UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Silvana Aparecida...
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Silvana Aparecida Ferraz
O FEMINISMO DE ROSARIO CASTELLANOS EM LECCIÓN DE
COCINA.
CURITIBA 2011
O FEMINISMO DE ROSARIO CASTELLANOS EM LECCIÓN DE COCINA.
CURITIBA 2011
Silvana Aparecida Ferraz
O FEMINISMO DE ROSARIO CASTELLANOS EM LECCIÓN DE COCINA.
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Pós Graduação em Ensino de Língua Espanhola e suas Literaturas da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de especialista em Letras Português/Espanhol.
Orientadora: Prof. Ms. Maria Josele B. Coelho
CURITIBA 2011
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha mãe, minha irmã e ao Marcio, meu paciente
companheiro.
AGRADECIMENTOS
Em especial a minha mãe Hilda, pelo incentivo e apoio que fez com que se
tornasse possível a conclusão deste trabalho e ao Marcio, meu grande
incentivador e que tem a imensa paciência de me agüentar.
Também agradeço a minha orientadora Maria Josele pelo apoio
durante este período e a professora Teresita Campos Avella que sempre ajudou
todos os alunos no curso de especialização.
Aos meus amigos, agradeço por entenderem e respeitarem meu
distanciamento durante o período de realização deste projeto.
1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTO
Segundo Gotlib, a palavra conto, refere-se à historieta, estória, narrativa e
conto popular, que tem origem da palavra latina computus, em português: conta.
Este termo passou a designar a história curta porque o verbo latino computare,
tem também o sentido de ordenar a narrativa em unidades e enumerar os fatos.
O ato de contar histórias é um fenômeno antropológico, presente no
surgimento e no desenvolvimento de muitas civilizações, na criação de suas
diferentes culturas, valores e costumes, pois é uma atividade inerente ao homem
desde os tempos mais remotos. A condição do homem na sociedade está
intimamente ligada ao ato de contar histórias, que acompanha o seu
desenvolvimento e é um dos mais importantes meios de preservação da história
da cultura, costumes e tradições dos povos. Por essa razão, pode-se considerá-lo
como algo que
Faz parte da cultura de um povo recompor a memória das épocas que se foram e, deste modo, podemos “saber” do conto popular testemunhando sua presença em antologias a que foi recolhido em ainda, estudado, analisado: visto, assim, não sob o prisma do prazer, mas sob bisturis dissecadores que servem a análises minuciosas de cada uma de suas partes, em busca de compreensão maior. (REIS. 1984, p. 09)
Pensando no conto como parte da cultura e tradição dos povos, pode-se
rever um longo percurso dessa narrativa na historia de muitas civilizações, pois
muitas têm suas memórias registradas, sejam elas ensinamentos, lições de vida
ou feitos de sua história.
Conforme Gotlib, o contar histórias, sob o signo da convivência, sempre
reuniu pessoas, as que contam e as que ouvem. Das sociedades primitivas em
torno de fogueiras, com os sacerdotes e seus discípulos na transmissão de mitos
e ritos de suas tribos, em volta da mesa as pessoas contam e ouvem histórias.
Essas narrativas na forma popular se consolidaram primeiramente
transmissão oral dos fatos e só depois passaram ao registro escrito.
Conforme Reis 1984,
O conto popular cristalizava-se na tradição oral dos povos, atuando como veículo de transmissão de ensinamentos morais, valores éticos ou concepções de mundo, sendo fortalecido na memória de consecutivas gerações, a cada noite, a cada serão, espécie de legado passado de pais a filhos.” (1984, p. 08)
Até chegar ao modelo que hoje conhecemos, o conto passou por algumas
fases. A primeira fase é a oral, pois como já foi visto anteriormente neste trabalho,
o conto se origina no ato de contar histórias.
A próxima fase, a escrita, embora não se possa datar precisamente os
primeiros passos dos registros escritos, muitos estudiosos acreditam que os
contos egípcios “Os Contos dos Mágicos” (4000 a.C) sejam um dos mais antigos.
