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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI – URCA
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LITERATURAS
CURSO LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
AS CABRAS ENSINARAM-NOS A COMER PEDRAS
PARA NÃO PERECERMOS E CANTO Á CABO-VERDE:
A Consciência de um povo e a Esperança de uma Vida Digna
JOSÉ HÉLIO BEZERRA DA SILVA
CARIRIACU – CE
2009
JOSÉ HÉLIO BEZERRA DA SILVA
AS CABRAS ENSINARAM-NOS A COMER PEDRAS
PARA NÃO PERECERMOS E CANTO Á CABO-VERDE:
A Consciência de um povo e a Esperança de uma Vida Digna
Trabalho de conclusão de curso
apresentado à Coordenação do
curso de Letras da Universidade
Regional do Cariri, como requisito
para a obtenção do título de
graduado em Letras sob a
orientação da professora Maria
Socorro de Morais Martins.
DEDICATÓRIA
Aos meus queridos pais, Ana e Luiz, pela compreensão e o
estímulo que em todos os momentos foram, sobretudo,
motivadores e colaboradores para minha formação,
incentivando-me e apoiando-me a todo custo. A ele, pela cabeça
tantas vezes “ardida”, atormentado pela insônia, por eu virar
noites e noites a trabalhar. A ela, minha gratidão pelos
incontáveis terços debulhados em prol da minha realização.
AGRADECIMENTO
Ao Deus onipotente, que por varias vezes abriu portas e
caminhos para que eu trilhasse meu destino.
A minha orientadora, dona Socorro Martins, que em
apenas 15 dias de convívio modificou meu pensamento e me
apresentou a algo surpreendente que é a Literatura Africana.
A profª. Mônica, que com seu carisma e sua dedicação
ao ensino de Psicologia expandiu meu pensamento e me fez
enxergar além do obvio.
As minhas amigas Camila e Eneida, que me ajudaram a
superar difíceis momentos, me suportaram nas horas de stress e
me influenciaram na tomada de certas decisões.
Enfim, agradeço a todos os que me ajudaram direta ou
indiretamente na elaboração deste trabalho e para o meu
crescimento intelectual.
A literatura surge sempre onde há um povo que vive e sente.
Afrânio Coutinho
Resumo
Tendo como ponto de partida os poemas: As cabras ensinaram-nos a comer pedras
para não perecermos do escritor Ovídio Martins e Canto à Cabo Verde de David Hopffer
Almada, ambos Cabo-verdianos, aborda-se o diálogo literário presente nos mesmos,
sobretudo a partir de uma contextualização em relação aos diferentes períodos literários em
que foram escritos. Neste trabalho, longe de fazer juízo de valor quanto à influência de um
autor sobre outro, são enfatizados os processos de auto-identificação de um povo.
Este trabalho também consiste em verificar, comparativamente, as semelhanças e
diferenças que os aproximam e os distanciam considerando as relações existentes. Procurando
ainda detectar os pontos de convergências e divergências a partir da analise intertextual.
SUMÁRIO
RESUMO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................
07
1. LITERATURA COMPARADA: A ARTE DA COMPARAÇÃO.................................. 09
1.1. BREVE HISTÓRICO................................................................................................ 10
1.2. INTERTEXTUALIDADE OU DIALÓGISMO: UM RIO COM DISCURSO........ 11
1.3. TIPOS DE INTERTEXTUALIDADE.......……………….................…………….. 12
2. LITERATURA AFRICANA: UM TRAÇADO DE IDENTIDADE............................... 14
2.1. CABO VERDE E O MOVIMENTO CLARIDADE................................................. 15
2.3. INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES............................................................... 17
2.3.1. OVÍDIO MARTINS........................................................................................ 17
2.3.2. DAVID HOPFFER ALMADA....................................................................... 18
3. ANALISE COMPARATIVA DOS POEMAS................................................................. 19
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 23
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................ 25
ANEXOS.............................................................................................................................. 26
INTRODUÇÃO
Este trabalho consiste num estudo comparativo entre dois poemas representativos da
Literatura Africana: As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos, do
escritor Cabo-verdiano Ovídio Martins e o Canto a Cabo Verde, do autor, também Cabo-
verdiano, David Hopffer Almada. Os poemas são escritos em fases e momentos diferentes,
mas que contem uma carga semântica divergente, porém, semelhante.
O primeiro, é um poema que evoca, num estilo declamatório, o sofrimento, a epopéia e
o destino do seu povo, recorrendo ao discurso coletivo (“somos os flagelados”, “a nossa
luta”). No contexto político em que foi publicado este poema, a palavra de ordem era resistir.
Por isso, a mensagem central que apresenta é a de perseverança e esperança. Perseverança na
luta quotidiana pela sobrevivência, esperança num futuro melhor.
Já o segundo surge no período nacionalista, pós-claridade, onde a fase do cantalutismo
é predominante nas obras dos poetas. Com a conquista da independência, o povo exalta as
suas vitórias, dentre elas a libertação humana, o cessar da escravidão onde eram explorados, e
esperançosos de uma vida mais digna cantam loas e elogios ao país. Nesse momento o povo
quer um canto de esperança, um canto que seja diferente, um canto de alegria e renovação.
É necessário fazer uma ressalva de que nessa dissertação irá ser analisado o dialogo
intertextual existente nos poemas.
Ambos os autores, em suas obras, usam um mesmo termo que é o elo que os une, o de
“Serem os Flagelados do vento leste” e o de “Já não serem tais flagelados”. Procuraremos
analisar as diferenças e analogias que tornam possível o dialogo entre eles, observando
também as convergências presentes.
Para dar conta do nosso alvo, que é a realização do estudo comparativo entre os dois
poemas, seccionamos o trabalho em três momentos. Antes de chegar à análise dos textos,
núcleo de nossa dissertação, fizemos uma introdução a Literatura Comparada onde
denominamo-la de “A arte de comparar”. Nesse primeiro capitulo é feito um breve histórico
07
do surgimento dessa arte, atribuindo conceitos a intertextualidade e/ou dialogismo e por fim
apresentando os tipos de intertextualidade.
