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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ LEANDRO RENY ANDRADE DE SOUZA SARMENTO ENTRE A CENSURA E UM IDEÁRIO: REVISTA MANCHETE E AS REPRESENTAÇÕES DE JK (1969-1974) CURITIBA 2018

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

LEANDRO RENY ANDRADE DE SOUZA SARMENTO

ENTRE A CENSURA E UM IDEÁRIO: REVISTA MANCHETE E AS

REPRESENTAÇÕES DE JK (1969-1974)

CURITIBA 2018

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

LEANDRO RENY ANDRADE DE SOUZA SARMENTO

ENTRE A CENSURA E UM IDEÁRIO: REVISTA MANCHETE E AS

REPRESENTAÇÕES DE JK (1969-1974)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em História - Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes – FCHLA, da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciada em História. Orientadora: Viviane Maria Zeni.

CURITIBA 2018

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Ao Deus da minha vida.

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Agradecimentos

Aos meus pais, Antonio Reny Damascena Sarmento e Maria Andrade de

Souza Sarmento, por me ensinar o caminho da perseverança, os meus sinceros

agradecimentos.

A minha professora, orientadora Viviane Maria Zeni, pelo comprometimento e

dedicação em todo o processo da pesquisa, mostrando-se sempre uma grande amiga,

que ao longo desses anos em que estou longe de casa, foi a figura mais próxima de

minha mãe e acima de tudo, por ser essa pessoa maravilhosa, alegre e contagiante a

quem tenho grande admiração.

Pelas motivações, apoio e empatia, agradeço aos meus amigos Daniel Moreno,

João Alcino e de igual modo a minha esposa Gabriela Ribeiro, pessoa ímpar nessa

minha jornada. Agradeço também aos meus colegas e amigos que tive a honra e

satisfação de conhecer na Universidade Tuiuti do Paraná, em especial, André Cesar

Sanches Bueno, André Sartorelli, Giovane do Amaral, Janderson Cabral, Andrej

Carraro, Angélica Antunes, Alvaro Urbanetz, Alberto Alexandre Schmitz, Belle

Sousa, Bella Rose, Daiane Pucci, Denis Victor, Eliane Wandersee, Flávio Freitas,

Glaucia Marie, Gríndier Forte, Keli Santos, Licius Santana da Silva, Luan Jacomasso,

Mariana Andriano, Matheus Dannenhauer, Mirhael Baez, Marcelo Macedo, Luiz

Felipe Bomtempo, Luana Pastore, Otávio Ferrari Piaskowski, Rafael Siechelinske,

Raiane Albergoni, Suzana Rona e Thiago Marcilio Silva. Pois, é com muita alegria e

risos que relembro os momentos inesquecíveis em sala de aula.

Estendo também, os meus sinceros e humilde agradecimentos aos meus

professores, que foram essenciais no meu crescimento acadêmico e decisivos na minha

formação. Por onde quer que eu vá, levarei um pouco da peculiaridade de cada um:

André Serqueira, Andrea Beatriz Wozniak, Fausto Dos Santos, Liz Andréa Dalfré,

Luiz Carlos Sereza, Maria Cecília Giovanella, Marcia Graf, Osvaldo Meza, Pedro

Leão da Costa Neto, Pedro Valandro, Valéria Pilão, Vera Irene, e Vilma Bueno.

Não consigo traduzir em palavras o quanto sou grato, por ter conhecido e

convivido com pessoas tão especiais, a todos muito obrigado.

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RESUMO

Essa pesquisa analisa a imagem do ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira,

veiculada pela revista Manchete, no período de vigência do governo do Médici (1969-

1974). Conhecido como os anos de chumbo, este período não só intensificou a censura

aos órgãos da imprensa, como também a repressão e perseguição aos grupos de

esquerda e a qualquer manifestação política que ameaçava a hegemonia do regime.

Para esse intento, foram levados em consideração o contexto da complexa conjuntura

política que o país atravessava em contraposição a política desenvolvimentista do

governo Médici em relação a era JK. Ademais a relação entre a imprensa e o regime e

a trajetória da revista Manchete foram discutidos como fundamentação para a análise

das representações de Brasília veiculadas a imagem simbólica de JK propagada

constantemente pela revista.

Palavras-chave: Manchete, JK, Brasília, Ditadura Militar, representações.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURAS DA CAPA – AMOR MATERNAL ..................................................

Capa

FIGURA 1 – MANCHETE 29 DE ABRIL DE 1972 ..............................................

14

FIGURA 2 – MANCHETE EDIÇÃO DA INDEPENDÊNCIA 1972 ....................

15

FIGURA 3 – MANCHETE EDIÇÃO BRASIL 70 OUTUBRO DE 1970 .............

31

FIGURA 4 – MANCHETE EDIÇÃO DA INDEPENDÊNCIA 1972 ....................

32

FIGURA 5 – MANCHETE 29 DE ABRIL DE 1972 ..............................................

47

FIGURA 6 – MANCHETE BRASÍLIA EDIÇÃO HISTÓRIA21 DE ABRIL DE

1960 ........................................................................................................................ 50

FIGURA 7 – MANCHETE BRASÍLIA EDIÇÃO HISTÓRIA 21 DE ABRIL DE

1960 ........................................................................................................................ 51

FIGURA 8 – MANCHETE BRASÍLIA EDIÇÃO HISTÓRIA21 DE ABRIL DE

1960 ........................................................................................................................ 51

FIGURA 9 – MANCHETE 29 DE ABRIL DE 1963 .............................................

52

FIGURA 10 – MANCHETE 25 DE OUTUBRO DE 1969 ....................................

55

FIGURA 11 – MANCHETE 25 DE OUTUBRO DE 1969 ....................................

56

FIGURA 12 – MANCHETE 7 DE FEVEREIRO DE 1970 ....................................

57

FIGURA 13 – MANCHETE 18 DE AGOSTO DE 1973 ........................................

58

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FIGURA 23 – MANCHETE 29 DE ABRIL DE 1972 ............................................

68

FIGURA 24 – MANCHETE EDIÇÃO DA INDEPENDÊNCIA 1972 ...................

69

FIGURA 25 – MANCHETE EDIÇÃO DA INDEPENDÊNCIA 1972

....................70

FIGURA 26 – MANCHETE EDIÇÃO BRASIL 70 OUTUBRO DE 1970

..............70

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8

1. ANOS DE CHUMBO: DESENVOLVIMENTISMO, REPRESSÃO

E CENSURA NO AI-5 ............................................................................................

12

1.1. BRASIL ANOS 1970: UM BREVE CONTEXTO ............................................

12

1.2. IMPRENSA BRASILEIRA: JOGOS DE INTERESSES E A BUSCA DA

HEGEMONIA .......................................................................................................... 26

2. REVISTA MANCHETE: A REPRESENTAÇÃO DO POLÍTICO .. ............ 37

2.1. “MANCHETE – ‘A NOVA REVISTA SEMANAL DO BRASIL’”................ 37

2.2. “O BRASIL DEVE TUDO A JUSCELINO”: BRASÍLIA E A

REPRESENTAÇÃO DE JK EM MANCHETE ....................................................... 45

2.3. “EM BRASÍLIA HÁ INVENÇÃO”: UMA CIDADE DO FUTURO .............. 59

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 73

FONTES ...................................................................................................................75

REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA ....................................................................76

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INTRODUÇÃO

Esse estudo monográfico foi motivado pelas leituras realizadas da revista

Manchete que conduziram a percepção de como este periódico abordava em suas

reportagens a importância e grandiosidade arquitetônica de Brasília antes e durante o

regime militar.

Assim sendo, o objetivo deste trabalho concentrou-se em discutir as imagens

criadas pela revista Manchete para Brasília e seu fundador Juscelino Kubistchek no

período que compreende os anos de 1969 e 1974, período que conhecido como os anos

de chumbo, que tinha na Presidência da República o general Emílio Garrastazu

Médici.

As peculiaridades da relação entre imprensa e poder, foram analisadas visando

a desenvolver o trabalho, pois são reveladoras de significativos aspectos da vida

política de um país e neste caso específico, do Brasil. Esses fatores, tornaram-se a

matéria prima para a análise da imagem de JK veiculada nas reportagens propagadas

por Manchete, permite compreender de que forma a revista ressignificou a imagem de

JK no período de vigência do governo Médici.

Analisar a imagem de JK nas reportagens de Manchete, em um período em

que a censura à imprensa e a repressão política aos opositores do regime de esquerda

eram intensos, tornou-se um desafio. Para tanto, o conceito de “representação”

defendido por Roger Chartier foi utilizado, para fornecer os subsídios necessários às

análises.

De acordo com Roger Chartier, o caráter universal das representações do

mundo social, tende a inclinar-se ao diagnóstico fundamentado na razão, e a

predeterminações e conveniências ditadas pelos interesses dos grupos, são sempre

manipuláveis. Logo, para o autor, torna-se necessário relacionar os discursos

privilegiados com os posicionamentos daqueles que a utilizam1.

Para auxiliar a pesquisa, o estudo metodológico em Fontes Históricas,

organizado por Carla Pinsky, foi de grande valia, mais precisamente o capítulo da

1 CHARTIER, Roger. História Cultural: entre práticas e representações. 1990, p.17.

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autora Tânia Regina de Luca, que trata especificamente das fontes impressas, os

métodos e técnicas abordados que permitem ao pesquisador evidenciar os “usos e

abusos das fontes”. Além disso, a autora ressalta o fato de a imprensa ter sido vítima

da censura em vários momentos, bem como o papel encarnado pelos jornais e revistas

em regimes autoritários, como foi o caso do

[...] Estado Novo e a ditadura militar, seja na condição difusor de propaganda política favorável ao regime ou espaço que abriu formas sutis de contestação, resistência e mesmo projetos alternativos, tem encontrado eco nas preocupações contemporâneas, inspiradas na renovação da abordagem política2.

A abertura do campo de pesquisa apontado pela segunda geração dos Annales

a partir da década de 1970 proporcionou maior visibilidade aos estudos dos periódicos

que, por sua vez, desvendaram aspectos ocultos da política e das relações sociais

fornecendo subsídios para a análise das relações entre a revista Manchete e o regime

militar.

Esse estudo se fundamentou na análise de oito edições da revista Manchete,

sendo as de maior relevância as edições de 29 de abril de 1972, com as principais

matérias: “Cuiabá Santarém: A conquista da selva amazônica”, “ Brasília ano 13: um

álbum de maravilhosas fotos em cores” e “D. Pedro I: a volta do libertador”, e a

edição “Brasília edição histórica” de 21 de abril de 1960, na qual a revista comemora

a conclusão definitiva de Brasília e homenageia o fundador que com otimismo traduziu

toda a sua confiança no futuro e na grandeza da cidade.

Não menos relevante, foram outras edições como por exemplo, a edição

Especial da Independência do Brasil de 1972 com o título “150 Anos de Progresso”,

cujo o texto de Zevi Chivelder, ratifica os cento e cinquenta anos de emancipação

política e o caráter modernista da nova capital para as próximas gerações; a edição de

25 de outubro de 1969, com reportagem “Médici quem é o novo presidente” que

apresenta o texto de Murilo Melo Filho; a edição de 7 de fevereiro de 1970, com a

reportagem: “O domingo do presidente”; a Edição Especial Brasil 70 outubro de 1970,

na capa a imagem do Cristo Redentor de frente para a Bahia da Guanabara, edição de

2DE LUCA, Tania Regina. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). Fontes históricas. 2008, p. 129.

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2 de janeiro de 1971 com o título na capa “Catedral de Brasília: o mais belo

monumento cristão do século 20”. E por fim a edição de 18 de agosto de 1973 com a

matéria: “A conquista definitiva da Amazônia”. Em todas as edições a Manchete

explorou o desenvolvimentismo e para esse intento Brasília foi a principal referência.

O acesso as fontes se deu pela aquisição de alguns exemplares, que foram

somados aos já existentes no acervo particular e proporcionaram um contato direto

com o objeto de pesquisa.

Após as análises do corpo documental e da historiografia acerca da temática, a

pesquisa foi dividida em dois capítulos. No primeiro capítulo, foi elaborada uma

análise do contexto histórico e do antagonismo vivenciado pela sociedade brasileira

durante o milagre econômico. Se por um lado o país vivenciava momentos de

estabilidade financeira, por outro as repressões e censuras a todos os meios de

comunicação marcaram regime militar, sobretudo nos conhecidos anos de chumbo,

devidamente amparados em atos institucionais e na Lei de Segurança Nacional.

As considerações de alguns estudiosos sobre a imprensa como, por exemplo,

Benedito Juarez Bahia, Alzira Alves de Abreu, Marco Morel e Tania Maria Bessone

Ferreira, permitiram uma maior reflexão para a pesquisa que envolveu as relações

políticas em que a imprensa esteve completamente envolvida.

O segundo capítulo além de abordar alguns aspectos da trajetória da revista

Manchete, bem como todo o seu investimento para modernizar-se e superar a revista O

Cruzeiro, demonstrou como ocorreu os primeiros contatos entre o Adolpho Bloch

(proprietário da editora Bloch) com Juscelino Kubitschek e o ideário

desenvolvimentista defendido pelo Plano de Metas que incluía a construção de uma

nova capital. À medida que a Manchete introjetou a ideia de Brasília, passou a

apresentar as belezas naturais do país e suas possibilidades de desenvolvimento por

meio do fotojornalismo, adquirindo visibilidade nacional. Dessa forma, a obra de

Juscelino Kubistchek conquistou crédito perante a imprensa e boa parcela da

população, inclusive de muitos intelectuais.

Na sequência deste capítulo, foi elaborada a análise das imagens foto

jornalísticas da Manchete, em que a marca do desenvolvimentismo destacava-se,

conduzindo a Manchete a crescer juntamente com Brasília e as estratégias publicitárias

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veiculada em prol governo juscelinista, foram utilizadas como mecanismo de

equilíbrio para a revista rememorar os feitos de JK durante o período ditatorial.

Assim como Manchete, divulgou o “Brasil Grande” criado pelo regime militar

sem críticas ao governo, Brasília configurava, para a revista, como o símbolo máximo

do desenvolvimento e da modernidade.

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1. ANOS DE CHUMBO: DESENVOLVIMENTISMO, REPRESSÃO E

CENSURA NO AI-5.

1.1. BRASIL ANOS 1970: UM BREVE CONTEXTO.

As renovações no estudo da história política, por sua vez, não poderiam dispensar a imprensa, que cotidianamente registra cada lance dos embates na arena do poder.

(Tania Regina de Luca)3

O período que compreende o final da década de 1960 e início da década 1970

foi marcado no campo político da nação brasileira por grandes transformações que

atingiram direta ou indiretamente a sociedade. A primeira metade dos anos 1970

marcada por forte repressão, perseguição e censura nos chamados anos de chumbo,

paradoxalmente descortinou “horizontes, abrindo fronteiras, geográficas e econômicas,

movendo as pessoas em todas as direções da rosa dos ventos, para cima e para baixo

nas escalas sociais, anos obscuros para quem descia, mas cintilantes para os que

ascendiam”.4

Em seus estudos sobre o período ditatorial no Brasil, o historiador Daniel

Aarão Reis Filho apontou alguns paradoxos das políticas econômicas adotadas pelos

militares; principalmente durante o governo de Emílio Garrastazu Médici que, naquele

momento, usou as máscaras dos altos índices econômicos e das propagandas ufanistas

e gerou ilusões pelo reflexo de uma economia em ascensão.

Para Reis Filho, os anos de chumbo foram “carregados de terror e medo,

porém prenhes de fantasias esfuziantes, transmitidas pela televisão, em cores,

alucinados anos, com seus magníficos desfiles carnavalescos e tigres e tigresas de toda

a sorte dançando ao som de frenéticos dancin’ days”.5 Nesse primeiro momento, tudo

fora favorável para o governo Médici e a conquista do tricampeonato mundial no

México, em 1970, “uma benção para esse propósito de celebração patriótica, até 3 LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). Fontes históricas. São Paulo. 2008. 4 REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. 1ed. Rio de Janeiro. 2014, p. 91. 5 Id. Idem.

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mesmo porque era o primeiro campeonato mundial de futebol transmitido ao vivo para

todo o país”,6 pelos principais órgãos de comunicação.

