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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ FABIO BELARMINO DOS SANTOS A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE CURITIBA 2016

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

FABIO BELARMINO DOS SANTOS

A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

CURITIBA

2016

FABIO BELARMINO DOS SANTOS

A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Clayton Reis

CURITIBA

2016

TERMO DE APROVAÇÃO

FABIO BELARMINO DOS SANTOS

A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

Esta Monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de grau de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ___ de ________________ de 2016.

Bacharelado em Direito. Universidade Tuiuti do Paraná

_________________________________ Prof. Dr. PhD Eduardo de Oliveira Leite Coordenação do Núcleo de Monografia

Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

_________________________________ Orientador: Prof. Dr Clayton Reis

Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

_________________________________ Examinador: Prof. (a). Dr. (a). Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

_________________________________ Examinador: Prof. (a). Dr. (a). Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

Dedico meu trabalho a duas pessoas de extrema importância na minha vida, à minha esposa LARYSSA, pela paciência, pelo companheirismo, por não me deixar desistir e por estar ao meu lado em todos os momentos difíceis desses longos 5 anos e todos os obstáculosque enfrentamos só me ajudaram e serviram para que meu amor e minha admissão por você aumentasse dentro do meu coração, você é meu bem mais precioso.

E ao meu querido filho FELIPE, agradeço toda compreensão que você teve comigo nos momentos em que não consegui brincar com você, pois tinha que estudar, espero que em algum dia você entenda que tudo que fiz para te dar um exemplo e que esse exemplo sirva de inspiração para sua graduação. TE AMO

“Talvez não tenha conseguido fazer o melhor, mas lutei para que o melhor fosse

feito. Não sou o que deveria ser, mas Graças a Deus, não sou o que era antes”.

(Marthin Luther King)

RESUMO

O objeto do presente trabalho é a análise da temática da responsabilidade civil da perda de uma chance, considerando não apenas as questões teóricas pertinentes à temática, mas também avançando sobre uma analítica voltada para as resoluções práticas e os entendimentos jurisprudenciais encontrados em tal esfera. Para tanto, faz-se inicialmente uma consideração prévia sobre o campo geral em que se situa a presente temática, considerando então as principais abordagens teóricas no que diz respeito à formação histórica e conceitual da responsabilidade civil. Nesta primeira abordagem nota-se que o avanço da teoria sobre a responsabilidade civil coincide com as mudanças sociais e culturais, de modo que esta não se apresenta como um ponto rígido e fixo, mas, antes, como uma questão aberta às novas dimensões da sociedade e das relações cotidianas. Isso se espelha pelas diferenciações de espécies de responsabilidade civil, como a distinção entre o elemento subjetivo e objetivo. Em um segundo momento, analisa-se com mais atenção os pressupostos da responsabilidade civil, buscando com isso fundamentar as muitas possibilidades surgidas a partir de tais questões (conduta, nexo causal, dano), criando as condições para a abordagem do tema principal. Em um último momento, faz-se a análise da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, considerando os principais contornos teóricos e práticos envolvidos. O presente trabalho pode notar que, no que diz respeito à responsabilidade civil pela perda de uma chance, há nessa antes uma prática jurídica de cunho interpretativo que uma previsão legislativa, uma vez que, em se tratando do caso brasileiro, tal teoria é aplicada por magistrados e por tribunais de forma criativa e com relação à concretude das lides, dada a lacuna normativa existente.

Palavras-Chave: Responsabilidade Civil, Perda de uma Chance, Lucros Cessantes, Responsabilidade Objetiva e Subjetiva.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 07

2 RESPONSABILIDADE CIVIL: HISTÓRICO, CONCEITO E ESPÉCIES ............... 09

2.1 BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ...................................... 09

2.2O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................. 12

2.3ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ...................................................... 14

2.3.1Responsabilidade contratual e extracontratual .................................................. 15

2.3.2Responsabilidade objetiva e subjetiva .............................................................. 18

3. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL .......................................... 23

3.1 ELEMENTOS PRESSUPOSTOS ........................................................................ 23

3.1.1Ação ou omissão ............................................................................................... 23

3.1.2Culpa ou Dolo .................................................................................................... 25

3.1.3Nexo causal ....................................................................................................... 26

3.1.4Dano .................................................................................................................. 28

4. A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE .......................................................... 30

4.1 NATUREZA JURÍDICA E CONCEITO ................................................................ 31

4.1.1A perda de uma chance de obter vantagem futura ........................................... 33

4.1.2Perda de uma chance de se evitar um prejuízo ................................................ 35

4.2 A PERDA DE UMA CHANCE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .. 36

4.3 BREVE ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE A PERDA DE UMA CHANCE

........................................................................................................................... 38

5. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 43

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 46

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1. INTRODUÇÃO

Dentre as muitas questões jurídicas presentes nos tempos contemporâneos,

a busca por assegurar a proteção de direitos tem sido uma das mais prementes.

Não apenas no que diz respeito aos direitos sociais, ambientais e políticos, mas

também houve, nas últimas décadas, uma forte tendência de proteção e ampliação

dos direitos individuais e personalíssimos. Vê-se, assim, a demanda da sociedade

por uma maior participação e intervenção do Direito em meio às relações sociais,

buscando com isso alcançar fatos e questões concretas que antes eram ou

desconhecidas ou denegadas pela própria sombra da lei.

A responsabilidade civil é sem dúvida um dos campos em que o Direito tem

se mostrado mais dinâmico e em franca evolução. A múltipla variedade de casos

concretos levados perante o Poder Judiciário todo dia acaba denotando o fato que a

responsabilidade civil apresenta uma amplitude tal de problemáticas que tanto a

teoria quanto a prática vêm-se forçadas a mobilizar-se em uma contínua renovação.

Em termos pontuais, é possível considerar os muitos processos

fundamentados na responsabilidade civil versando, por exemplo, sobre questões de

consumo, em que as relações dimensionam todo um cuidado que deve ser

apreciado pelos magistrados, uma vez que se tem a intenção de obter não apenas

um resultado final preciso, mas o estabelecimento e manutenção de uma ordem

social. De igual maneira, é possível pensar nas questões pertinentes ao direito

moral, já que este adentra esferas da intimidade e da subjetividade nas quais o

Direito tem de fazer um esforço para além de sua própria compreensão inicial

(psicologia, antropologia, sociologia) com vistas a alcançar decisões justas.

Todas essas variações e alterações encontram nítido reflexo na constante

produção teórica e prática. O que havia começado como uma teoria da

responsabilidade civil clássica, herdada de sistemas modernos europeus, passou a

ser constantemente ampliada, amparando novas temáticas, como é o caso da teoria

da responsabilidade civil objetiva.

É em meio a essa seara que se aborda a problemática da inserção da teoria

da perda de uma chance em meio ao âmbito da responsabilidade civil. Inicialmente

tomada como uma formulação meramente teórico-jurídica, a perda de uma chance

veio alcançando novos postos em meio à doutrina e, finalmente, foi recepcionada

pela prática jurisprudencial, tanto internacional quanto brasileira.

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O presente trabalho visa desenvolver uma análise sobre a gênese, os

fundamentos e os modos de aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma

chance no caso brasileiro, averiguando, com isso, quais foram os caminhos que

levaram-na do status de teoria para a esfera da aplicação e, ainda, quais são as

efetivações e as limitações dessa forma de responsabilidade civil no sistema jurídico

brasileiro.

Para tanto, o primeiro capítulo visa apresentar os pontos estruturais sobre a

compreensão de responsabilidade civil, delineando com isso os traços históricos e

conceituais que baseiam a compreensão contemporânea sobre esse instituto, bem

como realizando uma análise sobre as diferentes espécies de responsabilidade civil

existentes hoje no ordenamento e na prática jurídica.

Em um segundo momento faz-se uma abordagem mais detida sobre os

pressupostos constitutivos da responsabilidade civil, isto é, a conduta, o nexo causal

e o dano, buscando com isso analisar de que maneira tais pressupostos são

abordados de forma dinâmica para a composição de casos concretos referentes à

responsabilidade civil.

Finalmente, o terceiro capítulo é voltado exclusivamente para a análise da

responsabilidade civil pela perda de uma chance, especificando, com isso, quais as

primeiras formulações históricas desse instituto, bem como quais os aportes de

natureza jurídica e conceituais que regulamentam o entendimento, doutrinário e

jurisprudencial sobre essa questão. Ao fim, apresenta-se de que modo a

responsabilidade civil pela perda de uma chance tem se feito presente perante o

ordenamento jurídico brasileiro e, ainda, perante as decisões jurisprudenciais

existentes.

Frisa-se, ainda, que a problemática da responsabilidade civil pela perda de

uma chance tem uma variada e rica base factual, de modo que a análise aqui

realizada poderia beneficiar-se em grande monta de um trabalho mais rigoroso e

detido sobre as minúcias dos casos concretos levados ao Poder Judiciário

cotidianamente. Deste modo, resta pontuar que o presente trabalho é apenas uma

abordagem inicial que, pretende-se, continuará com mais profundas e detalhadas

análises.

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2. RESPONSABILIDADE CIVIL: HISTÓRICO, CONCEITO E ESPÉCIES

A análise do instituto da responsabilidade civil remonta a teorias que

estiveram presentes na evolução do Direito Civil desde suas primeiras formações. O

que hoje se compreende como as mais acertadas e legislativamente

regulamentadas ponderações sobre a responsabilidade civil é, em verdade, fruto de

uma série de embates argumentativos, de posicionamentos doutrinários e, ainda, de

diversas modificações advindas das relações fáticas. Nesse sentido, a análise da

responsabilidade civil é, muitas vezes, a análise de certa história do Direito, já que

não é possível pensar em um âmbito cível sem pensar em toda a estrutura do

ordenamento jurídico.

Assim, sendo, é preciso, antes de esboçar uma apresentação do conceito e

das espécies de responsabilidade civil, definir os parâmetros históricos que

remontam à formação desse instituto, pois, como se verá, a contemporânea teoria

da responsabilidade civil é fruto de uma constante e evolutiva purificação da

temática em confronto com outros âmbitos jurídicos. Só assim é possível avançar

para o traço conceitual e para as especificidades técnico-jurídicas da

responsabilidade civil.

2.1 BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Uma primeira abordagem histórica remonta o início da responsabilidade civil

como estando presente no período conhecido como Talião, época em que os danos

provocados por uma pessoa, sobretudo aqueles de cunho pessoal e patrimonial,

encontravam uma reparação sumária com a punição ao ofensor por meio de

retaliações corporais. Esta retaliação era feita de forma física, sendo que o ofensor

normalmente tinha partes do corpo decepadas, geralmente as mãos. Esta regra,

conhecida como aquela do “olho por olho, dente por dente” (ANDREASSA JÚNIOR,

2009, p. 180) prevaleceu por muito tempo em termos de “prática jurídica”. Como

bem explicita Carlos Roberto Gonçalves:

Nos primórdios da humanidade, entretanto, não se cogitava do fator culpa. O dano provocava a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras nem limitações. Não imperava, ainda, o direito. Dominava,

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então, a vingança privada, forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal. Se a reparação não pudesse acontecer desde logo, sobrevinha à vindita imediata, posteriormente regulamentada, e que resultou na pena de talião. (GONÇALVES, 2014, p. 24)

Essa regra, por mais bruta pudesse parecer, encontrava amparo em

regulamentações, como é o caso do Código de Hamurabi, que tomou corpo por volta

de 1.750 a.C, e, ainda, do Código de Manu, lei hindu que de certa forma suprimia a

vingança privada e a transferia para o âmbito de um amparo “jurisdicional” de um

poder instituído. É com os gregos, no entanto, entre os anos 1.000 e 850 a.C que

surge a mais nítida reparação intermediada por um “poder público”, sendo que tal

reparação ocorria mediada por certos princípios de justiça encontrados à época

(HIRONAKA, 2005, p. 53).

