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Universidade Presbiteriana Mackenzie Edilene Silveira Alessi Lautenschlaeger O DESENHO COMO MÉTODO de INVESTIGAÇÃO do PROCESSO de PROJETO DO
ARQUITETO EDUARDO SOUTO de MOURA
São Paulo 2017
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Edilene Silveira Alessi Lautenschlaeger
O DESENHO COMO MÉTODO de INVESTIGAÇÃO do PROCESSO de PROJETO DO
ARQUITETO EDUARDO SOUTO de MOURA
Dissertação de Mestrado apresentado á Universidade Presbiteriana Mackenzie
Orientador- Profº Rafael Antônio Cunha Perrone
São Paulo 2017
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L389d Lautenschlaeger, Edilene Silveira Alessi O desenho como método de investigação do processo de projeto do arquiteto Eduardo Souto
de Moura / Edilene Silveira Alessi Lautenschlaeger. – 2017. 123 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2017.
Bibliografia: f. 116-122. Orientador: Antônio Rafael Cunha Perrone
1. Desenho. 2. Eduardo Souto de Moura. 3. Casa das histórias. I. Título.
CDD 712.0221
145 f.:il. ; 30cm.
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Agradecimentos A todo o corpo de professores da Pós Graduação que se esforçam em nos conduzir ao caminho
correto para o enfrentamento de nossa pesquisa.
Agradeço ao meu orientador que já foi meu professor na Graduação, e agora na etapa do
Mestrado mostrou-se mais amigo do que Mestre, sem perder de vista sua tarefa de me ajudar a
construir um trabalho sério, ético e produtivo do ponto de vista da disciplina.
Agradeço ao meu esposo e companheiro que não me deixou desistir quando as portas pareciam
todas fechadas.
E agradeço principalmente a DEUS, que literalmente
carregou-me nos braços quando minhas forças se acabaram.
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OBJETIVO
Na pesquisa em arquitetura, além de requerimentos teóricos e procedimentos operativos
baseados em metodologias e regulamentos técnicos, observamos também a parte
sensível da criação. O projeto arquitetônico como todo processo de concepção não é
claro, simples e direto, possui uma margem de imprecisão, subjetividades que aparecem
em cada solução diferenciada, em cada percurso gerador da obra.
O objeto desta pesquisa é a análise destes percursos utilizados pelo arquiteto português
Eduardo Souto de Moura, na concepção e desenvolvimento de seus projetos. É grande
o reconhecimento de seu trabalho, tanto em terras portuguesas como em outros países
e suas obras foram amplamente divulgadas após a sua premiação do Pritzker em 2011.
Ao estudarmos os documentos utilizados no processo de concepção de Souto de Moura,
podemos observar seu modo particular de perceber o mundo, a singularidade do seu
olhar associada à natureza de suas escolhas. Na tentativa de interpretação dessas
subjetividades, podemos sustentar uma rede relações, que culmina com os processos
de concepção de seus projetos. Essas investigações podem trazer novos instrumentos
para uma reflexão teórica da sistematização da prática arquitetônica, com ênfase nos
processos de percepção, apropriação e transformação do mundo, que não podem ser
dissociados do discurso projetual do arquiteto.
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RESUMO
Em uma atualidade conectada ao mundo digital em vários níveis, o desenho, ferramenta
de trabalho do arquiteto também se modificou, porém para alguns profissionais de uma
geração formada na construção de esboços e croquis à mão livre, essa metodologia de
trabalho persiste, e se transforma em objeto de estudo, este é o caso do arquiteto
português Eduardo Souto de Moura.
Seus projetos nascem de croquis em perspectiva que já contém uma forte identidade
figurativa do edifício e do lugar. Para o arquiteto desenhar é solucionar problemas, e
seus cadernos de desenho são sua biblioteca particular a que ele recorre
eventualmente.
Eduardo Souto de Moura frequentemente coloca sua ambição de uma arquitetura
anônima, construir no tempo e no espaço com a sabedoria de mil anos. Ao longo de sua
caminhada profissional adotou várias referencias no seu trabalho, mas sempre
reinvidicou o direito à diversidade, como a arquitetura de Mies de onde resgata regras
clássicas de composição, as analogias ao mundo de imagens que o cerca, estudo do
sítio com pesquisas históricas, todo esse material lhe serve de repertório para seus
projetos, e principalmente as lições de profissionais que estiveram e ainda estão
presente na sua formação, e no seu convívio.
Palavras chaves – Desenho - Eduardo Souto de Moura – Casa das Histórias
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ABSTRACT
In a contemporary world at various levels, the design, the architect's work tool also
changed, but for some professionals of a generation formed in the construction of
sketches and freehand sketches, this working methodology persists, and becomes a
study object, this is the case of the Portuguese architect Eduardo Souto de Moura.
Their designs are born from perspective sketches that already contain a strong figurative
identity of the building and place. For the architect to draw is troubleshooting, and his
drawing notebooks are his private library to which he eventually appeals.
Eduardo Souto de Moura often puts his ambition to an anonymous architecture, build in
time and space with the wisdom of a thousand years. Throughout his professional walk
has adopted several references in his work, but always claim the right to diversity, as
Mies's architecture from where he rescued classical composition rules, analogies to the
world of images that surround, study the site with historical surveys, all this material
serves him repertoire for his designs, and mainly the lessons of professionals who have
been and are still present in their formation And in your conviviality.
Keywords – drawing – Eduardo Souto de Moura – House of Stories
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SUMÁRIO Objetivo...................................................................................................................................................5 Resumo.......................................................................................................................................................6
Abstract......................................................................................................................................................7
Capítulo I
I. Desenho e projeto de arquitetura - Fundamentos das relações..................................10
Capítulo II
2. O arquiteto e seu país
2.1 Portugal - contexto historiográfico..............................................................................15
2.2 Eduardo Souto de Moura – Vivências........................................................................20
Capítulo III
3. A importância do Desenho
3.1 Escola de Belas Artes.....................................................................................................29
3.2 Escola do Porto.................................................................................................................32
Capítulo IV
4. O arquiteto e suas ferramentas projetivas
4.1 Os cadernos de desenhos..........................................................................................43
4.2 A presença de Mies Van der Rohe..............................................................................53
4.3 Analogias e Referências.................................................................................................61
Capítulo V
5. Casa das Histórias Museu Paula Rêgo - Análise de Projeto
5.1. Contexto.............................................................................................................................72
5.2. Lugar...................................................................................................................................79
5.3. Implantação.......................................................................................................................83
5.4. Forma..................................................................................................................................88
5.5. Circulação..........................................................................................................................99
5.6. Iluminação........................................................................................................................104
5.7. Materialidade...................................................................................................................109
Considerações Finais........................................................................................................................116
Referências Bibliográficas..............................................................................................................118
Anexo I – Casa das Histórias – Projeto Completo................................................................130
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“De tudo que se faz, permanece a poesia, vital para as pessoas e para a história”.
https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjaufOH6rDQAhUIQ5AKHY32CsQQjRwIBw&url=http://www.archdaily.com.br/br/office/eduardo-souto-de-moura/page/2&psig=AFQjCNHHYPRM_QQMkYuc0WGrbqTB98aZSg&ust=1479507715647769
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CAPÍTULO I
1. Fundamentos das relações: Desenho e Projeto de Arquitetura
A arquitetura do terceiro milênio não se limita apenas às questões espaciais e à estética
da forma do edifício. A complexidade do mundo atual pede abordagens diferenciadas e
sensíveis para as necessidades do indivíduo, da coletividade, de forma que não possam
ser trabalhadas somente de maneira conceitual e racional.
Até mesmo grandes e conhecidos arquitetos não inventam as realidades da arquitetura,
eles revelam o que já existe e o que potencialmente pode vir a existir, não somente
através da resolução de problemas colocados no projeto, mas também na expressão de
suas experiências de vida, suas sensibilidades éticas e estéticas, sua visão de mundo,
entrelaçando os universos internos e externos. O arquiteto português Alexandre Alves
Costa em um de seus textos para os Cadernos da Universidade do Porto também cruza
o mundo existencial do profissional com a disciplina:
A arquitectura não se inventa, avança sobre o real por pequenos passos, por pequenos distúrbios da realidade. Ela é sempre uma reavaliação da memória. Daí a importância da intuição, depois de aprender a ver a arquitectura e a sua relação com a vida. A história da arquitectura é, assim para os arquitectos, matéria instrumental, não para fazer história, mas para lhe dar continuidade. (COSTA, 2012, p.10)
O processo projetual do arquiteto se desenvolve de forma intuitiva e criativa, na forma de
incorporação e síntese, entre o corpo de conhecimentos disciplinares, e a realidade
prática da obra. Assim como a manipulação de uma ideia inicial de projeto aonde o
arquiteto vai moldando e construindo, a pesquisa acadêmica de certa maneira também
se desenvolve nesse ir e vir de informações recolhidas, cruzadas e reformuladas para
montar uma rede de relações onde possamos encontrar respostas às questões
colocadas. Dentro da complexa organização do pensamento que rege a atividade
artística, os processos de criação, assim como a intuição, articulam-se com o nosso ser
sensível, permitindo transpor possibilidades latentes para o mundo, como coloca Fayga
Ostrover:
Ao transformarmos as matérias, agimos, fazemos. São experiências existenciais – processos de criação – que nos envolvem na globalidade, em nosso ser sensível, no ser pensante, no ser atuante. Formar é mesmo fazer. É experimentar. É lidar com alguma materialidade e, ao experimentá-la, é configurá-la. [...] sempre é preciso fazer (OSTROVER,
2013, p.69).
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O ato criador não significa poder fazer qualquer coisa, em qualquer lugar, sob quaisquer
circunstâncias. Há uma constante linha de tensão entre o limite e a liberdade criativa.
