graças à suave curva e inclinação de seus assentos e encostos,

ausência de braços e aos seus três pés cônicos que transmitem a sensação visual de

não tocar o chão.

Figura 18 - Interior Residência Modernista – Arquiteto Rino Levi 1960

Fonte: Acervo Digital Rino Levi FAU PUC-Campinas

11 Rino Levi (São Paulo, 1901 — Bahia, 1965) foi um arquiteto brasileiro e um dos principais representantes da Escola Paulista de Arquitetura Moderna.

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Na década de 1960, o Sofá em Madeira Curva (figura 19) apresenta, além dos

pés em ferro, muito finos, e

das almofadas soltas de

encosto e assento

apoiadas por duas chapas

de madeira curvadas nas

extremidades, uma leveza

de projeto caracterizada

pela ausência não apenas

de entalhes e ornamentos,

mas dos braços. Diferente

do que ocorre na Poltrona

Curva com Assento em

Concha (figura 15) onde os

braços se prolongam a

transmitir a ideia de leveza e maleabilidade da matéria, nessa peça, o braço é retirado,

dando origem a um sofá com o mínimo necessário para o conforto.

Leveza é um conceito difícil de analisar quando tratamos de objetos

projetados para suportar pesos de livros e utensílios ou até mesmo de uma ou mais

pessoas, porém na obra de Tenreiro a leveza é um discurso, uma proposta de um

móvel mais funcional e adaptado às residências das décadas de 1940 e 1950, onde

não apenas o desenho dos móveis, mas a própria disposição das peças nos cômodos,

que já não tinham mais as mesmas dimensões dos grandes sobrados do final do

século XIX e início do século XX, se tornaram mais leves, com mais mobilidade.

Das características observadas no trabalho de Joaquim Tenreiro, a leveza é

a que mais o aproxima do Modernismo Europeu, representado pela escola Bauhaus

e pelo arquiteto Le Corbusier. As formas simples, a ausência de ornamentos, os

planos que se curvam o conjunto de detalhes que tornam o mobiliário de Tenreiro

leves, são atitudes projetuais, esforços criativos com a finalidade de produzir peças

onde o mínimo seja suficiente, tanto em seu resultado estético como funcional.

As peças de Tenreiro, selecionadas para exemplificar a leveza de seu

trabalho, constituem um resultado muito próximo do que esperavam os professores

Figura 19 Sofá em Madeira Curva – Década de 1960

Fonte: (http://passadocomposto.com.br) – Consultado em 20/04/2016

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da Bauhaus e de seus esforços em “desenvolver uma nova consciência criadora”

(GROPIUS, 1988) capaz de alimentar as indústrias com criações artísticas que não

perdessem seus valores no processo industrializado.

Embora as leves peças de Tenreiro não fossem produzidas em larga escala

no âmbito de um processo industrial, o resultado obtido remete a um processo

industrializado. O fato de boa parte de suas criações terem sido desenvolvidas em

diferentes materiais demonstra que o fundamento do seu trabalho estava no projeto,

na idéia e não na execução, ainda que essa fosse primorosa.

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3.2. Texturas

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Se a leveza é a característica que mais aproxima a obra de Joaquim Tenreiro

do design industrial e das idéias do Movimento Moderno de Arquitetura e Design

Europeu, a composição de distintas e por vezes inusitadas texturas, cores e planos,

encontradas em sua obra, é a característica que mais o aproxima do Modernismo

Americano, cujo maior expoente foi, o referido arquiteto, Frank Lloyd Wright.

Textura é uma característica visual, a priori, mas que nos remete à sensações

táteis, porém, qualquer superfície material terá textura, ainda que esta seja

classificada como lisa. Em Sintaxe da Linguagem Visual, Dondis descreve:

A textura é o elemento visual que com frequência serve de substituto para as qualidades de outro sentido, o tato. Na verdade, porém, podemos apreciar e reconhecer a textura tanto através do tato quanto da visão, ou ainda mediante uma combinação de ambos. É possível que a textura não apresente qualidades táteis, mas apenas ópticas. (DONDIS, 2007, p. 70)

Por vezes, a experiência tátil de uma textura não é o que nos sugere a

experiência visual. Nas peças de mobiliário, embora os veios de madeira estejam

evidentes, frequentemente, nas peças de marcenaria, não proporcionam a mesma

sensação quando tocados. A experiência tátil da madeira, salvo raras exceções, está

presente apenas na temperatura bastante agradável do material, mas não na textura

de veios que, após um intenso trabalho com lixas e algumas camadas de cera ou

verniz, adquirem uma textura bastante similar a materiais como vidro, laminados,

pedras polidas ou superfícies pintadas.

Embora Tenreiro tenha focado boa parte de seu trabalho na busca pela leveza

e simplicidade de formas, essa não é a única característica a ser estudada em suas

peças. Em seu processo criativo como designer de móveis ele foi capaz de unir em

uma única peça várias características diferentes. Naquelas classificadas como leves

são encontradas diversas texturas, algumas que aguçam o sentido da visão, como

ocorre com as mesas com tampos de cristal coloridos ou mesmo transparentes

(figuras 11, 12 e 13) e outras que convidam ao toque, como exemplificam os assentos

e espaldares em palhinha.

Porém, a divisão das texturas em visual ou tátil, embora seja um bom início

para o estudo de sua obra sob tal ótica, não será suficiente. A precisão da análise

requer o incremento da segmentação em naturais ou projetadas. As texturas naturais

são as características próprias da matéria prima utilizada na execução do móvel, em

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suas criações podemos destacar a madeira, a palha, o couro e o vidro. As projetadas

são as obtidas com a inserção de cores, ritmos e planos. Na maior parte de seus

projetos, Tenreiro utilizava diversas texturas e, em boa parte de suas peças, ocorrem

tanto as texturas naturais quanto as projetadas.

Por ter sido Tenreiro um marceneiro e, ao longo de sua carreira como

projetista de móveis, ter centrado suas criações em peças para serem executadas em

madeira, a principal textura encontrada em praticamente toda sua obra é natural e se

dá pela exploração dos veios e cores das madeiras brasileiras. “ A madeira tem o

seu odor , envelhece, tem mesmo seus parasitas. Enfim esse material é um ser”

(BAUDRILLARD, 1973, p. 44). A madeira tem uma textura própria de cores, veios e

temperatura, em sua obra Tenreiro utilizou, além do Jacarandá, predominante na

produção de móveis no Brasil desde a colonização, o pau marfim, o vinhático, a

imbuia, o amendoim e várias outras madeiras brasileiras.