A consagração do regime ocorreu em 1972 devido ao Sesquicentenário da

Independência que, articulado aos êxitos econômicos do regime, forneceu a tônica

para o evento dado a prosperidade do que todos chamavam “milagre brasileiro”.7

Na edição comemorativa de 29 de abril desse mesmo ano, a revista Manchete

apresentou em sua reportagem todo o aparato cerimonial que envolveu as autoridades

civis e militares, tanto portuguesas quanto brasileiras, para o adeus de Portugal aos

despojos de D. Pedro I que retornavam ao Brasil. As comemorações do

sesquicentenário da Independência do Brasil também conquistaram o cinema e os

salões do Itamarati que “acostumados à presença solene de diplomatas do mundo

inteiro, foram invadidos [...] por dezenas de cineastas e artistas, até então estranhos

àquele ambiente formalista”.8 Tais artistas continuou a Manchete, compunham o

elenco do filme intitulado

[...] Independência ou Morte e, durante os próximos dois meses, vão reviver os momentos mais importantes da história do Brasil, compreendendo o período que vai da chegada da família Real até a abdicação de D. Pedro I. Produzido por Oswaldo Massaíni, Independência ou Morte custará perto de 1 milhão e duzentos mil cruzeiros e poderá ser oficializado pelo governo, a fim de participar das comemorações do Sesquicentenário da Independência.9

6 Ibid. Ibidem. p. 81. 7 VILA, Marco Antonio. Ditadura à brasileira – 1964-1985: A democracia golpeada à esquerda e à direita. São Paulo. 2014. p. 191. 8 MANCHETE, 29 de abril de 1972, p. 33. 9 MANCHETE, 29 de abril de 1972. Id. Idem. Partes do filme foram rodadas no Palácio do Itamarati e em outros locais históricos, como o Palácio do Catete, Casa da Marquesa de Santos em São Cristóvão, Convento de São Augustinho, Loja Maçônica do Rio de Janeiro e o Teatro Municipal de Niterói. Independência ou Morte contou com a participação das estrelas da televisão brasileira dos anos 1970, como Tarcísio Meira, que interpretou “Pedro I; Kete Hansen, a Princesa Leopoldina, e Glória Meneses viverá a marquesa de Santos. O Papel de D. Carlota Joaquina coube a Heloísa Helena. Anselmo Duarte será Gonçalves Ledo e Emiliano de Queirós interpretará o papel de Chalaça, o famoso bobo da corte portuguesa”. [grifos do autor].

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Em outra edição sobre a independência, a Manchete exibiu os 150 anos de

progresso, mostrando as principais capitais do país em ritmo acelerado de obras, além

de destacar a rodovia Transamazônica, como um dos maiores feitos do governo

Médici, uma vez que rasgaria a maior e mais densa floresta do mundo, ligando “com

seus quatro mil quilômetros, o Atlântico ao Pacífico, concretizando a investida da

civilização na área mais brava do planeta”.10

Em Brasília, o ritmo projetava-se para o futuro e todas as discussões sobre a

transferência ou não da Capital findaram após o presidente mudar definitivamente

10 MANCHETE, Edição da Independência. 1972, p.183.

FIGURA 1 – MANCHETE 29 DE ABRIL DE 1972

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete 1972. 2018. 1 fotografia. Color. 10.6 cm X 15 com.

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todos os ministérios e os assessores que comandariam o centro da nação, para então

promover as reuniões ministeriais no Distrito Federal.11

De acordo com a Manchete, a presença de Emílio Médici tornou-se constante

na capital e duas vezes por semana, como também em dias solenes, o presidente descia

pela rampa central. A transferência para Brasília impactou os diretores e funcionários

mais obstinados e acostumados a vida litorânea, que se viram obrigados a renderem-se

diante da decisão tomada em “nível presidencial”. Estes funcionários, segundo a

revista, tiveram patriotismo suficiente para se adaptarem a nova realidade e somente

11 MANCHETE, Edição da Independência.1972, Ibid. Ibidem p. 20. Exceto nos casos de emergências ou por motivos de força maior, em que as audiências e despachos eram realizados no palácio das Laranjeiras.

FIGURA 2 – MANCHETE EDIÇÃO DA INDEPENDÊNCIA 1972

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete Edição da Independência. 2018. 1 fotografia. Color. 10.3 cm X 15 com.

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esta decisão patriótica, foi capaz de afastá-los de uma grande metrópole para um

cenário ríspido e desértico.12

Conforme Alessandra Ciambarella, o que mais pesava para os funcionários,

não eram “só os ‘hábitos litorâneos’ adquiridos no Rio de Janeiro, como também a

preocupação em transferir ou não sua família para uma cidade que, segundo os jornais,

não tinha escolas, sistema de saúde, cultura, história”.13

Nessa reportagem, a Manchete explorou os aspectos funcionais de Brasília,

com ênfase ao debate da transferência definitiva da Capital, que desde a sua

inauguração não atendia totalmente a finalidade executiva. A revista também apontou

o silêncio dos opositores, que não mais questionavam os altos custos que envolveram a

construção da capital.

A análise dos discursos apontados pela revista permite perceber o desejo da

editora Bloch de superar o debate da transferência da capital, pois em outra edição

comemorativa, com o título Brasil 70, a revista por meio da reportagem O Rio corre

para o futuro, ressaltou características peculiares da cidade maravilhosa e a capacidade

industrial do Estado da Guanabara em competir com outras unidades federativas. De

acordo com a revista a Guanabara,

É um estado que se desenvolve em todas as direções, implantando grandes pólos de industrialização – Santa Cruz, Botafogo e outros – e beneficiando-se de obras feitas como o Aeroporto Supersônico do Galeão e a Ponte Rio Niterói. É também a metrópole que planeja a sua expansão pelos espaços da Baixada de Jacarepaguá e da Barra da Tijuca, que protege a paisagem famosa de suas montanhas e, nas dimensões arrojadas da engenharia, e soluciona os problemas.14

Nessa edição o carro chefe da matéria foi a industrialização do país nas

principais capitais e, sobretudo o destaque para a capacidade de o Rio de Janeiro se

reinventar após a mudança dos ministérios para Brasília.

Assim sendo, pode-se inferir que em 1972, ainda existia um debate sobre

Brasília e a sua posição enquanto capital federal, pois como argumentou o governador

12 MANCHETE, Edição da Independência. 1972. Id. Ibidem p. 20. 13 CIAMBARELLA, Alessandra. “A tradição abre as portas à modernidade”: o Rio de Janeiro e a transferência da Capital Federal (1956-1960). In: FERREIRA, Jorge (Org.). O Rio de Janeiro nos jornais: ideologias, culturas política e conflitos sociais (1946-1964). Rio de Janeiro. 2011. p. 150. 14 MANCHETE, Edição especial Brasil 70. 1970, p. 7.

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Hélio Prates da Silva: Brasília não era mais a capital da esperança, e sim uma cidade

que se preparava para viver plenamente o século XXI.15 Caminhando para o futuro,

continuou o governador, a sede do governo federal, com apenas doze anos de idade,

não se limitava à simplicidade de uma de nova capital do país e suas obras

excepcionais eram projetadas em ritmo acelerado. Logo, com esses empreendimentos,

os homens que governam a cidade a projetam para o futuro.16

Ao analisar a reportagem acima citada pôde-se perceber que o Brasil revivia

tempos de grande euforia, como também a preocupação dos militares em divulgar os

objetivos atingidos e os que seriam conquistados. Para tanto, o governo Médici criou

[...] uma agência própria de propaganda, a Assessoria Especial de Relações Públicas (Aerp), para martelar slogans otimistas, animando, encorajando, com mensagens positivas, construtivas e ufanistas: Pra frente, Brasil. Ninguém mais segura este país. O futuro chegou. Brasil, terra de oportunidades. Brasil potência emergente.17

No entanto àqueles que discordavam das propostas governamentais restava à

porta de saída, conforme a propaganda oficial: Brasil, ame-o ou deixe-o.18

Recorrer à propaganda política foi umas das táticas usadas pelos militares a

partir de 1968; apesar de o primeiro presidente militar Humberto de Alencar Castelo

Branco recusar esse mecanismo recomendado pelos setores do seu governo. As

propagandas políticas nos governos posteriores foram legalizadas e assumidas

orgulhosamente pelo regime militar, mesmo que fossem pequenos “comerciais” ou até

“filmetes”, como os seus produtores os nomeavam.

No governo Médici, a Assessoria Especial de Relações Públicas (Aerp) sob a

direção do coronel Octávio Costa, apresentou uma nova proposta e suas produções

passaram a destacar inúmeras imagens como, por exemplo, de famílias felizes ou sobre

a ausência de racismo, imagens que criavam para a sociedade representações positivas

acerca dos destinos da nação. Além disso, realizavam campanhas de utilidade pública

15 MANCHETE, Edição da Independência. 1972. Op. Cit., p. 22. 16 MANCHETE, Edição da Independência. 1972. Ibid. Ibidem. p. 23. 17 REIS FILHO. Op. Cit., p. 81. 18 A propaganda oficial conforme Reis Filho, era: “America, love it or leave it”.

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para ensinar aos brasileiros, noções de higiene, educação e civilidade.19 Essa proposta

adotada pelo órgão foi

[...] a expressão mais cabal da dimensão pedagógica da utopia autoritária. Aqui, quando falamos em ‘utopia’, não devemos supor a perspectiva generosa de horizontes de felicidades, mas de projeto irrealizável. Do mesmo modo, ao associarmos essa utopia a uma perspectiva pedagógica, não devemos nos esquecer de que se tratava de uma pedagogia autoritária.20

O principal agente que nutria essa utopia foi o elevado índice econômico

usado como álibi para as propagandas da Aerp, uma vez que o caixa do Estado era

reforçado pelos novos impostos e credores internacionais. Estes últimos por sua vez,

continuaram investindo na construção civil estimulando as grandes obras.

Ao assumir o governo, o general Emílio Garrastazu Médici se deparou com os

primeiros efeitos do “milagre econômico”, que apresentava um crescimento

considerável na economia. A expressão monetária e os créditos foram canalizados para

os setores privados, bem como o aumento significante do comércio exterior, por conta

do crescimento de exportação de manufaturados, embora apenas em 1970 os agentes

econômicos e o governo perceberam que o crescimento seria inexorável,

autoalimentado e sustentável por longos anos. 21

Entre 1969 e 1973, o desenvolvimento brasileiro atingiu uma média de 11%

ao ano, chegando em 1973 a quase 14%, e os acordes dos índices anuais do PIB,

repercutiram como uma

[...] doce música para todos os que se beneficiavam, e motivo de inquietação para os que acreditavam na utopia do impasse. A dança, para o alto, dos números impressionava, e impressiona até hoje, já que o país nunca mais

19 FICO, Carlos. História do Brasil contemporâneo. São Paulo. 2016, p.75-76. Castelo Branco por ser antigetulista, recusou a ideia de recorrer às propagandas políticas por temer ser comparado ao a Vargas que utilizou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) durante o Estado Novo. Ver Ibid. Ibidem. p. 75. 20 Ibid. Ibidem. p. 80. A Assessoria Especial de Relações Públicas (Aerp) propagava e enxergava nos brasileiros um despreparo e por isso, precisavam defendia que deveriam receber “noções básicas até mesmo de higiene e de civilização urbana”. Esse órgão era “conduzido por militares que se associavam, como um todo, à mesma utopia autoritária a que se filiava a linha dura – na medida em que todos supunham que fosse possível tornar o Brasil uma grande potência, desde que eliminados alguns obstáculos”. Id. Idem. 21 NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo. 2016, p.159. O crescimento de manufaturados equivalia a “ (39% média anual), compensando o igual aumento das importações de petróleo e máquinas”. Id. Idem.

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apresentou tão elevados resultados: 9,5%, em 1970; 11,3%, em 1971; 10,4%, em 1972; 11,4%, em 1973. Na ponta, a indústria, com taxas de 14% anuais, com destaque para as locomotivas do processo: a indústria automobilística, a de eletroeletrônicos, a construção civil, com taxas superiores a 20% ao ano.22

No entanto, o sucesso do milagre começou a demonstrar a sua fragilidade com

a primeira crise do petróleo desencadeada pela tentativa de os países árabes em

recuperar territórios perdidos, evidenciando a dependência brasileira, em relação aos

insumos básicos importados, principalmente o petróleo que equivalia a 90% do

consumo no país.23

Em linhas gerais, o milagre durou pouco tempo e o regresso crescente da

inflação conduziu o sistema à beira do colapso, uma vez que a dívida externa “passou

de US$ 4,5 bilhões em 1966 para US$ 12,6 bilhões em 1973” como indicou Carlos

Fico, logo, “o Brasil teria de desembolsar cada vez mais dólares com o ‘serviço da

dívida’ – o pagamento de juros e amortizações”.24

As medidas adotadas pela equipe econômica de Médici desencadearam no

país um descompasso na pirâmide social, uma vez que a concentração de renda de

poder representava bem o perfil da desigualdade evidenciada pela complexa estrutura

de uma irredutível polaridade,

[...] simplificada de um topo minúsculo e milionário e uma base imensa e miserável. Sem dúvida, o topo, já enriquecido, enriqueceu-se ainda mais. E setores miseráveis da base mais miseráveis se tornavam. Contudo, entre esses extremos, havia camadas de amortecimento, e a sua existência conferiu saúde, estabilidade e vigor àquele corpo, cuja cabeça já estava – e ainda está – nas ricas avenidas de Miami, enquanto os pés chafurdam nos miseráveis casebres das favelas.25

22 REIS FILHO. Op. Cit., p.79. Sobre “Utopia do Impasse” entende-se que depois do Ato Institucional nº 5 (AI-5), com suas medidas restritivas a qualquer crítica política, não restava mais nada para os que discordavam a não ser a luta armada, por ser impossível um viés conciliatório. 23 NAPOLITANO Op. Cit., p. 169-170. A crise que quase levou a economia mundial ao colapso devido a união dos árabes ao fazerem “valer sua maioria na Opep, cartel que controlava a produção e o comércio de petróleo no mundo”, envolveu países governados pelo Egito e pela Síria, em uma aliança militar que reivindicava “os territórios perdidos na guerra dos Seis Dias, em 1967”. Os árabes estrategicamente avançaram ao surpreendeu Israel que comemorava o feriado do Dia do Perdão, que para a cultura judaica, era uma importante data. Entretanto, a “contra-ofensiva israelense” só poderia ser bem-sucedida devido o apoio dos Estados Unidos que liderava vários países e os ajudou com suprimentos e armas. Ibid. Ibidem. p. 169. 24 FICO. Op. Cit., p. 81. 25 REIS FILHO. Op. Cit., p. 92.

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Sobre esta questão, pode-se destacar a migração desenfreada e o inchaço

urbano provocados pelo reflexo da melhoria de renda e da qualidade que o milagre

proporcionou, fatores que dificultaram ainda mais a vida dos grupos menos abastados.

Um bom exemplo dessa situação era a desorganização familiar, uma vez que creches e

escolas públicas eram insuficientes para atender aos filhos dos trabalhadores enquanto

estavam ausentes; revés que exteriorizou o problema social dos menores abandonados

que perambulavam pelas ruas roubando e mendigando.26

O presidente Médici não só herdou o sistema econômico desenvolvimentista e

repressivo de seus antecessores militares, como também ampliou o caráter ditatorial do

regime.

Cabe aqui destacar que, a “eleição” de Médici comprometeu mais ainda a

democracia e contribuiu para desacreditar a representatividade dos órgãos

parlamentares, refletindo nas eleições para Senado, Câmara Federal, assembleias

estaduais e câmaras de vereadores.27

Segundo Marco Antonio Villa, o presidente Médici comandava o Brasil como

um batalhão, sem “apego pelo poder”, vislumbrando a presidência da República como

uma missão militar, sobretudo ao utilizar inúmeras vezes o AI-5 para impor suas

decisões, assim como faria, caso estivesse em um quartel com o regulamento militar,

demonstrando a sua apatia pela política.28

No seu governo, a continuidade do desenvolvimento a longo prazo era a

principal arma estratégica de Delfim Netto, desenvolvimento compreendido pelo então

ministro da Fazenda “como dinamização da iniciativa privada e expansão industrial à

base de expansão do consumo de bens duráveis”.29 Em uma entrevista de João Pinto

26 NAPOLITANO. Op. Cit., p.168. 27 REIS FILHO. Op. Cit., p. 83. As eleições em 15 de novembro de 1970 apresentaram o “único momento em que houve eleições simultâneas para todos os níveis na história do país”, apesar de não obterem sucesso devido aos votos brancos e nulos, nesse ínterim, as esquerdas revolucionárias encontravam-se debilitadas e pouco poderiam fazer. Reflexo dessa “impotência” foi a massiva vitória dos governadores indicados pelo governo na eleição desse mesmo ano em 3 de outubro, exceto o nome de Antônio de Pádua Chagas eleito pelo PMDB. Mesmo assim, não era considerado opositor ao regime. Id. Idem. 28 VILLA, Op. Cit., p. 195. 29 NAPOLITANO. Op. Cit., p. 160. O então presidente delegou poderes para a máquina administrativa, que sobrelevaram as políticas de Antonio Delfim Netto, Ministro da Fazenda, nomeado ainda no governo Costa e Silva em 1967 e mantido no governo Médici, como “czar” da economia

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Neto, na edição de 29 abril de 1972 à revista Manchete, as autoridades do setor

econômico-financeiro, sob o comando de Delfim Netto, ressaltaram o controle da

dívida externa bem como a capacidade de adquirir mais financiamentos.

