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Urbanidades liminares: etnografias e disputas pela cidade Liminal urbanities: ethnographies and disputes around the city Coordenadora: Thaís Troncon Rosa, FAUFBA, Professora adjunta, [email protected]. Debatedora: Paola Berenstein Jacques, PPG-AU/ FAUFBA, Professora associada, [email protected].

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Urbanidadesliminares:etnografiasedisputaspelacidade

Liminalurbanities:ethnographiesanddisputesaroundthecity

Coordenadora:ThaísTronconRosa,FAUFBA,Professoraadjunta,[email protected].

Debatedora:PaolaBerensteinJacques,PPG-AU/FAUFBA,Professoraassociada,[email protected].

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SESSÃO L IVRE

DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

Tomandocomoreferênciaempíricaastransformaçõesocorridasnascidadesbrasileirasnaúltimadécada, esta sessão livrepropõe tensionar, apartir de resultadosde investigaçõesetnográficas,algumas dimensões referentes à perspectiva totalizante de “cidade” que orienta,historicamente, abordagens dicotômicas calcadas em categorias como “informalidade”,“ilegalidade” ou “anomia”, que sequem encarando as diversas dinâmicas socioespaciais eterritorialidades não hegemônicas exclusivamente pela chave da “ausência”, proclamando-as o“avesso da cidade” e legitimando intervenções e violências de toda ordem. Em contraponto, acidadequeemergedaspesquisasempíricascomasquaisdialogaapresentesessãoseapresentacomo campo de trânsitos, mediações e disputas em que se articulam – não sem conflitos -temporalidades,espacialidadeseuniversossociaisdistintos.

Isaac Joseph, conferindo importância “à tomada de partido rigorosamente descritivo de umaetnografiadodeslocamento”,aqualpossibilitariaapreenderaprópria“urbanidadeemoperação”,fornece algumas pistas para pensar a dimensão dos trânsitos emediações aqui referidos: seriapossívelpensaracidadeapartirdascategoriasdaliminaridade,dapassagem,dainstabilidade,doespaçamentoedacontiguidade?Ou,ainda,apartirdaideiade“umespaçodescontínuoconstituídodeváriasregiõesdesignificação,comseusrecursoscognitivosenormativospróprios”,articuladasentresiporeventosdemobilidade,práticascoletivas,cursosdeaçãosingular?

Buscandoapreenderformasmaiscomplexasdodesenhodasdesigualdades(esuareprodução)noespaçourbanoparaalémdassurradasdicotomiasecategoriasauto-explicativas(comosegregaçãoou exclusão) e sob a perspectiva dequehádinâmicas socioespaciais em constantemovimento,produzindo e disputando a cidade em suas margens (Agier, 2011) e, portanto, deslocando-ascontinuamente, esta sessão propõe refletir sobre um modo de interrogar o espaço urbanocontemporâneo a partir, simultaneamente, de sua capacidade de aproximar e de seu efeito dediscriminaredistanciar(Joseph,1999):umaabordagemdas“margens”socioespaciaisapartirdoscruzamentos,tensionamentos,deslocamentos,mediaçõesqueelasensejam.

Não se pretende afirmar, com isso, a inexistência de fronteiras socioespaciais a delimitar osterritórios,osprocessoseasexperiênciasemfoco.Masnospropomos,aqui,arefletiremtermosdanoçãode“limiar”.Limiaressugeremrelações,passagens,transições-noçõesquepertencemàsordensdoespaço,mastambémdotempo.ÉdessaperspectivaqueWalterBenjaminpropõeumarigorosadiferenciaçãoentrefronteirae limiar:maisdoqueconteremanter,delimitareseparar(comoo faza fronteira),o limiarseconfigurariacomoumazonade transição,nãoestritamentedefinida, remetendo a fluxos e contrafluxos, lugares e tempos indeterminados e de extensãoindefinida,“umentre,umazonacinzentaquefundecategoriasemisturaoposições”(Rizek,2012).Situam-seentreapossibilidadedeumfuturoemaberto-“zonasdetransição”-eoachatamentogestionário da vida - “zonas de detenção”: estas últimas corresponderiam ao progressivoencolhimentodapotênciacontidanastransições,noslimiaresenasexperiênciasaelesatrelados,tornando-se uma caricatura de si mesmo, lugar de permanência, de paralisia, e não mais depassagemetransição.

AntonioArantes(2000),refletindosobreascidadescontemporâneasbrasileiras,propõeanoçãode“zonaslimiares”:lugaressociaisconformadosporumadiversidadedecategoriasesujeitossociais,territorialidades e sociabilidades que se superpõem e se entrecruzam demodo complexo, nãoapenasnoespaço,mastambémnotempo.Essaszonasresultariamdereferenciaisdetempo-espaço“produzidos nos conflitos e sociabilidades chamadasmarginais”. Ou, nas palavras de Ana ClaraTorres Ribeiro (2010) a criação de “instáveis territorialidades” emmeio (ou por sobre) políticasurbanasexcludentesesuamaterialidadenacidade,asquaisseassociamàemergênciaderelações

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etensionamentosentrediferentesracionalidades,normatividadeseterritorialidadesnascidadescontemporâneas.