No oriente há Pantchatantra (VI a.C) a mais antiga coleção de fábulas indianas, e
no século VI a.C, no oriente e na Grécia, as histórias contidas na Ilíada e a
Odisséia de Homero.
Mas, a difusão do conto como relato escrito ocorreu com a coletânea de
contos das Mil e Uma Noites, uma coleção de histórias e contos populares
originárias do oriente médio. A partir das atividades dos copistas, esses contos,
foram retomados durante a idade média e dessa forma, passaram a ser
conhecidos em toda a Europa. Essa difusão é considerada como essencial no
processo de consolidação do gênero conto. Algumas de suas narrativas são bem
conhecidas: "Aladim e a Lâmpada Maravilhosa"; "Simbad, o Marujo"; e "Ali-Babá
e os Quarenta Ladrões".
No século XIV acontece outra transição, pois o relato oral passou ao
registro, e é neste período que se apresentam as primeiras preocupações
artísticas e o conto se afirma como uma categoria estética e ocorre a propagação
dos contos do Decameron de Bocaccio, que passam a ser traduzidos em diversas
línguas.
Foi durante a Idade Média que muitas modalidades deste gênero foram se
popularizando, como os contos infantis e os de fadas. Assim também como a
estrutura e processo de composição vai mudando, de acordo com sua época e o
estilo de cada narrador. Neste período, quando surgiu, na Itália, o conto recebeu
o nome de racconto, de raccontare, contar de novo. O prefixo "ra" em italiano
equivale ao "re" em português, indicando repetição.
Se no século XVII, surgem grandes escritores e contistas como Miguel de
Cervantes com Las Novelas Ejemplares e Charles Perrault Histoires ou Contes du
Temps passé, conhecidos como Contos da mãe gansa, o século XVIII apresenta
La Fontaine, grande contador de fábulas, como as conhecidas: A cigarra e a
formiga e A raposa e as uvas.
Foi no Século XIX, com maior difusão dos contos a partir de publicações
em jornais e revistas, devido a crescente expansão da imprensa que permitiu a
publicação dos textos que se desenvolve o conto moderno, “Este é o momento de
criação do conto moderno quando, ao lado de um Grimm que registra contos e
inicia o seu estudo comparado, um Edgar Alan Poe se afirma enquanto contista e
teórico do conto.” (GOTLIB, 1999, p.7).
O conto, conhecido como uma narrativa popular, de intenção satírica, ou
moral, ou religiosa consagra-se como gênero literário em meados do século XIX,
despontando na França com Balzac e nos Estados Unidos com Edgar Allan Poe.
Quanto a sua terminologia, este novo gênero foi identificado pela
primeira vez como Short Story, em português: narrativa curta, porque este
gênero tem como característica a economia de meios, conforme Cortázar,
(…) el cuento contemporaneo se propone como una máquina infalible destinada a cumplir su misión narrativa con la máxima economía de meios; precisamente, la diferencia entre cuento y lo que los franceses llaman nouvelle y lo anglosajones long short story se basa en esa implacable carrera contra el reloj que es un cuento plenamente logrado.(………..)
Durante séculos, este gênero foi passando por transformações, até
chegar ao conto moderno, que ainda mantém muito das características e da
estrutura clássica, mas se atém mais as referencias estéticas e diferentes do
conto clássico, em que a narrativa era linear, havia um começo, meio e fim, e
uma única ação com acontecimentos pontuais, o conto moderno acrescenta à
análise psicológica dos personagens, aos aspectos cotidianos e a alinearidade
da narrativa.
O que caracteriza o conto é o seu movimento enquanto uma narrativa através dos tempos. O que houve na sua “história” foi uma mudança de técnica, não uma mudança de estrutura: o conto permanece, pois, com a mesma estrutura do conto antigo; o que muda é a sua técnica. Esta é a proposta, discutível, de A.L. Bader (1945), que se baseia na evolução do modo tradicional para o modo moderno de narrar. Segundo o modo tradicional, a ação e o conflito passam pelo desenvolvimento até o desfecho, com crise e resolução final. Segundo o modo moderno de narrar, a narrativa desmonta este esquema e fragmenta-se numa estrutura invertebrada.