O saldo da balança de pagamentos, o montante das exportações e reservas monetárias no exterior constituem garantia suficiente para que as operações de crédito realizadas no exterior tenham um resgate ajustado às possibilidades do país. Fundamentalmente, o esforço maior na área do desenvolvimento dependia da poupança interna. O que o Ministro Delfim Neto não desejava é perder as oportunidades que o Brasil pode aproveitar no exterior, em termos de crédito e financiamento. Se a conjuntura é favorável, se há confiança no país, não é justo que deixamos de lado essas contingências amplamente favoráveis à complementação de nosso esforço de progresso e desenvolvimento.30

Naquele ano, o Brasil quase atingiu as indiretas cifras de dois milhões de

dólares de reservas monetárias que refletiam na saúde financeira nacional. Segundo

Delfim Neto, o principal benefício do aumento das reservas era “a criação de novos

estímulos para o pagamento da dívida externa, ao mesmo tempo que se abrem novas e

seguras perspectivas para o financiamento de inúmeros projetos de desenvolvimento

no país”.31 Enfim, a dívida externa para o ministro estava sob controle.

E de fato, no início dos anos 1970, o Brasil vivenciava o ápice do seu

desenvolvimento, com a oferta de empregos e de créditos fartos, impulsos no

consumo, arrebatamento da bolsa de valores, além das obras faraônicas como a Ponte

Rio-Niterói, a Usina de Itaipu e a Rodovia Transamazônica, veiculadas pela mídia e

pela propaganda oficial como exemplo de que o gigante havia despertado.32

O presidente Médici gozava de altos índices de popularidade, implícitos nos

dados divulgados pelo Ibope e os efeitos da euforia ufanista, além de seduzirem o

governo e boa parcela da sociedade e de beneficiarem diretamente a classe média,

principal consumidora de produtos e bens duráveis, contribuíram para enfraquecer as

esquerdas revolucionárias que ficaram isoladas politicamente.

brasileira, atuando com total autonomia nas ações relacionadas ao poder econômico. Ibid. Ibidem. p. 162. 30 MANCHETE. 29 de abril de 1972. Op. Cit., p. 152. 31 Id. Idem. 32 NAPOLITANO. Op. Cit., pp.160-161.

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Nesse momento, o regime já havia derrotado quase todos os seus opositores

principalmente os integrantes da Frente Ampla, – que se apresentava como oposição

civil democrática ao regime. Extinta em 5 de abril de 1968, pelo Ministério da Justiça,

a Frente Ampla possuía uma representatividade política mínima e o seu fracasso como

ressalta Marcos Antonio Villa, “foi também o dobre de finados de João Goulart,

Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda. As velhas lideranças não mais conseguiam dar

conta da complexa conjuntura, e sairiam, ainda que precocemente, da vida política

para entrar na história”.33

Além disso, os estudantes e militantes dos movimentos das esquerdas que

desde o golpe civil-militar enfrentavam perseguições, torturas e a clandestinidade,

após AI-5, foram alvo do aparato criado pelo regime seja por meio da perseguição as

guerrilhas, seja por meio da repressão e censura ou através de leis semiclandestinas

amparadas exclusivamente nos Atos Institucionais 13 (Banimento) e 14 (Pena de

Morte), respostas diretas às manifestações contrárias ao regime.34 A Emenda

Constitucional nº1 de 1969, “incorporou o princípio de defesa do Estado com base na

Doutrina de Segurança Nacional. A reformulação [...] tipificou novos crimes e criou

penas mais duras. Em 1970 havia cerca de 500 presos políticos, 56% estudantes”.35

Essas medidas arbitrárias forjaram um clima de calmaria que somado as altas

taxas de crescimento do PIB, geração de empregos e o aumento do consumo para a

classe média permitiram, mesmo que parcialmente, que a sociedade brasileira

vivenciasse o “milagre econômico” ao som e imagens em cores das propagandas

ufanistas na TV e rádios.

Para o historiador Marcos Napolitano, o ufanismo tornou-se “a materialização

do projeto Brasil Grande Potência, o auge da utopia autoritária da ditadura”36 e por

isso seduziu grande parte da população e da mídia. A sensação de euforia era intensa e

33 VILLA. Op. Cit., p.117. 34 NAPOLITANO. Op. Cit., p. 135. 35 Id. Idem. Muitos dos jovens estudantes que se envolveram nos protestos no fim de 1968, frustrados com a repressão do AI-5, aderiram a luta armada sem nenhuma habilidade com armas e, principalmente sem nenhuma ligação com o tema. “A pergunta que fica é: qual a responsabilidade das lideranças nesse recrutamento de rapazes e moças inexperientes que, de um dia para outro, foram lançados na clandestinidade? Muitos deles foram mortos pela repressão”. FICO. Op. Cit., pp. 93-94. 36 NAPOLITANO. Op. Cit., p.161.

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permitia que até os mais empobrecidos gozassem de algumas migalhas, uma vez que a

expansão de crédito

[...] para assalariados médios permitiu que a classe média, com um todo, consumisse bens duráveis, pagando a perder de vista. O “fusca”, modelo popular da Volkswagen, tornou-se o símbolo da expansão do consumo no Brasil. Mesmo para setores da classe média baixa composta por pequenos funcionários, comerciários, escriturários, o primeiro fusca e o sonho da casa própria podiam se tornar realidade, com a expansão dos “conjuntos residenciais” do Banco Nacional da Habitação (BNH) a preços acessíveis pagáveis em prazos longuíssimos.37

No entanto, continua o autor, o sucesso do milagre era um reflexo de políticas

recessivas, principalmente do governo do presidente Castelo Branco, que se integrou

ao auge dos “Trinta Anos Gloriosos”38 do capitalismo mundial extremamente

favorável no final dos anos 60, momento em que fluía a política desenvolvimentista

implantada no governo do ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, que lançou

em 1956 o seu famoso Plano de Metas, e nestes “momentos históricos, antes e depois

de 1964, o principal beneficiário do desenvolvimento foi o grande capital nacional e,

sobretudo, internacional”39.

De acordo com muitos estudiosos, o final do governo JK, apresentava sinais

de desgaste devido a insatisfação tanto dos nacionalistas mais radicais, no que concebe

a abertura do país para o capital internacional, quanto da oposição devido aos acordos

firmados com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

As esquerdas alegavam que o pacto desenvolvimentista beneficiaria

consideravelmente a burguesia em detrimento do operariado e passaram a exigir que as

reformas fossem estendidas ao setor agrário.40 Elas também criticavam o entreguismo,

desprezavam os altos índices de crescimento e defendiam a reforma agrária ao invés

da construção de Brasília.41 Críticas à parte, o que se pode inferir neste momento é que

37 Ibidem. p.163. 38Ibidem. p.161. Em relação aos fatores externos, “vale lembrar que o capitalismo mundial vivia o auge dos seus ‘Trinta Anos Gloriosos’, como ficou conhecida a época que se seguiu com o fim da Segunda Guerra Mundial e terminou com a crise do petróleo em 1973”. Ibidem. 39 Ibidem. p.148-149. 40 AMORIM, Rose Mary Guerra. O governo JK e a revista Manchete: a criação do mito dos anos dourado. Rio de Janeiro. CPDOC. 2008. p.33. Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br>. Acesso em: 17 jul. 22017. 41 REIS, FILHO. Op. Cit., p.27.

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tanto no governo Kubitschek quanto no regime militar o grande capital estrangeiro se

firmou no afã desenvolvimentista, incentivado pela política econômica uma vez que,

Juscelino Kubitschek, apesar de ser um liberal-democrata, driblava habilmente a lentidão das discussões políticas do Congresso Nacional, gerindo seu plano desenvolvimentista através dos grupos executivos movidos pela lógica de tecnocracia de resultados. Esses grupos eram conselhos que reuniam governo, técnicos e empresários na implementação de medidas técnicas e políticas de estímulos à industrialização. Em países subdesenvolvidos, quase nunca o tempo da política coincidia com o tempo da economia. A primeira, ao menos em sua faceta democrática, sempre saía perdendo.42

O governo JK, para Rose Mary Guerra Amorim, foi conduzido por medidas

implementares e por investimentos voltados para a industrialização a começar pela

emissão monetária e abertura da economia ao capital estrangeiro. A emissão monetária

“ocasionou um agravamento do processo inflacionário, enquanto que a abertura da

economia ao capital estrangeiro gerou uma progressiva desnacionalização

econômica”.43

Além disso, a transferência da Capital do Rio de Janeiro para Brasília

configurou-se como símbolo do desenvolvimentismo que, ao contrário da política

nacionalista de Vargas, não excluía a cooperação do capital estrangeiro, conduzindo a

nação a organizar “um novo modelo de desenvolvimento, no qual se enfraqueciam

referências caras às tradições nacional-estatistas, fixadas desde sua gênese na ditadura

do Estado Novo”.44

Importa aqui destacar que, a manutenção dos altos índices de desenvolvimento

industrial no Brasil só foi possível devido à abertura e aos incentivos ao capital

internacional, uma vez que o Estado “investiu pesado em obras de infra-estrutura,

42 NAPOLITANO. Op. Cit., p.149. É importante apontar que se por um lado o governo Médici contava com uma agência própria de propaganda o governo Kubitschek tinha a seu dispor o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) órgão “ligado à Casa Civil da Presidência da República, com sede no Rio de Janeiro”. O instituto funcionou como um espaço ativo de socialização entre políticos, intelectuais, artistas e estudantes e reuniu um elenco de pensadores que marcou época”. SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Murgel Starling. Brasil: uma biografia. São Paulo. 2015. p. 417. 43 AMORIM. Op. Cit., pp.31-32. 44 REIS FILHO. Op. Cit., p.27. De acordo com o autor, na tradição criada “[...] pela ditadura varguista, o Estado voltava a incentivar, regular, financiar e proteger, intervindo ativamente nos mais variados setores econômicos. Além disso, reforçava o papel das empresas estatais. [...]. Associadas ao capital privado, nacional e estrangeiro, não raro eram subsidiadas pelo governo, mesmo à custa de prejuízos”. Ibid. Ibidem. p.80.

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sobretudo estradas e energia elétrica, atraiu o capital privado, nacional e estrangeiro,

para promover a industrialização do país”.45

O sonho de Vargas em ampliar a indústria automobilística somente se

concretizou no governo JK devido à presença das grandes multinacionais no país e

incentivos governamentais a essas empresas.

Sobre a realização nacionalista proposta por Vargas no governo Kubitschek e

sua relação com a grande penetração do capital internacional, Maria Victoria de

Mesquita Benevides destaca que se houve uma superação do subdesenvolvimento, em

contrapartida houve desequilíbrios regionais que colaboraram para o enfraquecimento

da “burguesia nacional”. Para a autora, o que estava em pauta nessa discussão era

[...] o uso e as consequências da ideologia (na ótica da estabilidade política) e não se o seu conteúdo é falso ou verdadeiro. Além disso, existem vários “nacionalismos”, e se o Governo Kubitschek era considerado “entreguista” pela “esquerda” (capital estrangeiro etc.), era “nacionalista” em relação à direita reacionária-radical de Lacerda e seguidores. O que parece pertinente lembrar é que a ideologia nacionalista não era “difusa” nem muito menos do governo, mas sim a ideologia desenvolvimentista. O desenvolvimentismo tinha sobre o nacionalismo vantagens que o tornaram mais atraente, tanto do ponto de vista puramente ideológico, quanto em termos pragmáticos. Ao nível do poder central, grande difusor dessa ideologia, é possível afirmar que o desenvolvimentismo foi usado como um recurso para a garantia da estabilidade do sistema.46

Embora o processo de controle das demandas distributivas, pelas “classes

produtoras” e o avanço do capitalismo no governo dos militares (principalmente no

governo Médici), tenha em sua gênese semelhanças com o desenvolvimentismo dos

anos JK, suas ideologias distinguem-se em vários aspectos e nenhum historiador sério,

alerta Napolitano “mesmo mais à direita, questiona que o desenvolvimentismo sem

democracia imposta pela ditadura militar teve um alto custo social”.47 A consolidação

do capitalismo no Brasil apontou para a concentração de renda, diminuição do salário

mínimo e problemas como a mortalidade infantil que não coincidiam com as políticas

públicas de um país que ascendia economicamente.

45 AMORIM. Op. Cit., p.31. 46 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O Governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956-1961. Rio de Janeiro. 2001. pp. 239-240, [grifo da autora]. 47 NAPOLITANO. Op. Cit., p. 149.

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Além disso, não se pode deixar de mencionar as arbitrariedades do

autoritarismo que no período ditatorial, permitiram que a política brasileira deixasse de

ser influenciada pelos representantes civis para encontrar o refúgio nos quartéis. A

sensibilidade da opinião pública era mais declinante para o milagre do que para à

abertura política, pois as informações sofriam pesadas restrições promovidas pela

intensa censura, conduzindo muitos brasileiros a vislumbrarem as atividades políticas

como irreais, concentrando-as no plano das expectativas.48

A mídia aliás, enfrentou vários obstáculos durante a ditadura e as relações

criadas e mantidas entre a imprensa e os militares é o próximo ponto a ser discutido

neste estudo monográfico.

1.2. IMPRENSA BRASILEIRA: JOGOS DE INTERESSES E A BUSCA DA

HEGEMONIA.

No cenário conturbado de euforia e ao mesmo tempo repressão, a imprensa

brasileira cumpriu uma função importante e conseguiu “diluir parte de suas

responsabilidades diretas no golpe, passando a se autorrepresentar como um dos

lugares privilegiados da resistência e, como tal, vítima do arbítrio”.49 A cumplicidade

no golpe contra João Goulart, não impediu que o regime se voltasse contra a imprensa,

posteriormente submetida à censura.

Durante os primeiros anos do regime militar, a censura foi menos incisiva para

com a Grande Imprensa. No entanto, a partir da promulgação do AI-5 ao obter amplos

poderes, o presidente passou a “impor a censura prévia aos meios de comunicação”.50

Essas medidas tomadas em defesa da “Revolução”, sob o ideário da Segurança

Nacional, permitiram que a repressão se tornasse mais direta e ampla em todos os

níveis possíveis.

Os planejamentos liderados pelo governo de Castelo Branco, que tinham como

base o programa liberal-internacionalista, nesse momento foram deixados de lado, 48 BAHIA, Benedito Juarez. História, jornal e técnicas: as técnicas do jornalismo. Rio de Janeiro. 2009. p. 240. 49 NAPOLITANO. Op. Cit., p. 223. 50 ABREU, Alzira Alves de. A modernização da imprensa, (1970-2000). Rio de Janeiro. 2002.p. 14-15.

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“sobretudo em função das consequências do saneamento financeiro, que sacrificaram –

com o aumento da carestia da vida – setores da classe média que haviam apoiado o

golpe”.51 Essas medidas desencadearam no país uma série de manifestações sociais,

que chegaram ao clímax em 1968, um ano repleto de embates, resistências e carregado

de esperanças que definitivamente findaram com a promulgação do AI-5.

No que tange a relação imprensa e regime militar, importa ressaltar que sendo

vilã ou vítima, os reflexos de suas ações foram significativos, pois de acordo com

Benedito Juarez Bahia, os prejuízos sociais e educativos “da mensagem ocorrem não

por ser ela popular ou sensacionalista, mas por ser destrutiva. Um rádio popular ou

sensacionalista, como uma imprensa do mesmo gênero, reúne mais aspectos positivos

que negativos”,52 e esses aspectos basicamente atuaram como válvulas de escape para

amenizar as tensões e emoções.

A pesar da subjetividade da imprensa como referência em muitos momentos

na história brasileira, cabe aqui destacar também a relevância de outro espaço efetivo

da circulação de ideias que abrangia um público leitor mais amplo: a “imprensa

alternativa”. Esta, embora apresentasse um perfil mais militante do que acadêmico,

não permitiu que os debates oriundos da pesquisa universitária ficassem totalmente

ausentes nos jornais.53 Dessa forma pode-se perceber que a imprensa alternativa, atuou

como um agente político ao agir do lado oposto da censura, para trazer aos seus

leitores um debate atualizado e consciente e apresentar uma modalidade de jornalismo

político, entendido neste estudo monográfico como;

[...] a cobertura dos assuntos políticos – que é uma especialização no jornal, revista, rádio e televisão – ou, resumidamente, a reportagem dos fatos diários da vida pública. Nela se incluem atos jornalísticos, como relatos das atividades dos partidos; do Congresso, Senado, Câmara, assembleias e câmaras municipais; das atividades administrativas; notícias, entrevistas, colunismo, opinião, comunicado de líderes políticos, estudantis, sindicais, e etc.; a matéria correlata que se exprime pela cúpula do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, e o que mais se possa enquadrar como iniciativa política, mesmo derivando de outras origens, mais que diga respeito à vida política interna.54

51 FICO, Carlos. Op. Cit., p.63. 52 BAHIA, Op. Cit.p.199. 53 NAPOLITANO. Op. Cit., p. 223. 54 BAHIA. Op. Cit., p.240.

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Uns dos exemplos significativos desses espaços politizados e intelectualizados

foram os periódicos O Pasquim e Opinião, principais referências jornalísticas dos

jornais “nanicos” da “imprensa alternativa”, que atuaram contrapondo-se a grande

imprensa liberal e seus interesses comerciais e políticos. A função do jornalismo

político é evidenciar os fatos da vida pública como já mencionado, no entanto, a

grande imprensa nos momentos em que se favoreceu das vantagens proporcionadas

pela ditadura, pouco deu vazão às violências cometidas em defesa do ideário da

Segurança Nacional.