O Jacarandá era a madeira mais nobre entre as utilizadas na produção de

móveis, a preferida nas decorações das residências das famílias mais tradicionais,

mas Tenreiro também utilizou madeiras mais claras, ele mesmo dizia preferir um

mobiliário mais claro e menos brilhante, “ não gostava de brilho. Acho que o móvel

perde quando fica brilhante. Eu dizia que encerava, mas na realidade usava um

envernizado em tom cera. “ (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 35)

Sua grande capacidade em explorar as cores e texturas da madeira pode ser

observada na fina e delicada estrutura da Poltrona Leve (figura 4) ou na orgânica e

maciça Mesa Tronco (figura 20) do ano de 1955. Nessa peça as texturas de madeira

são exploradas quase em sua forma natural, as cores e veios do tampo envernizado

contrastam com a grossa textura lateral da casca do tronco de árvore e todo o peso

da fatia de tronco é suportada por delicados pés estratégicamente posicionados na

base da peça, de tal forma que quase não sejam visualizados e passem a sensação

a quem observa de que o pesado tronco de madeira não toca o chão, apenas flutua

no centro da sala.

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Na Mesa Tronco (figura 20) e em algumas outras peças onde Tenreiro

explorou e evidenciou

a textura da madeira

de forma mais natural,

não é, como na maior

parte de suas

criações, o artesanato

primoroso de encaixes

e curvas a grande

virtude do projeto, mas

o olhar do artista,

capaz de vislumbrar,

na década de 1950,

uma mesa na união de

troncos de árvores

que, para a maior

parte das pessoas que contratavam serviços de marcenaria no período e mesmo para

os profissionais que atuavam com projetos de móveis e decoração, não passavam de

pedaços de madeira.

O tratamento dado ao tampo da mesa evidencia as cores e texturas da

madeira, porém, por se tratar de um móvel e graças a necessidade de criar uma peça

funcional e não de uma escultura, o acabamento em verniz torna a superfície lisa e a

textura dos veios passam a ser apenas visuais já nas laterais da mesa como uma

moldura a casca da árvore é mantida e preservada em suas texturas táteis, apenas

com um acabamento para torná-la impermeável e mais resistente.

As mesas de centro não eram comuns nas decorações das salas de visita

dos sobrados neoclássicos do final do século XIX e início do século XX, quando

utilizadas eram mais altas, quase como mesas de apoio, chá, ou refeições. As mesas

de centro com altura inferior aos assentos dos sofás e poltronas surgem nas

decorações modernas, quando os móveis se tornaram mais leves e a utilização dos

ambientes mais flexíveis, mas a Mesa Tronco (figura 20) é uma surpresa, uma

escultura em madeira quase bruta com apenas 26 centímetros de altura.

Figura 20 – Mesa Tronco – Três Partes- 1955

Fonte: (http://www.soraiacals.com.br/) – Consultado em 10/11/2016

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Na Mesa de Apoio (figura 14), já estudada por sua leveza, a mesma intenção

de ressaltar a textura natural da madeira pode ser observada, porém com uma

proposta totalmente diferente da Mesa Tronco, nessa peça o projeto e a habilidade

artesanal são o diferencial, a textura fica por conta dos veios de madeira da chapa

que reveste o tampo e da cor escura da madeira de jacarandá utiilizado.

O Banco de Tronco (figura 21), executado em madeira “vinhático gema de

ovo”, no ano de 1954, apresenta

praticamente as mesmas

características da Mesa Tronco,

onde a textura dos veios da

madeira nos assentos e encostos

são valorizadas e intensificadas

em seus aspectos visuais e as

laterais tem a textura tátil da casca

da árvore preservada. No Banco

Tronco, é novamente o olhar

atento de Tenreiro para os veios

dourados da tora de vinhático,

algo que só era possível em

marcenarias que recebiam a

madeira em toras para dar a elas o

tratamento necessário ao

manuseio e produção de móveis,

que causa admiração, uma atitude

ousada e quase impensável, tanto

nas decorações ecléticas do início do século XX, quanto nas decorações modernas

europeias que traziam como discurso a industrialização e a produção em série.

O interesse de Tenreiro em explorar as madeiras brasileira e suas texturas foi

grande, porém, embora tenha utilizado uma grande variedade de madeiras na

confecção de seus móveis, parte significativa de suas peças foram produzidas com

madeiras já conhecidas e utilizadas na produção de móveis no Brasil, o grande

diferencial apresentado em seu trabalho é a forma como trabalhou as madeiras,

explorando suas texturas, veios e cores e combinando-as com materiais que, ou não

Figura 21 – Banco Tronco - 1954

Fonte: (http://www.bolsadearte.com) – consultado em 12/12/2016

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eram mais utilizados pelos marceneiros ou nunca haviam feito parte dos projetos de

mobiliários.

Entre os diversos materiais que Tenreiro utilizou em sua oficina na produção

de seu mobiliário está o couro.

O couro de animais faz parte do

mobiliário brasileiro desde as

primeiras peças que

encontramos em museus e

catálogos de móveis luso-

brasileiros, ainda no século XVI,

quase sempre lavrados e

prensados com motivos

portugueses ou de inspiração

local, são encontrados nos

assentos e espaldares das

cadeiras ao longo dos séculos

XVI, XVII e XVII. Porém,

Tenreiro se utiliza do couro e de

sua textura na criação do

conjunto de Poltrona e Sofá com

Mantas Soltas (figura 22) e projeta uma estrutura em madeira torneada que dá

sustentação e evidencia o brilho e a maciês das mantas de couro estofadas.

O conjunto de Poltrona e Sofá com Mantas Soltas foi produzido em versões

estofadas em tecidos de diferentes cores, porém, é no couro que a peça provoca

maior impacto visual. A maciês do material é resaltado pelo estofado que estrutura as

mantas presas a estrutura de madeira sem pontos de tensão, contribuindo para

enaltecer o brilho e a cor do couro tratado e tingido.

Fonte: (https://www.1stdibs.com) – Consultado em 12/12/2016

Figura 22 - Poltrona com Mantas Soltas - 1955

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Sempre explorando a textura macia e brilhante da pele tratada, Tenreiro fez

uso do couro em outras peças

de mobiliário que projetou, uma

delas é a Cadeira de Embalo

em Couro (figura 22). O projeto

da cadeira deixa aparente

apenas uma pequena parte da

estrutura de madeira, todo o

restante que a compõem,

inclusive os apoios para braços,

é revestido com couro que, na

foto apresentada é preto, porém

encontramos a Cadeira de

Embalo revestida com pele de

diferentes tonalidades. Vale

salientar que o material não é

tensionado pela estrutura e, da

mesma forma que na poltrona

solta com mantas, sua textura, tanto visual quanto tátil é preservada em cor, brilho e

maciês.