De fato, a arte clássica (do período greco-latino) e a de seus imitadores (da Renascença, no século XVI; ou do Classicismo no século XVII) tinham eixos fixos que determinavam os valores da arte, como os do equilíbrio e harmonia, que eram reunidos em princípios ou normas estéticas a serem aprendidas e imitadas por outros. Uma delas era esta: a de se obedecer à ordem de início, meio e fim na estória, ou a regra das unidades: uma só ação, num só tempo de um dia e num só espaço. Algumas destas regras já apareceram na Poética de Aristóteles. (GOTLIB. 1985, p. 17)
Conforme Gotlib, o conceito e a estrutura do conto clássico permanece,
mas a grande diferença entre o conto moderno é a mudança na técnica da
narrativa.
O teórico Ricardo Piglia, defende a teoria do iceberg, segundo esta
teoria o conto moderno conta duas histórias como se fossem uma só,
abandona o final surpreendente e a estrutura fechada, característica do conto
clássico, e trabalha a tensão entre as duas histórias .É uma narrativa que
encerra uma história secreta, que se conta algo enigmático onde o mais
importante não se conta, a história secreta se constrói com o não dito.
O conto contemporâneo, reflexo na nova narrativa que se foi construindo nas últimas décadas, substitui a estrutura clássica pela construção de um texto curto, com o objetivo de conduzir o leitor para além do não dito, para a descoberta de um sentido não-dito. A ação se torna ainda mais reduzida, surgem monólogos, a exploração de um tempo interior, psicológico, a linguagem pode, muitas vezes chocar pela rudeza, pela denúncia do que não se quer ver. Desaparece a construção dramática tradicional que exigia um desenvolvimento, um clímax e um desenlace. Em contrapartida, cobra a participação do leitor, para que os aspectos constitutivos da narrativa possam por ele ser encontrados e apreciados. Exige uma leitura que descortine não só o que é contado, mas, principalmente, a forma como é contado, a forma como o texto se realiza. (2001, p.24).
1.2 CARACTERÍSTICAS DO CONTO
Uma das características que diferenciam o conto de outras narrativas
como a novela e o romance é a sua extensão, pois é considerado uma forma
narrativa em prosa de menor extensão. De acordo com Luzia de Maria, “em
princípio, o conto se caracterizava por ser uma narrativa curta, um texto em
prosa que dá o seu recado em reduzido número de páginas ou linhas”. (1984, p.
23). Mas segundo a própria autora, o conto não é definido apenas pelo seu
tamanho, ocorre que por conta de sua forma, os fatores como concisão e
brevidade tornam-se de profunda importância, pois para escrever levando-se
em consideração o limite de escrita, o autor deverá economizar nos meios
narrativos e atentar-se para a máxima profundidade e densidade, evitando o
que for supérfluo, assim as palavras passam a ter maior valor.
No conto, costuma haver uma única célula dramática, com temática
resumida, desenvolvendo apenas um conflito e com o número de personagens
reduzido, pois no conto os fatos são interligados, porque necessita de um ritmo
e uma tensão do início ao fim. O tempo e espaço são condensados e a
densidade dramática da trama causa um efeito de atração no leitor.
Esses são alguns traços também são encontrados nas parábolas e nas
fábulas, que são tipos específicos de contos. A fábula é geralmente
protagonizada por animais que falam, e pretendem passar alguma moral. A
parábola é uma narrativa curta, protagonizada por pessoas e que contem
alguma lição ética ou moral.
Outras características do conto são:
• Brevidade: Levando em consideração que a estrutura do conto é
reduzida, a brevidade é fundamental para a sua construção, é
importante delimitar acontecimentos e ser conciso na narrativa.
Inicialmente a estrutura do conto era mais longa, mas foi
diminuindo de tamanho com o tempo. Como por exemplo, o
contista guatemalteco Augusto Monterroso, que é o autor do
menor conto da literatura mundial já escrito: "Quando acordou, o
dinossauro ainda estava lá".