Diferentemente desses a imprensa alternativa publicou mais de 150 periódicos

em oposição ao regime entre os anos de 1964 e 1980, em um formato dividido em dois

grandes conjuntos: “uma linhagem mais propriamente política, sob influência da

esquerda marxista, e outra ideologicamente mais difusa, voltada a crítica

comportamental”55, desempenhando um papel muito peculiar no que se refere a

resistência, ao utilizar inúmeras estratégias para denunciar as arbitrariedades do

governo militar. Esses espaços eram as vozes de uma parcela da população que

expressava o seu descontentamento e este círculo de comunicação tornou-se um

relevante crítico do modelo econômico e das violações dos direitos humanos

contribuindo para formar uma nova geração de profissionais que, após a abertura

política, conquistou espaço e poder nas redações.56

É importante destacar, que nos primeiros anos do regime ocorreu uma

modernização nos meios de comunicação, devido aos financiamentos para a ampliação

e construção de novas redações, por meio do “Grupo Executivo da Indústria do Papel e

Artes Gráficas (Geipag), vinculado ao Ministério da Indústria e Comércio que tinha

por objetivo analisar e aprovar os pedidos de importação de equipamentos gráficos”.57

Essas transformações possibilitaram aos empresários da mídia maior facilidade na

obtenção de empréstimos em bancos oficiais permitindo a compra de equipamentos e a

55 NAPOLITANO. Op. Cit., pp. 225-226. 56ABREU, Alzira Alves de e WELTMAN, Fernando Lattman. Uma instituição ausente nos estudos de transição: a mídia brasileira. In: ABREU, Alzira Alves de. (Org.). A democratização no Brasil: atores e contexto. Rio de Janeiro. 2006. p.77. Entre os principais vetores de críticas ao regime militar pode-se destacar a “imprensa alternativa, as charges, as editorias de economia, as páginas de opinião e as telenovelas”. Id. Idem. 57 Ibid. Ibidem. p.74.

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modernização de suas redes, além da conquista de financiamentos para a construção de

prédios novos com a finalidade de expandir as redações.58

Outro meio que beneficiava consideravelmente a mídia era a publicidade dos

órgãos oficiais que representava cerca de “30% das receitas dos jornais” e que gerava

uma considerável dependência econômica do Estado.59 Essas “benesses” ofertadas

pelo governo tornaram os proprietários dos meios de comunicação submissos as

exigências da censura, fator que impossibilitou muitas empresas de realizarem

qualquer tipo de oposição ao governo.

Após o AI-5, as práticas da censura prévia tornaram-se comuns e várias

formas de restrições impostas pelos censores dentro das redações criaram as condições

necessárias para que a mídia se afastasse dos militares e se aproximasse dos jornalistas

engajados na luta pela liberdade de imprensa.

Mesmo com parte da imprensa se afastando do governo, alguns jornais

permaneceram submissos às pressões da censura, enquanto outros usaram fórmulas

críticas para denunciar a repressão e a falta de liberdade de expressão. Afirmação que

pode ser corroborada por meio das análises sobre a mídia, elaboradas por estudiosos de

diversas áreas, que geralmente abordam a autocensura e subordinação frente as

determinações dos militares.60

Nesse sentido, Alzira Alves de Abreu sinaliza para o fato de que, até 1970 o

controle das empresas jornalísticas concentrava-se nas mãos de seus proprietários, ou

até mesmo dos seus familiares, o que lhes fornecia total autonomia nas orientações

políticas. As transformações e os novos métodos voltados às técnicas de gestão

administrativa apontaram para a renovação das redações centrada na direção

empresarial. Desse modo, entre as décadas de 1970 e 1980,

[...] o poder nas empresas adquiriu outra dimensão: não estava mais na mão de um só dono. O controle acionário passou a ser exercido por um número maior de membros da família, e quem dirigia eram os herdeiros da segunda

58 Id. Idem. 59 Id. Idem. 60 Ibid. Ibidem. p.75. As atuações contraditórias dos militares referente a censura, para legitimar-se politicamente, justificava o discurso de “permanência no poder como forma de restabelecer a democracia, ameaçada pelo governo Goulart e pelos comunistas”. De modo que a censura, a repressão e a liberdade de expressão eram omitidas pelos militares, pois, era “proibido denunciar a censura”. Ibid. Ibidem. p. 74-75.

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geração ou novos proprietários. Os proprietários dos meios de comunicação se tornaram homens de organização submetidos à racionalidade da empresa e dotados de diversas especializações profissionais: eram agora economistas, administradores, engenheiros de produção, engenheiros de informática, submetidos a conselhos de administração, a comitês de diretorias e coordenação61.

No entanto, esse período de “independência” e consolidação institucional

mesclou jornal e política, tornando a imprensa mais um instrumento de ideias políticas

do que de informação geral.62 Em outras palavras, a função da imprensa de comunicar

de forma imparcial voltou-se para a ação política.

Sobre essa questão o jornalista Arnaldo Niskier, forneceu as explicações

acerca do esquema administrativo da editora comandada por Adolpho Bloch e seus

dois sobrinhos, Oscar e Jaquito, este último considerado como filho por Adolpho.

Oscar mantinha excelentes contatos na esfera governamental, fator muito importante

para a empresa que ganhou várias licitações, “como foi o caso da Loteria Esportiva, e

sempre entregou com precisão as encomendas de números altíssimos”.63

Já Jaquito, depois de concluir o ensino médio abandonou os estudos e

dedicou-se inteiramente aos negócios da família procurando conhecer todo o meandro

empresarial.64

A relação com a esfera governamental no governo Médici tornou-se visível

nas reportagens, pois mesmo Adolpho Bloch não nutrindo simpatia pelo governo, a

Manchete divulgava, em algumas edições, as propagandas ufanistas, como reflexo do

desenvolvimento.

61 Ibid. Ibidem. p.76. 62 BAHIA. Op. Cit. p. 239. 63 NISKIER, Arnaldo. Memória de um sobrevivente: a verdadeira história da ascensão e queda da Manchete. Rio de Janeiro. 2012. p.12. A cúpula da revista Manchete sobre a presidência de Adolpho Bloch e vice-presidência de Oscar Bloch Sigelmann, em 1970 era composta de nomes como Pedro Jack Kapeller (Diretor-superintendente), Nelson Alves (Diretor responsável), A. Ferrara, Alberto Dines, Antônio de Pádua, Dirceu Nascimento, H. Berliner, Isac Hazan e Murilo Melo Filho (Diretores-executivos), no (Departamento de jornalismo), Arnaldo Niskier, o editor Zevi Chivelder e entre outros. Ver MANCHETEO, Edição Especial de outubro de 1970. p. 5. 64 Ibid. Ibidem. p. 12.

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FIGURA 3 – MANCHETE EDIÇÃO BRASIL70 OUTUBRO DE 1970

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete Edição Especial Brasil 70. 2018.

1 Fotografia. Color. 15.1 cm X 20.9 com.

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FIGURA 4 – MANCHETE EDIÇÃO DA INDEPENDÊNCIA 1972

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete Edição da Independência. 2018. 1 fotografia. Color. 15.1 cm X 20.9 com.

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Pode-se perceber nas imagens que as obras que interligavam Belém–Brasília

ao Centro e ao Sul (Figura–3), foram ampliadas com a estrada “Cuiabá–Santarém e a

Transamazônica”, que apresentava um “traçado reto” e ‘transversal”, como a

manifestação clara de novas perspectivas para os brasileiros.65 O cunho nacionalista da

reportagem, expresso no título “Amazônia uma estrada para os próximos 150 anos”66

(Figura–4), demonstra o quanto a revista estava engajada nas comemorações do

Sesquicentenário da Independência, celebrada pelo então governo como o símbolo da

independência política e econômica.

No contexto dos anos 1970, a instauração da censura foi justificada pelo

governo por meio do argumento de “guerra” contra os estudantes e terroristas.

Ademais, a instauração da censura evidenciava a atribuição dos meios de comunicação

que, sob a tutela do Executivo, deveriam informar, e “orientar” a população

brasileira.67 Desse modo, os conteúdos que comprometessem os militares, e

possivelmente favorecessem as oposições, deveriam ser retirados das publicações.

Além da censura, a repressão política acarretou na prisão, morte e

desaparecimento dos que se opunham ao regime. As restrições à liberdade conduziram

muitos jornalistas a denunciarem as arbitrariedades cometidas pelos agentes da polícia

política,68 mesmo correndo o risco de caírem em suas mãos.

Após a promulgação do AI-5, como já citado, a imprensa e a mídia

começaram a colher os frutos plantados em 1964. Frente a um conturbado contexto

que se delineava, muitos “jornais passaram a se opor a essa cenoura que lhes era, para

dizer no mínimo, incômoda”.69 Periódicos como O Estado de S Paulo e o Jornal da

Tarde, por exemplo, criaram o hábito de utilizar canções e receitas de culinária para

65 MANCHETE, Edição Especial Brasil 70 outubro de 1970. Op. Cit., p. 59. 66 MANCHETE, Edição da Independência 1972. Op. Cit., p.183. 67 BARBOSA. Marialva. História cultural da imprensa: Brasil, 1900-2000. Rio de Janeiro. 2007. p. 189. 68 ABREU, Alzira Alves de. A modernização da imprensa, (1970-2000). Rio de Janeiro. 2002. p.14. 69AGUIAR, Flávio. Imprensa alternativa: Opinião, Movimento e em tempo. In: MARTINS, Ana Luiza. LUCA, Tania Regina de. (Org.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo. 2015. p.238. Já a situação dos Jornais alternativos que surgiam era outra e mesmo “[...] quando havia proprietários, como no caso de Opinião, de Fernando Gasparian, eles eram decididamente contra o regime. Nesse caso, implantou-se um sistema mais duro, obrigando os jornais a enviarem as matérias para a Polícia Federal, em Brasília, para que depois elas fossem devolvidas com os cortes e vetos”. Id. Idem.

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substituir as notícias que eram vetadas, driblando assim, os censores enviados às suas

redações que definiam o que deveria ou não ser publicado.

Para Ana Luisa Martins e Tania Regina de Luca, é perigoso escrever sobre a

história da imprensa sem “relacioná-la com a trajetória política, econômica, social e

cultural de um país”, uma vez que, a fina relação entre esses agentes (imprensa e o

poder), destaca-se pelos momentos de dependência e críticas (...) como a subserviência

e a busca por liberdade,70 Nesse sentido, a relação entre imprensa e poder tornou-se

um mecanismo essencial para a análise desses documentos, pois os periódicos

adquirem relevância enquanto objetos historiográficos quando consideramos a

especificidade do político em sua dinâmica própria e suas relações de mediação entre a

sociedade e o Estado.

Considerando a imprensa periódica como um significativo “meio de

construção de culturas políticas específicas”71 e as diversas possibilidades de pesquisa

das fontes impressas, pode-se inferir que este conjunto documental é amplo e variado e

que a utilização dos periódicos “[...] prescreve a análise circunstanciada do seu lugar

de inserção e delineia uma abordagem que faz dos impressos, a um só tempo, fonte e

objeto de pesquisa historiográfica, rigorosamente inseridos na crítica competente”.72

Nessa mesma linha que aponta para o dinamismo deste corpo de documentos

como objeto de pesquisa, Wlamir Silva afirma que a imprensa periódica pode trazer a

tona a criação de uma cultura política e

[...] difusão de um “sistema de referências” que alcança estratos mais amplos da sociedade, transformando a filosofia política num conjunto de conceitos compreensíveis por um contingente mais significativo da sociedade. Dessa forma, “a cultura política aparece, em suas diversas manifestações, como a linguagem comum simplificada”. A imprensa, assim, é meio privilegiado da pedagogia política em busca da hegemonia.73

70 Ibid. Ibidem. p.8. 71 SILVA, Wlamir. A imprensa e a pedagogia liberal na província de Minas gerais (1825-1842). In: NEVES, Lúcia Maria Bastos P. MOREL, Marco. FERREIRA, Tania Maria Bessone da C. (Org.). História e imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro. 2006. p. 37. 72 PINSKY. (Org.). Op. Cit., p. 141. 73 SILVA, Wlamir. Op. Cit., pp. 37-38.

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Adotando uma linguagem comum simplificado, as revistas na maior parte das

vezes, “são identificadas como fonte de análise do pensamento político-social”74 e

pode-se recorrer a elas,

[...] como fontes para o resgate de um dado momento histórico é, antes de mais nada, reconhecer a importância dos testemunhos contidos nela, considerando a imprensa também um agente político decisivo, portadora de uma visão de mundo e inserida num contexto histórico.75

Portanto, as revistas merecem ser analisadas criteriosamente, pois este gênero

jornalístico se individualizou em face de outras formas de impressos periódicos. A

revista O Cruzeiro por exemplo, realizou uma significativa renovação ao incorporar

novos sentidos fotográficos em suas reportagens, mecanismos que lhe propiciaram a

hegemonia no mercado nacional e esses padrões foram adotados pelas revistas Fatos e

Fotos e Manchete76 objeto desse estudo.

Entre as revistas de consumo dos anos 1950, a “mais vendida era O Cruzeiro,

de Assis Chateaubriand, lançada em 1928, antes mesmo que o modelo das semanais

ilustradas tivesse sido reinventado pela Life, em 1936, nos Estados Unidos. A

Manchete, de Adolfo Bloch, só seria lançada em 1952”.77

O esforço da editora Bloch para superar a hegemonia de sua principal

concorrente foi intenso e a experiência gráfica, adquirida em muitos anos de trabalho,

inseriram a Manchete no mesmo patamar de O Cruzeiro.78

A ascensão do fotojornalismo contribuiu para o sucesso das revistas ilustradas,

pois por meio das fotografias os acontecimentos passaram a ser melhor

contextualizados. O fotojornalismo permitiu que as revistas ilustradas mostrassem as

74 VELLOSO, Monica Pimenta. Percepções do moderno: As revistas do Rio de Janeiro. In: NEVES, Lúcia Maria Bastos P. MOREL, Marco. FERREIRA, Tania Maria Bessone da C. (Org.). História e imprensa: representações culturais e práticas de poder. 2006. p. 312. 75 CIAMBARELLA. Op. Cit. p.138. 76 LUCA. Op. Cit., p. 121. A revista Fotos e Fotos, também da editora Bloch, foi um semanário de variedades criada em 28 de janeiro de 1961. 77 CORRÊA, Souto Thomaz. A era das revistas de consumo. In: MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina de. (Org.). História da imprensa no Brasil. São Paulo. 2015. p.207. Nesse contexto, o Brasil era um “país de 52 milhões de habitantes, uma população “da qual só cerca de um terço vivia nos grandes centros urbanos. As revistas importantes de consumo eram muito poucas”. Id. Idem. 78 NISKIER. Op. Cit.p.12-13.

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várias faces do Brasil79 e a revista Manchete soube explorar habilmente esta nova

técnica de jornalismo.

2. REVISTA MANCHETE: A REPRESENTAÇÃO DO POLÍTICO.

79 AMORIM. Op. Cit., p.13. Foi na década de 1920 que a fotorreportagem estreou no Brasil, porém, a sua maturidade só ocorreu na década de 1950. Para a autora, a “fotorreportagem é, portanto, a relação da imagem com o texto escrito, possibilitando ao leitor a decodificação dessa imagem na transmissão dessa informação. Além de tudo, a fotografia é o atestado da veracidade da notícia, na sua relação especular com a realidade, que através da fotorreportagem resistira e enfatiza a vida, na plena construção da memória”. Id. Idem.

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2.1. “MANCHETE – ‘A NOVA REVISTA SEMANAL DO BRASIL’”.

Em 23 de abril de 1952, o jornal Última Hora, divulgou o lançamento da mais

nova revista periódica para o mercado brasileiro.

