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COLÓQUIO URBANISMO E DESENVOLVIMENTO VALONGO: A PAISAGEM, A URBANIZAÇÃO E OS RISCOS NATURAIS 1. Enquadramento geomorfológico e sua importância na dinâmica do meio físico. 2. A precipitação como factor de risco natural. 3. As unidades geomorfológicas. 3.1. As serras de Valongo. 3.2. Os vales alveolares. 3.3. As colinas talhadas nos metasedimentos. 4. Contributos da análise geomorfológica na definição das linhas orien- tadoras das grandes opções estratégicas. 5. Nota final. Carlos Bateira c.el.: [email protected] Departamento de Geografia da FLUP. FLUP, 27 de Junho de 2003

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COLÓQUIO

URBANISMO E DESENVOLVIMENTO

VALONGO: A PAISAGEM, A URBANIZAÇÃO E OS RISCOS NATURAIS

1. Enquadramento geomorfológico e sua importância na dinâmica do meio físico.

2. A precipitação como factor de risco natural.

3. As unidades geomorfológicas.

3.1. As serras de Valongo.

3.2. Os vales alveolares.

3.3. As colinas talhadas nos metasedimentos.

4. Contributos da análise geomorfológica na definição das linhas orien-tadoras das grandes opções estratégicas.

5. Nota final.

Carlos Bateira

c.el.: [email protected]

Departamento de Geografia da FLUP.

FLUP, 27 de Junho de 2003

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1. Enquadramento geomorfológico e sua importância na dinâmica do meio físico.

O concelho de Valongo situa-se a Norte do rio Douro, entre um conjunto de retalhos planos elevados (300 a 400

m) e conservados em rochas granitóides, a Este (Paços de Ferreira e Paredes) e as cristas quartzíticas de

Valongo, a W. A parte norte do concelho abre-se para as áreas planas que constituem grande parte do relevo do

litoral do NW português.

O relevo do concelho é dominado pelas serras de Stª Justa e Pias que se caracterizam pelos declives extrema-

mente fortes e altura imponente. Este alinhamento montanhoso tem a direcção SE-NW e constitui o primeiro rele-

vo de dimensões significativas desde o litoral do Porto (fig. 1). A morfologia imponente deve-se à dureza dos

quartzitos que as constituem. São, portanto, relevos de dureza, resultantes da erosão diferencial e correspondem

a um anticlinal esventrado, ligeiramente inclinado para ocidente. Apesar da dureza dos quartzitos, a rede hidro-

gráfica promoveu um vigoroso encaixe aproveitando a rede de fracturação. O exemplo mais significativo é a gar-

ganta do rio Ferreira que passa o flanco oriental do anticlinal, no extremo sul do concelho (fig. 2).

A N e ainda a E do concelho existem uma série de colinas, de variadas altitudes, mas que chegam a atingir os

300 m (em Quintarei), com declives médios a fortes, talhadas no complexo xisto-grauváquico do Paleozóico. Os

metasedimentos destas áreas têm uma fraca permeabilidade, o que justifica uma densidade de drenagem média

a elevada. Isto deve-se ao facto dos metasedimentos não permitirem a formação de mantos de alteração espes-

Figura 1: Esboço hipsométrico. Extraído de F. Rebelo (1975). a – vértices geodésicos nas cristas quartzíticas principais; 1. altitufdes até 200 m; 2. altitudes de 200 a 300 m; 3. altitudes de 300 a 400 m; 4. altitudes de 400 a 500 m; 5. altitudes acima de 500 m.

0 4 km

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Figura 2: Esboço litológico da região de Valongo. Extraído de F. Rebelo (1975). a- Falha; 1.- Granitos (a escuro granitos do Porto); 2. Rochas ante-ordovícicas (predomínio do xisto); 3. Quartzitos skidavianos; 4. Rochas pós-skidavianas (igualmente predomínio do xisto); 5. Formações superficiais.

Valongo

Alfena

sos. Por outro lado, as formações superficiais (mantos de alteração e depósitos de vertente) têm textura fina

(argilas, siltes e areias finas), o que agrava as dificuldades de infiltração das águas da chuva.

Para além dos relevos de dureza e das colinas talhadas nos metasedimentos, o concelho de Valongo apresenta

um conjunto de depressões com fundos irregulares, drenadas por dois rios principais: o rio Ferreira e o rio Leça.

No Ferreira existem as depressões de Sobrado e Campo e no Leça as de Gandara e Alfena, esta última aberta a

ocidente (em Ermesinde). O fundo destas

depressões apresenta-se parcialmente

colmatado por um conjunto de sedimentos

de carácter aluvial e

coluvial, de textura fina,

que lhes confere grande

capacidade de retenção

da humidade e permite

boa produtividade agríco-

la. Por outro lado, largas

extensões destas

depressões estão sujei-

tas a inundação que, ao

longo dos séculos, a

experiência das popula-

ções rurais sempre sou-

be evitar, dando a essas

áreas uma ocupação exclusivamente agrícola.