Um limite baseado em restrições internas ou externas à obra, que muitas vezes
funcionam como mola propulsora do ato criativo, quando o artista se propõe a superar
os obstáculos.
A criação, como um processo em rede, destaca o estabelecimento de relações; no entanto, para compreender melhor o ato criador, interessa-nos a natureza desses vínculos, que podem ser observados sob o ponto de vista das singularidades das transformações operadas. Essas transformações acontecem nos modos como se dá a percepção do artista, nas estratégias da memória, nos procedimentos artísticos agindo sobre as matérias primas e na força da imaginação. (SALLES, 2010, p.26)
O impulso criativo frequentemente trabalha como se imagens e palavras fluíssem
independentemente do desejo e da intenção do criador. Durante o árduo processo de
criação, além de impulsos do inconsciente, informações de todo tipo, conhecimentos,
conjecturas, dúvidas, enfim, tudo o que o homem pensa e imagina, estará impregnado
em sua obra. Na transposição de vivências e valores para a linguagem expressiva,
encontramos as especificidades de cada artista, para Peter Zumthor, projetar em
arquitetura significa cooperação entre intelecto e emoção (2009, p.21). O filósofo Henry
Bergson confirma essa ideia;
Tem-se, portanto razão em dizer que o que fazemos depende daquilo que somos; mas deve-se acrescentar que, em certa medida, somos o que fazemos e que nos criamos continuamente a nós mesmos. Essa criação de si por si é tanto mais completa, aliás, quanto melhor raciocinarmos sobre o que fazemos. (2005, p.07)
Na sua tarefa de trazer respostas adequadas para questões e contextos colocados no
projeto, a arquitetura é uma disciplina complexa. É técnica enquanto sujeita a
regulamentos técnicos e metodológicos, mas pode ser arte, cujo repertório se compõe
de ambiguidades e percepções, experimentações e vivências, ou seja, uma síntese do
ser interior. O arquiteto Pallasmaa sintetiza: “Penso que a disciplina da arquitetura deve
estar embasada em uma tríade de análise conceitual, execução de arquitetura e
experiência – ou encontro – em todo seu escopo mental, sensorial e emocional.” (2013,
p.150).
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A disciplina da arquitetura repousa sobre um conjunto de princípios, que podemos
chamar de fundamentos, dos quais o desenho é o principal. Desenhar para os
arquitetos, é lançar uma proposição investigativa da realidade.
Na construção de uma ideia arquitetônica podemos sugerir um paralelo entre a literatura
e a arquitetura, onde o desenho é um texto sendo construído passo a passo. Desenhar é
pensar, e cada linha traçada é como a escolha da palavra certa na construção deste
texto. Cada esboço ou desenho contém parte do universo particular do arquiteto, e ao
projetar o arquiteto “passeia” entre o desenho físico e sua imagem mental. “Desenhar é,
ao mesmo tempo, um processo de observação e expressão, recepção e doação”.
(PALASMAA, 2013, p.92)
Em arquitetura, o desenho desempenha um papel fundamental através de sua inserção
em uma rede de referências. Expressões como “o arquiteto teve uma ideia”, ou o
“arquiteto desenhou uma ideia”, refletem a intimidade do profissional com o ato criativo,
como relata Souto de Moura: “Na realidade, ao desenhar um esquisso, sou eu quem
estou a olhar para a montanha ao longe tentando incorporá-la ao projecto;” (MOURA,
2008, p.62)
Para Vittorio Gregotti o ato de desenhar é para o amigo Álvaro Siza não só um tipo de
escrita, mas um método de aproximação do projeto. O papel é o primeiro contato, e
através de gestos no papel vão se definindo direções, organizando percursos,
procurando tensões e relações de forma que essas ressonâncias mantenham a
identidade original, elevem a uma organização do espaço e desenvolvimento do projeto.
”Desenhar é para ele também um modo de tomar contato físico com a folha branca, de
exercitar a memória e o prazer de uma antiga sapiência dos gestos e do olho.” (SIZA,
2007, p.13)
Para Derdik (2010) desenho como linguagem, atravessa a história e as fronteiras
geográficas e temporais. Exercício da inteligência, ele é desejo e vontade do criador
para revelar-se. Viaja lado a lado com a rapidez do pensamento, responde às urgências
expressivas, utilizando o mínimo de concretude com o máximo de atuação.
Representar uma ideia por meio de um desenho não se limita a uma imagem figurativa,
mas articula a mente do artista com o mundo, em uma complexa rede de
conhecimentos, vivências e reflexões. Para os arquitetos desenhos representam sua
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linguagem, não são apenas formas sendo retratadas, mas são pensamentos que
orientam suas mãos. Para Palasmaa :”É impossível saber qual surgiu primeiro: a linha
no papel ou o pensamento, ou a consciência de uma intenção. De certo modo, a
imagem parece desenhar a si própria por meio da mão humana.” (PALASMAA,
2013,p.94). Enfático defensor do desenho, para o arquiteto para Michael Graves
arquitetura e desenho são indissociáveis, não importa o quanto evolua a tecnologia dos
programas computacionais:
Desenhos não são somente produtos finais: eles são parte de um processo do desenho de arquitetura. Desenhos expressam a interação das nossas mentes, olhos e mãos. Esta é a última e crucial razão para diferenciar aqueles que caminham em um processo conceitual para arquitetura e aqueles que somente usam o computador para desenhar. (GRAVES, Michael. A arte perdida do desenho) http://www.nytimes.com/2012/09/02/opinion/Sunday/architecture-and-the-lost-art-of-drawing> Acesso em: 15 jul.2012 (tradução autora)
“O desenho é um dos primeiros momentos no desenvolvimento do projeto, é um
processo concreto”. (LAPUERTA, 1997, p.91). Desenhar é riscar, arriscar, tentativa
inicial de transformar pensamento em objeto comunicativo. O primeiro ato é imaginar e
desenhar, e redesenhar, depois construir uma maquete, estudar o sítio, o edifício, a
escala, volta-se ao desenho, e assim vai se estabelecendo uma circularidade entre
desenho e realização. Sobre a repetição e a prática, observa Renzo Piano: “É
perfeitamente característico da abordagem do artífice. Ao mesmo tempo pensar e fazer.
Desenhamos e fazemos. O ato de desenhar [...] é revisitado. Fazer e refazer e fazer
mais uma vez”. (SENNET apud ROBBINS, 1994, p.126).
Um ponto importante para maioria dos arquitetos, é que os primeiros croquis não agem
como instrumento mas como gerador de novos caminhos. Ferramenta aberta a
possibilidades, os croquis se caracterizam justamente pela rapidez , densidade e
diversidade de interpretações. Atuam na geração de imagens arquitetônicas, não como
um fim em si mesmo, mas como um processo provocativo de perguntas e respostas,
pois os arquitetos parecem identificar muito mais informações nos seus esboços do que
eles realmente parecem conter. Segundo Nelson Goodman: “Os documentos dos
arquitectos são uma mescla curiosa”. (LAPUERTA, 1997, p.69). Para o arquiteto e
professor Rafael Perrone a importância do desenho ultrapassa o esboço do lápis e
papel:
http://www.nytimes.com/2012/09/02/opinion/Sunday/architecture-and-the-lost-art-of-drawing%3ehttp://www.nytimes.com/2012/09/02/opinion/Sunday/architecture-and-the-lost-art-of-drawing%3e
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O desenho não só expressa uma obra, ele representa sua intencionalidade. No conhecimento e produção de obras, desenho e edificação cruzam-se constantemente. O signo que substitui, representa, também pré-figura, constitui e opera sobre novas concepções. (PERRONE, 1993 p.54).
O desenho vai ser um dos principais fundamentos da Escola do Porto, como resume
arquiteto e professor Alexandre Alves Costa:
A arquitetura não se ensina, aprende-se projetando. Não se ensinam linguagens codificadas, mas aprendem-se nas escolas os instrumentos para o exercício projectual, sendo o desenho um instrumento privilegiado para a descrição, interpretação e construção da proposta transformadora. (COSTA, 2012, p.10)
A Faculdade de Arquitetura do Porto vai se formar a partir do desmembramento da
Escola de Belas Artes, onde o desenho desempenha um papel relevante, e a ênfase no
conhecimento da realidade com foco no desenho será uma das premissas da chamada
Escola do Porto.
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CAPÍTULO II
Arquiteto e seu País
Não sei se as minhas obras foram excepcionais, mas este prémio é excepcional. Prefiro pensar que sou normal. Mas tem algum significado a entrega do prémio a um arquitecto do país mais marginal da Europa e talvez o menos vistoso dos arquitectos portugueses.
Eduardo Souto de Moura
2. 1. Portugal – Contexto Historiográfico
O homem como produto de uma cultura, possui determinados valores específicos e
modos de interpretar esses valores diante da sociedade e do mundo. A arquitetura como
atividade humana inserida nesta cultura, sofre o peso da narrativa histórica e suas
consequências, através de conceitos e reflexões que posteriormente orientarão a práxis.
Em uma análise dos processos projetivos do arquiteto Souto de Moura, não se pode
desconsiderar o quadro e as circunstâncias da história de Portugal no desenvolvimento
de sua formação arquitetônica.
Portugal com suas antigas fronteiras, sua atual uniformidade linguística e sua tradicional
unanimidade religiosa, poderíamos presumir a existência de uma comunhão e uma
manifestação de uma maneira de ser homogênea no seu território. No entanto Portugal
é um país com enormes variações regionais, mais que generalizar, suas diferenças se
contrastam e complementam em uma pluralidade de territórios e comunidades.