O leitor pediu e nós fizemos. * Uma revista que fosse escrita para os brasileiros, livre de compromisso com pessoas ou com partidos e que, embora contendo publicidade, não fosse apenas um veículo de matéria paga. * Que pudesse ser lida pelas famílias, sem restrições de censura prévia. * Que não precisa se transformar em púlpito para ensinamentos de moral, nem se confundisse com tribuna para defesa de ideais políticos. [...] Dia 26 em todas as bancas – Cr$ 5,00 Bloch Editores. Rua Frei Caneca, 511 – fone 32-4655 e 32-0300.80

A Manchete como as demais revistas ilustradas apresentava um diferencial se

comparada aos jornais cotidianos, como por exemplo, a forma de abordagem dos

acontecimentos atualizados, contribuindo para “a educação, à cultura e à diversão de

seus leitores”. Após o fim da censura imposta pelo Estado Novo, o jornalismo assumiu

um caráter crítico e mais liberal em uma proposta diferenciada do fotojornalismo.81 A

revista O Cruzeiro, por exemplo, foi o primeiro periódico “semanal, de fatos diversos

e circulação nacional a introduzir a linguagem da fotorreportagem [e] revolucionou a

técnica e o espírito do jornalismo ao romper com a influência europeia na imprensa

brasileira”.82

Para Rose Mary Guerra Amorim, as revistas O Cruzeiro e a Manchete foram

as principais referências do novo tipo de reportagem ao utilizarem uma narrativa

baseada no uso da imagem fotográfica e destinavam-se a um público de maior poder

aquisitivo: as camadas médias das principais capitais brasileiras.83

80 NISKIER, Arnaldo. Op. Cit., pp.28-29. 81 AMORIM. Op. Cit., 10-11. 82 Id. Idem. 83 Ibid. Ibidem. p.10. A revista O Cruzeiro, vinculada aos Diários Associados de propriedade de Assis Chateaubriand, “[...] esteve intimamente envolvida nas disputas políticas dos anos 60, assumindo ostensivamente a campanha alarmista e anticomunista que ajudou a levantar a ‘opinião pública’ contra Jango”. Apesar de as duas publicações enfatizarem, em geral questões mais próximas ao cotidiano dos setores médios da sociedade, O Cruzeiro conseguia penetração um pouco maior num segmento da população de renda mais baixa. [...]. “No que diz respeito à parte noticiosa, a Manchete diferenciava-se ligeiramente da sua principal concorrente, posto que evitava o tom sensacionalista presente naquela

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No entanto, a Manchete se distinguia por não adotar em suas reportagens os

tons sensacionalistas e destacar crimes e temas, como os desfiles de moda, por

exemplo. As narrativas sensacionalistas além de ir ao encontro dos anseios do público

leitor ressaltavam o inegável sucesso de O Cruzeiro que, em 1952, atingiu a faixa de

700 mil exemplares vendidos.84

No primeiro número de Manchete, Henrique Pangetti, escreveu um texto

recheado de propostas inovadoras para a recém-criada revista:

Manchete nasce no momento exato em que nos consideramos aparelhados para entregar ao Brasil uma revista de atualidades, correta e modernamente impressa. Em todos os números daremos páginas e cores – e faremos o possível para que essas cores se ponham sistematicamente a serviço da beleza do Brasil e das manifestações do seu progresso. O Brasil cresceu muito, suas mil fáceis reclamam muitas revistas, como a nossa, para espelhá-las[sic]. Manchete será o espelho escrupuloso das suas fáceis positivas, assim como do mundo trepidante em que vivemos e da hora assombrosa que atravessamos. Nesse Momento, os fatos nacionais e internacionais se sucedem com uma rapidez nunca antes registrada. Os jornais nunca tiveram uma vida tão curta dentro das vinte e quatro horas de um dia. Este é o grande, o sonhado momento dos fotógrafos e dos repórteres exercitados para colher o instantâneo, o irrepetível. Depois virão os historiadores. E agora prossiga leitor...85

O texto literalmente dedicado ao leitor vaticina o legado que a revista nesse

momento buscou deixar e a proposta da Manchete não deixava dúvidas pois objetivava

apresentar a beleza do Brasil e as manifestações de seu progresso, por meio de

profissionais capacitados e dispostos a oferecer ao público o espelho escrupuloso de

suas fáceis positivas.

Em toda a sua trajetória a Manchete não abandonou o aspecto visual em suas

reportagens que destacavam o desenvolvimento do Brasil com total entusiasmo e

confiança no potencial da nação. Lançar um estilo de revista literalmente nova, com

e buscava, não raramente, dar impressão de sobriedade e ponderação às suas matérias”. Ver FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada” Publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964). 1998. p. 23-24. 84 ARAGÃO, Georgy Pontes Vieira de. Meios de comunicação como construtores de uma imagem pública: Juscelino Kubitschek através das revistas Manchete e O Cruzeiro. Rio de Janeiro: FGV /CPDOC / 2006. Disponível em:< http://bibliotecadigital.fgv.br>. Acesso em 02 set de 2017. p. 45. 85 (MANCHETE, n. 1, 26 de abril de 1952 apud AMORIM, p.15). Além das características já mencionadas, somam-se a velocidade e o fato de que desde o início de suas atividades alicerçar-se “em grandes nomes da imprensa brasileira; Henrique Pongetti e Dirceu Nascimento foram seus primeiros diretores depois veio Otto Lara Resende”. Id. Idem.

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um poder gráfico de alta qualidade e explorar exaustivamente as reportagens em cores

sobrelevando a imagem veemente, era a principal proposta de Adolpho Bloch para

com a Manchete.86

De acordo com diretor do departamento de jornalismo Arnaldo Niskier, o

maior sucesso da Manchete, dava-se para beleza das impressões feitas em rotativas

alemãs e do papel finlandês, além da qualidade das fotos e reportagens que

transformavam o periódico em “uma revista alegre, comunicativa, sem agressões de

qualquer natureza, reportando as belezas de um país que crescia a olhos vistos – e,

com maturidade, conquistava magníficos títulos internacionais”.87

Além disso, continua Niskier, diferentemente da sua concorrente O Cruzeiro,

que fazia do repórter a “estrela” principal nas reportagens, a proposta da revista

Manchete concentrava-se na valorização dos temas abordados em suas reportagens e

definia-se pela forma que engrandecia as belezas do país.88 A revista também apostava

“no crescimento econômico do Brasil, cujo processo de industrialização já estava em

curso e na afirmação do país como potência, não só em relação à América Latina como

também aos países considerados desenvolvidos”.89

Adolpho Bloch era um entusiasta confesso das metas lançadas por Juscelino

Kubitschek, principalmente a da construção da nova capital e a Manchete forneceu o

serviço de marketing para divulgar Brasília como projeto essencial e necessário ao

desenvolvimento do país.

A amizade entre essas duas personalidades começou quando JK assumiu a

presidência da República em 1956. De acordo com Alvimar Rodrigues, editor da

revista, era inegável a admiração e a amizade que existia entre Bloch e JK.90 Adolpho

Bloch, relembrou o editor:

[...] era um homem sentimental até o último fio de cabelo, embora não perdesse por esse sentimentalismo a noção pragmática, a noção do negócio, a noção de ganhar dinheiro; mas era um sentimental [...]. Esse sentimento de crença no futuro que JK também tinha, eu falo com a maior tranqüilidade, havia. Outras relações, políticas, econômicas, possivelmente. Mas que havia

86 ARAGÂO. Op. Cit., p.46. 87 NISKIER. Op. Cit., p.12. 88 Ibid. Ibidem. p.281. 89 ARAGÂO. Op. Cit., p.49. 90 Ibid. Ibidem. p.50.

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uma relação de sentimento, de amizade e mútua admiração, não há nenhuma dúvida, [...] O Adolpho queria era cidade; ele queria coisa construída, se possível, ele construir e o que ele pôde construir, ele construiu e sempre de maneira grandiosa; nisso eles [Bloch e JK] se pareciam demais.91

A crença na construção de um país novo e com um futuro promissor, unia JK e

Bloch e se configurou no apoio irrestrito de Manchete ao governo Kubitschek e na

valorização da imagem do presidente. Em suas páginas, a revista apresentava JK como

um homem simples, “do povo, que transmitia confiança no destino do País. [...] um

homem de ação, empreendedor e inovador. Manchete participou ativamente de

momentos decisivos da vida política nacional, acompanhando a cada edição, a

construção de Brasília”.92

Como ficou explícito nos depoimentos acima citados, a Manchete participou

passo a passo da construção de Brasília e assim como a capital ganhou visibilidade a

revista também se beneficiou. Sobre a nova capital, dizia Bloch:

Estava almoçando com Otto Lara Resende em minha casa quando surgiu o dr. Israel Pinheiro, [...] comunicando-me que tinha renunciado ao mandato de deputado federal para assumir a presidência da Novacap, empresa que iria construir Brasília. Comprei um lote no setor destinado à indústria gráfica, onde depois construí a primeira sede de nossa sucursal na nova capital93.

O espírito aventureiro e o tino comercial que motivara Adolpho Bloch a

comprar estrategicamente um lote na futura Brasília estavam pautados no ideário e nas

justificativas que norteavam as ações de construção e transferência da capital federal

para o Planalto Central do país. Ao relembrar sobre este momento, Adolpho Bloch

comentou que a construção da capital era muito criticada, mas que mesmo assim

“devia pagar ao governo para publicar uma reportagem sobre aquela obra grandiosa”94.

Bloch enviou dois repórteres para cobrir o andamento das obras, afirmando que a

Manchete se engajou na causa de Brasília e consequente desenvolvimento do interior e

“foi nesse momento” continuou Bloch “que a Manchete se tornou uma revista

nacional”.95

91 RODRIGUES, 2000, apud ARAGÃO, p.50-51. 92 AMORIM. Op. Cit., p.19. 93 BLOCH, Adolpho. 1955, apud NISKIER. Op. Cit., p.129. 94 BLOCH, Adolpho. 1995, apud NISKIER. Ibid. Ibidem. p.130. 95 BLOCH, Adolpho. Apud NISKIER. Id. Idem. p.130.

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A medida que Brasília adquiria visibilidade nos principais jornais do país e se

tornava o centro do debate político–parlamentar, o destino do Rio de Janeiro era

destaque na grande imprensa que apresentava o confronto entre os defensores da

mudança e os críticos frente a alteração do Distrito Federal. Para Alessandra

Ciambarella, os autodenominados “modernos” vislumbravam em Brasília a coragem

empreendedora, enquanto os críticos, considerados “conservadores, tradicionais”

defendiam a permanência da capital; ligados a positividade da representação de um

passado ameaçado pela construção de uma “cidade sem história”, construção

ovacionada por “transloucados e malversadores do dinheiro público”.96

Encaixando-se no grupo dos “modernos” e introjetando o ideário

desenvolvimentista, Bloch paulatinamente, modernizava a revista e ampliava suas

sucursais para as principais cidades brasileiras e mundiais. Em poucos anos a

Manchete tornou-se uma das maiores revistas brasileiras de circulação no país. Uma

das principais preocupações da revista era manter o equilíbrio entre texto e ilustração,

“em busca não só por fotos que falem mais do que mil palavras, como também por

textos que falem o que nem mil fotos poderiam mostrar, [...] isso a TV não pode fazer

porque nela o que é dito se dilui no ar”,97 comentou em 1959, Justino Martins que

assumiu a direção da revista e propôs como sua primeira atividade, acompanhar o

trabalho na nova capital. De acordo com o novo diretor:

[...] fui até Brasília acompanhar, a convite da Rhodia, a feitura de umas fotografias de moda por Otto Stupakoff, para um encarte da Manchete, com 12 manequins em frente ao único prédio já pronto de lá, o Palácio da Alvorada. Fiquei admirado com a nova capital, da qual a imprensa falava muito pouco, achando que ela seria uma fonte de inflação. Então, além do encarte publiquei um pequeno relato. No dia seguinte, seu Adolpho mandou o Raymundo Magalhães Júnior fazer uma reportagem completa sobre o que estava acontecendo no Planalto. A partir daí, a tiragem teve de ser aumentada, porque a venda nas bancas subiu e a publicidade também cresceu.98

96 CIAMBARELLA. Op. Cit. 144. 97 NIKIER. Op. Cit., p. 277. 98 Ibid. Ibidem. p.116-117. No mesmo ano em que a revista foi para as bancas Justino Martins foi convidado por Bloch para ser diretor da Manchete. Ele relembra o dia em que Henrique Pangetti ex-diretor, da revista lhe ofereceu o cargo. Conforme Niskier foi “nas antigas instalações da Manchete na Frei Caneca, quando Pongetti lhe disse com um ar de desolação e cansaço: ‘Fica fazendo essa revista. Eu não posso mais! ’ Ele levou um susto. De férias no Rio, vindo de Paris, onde morava”. Fora convidado para ter uma conversa com Adolpho, mas só em 1959 viria a trabalhar definitivamente em Manchete. Ibid. Ibidem. p. 115.

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Além disso, Justino realizou significativos ajustes na revista com o objetivo de

torná-la diferente. Aproveitando a experiência que adquiriu em Paris, melhorou “a

seleção de fotos e de preparo dos layouts”, implantando uma agressividade jornalística

na revista. “Era a beleza estética acrescida à boa informação” afirmou Justino que

justificou:

Eu queria uma revista equidistante, do ponto de vista político, mais democrática, que abordasse todos os assuntos, acatando todas as opiniões. A minha ideia era que ela fosse, também, basicamente otimista e que influenciasse o progresso do país.99

Justino Martins em suas memórias, mostrou-se um defensor da ideia de que o

sucesso da Manchete deveu-se “ao sucesso de Brasília e da administração de JK. Antes

da forma de abordagem como era feita pela Manchete, a imprensa falava pouco da

grandiosidade da nova capital porque enxergava nela motivo para a inflação”.100

A publicidade voltada à cobertura da capital deu a revista hegemonia no

mercado e mesmo na década de 1970, as reportagens sobre Brasília foram destacadas

como também o seu idealizador: JK. A ênfase em Brasília e em JK conduz a um

questionamento: estaria Manchete preparando terreno para uma suposta volta de JK,

ressignificando sua imagem maculada pelo governo militar?

O declínio da empresa teve início com o avanço da mídia eletrônica, que

obrigou Bloch a render-se a esfera televisiva e gradativamente sucessivos desacertos

foram ocorrendo, pois como comentou Niskier: “Eles não pertenciam ao ramo. Um ou

outro êxito, como a novela Pantanal, em 1990, serviu apenas para confirmar que

passaram a navegar às tontas, com um brinquedo caríssimo, que acabou sacrificando

os até então bons resultados da mídia impressa”.101

99 Ibid. Ibidem. p. 117. 100 AMORIM. Op. Cit., p.18 101 NSKIER. Op. Cit., p. 13. Apesar de a empresa operar sempre no vermelho tendo o seu crescimento baseado em dívidas, foi no início de 1980 que, pela primeira vez, a empresa passou a se considerar saudável, pois suas contas passaram a operar no azul. Nessa época a Manchete, imprimiu “menos que 200 mil exemplares por semana”, filiada ao “instituto Verificado (o respeitado IVC) e, no carnaval e em edições históricas continuava imbatível, alcançando sempre 1 milhão de exemplares”. Ver BLOCH, Arnaldo. Os irmãos Karamabloch: ascensão e queda de um império familiar. São Paulo. 2008. p. 256.

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A mudança radical de ramo somada a crise financeira contribuiu para o

esgotamento da empresa Bloch. Em um texto de Roberto Muggiati, publicado em

2008, pela a Folha de S. Paulo o ex-funcionário ressaltou os principais motivos do

fracasso da Manchete. Segundo ele:

A tragédia de Bloch Editora começou quando foi ao ar a Rede Manchete de Televisão. A partir daquele momento travestido de ilusória redenção, as revistas foram relegadas a um segundo plano pelo falso brilho da mídia eletrônica. E 13 domingos depois, um câncer fulminante matava Justino Martins, o grande editor da Manchete – uma morte simbólica como poucas. A empresa familiar, tão arraigada ao ramo gráfico [...], não se deu bem com a realidade televisiva. E a grande ironia foi que a derrocada financeira da editora se deu por ter sido avalista da TV numa pequena dívida com o Banco Econômico, depois encampado pelo Banco Central. Essa dívida, que não chegava a três milhões de dólares, acabaria virando uma bola de neve de muitos e muitos milhões. Em setembro de 1998, pela primeira vez em sua história, o salário dos funcionários atrasou, E nunca mais foi pago.102

A complexa situação econômica do país, a aquisição da dívida com o Banco

econômico e, sobretudo, o desenraizamento e apego ao ramo gráfico, cercearam as

atividades da Manchete que, como sinalizou Niskier, entre o final dos anos 1950 até

meados dos anos 1970, liderou o mercado de comunicação.103

A ambição e entusiasmo dos sobrinhos Oscar e Jaquito pela mídia eletrônica

em geral, permitiram que eles jogassem com um brinquedo que poderia fazer “do

marketing uma conseqüência natural e secundária de algo muito maior”,104 uma vez

que já tinham dado o primeiro passo adentrando na mídia eletrônica por meio da

aquisição da Rádio Federal em Niterói.