A depressão de Valongo situa-se entre estes rios sendo, portanto, uma área livre das inundações dos cursos de

água principais. É também a que apresenta uma área construída mais importante, em conjunto com a depressão

de Alfena, em Ermesinde. Apesar da sua importância, não tem nenhuma ligação geomorfológica com os rios mais

importantes.

As características do relevo do concelho de Valongo sugerem uma análise da dinâmica do meio físico que permi-

te delimitar o conjunto de unidades territoriais onde é possível identificar os processos naturais mais relevantes

para o planeamento físico e o ordenamento do território.

2. A precipitação como factor de risco natural.

Em Portugal o ritmo da precipitação é muito irregular. A variabilidade temporal é forte, a que se vem associar a

grande variabilidade espacial. Este aspecto é particularmente evidente no que se refere aos episódios chuvosos

de curta duração e forte intensidade. Na dinâmica geomorfológica a precipitação desempenha um papel determi-

nante, sendo, frequentemente, o factor desencadeante dos movimentos de vertente. Para a análise geomorfoló-

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Figura 4: Precipitação máxima diária com tempo de retorno de 100 anos.

Valongo

Figura 3: Precipitação total anual em anos chuvosos.

Valongo

gica e dos riscos naturais é essencial a

leitura dos índices relacionados com a

dimensão temporal dos episódios chuvo-

sos e a importância dos valores extre-

mos da precipitação.

Nesta perspectiva fazemos a leitura da

precipitação total anual em anos chuvo-

sos e verificamos que o concelho de

Valongo apresenta valores entre 2000

mm e 2800 mm de precipitação anual, o

que implica a existência de sequências

chuvosas significativas (fig. 3). Porém, a

precipitação máxima diária dá-nos indi-

cações sobre a importância dos episó-

dios chuvosos de abundante e intensa

precipitação. Para episódios extremos

(tempos de retorno de 100 anos) Valongo

apresenta precipitações diárias que variam entre os 80 mm e os 160 mm (fig. 4). Considerando que certo tipo de

movimentos de vertente ocorreram com precipitações diárias de cerca de 50 mm, podemos concluir que o conce-

lho de Valongo, apesar de não

estar localizado numa área muito

sensível, apresenta, contudo,

alguma susceptibilidade em rela-

ção aos movimentos de vertente

e às cheias rápidas. Do ponto de

vista da dinâmica natural, só em

áreas de muito forte declive e de

muito fraca permeabilidade

teríamos condições para o

desencadear de uma forte dinâ-

mica de vertentes. No entanto,

com o auxílio da acção humana,

a situação poderá agravar-se

em áreas de declives mais fra-

cos.

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3. As unidades geomorfológicas (fig. fora do texto).

Os sistemas territoriais definem áreas que do ponto de vista da geomorfologia e da susceptibilidade geomorfoló-

gica é possível desenvolver sistemas territoriais que procurem agrupar características geomorfológicas comuns.

Estes sistemas permitem uma cartografia em que se devem associar características do terreno tais como topo-

grafia, formações superficiais, litologia, declives, rede hidrográfica e clima (fig. 5). Esta associação resulta de uma

dinâmica geomorfológica responsável pela evolução, passada e presente, do relevo. Este sistema territorial defi-

ne uma área com um conjunto de características e uma determinada dinâmica. Um dos exemplos mais caracte-

rísticos deste tipo de sistemas territoriais encontra-se nas áreas de modelado em xisto. Nessas áreas encontra-

mos morfologia, rede de drenagem, litologia, coberto vegetal e, por vezes, condições climáticas, que, no conjunto,

se distinguem das áreas envolventes. Formam assim um sistema territorial que se caracteriza por uma dinâmica

geomorfológica, hidrologia e formações vegetais profundamente interligadas e interdependente.

Estes sistemas territoriais são divisíveis em unidades mais pequenas (unidades territoriais) que podem ser anali-

sadas segundo os diferentes elementos que as constituem. Ainda utilizando o exemplo anterior, poderemos ana-

lisar um sistema territorial de modelado em xisto como sendo constituído por vales alveolares, superfícies planas,

cristas quartzíticas, gargantas fluviais, .... Por seu lado, cada uma destas unidades pode ser analisada segundo

Elementos territoriais

Sistemas territoriais

Áreas do território que apresen-tam, no seu interior, atributos comuns diferentes das áreas envolventes

Modelado em Xisto

Vale Alveo-lar

Retalho plano

Crista quartzítica

Garganta fluvial

Vertente Glacis Fundo de vale

Terraço fluvial

Unidades territoriais

Áreas onde a dinâmica do meio físico, reunindo um conjunto de processos de carácter físico pro-move o desenvolvimento de uma determinada morfologia, hidrolo-gia, formação vegetal ...

Cada unidade territorial é com-posta por vários elementos territo-riais, onde existe o predomínio de um processo geomorfológico, resultante de condições particu-lares da morfologia, hidrologia, estrutura, clima, acção humana, ...

