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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 UNIVERSIDADE: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO PROGRESSO DO CONHECIMENTO DE FRANCIS BACON LÓDE NUNES, Meire Aparecida (UEM) OLIVEIRA, Terezinha (Orientadora/UEM) O contexto que nos leva a questionar a universidade é a atuação profissional daqueles que possuem o diploma de curso superior. As angustias surgem quando olhamos, por exemplo, para o grande número de bacharéis em direito que reprovam no exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Exemplos de formação universitária deficiente podem ser encontrados em todas as áreas profissionais, entretanto nos dedicamos a refletir a nossa própria área: a educação. Quando olhamos as pesquisas que classificam a educação básica brasileira nos últimos lugares, surge-nos, além do sentimento de tristeza, a indignação, pois todos os professores que conduzem as séries iniciais, atualmente, são pedagogos. Portanto, como esses profissionais que passaram anos nos bancos universitários não conseguem desenvolver um ensino de qualidade? As respostas que tentam explicar o baixo nível da educação brasileira, na maioria das vezes, contemplam discussões em torno da falta recursos, instalações precárias das escolas, baixos salários dos professores, etc. Não nos opomos a esses posicionamentos, entretanto acreditamos na necessidade de analisarmos também a qualidade da formação dos professores. Com relação especifica, a formação de professores encontramos uma grande insatisfação dos próprios profissionais. Essa informação pode ser comprovada ao lermos a reportagem da Nova Escola de 2008 que traz uma pesquisa que mostra que em 2007 o índice de professores insatisfeitos com a sua formação era de 49%. A justificativa dos professores era de que os cursos universitários não prepararam para a realidade da escola. Em função desses resultados a Fundação Carlos Chagas realizou nova pesquisa que analisou o currículo de 71 currículos dos cursos de Pedagogia oferecidos pelas instituições publicas e privadas brasileiras. Bernadete Gatti, que foi a coordenadora do

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

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UNIVERSIDADE: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO PROGRESSO

DO CONHECIMENTO DE FRANCIS BACON

LÓDE NUNES, Meire Aparecida (UEM)

OLIVEIRA, Terezinha (Orientadora/UEM)

O contexto que nos leva a questionar a universidade é a atuação profissional

daqueles que possuem o diploma de curso superior. As angustias surgem quando

olhamos, por exemplo, para o grande número de bacharéis em direito que reprovam no

exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Exemplos de formação universitária

deficiente podem ser encontrados em todas as áreas profissionais, entretanto nos

dedicamos a refletir a nossa própria área: a educação.

Quando olhamos as pesquisas que classificam a educação básica brasileira nos

últimos lugares, surge-nos, além do sentimento de tristeza, a indignação, pois todos os

professores que conduzem as séries iniciais, atualmente, são pedagogos. Portanto,

como esses profissionais que passaram anos nos bancos universitários não conseguem

desenvolver um ensino de qualidade? As respostas que tentam explicar o baixo nível da

educação brasileira, na maioria das vezes, contemplam discussões em torno da falta

recursos, instalações precárias das escolas, baixos salários dos professores, etc. Não nos

opomos a esses posicionamentos, entretanto acreditamos na necessidade de analisarmos

também a qualidade da formação dos professores.

Com relação especifica, a formação de professores encontramos uma grande

insatisfação dos próprios profissionais. Essa informação pode ser comprovada ao lermos

a reportagem da Nova Escola de 2008 que traz uma pesquisa que mostra que em 2007 o

índice de professores insatisfeitos com a sua formação era de 49%. A justificativa dos

professores era de que os cursos universitários não prepararam para a realidade da

escola. Em função desses resultados a Fundação Carlos Chagas realizou nova pesquisa

que analisou o currículo de 71 currículos dos cursos de Pedagogia oferecidos pelas

instituições publicas e privadas brasileiras. Bernadete Gatti, que foi a coordenadora do

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estudo conclui que: "Há uma ênfase muito grande nas questões estruturais e históricas

da Educação, com pouquíssimo espaço para os conteúdos específicos das disciplinas e

para os aspectos didáticos do trabalho docente". Em conseqüência de situações como

essa foi aprovada em junho de 2010, pelo Ministério da Educação (MEC), novas

diretrizes para a criação de cursos de Pedagogia. A manchete da Nova Escola (Ed. 241,

ABRIL 2011) que trazia essa reportagem foi: Novos cursos de graduação terão de

priorizar as didáticas específicas de cada disciplina. A reportagem explicitava que a

condição para abertura de novos cursos de pedagogia era a ênfase nas séries iniciais e a

necessidade de trabalhar a didática de cada disciplina.

Percebemos, então, uma crescente tendência dos cursos universitários voltarem

seus currículos à ‘pratica’ especifica da profissão, que no caso da pedagogia é a

‘didática’. Libaneo (2002, p.5) entende a didática como

[...] disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Ela ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe segurança profissional.

