UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE...

70
UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS - FADE CURSO DE DIREITO O CRIME ORGANIZADO E O ESTADO DESORGANIZADO DANIELLE NEGREIROS DOS SANTOS 10º PERÍODO GOVERNADOR VALADARES, NOVEMBRO DE 2010

Transcript of UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE...

Page 1: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE

FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E

ECONÔMICAS - FADE

CURSO DE DIREITO

O CRIME ORGANIZADO E O ESTADO DESORGANIZADO

DANIELLE NEGREIROS DOS SANTOS

10º PERÍODO

GOVERNADOR VALADARES, NOVEMBRO DE 2010

Page 2: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

1

UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE

FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E

ECONÔMICAS - FADE

CURSO DE DIREITO

O CRIME ORGANIZADO E O ESTADO DESORGANIZADO

DANIELLE NEGREIROS DOS SANTOS

10º PERÍODO

ORIENTADOR: Prof. Evandro dos Santos Costa

GOVERNADOR VALADARES, NOVEMBRO DE 2010

Monografia apresentada como requisito indispensável para a graduação em Direito.

Page 3: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

2

UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE

FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E

ECONÔMICAS – FADE

CURSO DE DIREITO

DANIELLE NEGREIROS DOS SANTOS

O CRIME ORGANIZADO E O ESTADO DESORGANIZADO

Aprovado ( )

Aprovado com louvor ( )

Aprovado com restrições ( )

Reprovado ( )

Professor:

Evandro dos Santos Costa - Orientador

Professor:

Professor:

GOVERNADOR VALADARES, NOVEMBRO DE 2010

Monografia apresentada ao Curso de Direito da

UNIVALE como requisito parcial para a

obtenção do título de Bacharel em Direito.

Page 4: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pela benção e força para alcançar

esse objetivo.

Aos meus pais, pelo apoio e confiança depositados em mim nesses

5 (cinco) anos de caminhada, por toda a dedicação e amor, pela

oportunidade de poder concretizar meu sonho na condição de futura

operadora do direito.

Ao meu orientador Evandro dos Santos Costa.

E a todos que indiretamente contribuíram para a confecção da

mesma.

Page 5: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

4

Se os ricos e os poderosos podem escapar a preço de

dinheiro às penas que merecem os atentados contra a

segurança do fraco e do pobre, as riquezas, que sob a

proteção das leis são a recompensa do trabalho, tornar-se-ão

alimento da tirania e da iniquidade.”

CESARE BECCARIA, DOS DELITOS E DAS PENAS.

Page 6: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

5

RESUMO

SANTOS, Danielle Negreiros dos. O crime organizado e o estado desorganizado.

2010. Monografia (Graduação em Direito). Faculdade de Direito, Ciências

Administrativas e Econômicas da UNIVALE, Governador Valadares, MG.

Na feroz tentativa de combater o crime organizado necessário se faz abrir

os olhos da população brasileira para a histeria criada por certos setores em relação

a esse tema. Nota-se que esse discurso político-governamental é apenas uma

satisfação simbólica que visa esconder as verdadeiras causas da criminalidade

urbana e mascarar a incompetência do Estado no combate à violência.

A falta de programas destinados a mitigar as graves desigualdades

sociais e o crescente desemprego, são causas atraentes aos jovens dos grandes

centros urbanos na prática de ilícitos. É por isso que ilusória presença do Estado

como garantidor da lei e da ordem não passa de uma falácia. Posto que é

fundamental e de extrema urgência que se proceda a uma reestruturação do

sistema, promovendo o crescimento econômico, geração de empregos,

investimentos em educação e melhoria das condições de vida da população.

Todas essas medidas em termos de segurança pública só surtirão efeitos

se acompanhadas de ações de alcance social. Em longo prazo, o investimento em

políticas sociais trará mais resultados do que aquisições de viaturas e armamentos,

criação de delegacias especializadas, promulgação de leis ineficazes, construção de

novos presídios e discursos inflamados da lei e da ordem.

PALAVRAS-CHAVE

Ministério Público; Crime Organizado; Segurança Pública; Estado.

Page 7: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

6

SUMÁRIO

O CRIME ORGANIZADO E O ESTADO DESORGANIZADO

1 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 08

2 DO CRIME ORGANIZADO: FATOS HISTÓRICOS E

DESENVOLVIMENTO.......................................................................................

2.1 O Crime Organizado e suas Características...............................................

2.2 Do Crime Organizado e sua Tipificação no Direito

Penal..................................................................................................................

2.3 O Crime Organizado e suas Conseqüências no Plano Processual

Penal..................................................................................................................

2.4 Tutela Processual do Crime Organizado.....................................................

2.5 Atuação Restritiva do Estado e seus Limites..............................................

2.6 Procedimento Probatório.............................................................................

2.6.1 Da Obtenção da Prova para Apuração do Crime Organizado.................

2.6.2 Proposição e Admissão da Prova nos Processos de Criminalidade

Organizada........................................................................................................

2.6.3 Produção da Prova em Face do Crime Organizado.................................

2.6.4 Valoração da Prova nos Processos Relativos a Criminalidade

Organizada........................................................................................................

2.7 Das Organizações Criminosas no Brasil.....................................................

2.8 O Terrorismo................................................................................................

2.9 Crime Organizado e a Globalização............................................................

2.10 Crime Organizado e Tráfico de Substâncias Entorpecentes.....................

2.11 Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro...............................................

10

13

15

16

19

21

24

24

27

27

29

30

34

35

36

38

Page 8: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

7

3 O CRIME ORGANIZADO E O ESTADO.................... ..................................

3.1 Caracteres do Crime Organizado..............................................................

3.2 Conexões com o Poder Público.................................................................

3.2.1 Estratégias de Infiltração.........................................................................

3.2.2 Formas Indiretas de Conexão.................................................................

3.2.3 Formas Diretas de Conexão....................................................................

3.3 Conexões entre Particulares e Agentes Públicos.......................................

3.4 O Estado e o Crime Organizado.................................................................

43

43

45

47

47

49

52

53

4 O CRIME ORGANIZADO E A PERDA DA EFICÁCIA DE PARTE DA LEI

9.034/95............................................................................................................

4.1 Da Perda de Eficácia de Vários Dispositivos da Lei 9.304/95....................

4.2 Da Falta de Definição de Ordenação Criminosa........................................

4.3 Conteúdo Atual sobre o Significado de “Crime Organizado”......................

4.4 Características da Organização Criminosa.................................................

4.5 A Autonomia do Legislador.........................................................................

55

55

56

57

58

58

5 SUGESTÕES PARA O COMBATE AO CRIME ORGANIZADO..... .............

5.1 Estratégias..................................................................................................

5.1.1 Base Ético-Política...................................................................................

5.1.2 Extermínio da Promiscuidade..................................................................

5.1.3 A Corrupção e o Crime Organizado.........................................................

5.2 O Estado Forte............................................................................................

59

59

60

60

62

64

6 CONCLUSÃO........................................ ........................................................

65

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................... ......................................

67

Page 9: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

8

1 INTRODUÇÃO

Neste trabalho será abordada a complexa problemática do Crime

Organizado, iniciando o estudo a partir de sua origem, narrando brevemente as

semelhanças existentes na formação de algumas organizações criminosas, assim

como seus tipos e ramos de atuação. Em segundo plano, serão analisadas as

principais características do crime organizado, que se constituem em acumulação de

poder econômico, alto poder de corrupção, necessidade de legalizar lucro obtido

ilicitamente, alto poder de intimidação, conexões locais e internacionais,

criminalidade difusa e, finalmente, estrutura das organizações criminosas e sua

relação com a comunidade. A importância dos tópicos supra citados reside na

identificação e no enquadramento das infrações penais cometidas como de crime

organizado.

Ainda, indubitável é a relevância de seu conceito, baseado em colocações

doutrinárias. Atente-se à dificuldade em se conceituar crime organizado, frente ao

número e à complexidade de condutas que o compõem. Nesta vereda, é de verificar-

se que a Lei n° 9.034/95 foi omissa quanto à concei tuação de crime organizado,

comparando-os aos crimes de associação criminosa e quadrilha ou bando, já

tipificados no ordenamento jurídico brasileiro. Em derradeiro, o artigo 1° do

mencionado dispositivo legal foi revogado pela Lei n° 10.217/01, contudo esta não

solucionou o problema apontado, apenas declarando a distinção entre os crimes de

quadrilha ou bando e de associação criminosa do crime organizado.

Como se há verificar, o modelo processual penal vigente apresenta-se como

ineficiente na obtenção de variados tipos de provas, em face da sólida estrutura do

crime organizado e de seu poderio econômico, impossibilitando que a atuação dos

agentes, assim como as conseqüências de suas ações sejam rastreadas,

comprovadas e devidamente punidas. Diante do quadro exposto, a doutrina e a

jurisprudência têm considerado a aplicação de medidas restritivas os direitos

individuais, garantidos pela Carta Magna, quando o caso concreto exigir sua

imposição, atentando-se aos limites de sua aplicação e ao Princípio da

Proporcionalidade.

Também será abordado o procedimento probatório, partindo do conceito de

prova e de procedimento probatório, analisando seus momentos e importância para

a adequada avaliação do caso concreto pelo magistrado, não se olvidando a

Page 10: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

9

obtenção de provas a fim de se apurar o crime organizado, sua admissibilidade no

processo e sua valoração. Ademais, será verificada a atuação das organizações

criminosas no Brasil, assim como suas conseqüências para a sociedade civil e para

o Estado brasileiro. Ainda, será discutida a importância do Terrorismo como ameaça

à comunidade internacional, além de sua correlação com o crime organizado.

Também merece atenção o crime de tráfico de entorpecentes, já que se configura

como objeto de ação de inúmeras organizações criminosas.

Cabe salientar a questão da lavagem de dinheiro, relevante crime

econômico de profunda conexão com o crime organizado. Não há olvidar-se a

jurisprudência emanada pelos Egrégios Tribunais Brasileiros, relatando a opinião

das instâncias superiores quanto à questão do crime organizado. Ao ensejo da

conclusão deste trabalho, serão apontadas soluções plausíveis, em consonância

com o ordenamento jurídico brasileiro, a fim de se combater um dos maiores

desafios da atualidade.

Page 11: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

10

2 DO CRIME ORGANIZADO: FATOS HITÓRICOS E DESENVOLVI MENTO

Inicialmente tratar-se-á da complexidade existente quanto à origem das

organizações criminosas, face às diferenças circunstanciais apresentadas por cada

país. Note-se que1:

No Reino Unido e na Espanha, por exemplo, a existência de uma

regulamentação sobre o consumo de drogas, o jogo e a prostituição faz com

que os grupos organizados sejam de caráter distinto dos existentes no

Japão, onde as organizações que se dedicam ao controle do vício e da

extorsão têm uma grande proeminência. Em muitos países do Terceiro

Mundo, além da exploração da droga, o crime organizado se dedica à

corrupção de funcionários públicos e políticos.

Interessante se faz comentar que algumas organizações, como as Máfias

italianas, a Yakuza japonesa e as Tríades chinesas são organizações que

apresentam traços comuns, uma vez que surgiram no início do século XVI como

uma maneira de defesa contra os abusos cometidos por aqueles que detinham o

poder. Ademais, para o crescimento de suas atividades contaram com a conivência

de autoridades corruptas das regiões onde ocorriam movimentos político-sociais2.

Outrossim, foi relatado que o primeiro caso de Terrorismo, vertente do crime

organizado, ocorreu em 1855, ocasião em que anarquistas franceses atentaram

contra Napoleão III, tendo esses se refugiado na Bélgica, cujos governantes

recusaram-se lhes conceder a extradição. Tal fato originou a Lei Francesa de 28 de

julho de 1894. Registre-se, ainda, que no Brasil a associação criminosa derivou do

movimento conhecido como cangaço, cuja atuação deu-se no sertão do Nordeste,

1 Princípios de Criminologia. Valência: Tirant lo Blanch, 1999. p. 648. Apud, GONÇALEZ, Alline Gonçalves;

BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004.

Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>. Acesso em: 24 outubro de 2004.

2 SILVA, Eduardo Araújo da: Crime Organizado. 2003. p. 20, Apud, GONÇALEZ, Alline Gonçalves;

BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004.

Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>. Acesso em: 24 de outubro de 2004.

Page 12: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

11

durante os séculos XIX e XX, como uma maneira de lutar contra as atitudes de

jagunços e capangas dos grandes fazendeiros, além de contestar o coronelismo3.

Personificados na figura de Virgulino Ferreira da Silva, “O Lampião”, (1897-

1938), os cangaceiros tinham organização hierárquica e com o tempo

passaram a atuar em várias frentes ao mesmo tempo, dedicando-se a

saquear vilas, fazendas e pequenas cidades, extorquir dinheiro mediante

ameaça de ataque e pilhagem ou seqüestrar pessoas importantes e

influentes para depois exigir resgates. Para tanto, relacionavam-se com

fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam com a colaboração de

policiais corruptos, que lhes forneciam armas e munições.

Verifica-se que a primeira infração penal organizada no Brasil consistiu na

prática do jogo do bicho. Relatou-se que o Barão de Drumond criou o jogo com o

intuito de arrecadar dinheiro para salvar os animais do Jardim Zoológico do Estado

do Rio de Janeiro. Contudo, a idéia popularizou-se e passou a ser patrocinada por

grupos organizados, os quais monopolizaram o jogo, corrompendo policiais e

políticos.

Nas décadas de 70 e 80, outras organizações criminosas surgiram nas

penitenciárias da cidade do Rio de Janeiro, como a Falange Vermelha, que nasceu

no presídio da Ilha Grande e é formada por quadrilhas especializadas em roubos a

bancos, o Comando Vermelho, originado no presídio Bangu 1 e comandado por

líderes do tráfico de entorpecentes e o Terceiro Comando, dissidente do Comando

Vermelho e idealizado no mesmo presídio por detentos que discordavam da prática

de seqüestros de crimes comuns praticados por grupos criminosos. Já na década de

90, no Estado de São Paulo4, surgiu no presídio de segurança máxima anexo à

Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, a organização criminosa denominada

3 SILVA, Eduardo Araújo da: Crime Organizado. 2003, p. 25 Apud GONÇALEZ, Alline Gonçalves;

BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004.

Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>. Acesso em: 24 outubro de 2004.

4 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado, 2003, p 26. GONÇALEZ, Alline Gonçalves; BONAGURA,

Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004. Disponível em:

<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>. Acesso em: 24 Agosto de 2004.

Page 13: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

12

PCC (Primeiro Comando da Capital), com atuação criminosa diversificada em

diversos Estados. Com o fim de patrocinar rebeliões e resgates de presos; roubar

bancos e carros de transporte de valores; praticar extorsão de familiares de

detentos, extorsão mediante seqüestro e tráfico de entorpecentes, possuindo

conexões internacionais; e conseqüentemente assassinar membros de facções

rivais, tanto dentro como fora dos presídios.

Em 17 (dezessete) de junho de 2002, a organização não governamental

World Wild Fund (WWF)5, divulgou relatório, onde o crime organizado, incluindo a

Máfia russa e os cartéis de entorpecentes, estão adentrando o tráfico ilícito de

animais, devido ao seu caráter lucrativo (de até 800%), ao baixo risco de detenção e

à falta de punição. Estima-se que, no Brasil, 40% dos carregamentos ilegais de

drogas estejam relacionados com o tráfico de animais. Nos Estados Unidos, mais de

1/3 (um terço) da cocaína apreendida em 1993 provém da importação de animais

selvagens. Nota-se que, em alguns casos, os animais são levados juntamente com

as drogas; em outros, são usados como moeda de troca e lavagem de dinheiro.

Pode-se relatar que as pesquisas biológicas clandestinas, o comércio

irregular de madeiras nobres da região amazônica e da mata atlântica, em especial o

mogno, extraído dos Estados do Pará e sul da Bahia, com a suposta conivência de

funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), também são

consideradas relevantes áreas de atuação do crime organizado no território

nacional, com conotações transnacionais. Segundo relatório final da CPI da

Biopirataria6, divulgado em 3 (três) de fevereiro de 2003, o comércio ilegal de

animais movimenta aproximadamente R$2 bilhões por ano e, a comercialização

ilegal de madeira, R$4 bilhões.

Há, no entanto, a existência de organizações criminosas especializadas em

desvio de extraordinários montantes dos cofres públicos para contas de particulares,

as quais são abertas em paraísos fiscais no exterior. Tal prática envolve escalões

dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, resultando no impeachment do 5 World Wild Found. Organized gangs move into wildlife trafficking. Disponível em:

http://www.wwf.org.uk/news/n_0000000589.asp. Acesso em 20 de agosto de 2004.