Com a formulação do Direito romano a responsabilidade civil passa a uma

nova disposição, já que a este “se atribui a origem do elemento „culpa‟, como

fundamental para reparação do dano”, substituindo-se então a velha ordem de

Talião pela Lex Aquilia, lei esta que determina a existência de três elementos como

necessários para a necessidade de reparação de um dano: a) a lesão existente; b)

que o ato danoso tenha sido contrário a uma regra de direito; e c) que o ofensor

tenha agido de forma culposa ou dolosa (PEREIRA, 1999, p. 3-5). Além desse

detalhe, o direito romano é quem regulamenta, de forma mais pontual e clara, a

proibição de reparação privada e de reparação física em muitos dos casos, como

bem pontua a doutrina:

Num estágio mais avançado, quando já existe uma soberana autoridade, o legislador veda à vítima fazer justiça pelas próprias mãos. A composição econômica, de voluntária que era, passa a ser obrigatória, e, ao demais disso, tarifada. É quando, então, o ofensor paga um tanto por membro roto, por morte de um homem livre ou de um escravo, surgindo em consequência, as mais esdrúxulas tarifações, antecedentes históricos das nossas tábuas de indenizações preestabelecidas por acidentes de trabalho. (GONÇALVES, 2014, p. 25)

A Lex Aquilia demonstrou um verdadeiro avanço em termos teóricos, ainda

que tenha mantido, em seu regramento, a possibilidade de aplicações de reparações

físicas e afins1. A dogmática da culpa, por exemplo, só surge efetivamente na Idade

1 Maria Helena Diniz pondera sobre essa questão, demonstrando que havia toda uma

regulamentação envolvendo a teoria da responsabilidade civil à época romana: “A Lex Aquilia de

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Média, fruto de outras considerações teóricas (ANDREASSA JÚNIOR, 2009, p. 181).

A estrutura romana se mantém, em sua generalidade, aplicável por muito tempo,

sendo que é no início da era moderna que o instituto da responsabilidade civil é

revisado por uma série de juristas que, por decorrência, acabam apresentando

novos formatos e novas concepções. Segundo pondera Carlos Roberto Gonçalves,

é o direito francês, por meio de sua radical inovação, aquele que trouxe novos ares

para a teoria da responsabilidade civil:

O direito francês, aperfeiçoando pouco a pouco as ideias românticas, estabeleceu nitidamente um princípio geral da responsabilidade civil, abandonando o critério de enumerar os casos de composição obrigatória. Aos poucos, foram sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos outros povos: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou da imprudência. Era a generalização do princípio aquiliano: in lege Aquilia et levíssima culpa venit, ou seja, ainda que levíssima, obriga a indenizar. A noção da culpa in abstracto e a distinção entre culpa delitual e culpa contratual foram inseridas no Código Napoleão, inspirando a redação dos arts. 1.382 e 1.383. A responsabilidade civil se funda na culpa – foi a definição que partiu daí para inserir-se na legislação de todo o mundo. (GONÇALVES, 2014, p. 26)

Esta inovação francesa gerou as bases para a teoria moderna da

responsabilidade civil, a qual o Brasil se filiou nitidamente já no tempo do Império e,

posteriormente, com o Código Civil de 1916. Muito embora uma regra geral tenha

sido formulada, as práticas jurídicas foram demandando novas especificações e

concepções, de modo que os casos concretos forçaram a responsabilidade civil a

evoluir conforme o Direito se modificava. Determinados âmbitos como aquele do

direito do trabalho, do direito do consumidor e mesmo do direito contratual

damno veio cristalizar a ideia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente. A Lex Aquilia de damno estabeleceu as bases da responsabilidade extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo, com base no estabelecimento de seu valor. Esta lei introduziu o damnum iniuria datum, ou melhor, prejuízo causado a bem alheio, empobrecendo o lesado, sem enriquecer o lesante. Todavia, mais tarde, as sanções dessa lei foram aplicadas aos danos causados por omissão ou verificados sem o estrago físico e material da coisa. O Estado passou, então, a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando à vingança. Essa composição permaneceu no direito romano com o caráter de pena privada e como reparação, visto que não havia nítida distinção entre a responsabilidade civil e a penal. Na Idade Média, com a estruturação da ideia de dolo e de culpa stricto sensu, seguida de uma elaboração da dogmática da culpa, distinguiu-se a responsabilidade civil da pena”. (DINIZ, 2010, p. 11)

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impuseram a necessidade de um contínuo avanço e aprimoramento tanto da teoria

quanto da prática da responsabilidade civil, de modo que a sua condição histórica

não encontrou um ponto de repouso, mas continua a movimentar-se de forma

dinâmica.

2.2 O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Uma tentativa de conceituação da responsabilidade civil sempre acaba sendo

direcionada para o embate entre generalidade e especificidade. Isso porque, como

se verá na continuação do presente trabalho, as minúcias e particularidades da

aplicação do instituto da responsabilidade civil acabam muitas vezes ampliando um

padrão conceitual que pretende ser universal. De qualquer forma, é preciso então

alertar que a conceituação aqui esboçada serve como estrutura geral e como

parâmetro para as demais especificidades advindas tanto em sentido prático-

legislativo, quanto em sentido teórico-doutrinário. Tendo isso em mente, é possível,

para dar mostras de uma formulação inicial, citar a definição dada por Caio Mario da

Silva Pereira quando este, ponderando sobre a responsabilidade civil na sociedade

contemporânea, afirma:

A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano. (PEREIRA, 1999, p. 10)

Muito embora seja precisa essa definição conceitual, ela deixa de fora muitos

elementos constitutivos da noção contemporânea de responsabilidade civil, de modo

que poderia, de forma pontual e precisa, resumir essa definição pela sentença de

Sergio Cavalieri Filho quando esse pontua que a responsabilidade civil é “um dever

jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um

dever jurídico originário” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 24). Essa definição dada pelo

jurista, no entanto, é então complementada por um texto mais completo, onde se

explicitam elementos que facilitam a compreensão sobre o que trata,

essencialmente, a responsabilidade civil:

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O anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante. Impera neste campo o princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão. Isso se faz através de uma indenização fixada em proporção ao dano. Indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo resto. Limitar a reparação é impor à vítima que suporte o resto dos prejuízos não indenizados. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 13)

As ponderações feitas pelo jurista vão no caminho de esclarecer um ponto

conceitual importante, ou seja, que o que pretende a responsabilidade civil, em sua

formulação contemporânea, não é a mera reparação do dano como finalidade em si

mesma, mas como uma pretensão de, pela via da reparação, alcançar um equilíbrio

que se perdeu justamente em função da existência do dano. Como bem afirma a

doutrina “um dano não reparado é um fator de inquietação social”, de tal modo que

“os ordenamentos contemporâneos buscam alargar cada vez mais o dever de

indenizar, alcançando novos horizontes, a fim de que cada vez menos restem danos

irressarcidos” (ANDREASSA JÚNIOR, 2009, p. 179).

A posição que toma a responsabilidade civil como uma reparação necessária

não apenas por dano causado a uma ou mais pessoas, mas também como uma

questão de ordem social é reforçada por grande parte da doutrina, ainda que, como

reflete Carlos Roberto Gonçalves, em sua complexidade, há muitos elementos que

motivam a doutrina da responsabilidade civil, sendo que “dentre as várias acepções

existentes, algumas fundadas na doutrina do livre-arbítrio, outras em motivações

psicológicas, destaca-se a noção de responsabilidade como aspecto da realidade

social” (GONÇALVES, 2014, p. 19).

Há, ainda, em se tratando do quesito conceitual, um elemento de

diferenciação que é fundamental para a constituição da noção contemporânea de

responsabilidade civil. Enquanto em tempos passados a responsabilidade civil era

tomada como uma reparação de cunho quase que exclusivamente patrimonial –

ainda que essa noção de “patrimônio” também se estendesse para o corpo – nos

tempos modernos essa reparação abrange mais elementos, uma vez que “os

princípios da responsabilidade civil buscam restaurar um equilíbrio patrimonial e

moral violado” (ANDREASSA JÚNIOR, 2009, p. 179), ou seja, trata-se, de igual

maneira, de uma reparação de cunho tanto concreto (material) quanto abstrato

(moral). É com base nessa noção que Maria Helena Diniz afirma que:

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Poder-se-á definir a responsabilidade como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. (DINIZ, 2007, p. 33)

Esta definição traz à tona a questão da separação entre duas formas de

danos reconhecidas pela contemporânea teoria dos danos morais, ou seja, a

diferenciação entre dano moral e dano material. É importante destacar que, muito

embora se fale em responsabilidade de forma geral, como faz Maria Helena Diniz, a

responsabilidade civil é, conceitualmente, uma dentre muitas responsabilidades

existentes no Direito2.

Assim posto, é possível pontuar que a responsabilidade civil, ramo advindo da

seara do direito civil, abrange uma série de outras vertentes jurídicas, tais como o

direito do consumidor e o direito do trabalho, aplicando-se, também nessas áreas, o

conceito geral atribuído ao instituto da responsabilidade civil, isto é, como a

obrigação de reparar dano causado a outrem, seja ele concreto ou abstratamente

percebido, com vistas de restituir, tanto quanto possível, a condição prejudicada à

condição que esta tinha antes do dano. Uma vez pontuada essa questão conceitual,

já é possível passar então, para o tratamento das especificidades e particularidades

da responsabilidade civil na realidade jurídica brasileira.

2.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

O conceito de responsabilidade civil deixa muitas questões abertas, pois, em

uma breve análise das relações sociais cotidianas, nota-se que a responsabilidade

possui diferenças entre âmbitos e espécies. Para a presente análise, importa

demarcar os elementos centrais pertinentes às espécies de responsabilidade civil.