Como podemos observar, para Libaneo, a didática é a disciplina que trata das

questões práticas da atuação do professor e que garantirá a segurança em sua atuação,

todavia, como o próprio autor admite, “Essa segurança ou competência profissional é

muito importante, mas é insuficiente” (LIBANEO, 2002, p.5). Diante desse contexto,

surge-nos as seguintes indagações: se a segurança que os conteúdos estudados na

didática não são suficientes para o êxito da ação do professor, o que realmente

proporcionará o sucesso profissional do professor? Quais as medidas que as

universidades devem tomar para atender essa necessidade? Os caminhos para

pensarmos essas questões são vários, entretanto optamos em tecer algumas

considerações sobre a essência da formação universitária, uma vez que nossa grande

inquietação não limita-se apenas aos cursos de pedagogia, mas sim a atuação do

profissional de nível superior. Assim, nos pautando no pensamento de Pieper, exposto

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por Lauand no livro O que é uma universidade?, já que a universidade é o lócus que

deverá proporcionar as condições para uma formação profissional competente.

É recorrente a compreensão de que a universidade tem a finalidade de formar,

mas será que compreendemos o significado do termo formação? Pieper explica que

formação é diferente de instrução. Para ele a instrução direciona-se apenas a um recorte

do mundo, enquanto que formação é um conceito mais abrangente, que abarca a

totalidade do homem. Seu posicionamento fica evidente ao observar a passagem de

Lauand (1987, p. 77)

Instruído é o funcionário e a Instrução (profissional) se caracteriza por dirigir-se a um aspecto parcial e específico no ser humano e, ao mesmo tempo, a um determinado setor recortado do mundo. Já a formação se dirige ao todo: culto e formado é aquele que sabe o que acontece com o mundo em sua totalidade. A formação atinge o homem todo enquanto é capax universi, enquanto é capaz de apreender a totalidade das coisas que são.

Dessa forma, quando os cursos de pedagogia estão preocupados com uma maior

inserção da didática em seus currículos evidencia que a instrução para a atuação

profissional está em foco. Não rechaçamos essa preocupação, pois compartilhamos com

a idéia de que a universidade deve preparar para o trabalho. Relacionando o

posicionamento de Pieper de que a universidade deve ter como meta a formação do

homem para que ele tenha uma compreensão da totalidade, com a realidade da

sociedade em que vivemos, não é possível retirar o trabalho da realidade social.

Portanto, acreditamos que a universidade deva priorizar uma formação intelectual, com

princípios universais, que possibilite a atuação prática eficiente do formado. Essa

questão é explicita quando Lauand explica que Ruy Nunes traz um resumo que nos leva

a compreender claramente o pensamento de Pieper a cerca do ensino universitário.

[...] embora nas universidades modernas se estudem muitas ciências diferentes com objetivos práticos, profissionais, o que deve caracterizar o estudo nessas academias é o espírito filosófico, indagador, universalista e crítico. Acadêmico, explica Pieper, significa filosófico, e um estudo sem filosofia não é um estudo acadêmico (RUY NUNES, apud, LAUAND 1987, p. 26).

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Para o autor formação filosófica consiste na atitude teórica que busca a verdade,

assim mesmo quando o objetivo é a atuação profissional essa característica deve

prevalecer. Assim, não há o desprezo pelos objetivos práticos nos cursos universitários,

pois a aplicação social do conhecimento proporcionado pela universidade é algo que

sempre acompanhou a trajetória dessa instituição, Verger (1996, p. 29- 30) nos auxilia

na construção desse pensamento ao mencionar que:

[...] a noção de sua utilidade certamente social jamais esteve ausente. Mesmo que as disciplinas ensinadas nessas universidades pareçam-nos atualmente demasiado teóricas, os universitários medievais estavam convencidos de que os estudos não constituíam um fim em si, mas deveriam propiciar aos que alcançavam o saber beneficiarem-se pessoalmente dele e colocarem a sua competência a serviço de fins socialmente legítimos.

Em suma, entendemos que a universidade deve se preocupar com a formação

humana, tanto no que se refere aos elementos teóricos como práticos, e, assim, exerce

uma importante função social. Entretanto, o que chamamos a atenção é para o fato de

que se a deficiência na formação profissional esta nas questões práticas, isso significa

que as teóricas estão sendo desempenhadas eficientemente. Ou, será que a precariedade

da atuação profissional está na falta do conhecimento teórico o que acarreta na

inoperância da prática? Supondo que essa hipótese seja verdadeira, medidas como a

resolução do MEC de priorizar as didáticas seriam errônea e provocaria um caos maior

do que está posto. Ainda, seguindo essas suposições, o que levaria os mentores da

educação brasileira tomar essas decisões? A falta de conhecimento do que constitui uma

formação eficiente, ou será que essa situação é conseqüência de uma sociedade que fixa

suas bases na utilidade/praticidade e subjuga o conhecimento teórico?

