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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Bianca Sandes A LIBERDADE DE CRENÇA E A TUTELA DAS RELIGIÕES FRENTE AO MEIO AMBIENTE CULTURAL CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Bianca Sandes

A LIBERDADE DE CRENÇA E A TUTELA DAS RELIGIÕES FRENTE

AO MEIO AMBIENTE CULTURAL

CURITIBA

2012

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A LIBERDADE DE CRENÇA E A TUTELA DAS RELIGIÕES FRENTE

AO MEIO AMBIENTE CULTURAL

CURITIBA

2012

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Bianca Sandes

A LIBERDADE DE CRENÇA E A TUTELA DAS RELIGIÕES FRENTE

AO MEIO AMBIENTE CULTURAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Professor André Peixoto de Souza

CURITIBA

2012

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TERMO DE APROVAÇÃO

Bianca Sandes

A LIBERDADE DE CRENÇA E A TUTELA DAS RELIGIÕES FRENTE

AO MEIO AMBIENTE CULTURAL

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba,

________________________________________ Professor Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografia

Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná.

________________________________________ Orientador: Professor André Peixoto de Souza

________________________________________ Professor.

Instituição e Departamento.

________________________________________ Professor.

Instituição e Departamento.

________________________________________ Professor.

Instituição e Departamento.

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À minha mãe Renata Rothenbuhler,

pelo seu amor, apoio, dedicação, carinho e paciência.

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RESUMO

Esta monografia tem como tema a tutela das religiões e a liberdade de

crença frente ao meio ambiente cultural. Trata concomitantemente de matéria

ambiental (na seara da cultura) e também constitucional. A tutela das religiões é um

tema muito rico e pretendeu-se, nesse trabalho realizar uma pequena introdução a

essa área, muito esquecida por nossos juristas. Essa monografia trata de temas

como o histórico da positivação da liberdade de crença, os principais princípios que

tutelam essa liberdade e as principais religiões existente hoje em nosso país, vistas

sob o ponto de vista social, antropológico, sociológico e especialmente jurídico.

Palavras-chave: Direitos Humanos; Religião; Direitos Fundamentais, Crença, Meio Ambiente Cultural.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 8 2 HISTÓRICO DA POSITIVAÇÃO DA LIBERDADE DE CRENÇA 8 3 MEIO AMBIENTE CULTURAL 11 3.1 PATRIMÔNIOS CULTURAIS IMATERIAIS 13 3.2 A RELIGIÃO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL 15 3.3 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL 17 4 PRINCÍPIOS QUE TUTELAM A LIBERDADE DE CRENÇA 20 4.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS 20 4.2 A LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO 23 4.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 26 5 AS PRINCIPAIS RELIGIÕES NO BRASIL 29 5.1 NEOPENTECOSTEALISMO 30 5.2 RELIGIÕES MEDIÚNICAS 33 5.3 CATOLICISMO 37 5.4 RELIGIÕES INDÍGENAS 38 6 CONCLUSÃO 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 41

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1 INTRODUÇÃO

Esta monografia tem como tema a tutela das religiões e a liberdade de

crença frente ao meio ambiente cultural. Trata concomitantemente de matéria

ambiental (na seara da cultura) e também constitucional. A tutela das religiões

raramente é abordada nos manuais de direito constitucional e direito ambiental

(dentro da parte da proteção do meio ambiente cultural), e quando o são poucas

páginas são destinadas a esse tema pelos doutrinadores, sendo abordada “em

passant” apenas. Devido a esse fato, pretendeu-se realizar um aprofundamento da

questão, em várias facetas.

O trabalho foi divido em capítulos, sendo o primeiro um breve relato de

como se deu a positivação da liberdade de crença no mundo. Em seguida foi

abordada a questão do meio ambiente cultural e suas múltiplas facetas. No terceiro

capítulo foram trabalhados os principais princípios que regem a liberdade de crença.

No quarto e último pretendeu-se realizar uma discussão sobre as religiões

existentes no nosso país e seus principais paradigmas no campo social e jurídico.

Não é um tema novo, mas pretendeu-se compilar em uma monografia os

diversos fragmentos que encontramos na doutrina. Pretende-se realizar, quem sabe

numa pós graduação um aprofundamento dessa pesquisa.

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2 HISTÓRICO DA POSITIVAÇÃO DA LIBERDADE DE CRENÇA

A liberdade religiosa foi respeitada (e desrespeitada) muitas vezes no

percurso da história. O império romano, por exemplo, quando conquistava novos

territórios - e quando não oferecida resistência - preservava o líder da região, sua

língua e sua religião. Nota-se que esses elementos são identificadores, ou seja, dão

um sentido de eu, de verdade e de respeitabilidade ao ser humano. O processo de

afirmação da liberdade religiosa, positivado, teve sua aparição destacada na Carta

do Convênio entre o Rei Afonso I de Aragon e os Mouros de Tudela em 1119, em

que se assegurava a liberdade de trânsito dos Mouros e o respeito aos costumes

religiosos. Essa tolerância, só viria a tomar corpo mais de quatrocentos anos depois,

por isso da importância desse marco histórico e vanguardista.

A Magna Carta também pode ser considerada outro marco histórico: garantiu

a liberdade da Igreja na Inglaterra, conservando seus direitos, inclusive o de realizar

livremente as eleições eclesiásticas. Mister ressaltar que a Europa ocidental, no

medievo, era essencialmente católica, exercendo essa Igreja grande poder de

barganha e muitas benesses dos feudos.

