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UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSO CURSO DE CIÊNCIAS DA ATIVIDADE FÍSICA RAFAEL CARVALHO DA SILVA MOCARZEL ARTES MARCIAIS E JOVENS: VIOLÊNCIA OU VALORES EDUCACIONAIS? UM ESTUDO DE CASO DE UM ESTILO DE KUNG-FU Niterói 2011

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UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSO

CURSO DE CIÊNCIAS DA ATIVIDADE FÍSICA

RAFAEL CARVALHO DA SILVA MOCARZEL

ARTES MARCIAIS E JOVENS: VIOLÊNCIA OU VALORES EDUCA CIONAIS? UM ESTUDO DE CASO DE UM ESTILO DE KUNG-FU

Niterói 2011

RAFAEL CARVALHO DA SILVA MOCARZEL

ARTES MARCIAIS E JOVENS: VIOLÊNCIA OU VALORES EDUCA CIONAIS? UM ESTUDO DE CASO DE UM ESTILO DE KUNG-FU

Dissertação apresentada no curso de Mestrado em Ciências da Atividade Física da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO, como parte dos requisitos para conclusão do curso

Orientador: Prof. Mauricio Murad Doutor em Sociologia do Desporto

Niterói 2011

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universo

Campus Niterói

Bibliotecária: Elizabeth Franco Martins CRB 7/4990

M687a Mocarzel, Rafael Carvalho da Silva. Artes marciais e jovens: violência ou valores

educacionais? Um estudo de caso de um estilo de Kung-Fu / Rafael Carvalho da Silva Mocarzel.- Niterói, 2011.

108 p. ; il.

Bibliografia: p.87-103

Dissertação apresentada para obtenção do

Grau de Mestre em Ciências da Atividade Física -

Universidade Salgado de Oliveira, 2011.

Orientador: Dsc. Mauricio Murad Ferreira.

1. Kung-fu. 2. Artes marciais - Aspectos sociais.

3. Jovem - Aspectos psicológicos. 4. Violência. 5. Esportes - Aspectos sociais. 6. Educação Física I. Título.

CDD 796.8159

Rafael Carvalho da Silva Mocarzel

ARTES MARCIAIS E JOVENS: VIOLÊNCIA OU VALORES EDUCA CIONAIS? UM ESTUDO DE CASO DE UM ESTILO DE KUNG-FU

Dissertação apresentada ao Curso de Ciências da Atividade Física da Pós-

Graduação Strictu Senso de Mestrado da Universidade Salgado de Oliveira como

parte dos requisitos para conclusão do curso.

Aprovada em 16 de Março de 2011

Banca Examinadora:

______________________________________________________

Mauricio Murad – Dr. em Sociologia do Desporto

UERJ / UNIVERSO

Professor Orientador

______________________________________________________

Arthur de Sá Ferreira – Dr. em Engenharia Biomédica

UNISUAM / UNIVERSO

Professor Co-Orientador / Examinador

______________________________________________________

Carlos Henrique de Vasconcellos Ribeiro – Dr. em Educação Física

FAETEC / UNISUAM

Professor Examinador

______________________________________________________

Alfredo Gomes de Faria Jr. – Pós-Dr. em Educação

UNIVERSO

Professor Examinador (Suplente)

Se hoje consegui produzir uma dissertação, foi porq ue no passado você me ensinou a ler e a escrever. Obrigado por tudo e sai ba que te amo muito!

Sinto tanto sua falta...

(Para minha avó, Maria Tereza)

AGRADECIMENTOS

Começo agradecendo todos meus professores, que por diversas vezes são criticados e esquecidos pela sociedade de uma forma geral. Porém, se ela está de pé hoje, se deve a existência desses determinados profissionais.

Meu “muito obrigado” à própria instituição Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), pois com a bolsa de estudos (sendo ex-aluno da graduação), pude evoluir profissionalmente, tornando-me mais capacitado e útil para sociedade niteroiense e brasileira.

Aos nobres Doutores Mauricio Murad (Orientador) e Roberto Ferreira dos Santos (Coordenador do curso) que venceram não só os empecilhos de um ano difícil, mas também a dificuldade de ensinar um aluno complexo: eu!

Ao Co-Orientador da pesquisa e meu Mestre de Kung-Fu, Arthur de Sá Ferreira, que desde o início me acolheu, me guiou e motivou, ensinando-me até hoje “os caminhos da pena e da espada”.

Aos queridos colegas da “gangue do mestrado”, que entre um café na escada e um lanche rápido na calçada sofriam juntamente comigo na luta diária pela busca do saber.

Aos meus alunos da AKSN, pois na verdade, se sou professor hoje, foi exatamente pela existência e interdependência de mim por eles e deles por mim; uma família em união, em perfeito “equilíbrio yin-yang”.

Agradeço muito o meu “circulo menor familiar”; minha mãe Mª.Teresa, meu avô Artur e minha maninha Caroline, que tiveram muita paciência comigo neste longo e exaustivo período de evolução profissional.

Com muito carinho agradeço meu pai Sergio, que mesmo distante fisicamente se faz presente sempre, me ajudando de todas as formas possíveis que encontra.

Com um grande sorriso no rosto e no coração, agradeço demais minha eterna “arcanja da guarda”, Anna Rafaela, que me motiva e me anima com seus carinhos mil, principalmente nos dias de exaustão física e psicológica em que as palavras não têm mais poder, porém, seu amor expressado em uma forma singela e pura, como um simples cafuné, me traz a vida e o sorriso de volta. Eu Te Amo!

Do fundo do meu espírito, agradeço demais toda força e vitalidade que recebi de Oshieoyá-Samá, dos Mestres da Perfect Liberty (PL), dos Assistentes de Mestre, dos missassaguistas e adeptos, que sempre me motivaram e não deixaram esmorecer. Yoissá!

E com toda minha fé, expresso aqui o meu mais profundo sentimento de respeito, humildade e gratidão por tudo que já me foi, é e ainda me será concedido. Meu muito obrigado SENHOR DEUS!

"Se enxerguei longe, foi porque me apoiei nos ombro s de gigantes"

(Isaac Newton)

RESUMO

O Kung-Fu é talvez a mais antiga arte marcial existente. Perpassou por diversas culturas dentre séculos até hoje. Nesse período, incorporou diversas técnicas, ensinamentos e valores éticos e morais, que são ministrados em suas aulas. Atualmente, apresenta uma visão multifacetária, inserindo-se na área desportivo-competitiva, lazer, terapia ocupacional e no caráter educativo e disciplinador, refletindo positivamente na vida dos praticantes. Contudo, fatos recentes noticiados pela mídia colocaram que as artes marciais estimularam a violência por parte de alguns praticantes chamados de “pitboys”. Portanto, foi investigado se o Kung-Fu estimula ou não a violência de jovens praticantes entre 14 a 25 anos. Analisou-se amplamente a natureza pedagógica e filosófica do Kung-Fu estilo “Garra de Águia”, sendo assim, um estudo de caso (pesquisa qualitativa). Também foram averiguadas funcionalmente as técnicas da 1ª graduação (faixa branca) observando se elas estimulam ofensiva ou defensivamente os praticantes. Foram verificados os motivos de ingresso e permanência dos alunos no Kung-Fu. Acredita-se na importância do trabalho, pois o mesmo busca acrescentar dados qualitativos à comunidade científica, já que as pesquisas produzidas nacionalmente são em maioria da área biológica. A pesquisa se deu in loco (3 academias) utilizando observação participante e entregando aos alunos um questionário fechado buscando dados quantitativos complementares. Posteriormente, alunos selecionados aleatoriamente responderam uma entrevista semi-estruturada individual para dados qualitativos. A defesa da dissertação ocorreu em Março de 2011.

Palavras-Chave: 1. Kung-Fu. 2. Valores educacionais. 3. Violência.

ABSTRACT

The Kung-Fu is perhaps the oldest existing martial art. It pervaded cultures among centuries until today. During this period, several techniques, teachings and ethical and moral values are taught in their classes. Currently, presents as a multifaceted practice, entering into the area-competitive sports, leisure, occupational therapy and educative and disciplinary, reflecting positively on the lives of practitioners. However, recent events reported in media that martial arts violence spurred by some practitioners called "pitboys”. Therefore, we investigated whether Kung-Fu stimulates the violence of young practitioners from 14 to 25 years. Pedagogical and philosophical nature of Kung-Fu style "Eagle Claw" were considerate and therefore a case study (qualitative research) was conducted. Functionally of techniques of the 1st grade (white belt) were also investigated, observing whether they stimulate offensive or defensively practitioners. We al so checked motivation for entry and stay of students in Kung-Fu classes. It is believed in the importance of this work since it adds qualitative data to the scientific community, since the polls nationally are produced in most of the biological area. The research took a place in loco (3 academies) using participant observation and giving students a closed questionnaire seeking complementary quantitative data. Subsequently, randomly selected students answered a semi-structured individual for qualitative data. The dissertation defense took place in March 2011.

Keywords: 1. Kung-Fu. 2. Educational values. 3. Violence.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................ 1 1.1 Problemas........................................... ................................................................................................... 7

1.2 Objetivo Geral..................................... ................................................................................................... 8

1.3 Obje tivos Específicos................................... ........................................................................................ 9

1.4 Justificativas..................................... ..................................................................................................... 9

2 REVISÃO DE LITERATURA................................... .............................................................................. 11

2.1 Lutas e Artes Marciais – conceituações e diferenças............ ........................................................... 11

2.1.1 Lutas....................................................................................................................................................... 13

2.1.2 Artes Marciais......................................................................................................................................... 14

2.2 História das Artes Marciais Chinesas – nasce o Kung-Fu ............................................................... 19

2.2.1 Filosofias Orientais que influenciaram o Kung-Fu.................................................................................. 27

2.2.2 O Kung-Fu no século XX........................................................................................................................ 31

2.2.3 Chegada do Kung-Fu no Brasil.............................................................................................................. 37

2.3 O Fenômeno da Violência .................................................................................................................... 39

2.3.1 Reflexões e teorias diversas................................................................................................................... 39

2.3.2 Relação da violência com o esporte em geral e com o Kung-Fu........................................................... 43

3 METODOLOGIA...................................... ............................................................................................... 56

3.1 Formato da Pesquisa................................. ........................................................................................... 56

3.2 Contexto e Participantes............................ .......................................................................................... 57

3.3 Instrumentos de Coleta de Dados.................... ................................................................................... 58

3.4 Análise de Dados................................... ............................................................................................... 59

3.5 Procedimentos Éticos................................. ......................................................................................... 60

3.6 Subj etividade do Pesquisador............................ ................................................................................. 61

3.7 Cronograma......................................... .................................................................................................. 62

3.8 Orçamento da Pesquisa............................... ........................................................................................ 63

4 RESULTADOS............................................ ........................................................................................... 65

4.1 Dados da análise das técnicas da primeira graduação (faixa branca).................................... ....... 65

4.2 Dados das Observações Participantes.............. ............................................................................... 69

4.3 Dados dos Questionários............................ ...................................................................................... 71

4.4 Dados das Entrevistas Semi-Estruturadas........................................ .............................................. 75

5 DISCUSSÃO......................................................................................................................................... 80

5.1 Discussão da análise das técnicas da primeira gradu ação (faixa branca)................................ ... 80

5.2 Discussão das Observações Participantes............. ......................................................................... 81

5.3 Discussão dos Questionários........................ .................................................................................... 82

5.4 Discussão das Entrevistas Semi -Estruturadas........................................ ........................................ 83

6 CONCLUSÃO.......................................... ............................................................................................. 85

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 87

ANEXOS................................................................................................................................................ 104

APÊNDICES.......................................................................................................................................... 108

1

1 INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea passa por uma fase onde a violência está

disseminada e em evidência (NASCIMENTO; ALMEIDA, 2007). Atualmente, os

fatores sócio-econômicos juntamente com o baixo nível educacional da população,

conduzem as pessoas a um estado de apreensão no que diz respeito à segurança.

Observa-se que, desde tempos remotos, a Humanidade busca métodos de

autodefesa, tanto no âmbito coletivo quanto individual, pelo aumento gradativo e

exponencial da violência (BARROSO; VELHO; FENSTERSEIFER, 2005).

Autodefesa pode ser definida como “a resistência do indivíduo às pressões

exteriores em níveis” (DICIONÁRIO AURÉLIO, 2003), incluindo-se aqui as

agressões corporais.

Assim, a sociedade se desenvolveu e acumulou conhecimento para

proporcionar proteção coletiva e individual a seus membros. No aspecto coletivo,

formaram-se as forças armadas, guardas municipais, legislações, dentre outros. No

aspecto individual, as formas de autodefesa ganharam força ao longo dos séculos,

tornando-se inclusive práticas esportivas.

Essa convergência entre atividades físicas, esportes e processos históricos

pode ser observada em quase todas as modalidades: “A história do desporto é

íntima da cultura humana, pois por meio dela se compreende épocas e povos, já que

cada período histórico tem o seu esporte e a essência de cada povo nele se reflete”

(TUBINO apud MURAD, 2007, p.16). Assim, concorda-se com o pensamento de

Melo (1997) sobre a necessidade de estudos sobre a história do esporte para sua

melhor compreensão. Nessa perspectiva, pretendem-se abordar na presente

dissertação, relações entre dados históricos, contextos sociais e culturais com a

estruturação das diversas práticas de autodefesa.

Observa-se no contexto histórico-social contemporâneo que o aprendizado e

as práticas de autodefesa se concentram em núcleos de estudos de artes marciais

originárias de diversas culturas, sobretudo as do Oriente. Muitos adeptos praticam

2

treinamentos físicos e mentais, tendo como uma de suas principais metas o caráter

disciplinatório do corpo e da mente, treinamento este permeado pela cultura da arte

marcial em questão.

Esse tipo de organização marcial se desenvolveu a partir da necessidade de

proteção territorial contra invasões bélicas (SANTOS, D., 2008; PIMENTA, 2009;

PEREIRA; FERON, 2010), culminando com o desenvolvimento de forças armadas

para confrontos corpo-a-corpo. Tal nível de organização foi possível devido à

estruturação dos métodos de autodefesa. Na Grécia, os desportistas elênicos (ou

helenos) passavam por preparações físicas que hoje se assemelhariam a

treinamentos militares (corridas, marchas, lutas, saltos) fazendo uso de pesos e

cargas para aumentar a dificuldade intensificando o esforço; eram adeptos do

aquecimento e de massagens pós-treinamentos e ainda, faziam uso de ciclos de

treinamento (tetras) e dietas alimentares (TUBINO; MOREIRA, 2003). Níveis de

organizações marciais similares podem ser observados nos núcleos de práticas de

lutas e artes marciais atualmente.

Países orientais ainda são de um modo geral, reconhecidos no imaginário

coletivo como lares de povos muito disciplinados e zelosos, tanto com suas culturas

quanto em seu dia-a-dia, devido ao hábito da sociedade de incorporar desde a

infância, a prática de valores transmitidos pelas gerações anteriores. As artes

marciais costumam ser uma das principais ferramentas da transmissão desses

valores, permeando-se de geração em geração.

Com o grande avanço das tecnologias na sociedade mundial (incluindo as

forças militares e suas armas), as guerras foram perdendo a característica do

chamado confronto corpo-a-corpo (KOPPE, 2009). Durante a primeira metade do

século XX, a maioria das guerras e combates ocorridos neste período teve o uso de

armas de fogo, incluindo o avião (na segunda metade da I Grande Guerra Mundial –

GGM) e as armas nucleares (lançada sobre o Japão no final da II GGM1). Deste

modo, fazendo com que os fins marciais perdessem espaço para treinamentos de

tiro, uso de explosivos e técnicas semelhantes (SANTOS, P., 2006). Entretanto, o

1 A primeira bomba (Little Boy) foi lançada pelos Estados Unidos da América (EUA) na cidade de Hiroshima no Japão em 6 ago. 1945. Posteriormente ocorreu o lançamento da segunda bomba (Fat Man) na cidade de Nagasaki em 9 ago. 1945.

3

surgimento desse tipo de armamento não impediu a continuidade da criação,

modificação e aprimoramento das diversas modalidades de combate corpo-a-corpo

(LIMA, 2000; TUBINO; TUBINO; GARRIDO, 2007; PIMENTA, 2009).

Desde então, o aspecto sociocultural das artes marciais tornou-se um dos

motivos mais fortes para a prática desse tipo de atividade física, já que muitas delas

sofreram diversas reformulações em relativa proximidade do período referido

(ALMEIDA; CORBETT; GUTIERREZ, 2009; KOPPE, 2009). Isso se deve, por

exemplo: à proibição do uso das espadas no antigo Japão pelo império nipônico

acarretando na “Revolta das Espadas” em 1877 (NUNES, 2008), o trauma

psicológico mundial de combates após a II GGM (OLIVEIRA, Rafael, 2006) e o

processo de adaptação das artes marciais para tornarem-se desportos populares

possíveis de serem praticados sem os danos físicos das épicas batalhas do passado

e dos antigos treinamentos militaristas, que eram determinantes à sobrevivência de

seus praticantes (LOURENÇO; GÓIS JUNIOR, 2003). Presencia-se claramente esse

fato na citação de Starepravo e Mezzadri (2003, p.50) dizendo que: “as técnicas

militares deram lugar às técnicas de debate, a retórica e a persuasão, exigindo um

maior autocontrole, caracterizando um avanço da civilização”. A isto, o sociólogo

Norbert Elias (1994) chamou de “processo civilizador” por intermédio dessa

dimensão ética para a humanidade, defendendo, segundo suas formulações, que os

esportes podem e devem ser educativos.

Os aspectos socioculturais das artes marciais ganharam relevância (de certo

modo se impuseram aos aspectos anteriores de caráter bélico) e geraram mudanças

nas metodologias dos treinamentos na formação de praticantes. Ainda hoje, é

comum observar pais, tutores e/ou responsáveis colocarem suas crianças em aulas

de artes marciais com a preocupação de que as mesmas tenham valências físicas,

cognitivas e psicossociais amadurecidas através dos treinos físicos e dos

ensinamentos filosófico-disciplinares propagados por essas artes (LANÇANOVA,

2006). É de se ressaltar que pelo elevado número de atividades, jogos e desportos

de características marciais no Oriente, já é de se notar a importância singular e

profunda que as sociedades orientais acolhem essa questão; bem mais que no

Ocidente (ALMEIDA, M.; CORBETT; GUTIERREZ, 2009).

Na sociedade oriental, as artes marciais não são apenas difundidas em

4

centros marciais e academias, mas também nas escolas dentro das aulas de

educação física, fazendo com que as valências trabalhadas, os valores e disciplinas

desenvolvidas, possam brotar já na idade infantil, tendo a supervisão de

profissionais graduados e qualificados. Na China, treinos de diversos estilos de

Kung-Fu fazem parte integrante oficialmente do conteúdo escolar desde 1925 (LIMA,

2000), embora os referidos estilos já fossem difundidos anteriormente a essa data

pelo Kung-Fu ser parte integrante da cultura chinesa. Isso faz com que seus

ensinamentos ganhem uma dimensão pedagógica importante e que deve ser

explorada e desenvolvida sempre que possível.

Em contrapartida, nas sociedades do Ocidente, a incorporação das artes

marciais nas práticas escolares e principalmente dentro das aulas de educação

física é relativamente recente e ainda pouco difundida na rede escolar. O caso

brasileiro não foge à regra dominante no Ocidente (FERREIRA, H., 2005).

Entretanto, sendo o Brasil um país de população amplamente miscigenada, a cultura

oriental é bastante presente, mais ainda nos dois maiores pólos de concentração

populacional: Rio de Janeiro e, sobretudo, São Paulo. Isso gera uma realidade

cultural que, de certo modo, traz como efeito uma aproximação com alguns valores e

hábitos do ethos2 oriental, como na religião, na culinária, nas terapias holísticas3 e

também nas artes marciais. O pensamento anterior fica claro na seguinte citação:

“As artes marciais presentes no país, desde o início do século XX, são atividades

corporais que influenciaram e influenciam a nossa sociedade com seus valores,

traços culturais e participação popular” (DRIGO ET AL., 2003, p.1). Com isso, as

técnicas marciais orientais também se fazem presentes no convívio da sociedade

brasileira desde a grande imigração oriental iniciada há um século, ou seja, em torno

de 1910 (FRANÇA; CHAVEZ; BEZERRA, 2009).

Hoje, o Brasil é uma nação reconhecida mundialmente por suas contribuições

e produções dentro do futebol4, do iatismo, dos esportes de

2 Terminologia sócio-antropológica que indica “aspectos morais, estéticos, costumes, hábitos e valores de uma determinada cultura. Em outras palavras, é o perfil cultural de uma comunidade” (MURAD, 2007, p.19.).

3 Que buscam ter uma visão do todo, globalizada, analisando o ser como um só em união e não cada parte do mesmo separadamente (LIMA, 2000).

4 Tubino, Tubino e Garrido (2007) não citam apenas o futebol de campo, mas também o futsal, futebol de praia etc.

5

aventura/natureza/radicais e também dos métodos de autodefesa, dentre outras

práticas5, tanto no meio acadêmico quanto no desportivo (TUBINO; TUBINO;

GARRIDO, 2007). Por exemplo: possui medalhistas internacionais e olímpicos, foi

berço de criação de pelo menos seis métodos de autodefesa – Capoeira, Jiu-Jítsu

Brasileiro (JJB), Kombato6, Asamco7, Uka-Uka8 (FERREIRA, W.; MENEZES, 2009) e

Agarrada Marajoara9 (TUBINO; TUBINO; GARRIDO, 2007; FERREIRA, W.;

MENEZES, 2009) –; é hoje referência na formação de profissionais especializados

em treinamentos de autodefesa; freqüentemente é escolhido para sediar eventos de

importância global (campeonatos mundiais, continentais e internacionais de alto

nível) e por ter aproximadamente nove milhões e meio de adeptos e/ou praticantes

em território nacional10, embora projeções de outros pesquisadores sugiram que o

número de praticantes tem aumentado consideravelmente e hoje seja bem maior

que o citado devido à dinâmica de entrada e saída de alunos dos centros de

treinamento.

Ainda no Brasil, dados recentes estimam que os cinco métodos de autodefesa

mais praticados, em ordem decrescente de adeptos sejam: a Capoeira, Judô,

Karatê, JJB e Kung-Fu (DACOSTA, 2006). Paradoxalmente, o Kung-Fu parece ser

uma das mais antigas modalidades de autodefesa ainda praticada – com possível

influência na criação ou evolução de métodos de autodefesa em outras culturas,

como: “Judô, Karatê, Aikidô, Taekwondo, Pencak Silat, entre outros” (KOPPE, 2009,

p.22). Indo mais a fundo, registros do Oriente afirmam que o Shuai Chiao, uma arte

marcial baseada em quedas e arremessos talvez seja a mais antiga do mundo

(WENG, 1984). Com o passar do tempo, esse método de autodefesa foi se

desenvolvendo e percorrendo diferentes culturas pelo mundo, agregando assim,

5 Seria possível incluir também o voleibol (na quadra e na areia) e algumas provas da natação, do atletismo e do automobilismo.

6 Disponível em: www.kombato.org/. Acesso em: 06 set. 2010.

7 Disponível em: www.asamco.com.br/. Acesso em: 06 set. 2010.

8 Característica dos índios do Xingu.

9 Praticada na Ilha de Marajó.

10 Dado quantitativo adquirido através do somatório (efetuado pelo autor desta dissertação) do número de praticantes de cinco das mais populares técnicas de autodefesa no Brasil (Capoeira, Judô, Karatê, JJB e Kung-Fu). Os valores utilizados são originados da publicação organizada por DaCosta (2006).

6

novas técnicas (como as chamadas armas brancas, isto é, armamentos que “não

são de fogo”), filosofias, preceitos éticos e costumes locais (como vestimentas e

nomenclatura dos golpes). O Shuai Chiao é hoje um dos estilos de uma arte marcial

popularizada como Kung-Fu.

O termo Kung-Fu (figura 1) tem sido utilizado para descrever um conjunto de

métodos de autodefesa de origem chinesa. Apesar do amplo emprego desse termo,

seu uso não é exclusivo para descrever a prática da referida arte marcial. Pela

tradução dos ideogramas romanizados referentes à Kung-Fu, se entende: qualquer

ação/conduta que se aprenda e se aperfeiçoe com o tempo de prática e dedicação.

Nessa descrição, fica claro o seu uso para descrever o esmero na arte marcial;

porém, também se inclui na caligrafia, no artesanato, na agricultura, na tecelagem,

na culinária e na medicina tradicional (LIMA, 2000).