6 ROTA BRASIL OESTE. CPI da Biopirataria aprova relatório final. Disponível em:

http://www.brasiloeste.com.br/noticia.php/442. Acesso em 20/03/2004.

Page 14: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

13

Presidente Collor em 1992, a renúncia de alguns deputados da Câmara Federal, os

quais manipulavam verbas públicas e ficaram conhecidos como "anões do

orçamento", além da cassação do senador Luís Estevão e da prisão do presidente

do Tribunal Regional do Trabalho, Nicolau dos Santos, devido ao superfaturamento

na construção da sede do referido tribunal.

Registre-se que:

A criminalidade organizada não é apenas uma organização bem feita, não é

somente uma organização internacional, mas é, em última análise, a

corrupção da Legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da Polícia,

ou seja, a paralisação estatal no combate à criminalidade... é uma

criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas

individuais.7

2.1 O CRIME ORGANIZADO E SUAS CARACTERÍSTICAS

Dentre as características que identificam a atuação do crime organizado

pode ser apresentada inicialmente a acumulação de poder econômico dos

integrantes das organizações criminosas, estes atuam no vácuo de alguma proibição

estatal, o que lhes possibilita auferir extraordinários lucros8. Aliás, estima-se que o

mercado do crime organizado movimenta mais de ¼ (um quarto) do dinheiro em

circulação no mundo. Salienta-se que as Máfias italianas9 são consideradas

verdadeiras potências financeiras do mundo: o volume anual de seus negócios

7 ROTA BRASIL OESTE. CPI da Biopirataria aprova relatório final. Disponível em:

http://www.brasiloeste.com.br/noticia.php/442. Acesso em 20/03/2004.

8 CONCEIÇÃO, Mário Antônio. O crime organizado e propostas para atuação do Ministério Público, 1999,

Apud, GONÇALEZ, Alline Gonçalves; BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi,

Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004. Disponível em:<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>.

Acesso em: 24 Agosto de 2004.

9 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado, 2003, p. 28 Apud GONÇALEZ, Alline Gonçalves;

BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004.

Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>. Acesso em: 24 Agosto de 2004

Page 15: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

14

alcança US$50 bilhões e estima-se que seu patrimônio seja superior a US$100

milhões.

Percebe-se que a acumulação do poder econômico deriva da necessidade

de legalizar o lucro obtido ilicitamente, acarretando na lavagem de dinheiro auxiliada

pelos paraísos fiscais (Panamá, Ilhas Cayman, Uruguai, Ilhas Virgens Britânicas,

Andorra, dentre outros). Em derradeiro, o alto poder de corrupção configura-se como

fator relevante no incentivo ao crime organizado, uma vez que é direcionado a várias

autoridades das três esferas estatais, na medida em que são compostas pelas

instâncias formais de controle do Direito (Polícia Judiciária, Ministério Público e

Poder Judiciário), pelas altas esferas do Poder Executivo, além de integrantes do

Poder Legislativo. Assim, a participação de agentes estatais cria uma sensação de

segurança nos criminosos, na medida em que contribui para a continuidade das

ações delituosas e para o agravamento do problema da impunibilidade.

Registre-se que a criminalidade difusa decorre da ausência de vítimas

individuais, conhecidas, determinadas, configurando-se como obstáculo à reparação

dos danos causados pelas organizações criminosas, uma vez que no momento em

que se descobre a infração, os danos são imensos e irreparáveis, restando ao Poder

Público o rastreamento do valor apropriado, tarefa esta de difícil concretização,

frente à morosidade, dificuldade e aos resultados mínimos. Vale lembrar que as

organizações criminosas possuem característica mutante, pois se utilizam de

empresas de fachada, terceiros (laranjas) e contas bancárias específicas como

meios impeditivos de visibilidade de sua atuação pelo Poder Público. E com o

tempo, alteram sua estrutura administrativa, mudando as empresas, removendo as

pessoas para lugares diversos e criando outras contas bancárias.

Outra característica a ser verificada é o alto poder de intimidação que

também se perfaz em um fator considerável, já que a "lei do silêncio" imposta aos

membros do crime organizado, assim como às pessoas estranhas à organização é

mantida devido ao emprego de meios cruéis de violência. Assim sendo, os membros

de tais facções podem atuar na clandestinidade, a fim de evitar a responsabilização

penal. Outro fator consiste nas conexões locais e internacionais e na divisão de

territórios para a atuação. No âmbito internacional, os criminosos não encontram

grandes obstáculos para se integrarem, notadamente após o desenvolvimento do

processo de globalização da economia, que contribuiu para a aproximação das

nações, possibilitando aos grupos que ainda operavam paralelamente um novo

Page 16: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

15

impulso em suas relações com maiores perspectivas de expandirem mercados

ilícitos.

Não se pode deixar de analisar a estrutura das organizações criminosas e

sua relação com a comunidade, onde estes grupos possuem uma estrutura

empresarial, possuindo na base soldados que realizam diversas atividades

gerenciadas por integrantes de média importância. E como consequência, ganham

simpatia da comunidade em que atuam e facilitam o recrutamento de seus

integrantes, realizam ampla oferta de prestações sociais, aproveitando-se da

omissão do aparelho do Estado e criam uma prática de um verdadeiro Estado

paralelo.

2.2 DO CRIME ORGANIZADO E SUA TIPIFICAÇÃO NO DIREIT O PENAL

A tipificação das condutas delitivas individuais é incompatível com o

problema do crime organizado, devido ao número variado e complexo de condutas

que o compõem. A sua conceituação normativa faz-se possível mediante a

aproximação de três critérios: “Estrutural (número mínimo de integrantes), finalístico

(rol de crimes a ser considerado como de criminalidade organizada) e temporal

(permanência e reiteração do vínculo associativo)”. 10

Assim sendo, é possível conceituar crime organizado como aquele praticado

por, no mínimo, três pessoas, permanentemente associadas, que praticam de forma

reiterada determinados crimes a serem estipulados pelo legislador, em consonância

com a realidade de cada País11. Necessário se faz verificar que a Lei n° 9.034/95

procurou tutelar o crime organizado, não se atentando ao Projeto n° 3.519/89, cujo

artigo 2° estipulava que 12:

10 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado – aspectos gerais e mecanismos legais. 1º ed. São Paulo:

Ed. Juarez de Oliveira, 2002.

11 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado – aspectos gerais e mecanismos legais. 1º ed. São Paulo:

Ed. Juarez de Oliveira, 2002.

12 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime Organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/95)

e política-criminal. 2ª ed. Revista, atualizada e Ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

Page 17: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

16

Para efeitos desta lei, considera-se organização criminosa aquela que, por

suas características, demonstre a existência de estrutura criminal, operando

de forma sistematizada, com atuação regional, nacional e/ou internacional.

E, no entanto, essa conceituação não partiu de uma noção de organização

criminosa, não definiu crime organizado por seus elementos essenciais, não arrolou

as condutas que constituiriam criminalidade organizada nem procurou aglutinar

essas orientações para delimitar a matéria. Optou somente, num primeiro momento,

por equiparar a organização criminosa às ações resultantes de quadrilhas ou

bandos, de acordo com seu artigo primeiro.

2.3 O CRIME ORGANIZADO E SUAS CONSEQUENCIAS NO PLAN O

PROCESSUAL PENAL

Já no plano processual, o crime organizado, devido ao seu caráter

multiforme, também requer o desenvolvimento de estratégias diferenciadas dos

crimes comuns, na medida em que se busca uma maior eficiência penal. Nesta

vereda13:

A evolução da criminalidade individual para a criminalidade especialmente

organizada, que serve de meios logísticos modernos e está fechada ao

ambiente exterior, em certa medida imune os meios tradicionais de

investigação (observações, interrogatórios, estudos dos vestígios deixados),

determinou a busca de novos métodos de investigação da polícia.

E assim:

A criminalidade organizada, especialmente a narcocriminalidade, tem

evoluído extraordinariamente nos últimos tempos, adquirindo estruturas

complexas que dispõem de ingentes meios financeiros de origem ilícita e

cuja capacidade operativa supera as das clássicas organizações de

13 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado, 2003, p. 42, Apud, GONÇALEZ, Alline Gonçalves;

BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004.

Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>. Acesso em: 24 Agosto de 2004.

Page 18: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

17

delinqüentes, razão pela qual os meios tradicionais de investigação se

mostram insuficientes, ao menos para chegar ao coração das organizações

e aproximar-se dos seus chefes e promotores14.

As organizações criminosas se utilizam de meios eficazes para a destruição

de provas de autoria delitiva e possuem mecanismos modernos, sendo estes mais

sofisticados que os da Polícia às vezes, para que possam afastar sua culpabilidade.

Como se pode verificar no caso do homicídio, a arma de fogo utilizada é destruída

para evitar vestígios; o automóvel utilizado para fins ilícitos é incendiado; os locais

de atuação são desconhecidos; as testemunhas são assassinadas ou ameaçadas;

no interior dos grupos criminosos as informações são restritas. Ademais, os

integrantes de algumas organizações criminosas passaram a adquirir equipamentos

eletrônicos, geralmente com tecnologia superior àqueles utilizados pela polícia, que

facilmente identificam a presença de microfones ocultos ou microcâmeras instaladas

nos ambientes por eles frequentados (moradias, escritórios, hotéis etc),

comprometendo, assim, a obtenção da prova15.

Em decorrência da dificuldade em se adquirir provas contundentes no caso

do crime organizado, medidas como interceptações telefônicas e ambientais, quebra

de sigilo bancário e fiscal dos denunciados, têm sido permitidas pelo ordenamento

jurídico de vários países. Note-se que a recomendação nº 10 do VIII Congresso das

Nações Unidas, realizado em Havana, no ano de 1991, dispõe que "a interceptação

das telecomunicações e o uso de métodos de vigilância eletrônicos são também

importantes e eficazes" 16 para a apuração do crime organizado.

14 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado. 2003, p. 46 Apud GONÇALEZ, Alline Gonçalves;

BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004.

Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>. Acesso em: 24 Agosto de 2004.

15 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado. 2003, p. 47 Apud GONÇALEZ, Alline Gonçalves;

BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004.

Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>. Acesso em: 24 Agosto de 2004.

16 GARRIDO, Vicente e t al, Apud, GONÇALEZ, Alline Gonçalves; BONAGURA, Anna Paola et al. Crime

organizado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004. Disponível em:

<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>. Acesso em: 24 Agosto de 2004.

Page 19: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

18

Conclui-se que essas estratégias de busca de prova têm se mostrado

eficientes para o rastreamento das operações financeiras, muitas com conexões

internacionais, resultantes na lavagem de dinheiro. Saliente-se que tais métodos

devem ser utilizados com cautela, a fim de evitar lesão aos direitos personalíssimos

garantidos aos cidadãos.

Atente-se à lição de J. C. Viera de Andrade, segundo o qual17:

O fundamento teórico dessa tendência restritiva está no fato de que, assim

como os direitos fundamentais do cidadão, o bem-estar da comunidade e a

preservação e repressão criminal também possuem assento constitucional e

não podem ser sacrificados por uma concepção puramente individualista.

Os direitos fundamentais, enquanto valores constitucionais, não são

absolutos nem ilimitados, visto que a comunidade não se limita a

reconhecer o valor da liberdade: liga os direitos à idéia de responsabilidade

e integra-os no conjunto de valores comunitários, afigurando-se

constitucionalmente lícito ao legislador ordinário restringir certos direitos de

indivíduos pertencentes a organizações criminosas que claramente colocam

em risco os direitos fundamentais da sociedade.

Verifica-se, que existem controvérsias na doutrina a respeito da questão

acima suscitada. Doutrinadores como Sergio Moccia e Mario Chiavario18, afirmam

que os Direitos Individuais não devem ser sacrificados pelo Estado, pois eminente é

o perigo de um retrocesso na história de consagração desses direitos, podendo,

inclusive, acarretar em retornos autoritários ou ditatoriais. E com intuito de preservar

os direitos personalíssimos, segundo o mesmo autor, o legislador previu regras para

colher a prova, disciplinando um procedimento secreto para o juiz colher a prova que

comportar em violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, cujo ato de

17 ANDRADE, J. C. Viera de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 1983. p. 213, 244

e 245 Apud GONÇALEZ, Alline Gonçalves; BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi,

Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>.

Acesso em: 24 Agosto de 2004

18 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado. 2003. p. 50 Apud GONÇALEZ, Alline Gonçalves;

BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004.

Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>. Acesso em: 24 Agosto de 2004

Page 20: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

19

diligência será conservado fora do processo, em lugar seguro, sem intervenção de

cartório e servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes

legítimas da causa, que não poderão ele servir-se para fins estranhos à mesma (art.

3º, §3º, da Lei 9.034/95).

E na mesma linha de raciocínio, têm-se concedido dilação dos prazos de

prisão cautelares e previsão da incomunicabilidade dos investigados por algumas

horas. Quanto ao legislador brasileiro, em se tratando de crimes de lavagem ou

ocultação de bens, direitos e valores provenientes direta ou indiretamente de

diversos crimes, entre eles os praticados por organização criminosa, dispôs que o

juiz determinará a liberação dos bens, direitos e valores apreendidos ou

seqüestrados apenas quando comprovada a ilicitude de sua origem pelo investigado

ou acusado.

Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, por meio de ação direta de

inconstitucionalidade nº 1570, ajuizada pela Procuradoria Geral da República,

decidiu a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 9.034/95, alegando que a Lei

Complementar nº 101/01, norma esta superveniente e de hierarquia superior,

regulou a questão do sigilo bancário e financeiro nas ações praticadas por

organizações criminosas, revogando, por incompatibilidade, a lei 9.034/95. Ao

magistrado incumbe analisar as provas, atendo-se ao Princípio da Imparcialidade,

sendo incompatível com a sua função diligenciar pessoalmente a obtenção de

provas, sem o auxílio da Polícia e do Ministério Público.

Segundo a Procuradoria Geral da República, o referido dispositivo legal

transformou o juiz em investigador, violando o Princípio do Devido Processo Legal,

comprometendo, assim sua imparcialidade. Contudo, a lei mencionada continua em

vigor, ao tratar da obtenção de informações fiscais e eleitorais, implicando na

violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei.

2.4 TUTELA PROCESSUAL DO CRIME ORGANZADO

O legislador criou a Lei nº 9.034/95, que dispõe sobre a utilização de meios

operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações

criminosas, tutelando a ação controlada por policiais, o acesso as informações

bancárias, financeiras, fiscais e eleitorais, além de criar procedimento específico. A

Page 21: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

20

Lei nº 9.296/96, por sua vez, regulamentou a violabilidade das comunicações e do

fluxo das mesmas em sistemas de informática e telemática. Ainda, a lei nº 9.613/98

que dispõe sobre lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e a prevenção da

utilização do sistema financeiro. Estipulou, em seu art. 4º, §2º, que o juiz só permitirá

a liberação dos bens apreendidos ou seqüestrados se provada sua origem lícita.

Já a medida provisória nº 1.713/98 alterou a redação do art. 34 da Lei nº

6.368/76, estipulando processo cautelar para o perdimento de bens. A alienação

desses bens deve ser requerida pelo representante do Ministério Público, podendo o

juiz determinar sua venda por meio de leilão, desde que comprovado o nexo de

causalidade entre os delitos e o risco de perda de valor econômico pelo decurso do

tempo. Ao término do leilão, a União será intimada para oferecer, em títulos do

tesouro, caução equivalente ao montante do valor arrecadado, cabendo ao juiz

decidir sobre a perda definitiva dos bens e valores ou sobre o levantamento da

caução.

E não se pode deixar de relatar sobre a Lei nº 9.807/99 que estabeleceu

normas para a organização manutenção de programas especiais de proteção às

vítimas e testemunhas ameaçadas (arts. 7º, 8º e 9º), estendendo aos réus

colaboradores (art. 15). A Lei nº 10.217/01, por sua vez, introduziu os incisos IV e V

no art. 2º da Lei 9.034/95, disciplinando a interceptação ambiental de sinais

eletromagnéticos e a infiltração de agentes policiais ou da inteligência da Polícia

quanto à investigação, mediante prévia e expressa autorização judicial.

Nessa vereda, a jurisprudência tem se manifestado no sentido de corroborar

com a restrição aos direitos individuais em prol da sociedade e eficiência ao combate

do crime organizado. Atente-se à decisão do E. Superior Tribunal Federal 19:

Os Direitos e Garantias Individuais não têm Caráter Absoluto. Não há, no

sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de

caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou

exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam,

ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de

medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que

19 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Mandado de Segurança, Relator: Ministro Celso de Mello. Julgamento:

16 de setembro de 1999.