A maior parte dos Estados nacionais começou a se formar através do conflito

entre Igreja e Realeza, que terminou por gerar, na Inglaterra, a separação da Igreja

Anglicana na Apostólica Romana, e, por quase toda a Europa, o cisma da

cristandade através as ideias de Lutero e Calvino. José Adércio Leite Sampaio

explica:

A reforma protestante rompeu com a unidade eclesiástica que marcou toda a Era Medieval, ao defender e promover a interpretação individual da Bíblia, o solifideísmo, sem necessidade de intermediários no diálogo com Deus. Com esses acontecimentos, necessitou-se de uma maior tolerância dos fiéis das diversas crenças, devido ao pluralismo religioso que começava a dar seus primeiros passos numa Europa há muitos séculos, católica. Precisava-

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se existir uma convivência social entre os adeptos de religiões diversas. Essa tolerância deveria ser respeitada e protegida pelo Estado, fundamento ideológico e instituição superestrutural do mando burguês”. (2004, p.145)

Com o passar do tempo a religião saiu da esfera do público e entrou na esfera

individual, privada, do indivíduo. Outro valor foi atribuído a ela (e a diversas outras

atividades da vida humana). “Posta a matriz das liberdades no exercício da religião,

afirmar-se-á que a exigência de tolerância, para pôr fim aos conflitos religiosos, terá

projeção em todos os aspectos da vida privada e em sociedade, mediante seu

desdobramento na liberdade de consciência, de opinião, de manifestação do

pensamento, de ir e vir e de contratar” (SAMPAIO, 2004, p. 143).

Pode-se dizer que a liberdade de crença só se tornou absoluta (com as

exceções dos países teocráticos) com a Declaração Universal dos Direitos do

Homem, adotada por todos os 58 estados membros que compunham as Nações

Unidas em 10 de dezembro de 1948. Seu artigo 18 doutrinava que “todo homem

tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a

liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião

ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou

coletivamente, em público ou em particular”.

A intolerância religiosa ainda está presente no mundo, em alguns países de

forma aberta, outro de forma velada. Nações como a curda no Iraque e as cristãs no

Sri Lanka, frequentemente são vítimas de abusos que raramente sofrem

intervenções de organizações internacionais, motivo pelo qual ainda se é

complicado escrever sobre o histórico da positivação da liberdade de crença, pois, a

cada dia que passa a história acerca esse tema se desenrola um pouco mais.

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3 MEIO AMBIENTE CULTURAL

Os seres humanos individuais só podem ser compreendidos em suas

interdependências, como partes de redes de relações sociais. A vida social humana

se realiza na e pelas relações sociais. Partindo desse pressuposto teórico procura-

se entender como a noção de meio ambiente pode também englobar a noção de

cultura. Mas afinal o que é cultura? Usamos essa palavra das mais diferentes formas

e muitas vezes como sinônimo de erudição (ex: João é uma pessoa culta, possui

muita cultura). Nesse trabalho usaremos a noção de cultura de uma forma

sociológico-jurídica. O antropólogo Edward B. Taylor, a define como “aquele todo

complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes

e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da

sociedade” (apud. LARAIA, 2006, p.12).

Entretanto, esse complexo precisa ser visto de uma maneira holística, como

um todo integrado e não como uma soma de elementos. Como um todo que é maior

do que a soma das partes. “O único animal que conheceu essa ruptura, essa

passagem do fantástico mundo da natureza a um mundo em que o essencial dos

comportamentos e de sua evolução passa a ser relacionado a um fenômeno

civilizatório, é o homem” (KAHN, 2002, s/p.).

A discussão acerca o processo civilizador no qual todos passamos desde o primeiro

dia de nossas vidas (talvez já no ventre materno), daria azo a vários outros

trabalhos. Discussões como a de Norbert Elias na sociologia do conhecimento e de

Claude Lévi-Strauss na antropologia estruturalista discutem como se deu esse

processo. O que é importante definir aqui é que o homem é um animal cultural.

Animal porque partilha das mesmas necessidades que qualquer outro da natureza.

Cultural porque apesar disso reflete, pensa, medita sobre suas ações e as significa.

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Sendo assim, é importante definir que o meio ambiente, para o homem não engloba

só o físico, o palpável, o existente na realidade tangível. As formas de saber, as

formas de pensar e transformar o mundo também faz parte de seu meio ambiente.

“A partir do meio ambiente natural o homem cria o ambiente cultural”. (BELTRÃO,

2009, p. 421). “Desde os tempos mais remotos que o ser humano, por razões das

mais diversas, de ordem religiosa, estética, cultural, artística, histórica, etc., nutre por

certos bens materiais ou imateriais uma identificação especial” (BELTRÃO, 2009, p.

421).

Seria impossível proteger todos os bens materiais e imateriais, por óbvio concluir

que somente aqueles bens especialmente importantes devam receber uma tutela.

Uma tutela não só por parte do Estado - contratado por todos nós quando nascemos

- mas da população como um todo. Deve-se assegurar a todos, como explica a

Constituição, uma sadia qualidade de vida. Sadia qualidade de vida que precisa

equilibrar natureza, cultura, trabalho e todas as interfaces possíveis do meio

ambiente.

O meio ambiente é hoje, nas Constituições Modernas visto de forma holística,

como um todo que precisa ser preservado para assegurar um desenvolvimento

sadio da população. Não pode ser visto de forma fragmentada e nem tutelado dessa

forma. Hoje, em qualquer estudo de Direito Ambiental, percebemos que mais e mais

elementos entram nessa proteção (apesar de muitos serem freqüentemente

deixados de lado, como o objeto desse estudo).

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3.1 PATRIMÔNIOS CULTURAIS IMATERIAIS

O professor Hugues de Varine-Boham, assessor internacional da Unesco,

sugere que o patrimônio cultural seja dividido em três grandes categorias de

elementos (LEMOS, 2000, p.8, 9 e 10). No primeiro grupo devem-se tutelar os bens

pertencentes à natureza (os recursos naturais: às águas, os animais, as florestas,

etc.). No segundo grupo estão os bens referentes ao conhecimento, às técnicas, ao

saber e ao saber fazer, resumindo, os elementos não tangíveis. No terceiro grupo

estão os objetos (artefatos) criados pelo homem e que, com o passar do tempo

adquiriram um valor especial, tanto artístico, como religioso, funcional, etc.