Para se entender um pouco a cultura portuguesa, precisamos voltar no tempo. O Reino
de Portugal foi fundado em 1139 entre os rios Minho e Douro, e com a estabilização de
suas fronteiras em 1297, tornou-se o país com as fronteiras mais antigas do continente
europeu. O atual território continental português constituiu durante a maior parte da sua
História, apenas um ponto de partida da unidade política chamada Portugal, devido
primeiro à expansão Ibérica e depois ás ilhas do Atlântico, África, América e Oceania.
Até independência das últimas colônias em 1975, Portugal continental era apenas uma
sede.
Portugal é um país relativamente pequeno e isolado. Faz fronteira com a Espanha de
um lado, e o Oceano Atlântico do outro. Esta situação geográfica, na qual a única
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abertura se dava ao mar, foi uma das razões que impulsionaram a navegação do séc.
XIII e XIV, e em consequência contribuiu para o poder de Portugal sobre suas colônias
na época. O jornalista português José Manuel Fernandes em um artigo para o Boletim
dos Arquitectos (FERNANDES, 2012, p.6) escreve sobre a internacionalização da
arquitetura portuguesa, e faz um interessante paralelo ao colocar que este fenômeno,
vem ocorrendo desde o século XV.
O processo conhecido como Expansão Marítima, as conquistas de vários e sucessivos
“impérios” transoceânicos, e a construção de várias cidades além-mar, atravessaram
seis séculos, dos anos de 1400 ao século XX. Todo esse esforço, contudo, cobrou um
alto preço do país, no final do séc. XIX, o país enfrentava uma sucessão de problemas à
medida que começou a perder as antigas colônias e enfrentar dificuldades econômicas.
Dentro do continente português algumas particularidades irão estabelecer o modo de
desenvolvimento de sua cultura e economia. Na geografia do país, por exemplo, suas
montanhas peninsulares possuem diferentes altitudes e cortam o território português em
vales, montanhas e planaltos relativamente isolados e diferenciados o suficiente para
que seus habitantes tenham desenvolvido formas contrastantes de relação entre si e o
meio natural.
Em 1946 o geógrafo Orlando Ribeiro em seu livro Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico,
sistematizou a variedade do território em três sistemas ecológicos: norte atlântico, norte
interior ou transmontano, e o sul mediterrâneo. O Sul possui 62% de suas terras baixas,
com apenas uma serra de 1000m de altitude. Já na região Norte, 95% das terras estão
em terreno de mais de 400m de altitude. O Norte é uma região úmida e chuvosa e o Sul
possui uma estação bem seca e verões muito quentes.
Isso gerou o isolamento de uma população em regiões onde havia apenas uma forte
ação histórica (romana) em contraste com as portas de entrada do sul e suas constantes
invasões, sob influência de diversas culturas mediterrâneas: fenícias, gregas, e a
ocupação romana e árabe que deixaram no sul uma cultura, uma língua, estruturas
familiares e práticas religiosas, e até opiniões políticas divergentes. (RAMOS,
www.esferadoslivros.pt, 2014)
Souto de Moura em uma entrevista sobre a restauração do Mosteiro do Bouro faz uma
interessante colocação sobre essas diversidades da geografia do território português
http://www.esferadoslivros.pt/
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nas regiões: “Orlando Ribeiro fala muito bem, do granito duro do norte e celta, com a
cultura árabe macia e mole, no sentido plástico, achei muito interessante.” Disponível em:
Acesso em:11jan. 2016.
Em um país de pequenas comunidades rurais, dificuldades de produção agrícola e
dependente de matérias primas, Portugal foi um dos poucos países durante o século XIX
e XX onde a industrialização não ocupou a maior parte da população ativa. O arquiteto
Fernando Távora assistiu todo esse atraso do país, e o sofrimento de seu povo:
A vida não foi fácil para os portugueses. Pobreza em seu próprio país, a busca de maior felicidade em outro lugar em um mundo que tinha aberto a expansão, permanentes dificuldades com o clima, etnias e culturas diferentes e, em arquitetura, a necessidade de criar soluções que eram menos acadêmicas e mais híbridas, rápidas, flexíveis e adaptadas. Não só: sempre ter que viver com um sentimento de pesar, a memória de alguém, algo ou algum lugar que tinha sido abandonado - senão a memória de alguém, algo ou algum lugar que eles ainda não tinham conhecido e de que eles nem sequer sabiam se havia existido ou foi apenas imaginação”. (VITALE apud Távora, 1997) (tradução autora)
A consequência desses fatores resultou que os portugueses estiveram implicados nos
grandes êxodos da Europa para a América e da Europa do Sul para o Norte. A
proporção da emigração no fim do séc. XIX e início do século XX foi de tal modo que
passou a depender de políticas conjunturais do Estado para sua diminuição, nas
décadas de 1930 e 1940, isso contribuiu para Portugal manter sempre a mais baixa
densidade do ocidente.
Em 1933 com o regime do Estado Novo, uma nova situação se apresenta, com a
instalação de um regime fascista em que dominava a autopromoção nacional. A partir
dos novos valores defendidos, gerou-se um enorme centralismo no país que se refletiu
no desenvolvimento de apenas algumas cidades portuguesas. Lisboa passou a estar
claramente na proa do barco, com a reconstrução de monumentos e palácios, abertura
de avenidas e edificações de grande porte do Estado, enquanto o restante do país ficou
esquecido, quase ao abandono. Agravando as circunstâncias, a ideologia do radical
nacionalismo, tratava tudo o que estava dentro das fronteiras do país de modo
igualitário, de norte a sul, de leste a oeste ignorando-se a extrema diversidade de
Portugal.
http://expresso.sapo.pt/premio-pessoa/laureados/2010-10-31-Laureado-Premio-Pessoa-1998---Eduardo-Souto-de-Mourahttp://expresso.sapo.pt/premio-pessoa/laureados/2010-10-31-Laureado-Premio-Pessoa-1998---Eduardo-Souto-de-Moura
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Em 1961 foi publicado o documento Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa até
então, o primeiro estudo sobre a arquitetura vernacular de Portugal. Segundo LAND,
quem folhear este estudo abre-se para a diversidade do território português e suas
paisagens e os materiais utilizados presentes até hoje (2005, p.13). A necessidade deste
estudo era reivindicada pelos arquitetos, mas somente teria inicio nos anos cinquenta de
1955 a 1961. Os esforços necessários para se obter um conhecimento da arquitetura
tradicional portuguesa, estavam na base de uma resistência contra a Teoria da Casa
Portuguesa (LAND, 2005) cujo seu maior protagonista era Raul Lino. Esta arquitetura
feita pela elite em cidades como Cascais e Lisboa, tinha como ideal passar uma imagem
da arquitetura portuguesa regional e kitsch (notadamente neoclássica), em uma época
nacionalista, e esta arquitetura eclética serviria aos interesses de uma política que
cultivava as aparências em detrimento dos problemas reais do país. Por outro lado o
Inquérito também formulava críticas ao movimento moderno dos encontros do CIAM,
pois em Portugal já nos anos 1940 e 1950, a importância do contexto e do lugar era uma
realidade para os arquitetos de Portugal.
Após 25 de abril de 1974, um das questões problemáticas do país a ser colocadas para
os primeiros governos provisórios é o “direito à habitação”. É um momento-chave, em
que o arquiteto surge como agente social, tentando melhorar as condições de vida das
pessoas. O processo SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), lançado por Nuno
Portas, então secretário de Estado da Habitação, torna-se marcante entre 1974 e 1976,
e Eduardo Souto de Moura ainda na faculdade participa do projeto, e conhece Álvaro
Siza, que na época não era professor da Escola, mas a pedido dos estudantes vai
monitorar os trabalhos:
[...] a experiência SAAL e o projeto Bouça Porto, posterior à Revolução de Abril foi muito estimulante, porque vivíamos um momento que nos tocava a todos não só como arquitectos. Ainda por cima, foi praticamente a minha oportunidade de trabalhar no centro da cidade (Porto) e num projecto para um grupo de vivendas, não para um edifício isolado [...] A acção era muito apaixonada, quase fulminante, não era um momento ideal para reflexão, era um momento para a acção, se é que se pode separar uma coisa da outra, e então [...] caímos na tentação de questionarmos toda essa acumulação de experiência ou de aprendizagem [...] as pessoas que optaram por recuperar as casas exigiam: “não queremos discutir mais estas coisas, vamos fazer os detalhes, as janelas, as portas, etc. Foi muito divertido ver os estudantes–porque várias intervenções realizadas foram feitas por estudantes e professores – voltarem ansiosamente à escola e dizerem temos que
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saber fazer detalhes de janelas e essas coisas horrorosas! [...] (BELEM, www.incm.pt ,2015)
Com a deposição do Estado Novo, uma nova constituição entra em vigor, e os
portugueses voltam-se para a Europa após décadas de introversão. A Espanha também
sai de um governo ditatorial em 1975, e depois de séculos de desavenças com os
portugueses, abre-se a fronteira que tinha dividido o mundo em 1494. Em 1986 celebra-
se então a adesão destes dois países à União Europeia.
Pela primeira vez a Europa é o foco central de Portugal, e assim como foi absorvendo
durante séculos as influências culturais das antigas colônias, recebe agora as influências
da Europa Central. Esta dinâmica refletiu-se na arquitetura e na construção, pois
enquanto nos anos 1970 o Estado sustentava a atividade da construção habitacional
como prioridade, agora o interesse pela modernização do país vai ser dirigido para uma
nova infraestrutura, com surgimento de bibliotecas, praças, quartéis, centros de saúde.
Somente a partir do início dos anos 1980 com a estabilização política, a recuperação
financeira do setor privado, e principalmente a adesão à Comunidade Comum Europeia
em 1986 e a consequente chegada dos Fundos Estruturais, haverá um desenvolvimento
de conjuntura nacional favorável aos investimentos.