Page 22: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

21

respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto

constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que

estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa -

permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de

um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a

assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou

garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com

desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.

No mesmo sentido:

Processual – Habeas Corpus – Quebra de Sigilo Bancário, Fiscal e de

Comunicações Telefônicas (ART. 5º, X E XII DA CF) – I. Os direitos e

garantias fundamentais do indivíduo não são absolutos, cedendo em face

de determinadas circunstancias, como, na espécie, em que há fortes

indícios de crime em tese, bem como de sua autoria. II. Existência de

interesse público e de justa causa, a lhe dar suficiente sustentáculo. III.

Observância do devido processo legal, havendo inquérito policial

regularmente instaurado, intervenção do parquet federal e prévio controle

judicial, através da apreciação e deferimento da medida20.

2.5 ATUAÇÃO RESTRITIVA DO ESTADO E SEUS LIMITES

É preciso buscar um equilibro entre a restrição aos direitos personalíssimos

e os limites da atuação estatal, sendo vedada a prática abusiva praticada por esse,

razão pela qual o risco de um descontrole no binômio eficiência penal/garantia

individual em desfavor do cidadão deve sempre ser ponderado pelo legislador e pelo

juiz em sua atividade prática, o que determina que essa relação dicotômica seja

sempre marcada pela excepcionalidade21.

Ao propósito, a questão que se coloca gira em torno da medida em que as

restrições devem ser ocorrer, a fim de se buscar um equilíbrio entre a garantia dos

20 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª R – Hábeas Corpus nº 95.02.22528-7 – RJ 3 ª T. – Rel. Dês. Fed.

Valmir Peçanha – DJU 13 de fevereiro de 1996. 21 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado, 2003, p. 53.

Page 23: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

22

direitos individuais e a restrição de tais direitos pelo Estado. Neste passo, é preciso

examinar o Princípio da Proporcionalidade, o qual se destina a22:

(...) regulamentar a confrontação indivíduo-Estado. De um lado, os

interesses estatais na realização da investigação criminal e da persecução

penal em juízo; de outro, o cidadão investigado ou acusado, titular de

direitos e garantias individuais (...).

Tem-se, no entanto, o objetivo de evitar a violação dos direitos fundamentais

de cada indivíduo e o comprometimento da atividade estatal no combate e repressão

à criminalidade. Atente-se ao acórdão emanado pelo Min. Nelson Jobim, segundo o

qual23:

A Constituição não trata a privacidade como direito absoluto (art. 5º, X, XI e

XII). Há momento em que o direito à privacidade se conflita com outros

direitos, quer de terceiros, quer do Estado (...). Deve-se buscar o critério

para a limitação. O princípio da Proporcionalidade é o instrumento de

controle. Deve-se ter conta a proporcionalidade em concerto. Na mesma

linha, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que "pelo princípio da

proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cuja

harmonia se impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento de alguns

direitos por ela conferidos, no caso, direito à intimidade.

Pode-se citar como exemplo da aplicação do Princípio da Proporcionalidade,

a admissibilidade e utilização de prova ilícita, na hipótese de a mesma ter sido obtida

para o resguardo de outro bem protegido pela Constituição, de maior valor que

aquele a ser resguardado. A doutrina criou critérios quanto à aplicação do Princípio

da Proporcionalidade24, devendo o juiz observa-los ao deparar-se com o caso

concreto. São eles: idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

22 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado, 2003, p. 57.

23 Supremo Tribunal Federal: Hábeas Corpus nº 75.338/98 – Rel. Min. Nelson Jobim – 11 de março de 1998.

24 FERNANDES, Antônio Scarance. Constituição da República, p.72. citação por GOMES, Luiz Flávio .in

Crime Organizado. p. 121. 2ª Ed.Revista dos Tribunais.

Page 24: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

23

Verifica-se que o conceito de idoneidade25 refere-se à necessidade de adequação

qualitativa (aptidão para alcançar fins previstos na lei processual) e quantitativa

(duração e quantidade compatíveis com a finalidade buscada) da medida de

restrição dos direitos fundamentais, além da necessidade de adequação de

determinação do âmbito subjetivo de sua aplicação, individualização dos sujeitos

passivos que serão atingidos.

Desses procedimentos que conceituam a idoneidade, a necessidade,

intervenção mínima, alternativa menos gravosa ou subsidiariedade devem ser

analisadas pelo legislador e o magistrado, diante de um caso concreto, todas as

outras formas admitidas por lei como meio de obtenção de resultado satisfatório,

aplicando imposição de medidas restritivas de direitos apenas em casos de real

necessidade. De acordo com o subprincípio da Proporcionalidade, o legislador,

assim como o juiz, deve analisar se o interesse estatal é proporcional à violação dos

direitos individuais constitucionalmente garantidos, que deve ser aplicada em casos

excepcionais. A fim de se evitar a inconstitucionalidade das medidas impostas, os

operadores do direito devem atentar-se aos critérios de conseqüência jurídica;

importância da causa; grau de imputação e êxito previsível da medida.

Registre-se, ainda, que o critério da conseqüência jurídica dispõe que a

restrição de qualquer direito ou garantia individual deve ser proporcional à pena

prevista para a infração penal apurada. O critério da importância da causa versa

sobre a importância da análise do grau de gravidade da infração penal cometida,

devendo esta ser confrontada com a restrição do direito individual. O grau de

imputação relata a ponderação a respeito da força da suspeita sobre a autoria ou a

participação do fato investigado, o que permite avaliar a probabilidade de uma futura

condenação. E por fim, o critério do êxito previsível da medida impõe ao juiz a

previsibilidade de êxito da imposição da medida restritiva. conclui-se, ao magistrado,

que a medida restritiva será irrelevante para o andamento processual adequado e

poderá indeferir a pretensão neste sentido.

25 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado. 2003. p. 58 Apud GONÇALEZ, Alline Gonçalves;

BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 392, 3 ago. 2004.

Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5529>. Acesso em: 24 Agosto de 2004

Page 25: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

24

2.6 DO PROCEDIMENTO PROBATÓRIO

Num primeiro momento será analisado o conceito de prova, que pode ser

definida como "instrumento por meio do qual o juiz forma sua convicção a respeito

da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo" 26. O

procedimento probatório, por sua vez, pode ser definido como "atividade composta

por um conjunto de atos, sucessivos e coordenados, pelo qual o juiz procura

reconstituir os fatos noticiados no processo pelas partes" 27.

A atividade probatória, após estudo analítico das suas etapas, é composta

por cinco momentos distintos: Obtenção da prova que consiste na busca dos

elementos probatórios; Propositura da prova pela qual se indica ao magistrado os

meios de provas utilizados pelas partes; Admissão da prova consistente no

deferimento ou não, pelo juiz, das provas apresentadas; Produção da prova que se

configura como o meio pelo qual o objeto da prova é introduzido no processo;

Valoração da prova segundo a qual o juiz avaliará os meios de prova.

2.6.1 – DA OBTENÇÃO DA PROVA PARA A APURAÇÃO DO CRI ME

ORGANIZADO

Denominada de processo cooperativo, a colaboração processual, ocorre na

fase investigativa criminal, fase em que o acusado confessa seus crimes para as

autoridades e evita que infrações venham a consumar-se (colaboração preventiva),

assim como auxilia concretamente a polícia em sua atividade de recolher provas

contra os demais co-autores, possibilitando suas prisões (colaboração repressiva).

Instituto de direito material, de iniciativa exclusiva do juiz, com reflexos

penais, tem como efeito a possibilidade de diminuição da pena ou a concessão do

perdão judicial. No Brasil, a Lei nº 10.409/02 disciplinou o Instituto da colaboração

processual decorrente de acordo entre representante do Ministério Público e o

investigado que deseja colaborar na fase pré-processual. O artigo 37 prevê a

26 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, e DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral

do processo. 2002. p. 348.

27 SILVA, Eduardo Araújo da. Crime Organizado, 2003, p. 62.

Page 26: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

25

possibilidade em não se propor ação penal, de forma justificada, contra os agentes

ou partícipes do delito que venham a colaborar com a Justiça. E os representantes

do Ministério Público devem observar os seguintes requisitos para a efetuação dos

acordos: Voluntariedade da iniciativa do colaborador - imperiosa é a necessidade de

os agentes estatais respeitarem o livre arbítrio do investigado em relação a uma

eventual delação na fase pré-processual; Relevância das declarações do

investigado - deve-se guardar um nexo de causalidade com os resultados positivos

produzidos na investigação criminal em curso; Colaboração feita de maneira efetiva -

o acusado precisa colaborar de forma permanente com as autoridades, colocando-

se integralmente à sua disposição para a elucidação dos fatos investigados;

Personalidade do colaborador, natureza das circunstâncias, gravidade e

repercussão social do fato criminoso sejam compatíveis com o instituto.

A proposta para a aplicação da colaboração premiada deve ser reservada a

um sujeito que desenvolva funções assemelhadas àquelas hoje desenvolvidas pelo

Ministério Publico no processo penal. Cabe salientar que, a infiltração de agentes da

polícia ocorre quando um agente do Estado, mediante prévia autorização judicial,

infiltra-se numa organização criminosa, simulando a condição de integrante, para

obter informações a respeito de seu funcionamento.

Para tal fim, deve apresentar três características: a dissimulação, ou seja, a

ocultação da condição de agente oficial, o engano, que permite ao agente obter a

confiança do suspeito e a interação, uma relação direta e pessoal entre o agente e o

autor potencial. A exemplo das leis consagradas em outros países, o legislador

exigiu prévia autorização judicial, como forma de assegurar o controle judicial sobre

essa atividade. Todavia, a lei nacional não disciplinou um procedimento próprio para

seu processamento.

Atente-se que o procedimento deverá ser marcado pelo sigilo, podendo ter

acesso aos autos apenas o juiz e o representante do Ministério Público, para o qual

o elemento de prova é produzido. A análise da proporcionalidade entre a conduta do

policial infiltrado e o fim buscado pela investigação é o caminho a ser trilhado,

limitando-se apenas à busca dos elementos de provas.

É de ser relevado que a prática tem demonstrado que, é mais vantajoso,

num primeiro momento, evitar a prisão de integrantes menos influentes de uma

organização criminosa, para monitorar suas ações e possibilitar a prisão de um

número maior de integrantes ou mesmo a obtenção de prova em relação a seus

Page 27: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

26

superiores na hierarquia da associação. A ação controlada por policiais, denominada

de flagrante prorrogado ou retardado, visa possibilitar maior êxito na colheita dos

elementos de prova. A Lei nº 9.034/95 exige dois requisitos: a existência de um

crime em desenvolvimento praticado por organização criminosa ou a ela vinculado; e

a observação e acompanhamento dos atos praticados pelos investigados até o

momento mais adequado para a formação da prova e a colheita de informações.

Em consonância com anteriormente mencionado, a Constituição Federal

resguarda o direito à intimidade e à vida privada e tem como regra a inviolabilidade

das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial. Nesta vereda, objetivando

apurar o crime organizado, a utilização da interceptação telefônica tem-se mostrado

eficiente. Os requisitos para o deferimento da interceptação telefônica estão

previstos no art 2º, incisos I a III, da Lei nº 9.296/96, de maneira a afirmar que se

qualquer dos meios pesquisados for menos gravoso e suficiente para a finalidade

pretendida pela investigação, a violação dos direitos referidos será considerada

desnecessária, no sentido de buscar aquela mais idônea para a finalidade

pretendida com a investigação criminal.

Após análise do parágrafo único do art 2º da Lei nº 9.296/96, conclui-se que

a "decisão judicial que deferi-la deve esclarecer os seus exatos limites, evitando

assim eventuais abusos na apuração de fatos desconexos como objeto da

investigação ou relacionados a terceiros estranhos à apuração criminal, e somente

será possível sua admissão para a persecução de crimes em andamento, não se

prestando a medida para a investigação de infrações que sequer tiveram início de

execução, sob pena do direito à intimidade, que deve ser entendido como regra,

restar demasiadamente vulnerado".

Além disso, a vigilância eletrônica também tem possibilitado uma atuação

mais eficiente dos agentes estatais na apuração do crime organizado, atentando-se

à observação do princípio da proporcionalidade. Assinale, ainda, que o legislador

brasileiro limitou-se a exigir prévia e motivada decisão judicial para seu deferimento.

Outrossim, a quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro, meios de obtenção de

prova, abrangem, além do crime organizado, outras infrações penais, podendo

revelar detalhes sobre a intimidade e a vida privada do cidadão investigado ou

acusado, direitos que naturalmente devem ser preservados, salvo se conexos com

alguma infração penal, situação em que deve prevalecer o interesse público na

apuração criminal.

Page 28: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

27

2.6.2 PROPOSIÇÃO E ADMISSÃO DA PROVA NOS PROCESSOS DE

CRIMINALIDADE ORGANIZADA

Os meios mais eficientes de obtenção da prova vulneram direitos

fundamentais, razão pela qual exigem prévia autorização judicial, sob pena de

ilicitude da prova obtida. O magistrado deve realizar um juízo preliminar sobre a

idoneidade, a necessidade e a proporcionalidade do meio de busca da prova

requerida, com vista em autorizar sua adoção. Posteriormente, deve verificar sua

pertinência e relevância, à luz dos elementos de prova colhidos durante a

investigação criminal e, por fim, fazer uma valoração da prova ante a completa visão

do quadro probatório.

O instituto da colaboração processual não prevê a participação do juiz na

celebração do acordo (fase pré-processual). Entende o juiz que a colaboração foi

irrelevante, não efetiva ou ainda que a personalidade do colaborador e as

conseqüências do crime mostram-se incompatíveis com o instituto, poderá o

magistrado, de maneira fundamentada, desconsiderar o acordo.

Deve-se verificar a licitude da conduta desempenhada pelo policial infiltrado

de maneira que seu depoimento se torne o principal meio de prova, tendo ele sido

arrolado como testemunha da denúncia. Atente-se que, quando a interceptação

telefônica parecer ser o único meio disponível de obtenção da prova, a autorização

será lícita e não perderá essa característica ante a constatação da possibilidade de

utilização de provas colhidas por outros meios não aventados pelo juiz. A lei

brasileira não veda o aproveitamento desse material probatório em relação ao crime

incidentalmente apurado, desde que também esteja contemplado no critério de

proporcionalidade.

2.6.3 PRODUÇÃO DA PROVA EM FACE DO CRIME ORGANIZADO

A audiência telemática possibilita que os acusados participem do ato

processual em local diverso de sua realização, podendo comunicar-se oral e

visivelmente com o juiz e com os demais participantes do ato processual, pelos

meios de comunicação colocados à sua disposição. Assim, tem como finalidade a

busca da eficiência processual, embora haja falta de segurança no deslocamento

dos acusados e excessivo dispêndio de recursos públicos para tanto.

Page 29: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

28

Como pontos problemáticos, configuram-se a constituição inegável de uma

atenuação à ampla defesa do acusado, a dificuldade econômica de se constituir dois

advogados para participar simultaneamente do ato no juízo e a ausência de absoluto

sigilo nas conversações. Aliás, A tendência contemporânea acerca do tema,

portanto, é no sentido de se tolerar uma atenuação do direito de defesa do acusado

quando confrontado com outros valores de igual magnitude, onde a decisão sobre

sua utilização deve sempre ser marcada pela excepcionalidade.

Convém notar, que em razão do alto poder de intimidação, geralmente

imposto pelas organizações criminosas, os depoimentos de testemunhas arroladas

em processo tendem a serem colhidos à distância, a fim de se buscar a eficiência

processual. Todavia, a lei brasileira não tutela a possibilidade da colheita do

testemunho a distância para preservar sua integridade ou para proteger a

testemunha. Vale ressaltar que a proteção à testemunha tem a finalidade de

assegurar a inteireza da prova oral a ser produzida em juízo, de se proporcionar uma

efetiva proteção para vítimas testemunha e co-réus colaboradores.

No Brasil, as medidas de proteção abrangem a segurança na residência,

incluindo o controle de telecomunicações, escolta e segurança nos deslocamentos

da residência e transferência de residência ou acomodação, preservação da

identidade, imagem e dados pessoais, ajuda financeira para promover as despesas

necessárias à subsistência, suspensão temporária das atividades funcionais, apoio e

assistência, social, médica e psicológica, sigilo em relação aos atos praticados em

virtude da proteção concedida, apoio para o cumprimento das obrigações civis e

administrativas, alteração de nome completo e concessão de outras medidas

cautelares compatíveis com a proteção da testemunha e seus familiares.