Diante dessas questões, podemos entender que não existe um pensamento claro

que identifique a raiz dos problemas que circundam a universitária, ou seja, não estamos

sabendo olhar para nossa realidade e avaliá-la com coerência de modo que possamos

possibilitar um novo direcionamento para o ensino universitário que atenda as

necessidades de nossa sociedade.

Enfim, o que podemos afirmar de fato é que o ensino superior necessita ser

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repensado. A universidade é uma instituição que se efetivou no século XIII, em um

momento em que a sociedade européia está se modificando, e sofreu alterações, por

exemplo, a partir do século XVII, quando a sociedade passou por transformações.

Assim, de acordo com os ensinamentos da história, entendemos que vivemos um

momento de instabilidade, inquietações, angustias e muitas expectativas, mas que

requer muita sabedoria para a efetivação de uma nova concepção de educação. Com o

intuito da construção dessa sabedoria olhamos para os exemplos que a história nos

legou, esse exercício poderá contribuir para melhor entendermos nossa realidade e por

meio da compreensão das ações daqueles homens podemos pensar nossa própria ação.

Nessa perspectiva, delimitamos nosso estudo a obra Progresso do Conhecimento

de Francis Bacon. Bacon é importância para essas meditações porque é considerado

como o precursor da ciência experimental, a qual influenciou a concepção de educação

que vinha sendo desenvolvida até então. Entretanto, para que seus pensamentos se

efetivassem, Bacon precisava combater a forma de conhecimento tradicional, ou seja, o

conhecimento escolástico. Para nos aproximarmos dessa questão, apresentamos na

seqüência algumas considerações acerca de Bacon e as universidades.

Importância de Bacon para as Universidades

Francis Bacon foi um filósofo que contribuiu para a criação da ciência moderna.

Sua proposta se fundamentava na critica do conhecimento que vinha sendo

desenvolvido pelos escolásticos. Para o autor o saber deveria promover melhores

condições para a vida humana. O domínio da natureza, ou ciências naturais, seria, para

Bacon, a possibilidade de progresso e prosperidade. Assim, para ele, a escolástica

produzia um conhecimento falso. Esse pensamento é claro quando menciona as

futilidades que prejudicam o saber. Ele explica que

[...] consideramos fúteis aquelas coisas que são falsas ou frívolas, aquelas nas quais não há verdade ou utilidade; e consideramos fúteis aquelas pessoas que são crédulas ou curiosas sem motivo; e essa curiosidade se refere à matéria ou às palavras, de modo que, o mesmo na razão que na experiência, temos estas três desordens, por assim chamá-las, do saber [...] (BACON 2007, p. 45)

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Bacon entende que a prática dos escolásticos é que gerava as desordens. O autor

explica todas, sendo a primeira mencionada por ele o estudo da palavra e não do

assunto. Sua justificativa é de que as palavras “[...] não são senão imagens das coisas, e

se estas não estão vivificadas pela razão e pela invenção, enamorar-se delas e o mesmo

que se enamorar de um quadro” (BACON 2007, p. 48). Bacon afirma que a

preocupação com as palavras foi uma atividade desenvolvida por sábios de outras

épocas, portanto sua oposição é com o exagero, quando o objetivo se funda na forma e

não no conteúdo. A preocupação com a forma levou os escolásticos a divagavam sem

objetividade, assim como um quadro que possibilita muitas interpretações, mas que se

destina a aplicação prática no cotidiano dos homens. Sua critica à futilidade fica mais

clara quando discorre acerca da segunda desordem do saber que é: “[...] de natureza pior

do que a anterior; pois, assim como a substancia do conteúdo é melhor que a formosura

das palavras, no inverso, o conteúdo fútil é pior que as palavras fúteis [...]” (BACON

2007, p. 49). A abordagem sobre essa segunda desordem concentra grandes informações

sobre seu pensamento a escolástica. Se havia alguma duvida sobre a concepção

baconiana sobre o saber medieval, essas são logo elucidadas, como podemos observar:

Sem duvida alguma, assim como muitas substancias são por natureza solidas, apodrecem e se corrompem em vermes, do mesmo modo o conhecimento bom e correto tem a propriedade de apodrecer e dissolver-se em incontáveis questões sutis, ociosas, insanas e, por assim dizer, vermiculares, que tem de fato, uma certa animação e vivacidade, mas nenhuma correção nem bondade. Esse tipo de saber degenerado prevaleceu sobretudo entre os escolásticos, os quais, provindos de engenhos afiados e robusto, e abundancia de tempo livre, mas pequena variedade de leituras, pois estavam encerrados seus entendimentos nas celas de uns poucos autores (principalmente Aristóteles, seu ditador), como estavam suas pessoas nas celas de monastérios e colégios; e conhecendo pouca história natural ou dos tempos, com reduzida quantidade de matéria e agitação infinita do engenho nos teceram essas laboriosas teias de saber que achamos em seus livros. Pois o engenho e a mente humana, se trabalham sobre matéria, que é a contemplação das criaturas de Deus, trabalham conforme o material, e isso mesmo os contém; mas se trabalham sobre si como a aranha trabalha em sua teia, então sua atividade não tem fim, e produzem, com efeito, teias de aranha de saber, admiráveis pela finura do fio e da obra, mas sem substancia nem proveito. (BACON 2007 p. 49-50)