No conjunto de cadeira e espreguiçadeira da residência de Cataguases

(figura 2), Tenreiro já havia utilizado a textura macia da pele de animal, porém, no

caso das peças criadas para a residência mineira, o xadrez formado pelo trançado

das tiras de couro coloridas criam uma textura projetual que independe da matéria

prima utilizada, uma trama de branco com vermelho na cadeira e branco com azul na

espreguiçadeira, diferente da utilização do brilho do couro verificado na Cadeira de

Embalo (figura 22).

Embora Tenreiro não tivesse em sua oficina uma produção em série de suas

peças, ele com frequência utilizava produtos que davam aos seus móveis um aspecto

de peças produzidas dentro de um processo industrializado. O Gabinete com Portas

Vermelhas (figura 23) é um exemplo de um móvel que poderia perfeitamente ter sido

produzido em série. A peça, um bufet destinado a guardar louças, cristais e talheres,

apesar de seu desenho de linhas retas e modernas, apresenta em seu projeto

Fonte: (CALS, 2000, p. 107)

Figura 22 - Cadeira de Embalo em Couro - 1947

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referências as antigas arcas e caixas, mobiliários de guarda catalogados entre as mais

antigas e importantes peças do mobiliário europeu, muitos deles datados do início da

idade média.

No Brasil, o mobiliário de guarda era comum no periodo colonial, e eram, em

muitas casas, o único armário existente, a maior parte dessas caixas possuia argolas

nas laterais para que pudessem ser transportadas em viagens, e seu desenho era

bem simples com linhas retas e poucos entalhes. A medida que os colonizadores

passaram a fixar suas residências e deixaram de explorar o território do Brasil colônia

em busca de riquezas, as caixas e as arcas perderam as argolas laterais, que serviam

para o transporte, e se tornaram um mobiliário próprio para compor as decorações de

interiores, com muitos entalhes, ornamentos e ferragens.

A inserção de cores no mobiliário de Joaquim Tenreiro, em grandes planos,

representam uma

quebra com as

estampas florais,

entalhes, capitonês e

brocados dos móveis

de estilo que, desde

que iniciou seus

projetos de mobiliário

moderno, foram alvo de

suas críticas. No

Gabinete as lisas

portas vermelhas, sem

a utilização dos

tradicionais puxadores

dourados dos móveis

em estilos franceses e ingleses, formam um contraste com a madeira envernizada

dando maior evidência aos veios acobreados, que graças a proximidade com o

intenso vermelho das portas, se tornam ainda mais evidentes, as cores podem ser

consideradas uma textura, porém representam um capítulo à parte no estudo da

percepção visual:

Figura 23 - Gabinete com Portas Vermelhas – Década de 1960

Fonte: (http://www.herancacultural.com.br) – Consultado em 23/04/2016

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Como a percepção da cor é o mais emocional dos elementos específicos do processo visual, ela tem grande força e pode ser usada com muito proveito para expressar e intensificar a informação visual. (DONDIS, 2007, p. 69)

As cores lisas e primárias estão presentes nas primeiras peças projetadas por

Tenreiro para a residência de Cataguases, os desenhos apresentados da decoração

da residência, que fazem parte do livro Tenreiro (CALS, 2000, p. 45), são perspectivas

colorida onde os estofados das poltronas e dos sofás são apresentados em azul e

vermelho, além do conjunto de poltrona e cadeira em couro trançado (figura 2), já

citada diversas vezes ao longo deste trabalho.

Na Cadeira de Três Pés, já estudada pela leveza de seu desenho, as faixas

de madeira unidas , tanto na

versão em duas madeiras

(figura 17), como nas

versões com três, quatro ou

cinco tipos diferentes de

madeira (figura 24), criam

uma única textura, um

listrado de faixas de

madeiras, um padrão

ritmado de cores. Porém, a

textura projetada e

executada com os encaixes

perfeitos das tiras geram um

padrão que é percebido

apenas visualmente e,

novamente o verniz e as

lixas dão conta de tornar a

superfície da cadeira em um

único e liso bloco estampado

em listras de madeiras

coloridas em frente e verso.

Figura 24 – Cadeira de Três Pés – Cinco Madeiras

Fonte: (http://passadocomposto.com.br) – Consultado em 20/04/2016

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A Cadeira Curva com Varetas (figura 25), já analisada pela leveza de seu

projeto, analisada sob uma

diferente ótica evidencia as texturas

que compõe sua estrutura, o

desenho do espaldar obtido pela

elevação da curva e cilindrica barra

de madeira que se ergue a partir do

assento em um movimento

parabólico deixa um rastro de finas

e ritmadas linhas, dando origem a

uma peça que além da leveza

possui movimento e ritmo. O

desenho formado pelas varetas do

encosto é uma textura intencional,

pensada em projeto e se une a

textura da palhinha utilizada no

assento, quebrando a rigidez da

madeira. A palhinha, estudada

como textura, está melhor

apresentada no final deste capítulo,

mas nesta cadeira sua trama

delicada e natural em composição

com a textura projetadas das varetas de madeira, dão origem a uma peça rica em

elementos texturais.

Figura 25 - Cadeira Curva com Varetas – Foto2

Fonte: (http://www.bolsadearte.com) – Consultado em 12/12/2016

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O Biombo em Imbuia (figura 26), projetado na década de 1950, é um exemplo

bastante significativo de como

uma textura pode partir de

uma intenção existente no

projeto, neste caso a própria

peça, resultado da

composição de ripas de

madeira articuladas, é uma

grande textura formada pelos

espaços preenchidos e

vazados. A articulação entre

as tiras de madeira que

formam o biombo proporciona

múltiplas composições e, por

consequência, diversas

texturas. Ao longo de sua

carreira, Tenreiro

desenvolveu um grande

número de biombos, as

peças eram criadas para

dividir os ambientes das residências que decorava.

Os paineis de madeira vazadas eram muito comuns antes da chegada de

D.João VI e da tranferência da corte portuguesa ao Brasil, eles eram encontrados nas

janelas e balcões dos sobrados do Rio de Janeiro e em grandes painéis nas varandas,

esses elementos da arquitetura contituem mais uma das influências vindas do oriente,

ainda que via Portugal. As janelas em xadrez mourisco com abertura em duas folhas,

conhecidas como rótulas foram proibidas logo que D. João VI chegou ao Brasil, a

intenção era aproximar a colônia da Europa e distanciá-la o mais rápido possível do

Oriente (FREYRE, 2002).