Com a finalidade de se preservar a integridade física e psicológica de

vítimas e testemunhas, bem como de seus familiares, é prevista a participação

anônima nos processos que apuram a criminalidade organizada, fazendo com que a

identidade da testemunha seja desconhecida do juízo e/ou da defesa. Trata-se de

verdadeira prova acusatória a incriminação do co-réu colaborador, referente à

natureza jurídica da delação do co-réu.

Page 30: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

29

2.6.4 VALORAÇÃO DA PROVA NOS PROCESSOS RELATIVOS À

CRIMINALIDADE ORGANIZADA

Ao analisar as declarações incriminadoras do co-réu, deve-se observar que

o acusado não presta o compromisso de falar a verdade em seu interrogatório e está

em situação de beneficiário processual, podendo figurar como beneficiário penal. Em

consonância com o acatado, o magistrado deverá considerar os seguintes

elementos para a valoração desse meio de prova: a verdade da confissão, a

inexistência de ódio em qualquer das manifestações, a homogeneidade e coerência

de suas declarações, a inexistência da finalidade de atenuar ou mesmo eliminar a

própria responsabilidade penal e a confirmação da delação por outras provas. Deve,

ainda, o juiz considerar, na valoração do depoimento prestado por pessoa protegida,

as seguintes presunções: a) Se os sentidos não enganaram a testemunha; b) Se a

testemunha não que enganar o juízo.

Em relação à percepção e à transmissão do percebido, devem ser

analisados o desenvolvimento e a qualidade das faculdades mentais da testemunha,

o funcionamento dos sentidos das testemunhas, as condições em que se produziu a

percepção, sob o plano físico e psíquico, as características do objeto percebido, as

percepções do tempo, da distância e do volume, além das condições de transmissão

do percebido. No tocante à sinceridade do depoimento, é preciso observar a

presença ou não de algum interesse que possa exercer influência consciente ou

inconsciente sobre a vontade do depoente, a existência de relatos dúbios e a

consideração individual de cada testemunho.

A valoração de depoimento policial, por sua vez, deve atender a dois

elementos: a inexistência de interesse em afastar eventual ilicitude em suas

diligências e a comprovação de seu depoimento por outros meios de prova, salvo

impossibilidade de fazê-lo. Tais requisitos devem ser observados devido à

possibilidade do temor presente nas investigações influenciar a imparcialidade das

palavras dos policiais envolvidos. Ressalve-se que, nos últimos anos, nos processos

instaurados para apuração dos crimes organizados, nota-se uma acentuada

tendência quanto à valoração da prova indiciária.

O primeiro dos requisitos a ser considerado pelo juiz é a certeza de

existência do fato indiciante. Já o segundo, trata da exclusão de hipótese de azar,

pois existindo a possibilidade de falsa conexão entre o indício e o fato apurado, o

Page 31: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

30

juiz não deverá fundamentar seu convencimento. Ainda, tem-se a hipótese de

falsificação do fato indicador. Também é preciso atentar-se à análise da inexistência

de contra-indícios. Por fim, o juiz deverá considerar a existência de relação de

causalidade entre o fato indicador e o indicado, a pluralidade de indícios e a

convergência ou concordância destes.

2.7 DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL

Cabe consignar a existência de uma série de organizações criminosas

atuantes no território brasileiro, configurando numa situação alarmante e

preocupante a todos os setores da sociedade. Ademais, a impotência dos órgãos

governamentais em relação ao efetivo controle do crime organizado e, em

decorrência dos motivos expostos ao longo deste trabalho, os agentes criminosos

atuam de forma desembaraçada, enfrentando o Estado de Direito e impondo suas

regras, leis e condições, dominando, assim, uma parcela da sociedade que se vê

coagida pelo medo.

Uma das organizações mais conhecidas e temidas denomina-se Comando

Vermelho, cuja criação deu-se em razão da união de alguns reincidentes da facção

Falange Vermelha, no final dos anos 70, no presídio localizado em Ilha Grande no

Rio de Janeiro, objetivando lutar contra o grupo de poderio da época e dominar o

tráfico de entorpecentes no Estado. Consta que os presos Williams da Silva Lima, o

"Professor", agora com 59 anos de idade e 35 de prisão em Bangu III, Paulo César

Chaves e Eucanã de Azevedo eram os líderes do grupo quando de sua criação.

Ao longo dos anos, novos adeptos juntaram-se ao Comando Vermelho,

ampliando seu poder e possibilitando o investimento em armamentos pesados e a

distribuição de substâncias entorpecentes. Atualmente, essa organização domina

cerca de 70% do tráfico no Rio de Janeiro e atua em outras áreas, como tráfico de

armamentos, crime organizado, roubos, seqüestros e homicídios.

Williams da Silva Lima28, conhecido como o Professor, no livro:

28 GOMES, Luiz Flávio, CERVINI, Raúl. Crime Organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/95)

e política-criminal. 2ª ed. Revista, atualizada e Ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.997.

Page 32: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

31

Comando Vermelho – A História Secreta do Crime Organizado, de autoria

de Carlos Amorim, declarou: "Conseguimos aquilo que a guerrilha não

conseguiu: o apoio da população carente. Vou aos morros e vejo crianças

com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão

três milhões de adolescentes que matarão vocês - a polícia - nas esquinas.

Já pensou o que serão três milhões de adolescentes e dez milhões de

desempregados em armas?”.

Verifica-se que os líderes atuais dividem-se por regiões e morros. Embora a

maioria esteja na prisão, principalmente cumprindo pena no presídio Bangu I, as

ordens são repassadas de dentro das celas e as principais decisões são discutidas

por uma espécie de colegiado do comando da organização. Registre-se que em

junho de 2.000 foi divulgada uma letra de uma música do grupo de rap Facção

Central, referente à atuação do Comando Vermelho. Segue um trecho da música:

"Quem enquadra a mansão, quem trafica. Infelizmente o livro não resolve/O Brasil

só me respeita com o revólver/ O juiz ajoelha, o executivo chora/ Para não sentir o

calibre da pistola/ Se eu quero roupa, comida, alguém tem de sangrar/ Vou

enquadrar uma burguesa/ E atirar para matar/ Vou furtar seus bens/ E ficar bem

louco/ Seqüestrar alguém no caixa eletrônico/ A minha quinta série só não adianta/

Se eu tivesse um refém com o meu cano na garganta/ Ai não tem gambé para

negociar/ Vai se ferrar, é hora de me vingar".

Devido aos conflitos internos e às constantes discórdias, muitos integrantes

afastaram-se do Comando Vermelho e fundaram uma nova facção, denominada

"Terceiro Comando". Esta organização domina, atualmente, 12 comunidades na

Zona Norte do Rio de Janeiro, de forma estratégica devido à proximidade com a

Bahia de Guanabara. Seus principais líderes são Linho, Gangan e Miltinho do

Dendê. A partir de sua criação, muitos conflitos com o Comando Vermelho foram

registrados, em decorrência da disputa pelo controle de morros e favelas.

Ainda no Estado do Rio de Janeiro, formou-se, no final dos anos 90, uma

outra organização, "Amigos dos Amigos (ADA)", cujo objetivo era o de controlar

"bocas de fumo" e fugir do domínio do Comando Vermelho. Diferentemente dos

outros grupos, o ADA não repassa o dinheiro obtido pelo comércio ilegal de

entorpecentes, não sustenta as famílias dos traficantes presos e não interfere em

planos de fuga de membros da quadrilha. Atualmente, controlam as favelas do

complexo de São Carlos, Adeus/Juramento, Caju e Vila Vintém.

Page 33: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

32

No Estado de São Paulo, no ano de 1993, surgiu o PCC – Primeiro

Comando da Capital, organização criminosa que tinha como objetivo inicial extorquir

presos e seus familiares, assassinar presos a fim de dominar o sistema carcerário e

traficar substâncias entorpecentes dentro dos presídios. Com o passar dos anos, o

PCC passou a cometer outros tipos de infrações penais fora do aludido sistema.

Ressalte-se que o Primeiro Comando da Capital possui uma estrutura

piramidal, cujo topo é formado por líderes conhecidos como "fundadores" e por

aqueles que alcançaram posição de prestígio, denominados "batizados".

Atualmente, na posição de liderança, no denominado "primeiro escalão", encontram-

se Marcos Williams Herbas Camacho, vulgo "Marcola" ou "Playboy" e Júlio César

Guedes de Moraes, conhecido como "Julinho Carambola". Ainda, tal organização

assumiu as ações praticadas, embora sem identificar seus membros e ganhou a

atenção da mídia, principalmente com a maior rebelião já registrada no mundo, a

chamada Mega rebelião. De feito, em vários presídios foram realizadas rebeliões

simultâneas sendo que os detentos gravaram, no chão do pátio do presídio

Carandiru, o símbolo da organização.

É de verificar-se que os membros recebem cópias do estatuto da sociedade

criminosa, no qual são determinadas as regras de conduta. Nesta linha, no final de

1996, o Estatuto do Primeiro Comando da Capital foi divulgado, contendo os

seguintes itens:

1 - Lealdade, respeito e solidariedade acima de tudo ao Partido; 2 - A luta

pela liberdade, justiça e paz; 3 - A união na luta contra as injustiças e a opressão

dentro da prisão; 4 - A contribuição daqueles que estão em liberdade com os irmãos

dentro da prisão, por meio de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de

resgate; 5 - O respeito e a solidariedade a todos os membros do Partido para que

não haja conflitos internos - porque aquele que causar conflito interno dentro do

Partido, tentando dividir a irmandade será excluído e repudiado pelo Partido; 6 -

Jamais usar o Partido para resolver conflitos pessoais contra pessoas de fora.

Porque o ideal do Partido está acima dos conflitos pessoais. Mas o Partido estará

sempre leal e solidário a todos os seus integrantes para que não venham a sofrer

nenhuma desigualdade ou injustiça em conflitos externos; 7 - Aquele que estiver em

liberdade "bem estruturado", mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão

na cadeia, será condenado à morte sem perdão; 8 - Os integrantes do Partido têm

de dar bom exemplo a serem seguidos e, por isso, o Partido não admite que haja

Page 34: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

33

assalto, estupro e extorsão dentro do Sistema; 9 - O Partido não admite mentiras,

traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo e interesse pessoal, mas sim a verdade, a

fidelidade, a hombridade, solidariedade e o interesse comum de de todos porque

somos um por todos e todos por um; 10 - Todo o integrante terá de respeitar a

ordem, a disciplina do Partido. Cada um vai receber de acordo com aquilo que fez

por merecer. A opinião de todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será

dos fundadores do Partido; 11 - O Primeiro Comando da Capital - PCC - fundado no

ano de 1993, numa luta descomunal, incansável contra a opressão e as injustiças do

campo de concentração "Anexo da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté",

tem como lema absoluto "A Liberdade, a Justiça e a Paz."; O Partido não admite

rivalidade interna, disputa de poder na liderança do Comando, pois cada integrante

do Comando saberá a função que lhe compete de "acordo" com sua capacidade

para o exercício; 13 - Temos de permanecer unidos e organizados para evitarmos

que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de

Detenção em 2 de outubro de 1992, onde 111 presos foram covardemente

assassinados, massacre esse que jamais será esquecido na consciência da

sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos sacudir o sistema e fazer

essas autoridades mudar a política carcerária, desumana, cheia de injustiça,

opressão, tortura e massacres nas prisões; A prioridade do Comando no momento é

pressionar o governador do Estado a desativar aquele campo de concentração

Anexo à casa de Custódia e Tratamento de Taubaté de onde surgiu (sic) a semente

e as raízes do Comando por meio de tantas lutas inglórias e tantos sofrimentos

atrozes; Partindo do Comando Central da Capital do KG do Estado, as diretrizes de

ações organizadas e simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado

são uma guerra sem trégua, sem fronteiras, até a vitória final; O importante de tudo é

que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do Comando espalhou por

todos os Sistemas Penitenciários do Estado e conseguimos nos estruturar também

do lado de fora com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis, mas nos

consolidamos a nível estadual e a médio e longo prazo nos consolidaremos a nível

nacional. Em coligação com o Comando Vermelho - CV e PCC iremos revolucionar o

país de dentro das prisões e o nosso braço armado será o Terror dos Poderosos,

opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e o Bangu I do Rio de Janeiro

como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros.

Page 35: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

34

Conhecemos a nossa força e a força de nossos inimigos Poderosos, mas estamos

preparados, unidos. E um povo unido jamais será vencido. Liberdade, Justiça e Paz.

O Quartel general do PCC, Primeiro Comando da Capital, em coligação com

o Comando Vermelho - CV. "Unidos Venceremos" – Ademais, os líderes conseguem

obter, de forma ilícita, telefones celulares, normalmente pré-pagos, que são

introduzidos nos presídios, com os quais são efetuadas ligações às "centrais" (linhas

telefônicas instaladas em locais quaisquer, programadas com o escopo de

efetuarem a transferência de chamadas ou o que se denomina "teleconferência" –

três pessoas falando ao mesmo tempo, que transferem as chamadas para os locais

desejados. Além disso, há sérios indícios de que as organizações Comando

Vermelho e Primeiro Comando da Capital uniram-se a fim de destituir o Estado de

Direito, realizando uma série de ações coordenadas. Também apura-se a ligação

dessas organizações com outras de nível internacional, formando uma rede de

conexão do crime organizado.

2.8 O TERRORISMO

Embora o terrorismo e organização criminosa sejam, tecnicamente, distintos,

uma vez que os grupos terroristas não participam, necessariamente, no comércio de

produtos ilícitos, assim como as organizações criminosas não agem de acordo com

motivações étnicas, religiosas ou políticas, é preciso encará-lo como uma ameaça a

toda comunidade internacional.

O terrorismo pode ser dividido em dois grandes grupos: o primeiro refere-se

àquelas organizações independentes, que agem por motivações políticas e

ideológicas contra uma população específica ou um determinado governo; o

segundo grupo está relacionado com o chamado terrorismo de Estado, que age

patrocinado por governos interessados em desestabilizar e aniquilar nações rivais ou

grupos populacionais específicos. Em ambos os casos, o terrorismo é considerado

um crime político e uma afronta à humanidade, devendo ser combatido por toda

comunidade internacional.

Segundo especialistas no assunto, as motivações iniciais dos grupos

terroristas consistiam em questões étnicas e religiosas. Devido à continuidade

desses conflitos, assim como à falta de solução, essas ações vêm recrudescendo a

cada ano. Consta que, na segunda metade do século XX, com o fim da Guerra Fria,

Page 36: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

35

as atividades terroristas potencializaram-se devido a motivações políticas, surgindo

grupos terroristas em diversos países, aproveitando-se de um certo vácuo político

pós Guerra Fria para atingir seus objetivos até então reprimidos.

Atente-se que o problema em questão nunca foi exclusividade do mundo em

desenvolvimento, já que grupos terroristas com perfis separatistas perpetraram

ataques significativos na Espanha e na Grã-Bretanha. Dentro do contexto político, o

terrorismo atingiu duramente as sociedades italiana, francesa, grega e japonesa.

Registre-se que grupos de narcotraficantes estão associando-se a movimentos

terroristas que, por sua vez, têm no comércio ilegal de drogas uma importante fonte

de recursos para financiar suas operações. Constata-se, portanto, uma combinação

literalmente explosiva, o que torna essa questão mais complexa e preocupante.

2.9 CRIME ORGANIZADO E GLOBALIZAÇÃO

Cabe salientar que o fenômeno da globalização encontra-se presente nas

práticas ilícitas, tais como no crime organizado. Gomes e Cervini29 afirmam que:

(...) talvez seja a ‘internacionalização’ (globalização) a marca mais saliente

do crime organizado, nas duas últimas décadas. Já não é mais correto

apontar a conexão norte-americana-italiana (Máfia siciliana e Cosa Nostra)

como uma singular manifestação dessa modalidade criminosa. Inúmeras

são as organizações criminais já mundialmente conhecidas. Podemos citar,

dentre tantas outras ainda não tão destacadas, a camorra italiana, na

drangheta calabresa, a sacra corona pugliesa, a boryokudan e a yakuza

japonesas, as tríades chinesas, os jovens turcos de Cingapura, os novos

bandos no Leste Europeu, os cartéis da droga, os contrabandistas de armas

etc.