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Bacon apresenta sua objeção ao método escolástico que a partir de uma questão

importante dissolvia-se em particularidades e disputas que, segundo o autor, não

respondiam as necessidades sociais. Além do método dos medievais, Bacon também

critica a fundamentação teórica ao chamar Aristóteles de ‘ditador’. O autor completa

sua critica afirmando que o conhecimento produzido pela escolástica é superficial, ou

seja, bela, mas sem função. Entretanto, a mais grave das acusações proferidas por Bacon

aos escolásticos é a falsidade do saber que produziam. Essa questão é pontuada como a

terceira desordem do saber.

Quanto ao terceiro vicio ou enfermidade do saber, que é referente ao engano ou falsidade, é o pior de todos, pois destrói a forma essencial do conhecimento, que não é outra coisa que uma apresentação da verdade: pois a verdade do ser e a verdade do saber são uma mesma [...] este vicio, pois, se ramifica em duas classes: o deleite em enganar e a propensão a ser enganado, a impostura e a credulidade; e que, embora aparentemente sejam de natureza diversa, parecendo que o primeiro procede da astucia e o segundo da simplicidade, contudo é certo que quase sempre coincidem (BACON 2007, p. 52).

Entretanto, é necessário entender o posicionamento de Bacon diante da

escolástica. A ‘reforma do conhecimento’ que propõe expressa as necessidades de sua

época, a qual é marcada pela transição da sociedade feudal para a burguesa, portanto

dominar a natureza significa expandir o mercado e aumentar o lucro. Essa necessidade

de mudança exigida pela sociedade é justamente a causa primeira do surgimento das

universidades no século XIII. Portanto, o mesmo processo que possibilitou o surgimento

do maior lócus do saber, no século XVII requer que esse saber seja modificado, não

porque o anterior não era bom, mas porque não atende mais as necessidades do novo

contexto social. Partindo dessa compreensão, é possível entender, sem fazer um

julgamento maniqueísta, das severas críticas que Bacon faz a escolástica, pois era

necessário romper com a antiga forma de saber para construir uma nova forma de

conhecimento. Ao fazer isso, não é somente a escolástica que esta na ‘berlinda’, mas

também a universidade, pois ela era a instituição onde se desenvolvia essa forma de

conhecimento. Assim, para entendermos melhor essa questão faremos, na seqüência,

uma breve explanação acerca da origem das universidades. Entendemos como

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necessária essa abordagem para evidenciarmos que o conhecimento desenvolvido no

inicio das universidades era decorrente do confronto com o saber anterior.

De acordo com Verger (1996) as universidades são decorrentes do século XIII,

contudo ao aceitá-la como uma instituição histórica não podemos fechar os olhos para

os acontecimentos anteriores que culminaram seu estabelecimento. Oliveira (2005)

fundamenta esse pensamento informando-nos que durante a Alta Idade Média a

predominância no ensino era a teologia, contudo as mudanças que ocorreram nos

séculos XI, XII e XIII levaram os homens a buscarem outros conhecimentos e a

produzir uma nova forma de vida. Dentre esses acontecimentos podemos destacar o

renascimento das cidades, a expansão comercial e uma nova postura intelectual

decorrente do contato que os intelectuais ocidentais tiveram com textos de Aristóteles,

principalmente, por meio da tradução dos orientais Avicena e Averrois.

Os homens, até então, procuravam as explicações para suas inquietudes na fé,

pela existência divina. Com o renascimento das cidades e a expansão comercial os

homens passam a se preocuparem também com as coisas terrenas, com suas questões

cotidianas. A exemplo, temos o mercador que precisava de uma nova forma de saber,

pois sua vida dependia da praticidade, portanto seu conhecimento também, assim,

deveria ser. Em suma, o conhecimento produzido naquele momento estava dissociado

das necessidades do homem medievo. Ilustramos esse pensamento com a passagem em

que Oliveira (2005, p. 12) expõe o comentário que Abelardo (1079-1142) faz sobre as

aulas de Anselmo de Laon (1050-1117).

Na verdade, parecia admirável aos olhos dos seus ouvintes mas era nulo aos olhos dos que faziam perguntas. Tinha uma elocução admirável, mas era vazio de conteúdo, oco de pensamento. Quando acendia o fogo, enchia sua casa de fumaça mas não a iluminava. Sua arvore parecia toda vistosa na sua folhagem aos que a olhavam de longe, mas revelava-se infrutífera aos que observavam de perto e com cuidado.

Dessa forma, os homens do saber, como os demais profissionais, precisavam

aliar o conhecimento intelectual à prática, o que os leva a se organizarem como em uma

corporação, cujo nome é universidade.