No segundo é feita a apresentação da Literatura Africana como “Um traçado de
identidade”, nesse capitulo há recuo histórico-literário, reportando-nos ao Movimento da
Claridade, acontecido em 1930, e a fase do cantalutismo, pós-independência. Trataremos
ainda, de fazer uma apresentação da biografia dos autores, ressaltando os fatos marcantes das
suas vidas e as suas autorias.
O capitulo III vai tratar de fazer um comparativo crítico entre os poemas mostrando
todos os seus aspectos, e nisso expor o que os faz semelhantes e o que os divergem, de um
ponto de vista intertextual, tentando explicar o fato de um poema ser anti-evasão e o outro de
ser nacionalista e ainda, utilizando do artifício da intertextualidade, mostrar porque um é
intertexto do outro.
Neste trabalho o objetivo é mostrar que a literatura africana é uma literatura militante,
contextualizada e reivindicatória.
08
1. LITERATURA COMPARADA: A ARTE DA COMPARAÇÃO
Comparar é um ato de “confrontar, para conhecer as semelhanças e diferenças;
analisar” (ROCHA, Ruth – 1996, pág. 152), essa e a fundamentação que muitos têm em
relação a esse ato.
De um ponto de vista social, é um processo lógico próprio do ser humano que o faz de
artifício para formular, de forma dedutível, seu pensamento em reação a algo.
Comparar é um procedimento que faz parte da estrutura de pensamento do
homem e da organização da cultura. Por isso, valer-se da comparação é
hábito generalizado em diferentes áreas do saber humano e mesmo na
linguagem corrente, onde o exemplo dos provérbios ilustra a freqüência de
emprego do recurso. (CARVALHAL, Tânia Franco, São Paulo: Ática, 2006, pág. 06).
Ao realizar qualquer estudo com base comparativista, no intuído de expor
considerações entre literaturas de mesmo seguimento, é tomado como ponto de partida que o
termo “Literatura Comparada” pressupõe a existência e a prática de uma atitude comparativa.
À primeira vista esse termo não causa problema de interpretação, porém, há controvérsias.
Muitos tendem a uma conceituação generalizada de que é só um ato comparativo. E há
ainda os que preferem restringir a determinados aspectos. Prova disso é que vários artigos,
dissertações, entre outras publicações, tratam de fazer apenas uma investigação que confronta
duas obras, no entanto, o sentido de comparar abrange vários ouros enfoques; varias relações.
A literatura comparada compara não pelo procedimento em si, mas porque,
como recurso analítico e interpretativo, a comparação possibilita a esse tipo
de estudo literário uma exploração adequada de seus campos de trabalho e o
alcance dos objetivos a que se propõe. (CARVALHAL, Tânia Franco, São
Paulo: Ática, 2006, pág. 07).
Aos poucos se torna mais claro que literatura comparada não pode ser entendida
apenas como sinônimo de "comparação", pois há um emaranhado de questões que a envolve.
09
Por tudo apresentado é que intitulamos este capitulo de “Literatura Comparada: a arte
da comparação” para exaltar essa disciplina, de forma que acabe este conceito retrogrado de
que a literatura comparada e um método apenas analítico. Comparar nessa disciplina é
mostrar mais que um mundo de semelhanças e diferenças, é englobar e situar, com o nosso
“conhecimento de mundo”, toda uma perspectiva relevante.
1.1. BREVE HISTÓRICO
O surgimento da literatura comparada está vinculado à corrente de pensamento
cosmopolita que caracterizou o século XIX, época em que comparar estruturas ou fenômenos
análogos, com a finalidade de extrair leis gerais, foi dominante nas ciências naturais.
Entretanto, o adjetivo "comparado", derivado do latim comparativus, já era empregado
na Idade Média.
Em 1598, Francis Meres utiliza-o no título de seu Discurso comparado de nossos
poetas ingleses com os poetas gregos, latinos e italianos, e vamos também encontrá-lo em
designações de obras dos séculos XVII e XVIII. Em 1602, William Fulbecke publica Um
discurso comparado das leis e, logo depois, surge a Anatomia comparada dos animais
selvagens, da autoria de John Gregory.
Mas é, sem dúvida, no século XIX que a difusão do termo realmente se dará, sob a
inspiração das Lições de anatomia comparada, de Cuvier (1800), da História comparada dos
sistemas de filosofia, de Degérand (1804), e da Fisiologia comparada (1833), de Blainville.
Freqüente, portanto, nos títulos de obras científicas e caracterizando-lhes a orientação,
a comparação se transfere para os estudos literários por uma espécie de contágio. Na obra Da
Alemanha (1800), de Mme. de Stäel, a inclinação ao estabelecimento de analogias não só
norteará o espírito da investigação como estará presente no subtítulo: "Da literatura
considerada em suas relações com as instituições sociais".
Texto inteiramente extraído do livro “Literatura Comparada” / Tânia Franco
Carvalhal. - 4.ed. rev. e ampliada. - São Paulo: Ática, 2006.
10
1.2. INTERTEXTUALIDADE OU DIALÓGISMO: UM RIO COM DISCURSO*
Intertextualidade ou Dialogismo podem ser definidos como uma conversa entre dois
textos, ou seja, um dialogo cultural onde há uma troca de informações. Ou ainda, a
superposição de um texto literário a outro, cujas influências de um sobre outro, que o toma
como modelo ou ponto de partida, e que gera a atualização do texto citado a utilização de uma
multiplicidade de textos, ou de partes deles, preexistentes de um ou mais autores, de que
resulta a elaboração de um novo texto literário.
A Intertextualidade está ligada ao conhecimento de mundo, que deve ser comum ao
produtor e ao receptor do texto. E o dialogismo é a medida em que é permitido observar-se
em qualquer texto, ou discurso artístico, um diálogo com outros textos e também com o
público que o prestigia.