Para um proteção integral do meio ambiente nenhum desses elementos pode

ser deixado de lado. Mister ressaltar que o patrimônio cultural de uma sociedade, de

uma nação ou região é, em qualquer lugar, bastante diversificado. Depende muito

também do momento histórico em questão. O que é importante num período pode

deixar de ser em outro e vice-versa. Faz-se importante, todavia, preservar a

ancestralidade para as gerações futuras. É através do conhecimento histórico, do

entendimento das tradições e das formas de se pensar que se pode aprender a

respeitar e a entender as diferentes formas de interpretar o mundo.

O conceito de meio-ambiente, como já foi dito anteriormente é uno, além de

ser “regido por uma série de princípios e diretrizes convergentes ao objetivo da

preservação do meio ambiente equilibrado para proporcional uma sadia qualidade

de vida ao seu povo”. (GRAÇA E TEIXERA, 2000, p. 36).

Porém, para fins metodológicos e didáticos o dividimos entre cultural e

biológico, material e imaterial, etc, mesmo não se podendo “dissociar o modo de

vida dos seres humanos e suas mais diversas manifestações de seu habitat”.

(GRAÇA E TEIXERA, 2000, p. 37).

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Para um bem ser considerado patrimônio, precisa conter alguma

“característica especial quanto à identidade, à ação ou à memória dos diferentes

grupos formadores da sociedade brasileira” (BELTRÃO, 2009, p. 424). Todos os

grupos étnicos têm importância na composição da cultura nacional, sendo

impossível dizer que um é mais ou menos importante nessa composição. É

importante ressaltar que essa definição é democrática e popular, uma vez que

reconhece a multiplicidade de influências com as quais nossa nação se formou.

O modo de fazer da viola de cocho, o maracatu, o samba de roda, o frevo a

arte kusiwa (pintura corporal dos índios wajapi) são alguns exemplos de patrimônio

imateriais, também chamados de intangíveis.

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3.2 A RELIGIÃO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL

Celso Antônio Pacheco Fiorillo em seu Curso de Direito Ambiental Brasileiro

insere a liberdade de crença como um patrimônio cultural. Cultural porque as

religiões foram criadas pelo homem. Faz parte de sua história, seus costumes, suas

tradições, suas ideias, suas recordações, suas lendas, enfim de sua vida.

Partindo desse pressuposto adotado por esse autor, esse trabalho tem por

intuito reafirmar essa visão (a liberdade de crença como um patrimônio cultural).

Visão essa que, apesar de ser facilmente aceita por todos que conhecem e

pesquisam o tema, não é abordada pela maioria dos manuais de direito ambiental e

em poucos manuais de direito constitucional (importante relembrar que existem

algumas exceções). Vive certa situação de clandestinidade, de esquecimento, talvez

por sua natureza complexa que constantemente gera discussões acaloradas, talvez

por mero esquecimento.

Nosso direito positivo procurou proteger a crença religiosa, crença essa que

se revela, como explica Fiorillo “como fator intelectual da religião em face de um

conjunto de ideias sobre ela que se expressam por cerimônias religiosas – ritos –

pela arte e principalmente pela linguagem, como direito material constitucional

individual” (2011, p.434).

Mas não podemos nos abstrair da questão de que o pensar sobre a religião,

discuti-la, e a própria criação da teologia (uma disciplina tipicamente ocidental)

começa quando

“(...) surge um grau de desconfiança com relação à

divindade. Pois quando o culto da divindade é pleno, imediato,

inserido completamente na vida, quando não há ainda nem sequer

mito contado, mas apenas mito vivido, o homem se contenta com

fazer preces, cantar, dançar, sacrificar, incorporar o ser divino, e não

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necessariamente inquirir racionalmente sobre o ser da divindade”.

(CARVALHO, 1993, p. 119).

Abstrai-se disso que, para se pensar sobre religião filosoficamente,

antropologicamente, sociologicamente, juridicamente, etc, precisamos questioná-la.

Não no sentido da existência de um (ou vários) ser(es) divino(s) e sim na sua

relação com o social, com as pessoas que significam (e resignificam) uma

determinada crença.

Os nossos patrimônios culturais não são apenas as coisas palpáveis, mas

também as não-palpáveis, as que existem no mundo da abstração, e que, possuem

grande valor e estima para os seres humanos. Coisas que fazem parte da nossa

vida, nas mais variáveis esferas do saber e do conhecimento. Danças, festas, e por

que não? As nossas religiões. Elas fazem parte da passagem do ser humano do

mundo da natureza para o mundo da cultura. Procurando explicações sobre os

fenômenos da natureza, e também para os fenômenos humanos ela surgiu

buscando respostas para as perguntas mais difíceis e mais abstrusas da

humanidade. Algumas respostas convenceram, outras não, e com isso as religiões

foram se modificando e se ressignificando. É difícil conhecer alguém totalmente

neutro em relação ao assunto crença e religião. Até quando a negam, quando não

se acredita em nada do mundo sobrenatural se faz e se constrói um ponto de vista

(que também precisa ser tutelado e respeitado).

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3.3 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL

Nosso artigo 5º, o qual faz parte dos artigos que visam tutelar os direitos

fundamentais (5º ao 17º), doutrina, em seu inciso IV que “todos são iguais perante a

lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV – é livre a

manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato”. (BRASIL, 1988).

José Francisco Cunha Ferraz Filho, explica a diferença entre a liberdade de

consciência e a liberdade de crença. A primeira, segundo ele diz respeito “(...) ao

estado moral interior do indivíduo, ou seja, é o sentimento subjetivo e intangível de

aprovação ou remorso pela prática de determinados atos” (2012, p.18). A liberdade

de crença, entretanto, é “o direito de aderir a qualquer ordem religiosa. A liberdade

de crença, ou a liberdade religiosa, deve restringir-se aos cultos e as suas práticas,

que têm de respeitar os direitos individuais, Além disso, há garantias para a criação

e preservação do espaço físico necessário ao desenvolvimento dos cultos” (2012,

p.18)

É importante ressaltar também que A Declaração Universal dos Direitos

Humanos adotada pelos 58 estados membros conjunto das Nações Unidas em 10

de dezembro de 1948, no Palais de Chaillot em Paris, (França), definia a liberdade

de religião e de opinião no seu artigo 18: Todo o homem tem direito à liberdade de

pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de

religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino,

pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou

em particular.