Nãosetrata,obviamente,deignorarasmúltiplasviolências-físicasesimbólicas-queincidemsobretais zonas,práticasecorposqueconformamoqueaquidenominamos“urbanidades liminares”,dentreasquaisdestacam-sepolíticasegestões,práticasdeplanejamentoepoliciamentoesuasreiteradastentativasdenormatizaçãoedeconversãodelimiaresemfronteiras,cuja“transposiçãosemacordoprévioousemcontroleregradosignificaumatransgressão,interpretadanomaisdasvezes como uma agressão potencial” (Gagnebin, 2014). Entretanto, essas “instáveisterritorialidades” ou “zonas limiares” (e os corpos e práticas que as conformam), ao abrigaremdisputaseconflitosconstitutivosdadinâmicaurbanacontemporânea,guardariamumadimensãopotencial, que residiria na possibilidade de dar novas conotações simbólicas ao supostoesvaziamentodoespaçopúbliconascidades(ouasuaespetacularização),repolitizando-o.

Énessesentidoqueostrabalhosreunidosnestasessãoinvestigampráticas,processosedinâmicassocioespaciais implicadas na tessitura de “urbanidades liminares” constitutivas das cidadescontemporâneasbrasileiras.MarianaCavalcantipropõerefletirsobreosprojetoseprocessosdeprodução de cidade no Rio de Janeiro às vésperas das Olimpíadas de 2016, enfocando oentrecruzamentodediversosagentes,suaspráticasedesdobramentossocioespaciaisemato,queembaralham noções, escalas e arranjos comumente evocados nas reflexões sobre as cidades eintervenções urbanas contemporâneas. Heitor Frugoli irá abordar os desafios de uma pesquisaetnográficaemandamentosobreosativismosurbanosemSãoPaulo,trazendoàtonaadimensãodoconflitocomoinseparáveldoespaçopúblico,apartirdedimensõescomopráticaseredesderelaçõesdecoletivosativistas,asconcepçõesdedireitos(edecidade)aíimplicadas,ascomplexasrelaçõescomopoderpúblico,paracitaralgumas.ThaísRosapretenderefletirsobredinâmicasdeproduçãodecidadeeurbanidadeemcursonopaísnasúltimasdécadas,apartirdeinvestigaçãoetnográficadetrajetóriasurbanasdemoradoresdeterritóriospopulares,comênfasenasdinâmicassocioespaciaisquedelasemergemetomandoamoradiacomoelementoheurísticoprivilegiado.

Háainda,nastrêscomunicaçõesaquireunidas,umareflexãosobreolugardopensamentocríticoedaproduçãodo conhecimento, sobretudonoque tangeà atençãoaos limiares e às alteridadesinerentesàproduçãodascidadeseàsdisputasaíimplicadas.Trata-se,portanto,deumaproposiçãoquetrazaalteridadeparaocentrodaanálise,demandandoàproduçãodeconhecimentosobreascidadesumaperspectivarelacional,aqualanoçãode“limiar”parecenecessariamenteinvocar:“Olimiar designa, portanto, essa zona intermediária que a filosofia ocidental - bem como o assimchamadosensocomum-custaapensar,poisqueémaisafeitaàsoposiçõesdemarcadaseclaras(masculino/feminino,público/privado, sagrado/profanoetc.),mesmoquehaja,emalgunscasos,umesforçoemdialetizartaisdicotomias.”(Gagnebin,2014).

A presente sessão pretende contribuir com o esforço coletivo, em andamento no país, deinvestigaçãodosprocessosdeproduçãodascidadesbrasileirascontemporâneasapartirdesuas“margens”,propondoumenfoqueaindapoucoexplorado:aqueledesuasdimensõessocioespaciaise dos meandros da conformação de distintos “regimes de urbanidade” a serem consideradosanalítica e politicamente. Espera-se estabelecer uma reflexão ampliada sobre dinâmicas deprodução de “urbanidades liminares” em curso atualmente no país, possibilitando desnudar asdisjunçõesentre,deumlado,saberesedispositivostécnicosdeplanejamentoegestãourbana(esocial)e,deoutro,aspráticasdeproduçãodourbanoemato(esuasrepresentações),possibilitandocriarefortalecernovoscamposdereflexãoeproblematizaçãosobreoespaçourbanoeseusmodosdeproduçãoprocessual,quesesomemaosaindaescassosestudosurbanosquevêmseatentandoàexistênciadediferentes‘regimesdeurbanidade’emúltiplasmaneirasde‘fazercidade’.

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ATIVISMOSURBANOSEMSÃOPAULO:DESAFIOSETNOGRÁFICOS

HeitorFrugoliJr.,FFLCH–USP,Professorassociado,[email protected].