A idéia central das relações denominadas convencionalmente por intertextuais surgiu
em Mikhail Bakhtin no começo do século XX, como um meio para estudar e reconhecer o
intercâmbio existente entre autores e obras, configurando-as como dialogismo. Diálogos
também reconhecidos por outros termos, como intertextualidade, enquanto as relações entre
vários discursos estudados no decorrer do século XX se mantiveram como tema e
procedimento importante na interpretação da cultura.
Em Bakhtin, (1988, pág. 100-106), encontra-se o conceito de relações dialógicas que
se manifestam no espaço da enunciação: Todas as palavras e formas que povoam a
linguagem são vozes sociais e históricas, que lhe dão determinadas significações concretas e
que se organizam no romance em um sistema estilístico harmonioso [...]. Para ele, a língua se
harmoniza em conjuntos, pois não é um sistema abstrato de normas, mas sim uma opinião
plurilíngüe concreta sobre o mundo.
Só em 1969 é que Julia Kristeva reutiliza o termo intertextualidade e tenta explicar o
que Mikhail Bakhtin, entendia por dialogismo. Ou seja, sua opinião era de que os termos são
duas variações para um mesmo significado. Para Bakhtin, a noção de que um texto não
subsiste sem o outro, quer como uma forma de atração ou de rejeição permite que ocorra um
diálogo entre duas ou mais vozes, entre dois ou mais discursos.
11
* Este texto é uma paráfrase do livro Intertextualidades: Teoria e Prática, várias autoras, Editora Lê.
Para KRISTEVA (1978, pág. 120/121), o processo de leitura realiza-se como ato de
colher, de tomar, de reconhecer traços. Ler, passa a ser uma participação agressiva, ativa, de
apropriação. A escritura, então, torna-se a produção, a indústria dessa leitura que se cumprirá.
Um livro remete a outros livros, aos quais, num procedimento de somatória, permite uma
nova forma de ser, ao elaborar sua própria significação:
A linguagem poética aparece como um diálogo de textos: toda seqüência se
faz em relação de uma a outra proveniente de outro corpus, de maneira que
toda seqüência está duplamente orientada: para o ato de reminiscência
(evocação de uma outra escrita) e para o ato de intimação (a transformação dessa escritura).
Sendo assim, torna-se evidente a existência de uma correlação entre os termos
abordados, provando que eles têm algo em comum.
É necessário também, fazer referência ao ponto de vista de BARROS que, em seus
escritos, reforça a tese escrita por KRISTEVA:
A noção de dialogismo - escrita em que se lê o outro, o discurso do outro -
remete a outra, explicitada por Kristeva (1969) ao sugerir que Bakhtin, ao
falar de duas vozes coexistindo num texto, isto é, de um texto como atração e
rejeição, resgate e repelência de outros textos, teria apresentado a idéia de
intertextualidade. (BARROS; FIORIN, 1999, p. 50).
Segundo a afirmação, é possível fazer um paralelo entre essas duas opiniões
sintetizando-as a um mesmo sentido.
1.3. TIPOS DE INTERTEXTUALIDADE
Para melhor desenvolver essa questão de intertextualidade e preciso fazer referência
aos sete tipos existentes: epigrafe, citação, paráfrase, paródia, pastiche, tradução, referência e
alusão. Vejamos agora cada caso de forma particular.
* Epígrafe – constitui uma escrita introdutória a outra.
A utilização desse elemento e feita da seguinte forma: ele designa os fragmentos de
textos que servem de lema ou divisa de uma obra, capítulo, ou poema. Pode ocorrer logo
abaixo do título de um livro, ou ainda à entrada de um capítulo, ou composição poética. Por
12
vezes, não existindo vínculo entre ela e o conteúdo da obra, funciona como mero enfeite ou
demonstração pueril de conhecimento (Massaud Moisés).
* Citação – é uma transcrição do texto alheio, marcada por aspas.
Neste caso o objetivo principal é mostrar de onde foi retirada a fundamentação da sua
teoria.
* Paráfrase – é a reprodução do texto do outro com a palavra do autor. Ela não se
confunde com o plágio, pois o autor deixa claro sua intenção e a fonte.
Aqui é feito o ato de transcrever o texto de outro autor utilizando palavras simples,
muitas vezes para torná-lo mais claro e objetivo, de forma que facilite a interpretação do
leitor. É necessário enfatizar que ela é completamente diferente do plágio, pois o autor deixa
bem claro a sua intenção.
* Paródia - é uma forma de apropriação que, em lugar de endossar o modelo
retomado, rompe com ele, sutil ou abertamente. Ela perverte o texto anterior, visando à ironia,
ou à crítica.
Neste há designa toda composição literária que imita, de forma cômica ou satírica, o
tema ou/e a forma de uma obra séria. O intuito da paródia consiste em ridicularizar uma
tendência ou um estilo
* Pastiche - uma recorrência a um gênero.
* Tradução - a tradução está no campo da intertextualidade porque implica
recriação de um texto.
* Referência e alusão – trata-se de referir-se a uma idéia sem menciona-la
expressamente.
Um texto se constrói, à medida que retoma os fatos já conhecidos utilizando-se
desses artifícios. Nesse sentido, quanto mais amplo for o repertório do leitor, o seu
acervo de conhecimentos, maior será a sua competência para perceber como os textos
"dialogam uns com os outros" por meio dos tipos de intertextualidade existentes e é
com base no exposto que nos próximos capítulos usá-los-emos para melhor
desenvolvermos, de forma concisa, todo o conteúdo abordado.
13
2. LITERATURA AFRICANA: UM TRAÇADO DE IDENTIDADE
A literatura surge sempre onde há um povo que vive e sente (COUTINHO. Afrânio,
1986), na áfrica não haveria de ser diferente.
Para melhor explicar e fazer com que os leitores compreendam o significado do
comentário acima, é necessário nos reportarmos ao tempo de colônia onde mostraremos um
pouco do sofrimento vivido pelos africanos.