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Vemos que a liberdade de crença foi adotada e afirmada no nosso

ordenamento. Um país que se diz laico não pode abster-se de proteger e resguardar

suas religiões, que, querendo ou não, estão intimamente ligadas ao processo

civilizatório de uma nação. Fiorillo explica que “a tutela constitucional do meio

ambiente cultural assegura, por via de conseqüência, a liberdade de crença a todo

brasileiro e estrangeiro residente no país, enquanto direito constitucional

metaindividual estruturado geralmente em face de cultos religiosos, dentro dos

parâmetros estabelecidos nos arts. 215 e 216 da Constituição Federal”. (2011,

p.435)

Os artigos 215 e 216 da Constituição Federal doutrinam que:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2.º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados àsmanifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1.º O poder público, com a colaboração da comunidade promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. § 2.º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3.º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. § 4.º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.

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§ 5.º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscênciashistóricas dos antigos quilombos.

Percebe-se que foi adotado um conceito amplo, aberto e universal de cultura na

elaboração da nossa Constituição. Foi a primeira vez que surgiu no nosso

ordenamento a denominação patrimônio cultural bem como sua conceituação.

Bernardina F.F. Abrão, na Constituição Federal Interpretada explica que

“(...) a defesa e a valorização do patrimônio cultural devem

fazer parte das políticas culturais do Poder Público, já que todas as

manifestações que possam fomentar a diversidade cultural e

estimular o exercício da cidadania geram acesso à cultura de várias

formas, como estímulos a criação artística e busca de maior

preservação do patrimônio cultural, entre outros”. (2012, p. 1085)

O nosso patrimônio cultural, nas suas mais diversas formas, relaciona-se não só

com a sociedade no período que ela existe, mas também com as gerações

passadas e futuras. Passadas quando buscamos proteger o que foi feito, pensado e

criado pelas gerações anteriores às nossas e futuras para poder transmitir (não de

maneira intacta, pois a cultura se cria e se recria o tempo todo) um legado para as

gerações que estão por vir.

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4 PRINCÍPIOS QUE TUTELAM A LIBERDADE DE CRENÇA

4.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS

. É difícil encontrar uma definição precisa do que seria um direito fundamental.

Podemos citá-los exaustivamente, dizer quais são e explicar suas peculiariedades,

porém dizer, sem hesitar o que é fundamental é complicado. Complicado porque

definir também significa limitar, e como podemos ver, limitar uma coisa tão

importante é arriscado. Melina Girardi diz que “a historicidade dos direitos é inegável.

Com o evoluir do tempo as ideias e o próprio direito vão se desenvolvendo, de

acordo com os movimentos sociais”. (2007, p.63) E citando Perez Luño (apud

GIRARDI) vemos que “los derechos fundamentales aparecen, por tanto, como la

fase más avanzada del proceso de positivación de los derechos naturales em los

textos constitucionales Del estado de derecho, proceso que tendria su punto

intermédio de conexión em los derechos humanos” (2007, p. 64).

Entre os pensadores do direito, muito se falou em geração de direitos.

Primeira geração (direitos individuais, segunda geração (direitos sociais) terceira

geração (direitos coletivos) e até uma quarta geração apareceu (direitos das

minorias). Hoje se entende que essa ideia geracional não dá conta, pois, na maior

parte do mundo ainda há um longo trajeto até a consolidação dos direitos mais

básicos do ser humano. Flores explica que “no hay generaciones de derechos, hay

generaciones de problemas que nos obligan a ir adaptando y readaptando nuestros

anhelos y necesidades a lãs nuevas problemáticas” (2000, p.44)

Vale lembrar que leis são palavras no papel. Sem o social as leis não

existiriam. O direito é uma atividade meio, nunca pode ser vista como um fim em si

próprio. Deve-se portanto regular as práticas sociais através dele, “ enquanto para

as demais ciências o objeto de estudo é um dado que o cientista pressupõe como

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uma unidade, o objeto de estudo do jurista, é, por assim dizer, um resultado que só

existe e se realiza numa prática interpretativa”. (Ferraz Junior, 2003, p.30).

Uma coisa que não foi utilizada na pesquisa foram estatísticas. Poderia ser

levantados um quadro sobre quais as religiões mais ou menos populares, mas,

assim como pensamos a sexualidade os dados são extremamente delicados.

Precisamos antes de adotar e reproduzir estatísticas, pensar como as pessoas tão

pensando e definindo religião.

O religioso, assim como o direito instaura uma ordem legitima. Uma pessoa

estritamente religiosa vê o social sem o religioso como o caos. Uma pessoa

estritamente legalista vê o social sem o direito também como caos. Nisso podemos

nos perguntar como trabalhar com uma educação laica? Muitos contestaram a

existência de ensino religioso nas escolas públicas, porém, faz-se mister ressaltar

que os maiores grupos educacionais particulares do nosso país são religiosos.

Maristas, espíritas, adventistas, católicos quase que monopolizam nossa educação.

É um tanto quanto hipócrita essa visão (espalhada sobretudo por pessoas educadas

em instituições particulares). Uma educação laica pode sim trazer valores, porém é

essencial que se reconheça a existência de múltiplos discursos.

Outra coisa é a tendência de absolutizar tudo. No século XIX houve uma

legitimação da medicina perante outras formas de pensar a saúde. Hoje dificilmente

se questiona um parecer médico, porém facilmente se questiona o parecer de um

líder espiritual, um xamã, um pajé sobre terminada doença. Deve-se lembrar que o

discurso da medicina é tão construído como o discurso religioso. Como explica

Foucault, na Microfísica do poder, o controle da sociedade pelos indivíduos não se

opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com

o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo investiu a

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sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma

estratégia biopolítica.