Com o dinamismo da economia e necessidade de igualar-se aos novos padrões de
exigência da economia europeia, teriam início as encomendas da iniciativa privada,
como sedes de bancos, escritórios e empresas multinacionais. A globalização
econômica exigiu que Portugal acompanhasse a cena internacional, renovando a sua
imagem e capacidade empreendedora.
O território estendeu-se para além das fronteiras nacionais, e no panorama da produção
arquitetônica, Portugal contaminou e foi contaminado por essa abertura. Mas é no
projeto de Álvaro Siza (que já havia recebido o Prêmio Pritzker em 1995) para o
Pavilhão de Portugal na Exposição Mundial de 1998, que o país encontraria através da
arquitetura, sua grande visibilidade, como podemos constatar nas palavras do
pesquisador em arquitetura Carsten Land:
A admirável pala de betão concebida por Álvaro Siza que, como um baldaquino, dá sombra á praça de cerimônias do Pavilhão de Portugal, tornou-se de imediato na imagem-marca da Expo ’98 e da arquitectura
portuguesa contemporânea. (LAND, 2005, p.7)
http://www.incm.pt/
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Foram anos em que a arquitetura enquanto atividade profissional adquiriu forte
protagonismo em Portugal, e um grande interesse dos jovens pela faculdade de
arquitetura como aponta o arquiteto Nuno Portas:
[...] ganhou importância política e visibilidade social, isto é, popularizou-se, acabando por se tornar [...] um valor acrescentado de políticos, gestores de fundações, em grupos empresariais e, em consequência, objeto de marketing ou valor mediático e turístico que já não pode ser
subestimado. (PORTAS, 1991, p.35/ 36)
Eduardo Souto de Moura costuma afirmar que o início de sua carreira estabeleceu-se na
convicção, ou na ilusão, de que havia um projeto de modernidade por cumprir, num país
que experimentava, simultaneamente, a ressaca de uma longa era de imobilismo e a
desejada festa do fim de um período tão difícil.
Com uma grande capacidade de olhar o vasto universo da arquitetura no contexto da
sua formação e criar uma linguagem própria e diferenciada, o jovem Eduardo Souto de
Moura vai destacar-se como figura de relevo no grupo de jovens arquitetos do norte que
irão revolucionar o modo de pensar a arquitetura em Portugal. Toda a problemática dos
CIAM (Congresso Internacional da Arquitetura Moderna), e os dogmas do movimento
moderno serão questionados, em função de uma necessidade integradora da arquitetura
em seu contexto, com sua historia.
Esse jovem arquiteto vai aproveitar as circunstâncias do momento da arquitetura como
um elemento propulsor do ato criativo e através do desenho vai expressar seu
pensamento e sua poética como ferramenta para a transformação da realidade do país.
Figuras singulares estarão à sua volta, e serão referências em todo seu caminho
profissional como Álvaro Siza e do mestre Fernando Távora do qual levará sempre
consigo (inclusive em suas palestras) as palavras do professor: “A boa arquitetura é
aquela onde as pessoas se sentem bem”. (BELEM, www.incm.pt, 2015)
http://www.incm.pt/
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2.2. Eduardo Souto de Moura – Vivências
O que você espera que o Prêmio Pritzker possa trazer? “Estabilidade, que é algo que eu preciso”.
Eduardo Souto de Moura
O prémio Pritzker foi instituído pela Fundação Hyatt, de Chicago, em 1979, por sugestão
de Philip Johnson, primeiro ganhador e responsável pelo credito inicial do prêmio, hoje
frequentemente descrito como o "Nobel" da arquitetura. O processo de seleção do
premiado parte de uma consulta a profissionais ligados à área da arquitetura (não só
arquitetos, mas também políticos, críticos, historiadores, etc.), completado pelas
nomeações que qualquer arquiteto pode submeter sobre as quais um júri delibera no
início de cada ano. “Os seus edifícios apresentam uma capacidade única de conciliar,
simultaneamente, o poder e a modéstia, a coragem e a subtileza, a ousadia e a
simplicidade”. Estas foram as palavras utilizadas pelo júri ao anunciarem o nome do
vencedor do Pritzker de 2011 - e ainda:
[...] destacar uma prática sustentada de resistência ao imediatismo da cultura contemporânea, estruturadora de propostas de continuidade com a história milenar da nossa área disciplinar, numa síntese equilibrada da tríade vitruviana que aparece gravada no reverso da medalha oferecida ao premiado.
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mais sofridas. Gosto de contradições, de inquietude, da palavra do Pessoa
‘desassossego’.” (BELEM, www.incm.pt, 2015).
No período de 1981 até 1990, é convidado para professor assistente no curso de
arquitetura da FAUP (Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto) e, a partir de
1988, é professor convidado de diversas faculdades de Arquitetura: neste mesmo ano
na Faculdade de Paris-Belleville, em 1989 nas Escolas de Arquitetura de Harvard e
Dublin, nos anos 1990 e 1991, na ETH de Zurich e em 1994 na Escola de Arquitetura de
Lausanne.
Da Escola do Porto, o arquiteto Fernando Távora será seu mestre e uma de suas
referências: “Creio que eu tenha recebido influências diretas, porém não transposições
diretas, por exemplo, se tenho que reformar um edifício antigo, é muito difícil não fazer
referência a Távora”. (ESPÓSITO, LEONI, 2013, p.14) (tradução autora). No amigo,
professor e vizinho Álvaro Siza (possuem escritório no mesmo edifício, projetado por
Siza), ocorre a mesma situação:
Valorizo suas obras uma a uma, e não me deixo prender pelo seu tom, mas as considero como um Neufert subconsciente que surge em determinadas circunstâncias, sobretudo com relação aos materiais, cores ou qualquer outro elemento. (ESPÓSITO, LEONI, 2013, p.14) (tradução autora)
Eduardo Souto de Moura aprecia a música de Miles Davis, os escritos de Fernando
Pessoa, onde o livro do Desassossego é para ele o “diário do arquiteto”, e a poesia de
seu amigo e escritor Herberto Helder, um dos maiores poetas portugueses que o
denominou “o poeta das pedras”, e no discurso da cerimônia do Pritzker Souto de Moura
o referencia: ”trabalhar na transformação, transmutação é obra própria nossa”.
(ESPOSITO, LEONI, 2013, p.265) (tradução autora).
O jovem arquiteto levou muito a sério o conselho de seu professor Fernando Távora na
época da faculdade, quando lhe disse que um arquiteto precisa ser culto. No processo
de reflexão que faz da sua própria arquitetura, procura aprimorar seu entendimento
cultural de tudo que o rodeia, passando por música, artes plásticas, filosofia, tudo
contribui para a maneira de entender o passado e a época em que ele vive Álvaro Siza o
admira:
Ele tem uma ideia de cultura global, tão difícil de manter, quando constatamos a que ponto o saber e o pensamento são fragmentados,
http://www.incm.pt/
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divididos em disciplinas por vezes herméticas entre si. Ele vela por não se deixar fechar por uma abordagem disciplinar e demasiado particular dos problemas. (BELEM, www.incm.pt, 2015)
Adequação é a palavra que sintetiza sua maneira de ser e fazer arquitetura, que procura
a racionalidade na disciplina influenciada por Aldo Rossi (seu professor até o 4º ano da
faculdade). Para Rossi é através de instrumentos teóricos e de análise onde o conceito
da arquitetura como disciplina influencia o arquiteto, que podemos obter resultados que
podem ser aplicados ao projeto, além da importância de um sistema que coloca a
tipologia em relação com a forma e o local.
Para Souto de Moura o processo de projeto é um caminhar progressivo entre o
conhecimento, o entendimento e o saber fazer, com uma gramática de valores
respaldados da arquitetura clássica como ponto de partida, pois para ele é onde tudo
começa:
Sempre entendi o Movimento Moderno como uma continuidade do Classicismo, por mais verborreia que se disse contra o Classicismo. No fundo, é um discurso de continuidade com meios técnicos e intenções diferentes, mas com um campo comum: as proporções, a relação da estrutura com a forma, a linguagem depurada. O Schinkel fazia essa relação com o Classicismo, não prescindindo das novas aquisições que havia de materiais. […] Ele usa o ferro, percebendo que o ferro é um novo material que pode substituir outros e que até dá para fazer Neogótico. E depois também deu o Mies, e por aí afora. Acesso em: 25 set.2016.
Equilíbrio entre tradição e inovação, ritmos e proporções, distâncias e elementos, cheios
e vazios, Souto de Moura se fixa no conceito de uma “arquitetura adequada”, construir
um objeto com máximo rigor, que perdure e possa ser utilizado por várias pessoas: ”[...]
do que deve ser a arquitetura na atualidade: projeto e construção, e como consequência
disto, capacidade de transmitir ‘poieses’ sem intencionalidade. [...]” (ESPOSITO, 2013,
p.39) (tradução autora)
Segundo Souto de Moura no início de sua atividade profissional desenvolvia o projeto
integralmente, dos esboços iniciais até o projeto de execução. ”Projectar significa colher
informação do sítio adequado, como dizia Leonardo da Vinci, ‘algo mental”. (NUFRIO,
2008, p.60) Para Álvaro Siza o projeto é “a procura da inteligência:” (NUFRIO, 2008,
p.60), projeta-se para encontrar uma a solução e encontrando construímos.
http://www.incm.pt/
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Eduardo Souto de Moura alcançou com certa precocidade o cenário da fama
internacional (ESPÓSITO, 2013, p. 46) e suas obras foram amplamente divulgadas nos
meios de comunicação, o que acabou por incluí-lo entre aqueles profissionais
referenciados, sobretudo pelos arquitetos mais jovens, não só de Portugal, mas com
uma voz importante no debate internacional.