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Le Goff nos ajuda a entender o funcionamento das universidades descrevendo as

atividades do mestre universitário, que eram duas: um trabalho de reflexão e de escrita,

que o autor diz assemelhar-se com o que chamamos de pesquisa; e um trabalho de

ensino. A herança mais importante da universidade medieval é, para Le Goff, um

conjunto de métodos e obras denominada de escolástica. A escolástica é entendida

como:

[...] produção intelectual ligada à escola, a partir do século XII, e mais especificamente às universidades no século XIII. A escolástica vem do desenvolvimento da dialética, uma das disciplinas do trivium, que é ‘a arte de argumentar por perguntas e respostas numa situação de dialogo’. O pai da escolástica é Anselmo de Cantuária (cerca de 1033-1109), para quem a dialética é o método de base da reflexão ideológica (LE GOFF 2007, p. 185)

O ensino escolástico caracterizava-se pela criação de um problema e a

apresentação de uma questão que era discutida entre o mestre e os alunos. Após a

discussão a solução da questão era apresentada pelo mestre, que em muitos casos

tornava-se respeitado pela habilidade em respondê-las. Essas atividades universitárias

trazem uma grande contribuição para a propagação do conhecimento no século XIII,

pois, obrigatoriamente, deveriam culminar em publicações o que beneficiou a

divulgação do livro.

Ao mencionarmos a escolástica, não é possível deixarmos de falar de Tomás de

Aquino, que apresentou um pensamento divergente de sua sociedade, como nos mostra

Lauand na passagem abaixo:

A antropologia de Tomás – revolucionária para a época – afirma o homem em sua totalidade (espiritual, sim, mas de um espírito integrado à matéria) e está em sintonia com uma teologia (também ela dissonante para a época) que, precisamente para afirmara dignidade de Deus criador, afirma a dignidade do homem e da criação como um todo: material e espiritual. Sugestiva nesse sentido é, por exemplo, a luta que Tomás teve que travar na Universidade de Paris para defender a tese da unicidade da alma no homem: a mesma e única alma é responsável pelos atos mais espirituais e mais prosaicos no homem (a teologia dominante –pensando dar gloria a Deus – separava ‘a alma espiritual’ das outras duas –sensitiva e vegetativa – em favor de uma antropologia ‘espiritualista e

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desencarnada) (LAUAND 2004, p.6)

Entretanto a universidade medieval não é marcada apenas pelas grandes

inovações de pensamento, como de Tomás de Aquino, mas trouxe também uma

elevação cultural à população medieval. Verger (1996, p. 30) afirma: todos que

freqüentavam, minimamente, a universidade receberam “[...] ‘cultura de base’ muito

sólida, um modo rigoroso de raciocinar, uma arte de analisar minuciosamente os textos

e, igualmente, noções gerais, os elementos de uma visão coerente do mundo [...]”. O

autor afirma que essa cultura proveniente do ensino das universidades foi muito

significativa para o desenvolvimento da sociedade medieval.

Dessa forma, a universidade representa uma nova possibilidade de conhecimento

aos homens, um conhecimento ligado ao seu contexto histórico. Como conseqüência, os

homens passam a conhecer por meio da razão, e não mais apenas por meio da religião.

Nesse sentido essa instituição estava voltada para a formação das pessoas, o que nos

leva a entender que esse é o principal papel das Universidades medievais.

Face ao exposto, entendemos que as universidades foram resultantes das

necessidades vigentes naquela sociedade, mas ultrapassaram as necessidades práticas.

Oliveira (2005, p. 24) afirmar que a Universidade é um local “[...] especial, voltado para

a busca do conhecimento intelectual, pelo amor à ciência. Em suma, é um local onde se

ultrapassa os limites da necessidade do momento histórico colocado pelo renascimento

do comercio, pelo nascimento das cidades. Caso contrário, as universidades teriam

sucumbido como as demais corporações medievais". Todavia, isso não ocorreu porque

as universidades, enquanto local de formação humana, assumem características

diferentes conforme as necessidades de cada sociedade, sendo exatamente essa a grande

importância que atribuímos à Bacon. Quando o autor critica a escolástica e propõe outra

forma de conceber o conhecimento ele esta evidenciando a dinâmica da história. Chama

os homens a se conscientizarem da necessidade da universidade se modificar, caso

contrário, perderá sua principal característica e será sucumbida assim como as demais

corporações medievais.

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Considerações sobre O Progresso do Conhecimento

Consciente dos problemas que afligiam sua sociedade e impediam o seu

desenvolvimento, Bacon organiza uma nova proposta de conhecimento, o qual foi

denominado de método indutivo. Esse método baseia-se na observação e

experimentação de fenômenos da natureza, portando enquadra-se no âmbito empírico,

que foi fundamental para o desenvolvimento da ciência moderna. Entretanto, para que

conseguisse elaborar e desenvolver sua proposta foi preciso que o filosofo explicita-se

as questões que queria combater. Entendemos que esse é o ponto de partida para

qualquer mudança, assim, a proposta que engendra esse momento de nosso estudo se

constitui pelo interesse de ressaltar na obra de Bacon, O progresso do conhecimento,

alguns das questões que o autor rebateu para que pudesse conceber seu método, que

carregava um novo conceito de conhecimento.