Para o úmido calor dos trópicos, as treliças proporcionavam ventilação, tanto

ao mobiliário quanto aos espaços internos das residências, principalmente nas

habitações urbana. Tenreiro utilizou a delicada textura das treliças nas portas de

Figura 26 - Biombo em Imbuia - Década de 1950

Fonte: (https://www.1stdibs.com) - Consultado em 12/12/2016

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armários, mesas e biombos, o trabalho de criar com madeira uma renda evidenciava

a grande habilidade que tinha no trato com as madeiras.

A foto com vista do mezanino do interior da loja de São Paulo (figura 27),

apresenta múltiplas texturas que podem ser observadas na parede divisória de

madeira, nos quadros, móveis, tapetes e luminárias, diversos elementos de decoração

em constante diálogo criam um ambiente dinâmico, exatamente como Tenreiro

defendia que devia ser a decoração moderna das casas brasileiras.

A decoração não é um meio de que nos servimos para esconder um canto feio, com artifícios, com elementos extras, mas uma força que modela, que cria móveis que preenchem finalidades funcionais e estéticas, cortinas que temperam a luz e tapetes que ligam a composição. (TENREIRO, Sobriedade, distinção e acolhimento, 1955)

Figura 27 –Loja de São Paulo - Foto 2 - Década de 1950

Fonte: (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 93)

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No detalhe da foto da filial de São Paulo (figura 28), podemos contemplar uma

mesa de centro em madeira com

detalhes vazados, uma delicada

trama que, no contexto geral do

ambiente surge como mais uma

das variadas texturas que

compõe a decoração. O desenho

de vazados no tampo da mesa de

centro faz precer que uma toalha

rendada envolve a superfície e,

em contrate com a poltrona de

linhas retas e superfícies planas,

cria para ela um foco de grande

atenção e confere ao espaço maior dinâmica visual.

A Mesa Retangular (figura 29), um projeto simples, composto por um tampo

e quatro pés palito tem

sua rigidez quebrada

pela treliça em ripas de

madeira disposta de

maneira a criar uma

trama geométrica, sobre

a trama quadriculada um

cristal transparente é

encaixado no mesmo

nível da moldura lateral

do tampo, a peça é apresentada como uma tela, onde a arte é a treliça emoldurada e

protegida por um vidro.

Figura 28 – Detalhe Loja de São Paulo – Mesa de Centro

Fonte: (http://ignezferraz.com.br) - Consultado em 26/04/2016

Figura 29 - Mesa Retangular com Tampo em Treliça

Fonte: (http://www.bolsadearte.com) – Consultado em 12/12/2016

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No pesado Armário com Portas em Treliça (figura 30) , o vazado desenho

das portas possibilitam a ventilação

interna do armário e diminuem a

rigidez e o peso da maciça peça de

jacarandá, um trabalho que evidencia

o artesanato desenvolvido pela

oficina de Tenreiro e aproxima seu

trabalho do mobiliário colonial luso-

brasileiro. As altas portas verticais

têm sua rigidez quebrada pelo

desenho de três quadrados formados

por uma sucessão de pontos que

convergem para o centro.

A textura das treliças, que

compõe as portas do Armário, criam

um foco de atenção visual e retiram

da peça parte do peso da rígida

estrutura em madeira.

A utilização das textura das treliças no mobiliário moderno brasileiro criou uma

ligação com elementos orientais que outrora fizeram parte da decoração e da

arquitetura do Brasil, vale ressaltar que também o mobiliário e a arquitetura em

Portugal sofreram forte influência oriental, portanto ao inserir os rendados planos em

marcenaria em seus móveis, Tenreiro faz referência não apenas aos costumes

orientais que foram apagados no Brasil, mas ao mobiliário de sua terra natal.

O biombo foi um importante elemento da decoração oriental incorporado aos

costumes de Portugal e de toda a Europa:

São, porém, os biombos que, pela sua superior qualidade, se revelam as peças mais representativas deste intercâmbio. Atestando o impacto destas peças, o termo japonês de biô-bu é integrado na língua portuguesa. (CARITA, 2011)

A inserção das treliças, tanto nas portas de armários e tampos de mesas,

como nas paredes de divisórias e nos biombos apresenta-se, também, como uma

maneira de aproximar o mobiliário moderno de valores tão caros aos brasileiros, a

Figura 30- Armário com Portas em Treliça - 1955

Fonte: (https://www.1stdibs.com) – Consultado em 12/12/2016

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diversidade das madeiras nativas e as texturas que fizeram parte da formação e da

colonização desse imenso território tropical, porém, é o uso da palhinha que confere

ao mobiliário projetado por Tenreiro sua textura mais característica. Já citada ao

tratarmos da leveza das peças projetadas por Tenreiro, a palhinha é, depois da

madeira, o material que mais representa a obra que desenvolveu.

Segundo pontua Tilde Canti em seu livro O Móvel no Brasil, o empalhado

chegou à Europa pelas mãos dos Portugueses que viajavam ao oriente no final do

século XVII, foi levado à Inglaterra, voltou à Portugal e no século XVIII passou a ser

muito utilizada nos assentos, quase sempre substituindo o couro lavrado com adornos

em pregaria (CANTI, 1985). No mobiliário brasileiro a utilização da palha em assentos

e espaldares é encontrada em peças que datam da segunda metade do século XVIII

e, no decorrer do século XIX, foi muito empregada nos assentos das marquesas,

canapés e cadeiras.

No decorrer do século XIX, mesmo com a chegada da Missão Artística

Francesa ao Brasil e com a abertura dos portos para os produtos de produção inglesa,

os móveis em palha continuaram a ser comuns nas decorações brasileiras, uma vez

que, tanto no mobiliário em estilo inglês como no estilo francês, os assentos e

espaldares empalhados eram muito comuns. Porém, no final do século XIX e início do

século XX sua utilização passou a ser mais rara, o ecletismo das decorações dos

palacetes substituiu os ventilados assentos empalhados pelos estofados em veludo

ou em tecidos com motivos florais.

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Tenreiro não tardou a inserir em seus móveis a textura da palhinha e, ainda

no ano de 1942 , criou a

Primeira Cadeira em jacarandá

com a inserção da palhinha,

mas é na Cadeira de Embalo

em Palha (figura 31), do ano de

1948, que o material ganha

maior destaque ao ser utilizado,

tanto no assento quanto no

espaldar alto, em contraste

com a rígida estrutura em

jacarandá. A peça é uma

versão moderna, de linhas

retas e fina estrutura de

madeira, das antigas cadeiras

de balanço do século XVIII e da

famosa cadeira de balanço

Thonet. A vista lateral da

cadeira de Embalo foi o

logotipo da loja Langenbach &

Tenreiro na década de 1950.