Figura 1: Ideogramas chineses referentes à expressão Kung-Fu.

A subjetividade da cultura chinesa, presente inclusive na sua linguagem, é um

dos fatores que contribuem para o uso impreciso da expressão Kung-Fu na

denominação do conjunto de métodos de autodefesa que o compõem. Essa

imprecisão faz com que a sociedade (principalmente ocidental) tenha uma imagem

reducionista do que realmente abranja essa expressão; assim, sendo “sub-utilizado”.

É possível notar a subjetividade cultural chinesa desde a clássica obra oriental “Tao

Te King” de autoria de Lao-Zi (escrita séculos antes de Cristo), tendo essa

característica se perpetuado até a idade contemporânea (DESPEUX, 1993; LIAO,

1990; GRANET, 1997; LIMA, 2000; WENG, 2000; MONAHAN, 2007).

7

1.1 PROBLEMAS

Apesar das lutas e artes marciais serem práticas de grande repercussão

competitiva, populares e reconhecidas ferramentas na educação de crianças e

jovens e possuírem diversos profissionais qualificados em diferentes áreas dessas

atividades, ambas são pouquíssimo utilizadas na maioria das escolas nas cidades

brasileiras em aulas de educação física escolar; perfazendo-se uma realidade bem

diferente daquela que acontece nas aulas de educação física nas escolas dos

países orientais.

Esse fato ganha relevância pelos próprios Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCN) recomendarem que as “artes marciais/lutas” (como lá descritas) devam ser

exploradas na educação física escolar, através de atividades lúdicas e também em

caráter competitivo (BRASIL, 1998), juntamente com outros temas transversais,

como: “ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual e pluralidade cultural” (LIMA,

2000, p.53). No entanto, isso ainda é considerado por alguns autores algo raro nas

escolas brasileiras de um modo geral (GONÇALVES JR.; DRIGO, 2001; FERREIRA,

H., 2005; NASCIMENTO; ALMEIDA, L., 2007). É dito por Vertonghen (2010) que isso

ocorre nos países ocidentais como um todo por conta do imaginário popular ter a

crença que as artes marciais sejam atividades que estimulam a violência dos

educando e também por conta do desconhecimento das técnicas marciais pelos

profissionais de educação física dos colégios; embora Gomes (2008) defenda que

as mesmas sejam um conhecimento legítimo da educação física.

Coloca-se que as ocorrências de agressões noticiadas pela mídia impressa,

televisiva e digital envolvendo praticantes de métodos de autodefesa nos últimos 20

anos (LOBATO; MORAES; GULLO, 2004) podem ter causado problemas à imagem

das artes marciais no Brasil. Em contrapartida, acredita-se que essas ocorrências

foram fatos isolados e não de influência das filosofias transmitidas pelas artes

marciais como um todo. As artes marciais, de uma forma generalizada, foram de

certo modo culpabilizadas pelo imaginário coletivo da sociedade brasileira, criando

assim, uma insegurança da população face às mesmas.

8

Outro impacto potencialmente negativo sobre a sociedade foi o surgimento do

chamado “Vale-Tudo” (hoje, conhecido como Mix Martial Arts – MMA11), que em

seus primórdios tinha regras bem menos ortodoxas que nos dias de hoje, permitindo

puxões de cabelo, pisões na face e dedadas na parte interna da boca, gerando,

assim, uma imagem grotesca que foge totalmente às filosofias ministradas nos

kwans (locais de treino de artes marciais chinesas), dojos (locais de treino de artes

marciais japonesas), dojangs (locais de treino de artes marciais coreanas), nas

rodas (locais de treino de Capoeira), nos centros de treinamentos dos diversos

métodos de autodefesa existentes e outros locais.

Analisando fatos como os já relatados acima e observando o grande impacto

midiático e popular que tiveram, pode-se acreditar que os mesmos contribuíram de

maneira contraproducente para uma imagem positiva das artes marciais e dos

métodos de autodefesa como um todo. Conseqüentemente, afastou o público e os

investimentos na área, podando ingressos de alunos em diversas equipes e

academias de artes marciais no país.

1.2 Objetivo Geral

• Investigar se as filosofias e práticas da arte marcial Kung-Fu (estilo Garra de

Águia) apresentam relação com o fenômeno da violência entre jovens

praticantes da arte.

11 Segundo Pellanda, Pastre e Augusto (2008, p.2): “a modalidade passa por uma série de processos que visaram uma civilização do esporte, já que, ao contrário do senso comum presente nos indivíduos, não ‘vale tudo’ no MMA. O esporte vem evoluindo e profissionalizando-se e suas regras também acompanham esse desenvolvimento e estão cada vez mais rígidas. O intuito de toda esta evolução é preservar cada vez mais a integridade física do atleta”.

9

1.3 Objetivos Específicos

• Investigar os diversos métodos de autodefesa e propor uma organização

conceitual (taxonomia) através da definição de critérios relacionados à

prática dessas modalidades;

• Descrever o embasamento histórico, filosófico e pedagógico da arte marcial

Kung-Fu e discutir se a mesma é capaz de complementar a educação ética

e moral de seus praticantes;

• Identificar como os ensinamentos e técnicas da primeira graduação (faixa

branca) da arte marcial Kung-Fu estilo Garra de Águia relacionam-se com a

violência no dia-a-dia dos educandos;

• Mapear os motivos que levam os educandos da arte marcial Kung-Fu a

ingressar e a permanecer em seus treinos;

• Analisar se os educandos reconhecem a prática da arte marcial Kung-Fu

como meio contribuinte para a internalização de valores éticos e morais

importantes em vários campos sociais e que também complementam a

aprendizagem das técnicas marciais.

1.4 Justificativas

• Acrescentar trabalhos sob um enfoque sócio-cultural de natureza qualitativa

(para além de dados históricos) às comunidades científica, acadêmica e

desportiva, uma vez que, as pesquisas produzidas e publicações em revistas

10

científicas no Brasil sobre as artes marciais, lutas e esportes de combate são

em sua maioria das áreas de fisiologia e biomecânica (CORRREIA;

FRANCHINI, 2010);

• Acrescentar trabalhos sobre a temática “artes marciais”, uma vez que a

mesma não é explorada no meio acadêmico, como outras atividades físicas

e práticas desportivas (DRIGO ET AL., 2003)

• Acrescentar trabalhos sobre a arte marcial Kung-Fu, uma vez que a mesma

não é explorada no meio acadêmico, como outros métodos de autodefesa

(CORRREIA; FRANCHINI, 2010);

• Possibilitar o uso da arte marcial Kung-Fu como ferramenta pedagógica

aplicada à estimulação de valores éticos, morais e sócio-cultural em jovens.

11

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Lutas e Artes Marciais – conceituações e difere nças

Nota-se, no ambiente dos praticantes de autodefesa, que o uso intercambiado

de termos tem gerado divergência na interpretação da modalidade que realmente se

pratica. Relacionados à cultura chinesa, os termos “Kung-Fu”, “Wushu”, “Kuoshu”,

“luta”, “arte marcial”, “combate” e “método de autodefesa” são comumente tratados

como sinônimos, principalmente no Ocidente. Assim, as seções abaixo buscam

identificar e esclarecer o significado dos principais termos nessa área e conforme

serão tratados neste trabalho.

Inicialmente, julga-se necessário analisar se há diferença entre os conceitos

“lutas” e “artes marciais”, pois as duas terminologias, hoje comumente utilizadas de

modo intercambiado, na realidade apresentam sensíveis diferenças que podem ser

ressaltadas.

Analisando os dicionários “Aurélio” (FERREIRA, Aurélio, 1989) e “Globo”

(FERNANDES; LUFT; GUIMARÃES, 1993) para buscar de maneira objetiva as

etimologias das palavras, depara-se com dois consensos entre as fontes: ambos

atribuíam a característica de desporto ao conceito “lutas” e também não continham o

significado da expressão “artes marciais”. Buscando então a palavra “arte” nos

mesmos dicionários citados, encontram-se diversas expressões da mesma: artes

plásticas, arte-de-pesca, arte mágica, artes liberais, belas-artes e artes mecânicas.

Entretanto, novamente não se observa a citação das artes marciais, a não ser em

registros mais recentes (eletrônicos), o que demonstra uma maior projeção das artes

marciais em geral. Além disso, relata-se que essas noções são imprecisas e por isso

não definem conceitualmente os termos referidos.

Por exemplo, o dicionário “Aurélio eletrônico século XXI - v.3.0” inclui o

verbete “arte marcial” inserido em um conceito extremamente amplo de “arte”; “arte

marcial” está lá definida como: “repertório mais ou menos sistematizado de técnicas,

movimentos e exercícios corporais para defesa e ataque, com emprego de armas ou

12

sem ele. [A maioria das técnicas assim denominadas é de origem oriental.]”.

Algumas noções complementares de “luta” do dicionário citado ajudam a

esclarecer o que foi dito no parágrafo anterior: a) combate corpo a corpo, sem

armas, entre dois atletas que, observando certas regras, procuram derrubar um ao

outro: luta livre; luta de boxe; b) qualquer tipo de combate corpo a corpo: luta

armada; c) peleja batalha; guerra: lutas civis; d) antagonismo entre forças contrárias;

conflito: luta entre o bem e o mal; luta de classes; e) (figurativo) esforço, empenho:

luta contra o alcoolismo, luta pela vida.

Tentando ampliar a pesquisa por fontes e referências que pudessem

esclarecer os questionamentos, buscou-se na internet através do “Google

acadêmico” e nas publicações bibliográficas de periódicos e livros científicos em

biblioteca. Encontrou-se somente um trabalho que abordou a diferença entre lutas e

artes marciais e mesmo assim apenas na introdução. De acordo com Antônio et al.

(2008), as artes marciais teriam uma “filosofia” como fundamentação, ao passo que

as lutas não teriam uma referência filosófica.

Drigo (2006) relata que as artes marciais são atividades corporais de ataque e defesa, podendo também ser caracterizadas como lutas. A principal diferença entre as duas é que para os praticantes de artes marciais, principalmente as de origem oriental, consideram que os conteúdos da cultura de origem da atividade teriam uma orientação proveniente de uma "filosofia" (de vida) que determinaria a sua diferença com as lutas, por exemplo: o boxe (ANTÔNIO ET AL., 2008, p.2).

Até mesmo no dicionário esportivo de Tubino, Tubino e Garrido (2007), foi

encontrado apenas descrições e conceituações sobre “artes marciais”, porém, não

sobre “lutas”. Sendo assim, por conta da escassez de informações, procurou-se

conceituar “lutas” e “artes marciais” através do entendimento do próprio autor desta

dissertação e de sua experiência empírica.

A interpretação dessas expressões apresenta estruturas sensivelmente

distintas, tanto em teoria quanto em prática. Ao refletir sobre os conceitos

mencionados, por uma linha de abrangência filosófica, pode-se identificar o que

seriam os seus contrapontos e diferenças. As seções seguintes abordam cada

conceito de maneira mais detalhada.

13

Acredita-se que seja importante explicar que a distinção entre os conceitos

dos termos “lutas” e “artes marciais” não faz de nenhuma das duas práticas nem

melhor ou pior que a outra, porém, apontam para embasamentos diferentes. Os

ideais sócio-educacionais do Kung-Fu, enquanto arte marcial, vão ao encontro dos

fundamentos pedagógicos desta dissertação.

2.1.1 Lutas

A luta faz parte da história do ser humano e mesmo do reino animal. O ato de

lutar existe desde o momento em que o “homem das cavernas” buscou se defender

fisicamente (FERREIRA, H., 2005). Maia (1989, p.207) expressa esse contexto

histórico narrando: “No antigo texto sagrado do Ramayana (cerca de 10.000 anos)

existem inúmeras referências à arte da guerra e à sua prática pela casta guerreira

dos Kshatriyas (aqueles que salvam os semelhantes da dor e do sofrimento)”. Sob

um olhar sócio-cultural, o ato de lutar faz parte da identidade do ser humano, ou

mesmo de qualquer outro ser vivo, que tenta defender tanto a si quanto a sua prole

e seu território quando atacado ou tão somente ameaçado (SANTOS, D., 2008;

PIMENTA, 2009; PEREIRA; FERON, 2010). Esse fato culminou historicamente pela

busca do aperfeiçoamento de métodos, movimentos, utensílios e ferramentas para

autodefesa (FERREIRA, F., 2008). É possível citar que isso é algo tão intrínseco aos

seres vivos, que talvez possa ser considerado como uma espécie de identidade

(MURAD, 2007). Esse é o caráter agonístico da vida humana (e também dos

esportes) preceituado pelos gregos (REID; EVANGELIOU, 2008), em sua época

clássica, isto é, o século V a.C..

Uma proposta para conceituação de “lutas” seria: conjuntos de técnicas

estruturadas para combates físicos com praticantes desarmados ou armados, que

buscam primordialmente a autodefesa e o desenvolvimento físico, sem considerar

questões filosófico-culturais no momento de criação ou utilização de suas técnicas.

14

Acredita-se que hoje, as lutas tenham adquirido uma nova conotação, pois

recentemente, as mesmas inseriram em suas aulas, metodologias que buscam o

desenvolvimento de valências físicas para boa saúde e qualidade de vida, objetivo

que, outrora, era tido relativamente como secundário.

Dessa forma, em suas manifestações culturais contemporâneas, foram

desenvolvidas diversas atividades variantes das lutas (já praticadas nas artes

marciais), elevando-se o desenvolvimento físico e a saúde como focos

fundamentais. Por exemplo: Tae Bo, Aero-Boxe, Cardio-Boxe e Body Combat.

2.1.2 Artes Marciais

O conceito de “artes marciais” sugere mais subjetividade do que a

terminologia “lutas”. Começando pela análise das palavras que articulam a

expressão, o termo “arte” envolve uma série de significados de busca firme e

disciplinada pela perfeição, pela beleza e plasticidade, em prol da satisfação pessoal

do praticante e de seus espectadores. Monahan (2007, p.42) cita que: “O próprio

corpo se torna o meio para um tipo de expressão artística que é sempre transitória e

efêmera”12.

Já na clássica e milenar obra oriental “Tao Te King” de autoria de Lao-Zi (604-

517 a.C.), é colocado que a cultura de forma geral é uma “arte viva”, em constante

mudança e transformação, buscando se adaptar e superar as dificuldades que

surjam em todos os momentos em prol de uma harmonia maior. Seria essa a

filosofia base do Taoísmo, uma das culturas mais antigas e populares da China com

forte influência histórica no Kung-Fu.

Em uma linha filosófico-religiosa, que se aproxima de uma visão sociológica,

o já falecido patriarca religioso Tokuchika Miki, da Instituição Religiosa Perfect 12 Tradução nossa.

15

Liberty (ou PL), dizia que “vida é arte” afirmando que essa “arte” é para a auto-

expressão de forma a buscar a paz mundial. Portanto, fazia uma alusão à

personalidade humana e a capacidade da auto-expressão do ser humano em seus

meios de atuação: profissional, familiar, financeiro, político, amoroso e qualquer

outro campo de sua inserção (MIKI, 2003).

O termo “marcial” é proveniente do nome da divindade romana das guerras, o

Deus “Marte”, equivalente ao Deus “Ares” do panteão grego (LIMA, 2000; HAUSEN,

2004). Portanto, etimologicamente o termo “artes marciais” expressaria o significado

“arte da guerra” (ARAÚJO, 1997; TURELLI, 2008). Tubino, Tubino e Garrido (2007,

p.164) dizem sobre as artes marciais que: “Atualmente, têm um largo emprego como

Defesa Pessoal, Esporte, meio para Aptidão Física e saúde, meio de Educação etc.”.

Refletindo sobre as premissas anteriores, um entendimento generalizado e

amplo para o significado da expressão “artes marciais” seria um conjunto de

ferramentas sócio-educativas que contribuem para o desenvolvimento físico e na

estruturação do comportamento e do caráter de seus praticantes,

independentemente do local e/ou cultura, respeitando preceitos ético-filosóficos

durante sua prática. Ressalta-se que esse é um dos princípios essenciais desta

dissertação.

Logo, buscando conceituar e convergir o significado da expressão, ”artes

marciais” seriam: todas as técnicas marciais de caráter sócio-educativas,

estruturadas em métodos didático-pedagógicos, que por sua vez são embasados

por uma ou múltiplas filosofias que pregam harmonia, saúde, qualidade de vida e

acima de tudo a paz por seus praticantes. Aqui, é possível observar os preceitos

éticos do Kung-Fu estudado na presente pesquisa.

Dessa forma, se faz claro que o pensamento filosófico oriental vê grandes

diferenças conceituais, principalmente pelo caráter ideológico, entre os termos

“marciais” e “bélicos”; se afastando do significado literal já descrito (“arte da guerra”),

consequentemente, fugindo também do ideário de violência.

Essa idéia parece ser exatamente oposta àquela que, no senso comum, temos das artes marciais, ou seja, a de que seu objetivo é “gerar a violência”. Pelo contrário. O artista marcial encara, vivencia a violência, desde suas mais evidentes até as mais sutis manifestações. Assim, aprende a fazer uso de sua inerente

16

agressividade (instinto necessário à vida), diferenciando-a da violência (requinte humano relacionado à morte). (LIMA, 2000, p.112)

Diferente das lutas, Apolloni (2004a) afirma que a arte marcial chinesa tem

como base a promoção da saúde de seus praticantes, desde seus primórdios.

Entende-se assim, que a promoção da saúde é uma dimensão constitutiva das artes

marciais – principalmente as de origem chinesa (ROCHA; AGUIAR; ROCKENBACH,

2008).

Partindo das premissas anteriores de conceituação e aprofundamento dos

significados das expressões “lutas” e “artes marciais”, poder-se-ia dizer aqui que,

ambas buscam primordialmente em sua essência o caráter da autodefesa.

Complementa-se ainda que, especificamente as artes marciais teriam em seu

interior ideológico um conjunto de ensinamentos filosóficos que buscariam um

ideário pacífico. Dessa forma, ambas as atividades, mesmo possuindo um conteúdo

marcial, se afastariam do fenômeno da violência, tanto no caráter educacional

quanto prático e marcial. Segue a taxonomia que ajuda a expressar essas idéias

(figura 2).

Figura 2: Proposta de taxonomia para os sistemas de autodefesa individual.

17

Buscando de forma a entender cada passo da taxonomia acima, esclarece-se

primordialmente que, sua proposta tenta não só englobar o Kung-Fu, mas também,

os demais métodos de autodefesa. Acredita-se que mesmo de uma forma ampla e

genérica, muitos (senão todos) os métodos de autodefesa são possíveis de se

encaixarem nessa proposta de taxonomia.

No “nível 1“ se apresenta o ponto mais importante da taxonomia e um dos

eixos principais desta dissertação: a diferenciação dos conceitos de autodefesa e

violência. Essa distinção será bastante exposta ao decorrer desta pesquisa.

No “nível 2” é proposta a divisão dos conceitos “arte marcial”, “luta técnica” e

“luta não técnica”. Os dois primeiros conceitos já foram descritos anteriormente à

taxonomia. No entanto, elucida-se que o terceiro conceito, “luta não técnica”, nada

mais é do que a materialização “instintiva e natural” de qualquer ser vivo buscando

sua proteção e integridade física. Este terceiro conceito se diferencia do segundo no

que diz respeito ao treinamento. No segundo, haveria um treinamento metódico e

estruturado de difusão técnica do método de autodefesa. Já o terceiro seria algo

empírico, sem qualquer estudo ou mesmo prática cotidiana metódica e/ou natural.

O “nível 3” procurou apresentar a origem cultural do referido método, pois

alguns são difundidos por todo um país, já outros, apenas são praticados por alguns

povos e/ou tribos específicas. Exemplificam-se aqui, dois métodos de autodefesa

bem diferenciados: o Krav-Magá, método de autodefesa israelita (ou israelense) que

hoje é tido como um símbolo patriótico de Israel (PIMENTA, 2007) e o Uka-Uka,

método de autodefesa brasileiro, que, no entanto, só é praticado e propagado pelos

índios do Xingu (FERREIRA, W.; MENEZES, 2009).

Já o “nível 4”, de forma mais aprofundada no que diz respeito ao Kung-Fu,

busca explanar as duas origens históricas dentro da referida arte: Kuoshu e Wushu.

Ambas serão detalhadas de forma descritiva no tópico “2.2.2 – O Kung-Fu no século

XX”.

Tentando demonstrar o padrão de treinamento utilizado na difusão da arte, o

“nível 5” apresenta as duas grandes ramificações técnicas: Interno e Externo. Apesar

de Minick (1974) ter tecido sua conceituação sobre o assunto, seu maior foco foi sob

18

o caráter físico. Defende-se aqui, que na verdade, as diferenciações das duas

ramificações permeiam esferas mais profundas.

A escola Interna (também conhecida como “suave”) busca primordialmente, o

desenvolvimento cognitivo e psicomotor através de técnicas meditativas,

movimentos lentos e com respirações profundas, para então, posteriormente,

enfatizar as práticas marciais de forma mais objetiva, ou seja, de “dentro pra fora”.

Aponta-se que apenas três estilos compõem esta ramificação; são eles: Xing Yi, Pa

Kua Chuan e Tai Chi Chuan13, sendo este último, o estilo de Kung-Fu mais difundido

em todo o mundo (LIMA, 2000; TUBINO; TUBINO; GARRIDO, 2007; MOCARZEL,

2010b, 2010c). Tem-se como um pólo histórico de difusão dos estilos Internos o

Templo Taoísta de Wudan (KOPPE, 2009).

Já a escola Externa (também conhecida como “rígida”) enfatiza,

primordialmente, os treinamentos de caráter marcial com saltos, investidas físicas

bem vigorosas e respirações mais rápidas e intensas, para então, posteriormente,

enfatizar as práticas meditativas de forma mais objetiva, ou seja, de “fora pra

dentro”. Exemplificam-se aqui como alguns estilos da ramificação Externa: Hung Gar

(Punho da Família Hung – também conhecido como Garra de Tigre), Fei Hok Pai

(Garça), Pak Ton Lon (Louva-Deus), Shaolin do Norte, Serpente Divina e Yen Jao

Fan Zi (Garra de Águia). Historicamente, o mais famoso núcleo de difusão dos

estilos Externos foi o Templo Budista de Shaolin (LIMA, 2000; KOPPE, 2009).

A origem geográfica é o tema do “nível 6” da taxonomia. Esta diferenciação

será abordada de forma descritiva no tópico “2.2 – História das Artes Marciais

Chinesas – nasce o Kung-Fu”.

Por fim, a última escala, o “nível 7”, expressa a fonte de observação e criação

do estilo criado, elevando também seus fundadores e difusores. Como por exemplo,

13 O Tai Chi Chuan, traduzido como “Arte do Punho Supremo” ou “Punho da Suprema Cumeeira” possui 5 famílias principais e uma gama imensa de outros sub-estilos e derivações. As famílias são: Yang (o mais praticado do mundo), Wu (o segundo mais praticado no mundo), Chen (o mais antigo dentre eles e o terceiro mais praticado no mundo), Wu/Hao (o estilo mais lento e compacto dentre eles e o quarto mais praticado do mundo) e Sun (criado a partir da mescla dos estilos Xing Yi e Pa Kua Chuan e o menos difundido dentre eles). Ressalta-se ainda que, existem diversas ramificações e sub-estilos menores do Tai Chi Chuan pelo Brasil e pelo mundo. Como exemplos existem os estilos Macaco (Monkey) e Cardio Tai Chi, difundidos pelo Mestre Daniel Weng (EUA) e o estilo Chang difundido pelo já falecido Grão-mestre Chang Tung Sheng (EUA) (MOCARZEL, 2010b).

19

as observações feitas por diversos Mestres do passado sobre como os animais

caçavam, lutavam e se defendiam, gerando assim uma enorme variedade de estilos

baseados na natureza. Por conta da forte filosofia oriental ou mesmo pela vitalidade

do folclore e da “auto-valorização” da cultura chinesa, muitos estilos receberam

nomes tidos como “exóticos” ou mesmo “curiosos” para culturas do Ocidente; como:

"Punho de Flor de Ameixeira" e "Palma da Mão do Pato Mandarim" (MAIDANA,

2009; NATIONAL GEOGRAPHIC, 2010). O Grão-mestre Leung Shum14 afirma que

já foram registrados historicamente mais de 1000 estilos de Kung-Fu; todavia, hoje

existiriam apenas cerca de 300 (CHIN, 2001)15, se aproximando do pensamento de

Lima (2000) que especula a existência de 360 estilos. Já Paulo dos Santos (2006) e

Tubino, Tubino e Garrido (2007) acreditam que ainda existam atualmente pouco

mais de 400 estilos. Defende-se que a grande diminuição do quantitativo de estilos

existentes se deu por muitos se fundiram com outros estilos, alguns “morreram” com

seus Mestres em batalhas e outros se perderam e/ou foram esquecidos com o

passar dos séculos.