O primeiro trabalho de Souto de Moura (1979) foi um monumento ao General Humberto
Delgado na Avenida dos Aliados no Porto, mas não foi construído. Consistia em uma
plataforma de concreto revestida de mármore na forma de um paralelepípedo com 50
cm de altura de um lado e degraus que levam ao piso novamente de outro. Em um dos
cantos um grande volume como se fosse um meteorito, esmaga a escadaria separando-
a do volume principal. Segundo o arquiteto: Fig. 1
A plataforma representa o espaço, o dia a dia das pessoas, dos cidadãos, enquanto a massa áspera de pedra, expressa “a força da repressão durante muitos anos sobre o homem, um povo, um território”. (ESPÓSITO, LEONI, 2013, p. 57) (tradução autora).
Fig. 1 Maquete Monumento ao General Humberto Delgado – 1979 Eduardo Souto de Moura
Fonte: Atlas de Parede, 2011, p.21.
O primeiro projeto que colocou o jovem arquiteto em visibilidade no cenário arquitetônico
foi o Mercado Municipal de Braga em 1980:
Quando projetei o mercado há mais de vinte anos, a ideia básica era criar uma rua coberta, um fragmento da cidade que iria instituir uma malha urbana. Mas cidade cresceu demais, toda a malha urbana foi construída e agora o mercado está sufocado por escolas, comércios, e descontrolada especulação imobiliária. (MOURA, 2013, p.76) (tradução autora).
Com o tempo o mercado perdeu a sua função e tornou-se um espaço abandonado.
Souto de Moura foi chamado para transformar o espaço em um centro cultural. Para ele
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demolir o edifício e construir um novo era mais sensato, mas a cidade foi contra, pois o
edifício tornou-se um ícone arquitetônico e gostariam de preservá-lo. Souto demorou
decidiu não preservar o ícone, mas destruir a forma que tinha projetado. Ele começou a
reforma do lado oeste, preservando e restaurando a parede de granito, criando um novo
caminho para o jardim antes do mercado do outro lado.
Tempos depois, visitando a ruína em diferentes momentos, observei que o mercado foi usado como uma ponte, uma estrada que ligava as duas ruas principais da cidade. No projeto de conversão sugeri retirar o telhado, estabeleceu-se um jardim e uma rua, com um programa "cultural" para o pequeno espaço coberto que sobrou. (MOURA, 2013, p.76) (tradução autora).
O arquiteto estabeleceu dois eixos ortogonais, preocupado com a inserção do edifício no
terreno, “um fragmento da cidade capaz de se dissolver na malha urbana” (MOURA,
2013, pg.76) (tradução autora) Fig.2.
Fig. 2 Mercado de Braga 1980-1984- Esboço Eduardo Souto de Moura e foto
Fonte: Moura, 2013,pg. 65. Foto:Moura,2013 pg.62
Duas longas paredes, uma feita de blocos de granito em junta seca que pousa
diretamente no solo, e outra de concreto pintado de branco colocada sobre uma base
com três degraus de altura, e uma terceira parede formando um ângulo reto também em
granito. Uma placa contínua como cobertura e 32 pares de pilares de secção circular,
estruturam e organizam o edifício e seu entorno. Eixos ortogonais, linearidades,
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articulação da forma arquitetônica com o lugar, trazendo forte identidade urbana; e uma
abordagem referenciando Mies estruturando o edifício através de elementos verticais
(pilares) e horizontais, (a cobertura plana), montando volumes livres e fluidos. Com este
projeto o jovem arquiteto já lançava as bases do que seriam algumas das características
da sua arquitetura.
Segundo Souto de Moura os problemas do país vivenciados na época de seus estudos
de arquitetura o levaram à procura de soluções: “Do que precisávamos era de uma
linguagem clara, simples e pragmática para reconstruir um país, uma cultura, e ninguém
melhor que o proibido Movimento Moderno poderia responder a esse de
desafio”. Acesso em: 25 set.2016.
As reflexões da Escola do Porto sobre a vanguarda do movimento moderno o levariam
aos conceitos de Mies van der Rohe de um lado, e de outro a possibilidade de criar uma
nova linguagem, e resgatar um país de seu atraso ao longo de décadas sem, contudo
perder a identidade e a forma de construir local. A importância do sítio, os muros de
granito aparelhados, que estariam muito presentes em suas obras residenciais, não por
nostalgia, mas pelo respeito à materialidade, seriam uma característica marcante no
início da sua carreira.
Em um olhar mais atento podemos reconhecer a linguagem do Pavilhão de Barcelona, o
pódio utilizado como acesso, a combinação construtiva entre estrutura e fechamento, e
os materiais como diria Mies: ”[...] o que realmente interessa é a construção, quanto aos
materiais, o que temos a fazer é utilizá-los corretamente [...]” (BELEM, www.incm.pt,
2015) Fig. 3/4.
Fig. 3 Mercado de Braga – 1980-1984
Fonte: Desenho autora com base Livro – Moura, 2013, p. 60/63
https://www.publico.pt/2011/06/03/culturaipsilon/noticia/discurso-de-souto-de-moura-ao-receber-o-pritzker-1497325https://www.publico.pt/2011/06/03/culturaipsilon/noticia/discurso-de-souto-de-moura-ao-receber-o-pritzker-1497325http://www.incm.pt/
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Fig. 4 Pavilhão de Barcelona
Fonte: Desenho do autora com base em foto acesso- 25 set.2016
Segundo o texto de Antônio Espósito sobre a solução do arquiteto de deixar as antigas
colunas como um jardim de ruínas: “[...] é difícil saber se foi irônico desinteresse ou um
impulso autodestrutivo que levou Souto de Moura compor uma verdadeira ruína com um
sabor pitoresco, com pedaços do edifício original. [...]”. (ESPÓSITO, LEONI, 2013, p.58)
(tradução autora) Fig.5.
Fig.5 Reconversão do Mercado de Braga – 1997- 2001
Fonte: Moura, 2013, p.74
Souto de Moura ao contrário de outros arquitetos, não esconde suas escolhas, suas
referências, seu método de trabalho, e até dificuldades na hora de projetar (o que ele até
aprecia) como, por exemplo, quando discorre sobre a oportunidade que teve de realizar
o projeto do Estádio de Braga e “agarrou-a com os dentes todos”:
Muito preocupado. Fiquei sem dormir. Mas resultou que ficou bom. Quando as situações são favoráveis, o cliente é bom, há muito dinheiro, não há crítica, o arquiteto não sente as contradições, o projeto não tem consistência. Só os problemas é que obrigam a procurar soluções. Esse projeto custou anos de minha vida, mas convenceu http://piniweb.pini.com.br/construcao/arquitetura/portugues-eduardo-souto-de-moura-vence-pritzker-2011-212388-1.aspx Acesso: 25 set.2016.
http://divisare.com/projectshttp://piniweb.pini.com.br/construcao/arquitetura/portugues-eduardo-souto-de-moura-vence-pritzker-2011-212388-1.aspxhttp://piniweb.pini.com.br/construcao/arquitetura/portugues-eduardo-souto-de-moura-vence-pritzker-2011-212388-1.aspx
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Da escala gigante do estádio ao restauro de edifícios históricos, passando por
residências e instalações artísticas, a versatilidade de Eduardo Souto de Moura não se
esgota, como prova o extenso trabalho do Metro do Porto, e até de uma hidrelétrica.
Está construindo o projeto de uma barragem na região do Alto Douro, obra que muito
empolga pelo seu tamanho, e também pelo universo de complexidades que começam
no sítio, a montanha, passando pela opinião pública e os ambientalistas. Como diz: “A
arquitectura é uma profissão interessante, mas os arquitectos são todos obstinados e
obcecados. Nós temos a possibilidade de alterar mundo, para melhor”. Acesso em: 25 set.
2016.
O arquiteto que projeta como se fosse para ele: “Quando projeto uma casa é como se
fizesse para mim [...] tento fazê-la ao máximo nível, de modo que o resultado satisfaça,
sobretudo, o meu gosto pessoal” (BELEM, www.incm.pt, 2015), constrói espaços
completamente diferentes, viaja, busca, lê, projeta e transforma os ambientes, para ele
um eterno aprendizado. O arquiteto professor como coloca Margarida Belém (2015) se
propõe a salvar memórias arqueológicas, trabalhar em equipe, respeitar a dignidade de
um edifício de quatrocentos anos, retirar da pedra o necessário para construir um
estádio, e acima de tudo trabalhar, trabalhar muito, contra todos os imprevistos, e as
condicionantes e com a mesma paixão como se fosse a primeira vez.
http://obviousmag.org/archives/2011/04/eduardo_souto_moura_os_sonhos_inventam-e.htmlhttp://obviousmag.org/archives/2011/04/eduardo_souto_moura_os_sonhos_inventam-e.htmlhttp://www.incm.pt/
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CAPÍTULO III
3. A importância do desenho para o arquiteto
Eu acho que é preciso ‘roubar’ a um professor, mas não as
formas ou as obsessões pessoais, mas a forma com a qual
ele observa a arquitectura e a paisagem. A forma como ele
define a primeira ideia de um projecto e como aos poucos a
põe à prova com funções, técnicas construtivas e materiais.
Eduardo Souto de Moura
3.1 A Escola de Belas Artes
A formação dos arquitetos á época de graduação de Eduardo Souto de Moura (1981-
1989), vinha da Escola de Belas Artes do Porto ou de Lisboa. As aulas de arquitetura
eram ministradas junto com os estudantes da Escola de Belas Artes, o que propiciou a
eles, profundos conhecimentos em artes e desenho, e também contato estreito com as
vanguardas e culturas de experimentação baseada em conceitos artísticos.