O autor define sua obra como um tratado composto de duas partes:

[...] a primeira referente à excelência do saber e do conhecimento, e a excelência do mérito e verdadeira gloria que há em seu aumento e propagação; a segunda, relativa a quais sejam as ações e obras especificas que tenham sido postas em prática e empreendidas para o progresso do conhecimento, e também a quais defeitos e imperfeições encontro em tais ações especificas [...] (BACON 2007, p. 18),

Nossa abordagem delimita-se apenas ao que se refere as críticas proferidas

contra o conhecimento. Quando o autor apresenta-as e se opõe, expõe sua concepção de

conhecimento e denuncia os problemas que, a seu ver, impede o progresso do

conhecimento. Bacon menciona que há críticas com relação ao conhecimento por parte

de teólogos, políticos e, até mesmo, filósofos. Logo no início ele mostra que o seu

objetivo é rebater essas acusações, as quais para ele, são produtos da ignorância.

[...] para desembaraçar o caminho e, por assim dizer, fazer silencio para que os testemunhos verdadeiros referentes à dignidade do conhecimento sejam mais bem ouvidos, sem a interrupção de objeções tácticas, creio de bom alvitre livrá-lo dos descréditos e infâmias de que tem sido objeto; procedentes todos eles da ignorância [...] (BACON 2007, p.19)

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Na seqüência o autor nos mostra as acusações decorrentes de cada área

especifica. Inicia pelos teólogos que atribuem ao conhecimento a queda do homem do

Paraíso. Bacon explica que não foi o conhecimento da natureza que ocasionou esse fato,

mas sim outro tipo de conhecimento, o “[...] orgulhoso do bem e do mal, com uma

intenção no homem de dar-se uma lei a si mesmo e não mais depender dos

mandamentos de Deus, que foi a forma da tentação. Tampouco há alguma quantidade

de conhecimento, por grande que seja, que possa fazer inchar a mente do homem

[...]”(BACON 2007, p 20). Entendemos a importância dessa passagem no que se refere

ao orgulho que nasce naqueles que se dizem detentores do saber e que a partir desse

pensamento colocam-se acima dos demais, não considerando o saber alheio. Essa forma

de porta-se diante do conhecimento, a nosso ver, reflete justamente a falta de

conhecimento, pois como já divulgava Sócrates, quando mais conhecemos, mais nos

conscientizamos da impossibilidade de se esgotar o conhecimento. Assim, podemos

entender que o conhecimento orgulhoso, aquele que proclama a superioridade,

impossibilita o avançar do conhecimento.

Na mesma passagem, Bacon, comenta que o conhecimento excessivo incha a

mente do homem. O autor defende o conhecimento afirmando que a quantidade não é a

causa, mas sim a sua qualidade. Para ele “[...] tanto se é mais como se é menos, se é

tomado sem seu corretivo próprio, que traga em si algo de veneno ou malignidade, e

alguns efeitos desse veneno, que são ventosidade ou inchaço. Esse tempero corretivo,

cuja adição torna o conhecimento tão soberano, é a Caridade [...]”(BACON 2007, p 22).

A Caridade mencionada por Bacon como reguladora do conhecimento não possui a

mesma compreensão difundido na contemporaneidade. Atualmente, o termo caridade

carrega um apelo assistencialista que não existia em outros momentos. Podemos

comprovar essa questão quando analisamos a Caridade em Tomás de Aquino que nos

leva a entender o significado dessa palavra mais próximo de bem comum do que a

assistência aos mais desprovidos da materialidade. Aceitando essa compreensão de

Caridade, podemos inferir que Bacon atribui como regulador do conhecimento o

interesse coletivo e não o individual. Essa afirmação se justifica quando o autor confere

importância aos doutos que valorizaram “[...] o bem e a honra de sua pátria ou de seu

senhor do que sua própria fortuna ou segurança (BACON 2007, p. 41). Para Bacon, a

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prioridade do interesse coletivo em relação ao particular é conseqüência do próprio

conhecimento, pois afirma que:

[...] assim há de ser, porque o saber infunde no espírito dos homens um sentido verdadeiro da fragilidade de // suas pessoas, da instabilidade de suas fortunas, e da dignidade de sua alma e vocação, de modo que lhes resulta impossível crer que nenhum engrandecimento de sua fortuna pessoal possa ser fim verdadeiro ou digno de seu ser ou estado; (BACON 2007, p. 41).