É necessário também trazer à luz a justificativa do retângulo cinza envolvendo

os dois quadros “Arte Marcial” e “Luta Técnica” no “nível 2” estendendo-se até o

quadro do estilo Yen Jao (Garra de Águia) no “nível 7”. Como já descrito

anteriormente (porém, será mais detalhado posteriormente no tópico “2.2 – O Kung-

Fu no século XX”), a expressão Kung-Fu remete não só aos esmeros marciais, mas

sim, a qualquer dedicação empenhada por um indivíduo com seu tempo de prática,

independente da filosofia, métodos de ensino, origens culturais, origens históricas,

organização técnica, origem geográfica e fundador. Assim, filosoficamente, o

retângulo cinza buscou representar o referido pensamento de forma mais ampla e

genérica, ou seja, em um âmbito macro-sociológico.

14 Grão-mestre do estilo Garra de Águia que hoje reside em Nova York (EUA).

15 O texto foi escrito por Jeanne Chin registrando as idéias do Grão-mestre Leung Shum através de sua própria narração feita em 1980.

20

2.2 História das Artes Marciais Chinesas – nasce o Kung-Fu

É dito por Lima (2000) que existem dois grandes obstáculos que atrapalham

muito a realização de estudos sobre tópicos histórico-culturais chineses. O primeiro

vem das repetidas ordens de destruição dadas por diversos imperadores para

apagar o patrimônio cultural anterior às suas ascensões, para assim, tornarem-se o

“marco-zero” da história da China. O segundo seria a subjetividade da cultura

metafórica chinesa envolvendo suas linguagens e escritas, que por diversas vezes,

expressam significados diferentes das palavras utilizadas, através de ideogramas

que podem ser traduzidos de diversas formas, variando de acordo com contexto

referido. Heraldo Ferreira (2005) ainda acrescenta a esses empecilhos o fato de

muitas informações e conhecimentos terem sido transmitidos oralmente de Mestre

para discípulo, dificultando a obtenção de registros históricos totalmente confiáveis

ou mesmo corretos.

Quando se analisa a história dos métodos de autodefesa, a realidade descrita

acima não é diferente. A história narra diversos momentos em que os seres

humanos lutaram entre si. Desde o “homem das cavernas” que lutava

constantemente por sua sobrevivência e sustentação, aos antigos gregos que se

degladiavam em competições “esportivas” de embates corpo-a-corpo16 para assim,

afirmarem heróis e ídolos populares dentre seu povo. Tang (1935) narra que em uma

viagem a Tóquio, ouviu o doutor Zheng Wulang, renomado especialista em Ciências

Naturais da época, dizer que possuía uma cópia de uma escultura em pedra talhada

de origem egípcia com aproximadamente 5000 anos que apresentava ilustrações de

duzentos indivíduos praticando um tipo de técnica marcial de agarro e queda.

Contudo, quando se fala em registros de uma técnica marcial criada e

estruturada, posteriormente treinada e difundida por alguma cultura, um dos

primeiros apontamentos é direcionado para uma arte marcial, natural da região onde

16 Este tipo de embate, após sofrer adaptações para ser “esportivizado”, hoje é praticado como Luta Greco-Romana, Wrestling e/ou Luta-Olímpica. Essas práticas se diferenciam em maioria apenas no regulamento desportivo-competitivo; porém, abordam as mesmas técnicas, bases e posturas.

21

hoje se encontram os países da China e Mongólia. Esta arte recebeu o nome Shuai

Chiao17, um estilo de Kung-Fu, baseado primordialmente na observação das quedas

e arremessos em duelos entre os animais córneos, isto é, possuidores de chifres

como búfalos, alces e bois (TONG, 2005).

No primeiro dos cinco prefácios da obra de Tong (2005), é pontuado por Chen

(1931) que o Shuai Chiao adveio da junção de duas técnicas de autodefesa que já

existiam: uma de natureza mongol (Guan Jiao) e outra de procedência tibetana (Bu

Ku). Com a união das duas formou-se uma terceira técnica (Jiao Di, Jiao Li ou Chiao

Ti). Após os períodos Wei e Jin (aproximadamente entre os séculos II e III), a técnica

passou por uma significativa reestruturação metodológica incluindo a mudança do

seu nome (vindo a se chamar Xiang Buo ou Xiang Pu). Posteriormente, a

nomenclatura variava de acordo com a Dinastia reinante, a região ou mesmo a

escrita de cada povo e tribo. Somente em 1928 o governo chinês determinou a

unificação da nomenclatura (Shuai Chiao) para toda a nação (FERREIRA, Arthur,

2003).

Na obra de Arthur Ferreira (200318, p.1) coloca-se ainda que o:

Shuai Chiao é uma das mais antigas artes marciais chinesas. Originou-se há mais de 2000 anos, embora alguns afirmem que sua origem é próxima de 2000 a.C. Apesar da arte ser praticada há muito tempo, ela tem sido conhecida por muitos nomes. Só recentemente, em 1928, foi determinado que todos os chineses a chamariam Shuai Chiao. Antes de 1928, o nome variou de acordo com a Dinastia ou região.

No segundo prefácio da mesma obra citada acima, o Grão-mestre Li Wing

Kay19 defende que o Shuai Chiao na verdade teria 6000 anos de existência, mas

que apenas 4000 anos estariam documentados. Rafael Oliveira (2006) por sua vez,

alude sobre a China ser a nação precursora da arte marcial mais antiga e complexa

do mundo com mais de 5000 anos, tendo tido sua origem no período da Dinastia

17 A escrita da nomenclatura da arte pode variar também para Shuai Jiao ou Liao Jiao pela diferenciação dos dialetos locais chineses ou mongóis (JIN, 1933).

18 Primeiro livro sobre o Shuai Chiao na língua portuguesa. Esclarece-se que o texto foi traduzido, adaptado e atualizado nas regras desportivas de outra fonte (WENG, 1984).

19 Introdutor dos estilos Garra de Águia, Louva-Deus Sete Estrelas e Shuai Chiao no Brasil em 1970.

22

Shang, época apontada por diversos pesquisadores da área histórica das artes

marciais como o “marco-zero” do referido tema através de fontes primárias.

Na imagem seguinte (figura 3), Apolloni (2004a) e Rafael Oliveira (2006)

apresentam uma linha cronológica das diversas Dinastias e formas de governo que

comandaram ao longo da história o que vem a ser o atual território chinês.

Figura 3: Cronologia das antigas Dinastias chinesas até o atual período republicano.

No trabalho de Minick (1974), é feito um apontamento sobre treinamentos de

katis20 com objetivos marciais. O autor cita que essa prática já ocorria a mais de

5000 anos, podendo então ser até mesmo anterior ao Shuai Chiao. Já Hausen

(2004) afirma que os katis são oriundos da era neolítica e eram utilizados

inicialmente por povos orientais primitivos como danças ritualísticas para a obtenção

de sorte nas batalhas, agradecimento de colheitas fartas e proteção contra

adversidades da natureza, perfazendo assim, um primitivo pensamento sobre

manutenção da qualidade de vida e boa saúde (FARINATTI; FERREIRA, 2006). Em

uma visão contemporânea, Gomes (2008) diz que os katis também são uma

manifestação esportiva em competições de alto rendimento e/ou de ensaios 20 Kati é uma coreografia marcial que simula os combates de indivíduos armados ou não. Paulo dos Santos (2006) ainda coloca que a dificuldade do kati é de acordo com o nível técnico do praticante. Assim, é possível desenvolver valências físicas e aperfeiçoar a qualidade técnica dos golpes para obter um bom desempenho marcial. Hoje, após a prosperidade da comunicação mundial e da propagação da arte como esporte, o kati também pode ser chamado de: taolu, rotina, sequência e/ou forma. Pimenta (2009) esclarece que o nome kati é utilizado nas artes marciais chinesas, kata nas japonesas e poom see nas coreanas.

23

esportivos durante o ensino-aprendizagem para o aperfeiçoamento das técnicas

marciais.

No entanto, para fins de esclarecimento, o Shuai Chiao será aqui abordado,

como arte marcial primogênita, pois detêm registros mais fidedignos do que as

outras técnicas mencionadas, e mais do que isso, possui uma estruturação definida,

constituído com vários exercícios e movimentações marciais integradas, perfazendo

uma totalidade física e mental (holismo), o que faz dele uma arte marcial arquitetada,

diferente dos katis que seriam apenas mais um conjunto de exercícios marciais e

não uma “arte marcial completa”.

Além disso, acredita-se que o Shuai Chiao tenha sido a primeira técnica

marcial a adotar filosofias que buscassem a disciplina marcial em prol da educação e

do “autocombate” ao ego de seus praticantes. Defende-se que todo artista marcial

treina para cessar a violência, incluindo a gerada por ele mesmo, o que Lima (2000,

p.114) chama de “guerra interior”. Toda essa proposta é trazida aqui nesta

dissertação através da conceituação da expressão “artes marciais”. Como exemplo

disso, observa-se um antigo ditado chinês derivado da filosofia que constitui até os

dias de hoje os treinamentos de Shuai Chiao: “o orgulhoso será derrotado”21 (TONG,

2005, p.223). Mesmo que de forma ampla e subjetiva, posiciona-se conclusivamente

que: “A prática de artes marciais é sobre a viagem em si, não sobre o destino”

(MONAHAN, 2007, p.43).22

O estilo Shuai Chiao, que é originalmente da região fronteiriça entre a China e

Mongólia, conforme já referido, atravessou diversas fronteiras (tanto físicas quanto

culturais) e por conta disso, surgiram diversas variações de suas técnicas. Os

métodos originais foram adaptados, modificados, ou mesmo, reformulados, tendo

diversos fatores a influenciar estes acontecimentos. É possível destacar influências

geográficas, culturais e mesmo religioso-filosóficas na evolução das artes marciais

chinesas (LIMA, 2000).

Em caráter geográfico, técnicas derivadas do sul da China têm por

característica apresentarem uma gama considerável de movimentos de braços e

21 Tradução nossa.

22 Tradução nossa.

24

posturas23 altas de pernas (pequenos ângulos de flexão do quadril e joelho), pois a

região costumava ser alagadiça e vasta em rios e lagos, ficando impossível o

trabalho de quedas e arremessos dentro d’água ou mesmo em um solo

escorregadiço. Já observando o norte da China, suas técnicas costumam

demonstrar práticas de saltos acrobáticos e chutes amplos com posturas baixas de

perna (grandes ângulos de flexão do quadril e joelho), dando-se pelo motivo que o

tipo de terreno de característica montanhosa exigia pernas fortes e bem móveis para

o deslocamento, no entanto, o frio da região fazia com que os indivíduos se

agasalhassem bastante e usassem enormes gibões de pele que dificultavam e muito

a movimentação dos braços e ombros.

Em suma, os estilos derivados do sul possuem realce em técnicas com

membros superiores, como socos e tapas, enquanto estilos do norte enfatizam

membros inferiores, como chutes e saltos (CHIN, 2001). Ressalta-se que, todos os

estilos tradicionais de arte marcial chinesa treinam todas as partes do corpo, porém

há uma concentração de técnicas conforme as características abordadas.

Em caráter cultural, as diferentes educações, roupagens e vestes, costumes

de cada local, proporcionavam modificações consideráveis a essa arte. Cada cultura

acresceu conhecimentos diversos: a influência de seus ethos. Nota-se dentre eles a

preparação corporal para exercícios físicos com o besuntar de óleo vegetal

levemente aquecido pelo corpo para a dilatação da musculatura dos praticantes, na

tentativa de prevenir lesões osteomio-articulares; a mescla de práticas respiratórias

meditativas junto aos exercícios físicos para o desenvolvimento do Qi24 em níveis

microscópicos e macroscópicos – técnica essa chamada de Qigong25 – (LIMA, 2000;

JEFREMOVAS, 2003; TUBINO; TUBINO; GARRIDO, 2007; FERREIRA, Arthur,

2009); e também o uso de diferentes armas de cada tribo ou nação e mesmo novas

técnicas marciais, que de certa forma, complementavam as anteriores. Segue um

23 Essas posturas são mais conhecidas dentro do meio das artes marciais como “posições básicas” ou “bases”.

24 Lima (2000, p.50) conceitua como: “energia vital (interna), elã ou sopro”. A escrita da nomenclatura Qi pode variar de acordo com as diferentes culturas e dialetos de diversos locais do mundo oriental. Na China, encontram-se os termos Qi (cantonês) e Chi (mandarim). No Japão é adotada a palavra Ki. Já na Índia é utilizada a terminologia Prana.

25 Sua nomenclatura pode variar para Chi-Kung. Técnica conhecida principalmente por três finalidades: meditação profunda, terapia holística (físico, mental e emocional) e aspectos marciais.

25

comparativo de imagens (figura 4) que ajudam a expressar visivelmente essas

diferenças.

Figura 4: À esquerda, monges budistas praticam técnicas do sul da China – roupagens leves e bases altas. À direita, lutadores praticam técnicas do norte da China – roupagens pesadas e bases baixas.

Por fim, o caráter religioso-filosófico. Este último, de fundamental importância

para a divulgação e expansão das artes marciais em toda Ásia e posteriormente,

para o mundo. Foi no Templo Budista de Shaolin26 que um homem indiano

conhecido na China pelo pseudônimo de Tamo27, apresentou para os monges dessa

linhagem dois conhecimentos que viriam a ser grandes marcos históricos: o primeiro

era um método de autodefesa indiano chamado Vajramushti28, já o segundo, o

conhecimento (da época) da anatomia e fisiologia do corpo humano (incluindo seus

aprimoramentos através de exercícios físicos e mentais). Dentro do mosteiro, Tamo

desenvolveu junto ao clero budista do templo, a arte chamada atualmente de “Kung-

Fu Shaolin” (LIMA, 2000; TAIGEN, ca. 2000). As duas ciências trazidas por Tamo

foram extremamente úteis aos monges de Shaolin, pois, com o método de

autodefesa, o clero pode se defender dos constantes assaltos que o templo sofria de

bandidos e bandoleiros armados; já com o conhecimento biológico do corpo humano

26 Mosteiro budista localizado na província de Henan (China) ao pé do monte Shao (que significa “pequena ou jovem floresta”) (MAIDANA, 2009). Lima (2000) pontua que o mosteiro foi fundado em 495 d.C..

27 Seu nome real era Bodisatva Avalokistevara Bodhidarma. Também foi conhecido no Japão por Daruma Taishi ou Bodai Daruma. Provavelmente nascido no ano 460 d.C., sendo ele o terceiro filho do grande Rei Brahamam das terras ocidentais da Índia (TAIGEN, ca. 2000). É dito por Paulo dos Santos (2006) que Bodhidarma foi o 28º. sucessor de uma ordem de ensinamentos budistas.

28 Este também, um dos métodos de autodefesa mais antigos que se tem registro (SOUZA JR., 2007). O Vajramushti provavelmente teve sua origem entre 3500 a.C. a 1500 a.C. pelos drávidas, povo de pele escura que habitou a Índia nesse período. Hoje, o Vajramushti é conhecido pelo nome de Kalarippayat (PIMENTA, 2009).

26

puderam se exercitar e se reabilitar de diversas mazelas que possuíam por orarem

muito e não fazerem qualquer atividade física, portanto, encontravam-se fisicamente

muito debilitados (LIMA, 2000; KOPPE, 2009).

Futuramente, os monges de Shaolin viriam a ser considerados como

membros do mais alto escalão marcial já visto até então (SHAHAR, 2003). É

contado por Lima (2000) que posteriormente a fama de Shaolin, diversos jovens

determinados e alguns mestres de artes marciais buscaram ingressar na irmandade

do templo para poderem se aperfeiçoar e defender melhor suas aldeias. Embora

Rafael Oliveira (2006) traga à luz que a qualidade super estimada da técnica de

Shaolin seja equivocada e que esse engano deve-se ao grande imaginário popular

ocidental influenciado pelos diversos filmes e seriados televisivos difundidos no

século XX fazendo uso da imagem e do nome de Shaolin. Maidana (2009) afirma

que foi através desses meios midiáticos que o Kung-Fu se fez famoso no Ocidente.

Atualmente, por sua importante relevância histórica, religiosa, filosófica e

mesmo científica e política na antiga China, o Templo de Shaolin foi reconhecido em

02 Ago. 2010 como “Patrimônio da Humanidade”29 pela United Nation Educational,

Scientific and Cultural Organization (UNESCO30). Em níveis arquitetônicos, o Templo

de Shaolin conta com 11 construções, como: o Mosteiro, o Observatório de

Dengfeng, a Academia Songyang, as Torres Taishi e o Templo Zhongyue.

É importante enaltecer que o Templo de Shaolin não era o único lugar de forte

difusão do Kung-Fu na China antiga. Koppe (2009) esclarece que outro famoso

ponto e grande alicerce de projeção das artes marciais chinesas foi o Templo

Taoísta de Wudan na província de Hubei. De forma ainda mais ampla, Shahar

(2003, p.136) apresenta outros menos famosos, porém, importantes núcleos que

colaboraram com a propagação do Kung-Fu por todo território chinês:

Shaolin não foi o único mosteiro onde artes marciais foram praticadas. Fontes dos séculos XVI e XVII aludem ao treinamento

29 Disponível em: <www.oecumene.radiovaticana.org/bra/Articolo.asp?c=412660>. Acesso em: 08 set. 2010.

30 Em português: “Organização para Educação, Ciência e Cultura das Nações Unidas” (Tradução nossa). Órgão vinculado às Nações Unidas (ONU), fundado em 1946 e está instalado oficialmente no Brasil desde 1964. Disponível: <http://www.unesco.org/pt/brasilia/about-the-unesco-brasilia-office/>. Acesso: 31 Dez. 2010.

27

militar em outros centros budistas que também merecem ser pesquisados: Monte Emei (em Sichuan), Monte Wutai (em Shanxi) e Monte Funiu (na parte sul de Henan). Além disso, combates eram praticados em vários templos locais que ofereciam abrigo para artistas marciais itinerantes. Ainda assim, os clérigos de Shaolin eram considerados os melhores monges lutadores. Uma razão para seus expressivos conhecimentos marciais era a localização de Shaolin, na área central de Henan. Pobreza e violência desenfreada integraram o treinamento militar à estrutura da sociedade em Henan, o que explica, em parte, a contribuição daquela província para as artes marciais do período imperial tardio.

2.2.1 Filosofias Orientais que influenciaram o Kung-Fu

Os ensinamentos do Taoísmo (ou Daoísmo), criado por Lao Zi (604-517 a.C.),

por sua vez, precederam e fundamentaram o Confucionismo instituído por Kung-Fu-

Tse31 (551-479 a.C.), e o Budismo estabelecido sobre os ensinamentos de

Siddhartha Gautama (563-483 a.C.) – o mais famoso “Buda”32. Esta última filosofia,

posteriormente, foi convertida em religião e adquiriu grande aceitação em toda Ásia

ao decorrer da história (FERREIRA, Arthur, 2009).

Ainda sobre o Budismo, diversas outras variações religioso-filosóficas deste,

surgiram posteriormente aos primeiros séculos após Cristo. No I Congresso

Internacional de Artes Marciais e Medicina Chinesa (2009) foram expostos vários

31 Líder chinês que no Ocidente ganhou fama com seu nome latinizado: Confúcio (OLIVEIRA, 2006). Foi talvez o primeiro grande defensor na história da Etocracia; ideologia que, segundo Murad (2009), busca a elevação do poder dos “valores” éticos, morais e educacionais, fundamentalmente tendo os líderes do povo como exemplos para seus subordinados. O que reforça o seu caráter pedagógico, especialmente para a infância e juventude.

32 Derivado dos dialetos sânscrito e pāli, o termo atualmente tornou-se um título religioso-filosófico que tem por significado “Iluminado” ou “Desperto”. A nomenclatura também pode ser encontrada na escrita “Buddha”. A terminologia faz alusão ao ser humano que teria atingido um alto nível de espiritualidade, desprendimento material, sentimento de ajudar ao próximo e consciência da democratização da religiosidade – antes sujeita às imposições da poderosa casta Brâmane na antiga Índia. Posteriormente, o título “Buda” ganhou repercussões religiosas, sendo o centro do budismo, contando hoje com o número entre 300 a 400 milhões de adeptos em todo o mundo, além de inúmeras derivações e ramificações dessa religião (DHARMANET, 2010). Lima (2000, p.32) expõe que: “’Iluminação’ seria a perfeita compreensão dos processos e das relações universais, na qual; o corpo, como forma, tem uma participação fundamental”.

28

exemplos: o Budismo Ch’an (ou Zen), Budismo Ch’en Yen, Escola das Leis

(Legalistas), Taoísmo Religioso, Escola da Razão e Natureza, Neo-Taoísmo, Escola

Empírica e Escola da Mente. Acrescentam-se também, através de conhecimentos do

autor, outros exemplos como: Budismo Vajrayana, Igreja Seicho-No-Ie, Instituição

Religiosa Perfect Liberty (ou PL), Lamaísmo e ainda diversas outras escolas, ou

mesmo, religiões, seitas e filosofias independentes.

Todas as três filosofias primordiais (Taoísmo, Confucionismo e Budismo)

também serviram (e ainda servem) como base da disciplina e da ética das artes

marciais chinesas, indianas, coreanas e japonesas (TAIGEN, ca. 2000; FERREIRA,

Arthur, 2009). Com ajuda delas, buscaram proporcionar aos artistas marciais uma

“visão educacional holística”33 para a prática dos exercícios, elevando também não

só as técnicas de autodefesa, mas também a qualidade da saúde, a boa

alimentação e o enriquecimento cognitivo através do ganho de conhecimentos

gerais. Miranda (2008, p.5) aborda que: “A China aplicava métodos aperfeiçoados

de luta; a sua filosofia, a sua medicina e a sua ciência em geral, haviam originado

um terrível método de combate”.

Existem evidências empíricas nas aulas de Kung-Fu que corroboram as

influências tanto filosóficas quanto pedagógicas nas artes marciais chinesas, que se

perpetuam até os dias de hoje (SHAHAR, 2008). Ressaltam-se algumas observadas

pelo próprio pesquisador desta dissertação, como: a reverência feita em todo início e

término das aulas a “Placa Votiva”34 (figura 5), assim demonstrando uma forma de

respeito e gratidão por suas contribuições no passado (OLIVEIRA, Rafael, 2006); a

progressão pedagógica das técnicas ensinadas para os alunos (sendo as mais

simples e fáceis ministradas antes e as mais complexas e difíceis ministradas

depois); progressão também observável no aprendizado das técnicas do Kung-Fu,

das mais brandas para as mais contundentes (HAUSEN, 2004). Estas últimas, para

que não sejam absorvidas como “ensinamentos violentos” exigem maturidade,

reflexão e assimilação da disciplina e da ética preconizadas nos preceitos da arte;

assim aproximando-se da teoria do “processo civilizador” de Elias (1994). Despeux

33 Visão educacional esta, que Lima (2000) acusa não estar sendo utilizada (ou mesmo ter sido esquecida) pela educação escolar mundial, refletindo-se também no setor profissional.

34 Placa ou quadro que pode conter fotos, ilustrações ou mesmo a caligrafia dos fundadores, ancestrais e antepassados da referida arte marcial (OLIVEIRA, 2006).

29

(1993, p.7) ilumina a maior preocupação marcial do Kung-Fu; a defesa: “Na tradição

chinesa, a força guerreira destina-se menos a atacar do que a defender-se e a

instaurar a ‘grande paz’ (...)”.

Figura 5: Placas Votivas nas academias de Lee Chung Deh, Chan Kowk Wai e Rogério Leal Soares35, praticantes do estilo Shaolin do Norte.

Refletindo sobre essa possível dicotomia do “bom” ou mesmo do “mau” uso,

dos conhecimentos práticos marciais que um indivíduo pode fazer, Monahan (2007,

p.42) esclarece que: “É o descaso com a eficiência prática que cria um espaço para

transformar as artes marciais em uma avenida para a criatividade humana e auto-

expressão”.36 Assim, entende-se que a percepção do mestre ou professor como

orientador, ou mesmo, como avaliador do comportamento de seus alunos, é mais do

que fundamental para a construção de valores positivos de forma unificada ao galgar

os diversos níveis de técnicas ministradas.