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4.2 A (LIVRE) MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO

Muitas vezes tratamos a liberdade de crença e a livre manifestação do

pensamento como sinônimos, porém é mais apropriado pensar a manifestação do

pensamento como o gênero e a liberdade de crença como espécie, uma derivação

do primeiro.

A liberdade de expressar o pensamento está intimamente ligada a vários

valores, tais como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. O

legislador garante que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a

informação não sofrerão qualquer restrição, porém vale ressaltar que devem ser

observados os valores anteriores.

O art. 220 da Constituição Federal garante essa livre manifestação. A

liberdade de expressão, da manifestação do pensamento é um conceito basilar da

nossa sociedade e das democracias contemporâneas. Jayme explica que

“O reconhecimento das liberdades fundamentais baseia-se no

reconhecimento da racionalidade e autonomia do ser humano. A

proteção jurídica das liberdades individuais é a base do pluralismo

inerente às sociedades democráticas, que se constituem de

indivíduos essencialmente diferentes que comungam, também, de

variações de convicções e crenças. As liberdades da consciência,

poderíamos nominar assim as liberdades religiosa e de manifestação

do pensamento, conferem à pessoa a possibilidade de formar o seu

juízo a respeito da realidade que a cerca e planejar a realização de

suas aspirações a partir das suas convicções e crenças. Ademais,

permitem-lhe desenvolver sua personalidade, propiciando-lhe

participar da coletividade, não sendo passível de se restringir a

autodeterminação espiritual e moral das pessoas. (2004, p. 145)”.

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Mas e quando as duas liberdades, a de pensamento e a de crença se

chocam? Fernando G. Jayme, traz na sua obra um caso que ocorreu no Chile nos

finais dos anos 80. A Última Tentação de Cristo, o polêmico filme dirigido por Martin

Scorsese, realizado com um orçamento baixíssimo (não esperava muitos dividendos

comerciais) não previa o furor que iria causar em vários lugares do mundo.

Atentaremos melhor para a repercussão que esse filme teve, em outro país latino

americano como o nosso, com uma reputação de vanguardista. A exibição do filme

de Scorsese foi proibida por uma ordem judicial em primeiro grau em todo o país e,

em grau de recurso pela última e soberana corte chilena, foi mantida, com o

argumento de que difamava a vida de Cristo. Para quem viu o filme, pode-se

perceber uma humanização de Cristo nunca vista antes na história do cinema. O

texto trabalha de forma autoral em cima da bíblia, coisa que perturbou boa parte da

população.

Porém essa proibição não passou batida. Ela gerou muita perplexidade por

parte dos mais diversos órgãos internacionais e acabou chegando até a Corte

Interamericana de Derechos Humanos que censurou e condenou a decisão chilena.

Condenou por estar indo contra com o acordado na Convenção Americana. Por

questão de espaço e de não tratar somente desse tema nesse trabalho, cita-se

parcialmente o conteúdo da decisão da Corte Interamericana:

El artículo 12 de la Convención contempla varias hipótesis de

violación del derecho a la libertad de conciencia y de religión, entre

las cuales se cuenta la que consiste en impedir que alguien cambie

de creencias religiosas. Para lograr este último efecto, no es

menester que se constriña física o mentalmente a la persona de que

se trata a permanecer atada a confesión que profesa. Esta sería la

forma más evidente, pero no la única, de afectar su libertad de

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conciencia y de religión. El cambio de religión o de creencias suele

ser el resultado de un proceso prolongado y complejo, que incluye

vacilaciones, cavilaciones y búsquedas. El Estado debe garantizar

que cada quien pueda conducir ese proceso, si decide emprenderlo,

en una atmósfera de completa libertad y, en particular, que no se le

coarte a nadie la posibilidad de acopiar, sin infringir los derechos de

los demás, todos los elementos vivenciales y emocionales,

conceptuales e informativos o de cualquier otro orden que considere

necesarios para optar adecuadamente por el cambio o la

conservación de su fe. Si el Estado falta, por acción u omisión, a esos

deberes, viola el derecho a la libertad de religión y de conciencia.

http://www.corteidh.or.cr/pais.cfm?id_Pais=4

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4.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A dignidade da pessoa humana pode ser vista como um princípio fundamento

do nosso Estado de Direito. O art. 1º, parágrafo 3º da nossa Constituição Federal

explica que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana”. Como explica José

Francisco Cunha Ferraz Filho

“esse valor que se apresenta como fundamento e fim

último de toda ordem política, busca reconhecer não apenas

que a pessoa é sujeito de direitos e créditos diante dessa

ordem, mas que é um ser individual e social ao mesmo tempo

(...). Conforme o magistério de Julien Freud, a pessoa

humana possui seis dimensões: a ética, a política, a religiosa,

a científica, a econômica e a artística. Ao mesmo tempo em

que são autônomas, as dimensões são interpenetráveis, o

que significa dizer o homem ético não vive sem o homem

político, o homem científico sem o religioso, o econômico sem

o artístico. Sucede que o ser humano se complete e se

plenifica com a presença de todas as dimensões em um

contexto harmônico, interdisciplinar e interativo”. (2012, p.5)

Conforme vemos, é impossível desassociar os direitos fundamentais à dignidade da

pessoa humana.