Este povo foi colonizado sob uma repressão dramática e, sobretudo, muito tensa. Seus
colonizadores se impondo de um enlevo e de uma superioridade, disfarçada de religiosidade,
dominaram por varias décadas. Nessa época a tese predominante era a de dominação absoluta,
pois os governantes das colônias sentiam-se no direito, ou melhor, para mascara essa
ideologia, o dever de “assumi-los” e “protegê-los”.
Nesse sentido é que COSME, Leonel (Apud MADRUGA, Elisalva de Fátima, 1982,
pág. 1), transcreve as palavras do ditador Salazar, em uma Conferência proferida aos
governadores das colônias portuguesas na áfrica, que enfatiza:
O dever de organizar cada dia melhor e de forma sempre mais eficaz a
proteção das raças inferiores, cujo acolhimento da nossa civilização cristã
constitui uma das concessões mais ousadas e uma das mais belas empresas
da colonização portuguesa.
Nesta afirmação, feita por Salazar, nesta conferência, é que se confirma à falsa
ideologia criada na época, fator esse que contribuiu para a escravização e subjugação dos
negros sob os brancos.
Em contra partida, surge Edward Blyden que defende a valorização da identidade
negra, tornando-se posteriormente noção funcional do movimento nacionalista africano.
Graças a mobilização dele é que manifesta-se nos anos 30, com o apoio de Aimé Cesáire,
Leopold Senghor e León Damas, o movimento de Negritude que tratava da busca inquieta dos
negros para se reencontrarem e chegarem à plena visão de si mesmo em prol do resgate do
seu orgulho e de seus valores.
14
É necessário ressalvar que vários paises do continente africano se destacaram nessa
busca, mas que, para nosso trabalho, nós temos um interesse particular em apenas um: Cabo
Verde.
2.1. CABO VERDE E O MOVIMENTO CLARIDADE
Cabo Verde é um arquipélago situado em pleno Oceano Atlântico, a cerca de 450 km a
Oeste do Senegal, na costa ocidental africana. As dez ilhas e os vários ilhéus do Arquipélago
deste país estendem-se por cerca de 4033 Km2 e foram formadas pela acumulação de rochas,
resultantes de erupções sobre as plataformas submarinas.
Os ventos Alísios vindos do Continente Africano dividem o país em dois grupos, o de
Barlavento, constituído por S. Vicente, Sal, S. Nicolau, Santo Antão, Boavista e Santa Luzia,
e o de Sotavento, pelas ilhas de Santiago, Maio, Brava e Fogo. As três ilhas mais orientais,
Sal, Maio e Boavista, têm um relevo mais plano e um clima mais árido por estarem expostas
aos ventos secos e quentes do Saara.
O povo cabo-verdiano é o produto da fusão de várias gentes que, ao longo de séculos
de co-existência, foram moldando no tempo e no espaço uma forma de ser e de estar,
conferindo-lhes a sua identidade. Identidade está que, por muito tempo, não aflorou por conta
da colonização portuguesa.
Porém, no decênio de 30, de forma ousada, surge o primeiro movimento nacional em
busca de emancipação cultural. Neste momento os cabo-verdianos sentiam-se no dever de
mobilizar-se em prol de resgatar sua identidade, tomada pela hegemonia política de Portugal.
A situação histórico-social de Cabo Verde teve um papel determinante na
construção da mentalidade e identidade cultural do seu povo, que foi durante
séculos governado por um regime colonial e sustentado por uma sociedade escravocrata.(ARQUIVO PDF, Cabo Verde: As Ilhas da Morabeza, 2009, pág.
35)
Neste cenário ergue-se o Movimento Claridoso, cujo objetivo era resgatar a cultura, os
valores desse povo, ou seja, fincar os pés na terra, combater o dilema de “ter que ficar, mas
quer partir” e “quer ficar, mas tem que partir”, se contrapor aos desejos de evasão e
emigração.
15
Em outras palavras, segundo MEDINA, Cremilda de Araújo (1987, pág. 424):
A claridade configura-se como um movimento precursor de independência
política, na medida em que ela relevou que Cabo Verde possuía uma
personalidade autônoma e diferenciada, que merecia um tratamento e um
atendimento especifico.
Começava em Cabo Verde a busca da sua auto-afirmação, ou seja, o proposto era
romper com as produções européias, despertar uma consciência nativa nacional e libertar-se
dos portugueses.
Na medida em que isso acontecia, os escritores Baltazar Lopes, Jorge Barbosa e
Manuel Lopes tentam fundar um jornal, porém, por causa da censura salazarista, a idéia torna-
se inviável.
Surge então, em 1936, a revista Claridade, na qual a escolha do nome instaura uma
oposição ao contexto, à noite colonial ampliando a sinonímia. Pois ela não está na ordem
apenas do brilho intenso, mas na conscientização, no anuncio de um novo tempo (APOSTILA
DA DISCIPLINA: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. 2007, pág. 30).
Inicia-se a fase da modernidade literária cabo-verdiana, verificando-se então uma
ruptura com o estilo clássico de escrita, onde predomina agora uma escrita voltada para o
Homem e para os problemas cabo-verdianos e, portanto, com os pés fincados no chão,
voltados para a Terra-materna, em que a terra seca e árida, o mar, a situação social precária
dos mesmos, a exploração e o servilismo da população, a resignação e o espírito anti-evasão,
enquanto dramas existenciais do povo, são abordados de forma incisiva.
Na revista eram encontrados os mais variados aspectos da nação crioula: publicação de
poemas, contos, estudos sobre a língua nativa, cobranças de documentos relativos a
escravidão, comentários sobre algumas ilhas e sobretudo, investigação sistemática da
realidade cabo-verdiana e problemas de transformação de seu estatuto político.
Considera-se que a revista Claridade foi o pontapé inicial da literatura áfrica dando
espaço para varias outras revistas que surgiriam posteriormente e abordariam outras temáticas
sócias.