• Economia verbal: Pela sua curta extensão, os contistas precisam
se atentar em utilizar linguagem simples e direta, pois cada
palavra tem uma função direta para o desfecho. Também se deve
evitar usar figuras de linguagem ou expressões que possam
sugerir duplo sentidos e manter a precisão de sua narrativa.
• Concisão: Todas as ações se encaminham diretamente para o
desfecho, a narrativa envolve poucos personagens, geralmente
em só um espaço e levando em consideração apenas um
conflito, para que não surjam diversos núcleos temáticos. O
passado e o futuro têm significado menor, para um conto não é
necessário dar explicações e informações que possam ser
supérfluas à história, para que não se perca a unidade temática.
• Densidade: O conto tem os fatos são interligados, pois necessita
de um ritmo e uma tensão do início ao fim. O tempo e espaço são
condensados e a densidade dramática da trama causa um efeito
de atração no leitor.
• Desfecho: Todo o conto trabalha para o grande clímax, que é o
desfecho na narrativa.
Muitos escritores e críticos fazem diversas reflexões sobre o caráter
geral do gênero conto e o esforço de apontar certos delimitadores comuns às
suas diversas aparições. Mas ainda hoje há muita discordância quando o
assunto é a sua definição, Machado de Assis o define como um gênero difícil a
despeito de sua aparente facilidade e por causa desta facilidade acaba
afastando-o dos autores e faz com que o público não dê a atenção que se faz
necessário e Mario de Andrade afirma que conto é tudo aquilo que quiser se
chamar de conto.
O primeiro grande teórico do conto e também contista, foi Edgar Allan
Poe. Suas idéias estão expressas no ensaio A Filosofia da Composição, onde
ele apresenta detalhadamente a metodologia do processo de construção do
conto O Corvo.
Poe foi o primeiro a impor limites e criar regras com a sua teoria de
Unidade e Efeito. Neste ensaio Poe se refere à reação que o conto pretende
causar no leitor, seja: Aterrorizar? Surpreender? Encantar? o efeito causado é
um estado de excitação ou de exaltação da alma e para este objetivo, deve ser
calculado de maneira a não se perder durante a leitura, por isso a importância
da questão da brevidade, pois se o texto for longo demais, pode-se perder esta
exaltação.
Segundo Poe, uma composição é rigorosamente calculada, para se
alcançar o efeito esperado. “É meu designo tornar manifesto que nenhum
ponto de sua composição se refere ao acaso, ou à intuição, que o trabalho
caminhou, passo a passo, até completar-se, com a precisão e a seqüência
rígida de um problema matemático.” (POE.1999, p.12)
Portanto, a composição calculada de Poe inicia-se pela intenção, isto é,
o que o autor pretende com o conto? O próximo passo é a extensão do conto,
para ele há um limite distinto, em torno de cem versos, e que a leitura seja de
uma só sentada, pois se a leitura passar deste limite corre o risco de perder o
efeito pretendido. Podemos considerar esta posição, conforme citação:
Se alguma obra literária é longa demais para ser lida de uma sentada, devemos resignar-nos a dispensar o efeito imensamente importante que se deriva da unidade de impressão, pois, se requerem duas sentadas, os negócios do mundo interferem a tudo o que se apareça com totalidade é imediatamente destruído. (ibid., 1999, p.12)
Poe também alerta para o fato de que o conto também não deve ser
muito breve, deve haver uma forma equilibrada. “um poema breve demais pode
produzir uma impressão vivida, mas nunca intensa e duradoura” (ibid., 1999,
p.13)
Outros fatores importantes são as escolhas do tom e os efeitos artísticos
adequados, que para ele se entende como o uso de um refrão poético de tom
forte, que deve ser sonoro e dar ritmo e ênfase ao conto.
Para Poe, o autor deve ter o domínio sobre o material narrativo, para
chegar a função do efeito pretendido. Ele se baseia na relação entre a
extensão e o efeito que a leitura causa no leitor e defende que a produção de
um conto deva ser um cálculo minucioso, o autor deve elaborar um plano para
obter o sucesso.