As organizações criminosas beneficiam-se da globalização da economia, do

livre comércio, desenvolvimento das telecomunicações, sistema financeiro

internacional etc. "Alguns já chegaram a formar um verdadeiro

´´antiestado´´, isto é, um ´´estado´´ dentro do Estado, com uma pujança

econômica incrível, até porque existe muita facilidade na ´´lavagem do

dinheiro sujo´´, e grande poder de influência (pelo que é válido afirmar que é

altamente corruptor(...).

29 GOMES, Luiz Flávio, CERVINI, Raúl. Crime Organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/95)

e política-criminal. 2ª ed. Revista, atualizada e Ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.997.

Page 37: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

36

E complementam que:

O narcotraficante atual está cada vez mais diferente daqueles jovens

com pulseiras de ouro, cintos largos, anéis brilhantes... tornou-se um

executivo, um empresário moderno, que se dedica a um negócio

altamente lucrativo. Estão participando ativamente da vida econômica

de vários países, assim como da vida política. Marcam presença

principalmente nos processos de privatização, não só para lavar

dinheiro, senão, sobretudo, para incorporar-se na vida econômica

lícita. Estão integrando o narcotráfico na vida institucional de cada país

e desse modo buscam uma convivência pacífica, evitando-se a guerra

fratricida e sangrenta30.

Argemiro Procópio31 revela a influência dos costumes e valores sobre uso de

substâncias entorpecentes e seu conseqüente tráfico ilícito, enfatizando a entrada

cada vez maior de menores no crime organizado. Onde no Rio de Janeiro e em São

Paulo, menores de 18 anos ocupam postos de comando no mundo dos narcóticos.

Essas funções no passado pertenciam exclusivamente aos maduros e considerados

experientes. As organizações criminosas empregam diretamente, sem salários fixos,

milhões de pessoas, sendo parte constituída por crianças e adolescentes. A

recompensa cresce nas funções de mando.

2.10 CRIME ORGANIZADO E O TRÁFICO DE SUBSTÂNCIAS EN TORPECENTES

Um dos seguimentos mais lucrativos do crime organizado é o tráfico de

drogas, sobretudo cocaína, heroína, ecstasy e anfetamina. Estima-se que esse

negócio movimenta cerca de US$300 bilhões a US$500 bilhões por ano. Nota-se

que o crime em questão está relacionado com outros, como os de tráfico de armas,

seres humanos para fins de prostituição, órgãos, trabalho escravo etc. Atente-se que

esses segmentos funcionam como uma holding, já que grupos que traficam drogas

30 GOMES, Luiz Flávio, CERVINI, Raúl. Crime Organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/95)

e política-criminal. 2ª ed. Revista, atualizada e Ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

31 PROCÓPIO, Argemiro, Narcotráfico e segurança humana. São Paulo: LTR, 1999.

Page 38: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

37

freqüentemente vinculam-se a outros responsáveis pelo tráfico de armas, na medida

em que o negócio não envolve somente dinheiro, mas também mercadorias. Assim,

consegue-se armas em troca de substâncias entorpecentes e vice-versa.

Verifica-se que o Brasil, além de rota de tráfico de entorpecentes, configura-

se como um grande mercado consumidor. Dados do Cebride (Centro Brasileiro de

Informações sobre Drogas Psicotrópicas) mostram que, de 87 a 97, os estudantes

de ensino médio e fundamental passaram a consumir seis vezes ou mais:

anfetaminas (150% a mais), maconha (325%), cocaína (700%). Criou-se no Brasil

um mercado interessante para os traficantes, porque eles não precisam pagar com

dinheiro os serviços que prestam aos seus colegas na Europa e nos EUA. Em um

carregamento de 100 kg de cocaína que entra no Brasil, os brasileiros se

encarregam de despachar 80 kg para fora e ficam com 20 para distribuir aqui. A

droga no Brasil é barata.

A base do crime organizado no Brasil está enraizado em políticas de governo

passados que não imaginaram que grupos criminosos pequenos poderiam se

desenvolver e se tornar mais importantes. Nas grandes cidades, em setores onde

não há a presença do poder público, criaram-se situações em que há um Estado

formal e um não-formal. Havia um pacto entre o asfalto e as favelas, no qual um não

mexia com o outro. Só que isso mudou. O traficante já não precisa mais da

comunidade, só quando a polícia chega. Agora ele é temido pela população. A

comunidade ajuda porque tem medo da vingança. Não dá só para fazer força-tarefa,

entrar, comandar operação e sair, porque você não consegue apoio da população.

Outrossim, a crescente utilização de complexas estruturas corporativas e

intrincadas transações negociais envolvendo bancos, trust companies, empresas

imobiliárias e outras instituições financeiras, por traficantes e seus associados,

trouxe dificuldade adicional à apreensão de ativos originados pelo tráfico de drogas.

Em razão das variações nacionais existentes na legislação bancária, fiscal e

financeira, traficantes e seus cúmplices encontram brechas legais, conseguindo, de

maneira rápida, para adaptar seus esquemas de lavagem e técnicas para esconder

seus ganhos ilícitos.

Page 39: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

38

2.11 CRIME ORGANIZADO E LAVAGEM DE DINHEIRO

A característica mais marcante e comum ao crime organizado é a lavagem

de dinheiro. Nenhuma organização criminosa destina-se a ideologias políticas ou

sociais, mas especificamente à obtenção de dinheiro e de poder. É de se dizer que

nem sempre a criminalidade organizada vincula-se à criminalidade econômica,

contudo os grandes delitos econômicos requerem uma estrutura para sua

organização 32. Assim sendo, o crime organizado e o crime de lavagem de dinheiro

possuem uma estreita ligação, já que as características deste delito requerem a

presença de requisitos identificáveis na estrutura das organizações criminosas. Foi

em decorrência desta certeza que surgiu a Lei 9.613/98 que estabelece, em seu

artigo 1°, que "ocultar ou dissimular a natureza, o rigem, localização, disposição,

movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores direta ou indiretamente:

(...) - inciso VII: "praticado por organização criminosa".

De modo geral, qualquer conduta de ocultação de bens e valores obtidos,

por meio de conduta criminosa anterior, praticada por Organização Criminosa, é

classificada como crime de lavagem. Enquanto os seis incisos anteriores do mesmo

dispositivo indicaram determinados crimes, este estabelece que "qualquer crime"

praticado por organização criminosa poderá caracterizar lavagem.

No entanto, só haverá conduta típica de lavagem se os bens tiverem origem

num dos crimes previstos na Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro. A

enumeração do Art. 1° incisos I a VII é taxativa, o que significa que somente aqueles

crimes podem dar origem ao delito de lavagem. A ocultação ou dissimulação

proveniente de qualquer outro delito ainda que grave, não caracteriza lavagem.

Assim sendo: Terrorismo: Não há figura típica no direito brasileiro que defina o crime

de terrorismo. Encontramos menção na CF/88 e na Lei dos crimes hediondos, mas

sem a identificação de quais seriam os atos de terrorismo. Desta forma, mesmo que

o sujeito pratique atos de terrorismo e com isso obtenha bens e dinheiro, as

condutas de omitir ou dissimular a natureza deles não poderá configurar crime de

lavagem, pois o legislador não caracterizou o terrorismo como crime antecedente;

Contrabando ou tráfico de armas: Este delito está definido no art. 334 do Código

Penal. A inclusão deste crime como delito antecedente deve-se à informação da

32 CALLEGARI, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro – aspectos criminológicos. p. 27.

Page 40: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

39

ONU, segundo a qual o tráfico de armas proporciona um enorme movimento de

dinheiro, sendo que esses valores passam a integrar o sistema econômico do país;

Extorsão mediante seqüestro: Este crime está previsto no Art. 159 do Código Penal.

É considerado crime hediondo, de prática muito comum no Brasil, o qual não possui

controle do destino desse dinheiro. Destarte, os montantes acabam circulando no

mercado financeiro através da aquisição de propriedades; Crimes contra a

administração pública: Os crimes contra a administração pública estão previstos no

título XI, Arts. 312 a 359 do Código Penal. Somente alguns desses crimes podem

caracterizar o tipo antecedente do crime de lavagem. Dentre eles, alguns são de

prática exclusiva de funcionários públicos. Para André Luis Callegari 33, é acertada a

inclusão deste dispositivo pelo legislador, tendo em vista que muitos funcionários

que exercem função pública têm facilidade em receber dinheiro de bens de

organizações criminosas, reingressando-os no mercado econômico com aparência

de licitude; Crimes contra o sistema financeiro nacional: São 21 tipos contidos na Lei

7492/86. Como um dos bens tutelados pela lei dos crimes de lavagem é a

segurança do sistema financeiro nacional, qualquer crime praticado contra este pode

ser considerado antecedente ao delito de lavagem, desde que haja a ocultação da

origem ilícita dos bens, direitos ou valores; Crimes praticados por uma organização

criminosa: Estão previstos na Lei 9034/95. Porém, mais uma vez a lei não faz

menção específica do significado de organização criminosa para efeitos penais.

Assim, só haverá crime de lavagem se ocorrer também um dos delitos enumerados

na lei e praticados por uma dita organização.

Marcelo B. Mendroni, em "Crime Organizado – aspectos gerais e

mecanismos legais" 34, cita algumas técnicas para a lavagem de dinheiro no Brasil:

Estruturação (smurfing): o agente divide o dinheiro obtido em muitas

quantias pequenas, e o transfere no limite permitido da lei;

33 CALLEGARI, André Luís, Direito Penal Econômico e Lavagem de Dinheiro – aspectos criminológicos. 2ª

ed. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2.003.

34 MENDRONI, Marcelo Batlouni, Crime Organizado – aspectos gerais e mecanismos legais. 1º ed. São Paulo:

Ed. Juarez de Oliveira, 2.002.

Page 41: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

40

Mescla (commingling) : o agente mistura os recursos ilícitos com os lícitos

de uma empresa verdadeira e depois apresenta o volume total como sendo

proveniente da atividade lícita da empresa;

Empresa de fachada : constitui-se empresa legalmente registrada na Junta

comercial, que aparenta participar de atividade lícita com imóvel destinado

às suas atividades. Contudo, na verdade seu objetivo é diverso do fim

estabelecido no estatuto ou contrato social;

Empresa fictícia : a empresa existe somente no papel. Não há qualquer

imóvel destinado às atividades registradas na junta comercial. A empresa

movimenta dinheiro em seu nome, mas não existe fisicamente.

Compra de bens : o agente adquire bens. Ex: compra por 100, declara ter

comprado por 20 e vende por 100;

Contrabando de dinheiro : transporte físico de dinheiro para outro país,

aplicando-o em banco estrangeiro e rompendo a ligação dinheiro / negocio

ilícito;

Compra, troca de ativos ou instrumento monetários : Primeiramente, os

agentes compram cheque administrativo, posteriormente trocam por

traveller-cheque e, por fim, permutam por dinheiro novamente;

Venda fraudulenta de propriedade imobiliária : o agente compra imóvel e

declara valor infinitamente menor. Depois vende o imóvel por preço normal,

transformando a diferença em lucro.

Nos últimos anos, registrou-se um eminente crescimento das atividades

criminosas geradoras do crime de "lavagem de dinheiro" ou ocultação de bens,

objetos e valores provenientes de crimes, em decorrência, primordialmente, do

tráfico de entorpecentes. Em derradeiro, os grandes impérios da droga fazem

circular seus benefícios através dos mercados financeiros nacionais e internacionais,

sendo prioridade dos criminosos retirar o montante do país onde foi produzido e

misturá-lo com o imenso volume de dinheiro sem nacionalidade que circula

eletronicamente ao redor do mundo, a fim de se obter maior segurança e

rendimento.

Outrossim, a lavagem de dinheiro move cifras elevadas, sendo de difícil

averiguação o volume de capitais procedentes de atividades ilícitas. Por

conseguinte, como os montantes gerados pelo tráfico de entorpecentes e por outros

delitos estão à margem do conhecimento das autoridades, só é possível realizar

estimativas indiretas, mesurando-se alguma cifra discutível e confiável.

Page 42: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

41

Segundo André Luís Callegari:

A característica da internacionalização da lavagem de dinheiro

relaciona-se com a própria natureza dos bens ou serviços que

constituem objeto do delito, cujo lugar de origem pode encontrar-se a

uma distância enorme de seus destinatários finais35. Também

possuem essa característica as redes dedicadas ao tráfico de armas,

pedras preciosas, animais exóticos etc. 36

Essa característica oferece aos lavadores de dinheiro, segundo André Luís

Callegari, três vantagens. A primeira delas é a possibilidade de elidir a aplicação de

normas estritas e, com isso, a jurisdição de paises que mantêm políticas severas de

controle da lavagem de dinheiro. A segunda é a captação de vantagens pelos

"problemas de cooperação judicial internacional e de intercâmbio de informações

entre paises que possuem leis diferentes", bem como peculiaridades distintas tanto

na área penal quanto nos procedimentos administrativos de cada país. Por fim,

André Luís Callegari 37 afirma que:

Permite aos lavadores que se beneficiem das deficiências da regulação

internacional de sua aplicação, desviando os bens objetos da lavagem

àqueles paises com sistemas débeis de controle e persecução do dinheiro.

Em consonância com o acatado, a fórmula essencial para obtenção de

dinheiro é a mescla de atividades lícitas com atividades ilícitas. Quase toda

organização criminosa vale-se dessa fórmula para lavar o dinheiro, utilizando-se de

empresas e comércios lícitos dos mais diversos. A saber, a lavagem de dinheiro

exige um tratamento profissionalizado, com a utilização de técnicas e procedimentos

sofisticados, a fim de dirimir os agentes dos riscos da persecução criminal e de

expandir seus negócios. Ainda, são empregados membros profissionalizados e

profissionais externos 38

35 CALLEGARI, André Luís.Direito penal econômico e lavagem de dinheiro – aspectos criminológicos. p. 39. 36 CALLEGARI, André Luís.Direito penal econômico e lavagem de dinheiro – aspectos criminológicos. p. 40. 37 CALLEGARI, André Luís.Direito penal econômico e lavagem de dinheiro – aspectos criminológicos. p. 40. 38 CALLEGARI, André Luís.Direito penal econômico e lavagem de dinheiro – aspectos criminológicos. p. 41.

Page 43: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

42

Em resposta às medidas de combate ao crime em questão, adotadas pelos

paises, as organizações criminosas são obrigadas, conforme entendimento de André

Luiz Callegari, "a desenvolver novas técnicas para tratar de elidi-las" 39. Ressalve-se

que as organizações criminosas conseguem adaptar-se rapidamente às mudanças e

desenvolver novas técnicas, as quais superam, muitas vezes, aquelas empregadas

pelos Estados, tornando, assim, mais difícil controlar e, até mesmo, descobrir

operações criminosas realizadas, neste âmbito.

As operações de lavagem de dinheiro efetivam-se de forma massiva ou em

grande escala, requerendo, desta maneira, uma organização profissional, uma

estrutura, uma rede de colaboradores e de cúmplices nos mais variados escalões,

além de um conjunto internacional de empresas e entidades em diversos países,

incluindo as “entidades financeiras próprias que operam sob aparência de

legalidade" 7. Como se observa, daí decorre a ligação entre o crime de lavagem de

dinheiro e o crime organizado.

39 CALLEGARI, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro – aspectos criminológicos. p. 42.

Page 44: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

43

3 O CRIME ORGANIZADO E O ESTADO

3.1 CARACTERES DO CRIME ORGANIZADO

Um dos pontos mais complexos no estudo e sistematização do crime

organizado tem sido o estabelecimento de seu conceito, como fora verificado acima,

o que passa, ademais, pelo questionamento sobre a sua real existência como

fenômeno criminológico. No tocante à existência deste fenômeno, entretanto,

superada parece estar a controvérsia no campo da melhor doutrina, sendo certo

que, tanto no Brasil como no exterior, autores de peso manifestam-se, no sentido do

reconhecimento da existência do crime organizado como realidade à qual não mais

podem estar alheias as disciplinas e ciências encarregadas de seu estudo.

E tão real é o fato, que estudiosos do tema chegam a conceber uma

verdadeira economia criminal, capaz de movimentar, através de um mercado comum

próprio, quantias estimadas em cerca de um quarto do dinheiro em circulação no

mundo. Face a essa realidade, diversos países passaram a estudar o fenômeno, em

todos os seus aspectos, ao mesmo tempo em que deram inicio à busca da produção

de leis e atos normativos capazes de enfrentá-lo, como também ocorre no Brasil.