A história da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto remonta a uma
solicitação da Junta Administrativa da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do
Alto Douro ao rei para a criação de um estabelecimento de ensino – Aula de Debuxo e
Desenho – (grifo nosso) por um decreto em 27 de Novembro de 1779, para auxiliar as
indústrias da cidade do Porto. O primeiro professor foi Antônio Fernandes Jácome.
Em 1802 foi substituído pelo pintor Vieira Portuense, e por ocasião da abertura solene
das aulas nas quais contavam já com 120 alunos inscritos, designa por Academia essa
Aula de Desenho, tentando assim dignificar a instituição e apelando para uma formação
mais completa, apoiada em sólidos e diversificados estudos teóricos, bem como em
exemplos artísticos de qualidade.
Depois de uma reforma em 1836, contemplando um reforço do número de docentes e
disciplinas, Passos Manuel, ministro de D. Maria II, funda as duas Academias de Belas
Artes portuguesas, uma em Lisboa e outra no Porto (LISBOA, 2007, p.33), que na parte
pedagógica englobavam o ensino do Desenho, de Pintura, Escultura e Arquitetura Civil,
com antecedentes históricos que remontam a 1577 e 1594, datas que, respectivamente,
foi reconhecida em Portugal a Pintura como Arte (e não mais apenas ofício) e iniciou-se
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o ensino da Arquitetura Civil. Nas duas Academias, haveria ainda um curso preparatório
de Desenho e na cidade do Porto a instituição passaria a denominar-se Academia
Portuense de Belas-Artes.
No projeto pedagógico das academias de Belas Artes de Portugal, divisam-se duas
linhas de formação: uma que apontava para o ensino dos futuros artistas das chamadas
‘belas-artes’; e a outra linha dirigia-se à preparação dos artistas ‘fabris’, passando agora
para o Estado a responsabilidade da formação profissional, tarefa das antigas
corporações de ofícios. (LISBOA, 2007, p.15/ 16)
Segundo a historiadora Maria Helena Lisboa, apesar de assimilarem em linhas gerais o
modelo francês, as Academias de Belas Artes portuguesas ampliaram com uma
formação inovadora com essas duas linhas de ensino: Fig. 1
Na primeira metade do século XIX, nenhuma das academias de arte
europeias, e muito menos as francesas, estavam em condições de
encaram a possibilidade de dirigir os seus estudos artísticos também para
as Artes e Ofícios. (LISBOA, p.15/16)
Fig.1 Foto Academia Belas Artes do Porto
Fonte: http://www.repositório-tematico.up.pt acessado 15 ab. 2017
A implantação da República em 1910 trouxe consigo a extinção das Academias de Belas
Artes, criando-se conselhos de Arte e Arqueologia em sua substituição. O
funcionamento da Escola do Porto manteve-se sensivelmente dentro dos mesmos
moldes até 14 de Novembro de 1957, data em que foi promulgado o diploma que
http://www.repositório-tematico.up.pt/
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aprovou o Regulamento das Escolas Superiores de Belas-Artes. A organização dos
cursos de Pintura e Escultura é remodelada passando a serem considerados cursos
superiores. É criado o Curso de Arquitetura com duração de seis anos.
Com a Revolução dos Cravos, as mudanças ocorridas na Escola Superior de Belas
Artes após 25 de Abril de 1974 repercutiram na sua estrutura pedagógica e científica.
Verificou-se a reformulação dos cursos de Pintura e Escultura, os quais adquiriram a
designação de ‘Artes Plásticas’. Entretanto em 21 de Dezembro de 1979, é criada a
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto fato que entre outras implicações,
significou a desvinculação do Curso de Arquitectura da Escola Superior de Belas Artes.
Na realidade, porém, o Curso manteve-se em funcionamento na ESBAP ainda durante
alguns anos, pois só em Outubro de 1984 é que foi aprovada a nova estrutura curricular
da Faculdade de Arquitetura. Em 1994 a Escola Superior de Belas Artes do Porto
também passou a fazer parte da Universidade do Porto e a designar-se por Faculdade
de Belas Artes.
Em Portugal, as Academias seguiram o princípio e a prática de um ensino fundamentado
no Desenho como coloca Margarida Acciaiuoli:
[...] como processo de inter-acção entre a pura criação e a prática
artística, pelo que se tornou a principal matéria ensinada. Se é verdade
que em outras Academias estrangeiras a mesma realidade se verificava,
entre nós tomou relevância maior, uma vez que para além de adquirir
uma função preparatória para todos os outros cursos – Arquitectura,
Pintura, Escultura e Gravura – o desenho acabaria por constituir-se em si
mesmo como uma formação artística completa, sendo por essa razão o
curso mais frequentado quer por alunos estudantes desses cursos, quer
por alunos aprendizes ou oficiais das ‘artes fabris”. A principal aposta no
ensino era por conseguinte, a do seu centramento no Desenho .(LISBOA,
2007,p.8)
Situado na zona oriental da cidade do Porto, a alguns minutos do centro histórico, o
edifício da Escola de Belas-Artes ocupa um antigo palacete do século XIX. Idealizado
por António Forbes, o Palacete Braguinha foi construído entre 1863 e 1873, já após sua
morte depois de uma viagem o Brasil, a viúva Maria do Carmo Rodrigues, mandou
concretizar o projeto. O edifício esteve sempre nas mãos de homens de negócios, tendo
servido de palco a várias atividades culturais da cidade do Porto. Em 1917, após a morte
de um dos seus proprietários, José Braga, o palacete é ocupado pelo Instituto Superior
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de Comércio do Porto, e onze anos mais tarde, vai dar lugar à Escola de Belas-Artes do
Porto. Fig. 1/2
Fig. 1 Fachada da Escola de Belasr Artes do Porto Fig. 2 Jardins da Escola de Belas do Porto
Fonte: http://wooportugal.com/2016/02 acesso 15 ab.2017 Fonte https://sigarra.up.pt/fbaup/pt/
Em relação à Faculdade de Arquitetura do Porto, que foi desmembramento da Escola
de Belas Artes, a disciplina do Desenho continuou sendo fundamental na formação dos
alunos até os dias de hoje, e segundo o professor Jorge Figueira, o que há de melhor e
de pior da Escola:
[…] como instrumento convencional e consistente, na tradição
humanística de representar o homem no centro de onde parte o espaço
imaginado, ligando o exercício projetual às tradições da arquitetura,
integrando as regras de composição nas regras de representação, o
desenho é um mecanismo insubstituível mecanismo de domínio do
projeto, da sua invenção e verificação […] E como lado negativo se
coloca quando o desenho se torna no “campo de concentração que se
pensa poder substituir a crítica e o conhecimento; que encarcerará
modos e permitirá tiques, rotinas no projeto. (FIGUEIRA, 2002, p. 100)
http://wooportugal.com/2016/02https://sigarra.up.pt/fbaup/pt/https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjs8-6espjTAhXMfZAKHbWGDKEQjRwIBw&url=http://wooportugal.com/2016/02/sabados-sao-dias-de-cinema-na-faculdade-de-belas-artes/&bvm=bv.152174688,d.Y2I&psig=AFQjCNH4bll7G_pJln7FJDvtSLEoj1xldg&ust=1491862258252752
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3.2. Escola do Porto
A Faculdade da Arquitetura do Porto pode ser entendida como uma escola onde o
ensino de projeto principalmente no ateliê segue a linha de tradição artística herdada da
Escola de Belas Artes, assumindo o desenho como instrumento necessário para o
processo de projetação. Entre os ensinamentos das escolas de Belas Artes de Lisboa e
Porto, esta última possuía as plataformas mais progressistas.
Entre os principais arquitetos que deixaram suas marcas na Escola, encontra-se
Marques da Silva entrando na Escola de Belas Artes do Porto como professor da
cadeira de Arquitetura Civil em 1906, lecionando até sua aposentadoria em 1939. Na
época em que é convidado a participar do corpo docente da Escola, Marques da Silva já
era um arquiteto prestigiado na cidade do Porto e lecionava no Instituto Industrial e
Comercial do Porto. De formação na Escola de Belas Artes do Porto, Marques da Silva
frequentou o atelier de Victor Laloux em Paris, na época, a educação dos estudantes de
arquitetura na França não se fazia na “École”, mas nos “ateliês”. Marques da Silva vai
deixar como principal herança do seu ensino a exigência e o rigor, o prazer do desenho
no sentido da plasticidade e uma atenção especial no caso dos projetos, dada à planta
baixa (como parte predominante e geradora do projeto), qualidades que sobressaem nos
trabalhos dos alunos desde sua atividade na Cadeira de Arquitetura Civil. (CARDOSO,
1997, p.162)
Carlos Ramos (1897-1969) assumiu a Escola em 1940 primeiro como docente e mais
tarde, a sua direção em 1952. Neste ano formou-se Fernando Távora que sendo seu
discípulo e colaborador foi convidado para ser seu assistente. O ensino de Carlos
Ramos é marcadamente diferenciado da Escola de Belas Artes de Lisboa, onde as
diretrizes são procedentes dos antigos mestres. Ramos defende que a formação do
arquiteto deveria ser mais abrangente do que apenas desenhar e fazer projeto.