Após a aquisição da independência o cenário literário também foi modificado e os fins
dos anos sessenta e setenta ficaram marcados por uma poesia Chã e com uma forte vertente
própria, era uma poesia de exaltação da terra cabo-verdiana e do seu habitante a que se
convencionou denominar de cantalutismo, ou seja, a “procura de inefável identidade”. Nesse
momento histórico surgem também grades autores e grandes obras literárias.
16
2.3. INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES
2.3.1. OVÍDIO MARTINS
Ovídio Martins nasceu em 1928 em Mindelo (ilha de São Vicente). Depois de ter
completado o liceu nesta cidade, o jovem seguiu para Lisboa, em 1947, e matriculou-se na
Faculdade de Direito. Mas, por razões de saúde principalmente (perda quase completa da
audição), nunca chegará a terminar os estudos jurídicos. Apesar de tudo, mantém uma
importante atividade cultural e política. Duramente perseguido pela sua militância antifascista
e preso pela P.I.D.E.-D.G.S., como grande número de emigrantes cabo-verdianos, refugia-se
em Amsterdã, regressando a Cabo-Verde só depois da independência.
A sua participação na vida cultural e política cabo-verdiana começou bastante cedo.
Ovídio foi um dos fundadores do Suplemento Cultural (1958), grupo que pretendia romper
radicalmente com os arquétipos europeus e orientar a atividade criadora dos escritores para os
temas de raiz cabo-verdiana, num tom mais veemente e mais protestante. Em 1962 são
publicadas duas obras de O.Martins: “Caminhada” (poemas), em Lisboa e “Tchutchinha”
(contos), em Angola. Porém, o livro que mais repercussão vai ter na vida literária do autor
intitula-se precisamente “Gritarei, berrarei, matarei, não vou para Pasárgada”. A partir de
1977, ele colaborou também na revista Raízes, publicada na capital cabo-verdiana e dirigida
por Arnaldo França. Na nota de abertura do primeiro número de Raízes ficamos a saber que a
idéia dessa publicação nasceu “de um encontro de intelectuais cabo-verdianos, irmanados
pelo ideal da libertação, da independência e do progresso da sua Pátria”. Merecem ainda ser
assinaladas, nesta breve nota biográfica, outras publicações em que o poeta colaborou:
Claridade, Cabo Verde, Vértice, Suplemento literário do Jornal de Notícias, Notícias do
Imbondeiro, Le Journal des Poètes (Bélgica).
17
2.3.2. DAVID HOPFFER ALMADA
David Hopffer Cordeiro Almada nasceu em 12 de dezembro de 1945, em Chã de
Tanque, conselho de Santa Catarina, ilha de Santiago. Estudou no seminário de São Jose no
Liceu Adriana Moreira da Praia. Começou a trabalhar como funcionário público antes de
seguir para Coimbra, Portugal, onde se licenciou em direito em 1972. Secretario adjunto do
ministro da Justiça e dos Assuntos Sociais, no governo de transição de Cabo Verde em 1975.
Após a independência foi ministro da Justiça, 1975 a 1986, e Presidente da Comissão da
Reforma Administrativa. Nesse ultimo ano passou a ministro da Informação, Cultura e
Desporto (1986-1990) além de ser deputado à Assembléia Nacional Popular de Cabo Verde e
membro do Conselho Nacional do PAIGC.
Desde cedo atraído pela comunicação social, em 1966, ainda estudante, Almada,
juntamente com Zezé Barbosa, Mario Candeias Guitana e os irmãos José e Alfredo Neves,
estando em férias na Vila de Assomada. Ilha de Santiago, com o apoio de administrador do
conselho Adalberto Nobre de Oliveira, fundaram a Radio Férias que foi uma espécie de radio
local ainda que não emitisse. Funcionava a partir do cineclube local, era difundido através de
um alto-falante colocado na praça e tinha um programa próprio elabora pelos estudantes,
apenas o noticiário era transmitido do da Radio Sotavento. Foi diretor do semanário
revolucionário Alerta!. Depois da independência de Cabo Verde colaborou nos periódicos
Raízes, Nôs Vida, Voz di Pov, Fragmento, entre outros.
Como poeta figura em: Contavento – Antologia Bilíngue de poesia cabo-verdiana,
Taunton, Massachusetts, EUA, 1982; Mirabilis – De Veias ao Sol, Praia, I. Santiago/Lisboa,
1991.
Parte da intelectualidade revelada após a independência nacional, David Hopffer
Almada deixa perceber na sua escrita a preocupação nacionalista, a afirmação identitária e os
desafios de uma sociedade em mutação.
Conta com quatro obras lançadas. “Canto à Cabo Verde”, “Cabo-verdianidade e
tropicalismo”, “Matéria Jurídica Constitucional – a questão Presidencial” e agora
“Vivências”.
18
3. ANALISE COMPARATIVA DOS POEMAS
Sob o enfoque da Literatura Comparada passaremos ao estudo comparativo entre os
poemas: As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos, de Ovídio Martins,
e o Canto a Cabo Verde, de David Hopffer Almada. Notamos que os mesmos, escritos em
fases e momentos diferentes, contêm uma carga semântica divergente, e simultaneamente
semelhante, tornando um, intertexto de outro.
Esta perspectiva foi gerada a partir do fato de estarem contidos nos poemas, termos
que se assemelham no ponto de, ambos os autores, utilizarem um elo que os une, o de “Serem
os Flagelados do vento leste” e o de “Já não serem tais Flagelados”. E os divergem quando
um é tomado por problemas sociais, como fome, opressão, pobreza e injustiças, e o outro pelo
cessar de tais problemas e pela conquista da liberdade.
Ambos os textos são escritos de forma simples e contém uma versificação livre,
tornando a sua linguagem de fácil compreensão.