Na análise do próprio Tenreiro,

como já citado no estudo de

leveza, a utilização da palhinha no mobiliário brasileiro e o motivo que o levou a inserir

o empalhado nas peças modernas que criou, é o fato de ser o Brasil um país tropical

e a palhinha tornar o mobiliário mais ventilado:

Quando fazia móveis, a palhinha quase não existia mais, ninguém usava. Recoloquei a palhinha da tradição colonial. A palhinha vem da Índia e tornou-se uma tradição brasileira, por longos anos o Brasil usou a palhinha. (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 57)

A palhinha é um elemento bastante significativo do mobiliário brasileiro e

inserí-la no projeto do Móvel Moderno configurou-se como uma novidade que em

momento algum havia sido pensada pelos já citados decoradores e arquitetos

Figura 31 - Cadeira de Embalo em Palha - 1948

Fonte: (http://www.bolsadearte.com) – Consultado em 12/12/2016

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pioneiros do design moderno brasileiro. A união da textura da palha, em uma

referência ao mobiliário luso-brasileiro, com o desenho simples e leve do design do

mobiliário moderno, apresentou-se como uma forma de trazer, às peças que criava,

um pouco da brasilidade perdida nas decorações neoclássicas e revitalizar um

material que desde então passou a ser uma referência de móvel brasileiro.

A maneira como Tenreiro se utiliza da palhinha somada à solidez do

jacarandá aproxima muito mais seu mobiliário moderno das cadeiras do século XVIII,

produzidas tanto no Brasil quanto em Portugal, do que dos modelos em estilios

Francês e Inglês do final do século XIX.

Entre as criações de Tenreiro encontramos muitos assentos, mesas de centro,

mesas de jantar,

cadeiras de balanço,

sofás, poltronas,

banquetas e diversas

peças para

descanso, guarda e

apoio, porém,

desperta curiosidade

e admiração algumas

espreguiçadeiras que

projetou ao longo de

sua carreira.

A espreguiçadeira em Jacarandá e Palhinha (figura 33), cujo projeto data de

1947, não poderia estar fora da analise feita neste trabalho. A peça é uma composição

de quadros de palhinha emolduradas em jacarandá que articulam para proporcionar

conforto ao usuário e, graças a sua base curva, também possui um leve balanço, por

esse motivo ficou conhecida como Chaise-Longue de Embalo.

A Chaise-Longue de Embalo (Figura 32 e 33), assim como várias peças que

criou com a utilização da palhinha, possui uma versão em estofado. Entre os móveis

produzidas com acabamento em palhinha que possui uma versão em estofado de

couro ou tecido encontramos a Cadeira Curva com Varetas, a Cadeira Estrutural e a

Cadeira Curva, já apresentadas no estudo de leveza.

Figura 32 – Chaise Longue de Embalo Estofada - 1947

Fonte: (www.phillips.com) – consultado em 06/10/2016

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Figura 33 – Chaise Longue de Embalo em Palhinha – 1947

Fonte: (http://legadoarte.com.br) – Consultado em 12/12/2016

As peças desenvolvidas por Tenreiro ao longo de toda sua carreira são o

testemunho de sua grande capacidade em valorizar as caracteristicas da matéria-

prima que utilizava. Os veios da madeira, o brilho do couro, a delicada trama da

palhinha e as diversas texturas que utilizava nos projetos de suas peças, evidenciam

seu olhar atento para as matérias primas e suas caracteríticas naturais, porém, não

apenas a matéria-prima é valorizada nos projetos de Tenreiro, seu envolvimento com

o trabalho de designer permitia que, ainda nos croquis e projeções ortogonais

demonstrasse sua habilidade de desenvolver projetos ricos em movimento e ritmo,

criando o que podemos classificar como texturas projetuais.

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3.3. Organicidade

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Enquanto a leveza dos objetos criados por Tenreiro o aproxima da arquitetura

e do design moderno europeu de Walter Gropius e Le Corbusier e as multiplas texturas

utilizadas o aproxima do modernismo americano de Frank Lloyd Wright, a

organicidade pode ser considerada a caracteristica mais brasileira de sua obra.

As curvas das chaise longues, mesas, cadeiras, poltronas e sofás, os tecidos

acomodados sem tensão nos estofados ou a utilização da organicidade natural das

matérias-primas, aproximam sua obra do caráter orgânico do território brasileiro, da

abundante natureza das florestas, das montanhas e das paisagens cariocas ou até

mesmo dos morros das cidades mineiras, tão apreciadas por Tenreiro, que dizia se

refugiar nas cidades históricas de Ouro Preto e São João Del Rei em busca de

inspiração (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985).

A organicidade é encontrada na obra de Tenreiro, principalmente como

resultado de seus projetos de linhas curvas, dos braços de poltronas que se

prolongam em pés e dos tampos curvos que se dobram até tocar o chão, porém, seu

atento e sensível olhar artístico não deixou de captar a organicidade da matéria -

prima, trazendo para sua obra peças que evidenciam a organicidade dos troncos de

madeira, das mantas em couro, dos tecidos e das palhas.

Um formato orgânico, quando representa uma intenção de projeto, é o

resutado de um trabalho, tanto em desenho quanto em execução final do objeto, que

não evidencia o instrumento utilizado para sua execução, são curvas que se tocam e

se ligam com fluência e suavidade.

Um formato orgânico mostra convexidades e concavidades por meio de curvas que fluem suavemente. Também inclui pontos de contato entre curvas. Ao se fazer uma forma com um formato orgânico, todas as linhas devem ser controladas para minimizar indícios dos movimentos da mão. (WONG, 1998, p. 40)

Desde suas primeiras peças, ainda na decoração da residência de Cataguases,

quando seu trabalho na oficina Laubish & Hirth era o de reproduzir móveis de estilos

diversos, Tenreiro demonstrou que a organicidade seria uma constante em suas

criações.

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Na Espreguiçadeira de Tiras de Couro Tenreiro já demonstra seu gosto pela

criação de peças

orgânicas. A leve

espreguiçadeira, ao

ser observada em

sua vista lateral, não

apresenta, nem em

seus pés produzidos

em madeira, nem em

seu encosto revestido

de couro, nenhuma

linha reta, apenas

quando a olhamos de

frente percebemos

que parte de sua

estrutura, necessárias

para dar estabilidade à peça, são horizontais. A organicidade do assento e o desenho

dos pés proporcionam, para quem observa a Espreguiçadeira de Tiras de Couro, a

ilusão visual de que a peça descreve um voo, sensação intensificada pela cor azul do

couro.