Contudo, é preciso pontuar a diferença entre a existência de dois âmbitos de

responsabilidade enquanto obrigação de reparação de dano causado no Direito

2 Nesse sentido, é valiosa a lição dada por Silvio de Salvo Venosa: “O termo responsabilidade é

utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deve arcar com as consequências de um ato, ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o deve de indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar” (VENOSA, 2003, p. 13)

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contemporâneo. Trata-se, assim, de uma responsabilidade civil e uma

responsabilidade penal. A responsabilidade penal, regida pelo artigo 129, § 6º e

artigo 121, § 3º do Código Penal, visa encontrar forma de processamento, análise e

julgamento nos casos em que o dano causado se encontra em um âmbito pertinente

ao direito penal. Para Aguiar Dias, o fundamento que embase a responsabilidade em

âmbito penal “é quase o mesmo fundamento da responsabilidade civil”, sendo que

“as condições em que surgem é que são diferentes, porque uma é mais exigente do

que a outras” (AGUIAR DIAS, 1997, p. 34), sendo, nesse caso, a esfera penal

notoriamente mais exigente, dadas as conseqüências destas advindas. Não se

exclui, no entanto, a possibilidade de que um mesmo fato possa suscitar ambas as

formas de responsabilidade, como pontua a doutrina:

Assim, certos fatos põem em ação somente o mecanismo recuperatório da responsabilidade civil; outros movimentam tão somente o sistema repressivo ou preventivo da responsabilidade penal; outros, enfim, acarretam a um tempo, a responsabilidade civil e a penal, pelo fato de apresentarem, em relação a ambos os campos, incidência equivalente, conforme os diferentes critérios sob que entram em função os órgãos encarregados de fazer valer a norma respectiva. (AGUIAR DIAS, 1997, p. 34)

Feita essa distinção, é possível então abordar aqui apenas os elementos e

espécies que dizem respeito à esfera da responsabilidade civil, pontuando, no

entanto, que a análise sobre a responsabilidade civil sobre a perda de uma chance

não abordará aqui, nenhum aspecto do âmbito penal.

2.3.1 Responsabilidade contratual e extracontratual

No que diz respeito à existência de um dano a ser reparado pela via da

responsabilidade civil, há que se analisar, segundo a doutrina, a jurisprudência e a

legislação brasileira, se tal dano é decorrente de uma ou outra forma de relação. Em

termos de direito civil, as relações podem ser marcadas por uma relação contratual

ou por uma relação extracontratual. Essa diferenciação entre duas espécies é fruto

de uma evolução legislativa moderna, de modo que:

No direito clássico já se desenvolvia tendência entre os juristas para colocar o estudo da responsabilidade contratual e extracontratual em plano unitário,

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sabido que o fundamento comum de ambas era o dano. Contudo, no campo legislativo sempre prevaleceu a tese dualista. Os códigos civis, de um modo geral, disciplinam em esferas distintas as duas responsabilidades. Na verdade, a prática forense tem mostrado a necessidade da diversificação, sobretudo em matéria de prova e de liquidação do dano. (MONTENEGRO, 1996, p. 9)

A diferença entre essas duas espécies é fundamental para a estrutura do

direito civil contemporâneo3, pois, como pontua bem o doutrinador, uma advém de

uma relação com características marcadas pela determinação de aspectos formais

evidentes, enquanto a outra depende de uma averiguação diferenciada.

Em termos pontuais, a responsabilidade civil contratual, geralmente

decorrente de uma relação negocial, advém sempre de um descrumprimento de um

acordo ou contrato, bem como de suas condições previamente estipuladas. Assim,

uma vez ocorrido tal “dano”, ocorre a necessidade de reparação, usualmente por

questões como o inadimplemento, o atraso ou mesmo o mau cumprimento das

relações negociais (NORONHA, 2003, p. 499). Em termos conceituais, a

responsabilidade civil contratual é usualmente diferenciada pelas especificidades de

sua existência, isto é, em geral as partes que estão envolvidas na formação dessa

espécie de responsabilidade civil já mantiveram um contato inicial e prévio ao fato

danoso, como bem explicita a doutrina:

Com efeito, para caracterizar a responsabilidade civil contratual, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p. 19-20)

A dinâmica que produz a necessidade de reparação por decorrência de uma

responsabilidade civil contratual tem uma evidência mais clara e pontual, isto é,

sabe-se que, na maior parte dos casos, os sujeitos envolvidos, de uma forma ou de

outra, estabeleceram um contato que determinou regras que, posteriormente, vieram

3 É preciso ressalvar, como faz Carlos Roberto Gonçalves, que há uma tendência que se posiciona

de forma diversa a essa concepção dualista: “Há quem critique essa dualidade de tratamento. São os adeptos da tese unitária ou monista, que entendem pouco importar os aspectos sob os quais se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico, pois uniformes são os seus efeitos. De fato, basicamente as soluções são idênticas para os dois aspectos. Tanto em um como em outro caso, o que se requer, em essência, para a configuração da responsabilidade são estas três condições: o dano, o ato ilícito e a causalidade, isto é, o nexo de causa e o efeito entre os primeiros elementos. Esta convicção é, hoje, dominante na doutrina. Nos códigos de diversos países, inclusive no Brasil, tem sido, contudo, acolhida a tese dualista ou clássica, embora largamente combatida”. (GONÇALVES, 2014, p. 45)

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a ser quebradas e, por decorrência, causaram danos a uma das partes. Aplica-se,

para estes casos, dentre outros dispositivos legais, o artigo 389 do Código Civil, que

prescreve que “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos,

mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente

estabelecidos, e honorários advocatícios”. A ideia de perdas e danos é o que articula

a responsabilidade civil contratual na ótica desse artigo.

Contudo, “quando a responsabilidade não deriva de contrato, diz-se que ela é

extracontratual” (GONÇALVES, 2014, p. 44). Nesses casos, a regra geral prediz que

as partes envolvidas não possuíam, necessariamente, nenhum tipo de contato ou

conhecimento prévio ao fato causador do dano que deverá ser reparado. Esta é

geralmente regida pela lógica do artigo 186 do Código Civil, o qual determina que:

“aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar

direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

A doutrina diferencia essas duas espécies de responsabilidade civil pela estrutura

previamente existente quando no momento do dano que deverá ser reparado:

Na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal, e, na contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Nesta, existe uma convenção prévia entre as partes que não é cumprida. Na responsabilidade extracontratual, nenhum vínculo jurídico existe entre a vítima e o causador do dano, quando esta pratica o ato ilícito. (GONÇALVES, 2014, p. 44)

Muito embora pareçam simples as primeiras diferenciações entre as duas

espécies, em um âmbito prático, alguns elementos se sobressaem quando se

analisa as minúcias de cada uma. Uma questão sempre apresentada pela doutrina

diz respeito à produção de provas, temática essa que suscita mais intensamente as

diferenciações:

Em matéria de prova, por exemplo, na responsabilidade contratual, demonstrado pelo credor que a prestação foi descumprida, o onus probandi se transfere para o devedor inadimplente, que terá que evidenciar a inexistência de culpa de sua parte, ou a presença de força maior, ou outra excludente de responsabilidade capaz de eximi-lo do dever de indenizar, enquanto, se for aquiliana [extracontratual] a responsabilidade, caberá à vítima o encargo de demonstrar a culpa do agente causador do dano. (RODRIGUES, 2002, p. 10)

A questão do onus probandi produz muitas problemáticas em todo direito civil

e processual civil. No caso da responsabilidade civil, este é demarcado em função

18

da origem do dano, como apresentou a citação supramencionada. Outros elementos

poderiam ser trazidos para o debate, como por exemplo a questão sobre a

capacidade jurídica dos sujeitos partícipes de uma ação causadora de um ato

passível de reparação por decorrência de uma responsabilidade civil, já que há uma

diferença entre capacidades contratuais e extracontratuais. Em suma, no entanto, é

preciso marcar o fato que estas espécies ocorrem em âmbitos muitas vezes

similares, pois operam com os mesmos elementos (dano, ilícito, reparação) e ainda

assim preservam algumas diferenças sensíveis.

2.3.2 Responsabilidade objetiva e subjetiva

A diferenciação entre responsabilidade subjetiva e objetiva é uma decorrência

do avanço não apenas do Direito, mas, de igual maneira, das muitas variações

ocorridas na sociedade. Em termos de reflexos para a prática forense e para o maior

número de questões a serem suscitadas em um âmbito jurídico, a diferença entre

responsabilidade objetiva e subjetiva é sem dúvida a que mais tem alimentado

debates.

Sabe-se que há três elementos constitutivos da noção contemporânea de

responsabilidade civil, sendo eles: a) conduta culposa; b) nexo causal entre o fato

ocorrido e o prejuízo causado; e c) o dano. A diferença entre as supramencionadas

espécies de responsabilidade repousa justamente na análise sobre esses três

elementos. O artigo 186, mencionado anteriormente, é o responsável pela inserção

desses três elementos no âmbito do direito civil, pois é este que, na visão de Sérgio

Cavalieri Filho, destaca com precisão os três elementos:

a) conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão „ aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia‟; b) nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e c) dano, revelado nas expressões „ violar direito ou causar dano a outrem‟. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 30)

Os sentidos emanados da leitura desses três elementos remontam a uma

formulação muito precisa sobre a responsabilidade civil, já que, na ótica do

mencionado artigo 186, é preciso que se identifique a existência de culpa para se

reconhecer a estrutura que mobiliza a necessidade de reparação. Esse é o ponto

19

crucial que faz emanar a diferença entre a responsabilidade civil subjetiva e objetiva,

uma vez que a espécie subjetiva impõe uma maior ênfase na questão da culpa. Em

conjunto com o já mencionado artigo 186, lê-se então a lógica descrita no artigo 927

do Código Civil, o qual dá os contornos gerais da responsabilidade civil subjetiva

quando afirma que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a

repará-lo”. Ora, nesse sentido, para a configuração de responsabilidade civil de tipo

subjetivo é preciso que se faça demonstrar a existência de culpa do agente

causador do dano, pois só assim é ensejada a imputabilidade e, por conseguinte, a

obrigação de reparação do dano (ANDREASSA JÚNIOR, 2009, p. 183). Em leitura

sobre essa questão a doutrina assevera que

A partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil. Por violação de direito deve-se entender todo e qualquer direito subjetivo, não só os relativos, que se fazem mais presentes no campo da responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos, reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 18)

Sabe-se que a responsabilidade civil subjetiva era a teoria predominante por

muito tempo em toda lógica da responsabilidade civil. De acordo com essa

perspectiva, o pensamento assumido era que “em não havendo culpa, não há

responsabilidade”, de tal modo que “a prova da culpa do agente passa a ser

pressuposto necessário do dano indenizável” (GONÇALVES, 2014, p. 48). O que

precisava ser determinado, então, era o sentido de culpa, uma vez que, como se

pôde analisar pela leitura do artigo 186, este sentido vai além de uma concepção

generalista e simples. Em um primeiro momento, foi necessário distinguir a noção de

culpa usada em âmbito civil daquela de dolo, já que, em se tratando de

responsabilidade civil, não é exclusiva a necessidade de se demonstrar o dolo

(intenção consciente) do agente causador do dano, mas basta, muitas vezes,

demonstrar que este agiu dentro de uma gama de possibilidades que ensejam a

culpa em sentido amplo. Nesse sentido, explica a doutrina:

A culpa civil em sentido amplo abrange não somente o ato ou conduta intencional, o dolo (delito, na origem semântica e histórica romana, mas também os atos ou condutas eivados de negligência, imprudência ou imperícia, qual seja, a culpa em sentido estrito (quase-delito). Essa distinção, modernamente, já não possui maior importância no campo da

20

responsabilidade. Para fins de indenização, importa verificar se o agente agiu com culpa civil, em sentido lato, pois como regra, a intensidade do dolo ou da culpa não deve graduar o montante da indenização. A indenização deve ser balizada pelo efetivo prejuízo. (VENOSA, 2004, p. 28)

Essa é a concepção que se encontra presente na extensão do artigo 186,

pois culpa é então entendida para além da mera delimitação do dolo. A

responsabilidade civil subjetiva tinha como escopo a determinação de elementos

pressupostos de maneira muitas vezes entendida como demasiada formal. Segundo

o entendimento clássico, “o ressarcimento do prejuízo não tem como fundamento

um fato qualquer do homem; tem cabida quando o agente procede com culpa”

(PEREIRA, 2000, p. 32).