O escritor e teórico argentino Julio Cortázar também destaca a
dificuldade de definição, também segundo ele, o conto é um gênero de difícil
definição e esquivo nos seus múltiplos e antagônicos aspectos. Para ele, o
conto, que é um gênero pouco classificável, não é regido por regras e sem por
pontos de vistas de cada autor.
(…) Nadie puede pretender que los cuentos sólo deban escribirse luego de conocer sus leyes. En primer lugar, no hay tales leyes; a lo sumo cabe hablar de puntos de vista, de ciertas constantes que dan una estructura a ese género tan poco encasillable; en segundo lugar, los teóricos y los críticos no tienen por qué ser los cuentistas mismos, y es natural que aquéllos sólo entren en escena cuando exista ya un acervo, acopio de literatura que permita indagar y esclarecer su desarrollo y sus cualidades.
Cortázar, diferentemente de Poe, avalia que a produção de contos não
se dá por um processo calculado, para ele há certas estruturas, mas não há
regras e cálculos que devem ser seguidos minuciosamente, para ele o fazer
literário vai além de esquemas e normas, a escritura é como um exorcismo,
“Como si el autor hubiera querido desprenderse lo antes posible y de la manera
absoluta de su criatura, exorcizándola en la púnica forma en que le era dado
hacerlo: escribiéndola.
Há na escritura de um conto um oficio de escritor, que consiste em
buscar algo que prenda da atenção do leitor, e a única maneira para que ocorra
este seqüestro momentâneo da atenção do leitor é ajustar o tema com a
intensidade e a tensão que o conto proporcionará e um os meios para se
conseguir este efeito é com o uso da brevidade e a economia de meios e
palavras, pois o conto parte da noção de limite.
Para explicitar esta questão do limites e da brevidade, Júlio Cortázar usa
como exemplo o cinema e a fotografia, assim o cinema está para o romance e
a fotografia para o conto. Pois o romance e o cinema têm a possibilidade mais
ampla para abordar os temas devido a sua estrutura mais extensa, já o conto
como a fotografia, por seu caráter de físico mais reduzido, precisa em poucas
páginas ou até onde capta a lente da câmera fazer recorte preciso, com o ritmo
e intensidade para projetar o clímax e o efeito pretendido pelo autor.
Outra comparação citada por Cortázar é do conto com um knockout “ La
novela gana siempre por puntos, mientras que el cuento debe ganar por
knockout”. Para ele, um bom contista é um boxeador astuto e seus golpes
iniciais podem padecer despretensiosos e poucos eficazes, mas na verdade ele
está minando as resistências do adversário.
1.3 - O Conto Hispano-Americano
Considera-se que a partir de 1920 que o conto hispano-americano teve o
seu auge e sofreu transformações quanto à sua temática, linguagem e técnica.
Algumas dessas mudanças foram em relação ao deslocamento dos planos
temporais, as rupturas com o fio narrativo e o mais acentuado uso da fala
popular.
Conforme estudo de José Miguel Oviedo, em sua obra Antología del
cuento hispanoamericano, a década de 1920 foi o momento em que se produz
o primeiro grande impacto das vanguardas européias e este fenômeno marca o
início do conto hispano-americano contemporâneo e esta renovação o leva a
se converter em um dos gêneros mais originais e de grande vitalidade até os
dias de hoje. Antes, a produção contística era marcada pela influência das
correntes modernistas.
Oviedo orienta seu estudo a partir de um mapa classificatório da
trajetória da produção hispano-americano do século XX dividido em quatro
grandes linhas:
• Tradição Realista: é a representação de uma realidade objetiva e
reconhecível ao leitor, que a comparte com o autor. O relato é o
condutor da comunicação de uma realidade ou de experiências
verificáveis, os elementos testemunhais, que vem desde o séc
XIX se mantêm, mas em meados do séc. XX a tradição realista
passa por uma renovação estética. Do realismo há outras formas
das quais evoluíram para:
- Criolista: marca a ruptura com a colônia, se começa a escrever
uma nova tradição e de reconciliação com a própria herança
cultural.