Vale lembrar que a dignidade da pessoa humana é um constructo recente na

história da humanidade. Na Constituição Brasileira apenas teve sua positivação

expressa em 1988. Foi somente após o fim da segunda guerra mundial que a

concepção contemporânea da intangibilidade da dignidade da pessoa humana veio

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a consolidar-se. Vale citar a obra de Hannah Arendt, Eichmann em Jerusalém, que

nos mostra que a ideia de direitos humanos (e consequentemente a noção da

dignidade da pessoa humana) foi tão profundamente negada no período da segunda

guerra que as próprias vítimas perderam uma parte da compreensão destes. Fabio

Konder Comparato explica que

“após três lustros de massacres e atrocidades de toda sorte,

iniciados com o fortalecimento do totalitarismo estatal nos anos 30, a

humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da

história, o valor supremo da dignidade da pessoa humana. O

sofrimento como matriz da compreensão do mundo e dos homens,

segundo a lição luminosa da sabedoria grega, veio a aprofundar a

afirmação histórica dos direitos humanos”. (apud. Fachin, 2007, p. 86)

Fachin explica que a Organização das Nações Unidas surgiu no cenário

internacional a partir da Carta de São Francisco, datada em 1945, que dá, entre

suas diversas disposições, um destaque especial ao papel da dignidade da pessoa

humana. O preâmbulo desse documento pronuncia:

“Nós, os povos das nações unidas, resolvidos a preservar as

gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no

espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis a humanidade, e

a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na humanidade,

e reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na humanidade,

e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade

e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das

mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a

estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às

obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito

internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e

melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. E para

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tais fins, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros,

como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a

segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e

instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não

ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional

para promover o progresso econômico e social de todos os povos.

Resolvemos conjugar nossos esforços para a consecução desses

objetivos. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por

intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco,

depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa

e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações

Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional

que será conhecida pelo nome de Nações Unidas”.

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5 AS PRINCIPAIS RELIGIÕES NO BRASIL

Nesse capítulo vamos discutir de maneira ampla sobre dois grupos religiosos

que existem no Brasil, o neopentecostealismo e as religiões de matriz mediúnica.

Também discutiremos acerca o catolicismo e as religiões indígenas, porém de

maneira mais breve para não estender o trabalho em demasia. Para se entender,

viver e refletir sobre religião quer seja no direito, quer seja em qualquer outra ciência

humana é importante conhecer um pouco sobre o imaginário de cada grupo. Por

essas razões faz-se necessário esse capítulo.

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5.1 NEOPENTECOSTEALISMO

O neopentecostealismo talvez seja a religião mais debatida e também a mais

difícil de compreender dentro do imaginário nacional. Para se entender como o

movimento pentecostal se deu no Brasil é preciso saber que ele nunca foi

homogêneo.

Desde o início, no começo do século XX, as duas primeiras igrejas

pentecostais do Brasil: Congregação Cristã (1910) e Assembleia de Deus (1911)

apresentavam (e ainda apresentam) fortes diferenças institucionais. Foi só a partir

dos anos 50, com a chegada dos missionários da Cruzada Nacional de

Evangelização, vinculadas à Igreja do Evangelho Quadrangular (o nome decorre dos

quatro atributos de Cristo nos quais a igreja baseia sua mensagem: salvador,

santificador, curador e rei) que houve uma diversificação forte nas ênfases

doutrinárias e nas inovações proselitistas, como explica, Ricardo Mariano na sua

obra Neopentecostais (Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil).

A teologia da prosperidade e a guerra santa e o telenvagelismo são

características fortes das neopentecostais (vale ressaltar que algumas igrejas

possuem uma tolerância religiosa não se realizando a guerra santa). A seguir,

tentarei definir essas características.

A teologia da prosperidade: ao contrário dos protestantes clássicos, os

neopentecostais não acreditam que a salvação se dê pelo ascetismo de rejeição do

mundo. Há um rompimento com a proposição pentecostal de pobreza material,

explica Mariano. Em seu lugar pregam a teologia da prosperidade, doutrina que

grosso modo, defende que o crente está destinado a ser próspero, saudável e feliz

nesse mundo. Não se espera um reconhecimento divino, um paraíso. As boas ações

serão recompensadas em vida. Talvez seja isso que cause o crescimento espantoso

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dessas igrejas. Elas estão se acomodando rapidamente à sociedade inclusiva, à

cultura e à religiosidade popular. Buscam prestígio e respeitabilidade social, se

inserem na política, são intervencionistas, explica Mariano. Pretendem transformar a

sociedade através da conversão individual e da inculcação da moral bíblica.

A guerra santa: ao contrário de outros grupos religiosos que negam e

desprezam as religiões afrobrasileiras e a magia e as deixavam num espaço de

silêncio e invisibilidade, a maior parte das igrejas neopentecostais (Nova Vida,

Universal, Mundial, etc) acredita e reencanta o mundo. O conflito entre o bem e o

mal é real, e só eles (os crentes) podem fazer o bem vencer. Por isso a perseguição

às pessoas com orientações religiosas diferentes, especialmente às adeptas às

religiões mediúnicas (mas não exclusivamente, vide o famoso episódio que tipificou

a ação de um pastor que “chutou a santa” em rede aberta de televisão).

O evangelismo via TV: diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos,

onde muito fiéis assistem o culto somente via televisão, o evangelismo televisivo

brasileiro tem outra proposta: a de chamar mais fiéis para as suas congregações,

numa lógica de crescimento denominacional. Mariano explica que as

neopentecostais Universal, Internacional da Graça, Cristo Vive, Renascer em Cristo,

Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra investem pesado na mídia eletrônica.

Mídia eletrônica essa com prioridade para a televisão. Ao contrário do que ocorrre

com as pentecostais americanas, os custos das exibições não são custeados pelos

telespectadores e sim por igrejas (leia-se crentes), editoras e gravadoras. Acreditam

ser a TV (e de fato é), a mídia eletrônica mais eficiente de levar mensagens do

evangelho ao maior número de pessoas a fim de atraí-las à igreja.

Essas três características combinadas (com outras menores) são

responsáveis pelo sucesso que as igrejas neopentecostais adquiriram e continuam a

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adquirir um muitas regiões do país. É interessante observar também que em vários

lugares essas igrejas “não pegam”, fazendo-se mister estudar e compreender os

processos de resistência às igrejas e não somente às suas conversões. É

importante observar que essa religião (pentecostalismo) se constrói dentro do

capitalismo e vive e sobrevive dentro dessa lógica. Será que a teologia da

prosperidade teria sucesso numa sociedade com outra lógica? Cada vez mais

vemos a influência dessas igrejas no que tange também à outras igrejas. Explicando

melhor há um neopentecostalização das práticas religiosas em outros contextos.