A curvatura suave do assento, demonstra o artesanato bem executado dos

encaixes de madeira folheadas com lâmina de jacarandá, um artesanato muito

diferente do que era desenvolvido na marcenaria Laubisch e Hirth onde os móveis de

estilo traziam a marca do artesão e de seus equipamentos nos pés esculpidos com

ricos detalhes de patas de animais, sulcos, entalhes e machetarias. Porém é na

maleabilidade da trama, resultado do trançado entre as tiras de couro, o ponto mais

orgânico da peça, que aprersenta em seu desenho a organicidade de um corpo em

repouso.

Figura 34 – Espreguiçadeira de Tiras de Couro - 1942

Fonte: (http://www.asminasgerais.com.br, 2016) – Consultado em 23/04/2016

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Deve ser resaltada e evidenciada a atitude que permeia parte das criações

de Tenreiro de

trabalhar em suas

peças planos que se

curvam e criam uma

suave transição entre

encosto e assento,

braços e pernas e, no

caso da Mesa de

Trabalho (figura 35)

entre o tampo e o

plano que se prolonga

para sustentá-lo. O

tampo em madeira

laminada, apesar de

plano e rígido,

desenha uma curva de

90° e se prolonga até o piso em contraste com o geométrico e pesado gabinete onde

apoia sua extremidade oposta. É a diferença formal entre as duas partes da mesa que

intensifica a organicidade do plano do tampo, dando ao observador a ilusão de se

tratar de uma fina e maleável folha de papel.

A organicidade do tampo é intensificada pelos veios da madeira que,

utilizados no sentido longitudinal da peça levam o observador a percorrer o olhar pela

curva de transição entre os planos e retiram a rigidez das linhas retas que compõe a

mesa. A utilização dos desenhos naturais da madeira, de forma a intensificar a

curvatura do tampo, demonstram o casamento entre o olhar do artesão e o traço do

designer.

Figura 35 – Mesa de Trabalho – Década 1950

Fonte: (http://www.herancacultural.com.br) – Consultado em 23/04/2016

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96

A Poltrona Leve (figura 36), já analisada por sua característica mais marcante,

a leveza, apresenta em seu

desenho, o grande plano

estofado que compõem

encosto e assento sem

interrupções ou emendas

visíveis. A mesma opção de

projeto é utilizada nos pés e

braços cilindricos que, em

curvas perfeitas, compõem

um único conjunto. Uma

composição orgânica em

todos os elementos da

peça, uma intenção formal,

opção pela organicidade

desde a concepção da

peça. Nela, assim como na

Espreguiçadeira em Tiras

de Couro (figura 34), na

vista lateral não temos

nenhuma linha reta, mesmo

o assento, um plano quase horizontal, possue uma sutil curvatura. Os pés e braços,

unidos em uma única peça de madeira sem linhas retas também são um exemplo da

opção de Tenreiro por desenvolver uma peça orgânica. A curvatura dos pés, além de

tornar a peça mais elegante e menos rígida, proporciona à quem a observa uma

sensação visual de flutuar. O desenho orgânico da Leve é uma opção de projeto que

dá suporte a sua principal característica: a leveza.

Assim como nem todas as peças criadas por Tenreiro trazem o discurso de

leveza em seu desenho ou

evidenciam as texturas, nem

todas tem como linha mestra a

organicidade, porém, várias delas são ao mesmo tempo leves, ricas de texturas e

orgânicas e, um móvel que

Figura 37 – Cadeira de Três Pés – Cinco madeiras

Fonte: (http://passadocomposto.com.br) – Consultado em 20/04/2016

Figura 36 – Poltrona Leve – Foto 2

Fonte: (http://legadoarte.com.br, 2016) – Consultado em 12/12/2016

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contempla em seu projeto as três característica analisadas neste trabalho é a Cadeira

de Três Pés, o desenho da imponente cadeira, já analisada por sua leveza, apresenta

um único bloco que, em forma de concha desenvolve uma curva acentuada, que pode

ser verificada na foto da peça em perfil (figura 37). O desenho da cadeira demonstra

a mesma intenção verificada na Espreguiçadeira de Cataguases e na Poltrona Leve,

um desenho limpo e orgânico que em formato de concha anuncia abraçar e envolver,

apesar da dureza da madeira, única matéria prima utilizada, quem nela repousar. Os

pés em formato cônico, uma estrutura rígida projetada sem nenhuma intenção de

organicidade, apenas acentuam a curva que do plano que sustentam. Além do

desenho orgânico do bloco de madeira, deve ser verificada a intenção de despertar o

olhar para as diferentes tonalidades de madeira empregadas na produção da Cadeira

que, já estudada pela textura formada pelas coloridas faixas, demonstra a intenção de

enaltecer as características orgânicas da madeira, matéria-prima mais utilizada por

Tenreiro.

Algumas de suas peças podem, ao primeiro olhar, não ser identificadas como

orgânicas, porém, pequenos

detalhes de projeto

conferem-lhes uma maior

organicidade e retira-lhes a

rigidez, no caso da

Banqueta com Pés em

Ferro (figura 38), apesar do

desenho de linhas retas

paralelas e convergentes,

detalhes como uma leve

circunferência na transição

entre o plano horizontal do

assento e encosto e a suas

espessuras laterais surgem

como um diferencial do

projeto. A suave transição

entre assento e encosto

em um ângulo suave, a

Figura 38 – Banqueta com Pés em Ferro – Foto 2

Fonte: (http://www.garimpocontemporaneo.com.br/) – Consultado em 06/10/2016

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leve curvatura do plano do assento, os pés cilindricos e o recorte arredondado do

encosto possibilitam classificá-la como uma peça orgânica. Os desenhos das faixas

de madeiras de diferentes tonalidades que acompanham a curvatura do assento em

um perfeito artesanato de encaixes, levam o observador a percorrer com os olhos as

curvas da banqueta o que evidencia e valoriza os elementos orgânicos da peça.