Essa formulação, no entanto, encontrou problemas em alcançar todos os

casos existentes, uma vez que em muitas questões práticas levadas ao Poder

Judiciário a culpa era, quando não absolutamente impossível de ser provada, de

difícil acesso para a vítima lesada que precisava demonstrar, segundo a ótica do

artigo 373 do Novo Código de Processo Civil, que o dano havia sido causado, em

relação de nexo causal, por um agente em ação culposa4. É por meio dessa

condição lacunar e faltosa da responsabilidade civil subjetiva, que se mostra

insuficiente em muitos casos, que a doutrina e a jurisprudência passaram a

mobilizar-se em prol de uma nova acepção para esses casos não abrangidos pela

espécie subjetiva. Sobre essa gênese, explica a doutrina:

A multiplicação das oportunidades e das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação. Esta, com efeito, dentro da doutrina da culpa, resulta da vulneração de norma preexistente, e comprovação do nexo causal entre o dano e a antijuridicidade da conduta do agente. Verificou-se, que nem sempre o lesado consegue provar estes elementos. Especialmente a desigualdade econômica, a capacidade organizacional da empresa, as cautelas do juiz na aferição dos meios de prova trazidos ao processo nem sempre lograram convencer a existência da culpa, e em conseqüência a vítima remanesce não indenizada, posto se admita que foi efetivamente lesada. Impressionados com essa situação, juristas de escol (salvo os irmãos Mazeuad, ferrenhos opositores da teoria) se rebelaram contra os termos restritivos do art. 1.382 do Código Napoleão (Gaston Morin, Saleilles, Josserand, Georges Ripert), e por via de processo hermenêutico entraram a buscar técnicas hábeis a desempenhar mais ampla cobertura para a reparação do dano. (STOCO, 1997, p. 64)

4 O artigo 373 do Novo Código de Processo Civil pontua que “o ônus da prova incumbe: I – ao autor,

quanto ao fato constitutivo de seu direito”. Em termos de responsabilidade civil de tipo subjetiva, isso significava a obrigação do sujeito lesado de poder demonstrar a existência de dano, de nexo causal e de culpa por parte do sujeito que causou o prejuízo.

21

Os movimentos a que aduz o doutrinador dizem respeito à luta pelo

reconhecimento de uma “presunção de culpa” em casos em que a culpa não podia

ser efetivamente demonstrada. O âmbito era ainda aquele da teoria da

responsabilidade civil subjetiva, mas acrescida agora de um novo signo

interpretativo, ou seja, da presunção de culpa, sendo que esta modalidade surgiu

pela primeira na França vez nos casos referentes a acidentes ferroviários, bem como

em acidentes de trabalho no século XIX. Ao longo dos séculos XIX e XX muitos

foram os esforços da doutrina em demonstrar, pela via crítica, a dificuldade que

muitos casos concretos encontravam em demonstrar o elemento da culpa, sendo

que a “presunção”, embora válida como instrumento solucionador para algumas

lides pontuais, não servia enquanto estrutura para uma concepção geral.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência passaram a reconhecer a

necessidade de se teorizar uma espécie de responsabilidade civil que fosse além

das dimensões da espécie subjetiva. Considerou-se, então, seguindo a tendência já

iniciada pela “presunção de culpa”, analisar casos de responsabilidade civil se

encontraria presente sem que o elemento da culpa fosse aquele mais importante

para a constituição dessa mesma responsabilidade. Surge então a teoria da

responsabilidade civil objetiva.

Uma vez que o elemento da culpa já não ocupava um posto central na teoria

da responsabilidade civil objetiva, esta precisava encontrar um ancoradouro, sendo

que tal base é dada pela determinação legal. Como explica Carlos Roberto

Gonçalves, “a lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a

reparação de um dano independentemente de culpa”, sendo que “quando isto

acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou objetiva” (GONÇALVES, 2014, p.

48). No caso brasileiro, esta teoria foi recepcionada pelo Código Civil de forma muito

pontual, como pondera a doutrina:

A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que autorize ou no julgamento do caso concreto, na forma facultada pelo parágrafo único do artigo 927. Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva. (VENOSA, 2007, p. 14)

O requisito formal para a existência de responsabilidade civil objetiva,

portanto, é a expressa previsão legal. No caso brasileiro, essa é inserida pelo

parágrafo único do artigo 927 do Código Civil que consta com o seguinte texto:

22

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A previsão do referido dispositivo legal encontra aplicabilidade, por exemplo,

nos casos dispostos pelo Código do Consumidor, sobretudo aqueles presentes entre

o artigo 8º ao 28º, onde o fornecedor, fabricante ou comerciante é responsável por

indenizar em caso de danos causados pelo produto ou serviço, independentemente

de aferição de culpa.

Além disso, há também no parágrafo único do artigo 927 a previsão sobre a

questão pertinente ao risco, uma questão que será explorada no próximo capítulo,

dada a relação com os pressupostos para a formulação da teoria da

responsabilidade civil sobre a perda de uma chance.

Ao fim, sobre as espécies de responsabilidade civil, é possível dizer que

essas foram fruto de uma evolução não apenas do âmbito em que se inscrevem, ou

seja, do próprio direito civil, mas são atribuídas à evolução de todo Direito. A teoria

da responsabilidade civil objetiva, por exemplo, decorrente de uma evolução da

presunção de culpa, é a mostra mais evidente dessas modificações, onde a

responsabilidade civil passa a abarcar questões que, em um primeiro momento,

encontravam-se alheias às suas capacidades e aos seus conhecimentos.

23

3. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Buscar compreender quais elementos sustentam a teoria da responsabilidade

civil pela perda de uma chance demanda compreender as estruturas estáticas e

dinâmicas da responsabilidade civil como um todo. No primeiro capítulo abordaram-

seas estruturas estáticas, isto é, as espécies de responsabilidade civil, seu

fundamento conceitual e seus antecedentes históricos.

O presente capítulo visa analisar as estruturas dinâmicas, ou seja, aqueles

elementos que, mais do que sustentar a aplicabilidade da responsabilidade civil em

um âmbito prático-jurídico, são usualmente mencionados quando casos concretos

mais complexos e pouco usuais são confrontados pelo Poder Judiciário. Com isso,

pretende-se abrir caminho entre os pontos lacunares e as questões controversas

para que se possa demonstrar como existe uma organicidade sempre presente no

âmbito da responsabilidade civil, sendo que é justamente tal organicidade que dá

abertura para a tratativa da teoria da perda de uma chance.

3.1 ELEMENTOS PRESSUPOSTOS

Os elementos que compõem a responsabilidade civil, anteriormente

mencionados, não deixam de oferecer um constante debate tanto em uma esfera

doutrinária quanto em uma esfera jurisprudencial. Muito embora o artigo 186 indique

quais são os elementos basilares que devem estar presente na constituição da

responsabilidade civil, estes dependem de uma melhor qualificação, pois é preciso

marcar as variantes existentes entre, por exemplo, ação e omissão, culpa e dolo e,

ainda, entre as muitas noções de nexo de causalidade e as questões pertinentes ao

dano.

3.1.1 Ação ou omissão

Para o Direito, o conceito de ação capaz de ensejar uma lide só pode ser

assim atribuída quando esta estiver compreendida dentro de um campo de

acontecimentos pertinentes. Nem toda ação humana é causadora de uma

24

consequência jurídica e, de igual maneira, nem toda ação capaz de produzir efeitos

jurídicos é, necessariamente, uma ação estritamente “humana”. Nesse sentido,

pondera Maria Helena Diniz:

A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado. (DINIZ, 2007, p. 38)

Nota-se, então, a existência de ao menos três âmbitos quando se considera a

ação capaz de suscitar a obrigação de reparação por responsabilidade civil. A

primeira diz respeito à ação humana estritamente considerada, ou seja, aqueles atos

que partem de cada indivíduo juridicamente capaz. Estão compreendidos nesses

atos, por exemplo, aqueles mais elementares, como a ofensa física ou a destruição

de uma propriedade alheia, como também atos como a calúnia, a difamação e a

injúria, sendo esses considerados como “atos próprios” e, portanto, considerados

capazes de ensejar a obrigação de reparação.

A responsabilidade por ato de terceiros, no entanto, abrange uma outra gama

de acontecimentos, considerando-se aqui aquelas conseqüências advindas de um

dever de observância, cuidado ou zelo, já que o que se encontra em voga é a

questão da “responsabilidade” de um sujeito por outros sujeitos, sejam eles capazes,

sejam eles incapazes. Sobre esse ponto, esclarece a doutrina:

A responsabilidade por ato de terceiro ocorre nos casos de danos causados pelos filhos, tutelados e curatelados, ficando responsáveis pela reparação os pais, tutores e curadores. Também o empregador responde pelos atos de seus empregados. Os educadores, hoteleiros e estalajadeiros, pelos seus educandos e hóspedes. Os farmacêuticos, por seus prepostos. As pessoas jurídicas de direito privado, por seus empregados, e as de direito público, por seus agentes. E, ainda, aqueles que participam do produto de crime. (GONÇALVES, 2014, p. 53)

Em se tratando dos limites da ação, por fim, é preciso mencionar a

responsabilidade que cada sujeito tem pelos fatos decorrentes de ações causadas

por seus animais e coisas, sendo que esta responsabilidade é considerada objetiva,

isto é, “independe de prova de culpa”, uma vez que “isto se deve ao aumento do

número de acidentes e de vítimas, que não devem ficar irressarcidas, decorrente do

grande desenvolvimento da indústria e de máquinas” (GONÇALVES, 2014, p. 53).

25

Omissão, nesse sentido, é compreendida dentro de um espaço de

acontecimentos vislumbrados, de modo geral, como “ação”. Isso porque o descuido

de um pai para com as ações do filho é decorrência, em sentido estrito, de uma

omissão, por mais que algumas teorias queiram ver nesse fato a existência de uma

ação. A mesma lógica é válida para os prejuízos causados por animais ou coisas,

uma vez que o responsável, seja ele pessoa física ou jurídica, é assim

responsabilizado mais precisamente por uma omissão que por uma ação. A questão

presente na diferenciação entre ação e omissão, por sua vez, engloba a análise

sobre a diferenciação entre culpa e dolo.