- Iindigenista: o índio é o tema central, mas sua imagem
representada vai transformando-se e adquirindo as características
que os tempos e as novas ideologias vão lhe oferecendo, mas há
mais a figura do bom índio e sim do índio excluído pela
sociedade.
- Neo - realista: rompe com o passado, há uma busca pelo
objetivismo e a realidade se apresenta de forma nua e crua.
Alguns representantes desta tradição foram: César Vallejo, Arguedas
e Mario Benedetti.
• A Inovação: Contos fantásticos, as vanguardas, especulativo e
humorístico: há elementos de estranheza e nova matéria narrativa
• Grande Síntese – Chamado como o “Boom’ literário dos anos
sessenta, que representa uma nova forma de escrever e que
contribuiu a uma mudança de foco e de perspectivas da tradição
literária hispano-americana. Este acontecimento de deu com a
soma de acontecimentos como a difusão editorial da Espanha e a
presença de um público mais crítico e interessado na literatura
hispano-americana. Segundo Oviedo em relação a este
acontecimento:
… el “boom” contribuyó a un cambio de foco y perspectiva en una nueva propia tradición literaria. Pasado y presente, realidad e imaginación, historia y mito, origen y utopia: en estas novelas se consolidaba una potente visión integradora de un continente dividido y contradictorio. En un determinado momento, la ficción hispanoamericana culmina una gran síntesis de formas, ideas y propuestas gestadas con anterioridad: eso es lo que el “boom” realmente significa. (OVIEDO, 2001, p. 24)
• Otras direcciones:
Para demonstrar a importância e a maturação que o conto hispano-
americano alcançou, muitos autores que se destacaram neste gênero se
consagraram mundialmente e tiveram grande reconhecimento da crítica como
Alejo Carpentier, Jorge Luís Borges, Júlio Cortázar, Juan Rulfo, Gabriel García
Marques, Juan Carlos Onetti, entre outros. Mas a trajetória do conto hispano-
americano tem como pioneiros escritores como Esteban Echeverría,Cesar
Vallejo, Juan José Arreola, Horacio Quiroga, Adolfo Bioy Casares e Rúben
Dario, que são considerados expoentes da literatura.
2 – O Conto no México do Séc. XX
A literatura mexicana tem importante lugar na literatura mundial. Sua
produção contística contemporânea recupera de maneira irónica as tradições
literárias de gerações anteriores, com antecedentes diretos da década de 1950.
Como referências estão os autores Juan Rulfo, Juan José Arreola e Carlos
Fuentes.
Nas décadas de 1960 e 1670 são publicados os primeiros livros onde o
humor e a ironia começam a tratar de questões sociais e culturais e sociedade
mexicana. Neste período são publicadas, entre outras, as obras La Oveja
negra y demás fábulas de Augusto Monterroso, Cuál es la Onda de José
Agustín e Álbum de família de Rosario Castellanos, que foi pioneira no uso da
auto-ironia de escrita feminina.
2 - Escrita de Autoria Feminina
Desde o fim do séc. XIX e no séc. XX que ocorreram as maiores
transformações em relação a literatura de autoria feminina e da
conscientização de sua autonomia social e cultural, já que por muito tempo as
mulheres foram marginalizadas com o analfabetismo e a submissão patriarcal.
Os últimos anos vêm sendo testemunha da revolução ideológica e
estética da produção literária feminina hispano-americana, com o crescente
interesse como objeto de estudo e também de produção crítica e teórica, desde
a óptica feminina do seu papel referente a política, sociedade, família,
costumes, sexualidade e cultura, conforme estudo……
…la acuñación de nuevas categorias literárias y socio-culturales para abordar el fenômeno feminista-femenino latino-americano como una realidad inédita que debe ser nominada, analizada y traída a la luz de los estudios literarios contemporáneos.
Na narrativa feminina, encontram-se marcas da crítica do feminismo
francês e anglo-saxão e apresentam caráter biográfico e de testemunho, com
características de escrita de exílio, re-escritura de figuras históricas (como os
mitos mexicanos de La Llorona e Malinche), de resistência ( ato de escrever
como caráter político, de recuperação da memória escrita de historias de vida)
e fantástica, em um contexto familiar e de atitude crítica e reflexiva.