De forma mais convergida ao estilo Garra de Águia, as filosofias descritas

anteriormente se materializam dentro do referido estilo (e consequentemente

permeando-se por seus praticantes) através dos seus “9 preceitos”, expostos e

posteriormente interpretados pelo autor desta dissertação a seguir (tabela 1):

PRECEITO 1 – “EU ME COMPROMETO A TREINAR CORPO E ESPÍRITO PARA P AZ”

Este preceito é o primeiro não ao caso. Seu significado expressa, mesmo que de forma sucinta, toda a ideologia pacífica que permeia a filosofia milenar da arte marcial Kung-Fu. Suas palavras deixam claro que a violência não é algo objetivado dentro dessa arte.

35 Disponível em: <http://www.shaolincuritiba.com.br/votiva.html>. Acesso em: 29 Dez. 2010.

36 Tradução nossa.

30

PRECEITO 2 – “EU ME COMPROMETO A REVERENCIAR NOSSOS ANCESTRAIS E RESPEITAR MESTRE, PROFESSORES E COLEGAS”

Tendo como base não só a hierarquia marcial, mas também a hierarquia familiar, o segundo preceito expressa o respeito ao superior, ao colega que está em igual posição e ao que se encontram subordinado ou em posição inferior. Todos devem ser tratados e respeitados de maneira louvável, pois cada indivíduo pode passar pelos diversos níveis citados, sendo exemplo ao próximo (Etocracia).

PRECEITO 3 – “EU ME COMPROMETO A NÃO SER FALSO E SEGUIR O CAMINH O DA VERDADE”

O significado do terceiro preceito vai bem além do que só não mentir. Sua postura inclui um comportamento honesto, assumindo conseqüência dos próprios atos, honrando sua palavra, ouvindo críticas e buscando seu amadurecimento contínuo através das percepções próprias e de terceiros.

PRECEITO 4 – “EU ME COMPROMETO A PERSISTIR NO APERFEIÇOAMENTO FÍ SICO, MENTAL E ESPIRITUAL”

De forma holística, o quarto preceito eleva as diversas áreas de desenvolvimento do ser humano; do mais externo ao mais interno. Representa também a constante busca do aprimoramento de todo artista marcial. Enfatiza-se aqui que os benefícios adquiridos não só se limitam ao caráter físico, mas extrapolam para o nível social, garantindo saúde, lazer, condições de trabalho e qualidade de vida.

PRECEITO 5 – “EU ME COMPROMETO A SER PACIENTE E HUMILDE, GALGAND O UM A UM OS DEGRAUS DO CONHECIMENTO”

Por motivos diversos (profissionais, financeiros, culturais, pessoais etc.) essas duas virtudes (paciência e humildade) são extremamente “colocadas à prova” em tempos atuais. Dentro da filosofia do Kung-Fu, elas passam a ser focos importantes no desenvolvimento e amadurecimento de cada praticante, elevadas aqui no quinto preceito. Este preceito evidencia que a prática da arte marcial Kung-Fu é um processo contínuo (como por exemplo, as graduações, que expressam um marco referencial de evolução do praticante).

PRECEITO 6 – “EU ME COMPROMETO A CONTRIBUIR PARA QUE NOSSO MEIO NÃO OFEREÇA ABRIGO AOS MAL INTENCIONADOS”

Acreditando que os ensinamentos ministrados pelo Kung-Fu criem a união entre seus membros, o sexto preceito narra a prudência de resguardar a fonte transmissora desses ensinamentos (os núcleos de difusão do Kung-Fu) para que esse legado se perpetue, refletindo de forma que os indivíduos com intuito de violência não se sintam parte do grupo.

PRECEITO 7 – “EU ME COMPROMETO A RESPEITAR AS DEMAIS FILOSOFIAS E ARTES MARCIAIS”

O sétimo preceito se faz bastante atual na importância do respeito e tolerância aos diferentes pensamentos, opiniões e crenças do próximo. A expressão “filosofia” é capaz de abranger reflexões sobre política, cultura, credo, ideologia, educação; assim, se fazendo presente também o respeito às outras artes marciais.

31

PRECEITO 8 – “EU ME COMPROMETO A ZELAR PELO RESPEITO DEVIDO AO K UNG-FU”

Acreditando que o respeito à arte marcial Kung-Fu representa respeitar todos os esforços e dedicações dos ancestrais e gerações antecessoras, o oitavo preceito traz à luz que, o nome e a concepção dessa arte marcial, têm ao praticante um valor por significado histórico incomensuravelmente maior do que seu significado literal. Em outra dimensão, significa também as técnicas de autodefesa, através do ensinamento do uso adequado das técnicas marciais em caso real de necessidade. Se expressa ainda a manutenção da tradição da técnica ao longo das gerações não como uma forma permanente, mas sim adaptada a individualidade de quem a transmite.

PRECEITO 9 – “EU ME COMPROMETO A SER EXEMPLO VIVO DA FILOSOFIA E DA ÉTICA DOS MESTRES”

Por fim, o nono e propositalmente último preceito busca representar a materialização prática e histórica da Etocracia, ou seja, sendo os mestres e professores indivíduos de caráter ético e moral louváveis, fazendo com que naturalmente, seus discípulos os terão como exemplos a serem seguidos, permeando todos os princípios relatados nos preceitos anteriores, gerando um permanente “ciclo de valores”; princípio essência do Tao.

Tabela 1: Descrição e interpretação dos “9 Preceitos do estilo Garra de Águia”.

2.2.2 O Kung-Fu no século XX

A arte marcial Kung-Fu, como é chamada nos dias de hoje, nem sempre

recebeu essa nomenclatura. Seu nome original é Wushu, que tem por significado

“arte marcial” (KOPPE, 2009) ou “arte da guerra” (TUBINO; TUBINO; GARRIDO,

2007). Porém, o termo “Kung-Fu” ficou mundialmente conhecido quando o cinema

no século XX incluiu em diversos roteiros cenas de acrobacias e lutas com atores

chineses praticantes de Wushu. Quando os mesmos eram indagados como

conseguiam efetuar movimentos de grande plasticidade e beleza, os

atores/lutadores apenas respondiam: “Kung-Fu!”.

A expressão tem por significado: “tempo e esforço desprendido numa

atividade” ou “grau de perfeição alcançado em qualquer área de atuação”, ou ainda,

“conhecimento profundo de um assunto” (HIRATA; DEL VECCHIO, 2006, p.3). Já

32

Apolloni (2004b, p.74) coloca que o termo “expressa uma habilidade intuitiva obtida

pela repetição intencional de uma ação”. De forma mais generalista, Lima (2000)

alude ser a busca constante da perfeição. Alguns ainda conceituam resumidamente

como “trabalho duro” (JEFREMOVAS, 2003, p.16). Recentemente, Koppe (2009,

p.22) posicionou-se dizendo que Kung-Fu seria “habilidade adquirida através de um

longo período de treino”. Portanto, conclui-se nesta pesquisa que, a expressão

“Kung-Fu” denota: qualquer grande conhecimento e/ou prática alcançados após

muito esforço, trabalho e treino árduo e que se aperfeiçoam com o tempo de prática,

incluindo-se aqui a caligrafia, pintura, escultura, e claro, arte marcial. Por conta

disso, Apolloni (2010) ressalte que essas outras atividades artísticas estão, mesmo

que de forma sutil, ligadas ao espírito marcial dos praticantes de Kung-Fu.

Brownell (2008) afirma que o Barão de Coubertin37 declarou abertamente que

havia consultado Confúcio, dentre outros pensadores, para então estruturar o que

viria a ser a “pedagogia esportiva” que o mesmo defenderia com tanto esmero.

Talvez, poder-se-ia dizer aqui, que a busca constante do aprimoramento e da

perfeição, base da filosofia que tece a estrutura conceitual do Kung-Fu, é uma

“versão oriental” do Lema Olímpico, que por sua vez, também prega o

desenvolvimento humano.

O LEMA OLÍMPICO CITIUS, ALTIUS, FORTIUS pode ser traduzido por “mais veloz, mais alto, mais forte”. Significa uma mensagem de aperfeiçoamento humano, expressando a conclamação do Comitê Olímpico Internacional (COI) a todos os participantes do Movimento Olímpico, convidando-os a uma superação pessoal, de acordo com o Espírito Olímpico. (TUBINO; TUBINO; GARRIDO, 2007, p.652)

O referido termo (Kung-Fu) vem do Cantonês, um dos dois principais dialetos

chineses juntamente ao Mandarim. Esse dialeto é amplamente utilizado na região

sul e sudeste da China, mais especificamente na região de Cantão, onde se

encontrão grandes centros urbanos que possuíam imensa influência estrangeira

como Hong Kong (de colonização inglesa) e Macau (de colonização portuguesa).

Citações informais de vários mestres durante suas aulas, afirmam que foram

exatamente os estrangeiros no início do século XX, que de maneira leiga e inocente,

37 Seu nome era Pierre de Fredy. Idealizador e organizador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna (CAPINUSSÚ, 2007).

33

“batizaram” a arte marcial chinesa de forma popular com a expressão “Kung-Fu”. De

tal modo, esclarece-se o ocorrido de uma confusão de terminologias históricas,

tendo feito com que a arte praticamente assumisse duas nomenclaturas.

Para conflitar ainda mais essa conturbada conceituação da nomenclatura da

arte, em 1928, o governo republicano chinês, com a intenção de incentivar o espírito

nacionalista do país, utilizando as artes marciais como ferramenta política, alterou

por lei o nome Wushu (já sendo conhecido internacionalmente por Kung-Fu) para o

nome Kuoshu, que significa “arte nacional” (LI, 1993).

Hoje, a arte ainda se faz conhecida principalmente no Ocidente como Kung-

Fu (MOCARZEL, 2010a). O nome Wushu foi redirecionado para o estilo de Kung-Fu

idealizado pelo governo republicano chinês para ser o “estilo olímpico”

(FEDERAÇÃO DE KUNG-FU DO ESTADO DE GOIÁS, 2009). Isso se deu após uma

equipe de nove praticantes (6 homens e 3 mulheres), atletas integrantes da elite da

arte na China (membros da renomada Nanking Central Martial Arts Academy),

apresentarem-se e impressionarem o público presente dos Jogos Olímpicos de

Berlim (1936), como esporte de demonstração, incluindo o ditador Adolf Hitler que os

aplaudiu em pé38.

Perante esse fato, o governo chinês, de forma oficial, objetivou ingressar o

Kung-Fu (estilo Wushu) como mais uma modalidade desportiva nos Jogos Olímpicos

(KOPPE, 2009) efetuando movimentações de caráter educacionais, econômicas,

políticas e desportivas em 1949 (MAIDANA, 2009). Já o termo Kuoshu foi alcunhado

para classificar todo estilo tradicional de Kung-Fu. Assim sendo, há hoje duas linhas

de Kung-Fu, a tradicional (Kuoshu) e a moderna que pleiteia uma vaga nos Jogos

Olímpicos (Wushu Moderno).

Com referência ao Wushu Moderno conseguir tornar-se um desporto

olímpico, grandes metas já foram alcançadas. Apontam-se aqui dois fatores que

propiciaram e muito a difusão em larga escala do Wushu: a estruturação e

consolidação do curso de graduação acadêmica em Wushu pelo governo chinês e a

38 Estas informações detalhadas foram narradas pela Mestra Fu Shu-Yun, integrante da delegação que se apresentou em Berlim (1936) e posteriormente colocadas na internet. Tradução nossa. Disponível em: http://www.chinesemartialarts.eu/FU%20SHU-YUN.html. Acesso em: 18 Ago. 2010.

34

fundação39 da International Wushu Federation – IWUF (órgão que passou a reger o

Wushu desportivo competitivo em nível mundial). Somam-se a essas, outras

conquistas da arte marcial chinesa, decorrentes da própria IWUF, como conquistar a

vinculação40 ao Comitê Olímpico Internacional (COI) e o ingresso41 na World Anti-

Doping Agency (WADA). Apolloni (2004a), Rafael Oliveira (2006), Tubino, Tubino e

Garrido (2007) e Mocarzel (2010a) ainda pontuam a inclusão do Wushu como

desporto “permanente” nos Jogos Asiáticos em 1990.

Os Jogos Olímpicos de 2008 foram realizados em Pequim (China).

Entretanto, apesar dos inúmeros esforços do governo chinês, o Wushu Moderno não

foi aprovado como desporto olímpico oficial. É dito por Brownell (2008) que a razão

principal desse fato se deve ao COI ter mudado sensivelmente sua postura com

relação à inserção de novos esportes no programa olímpico.

O sistema de adição e exclusão de esportes que foi desenvolvido pela Comissão considerou apenas o universalismo geográfico do esporte e não seu caráter cultural. Um dos resultados foi que o wushu chinês (artes marciais) foi desconsiderado e eliminado como um esporte olímpico oficial do Jogos Olímpicos de Pequim (...) (BROWNELL, 2008, p.70-71)42

A mesma autora ainda grifa veementemente que o fato do esporte chinês não

ter sido aceito pelo COI gerou grande comoção e frustração ao povo chinês (e claro,

aos atletas praticantes de Kung-Fu por todo mundo), pois já haviam presenciado o

Japão inserir o Judô em Tóquio (1964) (OLIVEIRA, Ronald, 2007) e a Coréia do Sul

o Taekwondo43 em Sydney (2000) (MARTA, 2004). É criticada também a “postura

ocidentalizada” do COI para com os Jogos Olímpicos de Verão, segundo Brownell

(2008), pois existem apenas dois esportes de origem claramente não-ocidentais nos

39 Em 03 out. 1990.

40 Em 20 jun. 1999, na sessão 109 em Seul (Coréia do Sul).

41 Em 10 dez. 2001.

42 Tradução nossa.

43 Eleva-se a rápida evolução e avanço global que o Taekwondo (arte marcial coreana) atingiu. Marta (2004) pontua três datas marcantes para o Taekwondo: seu ano de criação (1955), sua chegada ao Brasil (1970) e sua inserção nos Jogos Olímpicos de Sydney (2000).

35

Jogos Olímpicos de Verão, Judô e Taekwondo; havendo também o “Caiaque” como

único esporte representante das raízes culturais indígenas.

Indiscutivelmente, o processo de “esportivização” de qualquer atividade física

gera “transformações” em seu âmbito (TUBINO; TUBINO; GARRIDO, 2007). Dentro

do Kung-Fu, tendo o foco voltado para sua possível inserção nos Jogos Olímpicos,

ocorreram adaptações em prol da segurança dos praticantes. Na área marcial de

“Combate” (Sanda ou Sanshou) os atletas são obrigados a utilizar equipamentos de

proteção corporal (luvas, peitoral, bucal, capacete, caneleira e especificamente a

coquilha para o sexo masculino). Já na área marcial de “Formas” (Wushu Moderno)

os atletas trajam roupas tradicionais chinesas de fácil movimentação corporal e

fazem uso de armas brancas tradicionais adaptadas para o esporte, não possuindo

pontas e cortes afiados.

Sendo algo importantíssimo de se salientar sobre a temática do Olimpismo,

Gomes (2008) deixa claro que diversos métodos de autodefesa são possíveis de

adaptação, tornando os mesmos capazes de abranger praticantes com

necessidades especiais – participantes dos Jogos Paraolímpicos (COMITÊ

OLÍMPICO BRASILEIRO, 2010).

É de se salientar que mesmo com as mudanças e adaptações sofridas, o

Kung-Fu e seus artistas marciais mantêm suas características tradicionais de

respeito e disciplina. Exemplifica-se essa premissa com as saudações feitas pelos

atletas, árbitros e técnicos uns aos outros durante as competições.

Observa-se que até a saudação utilizada no Kung-Fu tem um profundo

significado subjetivo derivado das filosofias orientais, representando respeito,

harmonia e humildade. À frente do coração, os braços se alongam a um nível

submáximo formando um círculo com os braços, enquanto isso, a mão esquerda

aberta com os dedos juntos e alongados se une à mão direita em punho cerrado.

Essa diferenciação das mãos representa respectivamente: a energia yang, a

masculinidade, o calor, o sol, o ataque, a lâmina, a agressividade, o homem – lado

esquerdo; a energia yin, a feminilidade, o frio, a lua, a defesa, o escudo, a

docilidade, a mulher – lado direito. Em outras palavras, a perfeita dualidade do Tao.

36

A relevância dessa filosofia é de tamanha importância que a referida

saudação é representada nos símbolos da maioria dos órgãos e entidades que

dirigem em nível esportivo o Kung-Fu no Brasil. Como exemplo, a logomarca da

Confederação Brasileira de Kung Fu/Wushu – CBKW (figura 6).

Figura 6: Logomarca símbolo da CBKW.

Lima (2000, p.118) afirma claramente que: “Esse misto de esporte, medicinal,

espiritualidade, folclore e estratégia de combate foi sendo sistematizado

gradativamente e, hoje, é identificado pelo nome de kung-fu”. O pensamento narrado

anteriormente se materializa na imagem (figura 7) que a mesma autora estruturou.

Figura 7: Sub-divisões do Kung-Fu e artes a ele incorporadas (LIMA, 2000).

37

2.2.3 Chegada do Kung-Fu no Brasil

A influência das artes marciais orientais dentro da cultura brasileira de modo

geral, provavelmente teve seu início na segunda década do século XX; com mais

exatidão em outubro de 1915 com a chegada e a ocorrência da primeira

apresentação pública de dois mestres de Judô, chamados Sanshiro Satake e

Mitsuyo Maeda (este último mais tarde chamado de “Conde Koma”). Góis Junior e

Lourenço (2003) dizem que os dois Mestres apresentaram-se marcialmente

desafiando outros lutadores em diversas cidades do Brasil (Porto Alegre, Rio de

Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, São Luís e Belém). Todavia, apenas viriam

fixar residência na cidade de Manaus em Dezembro de 1915. Lá, no ano de 1917,

ambos conheceram e criaram laços fraternais com Gastão Gracie, pai de dois jovens

rapazes, Carlos e Hélio Gracie, que após treinarem anos sob a tutela de Maeda,

viriam a se tornar os precursores do chamado JJB, hoje mundialmente conhecido.

No ponto de vista da inserção do Kung-Fu no Brasil, Blaser, Silva e Marrera

(2006), em seu trabalho de levantamentos de dados históricos observaram que a

arte marcial chinesa levou bem mais décadas que o Judô para sua introdução no

país. A fuga e migração de diversos Mestres da China para diversas partes do globo,

principalmente para Hong Kong, Taiwan, América e Europa, foram desencadeadas

em massa a partir da Revolução Cultural Chinesa em 1966, comandada por Mao

Tsé-Tung (APOLLONI, 2004a). No entanto, muitos deixaram poucos anos antes seu

país, pois já percebiam a crescente onda de conflitos internos, tanto de ordem

política quanto ideológica, dentro da nação chinesa, elevando extremamente a

tensão entre o povo e governo.

Vários mestres foram obrigados a fugir de seus países de origem para não sofrerem e até serem mortos pela Revolução Cultural Chinesa. Isso implicou na disseminação do Kung-Fu por todo o mundo e, no Brasil, na chegada do estilo Shaolin do Norte, (oficialmente, o primeiro a ter um representante tradicional no país). (OLIVEIRA, Rafael, 2006, p.19)

38

Os primeiros mestres de Kung-Fu chegaram ao Brasil apenas quarenta e

quatro anos mais tarde que os de Judô, ou seja, em 1959. Sobre personalidades do

Kung-Fu que migraram para o Brasil, Blaser, Silva e Marrera (2006) abordam nomes

bastante relevantes para o desenvolvimento da cultura sino-marcial no país.

Exemplos de renomados mestres como: Wong Sun Keung (estilo Tai Chi Chuan),

Chan Kowk Wai (estilo Shaolin do Norte), Chiu Ping Lok (estilo Fei Hok Pai), Li Wing

Kay (estilos Garra de Águia, Louva-a-Deus Sete Estrelas e Shuai Chiao), Li Hon Ki

(estilos Hung Gar e Wing Chun) e Hu Chao Tien (estilo Serpente Divina). Buscando

enriquecer os dados e nomes já elevados anteriormente, complementam-se ainda

através de conhecimentos e experiência empírica do autor, nomes de outros mestres

não citados, como: Hu Hsin Shan (estilo Tai Chi Chuan), Lee Tat Yan (estilo Wing

Chun e Shaolin do Norte), Wu Jyh Cherng (estilo Tai Chi Chuan), Lee Chung Deh

(estilo Shaolin do Norte), Huang Hu Piao (estilo Hung Gar), Wu Chao Hsiang (estilos

Xing Yi e Tai Chi Chuan), entre outros. A vinda maciça de Mestres ao Brasil ocorreu

entre 1959 a 1980 e a maioria estabeleceu residência nas cidades do Rio de Janeiro

e São Paulo.

Ainda, sobre Blaser, Silva e Marrera (2006), avaliando o caráter estrutural de

entidades e órgãos para ajudarem na organização e difusão da arte marcial chinesa

no Brasil, apontam que a primeira Federação criada no país foi do estado de São

Paulo no ano de 1989 (Federação Paulista de Kung Fu Wushu – FPKF) e em níveis

nacionais, a primeira Confederação surgiu três anos após, em 1992 (Confederação

Brasileira de Kung Fu/Wushu – CBKW).

Assim, observa-se de forma clara que o Kung-Fu é novo em níveis

organizacionais no Brasil, tendo aproximadamente cinqüenta anos do início da

imigração dos primeiros mestres vindos ao país e menos de duas décadas na

formação da primeira entidade nacional que rege a arte. Acredita-se que esse fator

histórico, mesmo em curto prazo, seja relevante e que não tenha conseguido até o

momento influenciar de forma expressiva a população na busca de praticantes no

Brasil; diferentemente da Capoeira, que segundo Sergio Vieira (2006), é a técnica de

autodefesa mais praticada na nação e já faz parte do ethos brasileiro há séculos,

possuindo em território nacional mais de seis milhões de adeptos e recentemente

39

tombada como “Bem ou Patrimônio Imaterial do Brasil44 e do estado do Rio de

Janeiro45.

Hoje, o Brasil é considerado pela comunidade marcial mundial o país com o

melhor Kung-Fu do hemisfério ocidental. Essa titulação se deve a qualidade dos

resultados das delegações e atletas brasileiros em competições internacionais

incluindo mundiais.

2.3 O Fenômeno da Violência

2.3.1 Reflexões e Teorias Diversas

A temática “violência” é extremamente ampla. Murad (2007) descreve a

violência como assunto presente em épocas e sociedades diversas e que

independentemente da sua escala dentro das sociedades, tanto arcaicas quanto

contemporâneas, ela se faz presente. Minayo e Souza (1998) dizem que a violência

é um conceito polissêmico e controverso, ponderando que suas especificidades

necessitam de esclarecimentos para haver alguma discussão. Botelho e Souza

(2007, p.59) alegam que: “(...) a violência pode ser caracterizada como problema

crônico e recorrente”. Hayeck (2009) afirma que a violência pode abranger

pensamentos e reflexões de abordagens políticas, teológicas, econômicas, culturais,

educacionais, psicológicas, dentre outras. Nesta dissertação, se buscará

prioritariamente pesquisar a violência sob um olhar sócio-educacional.

Durante a pesquisa de Minayo e Souza (1998) é exposto que a Organização

Pan-Americana de Saúde (OPAS) considera desde 1995, que a violência alcançou

um caráter endêmico. Hoje, tornou-se um problema de saúde pública em diversos

44 Decreto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 15 ago. 2008.

45 Lei Estadual (RJ) nº 2.414 oficializada em 20 nov. 2009.

40

países, inclusive o Brasil. Apesar de ser um dado relevante da área da saúde, sob o

ponto de vista desta dissertação, acredita-se haver correlações sociais e

educacionais, que influenciam em diversos momentos essas práticas de violência.

Os diversos entendimentos e estudos sobre o fenômeno da violência

divergem em múltiplas esferas. Murad (2007) esclarece que a etimologia da palavra

“violência” é derivada do latim violentia. Sua raiz semântica (vis) remete à imposição

e/ou opressão a pessoas por uso da força em qualquer forma, sentido ou natureza.

Dadoun (1998, p.12), classifica o conceito de violência como: “todo sinal

extremo, ou de algum modo excessivo, (que) implica uma pressão, uma coação,

uma força – resumindo, uma violência”. A conceituação trabalhada por Dadoun é de

caráter filosófico, portanto mais genérico. Qualquer estudo sobre a violência

direcionada a um setor particular da vida social, como é o caso desta dissertação,

necessita teórica e metodologicamente fazer adequações de ordem mais concreta.