O desenho da Mesa Triangular (figura 39), do ano de 1960, aponta para a

mesma atitude projetual que

verificamos na Mesa de

Trabalho e na Banqueta

com Pés de Ferro, conferir

ao objeto características

mais orgânicas a uma peça

que, por questões

funcionais, normalmente

seria uma rígida estrutura

em madeira. A quebra da

rigidez do grande plano

horizontal, necessário ao

design da mesa, pode ser

verificada no desenho arredondado do encontro entre as arestas da mesa, o que torna

a transição entre os lados do triângulo do tampo mais suaves. O recorte visual no

centro do tampo, já estudado como uma atitude de projeto capaz de tornar a peça

mais leve, aqui pode ser analisada por seu desenho orgânico, uma repetição das

curvas apresentadas na parte externa do tampo. O cristal brilhante, pintado em cor

amarela apresenta uma rigidez, característica própria do vidro, quebrada pelos veios

verticais dos pés de madeira.

Figura 39 – Mesa Triangular - Foto 2

Fonte: (http://casavogue.globo.com) – Consultado em 26/04/2016

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No Sofá Curvo (figura 40), peça que, com a Poltrona Curva com assento em

Concha (figura 15) forma

um conjunto para sala de

estarapesar do desenho

retilínio dos blocos de

almofadas quadradas do

assento, que seguem os

desenhos modernos, de

linhas retas e sem

ornamentos, os braços que

em uma curva delicada se

alongam pelo encosto e

pela base que sustenta o

assento, tranformam o

grande estofado de quatro lugares, em uma delicada e orgânica peça.

A atitude de tornar a transição entre planos mais suave pode ser constatada

em várias peças criadas por Tenreiro, porém, no sofá, diferente do que acontece com

o tampo da Mesa de Trabalho (figura 35), onde a curva retira a rigidez que se espera

de um tampo de madeira, no sofá revestido de tecido é necessário, para obter o

resultado orgânico do braço que percorre de forma suave todo o encosto e base da

peça, estruturar e negar a propriedade maleável do tecido que reveste o estofado.

A organicidade pode ser, como é possivel verificar nas peças já analisadas, a

negação das propriedades físicas da matéria-prima utilizada, fazendo com que

madeiras e tecidos descrevam curvas que não seriam possíveis sem a intervenção

direta, tanto da mão do artesão quanto do processo criativo do designer. Porém,

Tenreiro, um estudioso das matérias-primas que utilizava em seus móveis, não deixou

de explorar em sua obra a organicidade natural das madeiras, couros, palhas e

tecidos.

O conjunto de Cadeiras e Mesa de Centro (figura 41), que fazem parte do

mobiliário do Colégio de Cataguases, cujo projeto arquitetônico foi assinado por

Oscar Niemeyer na mesma época da construção da residência de Francisco Peixoto,

embora ainda traga estampado o selo da marcenaria Laubish e Hirth, é um exemplo

da intenção de explorar a organicidade da matéria-prima.

Figura 40 – Sofá Curvo - Década de 1960

Fonte: (http://revistacasaejardim.globo.com) – Consultado em 20/02/2016

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Na foto (figura 41) o plástico, que forma o encosto e o assento, substituiu, em

uma reforma, a lona do projeto original, também em cor azul, que já se encontrava

desgastada pelo uso. Porém, o resultado do conjunto, apesar do brilho do plástico,

não é afetado e as cadeiras trazem uma releitura das redes indígenas, com o tecido

preso somente pelas pontas de forma suave em uma espécie de cavalete de madeira

clara. O conjunto, resultado da apropriação do designer das propriedades orgânicas

do tecido, é um convite ao encontro descompromissado e relaxado de grupos de

estudantes. O tecido, preso sem tensão nos pés das cadeiras, se moldam ao corpo

de quem as utiliza.

As cadeiras do salão social do Hotel de Cataguases (figura 42), projetado no

ano de 1951, apresentam o mesmo partido de projeto do conjunto de cadeiras do

Colégio de Cataguases (figura 41), onde o tecido colorido é explorado em sua

organicidade, uma sugestão ao conforto esperado por quem utiliza a área de

convivência do hotel. Na mesma foto, em segundo plano, a cadeira de tecido

vermelho, além da organicidade do tecido solto no assento, apresenta as linhas curvas

e orgânicas na estrutura de madeira que sustenta a peça. Cabe verificar que a

madeira, que estrutura as cadeiras, é apresentada em seu aspecto mais natural

possível, com pouco verniz e sem brilho.

Figura 41 - Conjunto de Cadeiras Colégio Cataguases - 1943

Fonte: (http://www.asminasgerais.com.br) – Consultado em 23/04/2016

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O trabalho de utilizar a matéria prima e evidenciar suas características

orgânicas também

pode ser verificado

no Sofá com Mantas

Soltas (figura 43)

que forma um

conjunto com a

poltrona de mesmo

nome (figura 22),

utilizada como

suporte para o

estudo da utilização

das propriedas

texturais do couro.

Na peça as mantas de couro, que revestem o sofá, envolvem a estrutura de madeira

cilindrica em orgânicas dobras sem nenhuma tensão evidente, como se estivessem

realmente soltas.

Figura 42 – Vista Salão Social do Hotel de Cataguases - 1951

Fonte: (http://www.hotelcataguases.com.br) – Consultado em 18/12/2016

Fonte: (http://www.bolsadearte.com) - Consultado em 18/12/2016

Figura 43 - Corte Sofá com Mantas Soltas - 1955

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Vale ressaltar que a peça não possui nenhum canto vivo, ou seja, ângulos

entre a cilindrica estrutura que

sustenta o sofá e evidencia as

mantas de couro, destacando suas

propriedades orgânicas. A união

entre o projeto da maciça e tubular

estrutura de madeira e a

maleabilidade das mantas de couro

que, por receberem um estofamento

em espuma, anunciam o conforto

que aguarda seu usuário, pode ser

verificada no desenho técnico em

corte da peça (figura 44), onde é

possível entender a intenção de

fazer da rígida estrutura um suporte

que evidencia a maleabilidade das mantas de couro, propriedade natural da matéria.

A Mesa Tronco 2 (figura 46), apresentada aqui na versão de dois troncos e

já estudada sob a ótica da textura em sua forma de três troncos (figura 20), é um

exemplo de como Tenreiro se utilizava da organicidade da matéria, seja no desenho

natural das circunferências concêntricas, evidenciadas pela lustração da parte interna

do tronco, seja pelo desenho curvo dos dois troncos unidos pelas extremidades.

Percebe-se nessa peça o mínimo de intervenção possível do designer, apenas os pés,

a espessura das fatias de madeira e a posição em que foram unidas são resultado da

intenção de projeto, no mais, apenas técnicas para evidenciar o que o olhar atento do

artista para a principal matéria-prima de sua oficina já havia registrado.