Oscar estrategicamente e por manter boas relações nos meios militares,

procurou o general Otávio Medeiros e o convenceu de que era o momento de o regime

retribuir a Manchete, os serviços de propaganda prestados ao Brasil Grande,105

102NISKIER. Op. Cit., p.17. 103 Id. Idem. 104 BLOCH, Arnaldo. Op. Cit., p.258. Arnaldo Niskier era quem intermediava a Manchete (AM), já a Manchete (FM), ficava sob os cuidados de Carlos Sigelmann, o filho mais velho de Oscar. A disputa por audiência com as líderes da época, colocava a Manchete FM em posição de destaque. Id. Idem. 105 Id. Idem. p. 258. Apesar de ser contrário, Adolpho ouviu a opinião de Arnaldo Niskier, Zevi Ghivelder e Murilo Melo Filho que também eram favoráveis, e de igual modo, dos editores de outras revistas do grupo. Oscar conseguiu superar os concorrentes (o Grupo Abril e o Jornal do Brasil) de maior representatividade midiática nacional. Devido ao carnaval, “ponto forte das revistas do Grupo Bloch” o presidente resistiu em conceder a televisão “Eu estive vendo a sua revista, Oscar. É uma vergonha. Assim eu não vou dar a televisão a vocês. Só aparece bicha e mulher pelada, e vocês vão

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embora, Adolpho Bloch se colocasse contrário a essa modernidade tão defendida pelos

sobrinhos. O presidente João Baptista Figueiredo abriu a concorrência para os canais

das falidas TVS Tupi e Excelsior e a Manchete passou a concorrer a uma vaga. Mais

tarde Adolpho diria:

Ieu tinha comprado cinco máquinas na Itália. Cinco Cerruti de última geraçón. Eram 42 mil exemplares por hora, quatro cores, nón é verdade? Se lembra da editora? Ieu tinha 30 milhóns limpos. Mas eles queriam a televisón. Um mês antes da licitaçón ieu estava em Nova York e o sujeito, um tal de Norman Alexander, me convidou pra ir ao escritório na rua 45. A fábrica era uma coisa louca, de alumínio, para latas de refrigerante e cerveja. Era uma novidade, uma revoluçón, e ele, o Norman, queria abrir um escritório de representaçón no Brasil. Aqui as latas eram aquelas merdas, de folha de flandres. O alumínio era material do futuro. Pedi uma semana para responder, mais, quando voltei, o general, o puto dos cavalos, já estavam fazendo tudo e entraram na concorrência da tevê. Se ieu pegasse as latas hoje sería bilionário. Mas o que é que ieu ia fazer? O Jaquito queria a televisón. O Oscar queria. Ieu nón queria. Mas fiz. Hoje acordo e nón quero nem ver a luz do sol.106

Na disputa pelos canais de televisão, a Editora Abril dos Civita, passou a

investir em tecnologias de administração, maquinário e pesquisas qualitativas e a

expandir seus títulos em diversos segmentos e o temor de que a editora Abril

engolisse a Manchete, assim como fizera com O Cruzeiro foi predominante na decisão

de Bloch.107

Em de 19 de novembro de 1995, aos 87 anos, Adolpho faleceu e como era de

se esperar, Jaquito tornou-se o seu herdeiro “integral”, sendo posto a prova pela

família, pela comunidade judaica, pela sociedade e principalmente pelo mercado.108

Com a ausência do patriarca, o herdeiro não conseguiu manter a empresa Bloch no

mercado por muito tempo e em 2002, após o decreto de falência, os títulos das revistas

colocar isso na TV”. Entretanto o general mudou de opinião quando o seu assessor de imprensa Alexandre Garcia, se prontificou a ser o diretor da emissora, e com a manifestação favorável de Roberto Marinho a Adolpho Bloch, que por sua vez o considerava o “menos perigoso de seus concorrentes”, Manchete definitivamente, ficou com “uma concessão e o Sistema Brasileiro de Televisão, de Silvio Santos” com a outra. Conforme Felipe Pena, havia característica em comum entre Silvio Santos e Adolpho, ambos eram “cortesãos assumidos” pois os “paparicos ao presidente João Figueiredo são patentes tanto na revista Manchete como na TV Studios”. Ver PENA, Felipe. Seu Adolpho: uma biografia em fractais de Adolpho Bloch, fundador da TV e da revista Manchete. Rio de Janeiro. 2010. p.220-221. 106 BLOCH, Arnaldo. Op. Cit., p.260. 107 Ibid. Ibidem. p. 258. 108 Ibid. Ibidem. p. 313-314.

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da empresa foram leiloados,109 colocando um ponto final na história de um dos

maiores impérios midiáticos do Brasil.

2.2. “O BRASIL DEVE TUDO A JUSCELINO”: BRASÍLIA E A

REPRESENTAÇÃO DE JK EM MANCHETE.

A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler.

(Roger Chartier, 1990)

Desde o seu primeiro contato com Brasília, a revista Manchete explorou ao

máximo o empreendimento desenvolvimentista do governo Kubistchek,

proporcionando a Brasília uma maior representatividade nacional e internacional. Em

suas páginas, a imagem de JK sempre esteve associada a nova capital, indicando todo

um investimento da Manchete para criar representações que os identificassem. Nesse

sentido, cabe aqui destacar que os meios intelectuais cumprem uma função peculiar

em relação ao público que querem atingir uma vez que são esses “esquemas

intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir

sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado”.110 Logo, pode-se inferir

que tanto os meios intelectuais quanto os diferentes grupos sociais, produzem

representações acerca do seu universo e, se por um lado,

[...] as imagens por meio das quais uma sociedade se representa são geradas pelo processo histórico que lhe deu nascimento, por outro lado é assentada nestas mesmas imagens que ela buscará equacionar seus conflitos, nortear suas escolhas, fundar sua identidade e, acima de tudo, conferir legitimidade aos seus mecanismos de dominação e controle social.111

Em outras palavras, a produção coletiva de imagens tem como base as

experiências sociais compartilhadas, experiências estas indissociáveis de seu processo

histórico cultural e, compartilhando das indicações de Roger Chartier ao alertar que as

109 AMORIM. Op. Cit., p.21. O comprador dos títulos de Manchete, Pais e Filhos, Ela e Ele e Fatos & Fotos, foi o ex-diretor geral da Editora Globo. Marcos Dvoskin. 110 CHARTIER, Roger. História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa.1990, p.16-17. 111 FIGUEIREDO. Op. Cit., p. 17.

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“representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade

de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de

grupos que as forjam”,112 pode-se perceber que em cada caso é necessário ponderar os

“discursos proferidos com a posição de quem os utiliza”.113

As indicações acima mencionadas fornecem os subsídios necessários para

discutir como o proprietário da editora Bloch vislumbrava Juscelino Kubitschek de

Oliveira e como o seu entusiasmo em relação a Brasília denotava a sua crença na

importância da capital para o Brasil.

Apesar da sobriedade e ponderação adotada pela revista Manchete, a partir da

tomada do poder pelos militares, no primeiro semestre de 1972, a revista ousou ao

enfatizar a sua posição defensora da capital modernista. Estampando em sua capa a

matéria intitulada “Brasília ano 13: um álbum de maravilhosas fotos em cores”, a

Manchete explorou os traços arquitetônicos da capital assimilando-os a imagem de seu

fundador e expôs na reportagem “toda a sua confiança no futuro e na grandeza da

cidade”.114

O retorno dos despojos de D. Pedro I, depois de quase 150 anos de sua

ausência, também foi destaque na capa, que apontava a satisfação em relação ao

evento que culminou na “homenagem ao sesquicentenário da nossa independência,

Portugal, a mãe-Pátria, entregou-nos os despojos do Libertador do Brasil”.115 Essa

edição tornou-se instigante para uma análise mais criteriosa, pois percebeu-se que as

reportagens se entrelaçavam entre si, sem perder as suas características ufanistas e

peculiares ao apresentar um país rico em recursos naturais, desenvolvimentista, além

de enaltecer a capital federal. Mesmo enfrentando uma forte censura, a Manchete não

hesitou em publicar a reportagem que ressaltava a importância de Brasília e a

associava ao seu fundador.

Na Praça dos Três Poderes, estão os edifícios do Legislativo e do Judiciário, formando o conjunto das grandes decisões nacionais. Ao lado, o busto do ex-presidente Juscelino Kubitschek, ali inaugurado há 12 anos, com uma

112 CHARTIER, Op. Cit., p. 17 113 Id. Idem. 114 MANCHETE, 29 de abril de 1972. p.99. 115 Ver MANCHETE, 29 de abril de 1972. Ibid. Ibidem. p. 53.

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legenda e uma mensagem que traduzem toda a sua confiança no futuro e na grandeza da cidade.116

Assim sendo, direta ou indiretamente a imagem de JK foi perpetuada no

processo histórico e documentada nas edições da revista Manchete e a imagem desta

edição corrobora esta afirmação.

A análise da imagem remete as observações de Roger Chartier, sobre as

sociedades do Antigo Regime mas que se encaixam em suas devidas proporções, nas

representações criadas pela Manchete, uma vez que o foco a direita da efígie de JK,

indica a representação de uma ausência o que conduz a uma “distinção radical entre

aquilo que representa e aquilo que é representado” como também atesta “a

representação como exibição de uma presença, como apresentação pública de algo ou

116 MANCHETE, 29 de abril de 1972. Ibid. Ibidem. p. 99.

FIGURA 5 – MANCHETE 29 DE ABRIL DE 1972

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete 1972. 2018. 1 fotografia. Color. 9.5 cm X 15.1 com.

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de alguém”,117 nesse caso específico JK. Nesse sentido, a inserção da efígie de JK,

objetiva agir como um instrumento sobre

um conhecimento mediato que faz ver um objecto ausente através da sua substituição por uma “imagem” capaz de o reconstruir em memória e de o figurar tal como ele é. [...] Outras, porém, são pensadas num registro diferente: o da relação simbólica que [...], consiste na “representação de um poço de moral através das imagens”.118

Ao apropriar-se do recurso fotográfico para entrelaçar à figura de JK a

imponência de Brasília como o centro das grandes decisões, a Manchete reconstituía

em memória a imagem do ex-presidente que, neste momento, estava com os seus

direitos políticos cassados e, de certa forma, fora do cenário político.

A representação de Brasília relacionada a JK, atingia o objetivo da revista de

substituir uma “imagem” capaz de reconstruir uma memória e a fotografia possuía

uma função significativa neste processo, pois o “impacto cultural da fotografia [...],

tanto em si mesma, quanto na forma da imagem visual em movimento a que ela

também deu origem, tem sido imenso, alterando completamente o ambiente visual”,119

bem como os meios de troca de informação ao atingir grande parte da população

global.

Para o historiador Peter Burke, a “fotografia transformou sutil, radical e

diretamente a disciplina da história da arte. [...] Quase todos fazem uso diário da

fotografia, seja como ilustrações, auxílios à memória ou como substitutos de objetos

descritos através dela”.120 As imagens apresentadas pela Manchete cumpriam as

funções mencionadas por Burke, principalmente em relação ao auxílio da memória e a

substituição do objeto descrito através dela.

A edição de 21 de abril de 1960, tornou-se um significativo exemplo das

funções atribuídas às imagens. Intituladas “Brasília edição histórica”, as reportagens

foram direcionadas ao desfecho do evento em que o ex-presidente Juscelino

Kubitschek de Oliveira “sob aplausos do povo e do Sr. Goulart”, ergueu “o Símbolo da

nova sede do Governo” e dando início, nesse momento à “nova história do Brasil: JK

117 CHARTIER, Op. Cit., p. 20. 118 Id. Idem. 119 BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas, 1992, p.241. 120 Id. Idem.

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recebe as chaves da capital”121 afinal, continuou a Manchete. “O maior milagre de

Brasília é o espírito de otimismo que a construção da cidade infunde ao país”.122

Desde os anos 1960, a revista construiu um discurso que visava a legitimar a

imagem de JK, relacionando-a à importância simbólica de Brasília:

O museu, de paredes coberta de mármore branco, destina-se a recolher os documentos da epopeia de Brasília. Tem lugar para o que se escreveu contra e a favor: dados para o julgamento do futuro. Nas duas faces há frases de JK. E a que é vista do Palácio do Planalto ostenta uma efígie: a do seu criador. Mesmo sem ela, JK seria sempre lembrado. Porque seu nome entrou para a História. A inauguração de Brasília, no dia exato e na hora exata, sem adiamentos e sem vacilações, representou no curso de tôda a história brasileira um dos mais extraordinários exemplos de decisão e de capacidade realizadora. Fazer a coisa certa no prazo certo, numa corrida contra tôda sorte de obstáculos e, principalmente, contra o tempo, é algo que inflama e arrebata a imaginação popular. Precisamente porque raros são os homens que têm a audácia de arriscar o seu prestígio, quer como técnicos, quer como administradores, em tão perigosos desafios. Se o êxito pode glorificar-lhes o esfôrço construtivo, o eventual fracasso marcará irremediàvelmente as suas vidas, votando-os à inutilidade e ao permanente ostracismo.123

Percebe-se explicitamente as representações otimistas criadas para JK que sem

vacilações e tomado de uma capacidade realizadora, mostrou sua audácia na epopeia

de Brasília, e implicitamente que o discurso não apenas traduzia um sistema de

dominação (mesmo que simbólica) como também as relações de poder existentes em

todo o corpo social.124

O texto de Magalhães Junior e a imagem apresentada evidenciam para o

imaginário popular a corrida contra tôda a sorte de obstáculo realizada por Juscelino

Kubitschek.

121 MANCHETE, 21 de abril de 1960. pp.6-7. 122 MANCHETE, 21 de abril de 1960. Ibid. Ibidem. pp. 74-75. 123 Ibid. Ibidem. p. 74-75. 124 FOUCALT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970, 2014, p.10. Adolpho Bloch foi um dos principais difusores do ufanismo no governo Kubitschek e foi ele o autor do Slogan “50 anos em 5”. Conforme Felipe Pena, Bloch retirou “a expressão de um discurso de Juscelino e a transformou na frase oficial do governo”. Vinte mil cartazes foram feitos e entregues ao embaixador Negrão de Lima, chefe da campanha de JK para presidente. JK estava irritado com as críticas contra seu Plano de Metas e sobre pressão dos estudantes. Sobre essas questões Bloch falou ao Presidente: “essa campanha contra o senhor, feita pela imprensa, está sendo causada pela minha confiança no seu governo. Fui eu que mandei imprimir e colar os cartazes nas principais cidades brasileiras”. Diante disso, o presidente perguntou: “Então Bloch, você acha que nós vamos fazer o Brasil caminhar 50 anos em 5? Adolpho acompanha o sorriso de JK”. PENA. Op. Cit., p.115.

FIGURA 6 – MANCHETE BRASÍLIA EDIÇÃO HISTÓRIA 21 DE ABRIL DE 1960

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Cabe aqui destacar que, estrategicamente a edição chegou às bancas no dia 21

de abril, com um forte apoio popular, uma vez que, segundo a Manchete, foi “lançada

logo depois de o sino que anunciara outrora a morte de Tiradentes, ter proclamado a

inauguração de Brasília e Juscelino Kubitschek ter recebido a chave da cidade. Tinha

começado uma nova história do Brasil”.125

Arnaldo Niskier, na mesma edição, fez referência ao desejo de alguns

governantes que sonharam com uma capital no interior do Brasil e ressaltou o primeiro

grande passo que JK deu em 1956 para a construção de Brasília, ao caminhar ao lado

de Oscar Niemeyer, Lúcio Meira, Mário Meneghetti, Nelson de Melo, Israel Pinheiro,

Henrique Teixeira Lott e Antônio Balbino para discutir sobre a nova capital e “as

emoções de uma obra que vai enquadrar o País nos seus destinos de grandeza”.126

125 NISKIER. Op. Cit., p.130. 126 MANCHETE, Brasília Edição Histórica 21 de abril de 1960. Op. Cit., p.38-39.

FIGURA 7 – MANCHETE BRASÍLIA EDIÇÃO HISTÓRIA 21 DE ABRIL DE 1960

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A construção de Brasília assim como as datas de seu aniversário, sempre

foram motivo de destaque na revista Manchete, que apresentava reportagens sobre os

FIGURA 8 – MANCHETE BRASÍLIA EDIÇÃO HISTÓRIA 21 DE ABRIL DE 1960

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete, Brasília Edição Histórica. 2018. 1 fotografia. Color. 9.4 cm X 13.7 com.

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primeiros projetos, sua inauguração e enaltecia a obra e seu criador.127 Nas

comemorações de 1963, a reportagem publicada em cores demonstra como a

Manchete, abria espaço

[...] para que JK pudesse fazer propaganda dos seus feitos enquanto presidente, pensando na campanha de 1965. Era uma maneira de lembrar a todos quem foi o realizador do milagre que era a nova capital no interior do Brasil. A primeira página trazia o ex-presidente ao lado da escultura do seu rosto, a qual eternizava sua imagem no seio da cidade: mesmo que o tempo passasse, não poderiam esquecer quem realizou tamanha obra.128

E

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de Manchete que, durante muitos anos, propagou e vendeu Brasília com imagens de 127 AMORIM. Op. Cit., p.58. 128 Ver MANCHETE (Nº 575, 27/04/1963. p.53), apud AMORIM. Id. Idem.

FIGURA 9 – MANCHETE 29 DE ABRIL DE 1963

Fonte: Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br>.Acesso em: 9 mai. 2018.

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diferentes ângulos, explorando os seus traços arquitetônicos e as oportunidades que se

abriam na nova capital, mesmo a editora Bloch enfrentando fortes pressões por parte

do governo militar.