Em alguns pontos de suas reflexões, Dadoun adota o pensamento

biologicista, que coloca o ser humano como detentor da “maldade” (homo violens),

sendo esta, uma dimensão “natural” e formadora de sua constituição. Esta dimensão

é a geradora de conflitos e guerras, de preconceitos, exclusões e agressões.

Observando a conceituação de Dadoun do “homo violens”, pode-se, num certo

sentido, relacioná-la com a clássica “Teoria do Instinto” estruturada por Freud

(SANTOS, R., 1996; BECKER JÚNIOR, 2000), segundo a qual a violência do ser

humano é tão intrínseca a ele, que deve ser direcionada para fora, pois caso

contrário, poderia acarretar doenças psicossomáticas ou até mesmo levá-lo ao

suicídio, à autodestruição.

Além disso, Dadoun (1998) classifica três divisões do fenômeno da violência,

nomeando-as “figuras extremas da violência”: Gênesis, Extermínio e Terrorismo.

Não se compartilha aqui do pensamento da figura inicial do autor (Gênesis), no qual

se coloca que todos os seres humanos seriam descendentes do homicida Caim, que

mesmo no paraíso, não se importou em ceifar a vida de seu irmão Abel, desafiando

a autoridade e soberania das leis Divinas. Daí é que conclui ser a violência, um

elemento estruturante dos humanos. O autor ainda tece um polêmico pensamento

crítico sobre a expressão bíblica “feitos à imagem de Deus”, pois, se os humanos

41

são realmente forjados à Sua semelhança, seriam ambos, Deus e humanos, “Pai e

filhos”, “violentos por natureza”.

Se a violência é mesmo algo natural nos humanos, então será necessário que

as instituições criem “freios”, para conter essas agressividades e destruições. A isto,

Elias (1994) chamou de “processo civilizador”, no qual os esportes têm um papel

destacado, na contenção das práticas “naturais” da violência.

A segunda e terceira divisões do fenômeno da violência de Dadoun (1998),

“Extermínio” e “Terrorismo” respectivamente, diferem qualitativamente do ato

descrito antes. Enquanto o “Extermínio” teria uma visão quantitativa, buscando o

maior número de mortos e feridos, o “Terrorismo” buscaria uma ação com fins

qualitativos, objetivando abalar a moral, a coragem, a autoconfiança e a esperança

de seus inimigos. Exemplifica-se este ato de violência com os atentados em 2001 ao

World Trade Center (núcleo americano de empresas capitalistas), ao Pentágono

(núcleo americano de inteligência militar) e a Casa Branca (núcleo americano

político presidencial). Desta forma, o grupo terrorista responsável por essas ações

buscou atingir a diferentes esferas do governo americano, objetivando assim, um

sistemático e poderoso abalo da referida nação norte-americana.

Observando as conceituações de Dadoun (1998) sobre “Extermínio” e

“Terrorismo”, poderiam ser feitas correlações com a noção de “violência simbólica”

(BOURDIEU, 2000). Isto porque, a simbologia acaba sendo um instrumento de

ameaça e opressão quando se trata do terrorismo e de justificativa, no que concerne

ao extermínio. É importante sublinhar que os impactos psicológicos e morais da

“violência simbólica” também podem ser vistos nas práticas esportivas, de diferentes

modalidades, como por exemplo, nos métodos de autodefesa.

Adverte-se que o choque psicológico causado na população também é

estimulado pelos diversos veículos da mídia, que ostentam uma posição de poder e

influência na sociedade mundial (MACHADO, 2006). A mídia, mesmo indiretamente,

colabora com a construção de estereótipos, em relação às variadas ações culturais,

inclusive em relação aos esportes, atividades físicas e culturas corporais. José

Santos (2002) esclarece que a mídia que deveria ter apenas o papel de reportar, por

42

vezes de forma sensacionalista, passa a ter a postura de criar a realidade e em

vários momentos gerando uma realidade de caos e medo.

Entende-se que o “preconceito” é uma razão e das mais fortes, para a

ocorrência das práticas de violência, em distintos setores da sociedade (DADOUN,

1998). Historicamente, o ser humano se agrupa em uma crença, opinião e/ou ideia,

constituindo assim o conceito de etnocentrismo (MURAD, 2009). Se por ventura,

houver semelhantes seus que discordem dele, serão vistos como seres diferentes e

até mesmo como oponentes; percepção esta que poderá “justificar” as

transgressões, os vandalismos e as violências em diversas esferas (socialmente,

culturalmente e mesmo fisicamente).

É de se observar que o preconceito fere diretamente a filosofia taoísta de

igualdade de importância e interdependência fundamental dos seres, para

ambientes naturais e sociais; processo cíclico da natureza (LIMA, 2000).

No pensamento chinês, o ser humano – integrante do universo – é tão importante quanto um inseto, uma montanha, o ar, as estrelas... Cada qual tem seu papel a desempenhar nos ciclos pelos quais passa o universo. Ao dar a si mesmo importância superior à dos demais integrantes da natureza, colocando-se numa posição dominante, o homem se esquiva da responsabilidade pela manutenção da vida em harmonia consigo mesmo e, por conseguinte, com o mundo. (LIMA, 2000, p.30)

Murad (2007, p.121) também diz que a “intolerância, que pode ser definida

como a dificuldade ou a impossibilidade de conviver e lidar com as diferenças (...)”, é

mais um forte meio de propagação da violência. Foucault apud Murad (2007) afirma

que a intolerância permeia a humanidade fazendo com que a mesma sempre

conviva com a criminalidade. No âmbito macro-sociológico, tem-se como um dos

mais evidentes exemplos históricos do preconceito e da intolerância, o Holocausto,

genocídio de 6 milhões de judeus pelos nazistas (II GGM). Já no âmbito micro-

sociológico, poder-se-ia aqui, ser incluído como um dos exemplos, a violência

decorrente das práticas esportivas, conforme o que será visto a seguir.

43

2.3.2 Relação da Violência com o Esporte em geral e com o Kung-Fu

Capez (2003, p.XI) afirma que “a violência constitui uma das expressões

primitivas do ser humano. Em todas as épocas e em todas as sociedades sempre

houve violência. No campo desportivo não poderia ser diferente”. Calhoun (1987)

cita quatro interpretações de como a violência se insere no meio esportivo: a) o

desporto contribuindo para a diminuição da violência; b) o desporto contribuindo

para o aumento da violência; c) a violência desportiva é o reflexo da violência da

sociedade; e d) o simbolismo como evidência.

No pensamento inicial é dito que o esporte pode servir como válvula de

escape da tensão e do estresse, funcionando também como mecanismo de controle

da violência e da agressividade do dia-a-dia. Assim, proporcionaria ao indivíduo, um

meio de catarse, que consequentemente, oferece alguma parcela de “prazer” a

quem realiza o ato catártico.

No segundo aspecto, coloca-se que a experiência desportiva é um meio que

possibilita a estimulação do ego para os vitoriosos e proporciona decepções aos

derrotados. Assim, o meio desportivo seria um “ninho de sentimentos conturbados”

que poderiam alimentar manifestações antagônicas e estas causarem práticas de

violência.

Na terceira reflexão posiciona-se a hipótese que a violência no desporto é o

reflexo da manifestação de violência, permeada já de forma sólida, na sociedade. O

autor ainda faz alusão sobre as similaridades da “guerra” com os chamados

“desportos guerreiros”, considerando que ambos caminham de forma paralela e até

convergentes, um estimulando e auxiliando no treinamento e no desenvolvimento do

outro.

Finalmente, na quarta parte, é trazida à luz que a violência manifestada no

meio esportivo deveria ser expressa abertamente na sociedade. Entretanto, por

algum motivo, foi reprimida. Deste modo, ela se materializa em diferentes formas de

44

agressão, como por exemplo, as brigas de galo, representando ali uma defrontação

simbólica entre os indivíduos espectadores.

A classificação descrita acima é interessante e ao mesmo tempo discutível.

Interessante, porque instrumentaliza a reflexão e a investigação, sistematizando-as.

Discutível, porque como quase toda classificação parece ser, de certa forma,

dicotômica, cartesiana, onde um pólo da reflexão acaba por excluir o outro. Talvez, a

melhor forma de compatibilizar essas duas dimensões seja aproximar as quatro

interpretações. Neste caso, os fatores operariam modos de convergência e

interseção, onde cada um pode e deve influenciar os demais. Barroso, Velho e

Fensterseifer (2005) concluem que, equipes esportivas como um todo são um tipo

de micro-sociedade contendo suas decorrências (frustrações, culturas, sentimentos,

história e grupos sociais).

Para fins de esclarecimento, busca-se nesta dissertação adotar o primeiro

pensamento descrito: o esporte (uma das vertentes do Kung-Fu) é capaz de ser uma

ferramenta útil para contribuir na diminuição da violência. Faz-se necessário

acrescentar ainda, que o referido pensamento pode ser estendido do esporte, para

outras atividades físicas e culturas corporais.

Todavia, o primeiro pensamento citado, não deve excluir a possibilidade da

convergência com outro elemento assinalado na classificação: que a sociedade

também influencia as práticas corporais e esportivas, bem como seus sentidos éticos

e morais. Não é demais reforçar que o pensamento anterior sintetiza uma das

principais metas da presente dissertação.

Aprofundando o assunto no âmbito esportivo, Elias (1994) sugere a

possibilidade da “violência natural” poder e dever ser contida pelos mecanismos

civilizatórios, como a lei, as instituições e a educação. Também se lembra aqui de

um dos clássicos fundadores da sociologia enquanto ciência, Dürkheim (1968), que

chegou a trabalhar sobre a ideia de que a educação é “uma segunda natureza”, no

sentido de conter e “civilizar” a natureza de origem dos seres humanos.

Compartilhando com a ideia anterior, Antônio Santos (2005, p.14) diz que:

A organização e prática do esporte sem considerar a ética e a moral, podem levar as pessoas a desacreditarem nos valores positivos que

45

podem ser agregados quando da prática do esporte em todas as suas dimensões: educacional, comunitário, recreativo, adaptado e no alto rendimento, a partir de uma prática orientada para a valorização e respeito da pessoa humana.

O mesmo autor ainda correlaciona as discussões sobre a ética e a moral

dentro do meio esportivo com o aumento da violência em diferentes esferas sociais.

A visível mercantilização dos diferentes setores sociais, incluindo o meio esportivo,

nas últimas décadas, pode ser um dos aspectos dessa temática. É importante não

esquecer a valorização da imagem dos desportistas como seres humanos, nunca

ignorando seus sentimentos, emoções, limites físicos e psicológicos (BENTO, 1989;

SANTOS, A., 2005). Assim, perfaz-se novamente o conceito de holismo.

De forma muito clara e direta, Antônio Santos (2005, p.18) afirma que:

em relação à ética no esporte é necessário o empenho de todas as pessoas envolvidas com esse fenômeno, através de ações como: a defesa de uma prática esportiva pautada em valores morais éticos e deontológicos; que sejam dotados dentro do ponto de vista de uma ética de responsabilidade, situando-nos no interior do esporte para criticá-lo; e finalmente, criticar o universo do esporte moderno em nome de promessas que ele faz e não cumpre.

Acredita-se que as filosofias de paz e os “9 preceitos do estilo Garra de

Águia”, servem como base pedagógica e educacional do Kung-Fu no referido estilo,

posicionando-se de forma a suprir alguns dos pontos problemáticos relatados acima.

A discussão sobre valores educacionais, ética e moralidade no universo

desportivo, traz à luz a temática do Fair-Play, filosofia que busca a elevação do

chamado “espírito esportivo”, dentro e fora dos eventos e competições

(CAPINUSSU, 2004). Tubino, Tubino e Garrido (2007, p.52) entendem que Fair-Play

é o movimento de entidades/associações e esportistas no sentido de enfrentarem a exacerbação e os abusos cometidos no campo do esporte que arranham a própria essência da prática esportiva, a qual deve estar sempre referenciada em padrões éticos em todas as suas manifestações.

46

Dessa forma, procura-se atingir ações de violência indireta, como: racismo,

abuso de autoridade política e financeira, agressões físicas e simbólicas (como

cuspir no adversário e em algumas práticas dos movimentos Hooligans e Ultras46),

ofensas verbais, bullying47, dopping48, dentre outros.

Antônio Santos (2005) também coloca que o “espírito esportivo” estrutura as

normas do esporte, mesmo que não descritas nos estatutos e regulamentos do

mesmo. São pautadas em um “código de ética popular”, objetivando respeito,

tolerância e igualdade. Esse pensamento converge com o de Bento (1990, p.27),

que em um ponto de vista sociológico, cita que: “A ética do desporto é parte de uma

problemática que abrange todos os domínios da actividade humana”.

Relacionado ao fenômeno da violência, identifica-se o fenômeno do “Poder”.

Arendt (2009) afirma que a violência é um fenômeno diretamente imerso na questão

do poder, pois manifestações violentas acontecem em realidades em que o poder foi

abalado ou desintegrado de alguma forma, ocasionando rebeliões diversas no

sistema vigente.

Sartre apud Arendt (2009, p.52) tece o conceito de “poder”, que

ao que tudo indica, é um instrumento de domínio, enquanto o domínio, assim nos é dito, deve a sua existência a um ‘instinto de dominação’. (...) ‘um homem sente-se mais homem quando se impõe e faz dos outros um instrumento de sua vontade’, o que lhe dá um ‘prazer incomparável’. ‘O poder’, disse Voltaire, ‘consiste em fazer com que os outros ajam conforme eu escolho’.

46 Classificação de torcedores extremistas. Seriam eles: “(...) adeptos que fazem qualquer sacrifício pessoal, financeiro ou mesmo familiar por sua equipe. Possuem profundo orgulho em ter essa postura e conseqüentemente, adquirem um comportamento radical e violento”. (MURAD, 2007, p.36)

47 “O fenômeno bullying compreende todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas (de maneira insistente e perturbadora), que ocorrem sem motivação evidente e de forma velada, sendo adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), dentro de uma relação desigual de poder.” (BOTELHO; SOUZA, J., 2007, p.58).

48 O termo varia entre Dopping, Doping e Dopagem. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) define através de seu Departamento Médico (2003, p.4) que: “Considera-se dopagem a utilização de substâncias ou métodos que seja potencialmente prejudicial à saúde do atleta, ou capaz de aumentar artificialmente sua performance, o que se caracteriza pela presença no corpo do atleta ou por evidência de uso de substâncias proibidas, ou ainda por evidência de uso de métodos proibidos, conforme relação divulgada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e pela Agência Mundial Antidoping (WADA)”.

47

O poder na verdade, é constituído bilateralmente, caracterizando-se como um

equilíbrio de necessidades (ELIAS; DUNNING, 1992; ELIAS, 1994). Se um primeiro

grupo detém a posse de algo que um segundo grupo deseja, é possível o primeiro

ter poder de barganhas sobre o segundo, estruturando-se um processo de

exploração, que de acordo com a índole e os valores morais dos detentores do bem

em questão, pode chegar a níveis desumanos (ALMEIDA, S., 2009). É argumentado

por José Santos (2002) que a própria violência é um instrumento do poder de

múltiplas formas de utilização. Assim, é realizada uma imposição sobre o outro,

fazendo uso da repressão ou mesmo da força física, denegrindo dessa forma a

sociedade em questão.

Elias apud Lucena (2007, p.2) explica que

o equilíbrio de poder não se encontra unicamente na grande arena das relações entre os Estados, onde é freqüentemente espetacular, atraindo grande atenção. Constitui um elemento integral de todas as relações humanas.

É importante notar que a ênfase de Elias recai sobre todas as relações

humanas, portanto, em todas as suas atividades, econômicas, políticas e culturais.

Sendo assim, o esporte e o Kung-Fu como atividades culturais e relações humanas,

não estão isentos desses contextos de violência.

Correlacionando o conceito de “Poder” com teorias da violência no meio

esportivo, para direcionar as reflexões ao foco sócio-educacional (objetivo da

pesquisa), estabelecem-se relações entre o “Poder” e a “Teoria da Aprendizagem

Social” (SANTOS, R., 1996; BECKER JÚNIOR, 2000), a qual se concretiza através

de dois meios: sucesso e imitação.

O formato do sucesso expõe-se claramente quando um indivíduo é agressivo

ao extremo com seu adversário durante uma prática esportiva e consegue assim,

fazer com que o mesmo poste-se submisso a si. Atingindo esse objetivo o agressor

sempre repetirá essa ação em uma situação semelhante. Por outro lado, o formato

da imitação faz-se bastante presente no caráter educacional e mesmo cultural de

atletas de esportes em geral, refletindo na representação de valores, símbolos e

ídolos de sua educação e cultura. Um exemplo desse pensamento é a reprodução

48

da conduta agressiva de jovens desportistas (ou mesmo do cidadão), fãs de atletas

reconhecidamente violentos pela sociedade (BENTO, 1990).

Avalia-se sociologicamente a vinculação (ou a não-vinculação) da “Teoria da

Aprendizagem Social” com as ponderações de Murad (2009) sobre a Etocracia.

Assim sendo, se a Etocracia é mesmo a melhor forma de se educar líderes

(políticos, profissionais, esportivos e familiares), necessita-se de fundamentos éticos

e morais, para sustentar sua formação e de preferência que esses preceitos éticos

estejam enraizados na cultura, no habitus49 do povo (BOURDIEU, 1990). No caso

em estudo, o Kung-Fu, pode-se exemplificar com o preceito “número 9 do estilo

Garra de Águia”50, elemento filosófico da cultura do povo do Oriente, que foi

incorporado a essa arte marcial.

Trazendo essa reflexão para a realidade brasileira, é possível comprovar que

a temática “violência” não foge à rotina do cidadão comum. Atualmente, observa-se

a discussão da violência, não só em estudo nos meios acadêmicos, mas também,

sob o dia-a-dia da população através de noticiários, jornais e veículos da mídia.

Pontua-se que a agressão e a violência humana são dois dos principais assuntos

nas conversas cotidianas na sociedade brasileira (BOTELHO; SOUZA, 2007).

Segundo o pensamento de José Santos (2002, p.22): “Na vida cotidiana, realiza-se

uma inter-relação entre mal-estar, violência simbólica e sentimento de insegurança”.

Tem-se como exemplo da repercussão desse impacto na atualidade, a revista

“Veja”51 noticiando como uma de suas principais reportagens o tema “Civilidade”,

diretamente ligado às questões da violência no cotidiano do cidadão brasileiro.

Durante o transcorrer da matéria, são feitas pontuações com o objetivo de, segundo

a própria revista, “segurar o monstro interior”. São descritas posturas de valor moral

e educacional que buscam a harmonização do ser humano em seu cotidiano com

fatos ocorridos e com seus próximos: honradez, integridade, boas maneiras,

49 Segundo Bourdieu, “(...) é uma matriz cultural que predispõe o indivíduo a fazer suas escolhas” (MURAD, 2009, p.123).

50 Preceito “número 9 do estilo Garra de Águia”: “Eu me comprometo a ser exemplo vivo da filosofia e da ética dos mestres”.

51 Edição nº 44, publicada com dez páginas em 4 Nov. 2009. A escolha dessa revista se deve pela mesma deter o posto de revista com a maior circulação na América Latina, demonstrando assim, sua importância em meio à sociedade brasileira.

49

tolerância, autocontrole, civilidade, honestidade, contenção verbal, desculpar-se e

decoro. Essas posturas disciplinares tentam ser alcançadas através da prática dos

ensinamentos nos preceitos marciais do estilo Garra de Águia por seus praticantes,

objetivando assim, serem exercitadas habitualmente por adeptos dessa arte marcial.

Miki (2003) coloca que o ser humano por muitas vezes toma atitudes de forma

egoística pensando somente em si e não no próximo, movido levianamente pelas

emoções, ignorando por muitas vezes o raciocínio lógico e a visão do “outro”. Por

isso desenvolve práticas de violência; uma clara representação do ego humano.

Acredita-se que a “Teoria da Frustração” (SANTOS, R., 1996; BECKER

JÚNIOR, 2000), conecta-se diretamente ao sentimento egoístico do ego humano

relatado anteriormente, pois o egoísmo se caracteriza pela imposição das vontades

pessoais sobre quase tudo e quase todos. Desta forma, quando essas vontades não

são realizadas é possível brotar o sentimento de frustração, o qual pode ser o

prenúncio de práticas violentas. Berkowitz apud Becker Júnior (2000, p.253)

expressa que: “a frustração estimula um estado emocional que pode ser de raiva,

criando uma predisposição para um ato agressivo”. Em outras palavras, uma pré-

disposição para as diversas práticas de violência, que hoje permeiam a sociedade,

inclusive no mundo esportivo.

Jefremovas (2003) afirma que o Kung-Fu já foi utilizado como ferramenta de

combate ao vício do uso de drogas em adolescentes do sexo masculino. Observou-

se que não só o exercício físico, mas todos os ensinamentos filosóficos ajudaram os

jovens participantes a enfrentarem as dificuldades que passavam, auxiliando-os no

controle de suas ansiedades, raivas e angústias. Na mesma obra, relata-se que nos

Estados Unidos da América (EUA), houve casos do Tai Chi Chuan ser utilizado, sob

ordem judicial, como forma de controle da “raiva”, para jovens infratores.

A partir das conceituações citadas acima, é possível criar um elo com a

“Teoria das Agressividades Benigna e Maligna” (FROMM apud MURAD, 2009), que

tocam em um assunto relevante, quando se pretende fazer a diferença entre

violência e autodefesa, dimensão presente no Kung-Fu estilo Garra de Águia.

Direcionando esse raciocínio para o meio esportivo, observa-se a

“agressividade benigna” em atos vistos algumas vezes como bruscos e de grande

50

aspereza. Podem ser ações legalizadas pelo regimento do desporto em questão e

com maior ligação a autodefesa do que a violência. Essas atitudes muitas vezes não

são estimuladas pela violência e sim pela competitividade. Segundo a Psicologia

Esportiva, isso seria um comportamento assertivo, respeitando as regras, porém

tendo uma atividade intensa, ao tendo intenção de lesionar os colegas esportistas

(BARROSO; VELHO; FENSTERSEIFER, 2005). Concordando com esse

pensamento, Lima (2000, p.113) diz que: “Sermos agressivos ao compreendermos

algo significa termos determinação e energia direcionada para uma tarefa específica

(o que é bastante diferente de sermos violentos ao cumprir essa mesma tarefa)”.

Já analisando a chamada “agressividade maligna”, presencia-se a

manifestação de atitudes que ferem o regulamento e a ética do desporto em

questão, destacando que essas ações são “cruéis e violentas”, desprezando a

integridade e o bem-estar do colega adversário (que neste caso é confundido e

tratado como se fosse inimigo).

Focando a “violência no esporte”, Dunning (1990) traz múltiplas avaliações e

divisões sobre a temática da chamada “violência calculada”. Identificando as razões

da causa ou mesmo da origem da violência no meio esportivo, o referido autor

coloca a violência com três divisões estruturais: instrumental, manifesta e endêmica.

A “violência instrumental”, também conhecida como “violência calculada”,

remete a razões lógicas da violência, podendo ter características de estratégia e

planejamento, com intuito de intimidação psicológica e moral, ou mesmo ainda, de

agressão física de uma forma específica, visando prejudicar seus adversários, desta

forma, lhe dando vantagens.

Posteriormente, a “violência manifesta” toca na questão emocional do

indivíduo, manifestando-se quando o mesmo se deixa levar pelo calor das emoções

que venham a surgir durante as diversas práticas do desporto. Reforça-se

novamente aqui, uma manifestação do ego humano.

Finalmente, a “violência endêmica” representa o referido fenômeno da

violência disseminado sociologicamente pelas esferas de uma sociedade. Entende-

se assim, que essa manifestação atinge um nível “doente” e sem controle do

fenômeno da violência, tornando-se um dos fatores que alimentariam a barbárie.

51

Novamente esclarece-se que, não se tem aqui o objetivo utópico de que as

atividades físicas, culturas corporais, esportes ou mesmo as artes marciais podem

“curar a sociedade” do comportamento violento que a mesma manifesta diariamente

em todo o mundo; pois, como afirmaram Minayo e Souza (1998, p.522), a violência:

“é um fenômeno histórico, quantitativa e qualitativamente, seja qual for o ângulo pelo

qual o examinemos (conteúdo, estrutura, tipos e formas de manifestação)”.