Figura 44 - Sofá Com Mantas Soltas -1955

Fonte: (TENREIRO, Madeira Arte e Design, 1985, p. 86)

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Tenreiro produziu várias mesas tronco e, como o resultado final das peças

dependiam do desenho dos troncos das árvores, nenhum dos exemplares apresenta

a mesma dimensão ou desenho, nelas a organicidade natural dos troncos de árvore

é determinante no desenho dos contornos das peças.

Figura 45 – Mesa Tronco – Duas partes - 1958

Fonte: (http://www.bolsadearte.com) – Consultado em 18/12/2016

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A palhinha, matéria-prima já estudada pela leveza que confere aos móveis e

pela textura rendada que resulta

da insersão nos assentos e

encostos das cadeiras, poltronas e

espreguiçadeiras, não poderia

deixar de ser analisada sob a ótica

da organicidade. O empalhado,

quando inserido no mobiliário

moderno, apresenta a

organicidade do tecido de palha e,

como nas lonas e couros, a cria um

suave contraste com a dureza da

madeira que a estrutura. Na

delicada cadeira com assento e

encosto em palhinha, além das

formas orgânicas do desenho do

encosto e do assento em

circunferência, também a

organicidade do empalhado que se

molda a curvatura do encosto

pode ser verificado.

A organicidade, embora

não seja a mais evidente das características analisadas neste trabalho é a intenção

de projeto que mais evidencia a leveza e as texturas presentes na obra de Tenreiro.

As curvas suaves e orgânicas da Espreguiçadeira de Tiras de Couro, as linhas sinuosa

da Poltrona Leve, os cantos arredondados da Mesa Triangular e a organicidade das

formas, que compõe significativa parte de suas peças, contribuem para torná-las mais

leves. Ao explorar as características naturais da matéria-prima na Mesa Tronco, no

Sofá com Mantas Soltas e nos tecidos e palhinhas que revestem os assentos e

encostos de cadeiras, sofás e poltronas, de forma orgânica, Tenreiro acrescenta e

evidencia a textura dos materiais que utiliza em suas obras.

Figura 46 – Cadeira Pequena – 1960

Fonte: (https://www.1stdibs.com) – Consultado em 23/11/2016

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Figura 47 - Cadeira Curva com Assento em Palhinha

Fonte: (https://www.1stdibs.com) – Consultado em 19/12/2016

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O presente trabalho, que tem como tema central a obra do marceneiro,

designer e artesão Joaquim Tenreiro e sua capacidade de inserir elementos

brasileiros nas suas criações, conclui, por meio da análise das peças desenvolvidas

ao longo de mais de vinte anos de atuação profissional, ter sido ele um dos

precursores do Mobiliário Moderno Brasileiro.

A Cadeira Curva com Assento em Palhinha (figura 47), que ilustra a página

inicial das conclusões desta dissertação e encerra a análise da obra de Tenreiro

apresenta a síntese de seu trabalho. Reeditada ao longo de sua carreira, em sua

versão com assento em palhinha, acrescenta ao desenho orgânico do curvo encosto

em madeira e a leveza da fina estrutura que a sustenta, a textura do material que,

depois da madeira, foi o mais utilizado nas peças que criou.

Embora sua obra tenha sido desenvolvida de forma artesanal, contrapondo-

se à visão do Movimento Moderno de Arquitetura e Design, e sua defesa do

artesanato, por diversas vezes, o tenha distanciado dos ideais modernista, o resultado

estético de suas peças, analisadas neste trabalho sob a ótica da leveza, texturas e

organicidade, demonstram o seu estreito vínculo com o Design Moderno da primeira

metade do século XX.

A leveza de seus móveis, busca constante de seu trabalho, aproxima o

resultado das peças simples que projetou, de linhas finas e suaves, do design racional

preconizado pelos fundadores da Bauhaus e pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier.

Porém, sua busca pela leveza e racionalidade não o impediu de trabalhar com as

texturas das madeiras, palhas e couros, tão importantes na criação de um vernáculo

para os interiores das residências brasileiras que, desde o final do século XVIII,

perdera sua identidade.

Nas suas múltiplas texturas, o trabalho de Tenreiro mais se aproxima do

design moderno americano de Frank Lloyd Wright, principal arquiteto proponente de

uma arquitetura vinculada ao território e à matéria-prima local.

Ao explorar em suas peças o desenho dos veios das madeiras, do brilho do

couro tratado e do rendado da palha, Tenreiro cria um móveis que indicam o rumo a

ser tomado pelos designers modernos que seguiram suas trilhas. Porém, ao projetar

texturas em seus biombos, painéis, cadeiras e tampos de mesas, Tenreiro faz uma

ligação entre o móvel brasileiro e nossas raízes luso-brasileiras, repleta de cores e

texturas, sob a influência oriental.

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Na organicidade, presente nas linhas de seus móveis e na utilização das

características da matéria-prima que empregava em suas peças, sua obra encontra

seu caráter mais brasileiro e, como bem pontua a jornalista Márcia Cezimbra na

manchete do dia 23 de junho de 1982, anunciando seu sepultamento, faz "o Brasil se

sentir em casa".

Seus móveis modernos, produzidos intensamente em sua oficina nos anos de

1940, 1950 e 1960, foram expostos, em suas lojas, em ambientes bem decorados,

como uma forma de ditar tendências e criar um diálogo entre as peças que produzia

e os interiores que decorava e, embora seu compromisso maior fosse com a criação

de suas esculturas em forma de móveis, Tenreiro não perdia de vista os ambientes

que abrigariam tais peças.

A divisão adotada para a análise do vigoroso trabalho desenvolvido por

Tenreiro, apresentou-se como a melhor forma de estudar elementos de suas obras

sem dividi-las de forma cronológica ou por materiais utilizados, porém, a riqueza das

peças que criou tornou necessário analisar algumas de suas criações sob mais de

uma das óticas estudadas, o que demonstra a pluralidade e a riqueza de seu legado.

Embora tenha defendido o mobiliário e a decoração moderna, ainda que no

sentido contrário do movimento moderno com uma produção artesanal, o que se

conclui após a análise das peças selecionadas para o desenrolar desta dissertação é

que seu maior compromisso sempre foi com o resultado das peças que desenvolvia.

As linhas sutis e limpas e os espaços vazios que resultavam na leveza da sua obra,

as múltiplas texturas e as linhas orgânicas que tanto aproximam seu trabalho da

criação de um design vernacular, definem a sua perseguição ao melhor resultado de

suas esculturas "funcionais" no espaço que as abriga.

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