Em As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos a palavra de
ordem é resistir. Resistir às desgraças climáticas, à escravidão, à fome, às injustiças, enfim,
resistir forçadamente a tudo para sobreviver. Aqui a mensagem central apresentada é a de
perseverança na luta quotidiana pela sobrevivência, e a esperança de um futuro melhor.
Já em Canto a Cabo verde predomina o otimismo e se almeja a renovação. Nas
entrelinhas deste poema se torna explicito a essência da obra. Num encadeamento de idéias é
mostrado a vitória do povo cabo-verdiano que conquistou a sua independência e o desejo
ardente do melhoramento da existência.
O eu-lírico do poema 01 recorre ao discurso coletivo para expor os seus sofrimentos e
mostrar que ninguém se manifestou, que não houve compaixão nem leitos para abrigo, e
muito menos houve quem os estendessem as mãos para amenizar tantas desgraças.
Somos os flagelados do Vento leste!
A nosso favor
Não houve campanhas de solidariedade
Não se abriram os lares para nos abrigar
19
E não houve braços estendidos fraternalmente
Para nós (...)
Como não houve nada disso, restou-os se adaptarem às condições de vida, aprendendo
com os animais como sobreviver à fome e espelhando-se na persistência e conservação firme
e constante do mar.
(...) Somos os flagelados do vento leste!
Aprendemos com o vento a bailar na desgraça.
O mar transmitiu-nos a sua perseverança
As cabras ensinaram-nos a comer pedras
Para não perecermos (...)
No trecho a seguir se tona bem claro que não importam os obstáculos, o povo vive de
um eterno ciclo de renascimento, ou seja, findam e ressurgem constantemente, mostrando que
são firmes e fortes e que não se abatem pela vitimação da seca, e argumentam ter entendido e
compreendido a origem de tudo. Manifestando uma suposta ânsia aos colonizadores.
(...) Somos os flagelados do vento leste!
morremos e ressuscitamos todos os anos
para desespero dos que impedem
a caminhada
Teimosamente continuamos de pé
num desafio aos deuses e aos homens E as estiagens já não nos metem medo.
porque descobrimos a origem das coisas
(quando pudemos!...) (...)
No poema o eu-lírico ainda critica a supremacia portuguesa, tomada pela ideologia de
ter o dever de assumir e proteger os Cabo-verdianos, que esquece os princípios divinos de que
todos somos iguais e irmãos. Ressaltando ainda, que só mesmo o mar, que levou vários
escravos, os vento, que cravaram profundamente forças distintas para igualá-los, e as
montanhas, que de forma incomum lhes proporcionavam uma serenidade agradável, é que
foram os únicos capazes de se manifestar, sob suas respectivas formas, em favor destas
vitimas da seca.
(...) Somos os flagelado do vento leste!
Os homens esqueceram-se de nos chamar de irmãos
E as vozes solidárias que temos sempre
escutamos
São apenas
as vozes do mar
que nos salgou o sangue
as vozes do vento
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que nos entranhou o ritmo do equilíbrio
e as vozes das nossas montanhas
estranhas e silenciosamente musicais (...)
Por fim o autor incrementa que: Nós somos os flagelados do vento leste!; Tornando
esse verso o ápice de todo o poema, pois revela a consciência que tem em relação a todo o
exposto.
A partir de agora, no poema 2 Canto à Cabo Verde, procuraremos explicar, de forma
contextualizada, o porquê de este poema exaltar as vitórias dos Cabo-verdianos e querer um
canto de esperança, que seja diferente e que seja de alegria e renovação.
No período nacionalista, pós-claridade, onde o povo obteve a conquista da
independência, a esperança de uma vida mais digna começava emergir no peito de todos em
forma do desejo de cantar elogios ao país, ou seja, valorizar tudo o que foi ganho.
Nesse sentido é que surge Almada com busca pela mudança em seu poema repleto de
otimismo e esperança de renovação.
Nos versos iniciais, Quero / Um canto diferente / para Cabo verde (...), é expresso
explicitamente o desejo absoluto da época, o de uma boa nova para um país martirizado por
muito tempo.
Agora a ligação que o une ao primeiro é contraria. Antes eles aprendiam com os
ventos, hoje eles o dominam. Reforçam ainda, que a escravidão foi cessada e que houve a tão
sonhada conquista de respeito. Nesse momento honram-se de serem gente e de serem livres.
(...) já não somos
Os flagelados do vento leste
Dominamos os ventos Já não somos contratados
Como animais de carga para o sul
Conquistamos a dignidade de ser gente (...)
Cantam de forma otimista, louvores à pátria que não mais os obrigam a vivenciar o
dilema de “ter que ficar, mas quer partir” e “quer ficar, mas tem que partir”. Sobretudo,
prometem esquecer e sufocar as magoas do mandonismos.
(...) Por isso
Vou cantar
De forma diferente
Para essa pátria do Meio Mar
Vou me esquecer, enterrar
Os lamentos, as lamúrias
A tristeza
De quem quer ficar
21
Com o destino de ter que partir (...)
Não há mais prisões, houve a libertação humana e a tristeza, enfim, foi cessada. O eu-
lírico atenta-se apenas a possibilidade de mudança, a esperança de renovação, a esperança de
um Canto Alegre que transforme a vida de todos.
(...) Não vou chorar A pobreza, a fraqueza
A seca
A natureza madrasta
Canto
Para este povo
Um canto de alegria.
Após todo o exposto infere-se que Canto à cabo verde se contrapõem a As cabras
ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos por apresentar uma mesma temática , ou
seja, o sofrimento causado pelos ventos vindos do leste, no entanto, no poema 2 tudo cessou e
há esperança em novos tempos e crença em uma vida mais digna a seu modo.
O aspecto crítico de ambos é de grande relevância, pois apresentam toda a
dramaticidade evocada declamatoriamente, no 1°, e o sentimentalismo otimista nacional pós-
independência, no 2°.
No contexto histórico do primeiro é notório o ar de exploração que os cercam, nele há
uma consciência dramática que os fazem enfrentar todos problemas, se adaptarem e
sobretudo, aceitar tal condição tornando-o uma epopéia coletiva.