Portanto, fica-nos evidente que na concepção baconiana o saber deve ser

direcionado ao bem da humanidade e não o favorecimento particular dos homens. Seu

pensamento fica explicito quando se reporta aos políticos corruptos, como podemos

comprovar na seguinte passagem:

[...] Visto que a classe mais corrupta de meros políticos, que não tem seus pensamentos estabelecidos pelo saber no amor e na consideração do dever, nem olham nunca para a universalidade, mas referem todas as coisas a sim mesmos, e se situam no centro do mundo, como se tudo tivesse que confluir neles e em suas fortunas, não se inquietando nunca, em nenhuma tempestade, com o que possa ocorrer com a nave do Estado, contando que eles possam salvar-se no escaler de sua própria fortuna, enquanto os que sentem peso do dever, e conhecem os limites do egoísmo, soem ser fieis a seus postos e obrigações, ainda que com perigo (BACON 2007, p 41)

Como pudemos verificar, o conhecimento é condição para o bom governo, pois é

ele que garantirá a integridade dos interesses coletivos, fazendo com que os políticos

não deixem de cumprir com os deveres dos cargos que ocupam, mesmo diante dos

embates e turbulências que todas as administrações estão sujeitos. Esse pensamento é

remanescente no decorrer da obra. Percebemos que os primeiros argumentos em prol do

conhecimento necessário aos governantes se constroem quando Bacon apresenta as

críticas que os políticos fazem ao conhecimento. O autor relata que a oposição da classe

governante em relação ao excesso de conhecimento é em virtude de entenderem que

“[...] o saber amolece o animo dos homens e os torna mais ineptos para a honra e o

exercício das armas [...]”(BACON 2007, p. 25) . Bacon apresenta essa oposição

acompanhada de outros apontamentos, mas todos no sentido de que o conhecimento

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“[...] separa os esforços dos homens da ação e dos negócios e os leva a um amor ao ócio

e à privacidade; e que introduz nos Estados um relaxamento da disciplina, quando todos

estão mais dispostos a discutir de que obedecer e a executar” (BACON 2007, p. 25).

Bacon mostra exemplos de ações que se pautavam nessa argumentação, entre elas a

acusação de Sócrates de corromper a juventude a não obediência dos costumes, como

nos relata o autor:

[...] Anito, o acusador de Sócrates, apresentou como um artigo de ônus e acusação contra ele que, com a variedade e força de seus discursos e debates, afastava os jovens de devida reverencia às leis e aos costumes de sua pátria; e que ensinava uma ciência perigosa e perniciosa, que fazia que o pior parecesse o melhor e suprimia a verdade com a força da eloqüência e do discurso (BACON 2007, p.26)

Para rebater essas acusações ao conhecimento, Bacon utiliza o conhecimento

histórico. Menciona, com relação ao distanciamento das armas, que as experiências

anteriores provam que o conhecimento não separa o homem de suas obrigações com a

pátria. Assim, a história comprova que ‘o saber e as armas’ atingiram níveis elevados na

mesma época, assim como também se desenvolveram nas mesmas pessoas. O exemplo

que a obra apresenta é de que:

[...] estudiosos que foram grandes generais a generais que foram grandes estudiosos, tome-se Epaminondas, o tebano, ou Xenofonte, o ateniense, dos quais aquele foi o primeiro que abateu o poder de Esparta, e este o primeiro que abriu o caminho para derrocada da monarquia Pérsia.[...] Pois tanto no Egito, como na Assíria, Pérsia, Grécia e Roma, as mesmas épocas que são célebres pelas armas são também as mais admiradas pelo saber, de modo que os maiores autores e filósofos e os maiores capitães e governantes viveram nas mesmas épocas (BACON 2007, p 27).

Portanto, esses exemplos comprovam que a relação da atividade prática, no caso

o combate na guerra, com o conhecimento teórico dos estudiosos é o diferencial que

poderá garantir o sucesso da ação. Essa relação que Bacon apresenta, a nosso ver, uma

grande questão a ser refletida, pois quando ‘a vara está envergada’ para um lado tenta-se

reverter essa posição por meio da inversão radical de sua posição, o que não resolve o

problema, apenas o transfere de posição. É necessário o estabelecimento do ponto de

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equilíbrio, entre conhecimento teórico e prático. Entendemos que a dependência do

conhecimento teórico para o sucesso do conhecimento prático, e vice-versa, é a chave

para o progresso do conhecimento em Bacon. Podemos justificar nosso pensamento no

próximo argumento de Bacon que afirma que o conhecimento mais favorece do que

prejudica o governo.

Vemos que se tem por erro confiar um corpo natural a médicos empíricos, que comumente dispõem de umas quantas receitas agradáveis com as quais se mostram confiantes e temerários, mas não conhecem nem as causas das enfermidades, nem as compleições dos pacientes, nem o perigo dos acidentes, nem o verdadeiro método das curas. Vemos que é um erro semelhante confiar em advogados e homens de leis que são apenas praticantes e não baseiam sua atuação em seus livros, e muitas vezes se vêem facilmente surpreendidos quando o assunto vai além de suas experiências, para o prejuízo das causas com que lidam. Pela mesma razão há de ter conseqüências duvidosas se os Estados são administrados por estadistas empíricos, entre os quais não haja suficientes homens de sólida instrução (BACON 2007, p. 27-28)