Entretanto, concorda-se com o pensamento de Elias e Dunning (1992), que

as três divisões citadas são capazes, sim, de chamar a atenção para a necessidade

de processos de educação, que visem o aprendizado do controle de sentimentos

turbulentos (como raiva, euforia, frustração e egoísmo), por meio das

regulamentações, das leis e regras das referidas atividades. E neste caso, os

esportes são campo de experiências favoráveis ao “controle civilizacional” (ELIAS;

DUNNING, 1992) das violências humanas.

Poder-se-ia dizer então, que em tempos atuais, os esportes, incluindo as

artes marciais, podem ser um meio de “curialização52 contemporânea” para seus

praticantes, servindo diretamente para elevar o caráter sócio-educacional objetivado

no início deste capítulo.

Em 2004, o Campeonato Europeu de Futebol (Eurocopa) realizado em

Portugal, apresentou como lema de seu evento esportivo, um pensamento que só

vem a confirmar as reflexões de Elias e Dunning (1992), que mesmo sendo

originária de um evento de futebol é plausivelmente possível de relacioná-lo com

todo o meio do esporte e da cultura corporal: “A atividade desportiva é um fator

cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento

civilizacional das sociedades” (MURAD, 2007, p.54).

Essa é uma das metas da filosofia educacional que permeia o Kung-Fu,

inclusive o estilo Garra de Águia. É bom reiterar que os esportes, atividades físicas e

culturas corporais não serão a solução para as diversas práticas de violência que

permeiam a sociedade. Todavia, poderão contribuir para a educação e reeducação,

especialmente de crianças e adolescentes. O preceito “número 1 do estilo Garra de

52 “(...) processo de transformação da nobreza guerreira em nobreza de corte (...)” (VIEIRA, M., 2003, p.3).

52

Águia”53 é trabalhado sobre a ideia da paz. Murad (2007) esclarece que o Fair-Play

caminha de mãos dadas com a cultura e a educação. Bento (1990, p.29)

complementa dizendo que: “O desporto é um campo de cultivo de ‘fair-play’, do

respeito pela pessoa humana”.

Acredita-se também que os esportes são parte integrante de qualquer cultura

e sociedade. Porém, as variantes sócio-educacionais que permeiam essas

sociedades influenciam diretamente no meio desportivo, podendo alterar a imagem,

as regras ou mesmo os valores morais que os esportes transmitiriam. Portanto,

defende-se que não só os esportes podem influenciar uma sociedade, mas também

uma sociedade pode solidamente influenciar os esportes, constituindo assim o que

se nomeia aqui “bilateralidade sócio-esportiva”. Dessa forma, acredita-se também

que haja um combate direto sobre a manifestação da violência na questão da práxis

sócio-política (MINAYO; SOUZA, 1998).

Por fim, para além das expectativas que recaem sobre as “culturas

esportivas” (esportes, atividades físicas e culturas corporais), a arte, em toda sua

magnitude, também é um dos alicerces histórico-culturais, a partir dos quais as

sociedades humanas constroem as suas identidades coletivas (MURAD, 2007).

O esporte (e também a arte) tem sido isto, preponderantemente (apesar de suas contradições e mazelas), na humana história de nossa espécie: para além de uma atividade lúdica de alta fecundidade simbólica, tem-nos apontado aprendizagens éticas, por vezes superiores às de outras instituições sociais. (MURAD, 2007, p.106)

Dentro dessa perspectiva, a presente dissertação parte da hipótese que as

artes marciais, incluindo o Kung-Fu, seriam instrumentos de grande valia para

abordagens sócio-educacionais, pois:

a) Integram objetivamente tanto o universo das Artes quanto das Culturas

Esportivas;

53 Preceito “número 1 do estilo Garra de Águia”: “Eu me comprometo a treinar corpo e espírito para a paz”.

53

b) São conhecidas e difundidas ao longo da história em diversas sociedades

do mundo;

c) São estudadas, desenvolvidas e propagadas não somente através do

conhecimento tácito e empírico, mas através de centros de produção de

conhecimento e pesquisa (Universidades, Faculdades e Escolas);

d) Suas práticas buscam quase que constantemente trabalhar em prol do

aperfeiçoamento de seus praticantes, de modo generalizado e holístico,

perfazendo assim as áreas afetiva, cognitiva e psicomotora;

e) Suas temáticas perpassam diversas esferas que constituem muitas

sociedades ao redor do mundo, tornando-as assim, temáticas

transdisciplinares;

f) Toda conduta e postura adotadas por qualquer praticante,

independentemente de seu nível de graduação, deve ser norteada pelos

conceitos éticos e morais, que fazem parte da estruturação histórico-

filosófica das artes marciais.

Partindo-se da premissa que o Kung-Fu seja não só uma arte marcial, mas

também uma “cultura esportiva”, objetivando não apenas a autodefesa, mas a

promoção da saúde e o amadurecimento comportamental, possuindo movimentos

de plasticidade e elegância, talvez a presença feminina em diversas equipes pelo

Brasil tenha se tornado mais visível. Apolloni (2004b) diz que sob sua observação

empírica, as mulheres são minoria em equipes das cidades de Curitiba, São Paulo,

Campo Grande e Florianópolis. No entanto, sob a experiência do autor desta

dissertação, há que se ressaltar que o quantitativo feminino em eventos e

competições de Kung-Fu pelo país é crescente e significativo, principalmente

quando comparado a outros métodos de autodefesa.

Segundo Pimenta (2009, p.1), hoje,

as artes marciais são reconhecidas popularmente como práticas relacionadas a manifestações corporais tendo suas variações centradas em métodos que exercem sua influência ‘técnica’ em defesa pessoal, ‘bem estar’ e esporte de alto nível.

54

O referido autor esclarece também, que a teoria do “processo civilizador” de

Elias (1994) relaciona-se diretamente com o aprimoramento do autocontrole.

Defende-se que o trabalho de Elias deixa clara a necessidade de domar os instintos

violentos (ALMEIDA; CORBETT; GUTIERREZ, 2009). Portanto, as manifestações

das artes marciais em meio ao reconhecimento da sociedade possuem utilidades de

autodefesa, promoção da saúde e atividades desportivas aos seus adeptos,

afastando-se da hipótese de ser, diretamente, um meio gerador de violência. É

possível que essa visão torne-se um exemplo das reflexões de Elias (1994) sobre o

“processo civilizador”, neste caso utilizando o Kung-Fu como a ferramenta esportiva

e civilizadora, conforme referido neste trabalho.

Além disso, é possível efetuar uma ligação dos princípios já relatados das

artes marciais e do Kung-Fu, com o pensamento de Murad (2009) sobre o “zeitgeist”,

expressão alemã que significa “espírito de época”, remetendo à questão de

mudanças de pensamentos de acordo com o período de tempo vivido. Nota-se que

mesmo com o passar de séculos, o Kung-Fu, com seus princípios e ensinamentos

que objetivam a paz, espírito essencial da autodefesa, manteve-se firme em suas

filosofias e posturas, sendo ministrado até os dias de hoje sob essa perspectiva

pacificadora. Elias (1994) defende o pensamento que os esportes, em tempos

atuais, elevaram as questões disciplinares e de caráter civilizacional. Contudo,

acredita-se que o Kung-Fu desde seus primórdios possui esses objetivos, sendo os

mesmos desenvolvidos paralelamente com o aprendizado de autodefesa e a

superação física e mental.

Mesmo sob uma perspectiva desportivo-competitiva, que não objetivamente

preza pelo ministrar das filosofias de forma explícita, esses princípios e

ensinamentos estão mesclados ao treinamento54, a postura comportamental dentro

da área de aula55 e respeito aos colegas praticantes56 (mesmo que sejam de outra

54 Preceito “número 4 do estilo Garra de Águia”: “Eu me comprometo a persistir no aperfeiçoamento físico, mental e espiritual”.

55 Preceito “número 8 do estilo Garra de Águia”: “Eu me comprometo a zelar pelo respeito devido ao Kung-Fu”.

56 Preceito “número 2 do estilo Garra de Águia”: “Eu me comprometo a reverenciar nossos ancestrais e respeitar mestre, professores e colegas”.

55

equipe, luta ou arte marcial)57, tendo em mente que o praticante passa a não só

representar a si mesmo, mas também, toda sua equipe e seus superiores58,

mantendo vivo o “espírito” da arte marcial (ALMEIDA; CORBETT; GUTIERREZ,

2009). Concordando, Lima (2000, p.35) deixa claro que:

(...) esta arte não pode ser considerada apenas como um esporte que exige treinamento de alto nível ou como técnica de defesa pessoal, enfocando seu lado puramente “mecânico”. Se isto ocorrer, o lado mais importante e diferencial do kung fu, que é o aspecto filosófico, correrá o risco de ficar em segundo plano, invertendo os valores nas artes marciais.

Partindo para o ponto de vista do educador, não só é de preocupação

profissional, mas de preocupação civil e mesmo humana, que seus alunos “moldem”

mais que seus corpos; mas sim, suas atitudes e comportamentos. Busca-se o

amadurecimento de suas condutas e posturas dentro da sociedade, perfazendo

novamente o conceito pedagógico do Kung-Fu de forma holística59 (LIMA, 2000).

Finalmente, de pleno acordo com o pensamento de Lima (2000), as diversas

filosofias educacionais observadas dentro do Kung-Fu colaboram para que o mesmo

possa servir de “ferramenta educacional” em temas de diversas interseções

culturais, como filosofia, história, sociologia, ética, saúde, esporte, autodefesa, arte e

ecologia60. Isso faz do Kung-Fu uma cultura transdisciplinar.

57 Preceito “número 7 do estilo Garra de Águia”: “Eu me comprometo a respeitar as demais filosofias e artes marciais”.

58 Preceito “número 9 do estilo Garra de Águia”: “Eu me comprometo a ser exemplo vivo da filosofia e da ética dos mestres”.

59 Preceito “número 6 do estilo Garra de Águia”: “Eu me comprometo a contribuir para que nosso meio não ofereça abrigo aos mal intencionados”.

60 “(...) o tradicional conceito chinês de "seres humanos e a natureza como um só" (tian ren he yi) enfatiza a ligação do corpo com o ambiente ao seu redor, uma filosofia que é evidente na medicina tradicional chinesa. Este é um conceito "verde" para o esporte, que poderia fornecer algo à filosofia do Olimpismo que carece desse ponto”. (BROWNELL, 2008, p.76-77) (Tradução nossa).

56

3 METODOLOGIA

3.1 Formato da Pesquisa

Seguindo como referência Thomas, Nelson e Silverman (2007), o trabalho foi

efetuado principalmente com técnicas de caráter qualitativo, porém, fazendo uso de

elementos e dados quantitativos complementares.

A arte ministrada que é o objeto de estudo desta pesquisa é o estilo Garra de

Águia (Yen Jao Fan Zi), fundada pelo então General Ó Fei (1103-1142), tendo sido

introduzida e transmitida na América Latina pelo Grão-mestre Li Wing Kay em 1970.

Em meio a tantos estilos e ramificações dentro do Kung-Fu, foi selecionado o estilo

Garra de Águia por ser este o campo principal de observação, experiência, pesquisa

e análise do autor desta dissertação.

Para alcançar os objetivos já propostos, foram descritas e conceituadas as

técnicas da primeira graduação (faixa branca), sob os pontos de vista sócio-cultural

e funcional, isto é, a funcionalidade da técnica. A graduação faixa branca foi

escolhida para a investigação por ser nela que o educando tem seu primeiro contato

com a arte marcial e com seus princípios primordiais, valores éticos e morais,

descritos nos “9 preceitos do estilo Garra de Águia” e no “programa pedagógico” da

equipe estudada – ambos nos anexos desta dissertação.

A investigação in loco nas áreas de atuação da citada associação, buscou

adequar-se aos moldes de um estudo de caso objetivando a convergência entre

duas dimensões complementares: a) dimensão quantitativa, para contextualizar com

dados numéricos as informações e resultados da pesquisa e b) dimensão qualitativa,

a fim de analisar os limites entre práticas de violência e valores educacionais no

Kung-Fu estilo Garra de Águia e no dia-a-dia de seus jovens praticantes.

Além disso, Thomas, Nelson e Silverman (2007, p.30), assinalam que:

O estudo de caso serve para fornecer informações detalhadas sobre um indivíduo (ou instituição, comunidade etc.). Seu objetivo é

57

determinar características singulares de um sujeito ou de uma condição. Essa técnica de pesquisa descritiva encontra-se amplamente disseminada em áreas como medicina, psicologia, aconselhamento e sociologia. O estudo de caso também é utilizado na pesquisa qualitativa.

Concordando com as conceituações técnicas metodológicas citadas, Faria Jr.

e Farinatti (1992), esclarecem que o estudo de caso deve ter suas limitações muito

claras e definidas. Mesmo o caso sendo semelhante a qualquer outro, o mesmo é

sempre único, ímpar e singular por possuir um interesse particular. De forma

concreta, procura-se esclarecer o tema pesquisado, como dito na seguinte citação:

“O estudo de caso é considerado qualitativo quando se desenvolve numa situação

natural, com rica descrição, segundo um plano aberto e flexível e focaliza a realidade

de forma complexa e contextualizada” (FARIA JR.; FARINATTI, 1992, p.31).

3.2 Contexto e Participantes

Realizou-se a pesquisa de campo em três núcleos (academias) onde são

ministradas as aulas do estilo Garra de Águia da Associação de Kung-Fu Shaolin de

Niterói (AKSN). A pesquisa envolveu três momentos com os participantes: a) no

primeiro, todos os alunos praticantes durante as aulas (observação participante); b)

no segundo, os alunos de mais de 1 ano de prática da arte (questionário); e por fim,

c) no terceiro, 6 alunos que possuam mais de 5 anos de prática da arte selecionados

de maneira aleatória (entrevista).

O primeiro momento foi escolhido para observar de maneira generalizada e

ampla os praticantes dentro de seu ambiente de treino (kwan). O segundo momento,

para coleta de dados quantitativos analisando os motivos de ingresso e permanência

na arte marcial Kung-Fu de alunos que ainda possuem pouco tempo de prática (1

ano), porém defende-se aqui a hipótese que os mesmos já apresentem alguma

58

mudança comportamental creditada aos ensinamentos derivados das aulas de

Kung-Fu. O terceiro e último momento, para tentar captar de praticantes mais

experientes (ao menos 5 anos de prática) as possíveis mudanças comportamentais

que a prática do Kung-Fu possa ter gerado em seus cotidianos.

Justifica-se a necessidade do uso de menores de idade (ou seja, indivíduos

com menos de 18 anos de vida), pois a presença majoritária dessa faixa etária nas

academias e outros centros de treinamentos de artes marciais (principalmente em

Niterói) se faz visível. Indo ao encontro da afirmação narrada anteriormente, pontua-

se que a conceituação de “jovem” estipulada para esta pesquisa foi de 14 a 25 anos.

3.3 Instrumentos de Coleta de Dados

Para a captação dos dados da pesquisa de campo, se fez uso de três

instrumentos diferenciados: a) uma “observação participante” durante os treinos da

AKSN para analisar se a prática dos alunos dentro de aula condiz com as teorias

levantadas na revisão de literatura; b) um “questionário fechado” para captação de

dados estatísticos concretos; e c) uma “entrevista semi-estruturada” individual e em

profundidade, como relata Bauer e Gaskell (2007), para o levantamento das

informações qualitativas.

A “observação participante” foi eleita como ferramenta por ser um

instrumental técnico e metodológico de vivência na realidade sócio-institucional,

onde acontecem as redes de relacionamento entre pessoas que fazem parte do

campo da investigação. Aqui, poder-se-ia fazer conexão com o chamado método

axiológico (THOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2007, p.205) que trata “dos valores

gerais das coisas”. Nesse sentido, a utilização dessa metodologia ajudará na

consistência da análise dos preceitos do estilo Garra de Águia, uma vez que esses

preceitos são os valores (axiologia) mais gerais da modalidade em questão e serão

59

referências para a observação.

Selecionou-se também o “questionário fechado”, pois com sua utilização

pode-se obter dados matemáticos e/ou estatísticos concretos fornecendo

informações palpáveis (logo, credibilidade) para a pesquisa. Observa-se que o

referido questionário foi validado por 3 professores doutores do programa de

mestrado Strictu Senso em que se encontra o autor desta dissertação.

Por fim, também foi utilizada uma “entrevista semi-estruturada” (ou

focalizada), pois, através dela, o entrevistador faz questionamentos específicos

objetivamente focados no tema principal da pesquisa. Todavia, permite que o

entrevistado responda aos questionamentos de forma livre e espontânea (ALVES-

MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2002) permitindo, “explorações não-previstas,

oferecendo liberdade ao entrevistado para dissertar sobre o tema ou abordar

aspectos que sejam relevantes sobre o que pensa” (NEGRINE, 1999, p.74).

3.4 Análise de Dados

Os dados quantitativos foram obtidos através da “observação participante” e

do “questionário fechado”, que buscaram respectivamente, analisar quantas vezes

os alunos efetuam ações que teoricamente vão contra os ensinamentos do Kung-Fu

grifados na revisão de literatura e quais foram os motivos que levaram os alunos a

ingressarem e permanecerem nos treinos da referida arte.

Posteriormente, os dados qualitativos adquiridos pela “entrevista semi-

estruturada” foram interpretados fazendo uso da técnica de análise de conteúdo

descrita por Bardin (2004).

60

3.5 Procedimentos Éticos

Tendo como referência o Manual para Elaboração de Trabalhos Acadêmicos

(META) da instituição (UNIVERSO, 2006), os dados fornecidos pelos alunos

selecionados para a pesquisa serão mantidos em inteiro anonimato e sua captação

apenas teve início após a aprovação do Conselho de Ética da Universidade Salgado

de Oliveira. A pesquisa foi autorizada com o devido termo de consentimento da

AKSN assinado por um de seus membros responsáveis. Os alunos receberam um

“Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” (TCLE), sendo que o mesmo teve de

ser assinado por um responsável legal quando o educando fosse menor de idade

(menos de 18 anos).

Com o objetivo de elevar a consistência e credibilidade da pesquisa, foi

efetuado o método “checagem pelos participantes” não só defendido por Alves-

Mazzotti e Gewandsznadjer (2002), mas também por Negrine (1999). Nesse método,

se entrega a transcrição das entrevistas aos participantes avaliados para

corroborarem se o que realmente expressaram está descrito de forma fiel nos

documentos.

Pontua-se também que as entrevistas foram feitas em locais que sejam

considerados pelos entrevistados de ambiente cordial, como orientam Thomas,

Nelson e Silverman (2007), para estimular respostas francas e verdadeiras em seu

inteiro teor, sem intimidar os participantes.

61

3.6 Subjetividade do Pesquisador

O pesquisador (figura 8) iniciou sua vida desportiva marcial aos 6 anos de

idade, quando praticou Karatê (estilo Shotokan). Posteriormente, com 8 anos,

mudou sua prática para o Judô estimulado pelo sucesso em competições de um

primo mais velho. Dentro das aulas de Judô desenvolveu sua disciplina e respeito

aos antepassados, aos superiores e zelo ao local de treino. Por motivos de choques

de horários do cotidiano, abandonou os treinos de artes marciais.

Na adolescência, enveredou-se para o Atletismo e principalmente para o

Handebol, esporte que atuou por 8 anos. Porém, aos 14 anos, sua curiosidade sobre

a cultura oriental e a vontade de voltar a praticar uma arte marcial oriental ganharam

força. Sendo assim, buscou juntamente com sua irmã e seu melhor amigo alguma

aula de arte marcial em várias academias em Niterói/RJ. De forma determinante,

optaram pela prática do Kung-Fu por sua plasticidade e diversidade de movimentos

e estilos (fato que alimentava a curiosidade e decisão de prática dos três jovens).

Os três iniciaram uma ascendente primorosa. Foram campeões estaduais e

nacionais com aproximadamente 1 ano de treino. Chegaram a graduações de nível

“Instrutor” (faixa marrom) com pouco menos de 3 anos de prática. Posteriormente,

quando tinha aproximadamente 7 anos de prática, já sendo faixa preta nos estilos

Garra de Águia e Tai Chi Chuan, o pesquisador observou com amadurecimento da

idade e com as experiências adquiridas, que somente a prática física e seus

conhecimentos marciais não saciaram totalmente seus desejos de progredir dentro

da filosofia e do conhecimento do Kung-Fu.

Seguindo essa vertente, procurou graduar-se academicamente na área de

Educação Física buscando novos conhecimentos que pudessem ser correlacionados

com sua arte marcial. Infelizmente, observou que o número de trabalhos sobre esse

tema, mesmo em nível nacional era pobre, principalmente sobre o foco sócio-

cultural. Desse modo, após sua formatura, buscou a inserção no programa de

Mestrado em “Ciências da Atividade Física”, enfatizando sua pesquisa na área da

62

“sociologia do desporto”, para assim investigar os ensinamentos e filosofias que

permearam seu passado, tanto em caráter educacional, quanto no caráter

disciplinador da arte marcial chinesa (Kung-Fu).

Figura 8: Professor Rafael Mocarzel (pesquisador desta dissertação) demonstrando uma postura do

“estilo Garra de Águia” em uma apresentação no Parque dos Patins (Lagoa) – Rio de Janeiro – 2004.

3.7 Cronograma

Seguindo o planejamento idealizado, os dois quadros seguintes abaixo têm

como função esboçar de maneira clara a linha de tempo desta pesquisa.

ETAPA 2009

JAN

EIR

O

FE

VE

RE

IRO

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Inscrição e Processo seletivo X X

Definição do tema X X X

Levantamento bibliográfico X X X X X X X X X X

63

Introdução X X X

Metodologia X X X X

Revisão de literatura X X X X

Fechamento do projeto X

ETAPA 2010

JAN

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Metodologia X X X X X

Revisão de literatura X X X X X

Qualificação X

Cumprimento das exigências X X X

Comitê de ética X X X

Coleta de dados X X X X X X X

Análise de dados X X X X X X

Revisão X X X X

ETAPA 2011

JAN

EIR

O

FE

VE

RE

IRO

MA

O

Revisão X X X

Defesa da dissertação X

Correções finais X

3.8 Orçamento da Pesquisa

Este projeto não contou com qualquer incentivo de verbas externas

(governamental e/ou empresarial). O único apoio foi fornecido pela Universidade

Salgado de Oliveira (UNIVERSO) através da bolsa de estudos (50% de abatimento

64

do valor da mensalidade do curso de Strictu Senso Ciências da Atividade Física).

Em complemento, o restante dos custos da pesquisa foi arcado somente com

recursos financeiros do próprio pesquisador.

65

4 RESULTADOS

4.1 Dados da análise das técnicas da primeira gradu ação (faixa branca)

Para analisar as técnicas da primeira graduação (faixa branca) do estilo Garra de Águia, ministrado na AKSN, viu-se a necessidade da criação de uma “conceituação funcional técnico-marcial” para alcançar esse objetivo de maneira comprobatória.

Partindo daí, foram sintetizados no quadro abaixo, cinco objetivos técnico-marciais observados pelos professores e instrutores da arte em questão que integram a referida associação. Avaliou-se a natureza funcional das técnicas passo a passo, definindo também de forma descritiva seus objetivos. São eles:

OFENSIVO

Técnicas que possuem pelo menos 90% de sua função direcionada ao aspecto ofensivo.

PREDOMINANTE OFENSIVO

Técnicas que possuem de 89% a 60% de sua função direcionada ao aspecto ofensivo.

HÍBRIDO

Técnicas que possuem um grande equilíbrio técnico de sua função direcionada tanto ao aspecto defensivo quanto o aspecto ofensivo, ou seja, tendo um dos aspectos no máximo em 59% e o outro no mínimo em 41%.

PREDOMINANTE DEFENSIVO

Técnicas que possuem de 89% a 60% de sua função direcionada ao aspecto defensivo.

DEFENSIVO

Técnicas que possuem pelo menos 90% de sua função direcionada ao aspecto defensivo.

Quadro 1: Proposta de conceituação funcional técnico-marcial.

66

Desse modo, descrevem-se abaixo as técnicas já citadas e suas propostas de conceituação:

JURAMENTOS (1 a 9) – Kau Kun Kuai

(Preceitos do estilo Garra de Águia, descritos nos anexos desta dissertação)

Defensivo – Princípios éticos e morais que são os norteadores disciplinares dos praticantes dessa arte. Buscam objetivamente a educação social, a força de vontade e o respeito a tudo e a todos.