3.1.2 Culpa ou Dolo

Usualmente, um conceito amplo é utilizado para introduzir as noções de culpa

e dolo, isto é, a ideia de conduta. Isso porque conduta abrange aqueles

comportamentos humanos considerados voluntários e, portanto, sendo tanto ações

quanto omissões, por sua vez comportando tanto os aspectos físicos quanto

psicológicos (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 42-43). A conduta, no entanto, é capaz de

ensejar uma responsabilidade civil quando se trata de uma questão que envolve a

modalidade objetiva, mas não é suficiente, em sua caracterização, quando se trata

de responsabilidade civil subjetiva.

Nesses casos, é necessária a comprovação de um elemento a mais, isto é, a

culpa lato sensu, esta compreendendo a culpa stricto sensu e o dolo. Segundo

Gonçalves, “todos concordam em que o art. 186 do Código Civil cogita do dolo logo

no início: „ação ou omissão voluntária‟, passando, em seguida, a referir-se à culpa:

„negligência ou imprudência‟” (GONÇALVES, 2014, p. 53). A diferença pode ser

descrita de modo pontual: no dolo o sujeito quer, com uma ação, atingir um

determinado resultado, sendo esse resultado o dano causado, enquanto na culpa

stricto sensu, o sujeito quer apenas realizar uma ação e o resultado danoso é uma

consequência de maneira acidental decorrente de alguma espécie de falta de

cuidado (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 49-54). A doutrina assim pontua:

Tanto no dolo como na culpa há conduta voluntária do agente, só que no primeiro caso a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico – o dolo abrange a conduta e o

26

efeito lesivo dele resultante –, enquanto no segundo a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se devia dos padrões socialmente adequados. (GONÇALVES, 2014, p. 325)

As variações e questões mais complexas não advêm tanto do dolo, uma vez

que a ocorrência desse, quando possível de ser comprovada, tem uma característica

de maior evidência. A culpa stricto sensu, no entanto, gera maiores debates. A

doutrina faz uma distinção, por exemplo, entre culpa “leve”, sendo essa a

considerada aquela em que “a falta é evitável com atenção ordinária” e a culpa

“levíssima”, onde “é a falta só evitável com atenção extraordinária, com especial

habilidade ou conhecimento singular” (GONÇALVES, 2014, p. 53-54). Fala a

doutrina, ainda, em uma diferença entre formas de culpa, sendo estas:

A culpa in elegendo é a que decorre da má escolha do representante ou preposto. In vigilando é a que resulta da ausência de fiscalização sobre pessoa que se encontra sob a responsabilidade ou guarda do agente. E in custodiendo é a que decorre da falta de cuidados na guarda de algum animal ou objeto. (...) A culpa in comittendo ou in faciendo resulta de uma ação, de um ato positivo do agente. A culpa in omittendo decorre de uma omissão, só tendo relevância para o direito quando haja o dever de não se abster. (GONÇALVES, 2014, p. 329)

Todas essas formas de culpa auxiliam no momento de análise de um caso

fático e servem como estrutura para decisões relevantes. Além disso, orientam a

formulação de esclarecimentos sobre pontos controversos e que necessitam de

debate crítico por parte da doutrina.

3.1.3 Nexo causal

A doutrina parece concordar que, muito embora a questão sobre o nexo

causal apresente-se como aparentemente fácil e simples, em uma análise mais

detida, essa demonstra ser árdua e complexa:

Uma das condições essenciais à responsabilidade civil é a presença de um nexo causal entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. É uma noção aparentemente fácil e limpa de dificuldade. Mas se trata de mera aparência, porquanto a noção de causa é uma noção que se reveste de um aspecto profundamente filosófico, além das dificuldades de ordem prática, quando os elementos causais, os fatores de produção de um prejuízo, se multiplicam no tempo e no espaço. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p. 85)

27

Como bem pontua a doutrina, para além dos fatores externos ao direito que

adentram na análise do nexo causal, há que se considera que “em razão do

aparecimento de concausas, a pesquisa da verdadeira causa do dano nem sempre

é fácil” (GONÇALVES, 2014, p. 359).

A importância da determinação do nexo causal, no entanto, percorre toda a

responsabilidade civil, pois esta “é o liame que une a conduta do agente ao dano”,

sendo que “é por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o

causador do dano” (VENOSA, 2004, p. 45), isso independente da modalidade que

se analisa, seja ela contratual ou extracontratual, subjetiva ou objetiva.

Formularam-se, para isso, teorias que visavam auxiliar na determinação do

nexo causal, tal como a teoria da equivalência das condições, a qual defendia que

todas as circunstâncias envolvidas na produção do dano deveriam ser entendidas

como causa, não considerando como relevante a importância dessas para a

produção mesma do evento lesivo (NORONHA, 2003, p. 589). Esta teoria foi

amplamente criticada por não apresentar precisão suficiente.

Postulou-se, então, a teoria da causalidade adequada, a qual apontava que

apenas a causa tida como principal deveria nortear a formulação do nexo, contudo

esta também foi julgada insuficiente, sendo então substituída pela teoria da

causalidade direta ou imediata, a qual, de forma mais precisa, afirmou que o nexo

causal deveria ser determinado por uma relação de causa e efeito direto e imediato.

Não há ponto passivo no entendimento da doutrina, sendo que, segundo algumas

posições, as teorias indicadas são aplicadas em conformidade com os casos

concretos apresentados:

À luz do exposto é forçoso concluir que, não obstante as teorias existentes sobre o nexo causal e tudo quanto já se escreveu sobre o tema, o problema da causalidade, como ressaltamos, não encontra solução jurídica numa fórmula simples e unitária, válida para todos os casos. Esta ou aquela teoria fornece apenas um rumo a seguir, posto que a solução do caso concreto sempre exige do julgador alta dose de bom senso prático e da justa relação das coisas; em suma, é imprescindível um juízo de adequação, a ser realizado com base na lógica razoável. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 72)

Há, ainda, que se mencionar que as excludentes de responsabilidade civil

muitas vezes recaem sobre a observância do nexo causal, já que casos como da

legítima defesa, do exercício regular do direito ou do estrito cumprimento legal

28

rompem com um vínculo capaz de produzir uma relação de causalidade capaz de

instaurar a obrigação de reparação por responsabilidade civil.

3.1.4 Dano

O dano é elemento essencial para a composição de obrigação de reparação

em sede de responsabilidade civil, uma vez que este é o próprio prejuízo sofrido

pela vítima que deve ser ressarcida. A doutrina é enfática nesse ponto, pois se não

houvesse dano, não haveria nada para se indenizar e, por conseguinte, não haveria

responsabilidade (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p. 110).

Em um primeiro momento, a teoria da responsabilidade civil não previa a

possibilidade de reparação de outros danos que não fossem aqueles entendidos

como materiais. A evolução do Direito como um todo, entretanto, considerou

necessário diferenciar duas formas de danos pertinentes à responsabilidade civil,

isto é, o dano material – aquele que afeta o patrimônio do ofendido – e o dano moral

– aquele que ofende em sua pessoa, sem atingir, a princípio, nenhum patrimônio –.

Como bem esclarece a doutrina:

Quando ainda não se admitia o ressarcimento do dano moral, conceituava-seo dano como sendo a efetiva diminuição do patrimônio da vítima. Hoje,todavia, esse conceito tornou-se insuficiente em face do novoposicionamento da doutrina e da jurisprudência em relação ao dano morale, ainda, em razão da sua natureza não-patrimonial. Conceitua-se, então, odano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquerque seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se tratede um bem integrante da própria personalidade da vítima, como sua honra,a imagem, a liberdade, etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico,tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano empatrimonial e moral. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 96)

Independente de qual espécie, seja ele material ou moral, o dano é conditio

sine qua non para a determinação da existência de obrigação de reparação, de

modo que sua comprovação é imprescindível para a definição de uma lide no âmbito

da responsabilidade civil. Para além dessas duas espécies (material e moral), a

doutrina ainda faz outra diferenciação, entre dano direto e indireto, asseverando que:

O dano pode ser, ainda, direito ou indireto (ou reflexo). Este é também denominado “dano em ricochete” e se configura quando uma pessoa sofre o reflexo de um dano causado a outrem. É o que acontece, por exemplo,

29

quando o ex-marido, que deve à ex-mulher ou aos filhos pensão alimentícia, vem a ficar incapacitado para prestá-la, em consequência de um dano que sofreu. Nesse caso, o prejudicado tem ação contra o causador do dano, embora não seja ele diretamente atingido, porque existe a certeza do prejuízo. (GONÇALVES, 2014, p. 368)

Em termos conceituais, o dano é tomado como “sendo a lesão a um interesse

jurídico tutelado patrimonial ou não, causado por ação ou omissão de sujeito infrator”

(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p. 36). Nesse sentido, não há que se

pensar em dano sobre algo que não receba a tutela judicial ou, ainda, dano que não

possa, de uma ou outra forma, ser mensurado na análise de eventual obrigação de

reparação.

30

4. A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

Dentre os muitos avanços e evoluções ocorridos no âmbito da

responsabilidade civil, alguns não estavam voltados para a reestruturação de

elementos fundamentais (conduta, nexo causal ou dano), mas diziam respeito à

necessidade do Direito em amparar, mediar e solucionar casos que não eram

acolhidos pelo Poder Judiciário.

Um caso emblemático é aquele da perda de uma chance, uma vez que,

conforme teorias clássicas da responsabilidade civil, esta não poderia ser motivo de

uma lide judicial e, por conseguinte, não poderia produzir os efeitos jurídicos de

obrigação de reparação próprios da noção de responsabilidade.

Ao que tudo indica, a primeira vez que a perda de uma chance (perte d’une

chance)foi considerada como passível de instruir um processo judicial deu-se na

França, em 17 de julho de 1889, quando a Corte de Cassação acabou por indenizar

um requerente, pois um oficial ministerial teria agido de forma culposa contribuindo

para a extinção de todas as possibilidades do requerente alcançar o êxito da causa

(SILVA, 2009, p. 10-11). Esse caso dizia respeito a uma questão antes processual

que propriamente factual, de modo que a perda de uma chance como questão fática

chegou à França apenas na década de 60 do século XX5.

Assim, apesar desse antecedente ocorrido no século XIX, é possível afirmar

que a questão sobre a perda de uma chance é realmente abordada teoricamente no

século XX, uma vez que “a problemática da responsabilidade civil por perda de uma

chance foi objeto de estudo na Itália, em 1940, com Giovanni Pacchioni, professor

da Università di Milano” (SAVI, 2012, p. 7). Os ensinamentos do jurista italiano

levaram a considerações sobre a natureza jurídica da perda de uma chance com

relação à responsabilidade civil, sobretudo porque Pacchioni fornecia exemplos

plausíveis e reais que vinham ocorrendo sem que o Direito viesse a socorrê-los, uma

5 O jurista Miguel Kfouri Neto comenta essa questão com mais detalhes: “O primeiro julgado, na

França, que inaugura a jurisprudência sobre a perda de uma chance, é da 1ª Câmara da Corte de Cassação, reapreciando caso julgado pela Corte de Apelação de Paris, de 17.07.1964. O fato ocorreu em 1957. Houve um erro de diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se em 1ª instância que, entre o erro do médico e as graves conseqüências (invalidez) do menor não se podia estabelecer de modo preciso um nexo de causalidade. A Corte de Cassação assentou que: „Presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir à responsabilidade‟. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação de o médico haver perdido uma „chance‟ de agir de modo diverso – e condenou – o a uma indenização de 65.000 francos”. (KFOURI NETO, 2003, p. 53)

31

vez que a estrutura jurídica da época não possuía os instrumentos para assegurar a

inclusão desses casos6.