Já no segundo toda a problemática exposta pelo primeiro, em parte, cessa, graças à
conquista da independência restando-os a esperança de modificação social, ou seja, a
dignidade de viver e de serem um pais livre, se transformando em motivo de alegria, também
coletiva, para todos, fazendo com que cantem as vitórias e a felicidade almejada em seu
poema.
22
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Literatura Comparada enquanto teoria, e sendo uma atividade crítica, é capaz de
lidar amplamente com dados literários e extra-literários desde que seja resguardada a sua
especificidade e se contraponha à teoria da intertextualidade, tal como J. Kristeva a formulou.
Enquanto método, trabalhos classificados como "estudos literários comparados"
acabam por rotular investigações bem variadas, que adotam diferentes metodologias e que,
pela diversificação dos objetos de análise são capazes ceder um vasto campo de atuação.
Nesse sentido ressaltamos que não existe apenas uma orientação a ser seguida, ou seja, o
método não antecede à análise, como algo previamente fabricado, mas dela decorre.
Aos poucos torna-se claro que literatura comparada não pode ser entendida apenas
como sinônimo de "comparação", antes de tudo, porque esse não é um recurso exclusivo do
comparativismo, a comparação não é um método específico, mas um procedimento mental
que favorece a generalização ou a diferenciação. É um ato lógico-formal do pensar diferencial
e indutivo, paralelo a uma atitude totalizadora e dedutiva.
Ao longo de todo percurso deste trabalho foi mostrado como a Literatura Africana
surgiu, como foi à busca incansável pela identidade, como ela é militante, contextualizada e
reivindicatória.
Retomando as palavras de Afrânio Coutinho, a literatura surge sempre onde há um
povo que vive e sente, e ninguém melhor que os africanos, que lutaram e reivindicaram muito
à procura pela sua personalidade, pra representar tais palavras.
Ao analisar As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos, de Ovídio
Martins, e o Canto a Cabo Verde, David Hopffer Almada, torna-se evidente que, mesmo em
momentos históricos diferentes, a Literatura Africana é contextualizada. Todos os escritos
nela, têm a ver com as mazelas sociais que vivenciaram e ainda vivenciam.
Deduz-se, através das pesquisas realizadas, que definitivamente esta arte por muito
tempo suprimida, ainda é socialmente comprometida e que muito ainda pode ser feito para
23
que os Africanos, em geral, tenham o reconhecimento que também são um povo que vive e
sente, independente de tudo.
Abertos a novos enfoques, a Literatura Africana pode ser considerada como um
mosaico de inesgotáveis fontes de textos literários, temos consciência de que as obras
estudadas permitem outras visões, ou seja, permite gerar e destacar outros pontos não
mencionados. Optamos por esse. Essa foi a nossa leitura.
Concluímos assim uma pesquisa que poderá ser retomada e mais aprofundada por
diferentes perspectivas. Espera-se que o material exposto sirva de base filosófica e
interpretativa para a geração de novos conceitos relevantes a área estudada.
24
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APOSTILA DA DISCIPLINA: Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Universidade
Regional do Cariri – URCA, 2007.
ARQUIVO PDF, Cabo Verde: As Ilhas da Morabeza, 2009.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo:
HUCITEC, 1988.
BARROS, Diana Luz Pessoa de; FIORIN, José Luiz. (Org.). Dialogismo, Polifonia,
Intertextualidade: em torno de Bakhtin. São Paulo: Edusp, 1999.
CARVALHAL, Tânia Franco, Literatura Comparada - São Paulo: Ática, 2006.
COSME, Leonel. Angola. Apud. MADRUGA, Elisalva de Fátima in; José Lins do Rego e
José Luandino Vieira: uma relação transoceânica. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro:
PUC, 1982.
COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1986.
KRISTEVA, Julia. Semeiotike: recherches pour une sémanalyse. Paris: Coleção Points-Essai,
Éditions du Seuil, l978.
MEDINA, Cremilda de Araújo. Sonha Mamana África. São Paulo: edições epopéia, 1987.
PESQUISAS FEITAS NA INTERNET www.google.com.br – Biografias
ROCHA, Ruth. Minidicionário. São Paulo: Scipione, 1996.
STOENESCO, Dominique, Revista Latitudes, n° 6 – 1999, pág. 56.
25
ANEXO 01
Ovídio Martins
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ANEXO 02
As cabras ensinaram-nos a comer pedras para não perecermos
Somos os flagelados do Vento leste!
A nosso favor
Não houve campanhas de solidariedade
Não se abriram os lares para nos abrigar
E não houve braços estendidos fraternalmente
Para nós
Somos os flagelados do vento leste!
Aprendemos com o vento a bailar na desgraça.
O mar transmitiu-nos a sua perseverança
As cabras ensinaram-nos a comer pedras
Para não perecermos
Somos os flagelados do vento leste!
morremos e ressuscitamos todos os anos
para desespero dos que impedem
a caminhada
Teimosamente continuamos de pé
num desafio aos deuses e aos homens
E as estiagens já não nos metem medo.
porque descobrimos a origem das coisas
(quando pudemos!...)
Somos os flagelado do vento leste!
Os homens esqueceram-se de nos chamar de irmãos
E as vozes solidárias que temos sempre
escutamos
São apenas
as vozes do mar
que nos salgou o sangue
as vozes do vento
que nos entranhou o ritmo do equilíbrio
e as vozes das nossas montanhas
estranhas e silenciosamente musicais (...)
Nós somos os flagelados do vento leste!