A temática do corpo, erotismo e a sensualidade freqüentemente também
aparecem no corpus dos textos, pois sempre foi motivo de opressão por parte
da sociedade e principalmente da igreja que reprimiam a sexualidade e
condenavam a libido, para manter o ideal de pureza herdado da Espanha.
Sobre a teorização da escrita feminina latino-americana, este é um
caminho que ainda carece de um lugar central ideológico e social na historia
intelectual hispano-americano “Debería ser reconocido como central en el
proceso de auto-creacíon y de auto-comprensión de la sociedad”. (ibid, p.14) e
também as relações entre gênero e identidade e a importância da teoria
feminista na análise literária e cultural da América latina.
Nas décadas de 1970 e 1980 houve tentativas de aprofundamento de
uma teorização feminista, mas começou a se constituir em 1985 com a
publicação La Sartén por el mango de Patricia Elena Gonzáles e Eliana Ortega,
onde aparecem os estudos pioneiros de Sara Castro Klares e Josefina Ludmer.
Sara Castro Klares, analisa o feminismo e a escrita feminina com a
situação de colonialismo entre América latina e Europa. Após revisar a crítica
feminina norte-americana e francesa, ela relaciona a América latina, em uma
posição marginal em relação a Europa, enquanto a língua, discurso e
identidade, com a situação da mulher em relação de opressão ao homem.
Assim, “la lucha de la mujer latinoamericana sigue cifrada en una doble
negatividad: porque es mujer y porque es mestiza”.
Como a América latina, a mulher segue em uma posição de opressão e
marginalidade, neste caso, considerada juntamente como os negros e os
índios, e somando com a opressão da igreja e da herança católica que a
vinculava a imagem de mãe, que era uma ameaça a sua atividade literária.
A representação da mulher na literatura por parte de Josefina Ludmer
também parte da subordinação e marginalidade, em seu artigo Las tetas del
débil, ela aborda a situação da escrita feminina sem rótulos e simulacros
universais, mas sobre a crítica sobre a posição que ocupa a mulher no campo
do saber e as transformações ocorridas nos modos de leitura em relação ao
social a produção de idéias e de textos.
Ludmer afirma que essas transformações são jogos entre as mulheres e
a sua posição de subordinação e marginalidade, como visto nos textos de Sor
Juana Inés de la Cruz, que,
…combina aceptación de su lugar subalterno (como hija/como mujer/como monja asignado por la madre, el obispo, la Iglesia) con antagonismo y enfrentamiento. Esto determina la resemantización del lugar asignado al convertirlo en una zona de subversión intelectual y de ejercicio de la libertad.
Outra estudiosa do feminismo, Silvia Molloy, analisando uma antologia
feita ao Women’s Writting in Latin America, em referência as formas de
representação das mulheres, estabelece que este é um problema de
autorrepresentação textual e que primeiro deve-se verificar a relação da mulher
com a literatura na América latina, uma vez que é vedada pela autoridade
literária masculina. Para ela, ser uma mulher escritora: “(…) ser privado y
carente de autoridad (en cuanto mujer), aparece investida de poder intelectual
en la esfera pública (en cuanto escritora)”
Beatriz Sarlo apresenta uma definição social das mulheres, exercendo
um papel político, mudaram a historia e a ideologia da América Latina, seja
como políticas, educadoras, sindicalistas e escritoras, que apesar da sua
escrita autobiográfica, em seus textos apresentam debates ideológicos,
políticos e antropológicos.
Produção Literária feminina no México.
O primeiro nome na produção literária feminina hispano-americana, que
se tem registros, é a de Soror Juana de la Cruz, que iniciou no século XVII a
escrita feminina mexicana, questionando as regras da igreja da época e
lutando pelos direitos da mulher a educação, trabalho , liberdade de expressão
e ao amor. Como freira, estudou teologia e como escritora, foi grande poetisa e
pode ser considerada como a primeira feminista da Américas.