Conjuntamente com os posicionamentos doutrinários advindos da Itália,

também na França encontraram-se tentativas de formular questões e instrumentos

para se considerar a problemática da perda de uma chance, sendo que é então que

se formula a teoria de modo mais sistemático, uma vez que buscava-se afastar as

dificuldades de, em situações específicas, estabelecer o nexo causal entre a

conduta de um agente e o dano advindo de tal conduta (GONDIM, 2005, p. 21).

Inicialmente, os casos analisados na França eram voltados, em geral, para questões

médicas e afins, passando, posteriormente, a serem considerados de forma geral.

Em uma tentativa de sistematizar os pressupostos para a análise da teoria da perda

de uma chance, a doutrina italiana enuncia alguns elementos reguladores:

Para defender a indenização das chances perdidas no direito italiano, Bocchiola analisa alguns julgados de outros países que a admitem e chega às seguintes conclusões: (i) nestes casos, não se concede a indenização pela vantagem, isto é, faz-se distinção entre resultado perdido e a chance de consegui-lo; (ii) segundo esta perspectiva, com o termo chance não se indica uma vantagem possível e, consequentemente, um dano eventual, mas a possibilidade ou a probabilidade de um resultado favorável; e (iii), ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente; perdida a chance, o dano é, portanto, certo. (SAVI, 2012, p. 18-19)

Por decorrência dos debates fomentados tanto em esfera doutrinária quanto

em esfera jurisprudencial, sobretudo em ordenamentos jurídicos estrangeiros (Itália,

França, etc.), a perda de uma chance passou a ser considerada pela via de uma

teoria válida, possibilitando então uma consideração conceitual mais detalhada e

capaz de integrar os ordenamentos contemporâneos.

4.1 NATUREZA JURÍDICA E CONCEITO

6 Sobre os casos concretos dados pelo professor italiano, Sérgio Savi explicita: “Os exemplos

analisados por Pacchioni são os seguintes: um jóquei que deverá montar um cavalo de corrida que lhe foi entregue pelo próprio proprietário não chega, por sua culpa exclusiva, a tempo de participar do Grande Prêmio; um pintor envia pelo correio um quadro a uma exposição, mas, por culpa do correio ou de outros, o seu quando é destruído ou não é entregue a tempo de participar da exposição; um advogado deixa transcorrer in albis o prazo para interpor um recurso de apelação, privando o seu cliente da possibilidade de obter a reforma ou a cassação da sentença que lhe foi desfavorável”. (SAVI, 2012, p.7)

32

A inserção da teoria da perda de uma chance na realidade jurídica moderna

não foi prontamente aceita, pois muitos pontos precisavam ser melhor evidenciados

e esclarecidos. No que diz respeito à responsabilidade civil, a perda de uma chance

muitas vezes era afastada em função de seu suposto não enquadramento da teoria

clássica, pois, como ponderavam muitos operadores do Direito, a perda de uma

chance muitas vezes não possibilita a viva demonstração de um nexo de

causalidade e, em outros casos, de um dano existente.

Quanto ao dano, buscando delimitar a natureza jurídica da perda de uma

chance, a doutrina logo asseverou que o conceito habitual de dano deveria ser

afastado para se proteger os casos em que o prejuízo havia ocorrido, mas não com

base nos elementos formais clássicos da responsabilidade civil. Como explica

Gondim:

Assim, a reparação não é do dano, mas sim da chance. Não se admitem as expectativas incertas ou pouco prováveis, que são repudiadas pelo nosso direito. Com efeito, a chance a ser indenizada deve ser algo que certamente iria ocorrer, mas cuja concretização restou frustrada em virtude do fato danoso. (GONDIM, 2005, p. 23)

Em suma, é possível falar em dano na responsabilidade civil por perda de

uma chance, mas esse dano não segue os padrões clássicos, ou seja, não se trata

de um dano patrimonial visível, como, por exemplo, a destruição de um carro, o não

pagamento de uma dívida pecuniária ou, ainda, uma lesão corporal qualquer. Trata-

se, ao contrário, de um dano causado por um evento que, dado como certa sua

realização, não ocorreu pela conduta de um agente.

Quanto ao nexo de causalidade, é certo que quando se trata de um caso de

responsabilidade civil por perda de uma chance, a natureza jurídica de tal nexo

causal deve ser intensificada. Isto significa que não apenas há a necessidade de se

comprovar que uma conduta foi causadora de um dano, como na concepção

clássica da responsabilidade civil, mas é preciso, ainda, demonstrar que a “chance”

perdida estava em um âmbito de possibilidade ou probabilidade real. Um exemplo

clássico sobre essa questão se encontra no caso em que um advogado perde o

prazo de apelação de uma sentença desfavorável ao seu cliente, causando, assim, a

perda da chance de reforma por parte do Tribunal. Com base nessas duas questões

33

preliminares da natureza jurídica da perda de uma chance, é possível apresentar

uma determinação conceitual:

A perda de uma chance ocorre quando o causador do dano por ato ilícito, com o seu ato, interrompeu um processo que podia trazer em favor de outra pessoa a obtenção de um lucro ou o afastamento de um prejuízo. Tem se entendido pela admissibilidade do ressarcimento em tais casos, quando a possibilidade de obter lucro ou evitar prejuízo era muito fundada, isto é, quando mais do que a possibilidade havia uma probabilidade suficiente, é de se admitir que o responsável indenize essa frustração. Tal indenização, porém, se refere à própria chance. Tudo quanto se impõe é a investigação judicial em torno das circunstâncias de que se revista cada caso, e apurar se delas emerge uma situação clara e definida, uma apreciação sobre a possibilidade perdida, se certa ou hipotética. (LOPES, 2000, p. 391)

O conceito de perda de uma chance indica, por sua vez, a existência de duas

modalidades, isto é, uma na qual o sujeito prejudicado sofreu o dano por perder a

oportunidade de obter uma vantagem futura e o caso em que o dano se deu em

função da perda da chance de ter evitado um prejuízo. Conforme pontua a doutrina,

“entende-se que a correta sistematização atual da teoria da perda de uma chance

encerra duas categorias”, sendo “a primeira embasada em um conceito específico

de dano”, já “a segundo, por outro lado, estaria respaldada no conceito de

causalidade parcial em relação ao dano final” (PETEFFI DA SILVA, 2007, p. 103).

Essas duas modalidades exigem posicionamentos doutrinários e auxiliam na

especificidade e complexidade da referida teoria.

4.1.1 A perda de uma chance de obter vantagem futura

Em um momento inicial, considerou-se, tanto por parte da doutrina quanto por

parte da jurisprudência, que a perda de uma chance só seria capaz de ensejar a

obrigação de reparo e, portanto, só poderia adentrar a esfera da responsabilidade

civil caso estivesse enquadrada na perspectiva da frustrada obtenção de uma

vantagem futura. Esta ficou conhecida como a noção clássica da perda de uma

chance, tendo sido definida, pela doutrina, como a primeira e mais evidente

aplicação dessa teoria:

Nesta modalidade de perda de chances, houve, em razão de determinado fato antijurídico, interrupção de um processo que estava em curso e que poderia conduzir a um evento vantajoso; perdeu-se a oportunidade de obter

34

uma vantagem futura, que podia consistir tanto em realizar um benefício em expectativa como em evitar um prejuízo futuro. Com a interrupção, nunca mais se poderá saber se a vantagem tida em vista viria ou não a concretizar-se, por outras palavras, embora o lesado afirme que a interrupção lhe causou um dano futuro, nunca se poderá saber se o processo conduziria necessariamente a ele, porque se trata de ocorrência que era aleatória, em medida maior ou menor. (NORONHA, 2003, p. 701-702)

Segundo essa modalidade, o dano é causado pois um agente teria realizado

uma conduta que, por decorrência, teria produzido efeitos prejudiciais ao sujeito

lesado, não por causar um dano direto e prontamente aferível, mas por ter

prejudicado a obtenção possível ou provável de uma vantagem.

O exemplo clássico dado pela doutrina é aquele do jóquei relapso. Nesse

exemplo, um jóquei é inscrito em uma corrida pelo Sr. X, sendo que o Sr. X é

também o dono do cavalo que o jóquei usará para realizar tal corrida. Em um acerto

entre as partes, uma vez que o Sr. X arcou com as despesas de inscrição, bem

como com o investimento do cavalo, caso o jóquei venha a receber algumas das três

primeiras posições, o Sr. X receberá o equivalente a 70% dos prêmios, cabendo ao

jóquei o valor de 30%. Uma vez que o jóquei não comparece para a corrida, o Sr. X

é prejudicado não apenas no que diz respeito aos gastos já realizados, mas é

também prejudicado quanto aos resultados futuros que vieram a ser frustrados pela

ação do jóquei. Esse exemplo é muitas vezes repetido pela doutrina, podendo ter as

mais variadas formulações. Em síntese, trata-se, como foi formulado pela doutrina

francesa, de uma ação culposa por parte do jóquei que impediu que o cavalo

participasse do certame (SEVERO, 1996, p. 12).

De forma mais usual, a noção clássica de responsabilidade civil por perda de

uma chance se encontra presente nos casos em que os advogados falham com

certos deveres de sua profissão, mais especificamente nos casos em que não

interpõe recurso de apelação contra sentença desfavorável de primeiro grau,

impossibilitando ao cliente que este venha a obter vantagem por uma eventual

reforma realizada pelo Tribunal. De forma sistemática mais pontual, a doutrina

formula de maneira pontual a questão da projeção de uma conduta ilícita que produz

efeito de perda de chance à maneira da noção clássica:

Consiste, portanto, o lucro cessante na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. A doutrina francesa, aplicada com freqüência pelos nossos Tribunais, fala na perda de uma chance (perte d’une chance) nos casos em

35

que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, como progredir na carreia artística ou no trabalho, arrumar um novo emprego, deixar de ganhar um causa pela falha do advogado etc. É preciso, todavia, que se trata de uma chance real e séria que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada. O cuidado que o juiz deve ter neste ponto é para não confundir lucro cessante com lucro imaginário, simplesmente hipotético ou dano remoto, que seria apenas a conseqüência indireta ou mediata do ato ilícito. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 97-98)

Dessa forma, nota-se que a perda de uma oportunidade só é passível de ser

aplicada quando o caso concreto indica a existência de uma estrutura tal que

comporta a projeção de um futuro possível ou provável. É a lesão dessa

possibilidade ou de probabilidade que vem a ser socorrida pela obrigação de se

indenizar o prejuízo causado no âmbito da responsabilidade civil.