A magia, a cura pelas divindades e pela fé, o cair no espírito (se sentir

invadido pelo espírito santo) aproximam as neopentecostais, mais do que elas

gostariam das religiões mágicas. O mundo se encanta novamente, talvez com um

pouco mais de violência e radicalidade, mas se encanta. Anjos e demônios passam

a existir em tudo, os relacionam àquele congestionamento que atrasou a chegada ao

culto, àquela enfermidade que parece incurável.

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5.2 RELIGIÕES MEDIÚNICAS

João do Rio, codinome de um jornalista carioca que se predispôs a escrever

uma série de artigos sobre as religiões da capital, dá um relato de sua experiência

“no mundo dos feitiços” (vide camdomblé e umbanda). Deve-se observar que ele

está num lugar de jornalista e não de estudioso, todavia amparado por uma

legitimidade que os meios de comunicação em massa conseguem transmitir.

João não chega neutro ao seu ambiente de “pesquisa”. Percebe-se em sua

escrita um preconceito de ordem moral, religiosa e até corporal. “Babel da crença”,

“Politeísmo Bárbaro”, “Inaudita Selvageria” são algumas das palavras que ele utiliza

para descrever o meio estudado. Estudado em termos, pois vemos alguns erros

crassos de entendimento da lógica umbandista e candomblecista como a freqüente

associação que faz entre Exu e o Diabo (transparecendo uma ideia um tanto quanto

européia na sua concepção de diabo).

Não se pode, contudo fazer uma análise totalmente crítica e atemporal do que

foi dito naquele contexto. Apesar da construção incansável de um estereótipo e da

sua total falta de preocupação com um rigor metodológico mais sério, deve-se levar

em conta que o evolucionismo era corrente na época. No mundo acadêmico, Nina

Rodrigues (com muito mais rigor, diga-se de passagem, também confundia-se ao

relacionar feitiçaria e religiões afro e afrobrasileiras e o vínculo com teorias racistas /

racionalistas era freqüente). No nosso ordenamento jurídico, que apesar de

desvincular religião e estado em 1890 (teoricamente, observa-se), o Código Penal

desse mesmo ano trouxe uma lógica civilizatória e moralizante que, como explica

Yvonne Maggie, é o marco zero da repressão mais institucionalizada. “Qualquer que

fosse o motivo da batida policial a uma casa ou centro ou igreja, a forma mais

simples de enquadrá-los era através dos artigos 156, 157 e 158” (1986, p. 74). O

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primeiro proibia a prática ilegal da medicina, arte dentária e farmácia (uso de ervas,

matos, etc). O segundo artigo proibia praticar o espiritismo e a magia e o terceiro

proibia ministrar ou simplesmente prescrever substância de quaisquer reinos da

natureza. Enfim, toda uma práxis de cura foi proibida e perseguida.

Lísias Nogueira Negrão explica em seu livro Entre a cruz e a encruzilhada,

que após o código de 1890 “a medicina oficial tornou-se hegemônica, garantindo o

monopólio das práticas de cura, mediante a proibição das medicinas alternativas

concorrentes. Estavam criados os instrumentos legais que possibilitavam a

acusação, o enquadramento legal e as penas” (1996, p. 44). Sua pesquisa analisou

as notícias da mídia a respeito de práticas religiosas associadas à magia,

curandeirismo e feitiçaria entre os anos 1854 e 1928. Dividiu-as em dois grupos, um

pré CP1890 e um após a promulgação dessa lei. É interessante observar que a

repressão existiu nos dois períodos, porém, no primeiro grupo estava

predominantemente associada a práticas mágico-religiosas negras, sendo a

feitiçaria muito mais freqüente que o curandeirismo (ao contrário das do segundo

grupo, talvez pela própria tipificação criminal). No segundo grupo, outros grupos

foram reprimidos, “a magia do negro veio sobrepor-se à magia européia, dando

origem a uma cultura popular na qual a crença e práticas mágicas tinham papel

importante no diagnóstico e na terapia das doenças, bem como na expressão de

conflitos interindividuais” (NEGRÃO, 1996, p. 60).

Negrão também destaca que os jornais da época (todo esse período), quando

noticiavam uma apreensão de objetos e até de pessoas um forte inseriam

concomitantemente um forte lamento pela ignorância dos fracos de espírito (termo

um tanto quanto irônico). Criticavam a ignorância da população (que se deixava

levar por esse tipo de “charlatanismo”). Uma notícia da Tribuna de Santos, citada por

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Negrão ilustra bem essa situação. “O número de tolos é infinito, por isso mesmo

cresce diariamente o numero de espertalhões. Como se não bastassem os padres

que exploram as igrejas dos santos e das santas milagrosas, recebendo esmolas

pequenas e grandes e pernas, braços, mãos e pés, seios e outras peças anatômicas

de cera, para expor, como prova de milagres, quando a cura das moléstias só é

devida aos médicos e medicamentos”. (1996, p.62). Negrão explica que “os

segmentos civilizados da população brasileira, a intelligentsia em sua totalidade,

engavam-se no combate contra todas as expressões culturais por eles julgadas

resistentes ao projeto nacional de modernização”. (1996, p.66).

Vale ressaltar também, que no início do século XX, outra religião mediúnica

começava a aparecer fortemente na vida social brasileira e a “conquistar” uma parte

da elite: O Espiritismo. Porém essa foi de certa acolhida pelo sistema penal / policial.

Apareceu-se então uma forma explícita de distinção: o alto e o baixo espiritismo. O

alto era limpo, branco, honesto e foi protegido pelo Estado, diferentemente do

espiritismo “popular”. Percebe-se uma incontável gama de oposições entre um e

outro. Um era alto, o outro baixo. Um intelectualizado, o outro popular. Um era

verdadeiro, o outro falso. Um era legítimo, o outro ilegítimo. Um era científico, o outro

supersticioso. Um era religião, o outro magia. E por aí vai.