Deparou-se, então, com a primeira dificuldade importante inerente ao estudo

e tipificação do crime organizado, que foi a elaboração de um conceito preciso, que

superasse eventuais problemas no momento da seleção do bem jurídico, com a

conseqüente elaboração do tipo legal, bem como no enquadramento de determinada

conduta na norma voltada à sua proibição. Entretanto, alguns pontos parecem

comuns à maioria dos autores, quando se entregam à tarefa de elaborar o conceito

de crime organizado, sendo o primeiro deles o fato de que suas atividades se

destinam a oferecer à sociedade produtos ou serviços proibidos, normalmente

repelidos ou escassos, tudo dentro de um contexto que tem como objetivo a

obtenção de lucro e o acúmulo de riqueza cada vez mais proeminente, e que estão

diretamente ligados às características daqueles produtos ou serviços, cuja

dificuldade na obtenção é exatamente o que os torna preciosos. (GOMES, PRADO,

DOUGLAS, 2000).

Outro ponto comum, é o que diz respeito à associação de um número

determinado de pessoas, à qual pode ocorrer de forma circunstancial ou estável e

Page 45: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

44

permanente, agindo em comunhão ou através da divisão de tarefas, dentro de uma

estrutura hierarquizada verticalmente, ou mediante ações decididas através de uma

estrutura horizontal, o que, neste caso, não invalida a hierarquia, do momento em

que sempre constata-se que um ou alguns dos integrantes deste estrato horizontal

possuem status de maior relevo, através da idade, antiguidade, influência,

inteligência ou qualquer outra manifestação de poder.

No tocante ao nível de organização da associação, alguns autores não

exigem o cunho sofisticado, contentando-se com uma articulação mínima entre seus

integrantes, para o desempenho das tarefas, ao passo que outros frisam o

planejamento empresarial, mesmo que não-formal, mas distinto de um mero

programa delinqüêncial, próprio das quadrilhas ou bandos comuns. Assumem,

ainda, importante destaque, com traços característicos do crime organizado, a

utilização de meios de violência para a intimidação de pessoas ou exclusão de

obstáculos, com a imposição do silencio que assegure a clandestinidade, ocultação

e impunidade das ações delituosas praticadas e o que de maior relevo para o objeto

deste trabalho: a conexão estrutural ou funcional com o poder público ou seus

agentes, bem como possibilitar o alcance de outros de seus objetivos, a obtenção,

manutenção e ampliação de poder. (GOMES, PRADO, DOUGLAS, 2000).

É possível encontrar, ainda, uma série de outros elementos aos quais faz-se

referência como inerentes ao crime organizado, tais como a ilicitude própria de suas

empreitadas, por vezes imbricadas com algumas atividades lícitas, clandestinidade,

clientelismo, controle territorial, uso de meios tecnológicos sofisticados, suprimento

de ofertas sociais onde o Estado se faz ausente e especialização profissional. Do

que acaba-se de ver, há que se comungar da idéia de que o crime organizado, como

fenômeno real, é produto da existência e da atividade de uma organização

criminosa, que passa a ser o ente que lhe dá vida e movimento, e sobre o qual se

apóia funcionalmente, jamais se confundindo com as meras quadrilhas constituídas

para a prática de crimes, cujo potencial ofensivo à sociedade distingue-se, desde

logo, pelo grau inferior que lhes é inerente.

As organizações são associações minimamente organizadas de pessoas,

qualificadas, sobretudo, pela busca cada vez maior de penetração social e

econômica, assim como pela obtenção sempre mais ampla de poder, infiltrando-se e

confundindo-se com as estruturas do poder público, não mais atuando

paralelamente ao Estado ou com ele disputando posições, senão passando a agir

Page 46: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

45

livremente através dele. Definindo esse contorno básico das organizações

criminosas como ente, e do crime organizado como fenômeno criminológico, surge

uma segunda dificuldade, agora, ligada às estratégias de neutralização e combate a

esta criminalidade específica.

Com razão, aborda Raúl Cervini, com base na criminologia norte-americana,

o estudo a respeito do crime organizado, com vistas a qualquer finalidade, só terá

eficácia se tomar como ponto de partida uma abordagem analítica do fenômeno,

examinando-se cada uma de suas faces, sucessivamente, buscando conjugá-las, ao

final, para atingir uma visão mais precisa do todo.

Ressalta-se que é através da pesquisa em torno dos tópicos ameaça,

agressividade, rede e vulnerabilidade, que se poderá atingir aquele desiderato. A

ameaça, como sendo o custo direto ou indireto do crime organizado para a

sociedade, a agressividade, representando as tendências do desenvolvimento do

fenômeno (conservadora, inovadora ou expansionista), a rede, caracterizada pelas

ligações, enlaces e conexões diversas entre membros e grupos do crime organizado

e de fora dele e, finalmente, a vulnerabilidade, na esteira da determinação de pontos

de fragilidade destas organizações, para a elaboração de ações preventivas e

repressivas em sua direção (GOMES, PRADO, DOUGLAS, 2000).

Não se objetiva estabelecer um conceito preciso de crime organizado, mas

apenas definir alguns pressupostos comuns de sua caracterização, porquanto o

objeto do presente trabalho é a abordagem em torno da conexão estrutural e

funcional do crime organizado com o poder público, e a sugestão de uma estratégia

de neutralização deste fator, ou seja, um exame mais voltado aos aspectos da rede

e da vulnerabilidade, como passamos a fazer nos próximos capítulos.

3.2 CONEXÕES COM O PODER PÚBLICO

A conexão das organizações com o poder público é uma das características

comuns apontadas por diversos autores, que procuram estabelecer os contornos do

fenômeno crime organizado. De alguma forma, seja em associações criminosas com

um grau mais requintado de organização, ou naquelas onde exista um nível mais

elementar de articulação para o desempenho profícuo de suas atividades, sempre

Page 47: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

46

haverá uma estratégia minimamente estabelecida previamente ou na medida em

que as circunstancias o exigirem, para que seus negócios escusos se desenvolvam.

Todos os estudiosos do tema são unânimes em afirmarem que, dentro desta

estratégia ou plano diretor, insere-se, como imprescindível ao objeto das

organizações criminosas, um certo grau de conexão com autoridades e órgãos de

vários setores do poder público. Com o fito de exemplificar, temos que Tigre Maia

destaca o incremento da corrupção em detrimento do uso da violência, na atuação

das organizações criminosas modernas, e, ao passo que Faria Costa salienta a

cultura da corrupção pública conectada com a do crime organizado, Joan Queralt

realça o fenômeno da corrupção política a este atrelado.

A necessidade destas conexões na rede que caracteriza o crime organizado

finca-se nos vários escopos que este persegue, mas que se resumem na obtenção

de poder e o alcance de um mercado de reciprocidade e impunidade ou manutenção

da clandestinidade de seus negócios. O importante, sem dúvida alguma, parece ser

a adoção de medidas que impeçam os mecanismos formais de prevenção e

repressão à criminalidade organizada, e tudo o mais que ela faça girar de ilícito em

torno de si, de agir a contento no seu combate (GOMES, PRADO, DOUGLAS,

2000).

A estratégia é bem lógica, pois, se uma das características do crime

organizado é a obtenção do lucro através da oferta de bens e serviços escassos,

proibidos ou moralmente repelidos, tendo como campo mais propício o da

clandestinidade, nada mais favorável que a manutenção de uma rede de conexões

que assegurem a discrição de seu empreendimento. A força e a violência são meios

que não interessam a principio, pois acabem por atrair indesejável atenção da

imprensa, de parte das autoridades e da própria população, que sempre exerce

influencia nas iniciativas dos políticos, se ambas, de alguma forma, possuem

inegável aptidão para intimidar, por outro lado, podem gerar repulsa, revolta

imponderável e conseqüente ação inesperada e contrária.

Assim sendo, é muito mais adequado que as organizações criminosas

adotem medidas menos drásticas, optando por interferências mais sutis e discretas,

em prol da manutenção de sua operacionalidade. Agredir e matar, até mesmo sob o

prisma jurídico-penal, acaba resultando em materialidade, um corpo de delito, a

existência de um cadáver ou de uma pessoa lesada, ao passo que a infiltração, a

troca de favores, o oferecimento de vantagens e outras técnicas mais amenas

Page 48: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

47

findam por ter o mesmo efeito prático, sem deixar pistas tão aparentes. A corrupção

e a infiltração, em órgãos ou autoridades do poder público, parece ser um dos

pontos vitais das organizações criminosas, que tanto podem fazer parte integrante,

direta ou indiretamente, como podem se favorecer das benesses, conivência e

cobertura que ele pode oferecer.

3.2.1 ESTRATÉGIAS DE INFILTRAÇÃO

Embora não haja uma sistematização e reunião de dados a respeito das

várias formas através dos quais o crime organizado vem se manifestando no cenário

jurídico e social nos últimos tempos, procuraremos identificar, pela pesquisa em

esparsos trabalhos que já abordaram o tema, algumas das estratégias por ele

utilizadas para a obtenção e manutenção da conexão com o poder público.

3.2.2 FORMAS INDIRETAS DE CONEXÃO

Em primeiro lugar, destaque-se o financiamento de campanhas políticas,

através do qual se procura o estabelecimento de um sistema de reciprocidade, onde

a oferta de recursos financeiros para que um determinado candidato possa

desenvolver sua campanha deverá retornar, na forma de apoio irrestrito às

atividades da organização criminosa, manifestada de acordo com o cargo político ao

qual o candidato ascendeu (GOMES, PRADO e DOUGLAS, 2000)..

A reciprocidade, nesta área, parece estar adstrita a um raciocínio muito

simples, que foi resumido por Marcos Bezerra40, na forma: “fiz um favor a um

homem de governo e este ficou me devendo”. Em razão desta dívida, advirá tudo

aquilo que o homem público puder restituir, em termos de benesses, para possibilitar

a tranqüila permanência dos negócios escusos, desde a elaboração de leis e atos

normativos favoráveis ou que não prejudiquem, até uma diretriz administrativa que

não interfira na área de operação da organização criminosa.

40 BEZERRA, Marcos Apud GOMES, Abel Fernandes, PRADO, Geraldo e DOUGLAS, William.Crime

organizado e as conexões com o poder público. 2000.

Page 49: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

48

Se, por um lado, a ascensão política pode ser motivação de determinadas

pessoas para aceitar ou solicitar o apoio financeiro do crime organizado a uma

campanha, por outro, o simples interesse financeiro é o que move alguns agentes

públicos, que passam a perseguir o ganho de dinheiro a qualquer custo,

independentemente da fonte da qual promana. Trata-se da segunda modalidade de

infiltração indireta do crime organizado no poder público, pela corrupção que se dá

através do pagamento em dinheiro de suborno ou propina, para a obtenção de atos

favoráveis, por parte do funcionário público, e que são estranhos ao dever legal que

a situação obrigaria.

Em meio a uma verdadeira cultura da venalidade, parte dos funcionários

públicos, de diversos setores, passa a dar vazão a uma ânsia cada vez maior de

obter lucros, pela utilização do cargo público na satisfação de interesses pessoais,

numa sociedade que prima por prestigiar a ostentação, o consumismo e a posse

abastada de bens materiais, em detrimento de valores morais e espirituais, como se

não houvesse limites naturais, no ocaso da vida, para tamanha ganância.

E note-se que nem é mais possível estabelecer um liame entre este tipo de

atitude e a satisfação de necessidades materiais básicas entre as camadas pior

remuneradas do serviço público, em que poderia se apresentar como justificativa

para a corrupção econômica. Na verdade, o que se constata é um problema sócio-

cultural, que tanto leva funcionários mal remunerados, como os mais bem pagos à

prática da corrupção econômica, indistintamente.

E aproveitando-se desta depreciação de valores éticos, cada vez mais

fomentada pela ideologia do ter, e da primazia do ganho fácil e sucesso rápido, que

o crime organizado passa a oferecer através de vantagens econômicas para a

obtenção de benefícios às suas atividades. Em estudo realizado sobre o roubo de

veículos e cargas, chama-se atenção para o resultado das investigações da

Comissão Parlamentar de Inquérito do Crime Organizado, da Assembléia Legislativa

do Estado de São Paulo, do ano de 1995, que acabou por constatar, no “caixa dois”

de organização criminosa investigada, uma série de pagamentos a policiais e

cheques pré-datados, destinados ao órgão público encarregados da fiscalização do

desmanche de automóveis, no eixo Rio - São Paulo, frisando que, praticamente,

todas as oficinas de desmanche apuradas tinham ligações ou recebiam proteção de

policiais.

Page 50: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

49

Neste caso, os servidores públicos da polícia recebiam o dinheiro para

fornecer o tipo de abertura aos negócios daquela organização criminosa, sem que

se pudesse concluir, diferentemente do que veremos adiante, pela sua integração

direta na própria organização. Não se pode cerrar os olhos à evidente proliferação

de esquemas de corrupção semelhantes, em diversos setores do poder público,

como ponto fundamental no qual se fulcra o sucesso do crime organizado.

Observa-se que, num momento de economia globalizada, as organizações

criminosas mais ampliam o seu poderio no país, realçando que, nos Estados

Amazônicos, acentua-se a interligação de órgãos policiais encarregados da

repressão ao tráfico de entorpecentes com este mesmo segmento do crime

organizado. Até mesmo na Itália, um dos fatores que ensejou o início da serie de

investigações judiciais que se denominou Operações Mãos Limpas foi exatamente a

simples descoberta de um caso de corrupção de um funcionário público, fio que

quanto mais era puxado, mais desnudava uma verdadeira rede de tangenti

(propinas), cujo alcance subiria até os mais altos escalões da política italiana, em

prejuízo da vida econômica do país.

Conclui-se, portanto, que uma das estratégias do crime organizado para

obter e manter suas conexões com o poder público, e neutralizar os mecanismos de

controle de atividades proibidas e órgãos de repressão do Estado se dá através da

corrupção em seu sentido jurídico, qual seja a oferta ou promessa de qualquer

vantagem, econômica ou não, para que o funcionário público titular de mandato,

cargo, emprego ou função pública atue contrariamente ao dever funcional.

3.2.3 FORMAS DIRETAS DE CONEXÃO

As pesquisas e estudos sobre a rede, como elemento da tipologia do crime

organizado, permitem, ainda, identificar formas diretas das suas conexões com o

poder público. A primeira delas é a inserção de determinados profissionais em áreas

específicas das estruturas do Estado, cujas finalidades variam de acordo com as

circunstâncias. Trata-se de uma estratégia que possibilita um contato próximo entre

a esfera privada e a pública, que acaba por munir estes homens de conhecimentos a

respeito do funcionamento da máquina administrativa, fornecendo, ademais, uma

Page 51: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

50

gama ampla de contatos e relações com autoridades públicas, tudo a reverter em

favor dos interesses da empresa privada delinquêncial.

Em alguns casos, a presença do sujeito na estrutura do Estado apenas visa

a obtenção de informações privilegiadas, em termos de momento ou de conteúdo,

capazes de possibilitar uma prévia adoção de medidas ao crime organizado, de

modo a adaptar suas atividades, rapidamente, à conjuntura político-econômica ou ao

ato de repressão que lhe é dirigido, respectivamente. Muito comum, aliás, tem sido a

promiscuidade na ocupação de cargos importantes nos governos, por homens que

ostentam verdadeiros interesses pessoais em detrimento das áreas econômicas em

que atuam particularmente, e que são escolhidos e aprovados pelos poderes

constituídos, para desempenharem funções reguladoras, fiscalizadoras ou de

controle das atividades do setor onde operam suas empresas privadas, e para o

qual acabam por retornar após o mandato.

Em outras hipóteses, este braço de ligação permite o desenvolvimento de

atividades ilícitas, em favor do crime organizado dentro do próprio Estado, tais como

à adjudicação de objetos de licitação de cartas marcadas a um concorrente já

definido, desvio de verbas em proveito particular, obtenção de financiamentos

obscuros e adoção das ditas soluções de mercado, que são negociadas como

únicas alternativas para satisfazer o interesse público, mas que, na verdade,

objetivam atender a interesses privados.

No último caso, tais soluções são freqüentemente encontradas em

escândalos envolvendo o sistema financeiro nacional, merecendo de Ela Wiecko de

Castilho41 a observação de que em nenhum outro setor da criminalidade constata-se

tão boa vontade em encontrar soluções menos traumáticas para os infratores em

nome do interesse público, sendo certo que, no âmbito dos crimes do colarinho

branco, as diversas violações da lei penal encontram fartas evidencias de

delinquência organizada.