Pretende-seabordardesafiosdeumapesquisaetnográficaemandamentosobreotemadoativismona cidade de São Paulo, dada a potencialidade que representam para enfoques renovados eaprofundadossobreavidaurbanaeadimensãodoconflito,inseparáveldoespaçopúblico.Oolharsevoltasobretudoaagrupamentosqueseorganizamsobaformadecoletivosparaaçõescomcertacontinuidadeemdeterminadosespaçospúblicos.Issopassapelacircunscriçãodasprincipaisredesderelaçãoenvolvidas–incluindoasarticulaçõesentreagentesdevárioscoletivos–,dasconcepçõesdedireitos(edecidade)referenciais,dastáticaspraticadaspelosmesmosparaosfinspretendidos,dotipodeintervençãorealizadaesuaslinguagensespecíficas,doalcancedosusosdetecnologiasde comunicação, da trajetória sociocultural dos principais organizadores, do exame das novasconcepçõesdeliderançanumcontextodefortehorizontalidade(oquenãoimplicaevidentementeuma completa des-hierarquização), do alcance e dos limites das polifonias pretendidas em taispráticas, das complexas relações com o poder público em suas distintas instâncias e planosdecisóriosedasarticulaçõesdetaispráticascomconjunturaspolíticasmaisabrangentes–períodosemqueasreivindicaçõesaumentamexponencialmente,comoriscodefragmentaçõesquetambémas tornam bastante difusas. A própria nomeação de ativismo (ou ativista) deve ser examinadaquantoaoseualcancenumplanoêmico–nocontrapontocomoutrasautoconstruçõesidentitárias–,oquereforçaoexamecuidadosodaheterogeneidadeediversidadeconstitutivasdetaisagentesedesuaspráticas.

ENTRE GAMBIARRAS E RUÍNAS: NOTAS ETNOGRÁFICAS SOBRE O “URBANISMOOLÍMPICO”CARIOCA

MarianaCavalcanti,IESP–UERJ,Professoraadjunta,[email protected].

AcomunicaçãotemcomoobjetivoprincipalrefletirsobreosprojetoseprocessosdeproduçãodecidadenoRiodeJaneiroàsvésperasdasOlimpíadasde2016,apartirdediversasescalasdeanálise.Ofionarrativodaapresentaçãoseconstituiapartirdotemadamoradiaedosprocessosemcursona região que o mercado imobiliário recentemente batizou de “Barra Olímpica”, no outroralongínquoentroncamentodosbairrosdeCuricicaeJacarepaguá.Focalizandoaslógicaseaspráticasde produção de cidade acionadas por empreiteiros como a Carvalho Hosken, por agentesimobiliárioslocais,e,ainda,pelaprefeituradoRiodeJaneiro,otextodocumentaatransformaçãodessaregião,entreremoçõesdefavelas,umboomdeseusmercadosimobiliários–condomíniosdeclassemédia,mastambémasquitinetesemfavelaseosrearranjosnomercadodemoradiatrazidospelasprópriaslógicasderemoção/reassentamento–tendoemvista,deumlado,as“gambiarras”políticas e de outro, as ruínasmateriais e simbólicas constituintes e resultantes do “urbanismoolímpico”vigentenacidadenosúltimosanos.

CIDADEEALTERIDADE:ETNOGRAFANDOTRAJETÓRIASURBANASLIMINARES

ThaísTronconRosa,FAUFBA,Professoraadjunta,[email protected].

Estacomunicaçãopretenderefletirsobreosnexosentremobilidadessocioespaciais,deslocamentoshabitacionais,redesderelaçõesepolíticasurbanasnosprocessosrecentesdeproduçãodosespaçosdemoradiadascamadaspopularesnascidades.Apartirdeinvestigaçãoetnográficadetrajetórias

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urbanas, com ênfase nas dinâmicas socioespaciais que delas emergem, propõe uma reflexãoampliada sobre dinâmicas de produção de cidade e urbanidade em curso atualmente no país.Tomando a moradia como elemento heurístico privilegiado, enfoca a relação de tensão ecomplementaridadeentreolugardacasanessastrajetóriasurbanaseosmúltiplostrânsitosqueasconfiguram:deumlado,asdimensõesdeterritorializaçãoefixaçãopresentesnaconcepçãomesmademoradia,e,historicamente,naspolíticashabitacionais (e sociais)nopaís;deoutro,ocaráterdinâmico inerenteàs trajetórias investigadas,que têmcomocernearranjose redesde relaçõescambiantesquenãosepautampelaestabilidadeerigidezdosvínculos,mas,aocontrário,porsuaplasticidade,aíincluídastambémaplasticidadedasnoçõesdemoradiaecidade.Emdiálogocomasproposições de Michel Agier, para quem existiriam diferentes “regimes de urbanidade”, econsiderandoaliminaridadequepareceserconstitutivadastrajetóriasedasexperiênciasurbanasemfoco,nãoseriapossível refletirsobreosprocessosdeproduçãodosespaçosdemoradiadascamadas populares em termos da conformação de “urbanidades liminares”, uma vez que, aotransformaremreiteradaeinsistentemente“deserto”em“mundo”,as“margens”fazem“moverasfronteirasdaordemsocialatéaolimitedoqualsetransplantou”?