AQUECIMENTO / RESISTÊNCIA – I San Van Tun / Tai Lan

(1minuto em Base Cavalo com braços pronados em posi ção isométrica em crucifixo; 10 flexões de braço; 10 abdominais)

Híbrido – Conjunto de exercícios físicos holísticos que buscam propiciar aos praticantes melhorias na qualidade de vida, na forma física, na concentração mental e na preparação técnica dos mesmos.

POSIÇÕES DE PÉ (1 a 5) – Kei Poun Hum Sec Ma Bo

(Bases Cavalo; Arco e Flecha; Gato; Joelhada; Raste ira)

Defensivo – Posturas corporais básicas que estruturam todas as demais técnicas ministradas no estilo Garra de Águia. Suas posições buscam proporcionar segurança tanto no caráter técnico quanto marcial.

SOCOS BÁSICOS (1 a 6) – Lo Sec Kei Poun Kuen Fa

Predominante Ofensivo – Movimentos com os membros superiores que constituem em sua maioria ataques diretos e em sua minoria defesas posteriormente seguidas de ataques.

CHUTES (1 a 8) – Paa Sec Kei Poun Te Fa

Predominante Ofensivo – Movimentos com os membros inferiores que constituem em sua maioria

67

ataques diretos e em sua minoria técnicas que servem tanto pra caráter ofensivo quanto defensivo.

ROLAMENTOS (1 a 2) – Fan Tii

(Cambalhotas para frente e para trás, ambas sem apo iar a cabeça no solo)

Defensivo – Movimentos que buscam a segurança corporal em quedas e saltos acrobáticos.

COTOVELADAS (1 a 6) – Tcham Sa Fa

Híbrido – Movimentos com os membros superiores, com ênfase nos cotovelos, que servem tanto pro caráter defensivo quanto ofensivo.

JOELHADAS (1 a 3) – Tcham Sa Fa

Híbrido – Movimentos com os membros inferiores, com ênfase nos joelhos, que servem tanto pro caráter defensivo quanto ofensivo.

GUARDAS & ESQUIVAS – Si Pou Chau Ma

(Vira; Gira; Salto; Recuada)

Defensivo – Posturas corporais básicas que buscam o deslocamento do praticante de forma segura tanto no caráter técnico quanto marcial.

BATE-BRAÇO – Saan Sem Kiu

(Sem garra; Com garra)

Defensivo – Técnica em dupla. Movimentos com os membros superiores, efetuando contato com o antebraço do parceiro com a intenção defensiva tanto na altura abdominal quanto da face do rosto.

68

SOCO 1 – A, B e C – Tcheck Tchoie

Híbrido – Técnica em dupla. Educativo técnico que mescla ensinamentos de posturas de guarda, pegadas em garra, soco e defesas na face do rosto.

FORMA “PUNHO DA RECONQUISTA” – Kati “Fu Xi Chuen”

Híbrido – Seqüência que congrega as demais técnicas ministradas na primeira graduação. Forma marcial que mescla ensinamentos de posturas de guarda e defesas e ataques com membros superiores e inferiores em diferentes alturas.

Tabela 2: Descrição e proposta de conceituação funcional técnico-marcial da primeira

graduação (faixa branca) do estilo Garra de Águia ministrado na AKSN.

De forma a convergir os dados da classificação feita e apresentada acima,

dão-se abaixo os resultados do somatório das conceituações:

OBJETIVOS TÉCNICO-MARCIAIS QUANTITATIVO

OFENSIVO 0

PREDOMINANTE OFENSIVO 2

HÍBRIDO 5

PREDOMINANTE DEFENSIVO 0

DEFENSIVO 5

Tabela 3: Resultado do somatório da proposta de conceituação funcional técnico-marcial da primeira graduação (faixa branca) do estilo Garra de Águia ministrado na AKSN.

69

4.2 Dados das Observações Participantes

Efetuada a “observação participante”, tendo como parâmetros

comportamentais os “9 preceitos do estilo Garra de Águia” e as filosofias orientais

permeadas pela história, concluiu-se que os alunos tiveram certa facilidade a se

adequar ao sistema das aulas. Repreensões foram efetuadas de forma verbal e

algumas vezes de forma punitiva (como exercícios de flexões de braço – punição

comumente vista dentro das aulas de métodos de autodefesa) até os alunos se

acostumarem com o caráter disciplinar ministrado.

Correlacionando os ensinamentos derivados das filosofias do Kung-Fu com o

dia-a-dia dos jovens praticantes, notou-se que as maiores incidências de

comportamentos não correspondentes com os ensinamentos ministrados se deram

durante o período de provas e avaliações dos jovens em seus colégios e/ou

faculdades. Muitos se mostravam insatisfeitos ou mesmo indignados com suas

notas, avaliações ou métodos de ensino de seus professores nas referidas

instituições de ensino. De forma direta, buscando seguir os ensinamentos dos “9

preceitos”, foi explicado para as turmas que o aluno deve buscar se harmonizar com

seu superior (seja do campo profissional ou familiar), objetivando tornar-se um bom

subalterno e olhar as dificuldades não só como problemas mas como oportunidades

de progredir e se aperfeiçoar (LIMA, 2000; MIKI, 2003; TANIDA, 2006).

Traz-se à luz que a relação mestre-discípulo é diferente da relação professor-

aluno: na primeira o subalterno não costuma questionar ou criticar os superiores,

pois o mestre tem a total confiança do aluno (DALMASO, 2010); porém, não é

verdade que os mestres não ouvem seus discípulos e nem eles devem ser omissos.

A questão é que, o mestre, por ter mais experiência [Kung-Fu!], costuma ter razão. É

necessário “tempo de vida” para que o discípulo compreenda por si mesmo as

razões pelas quais o mestre deu tal ensinamento, que, por conseguinte, fará o

discípulo crescer como futuro líder e/ou superior dentro da sociedade,

independentemente do campo em questão. Esses ensinamentos são permeados

pelas antigas filosofias orientais até os dias de hoje.

70

Sob o mesmo ponto anterior, o descontentamento dos alunos por algumas

vezes se estendia também aos seus pais e/ou responsáveis, pois, por questões de

notas baixas em suas respectivas instituições de ensino, algumas vezes os jovens

foram punidos, sendo proibidos de freqüentar temporariamente as aulas de Kung-Fu

(ou qualquer outra atividade tida como lúdica) até que suas notas se elevassem.

Seguindo o mesmo ideal de acatar o superior (nesse caso, de âmbito familiar),

orientou-se que os alunos deveriam não só obedecer aos seus pais e/ou

responsáveis por serem seus superiores, mas sim, pela filosofia inserida no Kung-Fu

originária das filosofias orientais, dizendo que todo conhecimento é importante e

fundamental para a auto-expressão do ser humano (MIKI, 2003; TANIDA, 2006).

Tendo sido apontado ainda que, na juventude, boa parte dos conhecimentos

adquiridos pelos alunos, deveria ser oriunda das instituições de ensino, pois lá se

adquiriria grande quantidade de conhecimentos diversos; e ainda, que existem

graduações no Kung-Fu que só são alcançadas com níveis de formação escolar e

acadêmica61, os jovens adotaram uma sensível mudança de postura

comportamental, gerando harmonia em relação aos seus pais e/ou responsáveis62.

Outro fato interessante deu-se em uma aula que duas alunas adolescentes

apresentaram cólicas menstruais e humor alterado63. Alguns exercícios geravam

desconforto fisiológico às jovens; consequentemente, causando desmotivação para

a prática. Esclareceu-se que dentro das antigas filosofias orientais, que servem

como norteadoras pro caráter comportamental de praticantes de Kung-Fu, os

exercícios deveriam ser propostos e não impostos; e ainda, adaptados a cada um

em cada situação diferente. O cerne da questão seria primordialmente o conforto,

bem-estar e promoção da saúde de cada praticante de forma individual.

61 A oitava graduação (faixa marrom – nível “jovem instrutor”) só pode ser concluída com o aluno formado no ensino fundamental; a nona graduação (faixa marrom com ponta preta – nível “jovem instrutor”) só pode ser concluída com o aluno formado no ensino médio; a décima graduação (faixa preta – nível “instrutor”) só pode ser concluída com o aluno ingressado no ensino superior e ter se formado em um curso de “primeiros socorros”; a décima primeira graduação (faixa preta com ponta dourada – nível “instrutor”) só pode ser concluída com o aluno formado em um curso de “arbitragem de Kung-Fu”; já a décima segunda graduação (faixa preta com duas pontas douradas – nível “professor”) só pode ser concluída com o aluno formado no ensino superior.

62 Relatos informais de 4 pais e/ou responsáveis proferidos aos professores sobre as mudanças comportamentais dos alunos após as orientações de natureza filosófica dadas pelos professores.

63 Essa ocorrência não foi especulada pelo pesquisador, mas sim, confirmada e relatada pelas próprias alunas participantes da referida pesquisa logo no início da aula.

71

Tendo em vista que o Kung-Fu (tanto marcial quanto filosoficamente) prega a

adequação e a flexibilidade de técnicas e comportamentos para o alcance da

superação em todas as situações possíveis, foi explicado às jovens que, se as

mesmas não se sentissem bem em praticar os exercícios naquele momento não

haveria problema. Naturalmente, as alunas ficaram satisfeitas e praticaram os

exercícios em menor intensidade. Assim, houve uma consideração mútua, tanto dos

professores com o momento vivido pelas alunas, quanto das mesmas buscando

seguir o orientado por seus superiores respeitando os limites dos seus corpos.

E por fim, apontam-se os dois fatos mais recorrentes observados pelo

pesquisador, que necessitaram de uma atenção mais intensa dos professores quase

que diariamente: atrasos e zelo com o uniforme. Em ambos os casos analisou-se

que a maior ocorrência se dava com jovens menores de idade (ou seja, menores

que 18 anos) e que ainda não estavam inseridos no mercado de trabalho.

Colocou-se que ter e expressar o respeito ao próximo está também no ato

nobre de honrar seus compromissos firmados, incluindo os horários pré-

estabelecidos e também trajar as vestes de acordo com o regulamento de cada

órgão, local e/ou instituição envolvida no assunto. Dessa forma, chegar atrasado não

só demonstra falta de respeito com o próximo, mas também, é a clara depreciação

de sua própria palavra e promessa. Foi exposto ainda, que não demonstrar zelo com

seu uniforme é uma grande falta de respeito para com os objetos, com sua própria

aparência e com o compromisso de utilizar a roupa padrão estipulada. Ter o hábito

de cuidar das suas próprias coisas, incluindo seu uniforme, faz com que a pessoa

“reflita” uma melhor aparência, sendo muito provavelmente, mais bem vista no futuro

quando inserido no mercado de trabalho.

4.3 Dados dos Questionários

Parte-se agora para segundo instrumento de pesquisa: o questionário. O

instrumento foi distribuído, respondido e devolvido por 21 alunos da AKSN com pelo

72

menos 1 ano de experiência nos treinos do estilo Garra de Águia. Destaca-se

novamente que os questionários foram entregues ao pesquisador mantendo o

anonimato dos participantes para que desta forma não houvesse macula nos

resultados adquiridos. O pesquisador tinha duas hipóteses: na primeira acreditava-

se que a mídia teria grande peso no ingresso dos alunos e que os ensinamentos

filosóficos não teriam a mesma relevância; a segunda remetia ao motivo de

permanência, cogitando que os ensinamentos filosóficos ganhassem grande

relevância aos olhos dos alunos após adquirirem experiência, tendo em vista que as

filosofias embasam todas as técnicas ministradas (marciais ou não).

A tabela abaixo expressa o resultado total da pesquisa com o questionário.

Nela, encontram-se os motivos de ingresso e permanência (lado esquerdo) e suas

classificações de forma discriminada e quantificada (lado direito) fornecida pelos

alunos participantes. Cada aluno foi orientado para marcar apenas uma classificação

por categoria. O motivo “outros” (número 9) ficou como somatório total, pois foi

ramificado em cinco sub-tópicos discriminados através dos chamados “motivos-

resposta” dos alunos participantes.

MOTIVOS

NADA IMPORTANTE

POUCO IMPORTANTE IMPORTANTE MUITO

IMPORTANTE

INGR PERM INGR PERM INGR PERM INGR PERM

1 MÍDIA – ídolos, filmes, seriados, desenhos animados, revistas em quadrinhos etc.

1 7 8 7 4 4 8 3

2 PROMOÇÃO DA SAÚDE – praticar exercícios, liberar a tensão do dia-a-dia, qualidade de vida

0 0 5 1 8 6 8 14

3 ESTÉTICA – definição muscular, diminuição do percentual de gordura etc.

3 2 6 5 8 10 4 4

4 FILOSOFIA – ensinamentos filosóficos e culturais de origens milenares.

3 0 10 1 5 8 3 12

5 AUTODEFESA – manter sua segurança e integridade física, elevar autoconfiança e auto-estima

0 0 1 2 8 9 12 10

6 PARTICULARIDADES DO KUNG-FU – armas, saltos, técnicas baseadas nos animais etc.

2 0 1 2 8 8 10 11

7 ESPORTE – lazer competitivo, esportivização, vontade de se destacar num esporte

2 0 6 3 5 9 8 9

8 LAZER – prática esportiva realizada no tempo livre de trabalhos com objetivo lúdico e de satisfação pessoal

0 0 4 6 9 7 8 8

9 OUTROS (Total) 2 1 2 2 6 3 1 0

9.1 AMIGOS 1 1 1 0 5 3 0 3

9.2 SOCIABILIZAÇÃO 0 0 0 0 0 0 1 1

9.3 PREÇO ACESSÍVEL 0 0 0 1 1 0 0 0

73

9.4 CONCENTRAÇÃO 1 0 0 0 0 0 0 1

9.5 HORÀRIOS 0 0 0 0 1 0 0 1

Tabela 4: Resultados do questionário de motivos para ingresso e permanência dos alunos na prática do Kung-Fu.

Pontuando a partir de agora os resultados adquiridos, será ressaltado abaixo

cada valor de forma a clarear as interpretações futuras que serão concluídas no

capítulo seguinte (Discussão).

Inicia-se pela observação clara que a primeira hipótese ressaltada

anteriormente (que toca na questão da “influência midiática” sobre o ingresso de

alunos no Kung-Fu) é realmente sólida e massiva. A diferença na importância de

ingresso para a de permanência após 1 ano de treino é extremamente considerável.

Outra diferença fortemente visível é derivada dos resultados do segundo

motivo. Pelos dados adquiridos, a “promoção da saúde” realmente ganhou

importância para os alunos, como já frisado anteriormente que esse ponto era

bastante elevado durante as aulas.

A “estética”, como terceira razão ou motivo, teve um resultado quase estável.

No entanto, como quase que metade de todos os participantes o definiu como motivo

“importante” já após 1 ano de treinos, acredita-se que o Kung-Fu tenha fornecido

resultados positivos nessa área. Recomendam-se estudos futuros sobre o assunto.

O que demonstrou a maior diferença nos resultados da pesquisa foi o quarto

motivo, que também é o protagonista da segunda hipótese já pontuada; as

“filosofias”. Inicialmente, os alunos ingressavam sem dar importância (ou mesmo

desconhecendo) às diversas filosofias ministradas dentro do Kung-Fu, muitos por

desconhecimento. No período de ingresso, mais de metade dos alunos não às

achavam relevante, contudo, após 1 ano de treinamentos, a mudança do

pensamento dos alunos foi dantesca. Mais de metade dos alunos consideraram as

filosofias “muito importantes”, demonstrando claramente o significado e peso que as

mesmas exercem. Portanto, corrobora-se a segunda hipótese.

O quinto motivo tem como foco a “autodefesa”. O quesito se demonstrou

74

praticamente estável com relação aos motivos de ingresso e permanência. Também

chama a atenção o alto índice de procura e permanência por conta deste tópico.

As “particularidades do Kung-Fu” constituíram o sexto motivo. Sua grande

diversidade técnica, marcial e cultural, fez muito alunos ingressarem e também

permanecerem na arte marcial chinesa.

O sétimo tópico traz à luz a questão desportista no Kung-Fu. Boa parte dos

alunos participantes da pesquisa já via o Kung-Fu como “esporte competitivo”,

tornando-se relevante para a questão do ingresso. Após 1 ano de treinos, o

quantitativo de alunos que dão importância ao tema só aumentou.

A visão sobre o Kung-Fu ser um meio de “lazer” é descrita no oitavo tópico. O

quantitativo de alunos que utiliza o Kung-Fu como fonte de prazer nos tempos livres

é bem significante desde o motivo de ingresso até o motivo de permanência,

mantendo-se praticamente estável.

Por fim, o último motivo, nomeado de “outros” era um quesito aberto; ou seja,

os alunos poderiam colocar o que os mesmos achassem que fosse relevante, porém

que não se encaixasse nos quesitos anteriores. Caso não houvesse, bastava deixá-

lo em branco. Através da descrição e da interpretação das respostas dos

participantes, estruturou-se cinco sub-tópicos: amigos (9.1), sociabilização (9.2),

preço acessível (9.3), concentração (9.4) e horários (9.5).

No primeiro é ressaltada a questão de amigos presentes no grupo de alunos.

O nível de importância foi significante no ingresso, porém ganhou força no motivo de

permanência. Acredita-se que a filosofia de “espírito de equipe” e união dos alunos

tenha fortalecido este “laço fraternal”.

No segundo sub-tópico é apontado o uso do Kung-Fu como meio de

“sociabilização” para o praticante, justificando que a referida arte marcial engloba

diversos praticantes em diferentes idades, culturas e perfis sócio-econômicos.

O terceiro sub-tópico narra a questão da “acessibilidade financeira” do valor

da mensalidade do Kung-Fu na academia em que pratica suas aulas. Comparado a

algumas outras atividades oferecidas (como “Pilates” e “Spinning”), a arte marcial

chinesa possuía um preço mais acessível.

75

O quarto sub-tópico demonstra os treinamentos cognitivos de “concentração”.

Entende-se que o aluno não tinha ciência dos treinamentos de foco e resistência

mental praticados no Kung-Fu. A diferença da marcação nos motivos de ingresso

(“nada importante”) para os motivos de permanência (“muito importante”) já

demonstra por si só sua relevância.

Concluindo, o quinto e último sub-tópico; “horário”. O motivo exalta a

congruência do horário de treinos do Kung-Fu com os horários livres no dia-a-dia do

aluno participante da pesquisa.

4.4 Dados das Entrevistas Semi-Estruturadas

Partindo para o último instrumento de pesquisa, foram efetuadas 5 das 6

entrevistas semi-estruturadas com os alunos com mais de 5 anos de prática em

Kung-Fu estilo Garra de Águia. Um dos alunos saiu do país por motivos pessoais no

período de estruturação desta pesquisa e não retornou dentro do período possível

para sua participação na mesma. Logo, a pesquisa teve continuidade e foi efetuada

apenas com os outros 5 participantes.

As entrevistas continham as seguintes perguntas:

a) De uma forma geral, o que você entende por Kung-Fu?

b) De uma forma geral, o que o Kung-Fu representa pra você na sua vida?

c) O Kung-Fu proporcionou mudanças na sua vida? Comente

independentemente de a resposta anterior ter sido sim ou não.

d) Você visualiza correlações entre os ensinamentos das antigas filosofias

orientais com os ministrados dentro das suas aulas de Kung-Fu? Comente

independentemente de a resposta anterior ter sido sim ou não.

76

e) Você vê utilidade nos ensinamentos filosóficos ministrados nas suas aulas

de Kung-Fu para sua vida cotidiana como um todo? Comente

independentemente de a resposta anterior ter sido sim ou não.

De forma a facilitar o desenvolvimento do tema, foram expressos abaixo,

trechos das entrevistas efetuadas, enfatizando por partes, cada pergunta estruturada

da pesquisa, contando também, esporadicamente, com perguntas extras, que

buscaram complementar e acrescentar ao objetivo da pesquisa, como se caracteriza

a “entrevista semi-estruturada”.

Nas respostas da pergunta “a”, podem-se observar pontuações feitas pelos

alunos, reconhecendo o Kung-Fu como uma arte marcial (seguindo o conceito de

“arte marcial” descrito nesta dissertação) e um meio de transmissão das filosofias

orientais. As respostas abaixo de três dos alunos deixam claro esse entendimento.

ALUNO ENTREVISTADO: “– Kung-Fu é uma arte marcial, uma atividade física que

ensina a autodefesa e também a filosofia oriental.”

ALUNO ENTREVISTADO: “– Entendo o Kung-Fu primeiramente como uma arte

marcial, ou seja, um sistema de técnicas de defesa, no caso, o Kung-Fu armado e

desarmado, como prática esportiva para saúde e bem estar e também Kung-Fu no

sentido da expressão: atitude do treinamento; treinar arduamente, em prol da

‘postura do Kung-Fu’.”

ALUNO ENTREVISTADO: “– Entendo o Kung-Fu por uma série de técnicas e

filosofias baseadas na perfeição.”

Nas respostas da pergunta “b”, foram exaltados os progressos físicos e

cognitivos dos praticantes. Uma das respostas resume a idéia de todas as outras.

ALUNO ENTREVISTADO: “– Nesses 6 anos que eu pratico, percebo melhoras na

minha parte física e na parte mental e tudo se mantêm até hoje. Melhorei na

atenção, na prática de outros esportes pelo desenvolvimento da minha forma física,

mas além de tudo isso no estudo, pois ele facilita muito você se concentrar e ter

menos problema em pegar uma atividade mental pesada como é o estudo da minha

faculdade de física.”

77

PESQUISADOR: “– Ou seja, você está falando principalmente de aspectos

cognitivos?” (Pergunta complementar)

ALUNO ENTREVISTADO: “– Exatamente!” (Apontou para o pesquisador com o

dedo indicador da mão esquerda exclamando)

Partindo para as respostas da pergunta “c”, pontua-se que todos os

entrevistados disseram ter havido mudanças na sua vida cotidiana após seu

ingresso no Kung-Fu. Interessante dizer que praticamente todos os alunos

destacaram tópicos diferentes de mudanças tanto no aspecto físico quanto

psicossocial, como se vê abaixo em trechos de 3 das respostas.

ALUNO ENTREVISTADO: “– Proporcionou, mas... {silêncio de 4 segundos}... eu

comecei no Kung-Fu muito cedo com 10 anos, então a minha vida foi construída

junto com a participação do Kung-Fu. Eu comecei quando era pequeno, entrei junto

com meu irmão. Foi aí que eu tive contato com as filosofias, com os treinamentos

mentais e tudo mais”.

PESQUISADOR: “– Você percebe mudanças e diferenças de postura entre você e

colegas da sua idade por causa do Kung-Fu?” (Pergunta complementar)

ALUNO ENTREVISTADO: “– Acho que sim. Principalmente na questão do

autocontrole, tentar manter a calma em diversas situações por exemplo. Vejo

algumas diferenças desse tipo de mim para a maioria deles.”

ALUNO ENTREVISTADO: “– Sim. Mudou principalmente no grau do relacionamento

social. Mas a principal mudança foi na minha confiança tanto com pessoas do

mesmo sexo quanto do sexo oposto. Consigo me portar de outra maneira (...), sendo

pessoas conhecidas ou desconhecidas.”

ALUNO ENTREVISTADO: “– Sim, grandes mudanças. Quando comecei eu era

fisicamente muito magro e tinha muito problema com meu fôlego, mas agora já estou

muito melhor. Conheci muitas pessoas também. Virou parte da minha rotina.”

Nas respostas da pergunta “d” pode-se ver a grande variedade de assuntos e

temáticas discutidas nas aulas de Kung-Fu e diferentes formas de visualização da

presença das antigas filosofias orientais nos ensinamentos ministrados, como

78

demonstram as frases a seguir.

ALUNO ENTREVISTADO: “– Sim, nas aulas de Kung-Fu, eu aprendi muita coisa da

Medicina Chinesa, que vê não só o corpo físico, mas também o nível mental e

espiritual (...) indivíduo como um ser plural. O treinamento do Qigong, de práticas

que não são só físicas, mas que mexem com o mental e o espiritual para o próprio

bem estar. Então, eu vejo uma correlação com o Budismo, com o Taoísmo na parte

mais holística. Mais profundamente na idéia Confucionista, eu passei a ter uma idéia

de hierarquia que é ensinado na sala de aula, de compreender você como ser social,

sua relação com os outros (...), você não só praticando sozinho, está com um grupo

inteiro. (...) Eu sou um aluno graduado então eu tenho uma atitude em relação aos

outros, que no Confucionismo é bastante presente, que procura dizer sobre o ‘ser

social’(...). Eu vejo o Confucionismo bastante presente (...).”