Muitas vezes, a estratégia de conexão entre o crime organizado e os órgãos

do Estado se dá através do intermediário, figura aparentemente neutra, que faz a

intermediação dos interesses, encaminha os negócios, apresenta as propostas de

vantagens, recebendo ou pagando, conforme o caso. A vantagem do intermediário é

41 CASTILHO, Ela Wiecko de. GOMES, Abel Fernandes, PRADO, Geraldo e DOUGLAS, William. Crime

organizado e as conexões com o poder público. 2000.

Page 52: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

51

a aparência de naturalidade e legalidade que dá à negociata. Quase sempre um

profissional do direito, advogado, técnico de uma área especifica ou despachante.

Passa ele a ser visto como agente neutro, natural e necessário, num processo que

envolvam aspectos ligados à sua área profissional ou que esteja incluído dentro de

uma burocracia intrincada do Estado, às vezes, criada exatamente para apresentar a

dificuldade e ensejar a venda da facilidade.

O intermediário não chega a integrar a estrutura orgânica do Estado, mas

sua participação pode ser considerada um meio direto de conexão d crime

organizado com aquele, na medida em que sua atuação é exercida pelo imediato

acesso e o livre trânsito, dos quais se beneficia para colocar a estrutura oficial em

movimento, rapidamente, em favor dos interesses da organização.

Entretanto, é pela formação da organização criminosa dentro do próprio

poder público que se identifica a mais nociva estratégia de conexão, levando autores

a afirmarem que sua existência deriva do poder que se lhe permitiu assumir, a ponto

de não mais se conceber um paralelismo com o Estado, senão um verdadeiro braço

criminoso deste Estado, a popularmente denominada banda podre. Com efeito,

tomando-se por orientação que o crime organizado tem como característica o

fornecimento de bens ou serviços de difícil obtenção, pela sua natureza proibida ou

escassa, não será difícil concluirmos que, dentro das funções desempenhadas pelos

diversos órgãos do Estado, iremos encontrar inúmeras, senão quase todas, que

dependem de critérios estritos da moralidade, impessoalidade e legalidade para

serem deferidas ao particular, o que reveste estes atos públicos daquele caráter de

dificuldade e preciosidade, diretamente ligados aos pressupostos e trâmites

necessários para sua obtenção.

Ocorre que, cientes disto, não é incomum que, em alguns setores, possa

encontrar uma verdadeira organização criminosa, composta, imprescindível e

predominantemente por agentes públicos, voltados à atividade de fornecer serviços

ou bens indevidos e ilícitos, em troca de vantagem quase sempre econômica. São

estruturas organizadas e integradas por funcionários públicos, incrustadas dentro do

organismo estatal, seguindo uma hierarquia vertical ou horizontal de decisões

execução de ações, com a finalidade de obter vantagens, através da prática de atos

administrativos ou judiciais impróprios para a situação legal e jurídica específica,

cuja ilegitimidade está, exatamente, na finalidade com a qual são praticados, qual

Page 53: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

52

seja a de atender a outros interesses pessoais destes agentes públicos, de obtenção

de riqueza ou poder.

As ocorrências noticiadas são diversas, assim como os arquivos de

processos de apuração administrativo-disciplinar e judicial estão repletos de

exemplos deste tipo de criminalidade organizada e interna. Encontra-se desde o

fornecimento de documentos, papéis e certidões negativas diversas, até a venda de

decisões judiciais e desvio de dinheiro público, tudo possibilitando pela existência do

crime organizado dentro do próprio Estado. Muitas vezes, o modo de atuação destas

estruturas delinqüenciais organizadas, contidas dentro do Estado, assume caráter

de verdadeira concussão, na medida em que é a função pública e seu espectro de

atuação que passam a ser a moeda de troca. Quanto mais distante a vitima estiver

de pagar o preço pelo ato público desejado, mais sujeita estará a que se lhe aplique

o indesejado, e é pelo temor das conseqüências contrarias da atuação do agente

público que cede aos objetivos da organização criminosa institucionalizada no

aparelho estatal.

3.3 CONEXÕES ENTRE PARTICULARES E AGENTES PÚBLICOS

Não obstante a sistematização de algumas das principais e mais comuns

estratégias utilizadas pelo crime organizado para manter conexão estrutural com o

Estado ou dele fazer parte, por vezes, observa-se que elas podem estar interligadas

e direcionadas para o atendimento de finalidades distintas de mais de uma

organização criminosa. Com efeito, há ocasiões em que a atuação de uma

determinada organização criminosa depende dos serviços ou bens que outros

possam oferecer.

Guaracy Mingardi42 revela a necessária conexão entre as organizações

dedicadas ao roubo de cargas, com organizações policiais de corrupção ou

concussão, justamente para que as primeiras possam assegurar a impunidade de

seus atos, enquanto as segundas adquirem riqueza, através da cobertura que

oferecem aos primeiros. Esta relação de simbiose poderá ser encontrada em

42 MINGARDI Guaracy Apud GOMES, Abel Fernandes, PRADO, Geraldo e DOUGLAS, William, Crime

organizado e as conexões com o poder público. 2000.

Page 54: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

53

diversos outros setores e, hipoteticamente, não será difícil imaginar o mercado das

importações e exportações irregulares com cobertura de autoridades aduaneiras, o

contrabando de armas ou tráfico de drogas, em que o transporte ocorre dentro de

veículos oficiais, ou a liberdade, o arquivamento de processos e a absolvição de

criminosos pertencentes aos diversos tipos de máfia, pelas agencias encarregadas

da prevenção e repressão ao crime. Este aspecto das relações intrincadas entre

organizações criminosas é muito bem notado por Pedro Juan Mayor M.43, que chega

a identificar grupos organizados que assumem a função de provedores de meios

ilícitos, necessários à prática dos delitos-fim de outras organizações criminosas.

3.4 – O ESTADO E O CRIME ORGANIZADO

Percebe-se, do panorama traçado, que, sem duvida alguma, de nada valeria

uma estrutura meramente operacional das atividades das organizações criminosas,

sem uma estratégia para a articulação de conexões com o poder público, de modo a

impedir sua atuação em todas as áreas de regulamentação, fiscalização, prevenção

e repressão de condutas e atividades contrarias ao interesse público, ao bem estar e

paz social e à tutela de bens jurídicos.

Deriva daí a inolvidável atuação de agentes públicos, em favor do crime

organizado, que se manifesta ora pela simples inércia, ora pela troca de favores,

conivência, proteção, apoio, participação e gerenciamento de atividades ilícitas, isto,

quando o fenômeno não está estruturado dentro do próprio Estado. Afinal, se o

produto oferecido pelo crime organizado é o escasso e difícil, o proibido, ilícito e

indevido, não se pode ignorar que, em muitas ocasiões, o que se quer do Estado é

aquilo a que não se tem direito, produto este que pode constituir fonte bastante

rentável para estruturas de funcionários públicos, que se organizam em torno da

corrupção e concussão que passam a praticar permanentemente.

43 MAYOR M., Pedro Juan. GOMES, Abel Fernandes, PRADO, Geraldo e DOUGLAS, William, Crime

organizado e as conexões com o poder público. 2000.

Page 55: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

54

Como muito propriamente abordou Eugênio Zaffaroni44, ao que tudo indica,

a principal fonte do crime organizado é o próprio Estado, cujas estruturas acabam

por cair, acidentalmente ou não, nas mãos dos corruptos, que passam a delas se

valer para, de forma esporádica, sistemática ou institucionalizada, atender, aderir ou

constituir a própria organização criminosa. No momento em que, se for encarado

verdadeiramente esta realidade, acreditamos que será dado um passo firme, no

sentido do seu combate, bastando que passemos a avaliar os pontos vulneráveis

destas conexões, adotando contra-estratégias preventivas e repressivas.

44 ZAFFARONI, Eugênio. GOMES, Abel Fernandes, PRADO, Geraldo e DOUGLAS, William, Crime

organizado e as conexões com o poder público. 2000.

Page 56: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

55

4. O CRIME OORGANIZADO E A PERDA DA EFICÁCIA DE PAR TE DE LEI

9.034/95

A única lei que regia o crime organizado no Brasil, até pouco tempo, era a de

n. 9.034/95. Em abril de 2001 ingressou no nosso ordenamento jurídico um novo

texto legislativo (Lei 10.217/01), que modificou os artigos 1º e 2º do diploma legal

acima citado, além de contemplar dois novos institutos investigativos: interceptação

ambiental e infiltração policial. Nosso legislador, sem ter a mínima idéia dos

(geralmente nefastos) efeitos colaterais de toda sua (intensa e confusa) produção

legislativa, talvez jamais tenha imaginado que, com o novo texto legal, como

veremos logo abaixo, estaria eliminando a eficácia de inúmeros dispositivos legais

contidos na Lei 9.034/95. Dentre eles (arts. 2º, II, 4º, 5º, 6º, 7º e 10º) acha-se o art.

7º, que proíbe a liberdade provisória "aos agentes que tenham tido intensa e efetiva

participação na organização criminosa".

4.1 DA PERDA DA EFICÁCIA DE VÁRIOS DISPOSITIVOS DA LEI 9.034/95

A Lei 9.034/95, que dispõe "sobre a utilização de meios operacionais para a

prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas", não

definiu o que se deve compreender por "organizações criminosas". Foi feita para

cuidar desse assunto, mas juridicamente continuamos sem saber do que se trata.

O Art. 1º citado, com a redação da Lei 10.217/01, passou a dizer o seguinte:

"Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que

versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou

organizações ou associações criminosas de qualquer tipo".

Observe-se que antes a lei só mencionava "crime resultante de ações de

quadrilha ou bando"; agora fala em "ações praticadas por quadrilha ou bando ou

organizações ou associações criminosas de qualquer tipo". O texto anterior permitia,

no mínimo, tríplice interpretação: (a) a lei só vale para crime resultante de quadrilha

ou bando; (b) a lei vale para o delito de quadrilha ou bando mais o crime daí

resultante (concurso material); (c) a lei só vale para crime resultante de organização

criminosa (que não se confunde com o art. 288).

Page 57: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

56

Pelo texto atual a lei incide nos ilícitos decorrentes de: (a) quadrilha ou

bando; (b) organização criminosa; (c) associação criminosa. Como se percebe, com

o advento da Lei 10.217/01, estão perfeitamente delineados três conteúdos diversos:

organização criminosa (que está enunciada na lei, mas não tipificada no nosso

ordenamento jurídico), associação criminosa (ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III;

Lei 2.889/56, art. 2º: associação para prática de genocídio) e quadrilha ou bando

(CP, art. 288). Quadrilha ou bando (CP, art. 288); associações criminosas (ex.: Lei

de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º)

4.2 DA FALTA DE DEFINIÇÃO DE ORDENAÇÃO CRIMINOSA

Cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto, absolutamente

poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria antes) o legislador não

ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do fenômeno, só nos resta concluir

que, nesse ponto, a lei (9.034/95) passou a ser letra morta. Organização criminosa,

portanto, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma (uma enunciação

abstrata) em busca de um corpo (de um conteúdo normativo, que atenda o princípio

da legalidade).

Se as leis do crime organizado no Brasil (Lei 9.034/95 e Lei 10.217/01), que

existem para definir o que se entende por organização criminosa, não nos

explicaram o que é isso, não cabe outra conclusão: desde 12.04.01 perderam

eficácia todos os dispositivos legais fundados nesse conceito que ninguém sabe o

que é. São eles: arts. 2º, inc. II (flagrante prorrogado), 4º (organização da polícia

judiciária), 5º (identificação criminal), 6º (delação premiada), 7º (proibição de

liberdade provisória) e 10º (progressão de regime) da Lei 9.034/95, que só se

aplicam para as (por ora, indecifráveis) "organizações criminosas". É caso de perda

de eficácia (por não sabermos o que se entende por organização criminosa), não de

revogação (perda de vigência). No dia em que o legislador revelar o conteúdo desse

conceito vago, tais dispositivos legais voltarão a ter eficácia. Por ora continuam

vigentes, mas não podem ser aplicados.

Page 58: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

57

4.3 CONTEÚDO ATUAL SOBRE O SIGNIFICADO DE "CRIME OR GANIZADO"

A lei n°10.217/2001 alterou a redação do art. 1° d a lei n° 9.034/95, e mesmo

assim, não solucionou o problema da conceituação de crime organizado. Nota-se

que45:

Pelo texto atual a lei incide nos ilícitos decorrentes de: (a) quadrilha ou

bando; (b) organização criminosa; (c) associação criminosa. Como se

percebe, com o advento da Lei 10.217/01, estão perfeitamente delineados

três conteúdos diversos: organização criminosa (que está enunciada na lei,

mas não tipificada no nosso ordenamento jurídico), associação criminosa

(ex.: Lei de Tóxicos, art. 14; art. 18, III; Lei 2.889/56, art. 2º: associação para

prática de genocídio) e quadrilha ou bando (CP, art. 288).

E na mesma linha de raciocínio, Gomes e Cervini46, diz que o conceito de

crime organizado abrange:

1 - a quadrilha ou bando (288), que claramente (com a Lei 10.217/01)

recebeu o rótulo de crime organizado, embora seja fenômeno

completamente distinto do verdadeiro crime organizado;

2 - as associações criminosas já tipificadas no nosso ordenamento jurídico

(art. 14 da Lei de Tóxicos, art. 2º da Lei 2.889/56 v.g.) assim como todas as

que porventura vierem a sê-lo e

3 - todos os ilícitos delas decorrentes ("delas" significa: da quadrilha ou

bando assim como das associações criminosas definidas em lei).

E conclui os mesmos autores47, em conseqüência, de outro lado e

juridicamente falando, que o crime organizado não abrange:

45 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl, Crime Organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/95)

e política-criminal. 2ª ed. Revista, atualizada e Ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

46 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl, Crime Organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/95)

e política-criminal. 2ª ed. Revista, atualizada e Ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

Page 59: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

58

1 - a "organização criminosa", por falta de definição legal;

2 - o concurso de pessoas (os requisitos da estabilidade e permanência

levam à conclusão de que associação criminosa ou quadrilha ou bando

jamais podem ser confundidos com o mero concurso de pessoas (que é

sempre eventual e momentâneo).

4.4 CARACTERÍSTICAS DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

A ciência criminológica, de qualquer modo, já conta com incontáveis estudos

sobre as organizações criminosas. Dentre tantas outras, são apontadas como suas

características marcantes: hierarquia estrutural, planejamento empresarial, claro

objetivo de lucros, uso de meios tecnológicos avançados, recrutamento de pessoas,

divisão funcional de atividades, conexão estrutural ou funcional com o poder público

e/ou com o poder político, oferta de prestações sociais, divisão territorial das

atividades, alto poder de intimidação, alta capacitação para a fraude, conexão local,

regional, nacional ou internacional com outras organizações etc.

4.5 A AUTONOMIA DO LEGISLADOR

Ao legislador incumbe a tarefa urgente de definir, em lei, o que devemos

entender por ela. Enquanto isso não ocorrer, como vimos, boa parte da Lei 9.034/95

passou a ser letra morta. A não ser que algum magistrado venha a usurpar a tarefa

do legislador e diga do que se trata. Mas até onde vão os limites da Constituição

vigente, não se vislumbra a mínima possibilidade de qualquer juiz desempenhar

esse anômalo papel

47 GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl, Crime Organizado: enfoque criminológico, jurídico (Lei nº 9.034/95)

e política-criminal. 2ª ed. Revista, atualizada e Ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

Page 60: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

59

5 SUGESTÕES PARA O COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

Várias têm sido as sugestões de medidas para o combate do crime

organizado. No Brasil, por exemplo, algumas já estão sedimentadas na Lei nº 9.034,

de 03.05.95, enquanto outras são discutidas em projetos de lei, doutrina debates

sobre o tema. Entretanto, tomando por base o ponto do qual parte o objeto deste

estudo, entende-se que nenhuma delas chegará próximo da eficácia, caso ignore-se

a relevante característica de conexão do crime organizado com o poder público.

Realmente, se tivermos em mente este ponto de sua estratégia é

fundamental para assegurar o desempenho, ocultação e impunidade de suas

atividades, qualquer medida que se imagine será facilmente neutralizada, do

momento em que a organização possua uma eficiente rede de conexão com órgãos

públicos, capaz de amortecer, de alguma forma, a atuação das agencias de

combate. Reside na conexão com o Estado, um dos pontos fundamentais do

sucesso do crime organizado, sendo certo que um dos principais enfoques

criminológicos sobre o fenômeno é o estudo de sua vulnerabilidade para estabelecer

estratégias de enfrentamento (GOMES, PRADO, DOUGLAS, 2000)

Se assim é, o que se deve procurar é a pedra angular da conexão, em suas

diversas formas, para criar mecanismos preventivos e repressivos de controle.