Bacon nos leva a entender que não basta dominar os procedimentos práticos, pois

esses não são funcionais quando não há o domínio teórico. Nessa perspectiva, as ações

práticas são superficiais, tratam apenas das aparências, mas não atingem a raiz da

questão, assim como o médico que cura a ferida sem se preocupar com o que está

causando a enfermidade. O governo que age dessa forma trabalha com medidas

compensatórias, seu desgaste é imensurável e administração ineficiente, pois os mesmos

problemas vão ressurgindo em locais e situações diversas. Na concepção do autor a

única medida eficiente é o governo ser constituído por doutos. Esses, além da sabedoria

para tratar as causa, apresentam maior dedicação, pois ao contrario de ouros que amam

sua atividade “[...] por lucro, como o empregado que ama o trabalho pelo salário; ou por

afã de honra, porque os eleva aos olhos dos homens [...]” (BACON 2007, p.31), amam

sua atividade pelo seu próprio fim. Esse pensamento ganha maiores proporções quando

Bacon defende a conduta dos doutos usando como exemplo Platão que “[...] vendo que

não podia estar de acordo com os costumes corruptos de seu país, se negou a ostentar

posição ou cargo algum [...]” (BACON 2007, p. 39). Acreditamos que a escolha de

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Platão para ilustrar a defesa dos doutos não é por acaso, pois o filosofo antigo, ao

construir seu modelo de sociedade perfeita atribuiu ao sábio a função de governante.

Face ao exposto, podemos entender que Bacon constrói uma obra em defesa ao

conhecimento. Para ele, o saber não contempla nenhum prejuízo, pelo contrario é a

mola propulsora da sociedade, mas não é qualquer conhecimento. O conhecimento deve

seguir um novo caminho que tenha como guia a melhoria da vida prática, portanto é

exigido em todos os seguimentos sociais, dois quais destacamos dois setores: o

governamental e o intelectual, que de uma forma ou de outra se relacionam e se

complementam.

Como nos mostra Bacon, o governo precisa ser sábio, pois tem por finalidade

decidir as ações que levarão o desenvolvimento social. Suas estratégias deverão ser

conduzidas com o propósito do bem comum e não pelos interesses particulares. Mas

como o autor nos mostra historicamente somente o conhecimento poderá colocar o

coletivo acima do particular, essa é uma atitude apenas dos doutos, por isso esses devem

ser os governantes.

Com relação ao setor intelectual, são seus integrantes os responsáveis pela

construção do conhecimento que formará toda a sociedade, inclusive os governantes.

Portanto, seu compromisso com o saber, que é o cerne de sua atividade, é que poderá

promover a melhoria da vida prática, seguindo a perspectiva baconiana. O lócus que

acolhe esse setor é a universidade, portanto é a instituição que, a nosso ver, desempenha

um dos papeis mais significativos na sociedade. Assim, se a universidade não cumpre

com o seu papel, projeta sua deficiência a todos os demais setores.

Nessa perspectiva, quando observamos profissionais sem preparação adequada e

governo tomando medidas compensatórias, entendemos que as universidades não estão

cumprindo seu compromisso com o saber. A comunidade acadêmica não é formada por

detentores do conhecimento verdadeiro, agem assim como as aranhas mostradas por

Bacon: produzem, produzem produzem....um produto belíssimo admirado por todos,

mas sem retorno à sociedade. Cultivam o orgulho do saber, criam suas próprias leis e

guiam-se pelos domínios dos interesses particulares. Dessa forma, atuam da mesma

forma que aqueles que Bacon critica, que em um grande espaço onde seria necessária

uma grande luz ou um candelabro de muitos braços preferem percorrer cada um dos

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cantos do espaço com uma lamparina. Concordamos com o autor em que essa ação

ilumina um canto e escurece os demais. Portanto, quando a universidade advoga em

proveito próprio leva luz a instituição, mas escurece toda a sociedade pela qual tem

responsabilidade.

Bacon conserva sua importância até hoje porque demonstrou sabedoria ao olhar

para sua sociedade e perceber o que ela necessitava e ainda propor um novo caminho. O

método proposto por Bacon tem como premissa a observação e é justamente esse

procedimento que o possibilitou a efetivação de sua proposta. Assim, o autor nos ensina

que a observação é uma virtude que deve ser cultivada nos homens, pois em tempos

difíceis é ela que possibilitará o reconhecimento das fragilidades e que fornecerá o

conteúdo para a construção de novas propostas.

Referencia

BACON, F. O progresso do conhecimento. São Paulo: UNESP, 2007.

Cursos de Pedagogia não priorizam a didática. Nova Escola, Abril 2011. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/edicoes-impressas/241.shtml

LAUAND, L, J. O que é uma universidade? Introdução à filosofia da educação de Josef Pieper. São Paulo: Perspectiva, 1987.

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OLIVEIRA, T. As universidades na Idade Média (séc. XIII). São Paulo/Porto: Mandruvá, 2005.

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