A reforma do ensino das Belas Artes era uma necessidade sentida por vários arquitetos
portugueses e uma aspiração das sucessivas gerações de estudantes. Interessante
notar já em Agosto de 1933 que a preocupação com o ensino de arquitetura, que leva
Carlos Ramos a fazer uma célebre “Palestra dedicada exclusivamente a todos os alunos
da Escola de Belas Artes de Lisboa”, na qual coloca oito regras mínimas (ALMEIDA,
1968, s/n) para o correto funcionamento pedagógico:
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1 – “que o aluno de arquitectura não desenhasse um único traço sobre o papel branco
sem saber o que traduz e a sua relação com todos outros”;
2 – “que ao proceder ao estudo de qualquer problema de arquitectura o fizesse sempre
de acordo com o local para onde se destina a natureza, a orientação e a topografia de
um determinado terreno”;
3 – “que as dificuldades e exigências de programas fossem sendo progressivamente
ajustadas”;
4 – “que sobre cada um dos pontos distribuídos se fizessem lições de teoria por forma a
interessar nelas todos os alunos do curso”;
5 – “que as visitas às obras em construção se fizesse todas as semanas”;
6 – “que a existência de um museu de materiais de construção seja um fato”;
7 – “que os temas para a execução de motivos de escultura e pintura resultem de
exigências dos programas e pontos da arquitectura, e que dali sejam emanados para as
respectivas especialidades, concedendo aos alunos que num tal conjunto colaborem, e a
faculdade de se reunir superiormente orientados para a indispensável troca de
impressões”;
8 – “que para os trabalhos assim elaborados seja feita uma exposição anual de
Arquitectura, Pintura e escultura, na Sociedade Nacional de Belas Artes”.
Na EBAP, Carlos Ramos tenta dar alguns passos para implantação desses pontos;
procurou melhorar as instalações, revolucionar as estratégias de ensino, aproximando a
escola das condições reais da profissão, e de um modo geral, dinamizar a vida da
escola para alunos e professores como, por exemplo, em 1949 quando organiza
(financia) uma visita de estudos dos alunos do Porto à Exposição de Arquitetura
Moderna Brasileira” em Lisboa (FILGUEIRAS, 1986)
Em novembro de 1957 entra finalmente em vigor a aguardada Reforma que permitiu
oficializar o aumento de docentes para a cadeira de Arquitetura, entre eles estarão o
recém-formado Fernando Távora e Carlos Loureiro.
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Carlos Ramos se aposentaria em 1967 e viria a falecer dois anos depois, deixando um
vazio institucional, pois a ESBAP entrará em um ciclo de instabilidade crescente que só
terminaria com a revolução de 1974. Segundo Fernando Távora que conviveu de perto
com ele, Ramos amava abrir caminhos, mais do indica-los:
Ramos criava, junto dos seus alunos, um clima de certa libertação formal, aliado à sua consequente responsabilização e ressalvava que esta libertação era um princípio de pedagogia, os temas da variedade na unidade e do nacional no internacional, como o moderno versus o
clássico. (TAVORA, 1987, p.75)
Nos anos 70 a Escola do Porto vai passar por um processo de descentralização
disciplinar, o mundo em ebulição que a rodeia, vai arrastar o ensino da arquitetura para
objetivos práticos e sociais, como responder às necessidades de habitação das
populações da cidade. Com a Revolução dos Cravos a Escola vai tornar-se uma força
de referência no processo revolucionário em curso, consciente de sua importância na
possibilidade de realização dos objetivos sociais abertos pela nova realidade política.
Na segunda metade da década de 1970, o envolvimento dos professores e alunos da
ESBAP no SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local) vai marcar profundamente a
identidade da Escola. O arquiteto Nuno Portas lecionava Projeto na ESBA de Lisboa
entre 1965 e 1971, em 1974 vai aceitar o cargo de secretário da Habitação gerando um
grande impulso para o Projeto do SAAL, onde a iniciativa teve seu maior impacto em
Lisboa e no Porto.
Foi uma ideia inovadora e um privilégio fazer parte de um momento histórico, comenta
Álvaro Siza (2015) que estabeleceu um papel relevante. A pressão do debate popular na
época foi um passo muito importante, completa Siza, pois a qualidade da arquitetura a
ser construída dependia das discussões sobre as vivências pessoais de cada um, suas
necessidades. Quando todos os envolvidos em um projeto opinam, o trabalho adquire
uma densidade, uma complexidade que geralmente as residências sociais não
possuem, pois o modelo já vem pronto a ser instalado. No caso do SAAL segundo ele, o
resultado foi muito satisfatório e rico, e arquitetura em certa medida cumpriu seu papel
social naquele momento. (BELÉM www.incm.pt 2015) Fig.1/2
http://www.incm.pt/
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Fig.1 Esboços de Álvaro Siza para o SAAL Bouça Social Housing, São Vitor, Porto 1974/1977.
Fonte: http://www.moma.org - acesso 25 set.2016
Fig. 2 Foto do Conjunto habitacional, São Vitor, Porto 1974/1977.
Fonte: Atlas de Parede Imagens de Método, 2011 – ilustração 326.
A introdução dos cânones modernistas coincide, com a realização do texto de
Fernando Távora em 1941, O Problema da Casa Portuguesa e da pesquisa realizada
para o Inquérito à Arquitetura (grifo autora), entre 1955 e 1961, no qual os arquitetos
http://www.moma.org/
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portugueses procuraram a face arquitetônica de Portugal. A partir da leitura das
construções do país, a utopia do modernismo que balizava tudo como um horizonte
abstrato que se construiria a partir do zero, será revista em função da procura do caráter
na identidade cultural. Nuno Teotônio Pereira em Lisboa e Fernando Távora na Escola
do Porto serão figuras importantes para uma reflexão e uma opinião crítica não só sobre
arquitetura que se realizava no país, mas também sobre a própria profissão do arquiteto
como descreve Álvaro Siza:
Não foi um período tranquilo na universidade; havia reinvindicações estudantis, um debate sobre a situação do arquiteto, e era considerado quase um pecado pegar um lápis e desenhar. Foram as experiências do movimento do SAAL, que nos fizeram repensar e considerar a importância do desenho para as novas gerações. (ESPÓSITO, LEONI, 2013, p.09) (tradução autora).
A Escola do Porto vai dispor de professores de grande valor como Álvaro Siza, Maurício
Vasconcelos, Manuel Tainha entre outros, além de Fernando Távora que vai imprimir
sua marca na escola. Em sua maioria os arquitetos eram figuras atuantes no exercício
de sua profissão, o que vai levar os estudantes a uma estreita relação de alunos com
professores, e o desenvolvimento de projetos antes restrito ao âmbito disciplinar, vai
ganhar as ruas e os ateliers dos profissionais. Esses encontros promoveriam discussões
muito além das matérias disciplinares, fato que acabaria integrando ideias inovadoras no
ensino, contribuindo para uma nova identidade para a Escola.
A inexistência de núcleos ou de figuras mais proeminentes, fizeram mestres e alunos
percorrem juntos os novos caminhos, proporcionando um legado singular no ensino e na
aprendizagem, um nível um pouco autodidata e experimental, aproximando-se de um
processo mais receptivo às novas experiências da geração de jovens arquitetos.
Foram anos de dúvidas e caminhos contraditórios, correntes que atravessavam a Escola
desde os anos de 1950 criando tensões, a partir da década de 1960 vão encontrar na
figura de Fernando Távora um porto seguro para a sua direção. Além de ser uma figura
respeitada no meio arquitetônico, vai ser um elemento agregador em uma época de
distensões, vai reunir capacidades necessárias para levar em frente os propósitos de
Carlos Ramos. O arquiteto Fernando Távora terá um papel relevante na denominada
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Escola do Porto, ou Escola Tendência como era denominada por Nuno Portas e Manuel
Mendes. Mais que defender uma arquitetura portuguesa ou contemporânea, Távora vai
apontar um caminho, uma metodologia, um “saber fazer”, que vai definir uma prática
futura construída ao lado de um trabalho teórico. Diplomado pela ESBAP, e lecionando
na Escola desde 1952, participa do Inquérito à Arquitetura e vai ser presidente da
Comissão Instaladora da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto de 1979 a
1984.
Nesta árdua tarefa vai contar com a presença estabilizadora de Álvaro Siza, que
permanecerá como uma referência na história da Escola. Os dois arquitetos lutarão pela
autonomia da disciplina da arquitetura, pela afinidade na utilização dos seus
instrumentos, especialmente o desenho, e na defesa e respeito pela memória da cidade,
patrimônio que deve ser levado em conta nas intervenções. Estas serão as principais
diretrizes que vão pautar o desenvolvimento e a história da Escola do Porto. E de forma
contraditória, segundo Souto de Moura, o desenho um dos principais pilares do ensino
na Escola não era prioridade: Não se faziam projetos nem se desenhava; a arquitetura
era uma ciência social:
Távora um dos meus professores era um dos poucos que nos pediam para projetar. Ele estava de acordo com a importância dos valores sociais, porém sustentava que não eram suficientes, e que era
necessário projetar. (ESPÓSITO, LEONE, 2013, p.09) (tradução autora)
Observando os esboços do jovem Souto de Moura enquanto brigadista do SAAL e aluno
da faculdade, à primeira vista seus esboços demonstram pensamentos a serviço da
inteligência, procurando respostas a questões ainda não formuladas. Seus desenhos de
formas clássicas parecem jogos combinatórios, tentando se apropriar de uma imagem
que possa representar o seu presente, revelar novas formas que de certa maneira
incorpore a tradição clássica com a transgressão do movimento moderno, até então a
única linguagem inovadora que se apresenta aos estudantes da arquitetura. A
necessidade de procurar uma linguagem adequada ao momento e os problemas
vivenciados na própria Escola o levam a escrever no seu relatório de estágio: “Projectar
torna-se então um fenômeno cultural complexo. É o medo, é silêncio dos poetas, é o
desespero legítimo do não desenho” (MOURA, 1980, p.4) Fig. 3.
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Figura 3 – Desenhos Eduardo Souto de Moura – 1970-1974
Fonte: Atlas de Parede, 2011, ilustração 54
Para Távora mesmo em uma época de grandes incertezas, o ensino da arquitetura
estará sempre de mãos dadas com a experiência do projeto, e quando o Processo SAAL
demonstra a necessidade do desenho para o contributo social do arquiteto, a Escola
encontrará nele uma das suas principais referências. Távora vai defender a
sobrevivência do desenho na pedagogia da ESBAP, e Álvaro Siza vai assegurar a
sobrevivência do desenho na atividade do profissional.