4.1.2 Perda de uma chance de se evitar um prejuízo

Há casos em que a conduta não deixa de produzir uma vantagem para o

prejudicado, mas, ao contrário, trata-se de uma conduta que não evita um prejuízo

que poderia ter sido evitado caso a ação do agente causador de dano tivesse sido

outra. Essa modalidade de perda de uma chance é uma questão doutrinária e

jurisprudencial que se diferencia daquela clássica, como demonstra a doutrina, pois:

Enquanto na perda de uma chance clássica o dano decorre do evento danoso que interrompeu o processo em curso, no caso da perda de uma chance de evitar um prejuízo que já aconteceu o dano surge exatamente porque o processo em curso não fora interrompido, quando poderia tê-lo sido feito. Se o processo tivesse sido interrompido, haveria a possibilidade – isto é, a chance – de o dano não se verificar. Então, ao contrário dos casos clássicos de perda de uma chance, aqui as chances não estão mais relacionadas a algo que poderia vir a acontecer no futuro, antes são atinentes a algo que podia ter sido feito no passado, para evitar o dano verificado. Tem-se conhecimento de que ocorre um dano por força de determinada cadeia causal; o que se indaga é se o dano poderia ter sido evitado, caso tivessem sido adotadas certas providências que interromperiam o processo em curso. (SAMPAIO DA CRUZ, 2008, p. 82)

É preciso pontuar que, nos casos em que se verifica a perda da chance de se

evitar um prejuízo, o que precisa ficar comprovado é sobretudo o nexo causal, uma

vez que o dano, contrariamente à noção clássica da perda de uma chance, se faz

efetivamente comprovar. Assim, é preciso demonstrar que a conduta do agente,

36

mais precisamente uma omissão, foi responsável pela produção do dano causado.

Usualmente, essa modalidade pode ser pensada naqueles casos em que o agente

tinha a obrigação de evitar a produção do dano, e não o fez ou, ainda, que o agente

poderia ter agido de maneira a evitar um dano, fato esse não ocorrido. Essa

modalidade envolve questões atinentes aos pressupostos da responsabilidade civil,

já que envolvem não apenas o nexo causal, mas também os elementos basilares da

culpa, como a responsabilidade por atos danos decorrentes de negligência,

imperícia, etc. Trata-se de uma modalidade que oferece, em geral, alto nível de

complexidade para apreciação jurídica, pois demandam uma análise concreta dos

fatos e, conjuntamente, uma atenção para todos os elementos constitutivos da

responsabilidade civil por perda de uma chance.

4.2 A PERDA DE UMA CHANCE NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

O ordenamento jurídico brasileiro, muito embora tenha realizado grandes

avanços no que diz respeito à responsabilidade civil, não recepcionou de forma

expressa a teoria da perda de uma chance. É preciso, dessa forma, realizar uma

leitura conjunta entre alguns preceitos expressos no Código Civil Brasileiro e os

princípios presentes na Constituição Federal.

Sob esta perspectiva, é preciso atentar para o princípio da reparação integral

do dano, estando esse presente nos artigos 433 e 944 do Código Civil. O artigo 403

versa sobre a questão dos lucros cessantes, pontuando que “ainda que a

inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos

efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do

disposto na lei processual”. O artigo 944, por sua vez, afirma, em seu caput que “a

indenização mede-se pela extensão do dano”, sendo que o parágrafo único do

referido artigo aponta que “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da

culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”.

O princípio da reparação integral, presente de forma indireta nos referidos

dispositivos legais, pondera que o sujeito lesado deve receber reparação por todos

os danos a ele causados. A doutrina, então, faz ver na lógica desses artigos a

possibilidade de reparação por perda de uma chance, uma vez que essa, tendo sido

37

demonstrada, reflete danos sofridos por conduta de um agente lesador. Inicialmente,

fazia-se ler, sobretudo por força do artigo 433, a perda de uma chance como simples

caso de “lucros cessantes”. Contudo, a doutrina passou a entender que a perda de

uma chance iria, muitas vezes, além da mera dimensão dos lucros cessantes,

ponderando, de forma mais universal, que:

A perda de uma chance, por sua vez, na grande maioria dos casos será considerada um dano injusto e, assim, passível de indenização. Ou seja, a modificação do foco da responsabilidade civil, para a vítima do dano injusto, decorrente da evolução da responsabilidade civil, acaba por servir como mais um fundamento para a indenização desta espécie de dano. (SAVI, 2012, p. 109)

O caminho para a aceitação da perda de uma chance dentro da aplicabilidade

do ordenamento jurídico passou, então, não apenas pela inserção dos já

mencionados artigos, mas sobretudo pela transposição da questão dos lucros

cessantes para a aplicação dos artigos 927 e 186 do Código Civil, uma vez que

esses artigos são mais amplos e mais particularmente condizem à estrutura da

responsabilidade civil. Assim, a doutrina teve de orientar a leitura sobre os limites de

aplicação da teoria da perda de uma chance, superando de vez os limites dos lucros

cessantes:

Passou-se, então, a admitir o valor patrimonial da chance por si só considerada, desde que séria, e a traçar os requisitos para o acolhimento da teoria. Em vez de enquadrar a perda de chance como espécies de lucros cessantes, passou-se a considerá-la como dano emergente e, assim, a superar o problema da certeza do dano para concessão. (SAVI, 2012, p. 4)

De igual maneira, a interpretação da teoria da perda de uma chance em

âmbito de responsabilidade civil teve de superar os entraves produzidos pelos

pressupostos da responsabilidade civil: conduta, nexo causal e dano. Como foi

apontado anteriormente, tanto na modalidade clássica da perda de uma chance

quanto na concepção de perda de uma chance por poder se evitar um prejuízo os

pressupostos se apresentam de modo diverso do convencionalmente presente na

regra geral da responsabilidade civil.

Na perda de uma chance de obter vantagem futura o dano precisa restar

suficientemente demonstrado, enquanto na perda de uma chance de se evitar um

prejuízo o que precisa estar comprovado de maneira precisa é o nexo causal. Nesse

sentido, pondera Gondim, afirmando que:

38

Deverão estar presentes os elementos básicos da responsabilidade civil. Contudo, tanto o dano quanto o nexo causal serão analisados através de uma nova visão, pois se trata de uma chance perdida, devendo existir uma probabilidade concomitante a uma certeza. (GONDIM, 2005)

Não há que se falar, assim, em inexistência dos pressupostos da

responsabilidade civil, mas apenas de uma aplicação diferenciada de tais

pressupostos, aplicação diferenciada essa que, se bem analisada, também se altera

quando consideradas as divergências existentes entre a responsabilidade civil

subjetiva e a responsabilidade civil objetiva. Assim, é acertada a análise feita por

Judith Martins-Costa quando essa pondera:

Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação, criteriosa, da Teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar. (MARTINS-COSTA, 2004, p. 362)

Reconhece-se, portanto, que muito embora não exista previsão explícita da

legislação brasileira para o reconhecimento da teoria da perda de uma chance em

âmbito da responsabilidade civil, os dispositivos legais existentes não podem

oferecer óbice para a aplicação dessa, já que a interpretação realizada pela doutrina

faz comportar tal aplicação e, ainda, como se verá, também a jurisprudência

recepciona tal modalidade.

4.3 BREVE ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE A PERDA DE UMA

CHANCE

Dado que a teoria da perda de uma chance não recebe tratamento explícito

por parte da legislação brasileira, coube à jurisprudência arrematar a sua inserção

no plano jurídico brasileiro e, ainda, determinar as variadas possibilidades de sua

aplicabilidade. Em uma análise sintética, Sérgio Savi pondera sobre o que se

encontra habitualmente na jurisprudência brasileira correspondente a aplicação da

teoria da perda de uma chance:

39

Alguns julgadores entendem que a perda da chance deva ser considerada uma modalidade de dano moral ou, em outras palavras, que seria capaz apenas de gerar um dano de natureza extrapatrimonial. Por outro lado, há farta jurisprudência reconhecendo a possibilidade da perda de uma chance gerar danos de natureza patrimonial. Nestes casos, os tribunais, na maioria das vezes, entendem que estaríamos diante de hipóteses de lucro cessante. Raramente encontramos julgados entendendo que a perda de chance, quando gera dano material, deva ser tratada como modalidade de dano emergente. (SAVI, 2012, p. 47)

Os casos que primeiramente formularam a aplicação da teoria da perda de

uma chance diziam respeito à ações de advogados que, agindo de forma danosa,

haviam impedido que seus clientes viessem a ter sucesso nas ações que

participavam. Este foi o caso julgado pelo Tribunal do Rio Grande do Sul:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda da chance. (TJRS, 5º Câmara Cível, Apelação Cível nº 591.064.837, Rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar, julgada em 29.08.1991)

Há muitos casos em que advogados são condenados pela mesma razão

acima mencionada. É importante pontuar que, em muitos desses casos, o

sustentáculo instrumental é fixado pela ideia de um “dano moral” e não como um

dano material7.

Um caso muito famoso na jurisprudência diz respeito ao caso do “Show do

Milhão”, programa televisivo que se propunha a premiar o participante que,

acertando uma série de questões, finalizasse o jogo sem nenhum erro e, por

conseguinte, viesse a obter o prêmio total. Uma participante procedeu de forma

impecável até a última pergunta que a alçava do valor de R$ 500.000,00 (quinhentos

7 Nesse sentido é possível notar outros julgamentos exemplares: “MANDATO. RESPONSABILIDADE

CIVIL DO ADVOGADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS EM VIRTUDE DE PERDA DE PRAZO. DANOS MORAIS JULGADOS PROCEDENTES. A responsabilidade do advogado é contratual e decorre especificamente do mandato. Erros crassos como perda de prazo para contestar, recorrer, fazer preparo do recurso ou pleitear alguma diligência importante são evidenciáveis objetivamente. Conjunto probatório contrário à tese do Apelante. É certo que o fato de ter o advogado perdido a oportunidade de recorrer em consequência da perda de prazo caracteriza a negligência profissional. Da análise quanto à existência de nexo de causalidade entre a conduta do Apelante e o resultado prejudicial à apelada resta evidente que a parte autora da ação teve cerceado o seu direito de ver apreciado o seu recurso à sentença que julgou procedente a reclamação trabalhista, pelo ato do seu mandatário, o qual se comprometera ao seu fiel cumprimento, inserido que está, no elenco de deveres e obrigações do advogado, aquele de interpor o recurso à sentença contra a qual irresignou-se o mandante. Houve para a apelada a perda de uma chance e nisso reside o seu prejuízo. Estabelecidas a certeza de que houve negligência do mandatário, o nexo de causalidade e estabelecido o resultado prejudicial demonstrado está o dano moral. (TJRJ, Apelação Cível nº 2003.001.19138, 14ª Câmara Cível, Rel. Des. Ferdinaldo do Nascimento, julgado em 7.10.2003)

40

mil reais) para o valor total de um milhão. Segundo a concorrente, não havia, entre

as quatro respostas sugeridas, nenhuma que pudesse plausivelmente ser indicada

como verdadeira, alegando, então, que era impossível determinar resposta. Em

função disso, a concorrente optou por não responder, com receio de, errando,

perder o montante que já havia ganhado, pois esta era a regra do jogo. Notando a

injustiça para com ela feita, ingressou com uma ação e, em sede de recurso

especial, foi acolhida sua requisição de indenização por perda de uma chance:

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DE OPORTUNIDADE. 1. O questionamento em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. (STJ, Recurso Especial nº 788.459-BA, Quarta Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 8.11.2005)

Os casos usuais demonstram que os problemas pertinentes às regras da

responsabilidade civil não são entrave para a aplicação da teoria da perda de uma

chance, sendo que, muito embora tenha a jurisprudência feito pela via de um dano

moral, é possível o ressarcimento baseado na responsabilidade por perda de uma

chance.