Obviamente, que tudo isto passa por uma grande vontade política em estabelecer as

diretrizes e carrear recursos de todo gênero para torná-las efetivas. O que não se

sabe é até que ponto esta mesma vontade já não se encontra contaminada pelos

resíduos da infiltração das organizações criminosas nos órgãos superiores,

encarregados de manifestá-la.

5.1 ESTRATÉGIAS

Seja como for, partindo de alguns pontos abordados no tópico anterior,

procura-se apresentar algumas sugestões, ainda que de modo limitado e

enunciativo, no sentido de minorar aquelas estratégias de conexão relacionadas.

Page 61: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

60

5.1.1 – BASE ÉTICO-POLÍTICA

Num primeiro momento, considerando que nenhum programa poderia se

sustentar sem um apoio cultural e um conteúdo ético, seria necessário o

desenvolvimento de uma política educacional que viesse a estimular a luta pela

defesa de direitos fundamentais inseridos na Constituição, sobretudo, aqueles que

mais diretamente se relacionam com os princípios fundamentais da República

Federativa do Brasil, de raízes éticas. A dignidade da pessoa humana e o valor

social do trabalho e da livre iniciativa seriam fundamentos sobre os quais deveria se

apoiar toda a política sócio-econômica nacional, de modo que se privilegiasse,

valorizasse e recompensasse os bens e valores à sociedade, de forma prática e

efetiva, que é nestes aspectos que reside o cerne da prioridade política.

Por outro lado, urge que o Estado passe a ocupar os espaços dos quais se

afastou durante longos anos, deixando que parcela significativa da população

passasse a se defender sozinha, sem os mais essenciais direitos que lhes deveriam

ter sido assegurados, como saúde e educação, o que, em grande parte, tem

contribuído para a formação de uma mentalidade voltada à ênfase a posturas e

atividades marginais, que mais aproximam as camadas sociais da exploração pelas

indústrias da criminalidade organizada. Em suma, seria mesmo o estabelecimento

de uma política educativa e de luta contra o crime organizado, voltada para toda a

sociedade, passando pela valorização do homem e da cidadania (GOMES, PRADO,

DOUGLAS, 2000).

5.1.2 – EXTERMÍNIO DA PROMISCUIDADE

No tocante às conexões que se realizam através da promiscuidade entre

sujeitos com interesses privados, em posições estratégicas do setor público, seria

interessante adotar medidas de natureza preventiva, capazes de detectar o conflito

de interesses privado-público, numa mesma pessoa-situação, atuando para

neutralizá-lo. A primeira diretriz seria o estabelecimento de critérios mais rígidos de

indicação, nomeação e aprovação, de modo a evitar que uma determinada pessoa,

em determinadas circunstâncias de notória interligação de suas atividades privadas

Page 62: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

61

com o setor público para o qual estaria sendo cogitada, viesse a ser efetivamente

empossada.

Não se pode conceber que um agente estabelecido no setor privado, por

mais competente que seja, venha a exercer cargo voltado ao controle de atividades

de sua própria área de negócios, sobretudo, em determinadas situações que

implicam conflito de interesses do homem privado que foi, com o homem público que

passa a ser. A criação de um código de ética, ou mesmo de normas proibitivas, no

sentido de punir a infração ao dever de abster-se de fornecer informações

privilegiadas para determinadas pessoas, também seria outra medida acertada,

sobretudo, no campo do sistema financeiro.

Além disso, seria imprescindível um permanente acompanhamento dos atos

do agente público mandatário, oriundo da esfera privada, no concernente às suas

conseqüências no setor privado ao que se destinam, não só durante o exercício da

função pública, mas também durante algum tempo após deixá-la, para avaliar a real

finalidade com que desempenhou o munus. Outro aspecto importante, seria o

controle mais preciso das doações de verbas de campanha para políticos, tornando

transparente este sistema, e estabelecendo normas que impeçam empresas e

empresários doadores para campanhas políticas de celebrarem novos contratos com

a Administração Pública, temporariamente, durante o mandato do candidato apoiado

(GOMES, PRADO, DOUGLAS, 2000).

Afinal, ou a doação corresponde a uma contrapartida do poder público após

a eleição do político, o que deixa já evidente sua afronta aos princípios

constitucionais do art. 37, da Constituição da República, ou ela tem caráter altruísta

e desinteressado, razão pela qual, quem a dá pode muito bem assumir o ônus da

vedação. Todos estes tópicos poderiam ser incluídos dentro do principio da

transparência, através do qual se procura conhecer, controlar e participar o máximo

possível da elaboração dos atos públicos e sua aplicação ao particular, ponto para o

qual convergem o trabalho da imprensa responsável e séria, os diversos tipos de

participação popular, devidamente esclarecida, e o próprio controle administrativo

interno e externo.

Page 63: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

62

5.1.3 A CORRUPÇÃO E O CRIME ORGANIZADO

No combate amplo à corrupção e o crime organizado instituído dentro dos

órgãos públicos, uma serie de medidas preventivas e repressivas podem ser

enunciadas. Antes, porém, frise-se que, neste ponto, o que se busca é atingir os

vários tipos de conexão existentes, seja através da corrupção ocasional, seja pela

habitual.

a) Controle Preventivo

O recrutamento do servidor público efetivo ou vitalício, além de prestigiar o

conhecimento técnico, deverá apurar a formação moral e os antecedentes do

candidato, o que já vem sendo feito nos concursos, mas, ao que parece, de forma

bastante burocrática.

Necessário se faz estabelecer alguma finalidade nos dados que se reúnem a

respeito do perfil moral e social do candidato, para que sirva de fonte de consulta

num processo de acompanhamento e reciclagem de seu desempenho profissional,

no serviço público. Não se prega um monitoramento meramente policial do servidor,

mas um trabalho de apoio e constante avaliação de seu desempenho, de acordo

com as vicissitudes do cargo.

b) Controle Repressivo.

Já na linha repressiva, as ouvidorias parecem ter sido uma importante

iniciativa de alguns setores. Entretanto, é importante que se estabeleça uma

sistemática para a reunião, cruzamento e triagem das notícias, passando a adotar

uma linha mais direta de investigação, em casos nos quais se repitam denúncias

sobre fatos reiterados, contra um mesmo órgão ou servidor, ou numa mesma zona

geográfica, ou mesmo dentro de uma área comum de atividade (GOMES, PRADO,

DOUGLAS, 2000).

É fundamental resguardar este serviço da má utilização, da desmoralização,

do escárnio e da ineficácia custosa. Identificado um ponto da corrupção,

imediatamente estabelecer a investigação em torno das denúncias e da situação

sócio-econômica do funcionário, confrontando seus rendimentos com o padrão de

Page 64: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

63

vida ostentado, já à vista de todos os elementos constantes de seu arquivo, desde o

ingresso na carreira.

De modo a confirmar denúncias e suspeitas, fundamental é estabelecer um

organograma de ligações do servidor com pessoas que tenham merecido sua

atenção e companhia ou a prática de atos públicos favoráveis a determinados casos,

repetidamente, num mesmo sentido. A análise comparativa de todos estes

elementos tornará possível concluir pela real ligação do servidor com uma

determinada pessoa integrante de organização criminosa; ou uma linha de conduta

na prática de atos públicos que revelem pessoalidade ou benefício para alguém, o

que ainda se cotejará com os sinais exteriores de riqueza, não razoavelmente

explicada (GOMES, PRADO, DOUGLAS, 2000).

Da mesma forma que o crime organizado procura se infiltrar nos órgãos do

estado, se faz mister a criação de uma espécie de contra-infiltração, adotando

técnicas capazes de identificar os agentes infiltrados ou os focos de corrupção,

comunicando o fato a uma outra estrutura, já encarregada de neutralizar a infiltração.

Todavia, o que nos parece bastante problemático é superar as inevitáveis

dificuldades impostas pelo corporativismo e pusilanimidade dos órgãos internos de

apuração, correição e punição.

Afigura-se intransponível a idéia de órgãos externos a cada setor do poder

público, encarregados deste controle de moralidade e legalidade da atuação de seus

agentes. Ocorre que estes órgãos também serão compostos por homens, e seu

recrutamento e controle também será necessário fazendo deparar com o impasse de

definir a quem, finalmente, caberá o controle de tudo isto. Por derradeiro, sob o

prisma da dogmática jurídico-penal, parece relevante que se enfrente a questão da

conexão agente público – crime organizado sob o prisma da teoria do concurso de

agentes, na medida em que, como muito precisamente abordou Andrea Castaldo,

não meramente eventual, às atividades-fim das organizações criminosas, por parte

de agentes públicos, ainda que estes não estejam integrados substancialmente às

estruturas daquelas associações. A relevância causal e finalística destas ações,

revestidas do requisito da habitualidade com que se dão, implicam a punição do

extrameus, não só por delitos funcionais, eventualmente praticados, mas também

pela co-autoria na integração das organizações criminosas e suas atividades ilícitas

(GOMES, PRADO, DOUGLAS, 2000).

Page 65: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

64

5.2 – O ESTADO FORTE

Do que se viu, todas as medidas enunciadas ensejam a idéia de um Estado

Forte e organizado, com ênfase na excelência de seus serviços e servidores, desde

o processo de seleção, passando pelo acompanhamento do exercício da função

pública, até chegar à avaliação das conseqüências dos atos praticados pelo agente

público temporário ou não. Importa uma mudança radical de mentalidade, com vistas

a construir um verdadeiro espírito público num perfil de homem público, através do

constante reforço dos valores do bem comum (GOMES, PRADO, DOUGLAS, 2000).

Evidentemente, que não se pode relegar a segundo plano a remuneração

condigna, as condições de trabalho e o apoio institucional, ao mesmo tempo em que

não se pode transigir com o controle, a apuração e a punição dos desvios.

Finalmente, convém destacar que o inicio da tarefa deve-se focar nas mais altas

estruturas educativo-cultural parte de um exemplo que vem de cima, daqueles que

tem-se por mais fortes e poderosos e onde parecem estar as raízes mais densas da

corrupção.

Page 66: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

65

6 CONCLUSÃO

Conclui-se que, várias têm sido as medidas propostas para, além de definir

um conceito de crime organizado, passar a enfrentá-lo como um fenômeno real, que

cada vez mais se assanha. Dentre estas diversas propostas, surgem as ações

controladas da polícia, o perdão judicial e a redução de penas dos colaboradores, a

proteção de testemunhas, a ampliação das hipóteses de interceptações telefônicas e

escutas ambientais e a infiltração de policiais no seio das organizações.

Compreendeu-se a validade de todas as idéias e tentativas de alcançar o

mesmo grau de ousadia e sofisticação de meios dos quais se valem as organizações

criminosas, tudo isto sem olvidar, é lógico, o respeito à proporcionalidade que advém

dos direitos e garantias fundamentais, insculpidos na Constituição da República, em

sua função de tutela do cidadão. Entretanto, somos impelidos a raciocinar em torno

da mesma indagação proposta por vários autores e resumida por Percival de Souza,

no sentido de que parece evidente haver algo de errado no cenário criminológico,

quando se constata o triunfo do crime organizado, não obstante a existência de uma

série de aparatos legais à disposição das agências encarregadas de seu controle.

Buscou-se, através deste trabalho monográfico, gerenciar um rumo nos

estudos a respeito de sua tipologia, onde se foi encontrado na rede aquilo que

parece ser a razão fundamental desta vitória permanente. As conexões com o poder

público, manifestadas através das mais diversas estratégias, imobilizam ou, de

qualquer forma, neutralizam as ações dos órgãos encarregados da fiscalização e do

controle de atividades ilícitas, impedem a repressão das condutas delituosas e

garantem a impunidade e a liberdade de ação das organizações criminosas.

Considera-se que aos órgãos do poder público – espalhados verticalmente

nas diversas esferas de centros da decisão e atuação, assim como ordenados

horizontalmente nos vários setores funcionais – é que cabe toda a iniciativa e

manutenção de atividades preventivas e repressivas ao crime organizado e suas

ações, é inquestionável que a estes órgãos também devem ser destinadas medidas

de saneamento, oxigenação e manutenção de integridade.

Se qualquer medida contra o crime organizado, necessariamente, tenha que

ser dirigida e executada por órgão do poder público, mas as estratégias de infiltração

daquele, neste último, avançam e se tornam eficazes e desprovidas de controle e

Page 67: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

66

contenção, por óbvio que serão inócuas todas as medidas que se imaginem neste

sentido. Diante deste quadro real e realçado por todos os estudiosos do tema,

concluí-se que a questão da criação de medidas eficazes de combate ao crime

organizado deve ser enfrentada e analisada, partindo-se do estabelecimento de

diretrizes de profilaxia interna, com a finalidade precípua de cortar ou minorar os

efeitos das conexões com o poder público, de modo que este possa atuar com a

finalidade pública, específica desta matéria, livre de qualquer empecilho, influência

ou infiltração nefasta.

Page 68: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

67

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGÊNCIA ESTADO. Como todo partido, o PCC também tem estatuto. Disponível

em: http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/fev/20/324.htm. Acesso em

21 de julho de 2.004.

ARAÚJO SILVA, Eduardo. Crime organizado. São Paulo: Ed. Atlas, 2.003.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.

CINTRA, Luciano Henrique. Alguns aspectos sobre a lei de crimes hediondos.

Disponível na Internet via

www.url:http://geocities.com/collegepark/bookstore/9642/hed.html. Arquivo capturado

em 30 de setembro de 2004.

CALLEGARI, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro – aspectos

criminológicos. 2ª edição. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2.003.

FERNANDES, Antônio Scarance. Crime organizado e a legislação brasileira, in

Justiça penal. v. 3.São Paulo: RT, 1995.

FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo, GUIMARÃES JÚNIOR, João Lopes.

A necessária elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público compatível com

seu atual perfil constitucional. São Paulo: Revista Jus da AMMP, 2001.

FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo e outros. Ministério público -

Instituição e processo. São Paulo: Ed. Atlas, 1997.

FOLHA DE SÃO PAULO – Andréa Michel. Crime organizado funciona como holding,

diz estudioso. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u7402.shtml. Acesso em

14/03/2004.

Page 69: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

68

GOMES, Abel Fernandes, PRADO, Geraldo e DOUGLAS, William, Crime organizado

e as conexões com o poder público. Rio de Janeiro: Impetus, 2000.

GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl, Crime Organizado: enfoque criminológico,

jurídico (Lei nº 9.034/95) e político-criminal. 2ª ed. Revista, atualizada e Ampliada.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

CONCEIÇÃO, Marco Antônio. O crime organizado e propostas para atuação do

Ministério Público. Disponível em:

<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1018>. Acesso em 12/03/2004.

MENDRONI, Marcelo Batlouni, Crime Organizado – aspectos gerais e mecanismos

legais. 1º ed. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2002.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Atlas, 1997.

SILVA, Ivan Luiz da. Crime organizado: aspectos jurídicos e criminológicos (Lei nº

9.034/95). Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1998.

SILVA, Eduardo Araújo da: Crime Organizado. 2003. Apud GONÇALEZ, Alline

Gonçalves; BONAGURA, Anna Paola et al. Crime organizado. Jus Navigandi,

Teresina, a. 8. n. 392. 3 ago. 2004

PROCÓPIO, Argemiro, Narcotráfico e Segurança Humana. São Paulo: LTR, 1.999.

ROTA BRASIL OESTE. CPI da Biopirataria aprova relatório final. Disponível em:

http://www.brasiloeste.com.br/noticia.php/442. Acesso em 20/03/2.004.

SARABANDO, José Fernando Marreiros. Controle externo da atividade policial pelo

Ministério Público. Belo Horizonte: Revista Jurídica - Centro de Estudos e

Aperfeiçoamento, 1997.

SIQUEIRA FILHO, Élio W. Repressão ao crime organizado. Curitiba: Juruá, 1995.

Page 70: UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE FACULDADE …srvwebbib.univale.br/pergamum/tcc/Ocrimeorganizadoeoestadodesorgan... · políticas sociais trará mais resultados do que aquisições

69

TENÓRIO, Igor, LOPES, Inácio C. D. Crime organizado. Brasília: Consulex, 1995.

TIGRE MAIA, Rodolfo, Lavagem de Dinheiro: Anotações às disposições criminais –

Lei 9613/98, São Paulo: Malheiros, 1999.

TOGNOLLI, Cláudio Júlio. Ministério Público denuncia primeiro escalão do PCC.

Disponível em: http://www.tognolli.com/html/mid_pcc.htm. Acesso em 15/03/2004.