Homem de cultura, Távora viaja durante toda a sua vida para estudar in loco a
arquitetura de todas as épocas e dos diferentes continentes. Considera que um bom
conhecimento da história da arquitetura está na base de um bom projeto. É essa base
de conhecimento que procura incutir nos seus alunos, incitando-os a viajar. O saber
tradicional aliado ao erudito, vai permitir ao arquiteto “certa liberdade” não se ligando a
nenhum estilo evidente, o importante para ele é a qualidade atemporal da arquitetura.
O arquiteto instituiu uma disciplina no primeiro ano do curso de arquitetura denominada
“Teoria geral da organização do espaço,” e podemos observar sua forma de ensino
através de um desenho que documenta uma dessas aulas de Távora (1.3.1991).
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Geralmente não utilizava slides, preferia desenhar com canetinhas enquanto falava,
prendendo assim a atenção dos alunos. Podemos observar com esses esboços, que os
desenhos são as palavras que o arquiteto se utiliza para se expressar, neste caso
ultrapassando fronteiras. Os croquis de Távora “falam” sobre projetos de cidades
planejadas e suas diretrizes como Brasília e Washington e os famosos edifícios do
Congresso Nacional e a Catedral de Niemayer em Brasília.Fig.4
Fig. 4 Esboços de uma aula de Fernando Távora
Fonte: https://restavora.wordpress.com acesso 25 set.2016
Esta cadeira foi criada por Fernando Távora, e ainda hoje representa um dos pontos
importantes na formação do arquiteto português, além de ensinar o arquiteto instigava
os alunos a viajar a conhecer: ”[...]Num já longo percurso cruzam-se recordações,
realidades e sonhos, o passado e o futuro, factos, lugares, imagens, ideias e formas,
gentes, viagens e leituras, assim se construindo a vida e a obra de um homem e de um
arquitecto.”Acesso em: 25 set 2016< https://revisitavora.wordpress.com/category/da-formacao-
do-arquitecto/page/2/>.
https://restavora.wordpress.com/https://revisitavora.wordpress.com/category/da-formacao-do-arquitecto/page/2/https://revisitavora.wordpress.com/category/da-formacao-do-arquitecto/page/2/
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Para Souto de Moura a maior influência de Távora estava em alguns de seus princípios
projetuais relevantes para o arquiteto como, o conhecimento do lugar, o contexto
histórico e o papel fundamental do desenho, através do entendimento de proporções e
escalas do projeto. Para o arquiteto Remo Dorigati (2008) o conceito de construir a
forma através da disposição dos espaços, levando em conta à matéria, as dimensões, a
continuidade, o respeito do lugar, realmente estavam a serviço do projeto e da
sensibilidade humana, e não meros elementos estilísticos apoiados em uma tipologia.
E em uma série de Cadernos em 2012, arquitetos importantes da Escola do Porto
colocam suas ideias sobre o ensino, a disciplina e a própria Escola, como Jorge
Figueira:
Aquilo que hoje define a proposta mais qualificada no arco tenso da relação Escola do Porto com a contemporaneidade é a hegemonia no comando do acto criativo e a utilização da História num fluxo interpretativo de onde decorre o projecto de arquitectura. [...] A História que se lê e projecta, carregada de invenção, cria uma estrutura relacional, mas não inibe necessariamente a formulação do novo, sem o estigma do historicismo. (FIGUEIRA, 2012, p.6)
Em um país saindo de um sistema político extremamente opressor, um povo sofrido com
grandes dificuldades econômicas, isolado durante décadas, principalmente nas regiões
do Norte como já vimos, vão determinar certas características da sociedade do Porto, e
que por sua vez terão ressonâncias na arquitetura da Escola, como coloca Alexandre
Alves da Costa “[...] no desenvolvimento da sua prática disciplinar, a mais seca de
discurso teórico, afirma-se fazendo, em silêncio, puritana, respeitadora dos seus
maiores, anti-cosmopolita e inquisitorial [...]” 1991, s/n). E quanto ao homem do Porto,
sua essência se confunde com a natureza de sua cidade:
O granito e um tempo mais lento e concentrado, um céu mais cinzento e a humidade permanente, condição das árvores de grande porte e de um verde único, fazem do homem do norte um ser independente e violento, com grande desejo de acção e mobilidade [...]. Primário e intuitivo, profundo e verdadeiro, generoso e profundamente individualista, exacerbadamente moralista, o portuense é também gostosamente perverso na sombra das aparências, por detrás do que se constrói. [...] (COSTA, 1991, s/n).
Arquitetura como modo de aprender a modificar a circunstância criando novas
circunstâncias, foi e tem sido princípio e experiência para o ofício do projeto. Não se
pode projetar sem memória, sem a existência de uma relação com o existente, o mundo
está em constante transformação, não iniciamos do zero, precisamos: “emprestar nosso
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olhar para compreender, num processo de leitura complexa do objeto em si e na sua
relação comparada com outros objectos”, segundo Alexandre Alves da Costa.
Por todos os elementos expostos, a arquitetura portuguesa vai possuir características
próprias, e obra arquitetônica de Eduardo Souto de Moura vai se pautar por ser uma
síntese compositiva de todas essas vivências, ancorada em um rigor conceitual e
respeito à historia.
O arquiteto que aprecia Fernando Pessoa e a poesia pretende com sua arquitetura
comunicar algo profundo, que tenha a ver com a evolução da disciplina e com o bem
estar do usuário e a qualidade atemporal da boa arquitetura, herança de seu mestre
Távora, também reverencia outros dois mestres: ”[...] se Siza me deu a ‘mecânica’ do
projecto, Rossi deu-me a “epistemologia”, o suporte conceptual à leitura da realidade e
do projecto.”(ESPOSITO, LEONI, 2013,p.162) (tradução autora)
Para Souto de Moura a forma não é o objetivo, mas a consequência. As imagens de sua
arquitetura que evocam aparente simplicidade são construídas através de complexas
multiplicidades, não percebidas à primeira vista, sua estratégia para construir o que ele
denomina “arquitetura anônima”. Para ele a arquitetura tem de estar próximo das
pessoas e respeitar a história do homem: “Quando a natureza e o artefacto coexistem
em perfeito equilíbrio, então se alcança o estado supremo da arte, o silencio das coisas.”
(GUELL, 1998, p. 135) (tradução autora).
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CAPÍTULO IV
[...] possuo um livro vermelho 11x17 sempre ao meu alcance, ao lado de uma Bic. O que está escrito apesar de nada te m a ver com nada, são fragmentos que, por sua lucidez e essencialidade, coabitam entre linhas azuis, como se tratasse de um livro sério. É uma espécie de escrita automática, lenta – pratico desde os vintes anos – onde registro o que me interessa, mesmo sem saber por que, pois poderá ser útil mais adiante. Não é minha impressão ser pretencioso, porém quando o releio, quando tenho que montar um texto, é o meu livro preferido. Eu o reescrevo como uma colagem: são palavras de outros, as vezes minhas. De alguns nem sequer sei o nome. É como um reflexo condicionado, um vértigo sobre papel.
Eduardo Souto de Moura
4.1 Os cadernos de desenho como registro de referências
Para o arquiteto, desenhar significa projetar, inventar o objeto, e ao mesmo tempo
representá-lo. O desenho é a elaboração sensível de uma ideia, que encontra sua
expressão na execução manual de um contorno, de um conjunto de traços. Por outro
lado o desenho também pode ser entendido como desígnio, vontade e projeto. O
desenho neste aspecto é concepção, invenção, atividade mental que orienta a execução
manual.
Esta dualidade no desenho de arquitetura deve ser vista de outro modo. O mesmo
processo que alimenta a reprodução está presente de forma marcante nos
procedimentos de “criação”. Desenhar um objeto é condição para concepção de uma
forma imaginada. Assim a criação arquitetônica se faz por meio de traços, linhas, claros
e escuros, e da presença de registros gráficos, memórias, anotações, experiências, e
Edith Derdyk coloca uma metáfora interessante sobre o desenho autoral do arquiteto:
O traço que caminha na folha de papel, resultante da conjunção mão/ gesto instrumento/ suporte, denota suas singularidades intransferíveis: o timbre e a impressão digital daquele que desenha. (DERDYK, 2010, p.131)
O projeto arquitetônico envolve complexidades, além de resolver problemas racionais e
satisfazer requisitos funcionais, técnicos e de outras naturezas. A arquitetura combina a
singularidade da experiência profissional, com processos interdisciplinares. Segundo o
arquiteto Louis Khan: “O mundo da arquitetura é o mundo no qual estão todas as outras
coisas. No mundo da arquitetura, existe escultura, existe pintura, existe física, existe
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música-tudo está dentro dele”. (KHAN, 1991, p.93). Nossos pensamentos não são
abstratos ou alienados da realidade vivida, eles articulam, comparam, separam e
fundem as experiências da vida, e a atividade criativa do arquiteto os elabora,
transformado possibilidades em existência efetiva. O arquiteto inventa o objeto no ato de
representá-lo, e na tarefa de desenhar e redesenhar ele vai solucionando problemas e
criando alternativas.
Para compreender o processo projetivo de um artista, analisamos tudo o que se
costuma denominar hoje de “rastros”, no caso de Eduardo Souto de Moura, seus
esboços, registros, cadernos de desenho, colagens nas paredes do escritório, enfim, sua
própria experiência, ou certo “saber”, (grifo autora) como propõe Paulo Mendes da
Rocha no livro “Maquetes de Papel”:
[...] devemos começar invocando aquilo que a experiência humana acumulou em forma de conhecimento, desde as origens de nossa existência até hoje [...] se você vai fazer um projeto, antes de mais n