Muitos terreiros, de umbanda (que segundo Negrão começou a se

desenvolver na década de 20 de maneira bem popular) e de candomblé valeram-se

dessa tolerância para com os espíritas para legitimar suas práticas. Os terreiros,

para fugir da perseguição tornaram-se centros.

Nina Rodrigues, afirmou que a repressão se inscreve na lógica da crença.

Reprime-se o feitiço, o desconhecido por se ter medo dele. Enquanto de um lado se

criticavam fortemente a inteligência das pessoas que acreditam nas religiões

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mediúnicas, dá-se quase paradoxalmente uma legitimidade a esse tipo de crença.

Weber, e posteriormente Adorno e Horkheimer discutem um desencantamento do

mundo. Um mundo onde o discurso racional é pleno, no qual não se dá espaço pra

magia, onde há uma desmistificação do discurso romântico, uma domesticação do

corpo, no qual existe um homem claustrus dominado pela razão e pelo controle. Mas

isso cai por terra quando se fala em Brasil, quando por mais que uma parte da

intellingentzia nacional associe a crença na magia ao arcaico e não civilizado,

também se acredita que e se teme que ela possa existir.

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5.3 CATOLICISMO

O catolicismo foi a religião oficial do Brasil até 1890, quando o nosso Estado

se tornou laico. É o conjunto de dogmas, instituições e preceitos da Igreja Católica,

“significando simplesmente a igreja inteira” (FIORILLO, 2011, p. 441). Fiorillo explica

que “(...) a igreja católica, ao estabelecer algumas características distintivas, indica o

importante papel da Virgem Maria, assim como dos santos, para os crentes, imagens

e estátuas da Virgem, dos santos e também do menino Jesus são encontradas por

toda a parte nos países católicos” (2011, p.442).

Importa ressaltar que apesar de ser uma religião hegemônica e a mais

presente no nosso país também é vítima de preconceitos. Quem não se lembra do

episódio do Chute da Santa? Em outubro de 1995, um bispo da Igreja Universal do

Reino de Deus, numa transmissão televisiva, chutou a imagem de uma santa

católica (Nossa Senhora Aparecida), chocando boa parte da população brasileira,

gerando forte repercussão. Em abril de 1997, Sérgio Von Helde Luiz foi condenado

pelo juiz da 12º Vara Criminal da cidade de São Paulo (SP), Ruy Alberto Leme

Cavalheiro, a dois anos e dois meses de prisão por crimes de discriminação religiosa

e vilipêndio a imagem, porém por ser réu primeiro acabou recorrendo em liberdade e

acabou vendo seu crime ser prescrito. Sua ação foi reprovada até por Edir Macedo,

líder da Igreja Universal do Reino de Deus).

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5.4 RELIGIÕES INDÍGENAS

A tutela das religiões em face das culturas indígenas recebe um tratamento

especial na nossa legislação. Por ser um grupo minoritário a proteção precisa de

mais especificidade para se fazer presente. O artigo 231 da nossa Constituição

Federal protege as religiões indígenas, vendo-as como manifestação da cultura.

Fiorillo explica que o art. 232 (copiar e colar o artigo), da nossa Carta Magna,

“(assegura aos índios, individualmente ou por meio de suas comunidades e

organizações, defender em juízo, com a necessária participação do Ministério

Público em todos os atos do processo, sua religião, diante de lesão ou ameaça que

eventualmente possa ocorrer, como direito que lhes é garantido em face da tutela

constitucional do meio ambiente cultural”. (2001, p. 438). Traz-nos, portanto uma

legitimação processual de forma coletiva para ingresso em juízo. Importante lembrar

que o reconhecimento além de se dar em questões territoriais, também se dá

através da manutenção da identidade cultural e das tradições de cada comunidade.

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6 CONCLUSÃO

O direito à religião é um direito material, constitucional e metaindividual (por

interessar todos os cidadãos, tenha ele ou não uma religião). Se fizermos uma

análise de direito comparado, veremos que alguns países do mundo (democráticos

ou não) são Estados teocráticos, nos quais não observamos uma distinção entre a

legislação oficial e a “legislação” religiosa. Se formos atrás de fontes históricas,

veremos que a separação da Igreja e do Estado se deu em 1890 no Brasil, através

do Decreto 119-A, em 17 de janeiro de 1890, com o advento da República.

O nosso país possui diversas religiões e apenas um governo laico pode

garantir a devida proteção e tutela de todas. Laicidade (ou secularidade) não quer

dizer um governo amoral, mas sim um governo que seja igualitário à todos,

isonômico. O mesmo deve-se esperar do nosso judiciário. A nossa sociedade civil

mantém ainda um grau elevado de distanciamento das atividades do poder

judiciário.

Quando pensamos a religião, a crença, a possibilidade de o divino interferir na

nossa vida terrena abstraímos para um campo metafísico difícil de ser estudado com

objetividade. A tutela, as formas de proteção, a positivação nos ordenamentos, isso

é, de certa forma, fácil de citar, explicar e esclarecer. Porém estamos num campo

muito sério, num campo do saber (sim, religião pode ser vista como um saber) onde

qualquer relativização pode ser problemática. Como relativizar uma crença se quem

a adere a faz de forma absoluta? A crença é vivida pelo sujeito como cosmologia. É

difícil entendê-la apenas como doutrina e discurso, ela passa também pelo corpo,

pelo espaço e pela estética. Para se estudar temas delicados como religião,

sexualidade, visões políticas é preciso prestar atenção sempre nas entrelinhas do

discurso oficial. É fácil demonstrar e ver o Brasil como um país que respeita a

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diversidade religiosa ... mas será que respeita mesmo? Claro que se formos

questionar todo o social em frente ao legal teremos várias contradições, tensões e

incoerências. Mas estudar temas como esse também é fazer política. Não

levantando bandeira, manifestando na rua, fazendo piquete e sim mostrando através

de uma linguagem acadêmica que é preciso respeitar e entender para podermos co-

habitar esse país enorme e lindo.

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