ALUNO ENTREVISTADO: “– Parcialmente. Muitas dessas questões de filosofia

oriental têm muita passividade, agir pela ‘não-ação’, que eu vejo pelo Kung-Fu como

trata isso com muita consideração (...). Eu vejo o Kung-Fu como uma parcela de

toda filosofia oriental.”

ALUNO ENTREVISTADO: “– Sim. Tem várias correlações e para mim tem haver

com o Kung-Fu ter embutido em si as filosofias orientais na atividade. Com isso você

passa a ter contato com elas em todas as atividades padrões: ensinamentos de

técnicas, combates, katis, conversas, orientações, nos exercícios físicos a serem

cumpridos, no treinamento não só físico e muscular, mas na parte mental e de

concentração. Acho que tudo isso se correlaciona com as antigas filosofias e os

ensinamentos desses sábios que construíram a filosofia clássica oriental.”

ALUNO ENTREVISTADO: “– Sim. Uma das principais filosofias no Kung-Fu vem do

Taoísmo, o Yin-Yang, preza que se você tem uma coisa muito ruim por um lado você

tem também uma coisa muito boa por outro. Então, dentro das aulas de Kung-Fu, os

exercícios que me cobram mais do fôlego, da resistência física, eu tenho certa

dificuldade. Mas isso se equilibra nas técnicas que tenho muita facilidade, como por

exemplo, nos exercícios mentais que cobram da atenção, técnicas meditativas que

uso a mente como ‘ferramenta-chave’ (...).”

PESQUISADOR: “– Antes você falou de aspectos cognitivos; agora você falou de

79

capacidade de aprendizado. Então, as filosofias orientais nas aulas de Kung-Fu te

ajudaram no seu aprendizado como um todo?” (Pergunta complementar)

ALUNO ENTREVISTADO: “– Sim. Eu tenho vantagens em algumas coisas e

desvantagens em outras. Aceito isso muito bem. Tenho essa auto-avaliação muito

clara por causa das filosofias.”

Por fim, as respostas da pergunta “e” trazem um conjunto de conclusões

práticas dos pensamentos tecidos nesta dissertação, buscando expressar a utilidade

dos antigos ensinamentos ministrados até os dias de hoje.

ALUNO ENTREVISTADO: “– Sim. O fato do próprio Taoísmo e do Kung-Fu me

ensinarem a ter respeito, responsabilidades e também não tomar vantagem das

pessoas na minha vida cotidiana, mesmo que seja um simples ‘furar de fila’.”

PESQUISADOR: “– Como ensinamentos morais?” (Pergunta complementar)

ALUNO ENTREVISTADO: “– Moral, ética, civilidade, tudo isso.”

ALUNO ENTREVISTADO: “– Sim. A filosofia foi extremamente importante, (...) a

filosofia me ensinou a ver as coisas de outra forma principalmente em relação à

justiça e a razão. Eu acho que a filosofia oriental no Kung-Fu me fez ver que a

justiça não é tão óbvia quanto parece ser. A verdade não é tão óbvia quanto parece

ser. Sempre tem os dois lados da moeda. Sempre tem a mentira pra um que é a

verdade pra outro. (...) Me tornei mais flexível com a opinião dos outros.”

ALUNO ENTREVISTADO: “– Sim, em muitos aspectos. Os ensinamentos do

pacifismo, da não violência, na diplomacia. No Kung-Fu a gente aprende a se

defender, mas também, a hora correta de utilizar a defesa, não só na esfera física,

mas na esfera de debate, de discussão (...) tudo se torna mais ‘calmo’ com esse tipo

de atitude.”

80

5 DISCUSSÃO

5.1 Discussão da análise das técnicas da primeira g raduação (faixa branca)

Desde já, é aludido que a proposta de conceituação funcional técnico-marcial

foi desenvolvida por 3 profissionais com mais de 10 anos de experiência na arte

(incluindo aqui o pesquisador desta dissertação). A proposta da referida

conceituação nasceu através da observação, discussão e interação desses

profissionais sobre as técnicas da primeira graduação.

Discutindo aqui o aspecto quantitativo pontuado na conceituação, ele vai ao

encontro da afirmação feita no terceiro capítulo (Metodologia), a qual diz que apesar

desta pesquisa ser classificada como qualitativa, a mesma contou com dados

quantitativos para ajudar em seu desenvolvimento, estudo e embasamento teórico e

prático. Portanto, mesmo tendo tido 3 profissionais experientes em observação e

discussão sobre as referidas técnicas, reconhece-se aqui que os valores percentuais

citados na proposta de conceituação são uma estimativa por sua natureza subjetiva.

Analisando e discutindo o somatório efetuado no capítulo anterior das

propostas de conceituação das técnicas da primeira graduação (faixa branca), é de

se observar uma maioria quantitativa considerável do aspecto técnico-marcial de

âmbito defensivo. Não deve ser esquecido também o conceito “Híbrido” que envolve

em praticamente metade de sua natureza os aspectos defensivos, somando-se

assim ao conceito “Defensivo” na afirmação anterior. Apesar de uma forma menos

significante, até mesmo as técnicas de conceituação “Predominantemente Ofensiva”

contribuem nesse somatório para a conclusão já citada.

Logo, poder-se-ia acreditar aqui, que não só os aspectos filosóficos e

teóricos, mas também as técnicas marciais iniciais ministradas aos alunos da

primeira graduação, também buscam a “não-violência” por seus praticantes.

81

5.2 Discussão das Observações Participantes

A “observação participante” foi a primeira técnica utilizada diretamente junto

aos alunos participantes. Nela, foi possível adquirir uma visão generalizada e ampla

dos fatos que ocorrem dentro das aulas analisadas.

Foi visível que mesmo os alunos sem muita experiência, já buscavam

rapidamente se enquadrar e seguir as orientações dos superiores (professores,

instrutores e alunos mais graduados). Essa rápida homogeinização era base

fundamental para uma maior harmonia entre os praticantes. Talvez aí, têm-se um

forte motivo do caráter socio-fraternal entre os membros da equipe.

A etocracia, vista em diversas passagens do quarto capítulo (Resultados), era

algo visível nos treinos, podendo ser dito aqui, que havia uma grande preocupação

da postura dos superiores para de exemplo com seus alunos. Esse zelo era

ponderado já aos alunos de baixa graduação, independentemente da idade, sexo

e/ou personalidade dos praticantes.

A visão do ser humano em uma forma holística pôde ser testemunhada

através da “observação participante”, quando em diversos momentos e com

diferentes casos pessoais dos alunos, foi possível presenciar a adequação e o

respeito dos superiores para com o momento que seus alunos viviam.

O fato citado também serve para reafirmar que, mesmo com a influência

histórica militar que muitas artes marciais possuem (incluindo alguns estilos de

Kung-Fu), o formato dos treinamentos marciais hoje, não são como os treinamentos

militares nas forças armadas e o professor de Kung-Fu não tem (ou mesmo não

deveria ter) um comportamento inflexivel e absolutista.

82

5.3 Discussão dos Questionários

Tendo o resultado da pesquisa através do questionário, puderam-se

comprovar as duas hipóteses do pesquisador. Ficou clara a forte influência da mídia

como motivo de ingresso dos alunos no Kung-Fu e com o passar do tempo, os

ensinamentos filosóficos, outrora não tão relevantes, passaram a ser um dos

principais motivos de permanência, lembrando que as filosofias embasam todas as

técnicas ministradas (marciais ou não); logo, permeadas por todo o Kung-Fu.

Pontua-se também a elevada procura pelo Kung-Fu (motivo de ingresso)

objetivando a promoção da saúde e qualidade de vida. Esse ponto ganha ainda mais

força quando analisado novamente após 1 ano de treino (motivo de permanência).

Aparentemente, os alunos participantes desta pesquisa, reconhecem fortemente o

Kung-Fu como um meio de alcance do referido objetivo. No entanto, há

pouquíssimas pesquisas sobre o assunto no Brasil, sendo a maioria delas sobre os

benefícios biodinâmicos e fisiológicos do estilo Tai Chi Chuan para o público

praticante em idade avançada (idosos). Por conta disso, recomendam-se aqui mais

pesquisas sobre o assunto, já que o mesmo apresentou grande importância para os

participantes desta pesquisa.

A elevada importância do motivo de autodefesa, tanto no ingresso quanto na

permanência, demonstra a grande preocupação da sociedade brasileira sobre a

violência, casando com os pensamentos tecidos no capítulo dois (Revisão de

Literatura). Como os valores continuaram praticamente inalterados, acredita-se que

realmente os alunos passaram a se sentir mais seguros e autoconfiantes sobre o

referido assunto após 1 ano de treino. Recomendam-se estudos futuros sobre a

necessidade de segurança e a confiança adquirida pelos praticantes de Kung-Fu

baseando-se nos pensamentos e na atual conjuntura econômico-social brasileira.

As particularidades do Kung-Fu, que para a maioria das culturas ocidentais

são vistas como exóticas e muitas vezes magníficas, muito provavelmente foram

base essencial da promoção e propaganda midiática sobre a arte marcial chinesa. É

possível observar isso na vasta lista de obras cinematográficas internacionais no

83

século XX e início do século XXI. Também se identifica esse fato em diversas

novelas brasileiras nos últimos 15 anos, que fizeram uso de técnicas e coreografias

marciais originárias do Kung-Fu por conta de sua reconhecida plasticidade e riqueza

cultural. Dentro desta pesquisa, a elevada importância dada pelos alunos, tanto no

motivo de ingresso quanto no de permanência, torna possível a crença que essa

pluralidade marcial e cultural, tendo em vista que é uma arte marcial muito versátil

(movimentos de pernas, quedas, movimentos de braços, saltos, rolamentos,

alongamentos, meditações, armas brancas, técnicas respiratórias, filosofias etc.),

satisfaz e muito seus praticantes.

Sem dúvida, a grande relevância encontrada nos resultados do questionário

em relação ao Kung-Fu como meio esportivo competitivo, destaca uma vertente já

muito observada informalmente por seus praticantes: os campeonatos de Kung-Fu

no Brasil têm crescido consideravelmente, qualitativa e quantitativamente. Hoje, o

Brasil já realiza um dos maiores campeonatos de Kung-Fu do mundo, o “Brazil

International Kung Fu Championship Tournament”, sob organização e regência do

Mestre Gabriel Pires Amorim na cidade de São Paulo. Recomenda-se que o grande

interesse desportivo competitivo visto nos resultados do questionário aplicado nesta

pesquisa, seja mais explorado em pesquisas futuras; como possibilidade e exemplo,

estudos de caso de eventos e competições de Kung-Fu.

Por fim, após analisar os resultados, pondera-se que o lazer possa estar

intrínseco em muitos dos tópicos abordados no questionário. Talvez isso, tenha

gerado seu alto nível de importância, tanto no ingresso quanto permanência.

5.4 Discussão das Entrevistas Semi-Estruturadas

Ao estudar as narrativas efetuadas pelos alunos nas “entrevistas semi-

estruturadas”, destacaram-se alguns pontos que vão ao encontro das propostas

elevadas e estudas nesta pesquisa.

84

Quando um dos alunos entrevistados utiliza em sua resposta a expressão

“postura do Kung-Fu”, defende-se que o mesmo vem ressaltar o lado ético e

filosófico da arte, reconhecendo que um comportamento não violento e pacífico é

educação base dos ensinamentos ministrados no Kung-Fu. Logo, esse

comportamento deve se difundir pelos praticantes, buscando ajudar no prosperar da

sociedade de uma forma geral, de maneira ordeira e civilizada. Acredita-se que esse

seria mais um exemplo do processo civilizador pontuado de Elias (1994).

É possível notar também no aspecto psicológico dos alunos uma postura mais

tranquila e serena com os fatos ocorridos na sociedade e com eles mesmos. Isso

demonstra uma sensibilidade para autocrítica mais amena e pacífica como pode-se

ver na passagem da entrevista: “– Sim. Eu tenho vantagens em algumas coisas e

desvantagens em outras. Aceito isso muito bem. (...)”.

O mesmo apontamento pode ser feito em outro trecho da entrevista de outro

aluno quando o mesmo cita que aprendeu a ponderar mais a opinião alheia e refletir

antes de criticar tudo e a todos: “– (...) Eu acho que a filosofia oriental no Kung-Fu

me fez ver que a justiça não é tão óbvia quanto parece ser. A verdade não é tão

óbvia quanto parece ser. Sempre tem os dois lados da moeda. Sempre tem a

mentira pra um que é a verdade pra outro. (...) Me tornei mais flexível com a opinião

dos outros.”

Seguindo a idéia que o Kung-Fu realmente seja uma cultura transdisciplinar,

envolvendo em sua natureza a transmissão de valores educacionais e que os

mesmos auxiliem na estruturação do caráter educacional de seus praticantes, a

narrativa feita por um dos alunos entrevistados, sublinha claramente esse

pensamento quando ele fala que o Kung-Fu ensina: “– Moral, ética, civilidade, tudo

isso.”

85

6 CONCLUSÃO

Durante toda esta pesquisa, diversas informações de naturezas mil foram

apresentadas, interpretadas e estudadas aprofundadamente, para tentar

correlacionar os ensinamentos das antigas filosofias orientais com o cotidiano dos

praticantes de Kung-Fu.

Comprovou-se que é possível propor uma taxonomia para estudo sobre a

temática discutida e espera-se que a mesma possa ser útil para estudos futuros

sobre o assunto.

De forma clara e objetiva, foi possível observar que os referidos ensinamentos

realmente ajudaram a combater emoções alimentadas pelo ego humano (raiva,

frustração, ira, mágoa, ciúme, dentre outros). Conseqüentemente, isso gerou maior

harmonia no dia-a-dia dos educandos desses ensinamentos, auxiliando direta e

indiretamente, a redução dos diferentes tipos de manifestação do fenômeno da

violência dentro da sociedade nas diferentes áreas de atuação dos referidos alunos.

Desse modo, vê-se que mesmo com o passar de milênios, diversos dos

ensinamentos filosóficos orientais que são ministrados até os dias de hoje nas aulas

de artes marciais, enfatizada nesta pesquisa a arte Kung-Fu estilo Garra de Águia,

se fazem ainda atualíssimos, perfazendo talvez, a necessidade do repensar dos

valores e comportamentos educacionais recebidos pelo cidadão em tempos atuais.

Aponta-se principalmente, que esta pesquisa foi focada e desenvolvida com

educandos jovens; idade essa que sofre diariamente os transtornos e complicações

da fase transitória entre a infância (a qual possui emoções extremamente afloradas)

e a idade adulta (que carrega consigo o ato de assumir todas as responsabilidades

que a sociedade, de certa forma, impõe).

Funcional, marcial e filosoficamente, comprovou-se que as técnicas da

primeira graduação (faixa branca) do estilo Garra de Águia, realmente buscam

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estimular a não-violência, incentivando o caráter educacional e pacífico logo na fase

de primeiro contato do aluno com a arte marcial.

Descobriu-se também que a mídia é a principal motivadora do ingresso dos

alunos no Kung-Fu nesta pesquisa, fazendo uso do Kung-Fu com uma face massiva

de humor (desenhos animados e filmes cômicos) ou de poder de autodefesa (filmes

de ação). No entanto, com o passar de 1 ano de prática, todos os alunos

participantes da pesquisa apontaram que a importância das filosofias era elevada ou

mesmo essencial, reconhecendo a mesma como base de toda cultura ministrada na

arte marcial chinesa.

Por fim, espera-se que os diversos ensinamentos filosóficos orientais

transmitidos pelos grandes Mestres do passado, famosos ou desconhecidos, tenham

maior relevância e reconhecimento no Ocidente. E ainda sim, que as artes marciais,

especialmente aqui o Kung-Fu, possam ter seu aplauso perante as sociedades

brasileira e ocidental, pois mais do que auxiliar na segurança e/ou na saúde de seus

praticantes, essas artes ajudam a gerar uma cultura de respeito, harmonia e paz,

algo que, aparentemente, sempre se fez necessário na história da humanidade.

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104

ANEXO 1 – PRECEITOS DO KUNG-FU (UNIÃO GARRA DE ÁGUIA DO BRASIL)

105

ANEXO 2 – PROGRAMA PEDAGÓGICO (ASSOCIAÇÃO DE KUNG-F U SHAOLIN

DE NITERÓI – AKSN)

PROGRAMA PEDAGÓGICO DA AKSN

Este programa pedagógico não só serve de referência para as pessoas que querem conhecer a filosofia e metodologia da equipe A.K.S.N., mas também, torna-se uma sólida referência para os alunos e profissionais que nela atuam.

Abaixo, observamos primeiramente os “objetivos gerais” que trazem os conhecimentos ministrados nas aulas de maneira generalizada. Logo após, o programa pontua os “objetivos específicos”, que demonstram de maneira mais discriminada e esmiuçada ideais mais profundos. Por fim, o programa traz o perfil do aluno (e cidadão) que objetivamos ajudar a formar.

OBJETIVOS GERAIS:

• Instruir o educando sobre as técnicas e conceitos tradicionais do Kung-Fu; • Fornecer conhecimento básico sobre a MTC (Medicina Tradicional Chinesa) e

o Qigong (Chi-Kung); • Embasamento sobre a filosofia e história oriental; • Educar sobre a biologia humana; • Atribuir ética e respeito como diversos outros valores morais para colocá-los

em prática no dia-a-dia.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

• Fazer com que o educando possa diferenciar estilos de padrão Interno e Externo, Norte e Sul, Tradicional ou Não-Tradicional;

• Apresentar as diversas contribuições para a boa saúde e qualidade de vida através da prática do Qigong (Chi-Kung) e de outras técnicas da MTC;

• Explicar as diferentes filosofias orientais que influenciaram as artes marciais através da história;

• Aperfeiçoar diversas valências físicas durante treinamentos práticos, como: coordenação motora, equilíbrio, percepções diversas, lateralidade, resistência, força, expressão corporal etc.;

• Introduzir o praticante a diferentes métodos de ensino, de maneira que o mesmo possa se auto-avaliar, refletindo os melhores meios de superar suas dificuldades de aprendizado geral como aluno e/ou professor;

106

• Adquirir conhecimentos básicos sobre anatomia e fisiologia humana para melhor compreensão do por que do treinamento a ser desenvolvido;

• Capacidade de avaliação e julgamento técnico de atletas como árbitro do Kung-Fu sob uma vertente esportiva;

• Fomentar o amadurecimento da postura ética, crítica, pedagógica e sócio-cultural do praticante de maneira que sua cultura geral progrida e acrescente de maneira positiva à sociedade como um todo;

• Discutir conceitos éticos e pedagógicos no esporte e nas artes marciais;

• Desenvolver o ímpeto competitivo de forma sadia, ética e motivadora;

• Incentivar o espírito cívico e patriótico na sociedade.

PERFIL DO EDUCANDO FORMADO:

• Profissional autônomo capaz de desenvolver o aprimoramento físico e técnico do Kung-Fu tanto em si quanto em terceiros;

• Indivíduo com opinião crítica capaz de novas reflexões e contribuições sobre a arte, assim, podendo aperfeiçoá-la e aprimorá-la cada vez mais;

• Árbitro com conhecimentos técnicos, teóricos e práticos sobre a arte e suas variantes na condição de esporte;

• Escolado sobre a cultura, filosofia e história oriental, com diversos conhecimentos, vivências e práticas sobre os mesmos dentro do dia-a-dia;

• Instruído para que em casos acidentais (dentro e/ou fora dos locais de treinos), o mesmo saiba como agir e ajudar o próximo necessitado, fazendo uso dos conhecimentos básicos de “primeiros socorros”;

• Membro de uma geração da sociedade que valoriza o uso das diversas técnicas, benefícios e virtudes da prática do Qigong (Chi-Kung) e dos diversos recursos fornecidos pela MTC;

• Cidadão com a consciência genuína, tanto cívica quanto patriótica, amadurecida e propagada;

• Estudante de artes marciais capaz de se defender em casos inusitados de desventuras diversas.

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ANEXO 3 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECID O (TCLE)

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Título do projeto: Artes Marciais & Jovens: violência ou valores educacionais? Um estudo de caso de um estilo de Kung-Fu. Responsável pelo Projeto: Prof. Rafael Carvalho da Silva Mocarzel Eu,_____________________________________________________________, abaixo assinado, declaro ter pleno conhecimento do que se segue: 1) Fui informado(a), de forma clara e objetiva, que a pesquisa intitulada “Artes Marciais & Jovens: violência ou valores educacionais? Um estudo de caso de um estilo de Kung-Fu” irá analisar as influências do Kung-Fu na formação educacional de seus praticantes; 2) Sei que nesta pesquisa serão realizadas as utilizações de um questionário fechado e também a efetuação de uma entrevista semi-estruturada; 3) Estou ciente que não é obrigatória a minha participação nesta pesquisa, caso me sinta constrangido(a) antes e durante a realização da mesma e que fui informado(a) que isto não implicará em prejuízos para meu estado dentro da associação; 4) Poderei saber através desta pesquisa as implicações que colaboram ou não na propagação da violência de jovens praticantes de Kung-Fu; 5) Sei que os materiais utilizados para coleta de dados serão armazenados por 5 anos seguindo à recomendação da Resolução CNS 196/96 e depois rasgados e descartados; 6) Sei que o pesquisador manterá em caráter confidencial todas as respostas que comprometam a minha privacidade; 7) Receberei informações atualizadas durante o estudo, ainda que isto possa afetar a minha vontade em continuar dele participando; 8) Estas informações poderão ser obtidas através dos números de telefone (21)2620-5504 / (21)8816-5504 com o pesquisador Rafael Carvalho da Silva Mocarzel; 9) Foi-me esclarecido que o resultado da pesquisa somente será divulgado com o objetivo científico, mantendo-se a minha identidade em sigilo; 10) Quaisquer outras informações adicionais que julgar importantes para compreensão do desenvolvimento da pesquisa e de minha participação poderão ser obtidas no Comitê de Ética e Pesquisa. Declaro, ainda, que recebi cópia do presente Termo de Consentimento.

Niterói, ________ de _____________ de 20____.

_______________________________________________________ (Rafael Carvalho da Silva Mocarzel; CPF 106.228.467-44)

______________________________________________________ (Nome do Sujeito da Pesquisa/Representante Legal e CPF)

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APÊNDICE 1 – MODELO DE QUESTIONÁRIO

UNIVERSIDADE SALGADO DE OLIVEIRA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSO

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA ATIVIDADE FÍSICA

QUESTIONÁRIO PARA IDENTIFICAR MOTIVOS DE INGRESSO E PERMANÊNCIA DOS ALUNOS DA AKSN

MOTIVOS DE INGRESSO NADA IMPORTANTE

POUCO IMPORTANTE IMPORTANTE MUITO

IMPORTANTE

1 MÍDIA – ídolos, filmes, seriados, desenhos animados, revistas em quadrinhos etc.

2 PROMOÇÃO DA SAÚDE – praticar exercícios, liberar a tensão do dia-a-dia, qualidade de vida

3 ESTÉTICA – definição muscular, diminuição do percentual de gordura etc.

4 FILOSOFIA – ensinamentos filosóficos e culturais de origens milenares.

5 AUTODEFESA – manter sua segurança e integridade física, elevar autoconfiança e auto-estima

6 PARTICULARIDADES DO KUNG -FU – armas, saltos, técnicas baseadas nos animais etc.

7 ESPORTE – lazer competitivo, esportivização, vontade de se destacar num esporte

8 LAZER – prática esportiva realizada no tempo livre de trabalhos com objetivo lúdico e de satisfação pessoal

9 OUTROS – descreva abaixo qual outro motivo: (_______________________________________________)

MOTIVOS DE PERMANÊNCIA NADA IMPORTANTE

POUCO IMPORTANTE IMPORTANTE MUITO

IMPORTANTE

1 MÍDIA – ídolos, filmes, seriados, desenhos animados, revistas em quadrinhos etc.

2 PROMOÇÃO DA SAÚDE – praticar exercícios, liberar a tensão do dia-a-dia, qualidade de vida

3 ESTÉTICA – definição muscular, diminuição do percentual de gordura etc.

4 FILOSOFIA – ensinamentos filosóficos e culturais de origens milenares.

5 AUTODEFESA – manter sua segurança e integridade física, elevar autoconfiança e auto-estima

6 PARTICULARIDADES DO KUNG -FU – armas, saltos, técnicas baseadas nos animais etc.

7 ESPORTE – lazer competitivo, esportivização, vontade de se destacar num esporte

8 LAZER – prática esportiva realizada no tempo livre de trabalhos com objetivo lúdico e de satisfação pessoal

9 OUTROS – descreva abaixo qual outro motivo: (_______________________________________________)