Em 1969, Delfim Neto, o então ministro da Fazenda, entrou em contato com

Adolpho Bloch e comentou que os militares entendiam os elogios as obras de JK como

um “ato ofensivo” e que portanto, não admitiriam “essa forma velada de protesto”.129

Delfim Neto que era amigo de Oscar Bloch, comentou que ainda sofria pressões para

fechar os créditos da empresa por causa da mania de Adoplho “dizer que o Brasil deve

tudo a Juscelino Kubitschek”130 e continuou “aconselhando” o editor a cessar as

publicações. Bloch não se intimidou e após analisar a situação, voltou a ligar para

Delfim Neto solicitando ao ministro que transmitisse ao presidente Médici o seguinte

recado:

Diga-lhe que eu não tenho nada a perder; quando vim para o Brasil cheguei só com um pilão na mão, sem trazer qualquer outra coisa comigo. Se vocês quiserem, eu lhes dou a chave de minhas empresas”. [...] “Porque vou continuar falando bem e dando cobertura à memória do presidente Juscelino Kubitschek! ”. [...] Adolpho nunca teve medo de ameaças. Antes de desligar, completou: “O Brasil deve tudo a ele!.131

Mesmo depois desse episódio, a revista não deixou de cumprir sua função

política. Porém, como agente publicitário, procurou manter boas relações com o

governo para garantir as benesses do milagre “econômico” representadas pelas

129 NISKIER. Op. Cit., p.146 130 NISKIER. Ibid. Ibidem. p. 146-147. 131 BLOCH, Adolpho. 1969, apud NISKIER. Ibid. Ibidem. p. 147. É interessante destacar que Delfim Neto desde o governo Costa e Silva pacifica as tensões entre Bloch e o governo, devido a sua amizade com Juscelino Kubitschek. No “carnaval do AI-5”, a “folia é no começo do ano, a repressão, no final” Adolpho organizou uma festa no baile do Municipal e JK foi o convidado de honra, ao lado estava o camarote presidencial e a primeira-dama Iolanda Costa e Silva, juntamente com o governador Negrão de Lima e o ministro Mário Andreazza marcaram presença. Porém, quando a multidão percebeu a presença de JK no baile, começam a cantar as músicas: O peixe vivo e Ó Minas Gerais e gritavam “Volta! Volta!” O ex-presidente emocionou-se e a primeira dama, considerou “a manifestação uma ofensa pessoal e retira-se do baile. [...]. Na quarta-feira de cinzas, as linhas de crédito da Manchete no banco do Brasil e no Banco do Estado da Guanabara são cortadas”. Porém, Delfim se recusa “a liquidar a revisa para satisfazer aos caprichos da primeira-dama. Adolpho continua a homenagear Juscelino”. Outra situação comprometedora foi quando em Lisboa JK convidou Luci Bloch para um Jantar juntamente com Sarah e Carlos Lacerda, que por sua vez objetivava a aproximação com Juscelino. No dia seguinte o Jornal O Globo estampou na primeira página. Bloch ficou furioso pela “posição dos comensais, os militares interpretam que Manchete está participando a aproximação entre os inimigos do regime” imediatamente liga para o presidente desculpando-se. PENA. Op. Cit., p.116-133.

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propagandas governistas. Frente a este cenário, percebe-se que a revista, assim como

boa parte da imprensa, foi conduzida a um jogo de cunho duplo conforme os seus

interesses.

Partindo do pressuposto de que “a publicidade não tem a função, e muito

menos a pretensão, de criar valores, ideias ou imagens absolutamente inéditos na

sociedade”,132 e considerando os interesses da editora Bloch, entende-se os motivos

pelos quais, desde o início de sua atuação, o governo Médici sempre foi apresentado

nas reportagens da Manchete com entusiasmo e grande confiança.

As metamorfoses do capital, aponta Figueiredo, são aceleradas pela

objetividade das técnicas de vendas, “que se finalizam no consumo e não se pode dar

ao luxo de despender tempo e dinheiro na tarefa de produzir e inculcar no público

disposições que contrariam substancialmente as tendências preexistentes no

mercado”.133 Sendo assim, torna-se incoerente com a lógica capitalista, se apoiar no

argumento de venda de quaisquer produtos, sejam eles, ideias ou valores que não

encontrem no seu público-alvo uma ressonância, pois

[...] corre-se o risco de o bem anunciado não ser aceito por ele. Justamente para evitar uma tal situação, a publicidade lança mão de imagens e valores já presentes na cultura, mesmo que em estado latente ou dormente. Nesse sentido, o que a publicidade faz é apropriar-se dessas imagens e valores, incorporados por toda a sociedade ou por determinada parcela dela, e adaptá-los às suas necessidades comerciais, reforçando-os ou atribuindo-lhes novo significado.134

A censura estabelecida pelo regime militar conduziu a revista a criar

significados que representassem o ex-presidente. Dessa forma, Brasília tornou-se o

símbolo maior para relembrar a figura de JK, apesar dos exageros comprometedores

em alguns momentos.

Superados os “ressentimentos”, a diplomacia foi uma das antigas armas que a

Manchete adotou desde então.135 Afinal, os interesses que envolviam a sobrevivência

132 FIGUEIREDO. Op. Cit., p. 19. 133 Id. Idem. 134 Id. Idem. 135 PENA. Op. Cit., p. 123. Conforme o autor, em 1952 quando a Manchete foi lançada, um dos principais objetivos da revista era “aproximar-se de Getúlio Vargas” e assim, sucessivamente com os outros presidentes. Apesar de despertar desconfiança nos militares devido a amizade com JK, por “ter sido vizinho do presidente João Goulart no edifício Chopin em Copacabana” e por sua esposa Luci

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da editora e a acessibilidade as verbas públicas não poderiam ser menosprezadas e

assim em outubro de 1969, com o título exclusivo “Médici que é o novo presidente” a

revista, deu as boas-vindas ao mais novo governante e divulgou a mensagem otimista

de Médici ao povo brasileiro:

“Nunca, como hoje, tive tanta esperança no Brasil, nas suas inesgotáveis reservas de patriotismo, na sua capacidade de trabalho e de sacrifício. Tenho certeza de que a Nação inteira responderá ao nosso apêlo de ordem, disciplina e união. Sei das responsabilidades que me aguardam. Mas sei também que, mercê de Deus, conto com o apoio e a compreensão dos bons brasileiros. O anseio de progresso e desenvolvimento é de tôda a nacionalidade e não apenas do govêrno. Ninguém poderá omitir-se, como eu não pude, a um chamamento de honra. A Pátria tem sagrados direitos sobre cada um de nós. A juventude aí está, exigindo o máximo que lhe pudermos oferecer em horizontes e oportunidades. É para ela, como reserva do amanhã, que se devem voltar as nossas maiores preocupações. Minha palavra final a MANCHETE traduz a firme convicção de que, juntos, governantes e governados, cumpriremos os nossos recíprocos deveres e seremos dignos dos compromissos que assumimos com nossa geração”.136

Bloch ser diretora da “Divisão de Turismo e Certames do Ministério da Indústria e do Comércio no governo Jango”, o cargo foi colocado à disposição do marechal Castelo Branco, quando o mesmo assumiu a presidência. O presidente ao recusar demiti-la, sinaliza para Adolpho Bloch, “continuar a cortejar o poder”. Ibid. Ibidem. p. 123-134. 136 MANCHETE 25 de outubro de 1969.p. 3.

FIGURA 10 – MANCHETE 25 DE OUTUBRO DE 1969

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete 25 de outubro de 1969. 2018.1 fotografia. Color. 7.2 cm X 11.1 com.

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O discurso do general não deixava dúvidas ao apelar para a ordem, disciplina

e união, expressando explicitamente o caráter autoritário do regime, a um chamamento

de honra.

Na mesma reportagem, o general Médici foi descrito por todos os presentes

como “um chefe austero e reservado, respeitado e obedecido, objetivo e capaz”.137 A

esses elogios somaram-se o comentário sobre alguns hábitos e as características

pessoais do futuro presidente foram ressaltadas como por exemplo: fumar

“habitualmente”.138 Considerado como um “chefe enérgico e ponderado em suas

opiniões”, o genera, continuou a reportagem, “costuma dividir seu tempo entre os

deveres militares, a devoção pela família e a paixão desprovida pelo Grêmio. Agora,

prepara-se aceleradamente para assumir os encargos de governante brasileiro”.139

137 Ibid. Ibidem. p.6. 138 Id. Idem. 139 Ibid. Ibidem. p. 6-7.

FIGURA 11 – MANCHETE 25 DE OUTUBRO DE 1969

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete 25 de outubro de 1969. 2018. 1 fotografia. Color. 10.1 cm X 15 com.

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Na edição de fevereiro de 1970, a Manchete apresentou a reportagem “O

domingo do presidente”, na qual faz referência a visita de Emílio Médici a São Paulo

para uma confraternização política e esportiva.

De acordo com a reportagem, em praça pública o presidente foi recebido com

entusiasmo pelo governador e pelo povo paulista e proferiu um discurso enfatizando a

visita como um momento de confraternização política e futebol, para depois

cumprimentar os jogadores do Porto e de São Paulo e em companhia do Governador

Abreu Sodré, hastear a Bandeira Nacional.140 A reportagem terminou com a seguinte

frase: “O governo não pode, não deve e não quer acenar com a imagem fantasiosa da

esperança vã, da ilusão inebriante”.141 Por tanto o governo Médici as mensagens

140 Ibid. Ibidem. p. 14. 141 Id. Idem. A finalidade da visita presidencial a São Paulo foi motivada pela inauguração da Praça Roosevelt. Segundo a Manchete, o presidente mantinha sempre o mesmo estilo em suas visitas presidenciais.

FIGURA 12 – MANCHETE 7 DE FEVEREIRO DE 1970

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete 7de fevereiro de 1970. 2018. 1 fotografia. Color. 10.5 cm X 15 com.

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ufanistas foram propagadas, em vários meios de comunicação e a Manchete não fugiu

a esta regra.

Na edição de agosto de 1973 com um tratamento estético que apresentava

imagens em preto e branco, pôde-se perceber também o caráter ufanista na reportagem

que destacou Delfim Neto afirmando que o país estava se afastando do fantasma do

subdesenvolvimento.142

142 Ibid. Ibidem. 140-141.

FIGURA 13 – MANCHETE 18 DE AGOSTO DE 1973

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete 18 de agosto de 1973. 2018. 1 fotografia. Color. 9.7 cm X 14.8 com.

FIGURA 14 – MANCHETE 18 DE AGOSTO DE1973

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Importa considerar que ufanistas ou não, as reportagens sobre o governo

Médici, não colocavam a Manchete como sua aliada e se por um lado a revista foi

“convidada” a limitar suas divulgações sobre Juscelino Kubitschek, continuou sub-

repticiamente, a mencioná-lo por meio da imagem simbólica de Brasília que recebeu

maior destaque como estratégia de rememoração de seu criador.

2.3. “EM BRASÍLIA HÁ INVENÇÃO”: UMA CIDADE DO FUTURO.

Para aproveitar as festas natalinas, a Manchete em referência a “Catedral de

Brasília: “O mais belo monumento cristão do século 20”,143 apresentou um discurso

que visava congregar não só os fiéis como também os incrédulos.

Se a arte deve está a serviço da comunidade, poucas obras no Brasil – e no mundo – terão alcançado de maneira tão completa o seu objetivo e como Catedral de Brasília, a serviço específico de uma comunidade de fiéis. O efeito deslumbrador que ela provoca é tão grande que é capaz de atuar não só sôbre os fiéis, no sentido de renovação da fé, como nos próprios incréus, no sentido de abertura para a fé. Essa igreja, tida hoje como das mais belas

143 Título da capa da Manchete, edição 2 de janeiro de 1971.

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que o mundo já viu, pode funcionar como síntese da melhor preparação do espírito de Natal.144

Na sequência a reportagem, trouxe à tona a figura do padre Dom Bosco como

o primeiro idealizador e defensor de Brasília, além do caráter futurista da capital

federal refletido pelas imagens do seu interior que se diferenciava de outras

significativas igrejas do país, cujas referências tradicionais baseavam-se em uma

arquitetura com fortes traços europeus.145

144 MANCHETE, 2 de janeiro de 1971. p. 69. 145 MANCHETE, 2 de janeiro de 1971. Ibid. Ibidem. p.70. As igrejas de São Francisco de Assis de Ouro Preto, o estilo gótico da catedral de São Paulo, uma das principais referências nesse estilo no país, a capela dourada de S. Antônio, o Altar-mor da Igreja de São Pedro, ambas no Recife, o altar-mor da igreja de São Francisco na Bahia, a igreja de São Bento do Sul em Santa Catarina, São referências tradicionais de uma arquitetônica com fortes referências europeias. Ibid. Ibidem. p.72-79.

FIGURA 15 – MANCHETE 2 DE JANEIRO DE1971

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete 2 de janeiro de 1971. 2018. 1 fotografia. Color. 9.5 cm X 14.7 com.

FIGURA 16 – MANCHETE 2 DE JANEIRO DE 1971

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A arquitetura da capela de Pampulha, da mesma forma que a de Brasília,

infundia em si um caráter místico pois na “Pampulha começou a nascer a Brasília que

conhecemos. Lá, o impacto veio de uma igreja a mais, num país de tantas igrejas”,146

afinal a “Pampulha foi a sementeira de Brasília. [...] Lúcio Costa, Oscar Niemeyer,

Roberto Burle Marx plantaram em Pampulha uma escala de obras que 10 anos após

desafiaria a nação do infinito em Brasília”.147

O jornalista Clarival do Prado Valadares, continuou a destacar a catedral de

Brasília como um símbolo que não representava o passado nem o presente e a evocar a

imagem do primeiro idealizador da cidade, referenciou os artistas que tiveram a

incumbência de decorar a catedral, sem portanto, mencionar diretamente o construtor

de Brasília.

Quem primeiro pensou em Brasília, [...] foi um padre: Dom Bosco. Brasília fêz sua igreja com as linhas dos meridianos. Oscar Niemeyer sonhou e Joaquim Cardozo calculou-a enquanto fazia seu livro de poemas Signo Estrelado. O mundo inteiro sabe que existe em Brasília uma catedral que não é nem do passado e nem do presente. Ela só pode ser do futuro, levando

146 Ibid. Ibidem. p. 80 147 Id. Idem

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por isso a mensagem de tôdas as eras. Quando Lúcio Costa fazia o Plano Pilôto de Brasília, apareceu sôbre o desenho uma figura alada, que poderia ser tanto o plano de uma cidade como o destino de um nôvo povo. E o coração dessa grande ave se fêz em forma de catedral, de arco alçados aos céus, trazendo no seu cálculo a lógica do infinito. Atos Bulcão é o principal decorador dêsse grande templo, a Via Sacra foi pintada por Di Cavalcanti. Notem bem: no nome dos vários autores, há o engajamento com um ideal que se chama Brasil.148

O discurso fez referência a Oscar Niemeyer e a Lúcio Costa, artistas

diretamente engajados ao “ideal” da capital assentando uma visão sobrenatural que

tende a legitimar no imaginário popular o discurso simbólico da catedral reforçado

pelo antigo desejo do padre. A catedral nesse sentido, foi demonstrada como um dos

símbolos de modernidade, de um país que trabalha com uma fé inquebrantável pelo

seu futuro, pois desse modo, os “signos religiosos de Brasília reafirmam a tradição de

fé nacional”.149

O projeto de Brasília era para Lauro Cavalcanti “ao mesmo tempo,

arquitetônico e social. Abstrair-se desse fato e apreciá-la do ponto de vista apenas

estético corresponderia a uma crítica da Bíblia, que só abordasse a sua sintaxe ou de O

Capital, que se limitasse a analisar a sua encadernação”.150 Ainda segundo Cavalcanti,

148 Ibid. Ibidem. p. 70, [grifo do autor]. 149 MANCHETE, Edição especial outubro de 1970. p. 207. Entre as personalidades envolvidas nos projetos iniciais da construção de Brasília, é importante destacar o engenheiro Bernardo Sayão, que ganhou destaque nacional e internacional por intermédio da revista Seleções (versão em português da norte-americana Reader’s Digest no Brasil). O artigo de título: “Bernardo Sayão, Meu Tipo inesquecível”, além de destacar outros sertanistas famosos, ressaltava suas características físicas e os descreviam conforme as suas personalidades, heroicizava pela revista. No artigo de setembro de 1965 a imagem de Sayaão foi supervalorizada ao ser lembrado como um “gigante... Na vida dura do sertão, onde todo o mundo andava armado, pelo menos de faca, Sayão entrou desarmado”. Segundo Mary Anne Junqueira, os “tipos inesquecíveis como Sayão”, eram descritos pela revista como “modelos de conduta. Eram tipos exemplares, repetidos insistentemente”. Característica que pode ser apontada na revista Manchete ao explorar por décadas a imagem da nova capital. A trajetória de Sayão foi um sucesso nos Estados Unidos, até mesmo o escritor norte-americano Jhon Dos Passos veio entrevista-lo e escreveu um artigo para a revista Life. JUNQUEIRA, Mary Anne. Ao Sul do Rio Grande - imaginando a América Latina em Seleções: oeste, wilderness e fronteira (1942-1970). 2000. p. 238-242. 150 CAVALCANTI, Lauro. Brasília: a construção de um exemplo. In: MIRANDA, Wander Melo. (Org.). Anos JK: margens da modernidade. Rio de Janeiro, 2002. p.102. O contingente populacional atraído pela construção de Brasília foi recrutado principalmente do Nordeste, que enfrentara uma grande seca. O governo lançou “uma campanha associando a ida para o Oeste à epopeia do ‘far-west’ norte-americano do século anterior”. Ibid. Ibidem.p.99.