Ovídio Martins
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ANEXO 03
David Hopffer Almada
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ANEXO 04
Canto a Cabo Verde
Quero
Um canto diferente
Para cabo verde
já não somos
Os flagelados do vento leste
Dominamos os ventos
Já não somos contratados
Como animais de carga para o sul
Conquistamos a dignidade de ser gente
Por isso
Vou cantar
De forma diferente
Para essa pátria do Meio Mar
Vou me esquecer, enterrar
Os lamentos, as lamúrias
A tristeza
De quem quer ficar
Com o destino de ter que partir
Não vou chorar
A pobreza, a fraqueza
A seca
A natureza madrasta
Canto
Para este povo
Um canto de alegria.
David Hopffer Almada
29
ANEXO 05
1. CABO VERDE E SUAS ILHAS
1.1. Mapa geral:
1.2. As ilhas:
A ilha do Sal é a ilha do arquipélago mais
próxima do continente africano. Submetida as condições climáticas similares às que, na mesma
latitude, se verificam naquele continente, é árida e
tem uma vegetação escassa. Plana, apesar da sua
origem vulcânica, o Sal tem uma superfície total de
216 km2 e uma extensão máxima de cerca de 30
km.
A ilha, praticamente deserta, só começou a ter
atividade econômica expressiva com a exploração
das suas salinas, tornando-se exportadora de sal até
meados de 1980.
30
A ilha de Santiago foi a primeira ilha a ser
povoada. É a maior das ilhas, onde se localiza a
cidade da Praia, capital do país e sede do Governo
da República.
Santiago apresenta vários maciços
montanhosos para além do Pico de Antónia, com
1392 m de altitude, o seu ponto mais elevado. Vales sinuosos e profundos e uma costa abrupta de recifes
negros, interrompida em alguns pontos por
pequenas praias de areia, mostram o resultado de
uma marcada erosão. A vegetação e a amenidade
do clima, mais úmido nas zonas altas, contrastam
com a aridez das zonas intermédias.
A Ilha de S. Vicente é uma ilha pequena
comparando com outras, com 227 km2 de
superfície, mas, no entanto, é a segunda mais
povoada. Aqui se situa a segunda maior cidade de
Cabo Verde, o Mindelo. Descoberta no dia de São
Vicente, a 22 de Janeiro de 1462, foi praticamente
desabitada até meados do século XIX. Mindelo, a
capital da ilha, desenvolveu-se através da atividade
portuária.
Com efeito, os ingleses instalaram em 1838,
após pacto com Portugal, um depósito de carvão para reabastecimento de navios em rotas atlânticas,
criando as bases para o povoamento da ilha.
Encruzilhada de barcos de várias nacionalidades,
Mindelo tornou-se ponto de encontro de
marinheiros de diversas raças, convertendo-se na
cidade mais cosmopolita de Cabo Verde.
A ilha de Santo Antão está localizada no grupo
chamado de Barlavento, com aproximadamente 40
km de extensão longitudinal e cerca de 20 km de
largura, perfazendo uma superfície de 779 km2. É a
ilha mais ocidental do arquipélago e também a mais setentrional. O nome foi-lhe dado por seus
descobridores antes de 1500, em consonância com
o santo do dia da descoberta, da mesma forma que
ocorreu com as outras ilhas do grupo: São
Vicente, São Nicolau e Santa Luzia.
31
A ilha de Boavista, com uma superfície de 620
Km2, é a terceira maior ilha do Arquipélago. Tal
como a ilha do Sal, é das mais planas do país. O
ponto mais alto da ilha é o Pico d’Estância, com
390 metros. É caracterizada por imensas dunas de
areia branca com oásis ocasionais de tamareiras, a
vegetação mais típica da ilha. A ilha conta com 55
km de praias de areia branca e um mar de água limpa e cristalina.
Esta ilha, inicialmente denominada São Filipe,
foi descoberta em 1460 e a proximidade com
Santiago fez com que fosse a segunda ilha a ser
povoada. A ilha tem o formato de um vulcão, que
efetivamente existe e continua ativo, tendo
acontecido a sua última erupção em Abril de 1995. A ilha tem 476 Km2 e o topo do vulcão é o ponto
mais alto do arquipélago, com 2.829 metros de
altura.
Situada a norte do Arquipélago, a ilha tem 343
Km2. A sua largura máxima é de 25 km no sentido
Norte/Sul e cerca de 50 km de comprimento no
sentido Este/Oeste. É uma ilha com um passado
vulcânico muito ativo, o que dá a sua forma atual e,
como a ilha de Santo Antão, é imponente e
majestosa, com um relevo muito acidentado, sendo
o Monte Gordo, de 1304 metros, o seu ponto mais
alto, onde confluem dois maciços montanhosos.
32
Fecha o conjunto das ilhas mais planas de
Cabo Verde. Encontram-se poucos vestígios de sua
origem vulcânica e sua maior altitude é o Monte
Penoso, com 436 metros. A sua superfície é de 269
Km2 e tem 24 km de comprimento no sentido
Norte/Sul e 16 km no sentido Este/Oeste. Foi descoberta em 1460, sendo utilizada como ilha de
criação de gado, principalmente caprino. O seu
povoamento iniciou-se no final do Séc. XVI, com a
exploração do sal, exportado inclusive para o
Brasil, atividade que se manteve até ao Séc. XIX.
É a menor das ilhas habitadas do arquipélago,
com 64 Km2 de superfície e um comprimento
máximo de 9 km; é também uma das mais
montanhosas, com um relevo muito acidentado, de
vales profundos e abruptos e cuja maior altitude é o
Pico de Fontainha, de 976 metros. A sua costa é escarpada e forma muitas baías, além de ser
também uma das ilhas mais úmidas, o que faz com
que seja conhecida como "Ilha das Flores", pela
abundância e variedade de espécies existentes.
A ilha só começou a ser realmente povoada a
partir de 1620 devido às freqüentes erupções do
vulcão da Ilha do Fogo, que fica a apenas 20 km de
distância, o que fez com que muitos habitantes
dessa ilha se deslocassem para a vizinha Brava,
numa fuga que se tornou mais numerosa com a
grande erupção de 1680, quando grande parte
resolveu estabelecer-se na Brava e não retornar à ilha do Fogo.
33