Há casos, ainda, em que a concretude do fato se demonstra de forma mais

contundente, como o ocorrido no Recurso Especial nº 821.004/MG, no qual um

candidato a vereador da cidade de Carangola-MG teve, nas vésperas da eleição,

notícias falsas veiculadas em uma rádio local, na qual se afirmava que o referido

candidato tivera, supostamente, sua candidatura cassada. A inverdade da

informação ocorreu porque, em verdade, fora um candidato homônimo quem tivera a

sua candidatura cassada, causando com isso prejuízo ao autor da ação. O caso

ganha ainda mais notoriedade porque o candidato em questão não conseguiu

eleger-se por uma diferença de apenas 8 votos. Buscando ressarcimento com base

na teoria da perda de uma chance, o autor da ação demandou o valor de R$

83.820,61 (oitenta e três mil, oitocentos e vinte reais e sessenta e um centavos),

referentes ao valor total dos salários que este receberia caso tivesse sido eleito

vereador.

41

O interessante desse caso é a decisão tomada pelo Tribunal de Justiça de

Minas Gerais e depois corroborada pelo STJ, pois o TJ-MG entendeu que era

justificado ressarcimento com base na perda de uma chance, mas “o candidato que

perdeu a chance de ser eleito tem direito ao recebimento dos proventos que deixou

de receber, mas de forma proporcional à probabilidade de sua eleição”, de modo

que o valor foi reduzido pela metade. O STJ manteve essa posição, afirmando:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.1) NEGATIVA DE PRESTAÇAO JURISDICIONAL AFASTADA.2) PERDA DE CHANCE QUE GERA DEVER DE INDENIZAR. 3)CANDIDATO A VEREADOR, SOBRE QUEM PUBLICADANOTÍCIA FALSA, NAO ELEITO POR REDUZIDA MARGEMDE VOTOS. 4) FATO DA PERDA DA CHANCE QUECONSTITUI MATÉRIA FÁTICA NAO REEXAMINÁVEL PELOSTJ. É necessário que tenha ocorrido um ato ilícito e que esse ato ilícito tenhatirado da vítima a oportunidade real de obter resultado que a beneficiaria. Na presente hipótese, o Tribunala quoconcluiu, com base no conteúdofático-probatório dos autos, pela existência do ato ilícito, pela culpa dos recorrentes e pelaprivação da oportunidade, bem concreta e provável, de o recorrido se eleger vereador, o quese frustrou em decorrência desse ato ilícito. De fato, a partir do exame das provas dos autos, concluiu o Acórdãorecorrido que bastavam apenas mais oito votos para que o recorrido fosse eleito e que essesvotos bem provavelmente seriam obtidos caso parte do eleitorado não tivesse ouvido a notíciaveiculada pelas recorrentes. Essa conclusão do Tribunal de origem é fática. Não há como afastar aconclusão do Acórdão recorrido no sentido de queé objetivamente provável que orecorrido seria eleito vereador da Comarca de Carangola, e que este fato só restoufrustrado em razão da conduta ilícita das apelantes, sem o revolvimento doconteúdo fático-probatório dos autos, procedimento vedado em sede de Recurso Especial,nos termos da Súmula7desta Corte. (STJ, Recurso Especial nº 821004 MG 2006/0035112-2, Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 24.09.2010)

A decisão de conferir o direito à indenização, mas com base em uma noção

de proporcionalidade parece estar de acordo com uma análise minuciosa da teoria

da perda de uma chance, pois esta se preocupa com a realidade fática e concreta, o

que dá maior substancialidade para o julgado em questão.

É possível ponderar, ainda, sobre o que emerge no julgado anteriormente

apontado, ou seja, o uso feito pelo STJ da Súmula 7, pois esta é utilizada ainda em

outros julgados pertinentes à aplicação da teoria da perda de uma chance. É o que

ocorre, por exemplo, em um julgado sobre a temática de negligência por parte de

advogado, julgado esse em que se reconhece o caráter peculiar da perda de uma

chance, uma vez que essa pode ensejar tanto uma reparação material quanto

extrapatrimonial:

42

PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ. APLICAÇÃO. - A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. - Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frusta as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda de uma simples esperança subjetiva, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance. - A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais. - A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial. - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da Súmula 7, STJ. - Não se conhece do Especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Súmula 283, STF. Recurso Especial não conhecido. (STJ, Recurso Especial nº 1079185 MG 2008/0168439-5, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 04.08.2009)

O voto traz a tona uma questão pertinente à aplicação da teoria da perda de

uma chance, sobretudo quando se considera o desempenho de advogados e

atividades afins. Isso porque a Relatora, a Ministra Nancy Andrighi, começa por

destacar que a atividade do advogado é aquela conhecida como de meio, e não de

fim. Não obstante esse ponto, considera que resta demonstrada a existência de

perda de uma chance, de modo que a aplicação dessa teoria como fundamento para

a obrigação de reparação por responsabilidade civil se mostra imperiosa.

Nota-se, então, as muitas variantes existentes no que tange à aplicação da

teoria da perda de uma chance. Mesmo nos casos clássicos – como na negligência

por parte do advogado – é preciso que se desenvolva uma análise concreta e fática

suficientemente bem embasada para então fundamentar-se a referida aplicabilidade.

43

5. CONCLUSÃO

O presente trabalho pode notar que a temática da responsabilidade civil,

como um todo, possui um campo muito vasto e muito complexo de abordagens

teóricas e práticas, sendo que o caso da responsabilidade civil pela perda de uma

chance, por sua vez, acaba denunciando-se como igualmente vasta e complexa em

sua abordagem.

A análise sobre a estrutura fundamental da responsabilidade civil

contemporânea possibilitou a percepção de que esse instituto, aparentemente rígido

e bem delimitado em uma primeira visão, tende a revelar uma face muito mais

dinâmica e orgânica do que aquela inicialmente apreendida. As variações de

espécies de responsabilidade civil são um bom exemplo para apresentar tal

dinâmica, já que as mudanças de concepção e de percepção entre a

responsabilidade civil contratual e extracontratual, ou entre a responsabilidade civil

subjetiva e objetiva são suficientes para produzir uma série de questionamentos

teóricos e práticos tanto em nível doutrinário quanto em nível jurisprudencial.

De igual maneira, e acompanhando essa dinâmica, há que se pontuar que os

pressupostos elementares da responsabilidade civil não deixam de apresentar uma

série de problemas para a análise jurídica, pois muito embora sejam bem

estruturados sob formulações teóricas ponderadas, as relações estabelecidas entre

tais pressupostos e os casos fáticos só demonstram o quanto é necessária a

contínua observância e aprimoramento dos limites e das determinações conceituais.

Toda essa complexidade encontra um novo terreno quando se considera a

aplicação da teoria da perda de uma chance no âmbito da responsabilidade civil.

Isso porque, enquanto as noções clássicas da responsabilidade civil são bem

fundadas nos três pressupostos elementares (conduta, nexo causal e dano), a

responsabilidade civil pela perda de uma chance oferece uma dificuldade para tais

noções clássicas. A começar, foi possível notar que a teoria da perda de uma

chance demanda, na análise dos pressupostos, uma relativização dos conceitos de

dano e de nexo causal, sugerindo então toda uma nova estrutura interpretativa.

Pela análise desenvolvida pelo presente trabalho foi possível notar que tal

esforço interpretativo vem sendo realizado tanto pela doutrina quanto pela

jurisprudência, de modo que a inserção da responsabilidade civil pela perda de uma

chance foi a apresentação de uma evolução do sistema jurídico brasileiro.

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Há que se ponderar, no entanto, que tal evolução ainda não alcançou o

âmbito legislativo, uma vez que não há, no atual Código Civil, nenhuma previsão

expressa sobre a reparação civil pela perda de uma chance. Dessa forma, a

aplicação de uma “normatividade” depende dos esforços interpretativos realizados

com os dispositivos legais já existentes e que possibilitam a abertura para a inserção

desse instituto na prática jurídica. Em complemento, foi possível notar que é, no

caso brasileiro, a participação ativa da jurisprudência que vem inserindo a prática da

responsabilidade civil por perda de uma chance na realidade brasileira,

comprovando, de certa forma, uma tendência geral do Direito de se pautar não

apenas pelos limites legalistas das normas expressas, mas permitindo a evolução do

Direito pela força de interpretações e participações ativas e criativas por parte dos

operadores jurídicos.

Com base nessas considerações críticas, é possível então realizar um ponto

conclusivo sobre o presente trabalho. Em um primeiro momento, o presente trabalho

dedicou-se a apresentar os contornos gerais da responsabilidade civil, de modo que

se pudesse delinear quais os traços principais da teoria. Para tanto, desenvolveu-se

uma consideração que foi, de início, tanto histórica quanto conceitual, buscando com

isso alcançar quais as formas mais modernas que a teoria da responsabilidade civil

recebeu nos últimos tempos. Por fim, o primeiro capítulo dedicou-se a apresentar as

diferentes espécies de responsabilidade civil, compreendendo, com isso, as

principais estruturas que norteiam o presente estudo.

Em um segundo momento, fez-se um enfoque maior nos elementos centrais

da responsabilidade, mais especificamente nos pressupostos dessa teoria.

Enquanto esses elementos eram apresentados em suas próprias peculiaridades,

como é o caso da noção de dano, nexo causal ou de ação/omissão, buscou-se

conduzir as reflexões e desenvolvimentos teóricos para o ponto em que essas

permitiam vislumbrar a inserção da teoria da responsabilidade civil pela perda de

uma chance na estrutura jurídica contemporânea. Notou-se, com isso, que há muitos

meandros que circundam os vários pressupostos elementares da responsabilidade

civil e é apenas em função dessa complexidade que a novos caracteres podem

emergir em uma consideração tanto teórica quanto prática.

Realizou-se, então, em um último momento a abordagem específica sobre a

teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Em considerações sobre

a natureza jurídica dessa teoria notou-se a diferença entre a perda de uma chance

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por evento futuro e a perda de uma chance de se evitar um prejuízo. Foi possível

perceber que essa diferenciação, embora tente ser ilustrativa e didática, não

desenvolve uma clarificação necessária ao estudo dessa tão importante temática.

Fez-se, então uma abordagem sobre como a legislação e a jurisprudência brasileira

vem lidando com a recepção e aplicação da teoria da perda de uma chance na

realidade jurídica brasileira. Pode-se perceber, com isso, que naquilo que a

legislação mostra-se lacunar e falha, a jurisprudência vem tentando compensar com

uma atuação mais veemente e presente, dando, com isso, os contornos centrais da

aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance na realidade jurídica

brasileira.

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