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a maior parte dos brasileiros se entusiasmou com a construção de Brasília,

principalmente as camadas populares.151

A catedral também foi alvo de atenção em 1972 quando a Manchete notificou

a chegada dos despojos de D. Pedro I ao Brasil. Nesta reportagem, além da relevância

do acontecimento, foi ressaltada a beleza, a arquitetura e toda a religiosidade que a

catedral inspirava. O deslumbre frente a arquitetura somado a paisagem mística que a

capital produzia, revelava um retrato do Brasil que nascia para o futuro. Essa era umas

das mensagens que a revista difundia.

151 Id. Idem. Brasília era vista e associada pelos mais pobres, como um lugar de oportunidades e "um marco do futuro brasileiro mais rico e mais justo” Id. Idem.

FIGURA 17 – MANCHETE EDIÇÃO BRASIL 70 OUTUBRO DE 1970

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete edição Especial Brasil 70, outubro de 1970. 2018. 1 fotografia. Color. 9.6 cm X 15 com.

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FIGURA 19 – MANCHETE 19 DE ABRIL DE 1972

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete 19 de abril de 1972. 2018.1 fotografia. Color. 9.2 cm X 15 com.

FIGURA 18 – MANCHETE EDIÇÃO BRASIL 70 OUTUBRO DE 1970

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete edição Especial Brasil 70, outubro de 1970. 2018. 1 fotografia. Color. 9.5 cm X 15 com.

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A concepção arquitetônica da cidade sintetizada pelos blocos verticais de

concreto do Congresso, também merecia destaque na revista pois atribuía a Brasília

“um poderoso centro de atração de correntes migratórias internas – constante e

intensas pela localização da cidade em região pouco habitada, pelo mercado de

trabalho e pelo poder de aquisição maior que nas áreas vizinhas”,152 em um período

(1970), no qual a capital já se posicionava como a décima cidade brasileira com maior

população.

Outra característica mencionada pela Manchete sobre Brasília, destacava as

linhas artísticas, a funcionalidade dos seus conjuntos e a alta qualidade artística do

Palácio do Itamarati, assentado “perfeitamente na paisagem das superquadras,

152 MANCHETE, Edição Especial Brasil 70, outubro de 1970. Op. Cit., p. 205.

FIGURA 20 – MANCHETE EDIÇÃO BRASIL 70 OUTUBRO DE 1970

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete edição Especial Brasil 70, outubro de 1970. 2018. 1 fotografia. Color. 9.5 cm X 15 com.

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funcionais antes de tudo. Grandes espaços verdes garantem que nada perturbem a

harmonia da prodigiosa concepção arquitetônica da capital federal”,153 afinal nada foi

deixado ao acaso.

Além de mencionar as características artísticas dos conjuntos habitacionais, a

revista chamava a atenção para os estabelecimentos industriais fixados em Brasília,

destacando que o maior movimento da capital concentrava-se no “comércio, com dez

mil emprêsas de compra e venda”.154

Era dessa forma que a Manchete apresentava Brasília em suas páginas,

evocando as principais figuras envolvidas no projeto da capital, exaltada pelo

entusiasmo desenvolvimentista que se prolongou e predominou no governo Médici.

Para a Manchete Oscar Niemeyer ao conceber Brasília,

153 Ibid. Ibidem. p. 210. 154 Ibid. Ibidem. p. 211

FIGURA 21 – MANCHETE EDIÇÃO BRASIL 70 OUTUBRO DE 1970

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete edição Especial Brasil 70, outubro de 1970. 2018. 1 fotografia. Color. 9.2 cm X 14.9 com.

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[...], procurou a surpresa, a forma inesperada, a curva leve e inusitada, evitando os contornos ultrapassados. Buscou ainda os vãos livres, reconhecendo que chegou quase a abusar dos concretos, quando esticou ao máximo as suas passarelas sem sustentação e as suas enormes colunas. O conjunto das obras de arquitetura é simplesmente maravilhoso e único no mundo inteiro. O arquiteto sabia o que estava fazendo155.

155 MANCHETE. 29 de abril de 1972. Op. Cit., p. 95.

FIGURA 22 – MANCHETE 29 DE ABRIL DE 1972

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete 29 de abril de 1972. 2018. 1 fotografia. Color. 9.6 cm X 15 com.

FIGURA 23 – MANCHETE 29 DE ABRIL DE 1972

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Sempre fantasiando e “inventando como acontece nesta tijela[sic] do

Congresso, Niemeyer utilizou-se ao máximo da liberdade de criação e dos grandes

espaços que a vastidão do Planalto lhe proporcionava”. Todavia, “ficou feliz quando

ouviu Le Corbusier, de quem se tornou o mais famoso discípulo em todo o mundo,

dizer-lhe o seguinte: ‘Em Brasília, antes de mais nada há invenção’”.156 Invenção que a

revista Manchete soube bem explorar.

Para refletir sobre a nova década que chegava, Murilo Melo Filho apresentou a

trajetória da edição “Retratos do Brasil”, lançada em 1968, em português e inglês.

Em 1969, apresentamos o PROGRESSO DO BRASIL, também em português e inglês, dando ênfase à pujança e ao desenvolvimento. Agora, aí está BRASIL-70, a terceira desta série de Edições Especiais e Extras, com as quais Bloch Editôres e MANCHETE trazem sua contribuição ao debate sôbre as perspectivas da atual década. Nas centenas de páginas que se seguem – enriquecidas com textos de grandes escritores e com ilustrações de alguns dos melhores fotógrafos dêsse país – o continente brasileiro desfila de alto a baixo, estado por estado, religião por religião, como um todo indissolúvel, unido e aliado. As três Edições se inserem num mesmo e harmonioso sentimento de confiança na importante missão que está

156 MANCHETE. 29 de abril de 1972. Ibid. Ibidem. p. 96.

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reservada aos anos 70, que temos diante de nós para provar a nossa competência como Nação, como Povo e como Gente.157

O foco de “Retrato do Brasil” concentrava-se nas belas paisagens brasileiras e

mais precisamente em Brasília: símbolo do futuro. Direta ou indiretamente o

romantismo ao tratar da capital e dos assuntos que a envolveram, sempre ficou latente

nas edições de Manchete, seja nos seus textos, seja nas imagens que refletiam a cidade

iluminada pelo (pôr-do-sol ou luzes artificiais) como “uma impressionante tela de

pintura. As cores do céu misturam-se com as luzes que começam a acender-se. As

silhuetas dos modernos edifícios projetam-se contra a imensidão do firmamento,

compondo um cenário de rara beleza”.158

157 MANCHETE, Edição Especial outubro de 1970. Op. Cit., p. 4. 158 MANCHETE, Edição Especial outubro de 1970. Ibid. Ibidem. p.13.

FIGURA 25 – MANCHETE EDIÇÃO DA INDEPENDÊNCCIA 1972

FIGURA 24 – MANCHETE EDIÇÃO DA INDEPENDÊNCIA 1972

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete Edição especial da Independência 1972. 2018. 1 fotografia. Color. 9.1 cm X 15 com.

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Se para a Manchete, o conjunto das obras era simplesmente maravilhoso e

único no mundo inteiro para muitos estudiosos era alvo de inúmeras críticas. Interessa

neste momento levantar as considerações de Marshall Berman, quando o filósofo

FIGURA 26 – MANCHETE EDIÇÃO BRASIL 70 OUTUBRO DE 1970

Fonte: SARMENTO, Leandro Reny. A de Souza. Manchete edição Especial Brasil 70, outubro de 1970. 2018. 1 fotografia. Color. 9 cm X 14.5 com.

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visitou o Brasil para participar de um debate sobre a sua obra intitulada Tudo que é

sólido desmancha no ar.

Berman afirmou que ficou muito surpreso com o choque de modernismo

quando teve o seu primeiro contato com a capital brasileira:

Visto do ar, Brasília parecia dinâmica e fascinante: de fato, a cidade foi feita de modo a semelhar-se a um avião a jato tal como aquele da qual eu (e quase todas as outras pessoas lá vão) a vemos pela primeira vez. Vista do nível do chão, porém, do lugar onde as pessoas moram e trabalham, é uma das cidades mais inóspitas do mundo. Não caberia aqui uma descrição detalhada do projeto da cidade, mais a sensação geral que se tem – confirmada por todos os brasileiros que conheci – é a de enormes espaços vazios em que o indivíduo se sente perdido, tão sozinho quanto um homem na Lua. Há uma ausência deliberada de espaços públicos em que as pessoas possam se reunir e conversar, ou simplesmente olhar uma para a outra e passar o tempo. A grande tradição do urbanismo latino, em que a vida urbana se organiza em torno de uma grande praça, é rejeitada de modo explícito.159

Para Ciambarella, a ideia de construir uma capital nova no interior do país, era

o principal objetivo político das propostas apresentadas no Plano de Metas de

Juscelino Kubitschek e para legitimar seu ambicioso projeto, o então presidente não

mediu esforços (econômicos e políticos) e, sobretudo, apelou para a dicotomia entre

moderno-atraso.160 Diante da construção de “um plano coletivista para a capital do

país”, continuou o filósofo, Juscelino Kubitschek conscientizou-se de “que estava

comprando a melhor ‘griffe’ estética e que tudo o mais se acomodaria à realidade

política e social brasileira”.161

As características acima mencionadas sintetizam bem o vazio demográfico e a

ausência de transeuntes fica evidente na reportagem intitulada “O clima saudável e a

atmosfera puríssima protegem Brasília da ameaça tóxica da poluição”. Nessa

matéria, a Manchete sinalizou para outra característica peculiar da cidade: as enormes

159 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo 2007. p.12-13. 160 CIAMBARELLA. Op. Cit., p. 141. 161 CAVALCANTI. Op. Cit., p. 99. Para Lauro Cavalcante, a “correlação de uma ‘griffe’ arquitetônico-urbanística ao projeto político provou-se eficaz: apoiar a construção de Brasília era considerado um gesto progressista – abraçado por fração significativa dos intelectuais e classe estudantil – e os oponentes da empreitada ganhavam a pecha de conservadores”. Por essas e outras questões Brasília “foi a grande prioridade do Governo Kubitschek. Foi construída em três anos, com tijolos e outros materiais transportados de avião, sabendo-se que o presidente sucessor não daria prosseguimento às obras”. Id. Idem.

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distâncias de Brasília, que sob a ótica da revista, “não foram concebidas para o homem

a pé. Essas entre outras críticas pesavam (e ainda pesam) sobre Brasília, pois a rua,

como elemento urbano “que consubstanciaria o caos do presente, foi eliminada em

Brasília. A rua-corredor, aquela que mescla moradias, comércio, serviços, a rua do

‘flâneur’, a rua das multidões anônimas, a rua dos cruzamentos de trânsitos, todas

foram abolidas”.162

Em suas reportagens a Manchete não tecia quaisquer comentários aos

aspectos negativos da capital, revestindo o discurso jornalístico de uma aura de

fidelidade aos fatos, conferindo-lhe um “considerável poder simbólico”.163 Porém,

para Berman o “projeto de Brasília talvez fizesse sentido para a capital de uma

ditadura militar, comandada por generais que quisessem manter a população a certa

distância, isolada e controlada”, mas como capital de uma democracia, como idealizou

JK, era “um escândalo”.164

Em linhas gerais, a monumentalidade foi o marco da nova capital, que não

poderia ser confundida com uma simples cidade e todas as críticas direcionadas a

construção de Brasília não eram mencionadas pela revista Manchete, que se tornou a

porta-voz e grande defensora da capital, de seu construtor e das esperanças do povo

brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

162 CAVALCANTI. Op. Cit., p.96. 163 BARBOSA, Marialva. História cultural da imprensa: Brasil, 1900-200. Rio de Janeiro 2007. p.151. 164 BERMAN. Op. Cit., p.13.

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Em 1961, Oscar Niemeyer ao relembrar suas experiências em relação a

construção de Brasília, demonstrou em seu depoimento um certo ar de decepção frente

a dimensão do Planalto e sua criação. O projeto grandioso de Brasília, não animou

apenas seus idealizadores165, pois o espírito de inovação e desenvolvimento permeou

as crenças e sensibilidades de vários segmentos sociais. Na mídia impressa, a revista

Manchete aderiu a este ideário e passou a rememorar os êxitos do desenvolvimentismo

implantado na era JK ressignificando a sua imagem por meio das reportagens

fotojornalísticas.

A publicidade voltada para a supervalorização de Brasília como capital

modernista, sempre foi uma marca da Manchete e a simbologia que a cidade infundia,

direta ou indiretamente, direcionava-se ao seu fundador que, ao construir a nova

capital, tornou possível um sonho de 450 anos.

A revista Manchete sempre procurou estar ao lado do poder e desde o seu

lançamento, em 23 de abril de 1952, o seu principal intento consistiu em aproximar-se

de JK e tornar-se a porta voz do desenvolvimentismo proposto por seu governo

contribuindo assim para transformá-lo em uma figura popular, ao divulgar o slogan

“50 anos em 5”, e dar maior visibilidade a Brasília, até então pouco divulgada pela

mídia no período. Ambas, Brasília e Manchete cresceram juntas, como bem destacou

seu diretor Adolpho Bloch.

As imagens fotojornalísticas em Manchete destacavam-se das demais revistas

e principalmente da sua principal concorrente O Cruzeiro, sobretudo por que

abordavam as belezas do país e as manifestações do seu progresso lançadas por

Juscelino Kubitschek, manifestações que iam de encontro aos anseios de Adolpho

Bloch, que vislumbrou na construção da capital e no desenvolvimentismo da era JK

uma oportunidade.

Com essa estratégia, em poucos anos Manchete, suplantou a hegemonia de O

Cruzeiro tornando-se a maior revista semanal do país até a década de 1970. As

análises sobre a revista permitiram perceber que, se por um lado a Manchete rejeitava

o tom sensacionalista de O Cruzeiro, por outro foi uma marca registrada na

propagação das propagandas ufanistas tanto do governo Kubitschek quanto do governo

165 NIEMEYER, Oscar. Minhas experiências em Brasília. Rio de Janeiro. 2006. p. 35.

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de Emílio Médici, em que era forte a utopia do “Brasil Grande”. Mesmo sob censura a

revista nunca deixou de relacionar o desenvolvimento do país a construção de Brasília

e a JK. Essa característica ficou visivelmente inferida nas reportagens apresentadas nos

anos de chumbo, paradoxalmente, inseridos no desenvolvimento proporcionado pelo

milagre econômico.

Os primeiros sinais do milagre em 1969, o Tricampeonato Mundial de futebol

em 1970, o Sesquicentenário da Independência em 1972, somados as principais obras

faraônicas construídas durante o período ditatorial foram constantemente divulgados

pelas propagandas oficiais, pela mídia televisiva e parte da periódica, para conduzir ao

esquecimento as obras de JK, obras que Manchete insistentemente rememorava.

A Manchete, como se pôde constatar, soube muito bem se camuflar diante do

novo sistema e apesar das situações comprometedoras, devido a amizade de Adolpho

Bloch com Juscelino Kubitschek, aproveitou os momentos comemorativos para

rememorar a imagem do Presidente Bossa Nova.

Mesmo sob fortes pressões, Adolpho Bloch não se furtou em mencionar que

“o Brasil devia tudo a JK”. Para além disso, o desenvolvimentismo do período Médici,

propagandeado em Manchete, tinha a sua gênese na era Kubitschek. Explícita ou

implicitamente a revista para afirmar o seu discurso, trouxe as imagens da cidade de

Brasília como o símbolo maior do desenvolvimento do país, e ao apresentar a capital

como um bem simbólico a revista criou representações que articulavam a cidade a

imagem de JK.

É muito rica a historiografia relacionada ao período dos governos em que os

generais militares estiveram no poder, bem como sobre o governo de Juscelino

Kubitschek e sua imagem, de forma que essa pesquisa não só rememorou fatos

históricos, como também, procurou evidenciar alguns aspectos da política, da ditadura

e da imprensa brasileira, visando a contribuir com um novo olhar para essa temática.

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MANCHETE, 2 de janeiro de 1971 – N.º 976 – Ano 18

MANCHETE, 29 de abril de 1972 – N.º 1.045 – Ano 20

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