Abrupto rochoso

Figura 5: Exemplo de sistemas, unidades e elementos territoriais aplicados aos estudos sobre a dinâmica do meio físico sur-gem como solução para a definição da susceptibilidade geomorfológica. Elaborado com base em R. U. CooK e J. C. Doorn-kamp (1990) e C. Mitchell (1991).

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os seus elementos territoriais. Um vale alveolar é constituído por um fundo de vale, vertentes, ravinas, terraços

fluviais, rechãs rochosas e apresentar cones de dejecção ou glacis, etc. que constituiriam os elementos territoriais

das referidas unidades.

No que se refere à evolução das vertentes, nomeadamente quando tratamos dos movimentos de vertente, é fun-

damental definir as unidades e os elementos territoriais onde é possível ocorrer este tipo de movimentação, bem

como as suas características.

Apesar de se tratar de um esquema de representação simplificado, define as áreas onde é possível ocorrer um

mesmo processo geomorfológico dominante.

Em Valongo podemos identificar três grandes unidades territoriais:

- as serras de Valongo.

- os vales alveolares.

- as colinas em xisto.

3.1. As serras de Valongo.

As serras de Valongo constituem uma unidade geomorfológica directamente relacionada com a estrutura geológi-

ca que a constitui. Na parte S e SE do concelho desenvolve-se a convergência dos dois flancos (ocidental e

oriental) do anticlinal de Valongo, que mergulha para NW, próximo de Valongo. A serra de Stª Justa e a parte N

da serra de Pias formam os pontos mais elevados do concelho de Valongo. São relevos de erosão diferencial

resultante da grande dureza dos quartzitos do Skidaviano (Ordovícico) que afloram ao longo do topo das serras.

Aproveitando uma importante fracturação, a rede hidrográfica escavou profundas gargantas sendo de referir a

garganta do Ferreira, de grande interesse cénico e paisagístico.

A resistência dos quartzitos comparativamente ao complexo xisto-grauváquico permitiu o desenvolvimento de um

forte contraste geomorfológico das serras de Valongo relativamente ao restante concelho. Os declives extrema-

mente fortes e o encaixe da rede hidrográfica são factores extremamente importantes no que se refere à evolu-

ção actual das vertentes. Nesta área, os movimentos de vertente são os processos geomorfológicos com maior

probabilidade de ocorrer, aproveitando as formações superficiais de fraca consolidação e a fracturação intensa

dos afloramentos rochosos de quartzito. Em todo o concelho as serras de Valongo constituem a unidade geomor-

fológica em que este tipo de processos naturais têm melhores condições para ocorrer. Mesmo sem a ajuda da

intervenção humana, estas serras apresentam um conjunto de factores naturais que propiciam a ocorrência de

movimentos de vertente, nomeadamente os depósitos de vertente e os abruptos rochosos.

É possível observar a existências de dois tipos de depósitos de vertente. Destacam-se, preferencialmente os

depósitos de origem solifluxiva constituídos essencialmente por argilas, o que lhes confere, quando saturados,

uma grande plasticidade e, por isso, é necessário dotar as intervenções sobre o meio físico de análises detalha-

das sobre a estabilidade das vertentes. Todas as intervenções programadas nesta unidade geomorfológica

devem ser objecto de apreciação cuidada do ponto de vista da estabilidade das vertentes e exigem projectos de

engenharia e procedimentos técnicos que envolvem custos de produção acrescidos. O exemplo mais evidente

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Fotografia 1: Movimento de vertente em aterro, ao longo de estrada, col-matando um barranco. Neste movimento de vertente, em Vieira do Minho, morreu uma pessoa, destruíram-se vários campos agrícolas e duas pontes. São evidentes as semelhanças da morfologia e do tipo de materiais com alguns aterros existentes em Valongo.

desta necessidade são os taludes da A4 no Alto da Serra cuja manutenção e estabilização, ainda não totalmente

conseguida, exigiram obras suplementares, sempre onerosas.

Tanto as intervenções particulares como públicas nesta unidade geomorfológica poderão agravar significativa-

mente a eventualidade geomorfológica de ocorrência de movimentos de vertente, o que poderá pôr em risco

estruturas, funções ou mesmo pessoas. O aterro do Alto da Serra (v.g. de Sete Casais) é um exemplo particular-

mente significativo desta situação. Este tipo de aterro, devido ao grande volume e extensão de materiais, à sua

heterogeneidade, ao grau de compactação e à

drenagem que apresenta, constitui um exem-

plo claro de intervenção a evitar (fot. 1). Este

caso concreto, deverá ser objecto de análise

detalhada, no sentido de se proceder a um

intervenção que minimize a probabilidade de

ocorrência de um movimento de vertente.

Será prudente proceder de imediato, ao levan-

tamento e registo, em escala de grande por-

menor, de todas as situações relacionadas

com aterros e desaterros existentes. Numa

primeira fase, e pela urgência, deve-se exe-

cutar esta tarefa para a unidade geomorfoló-

gica das serras quartziticas de Valongo. Para

além do inventário e registo das situações de aterros e desaterros já existentes, há que assegurar que não se

farão novos aterros que colmatem linhas de água de primeira ordem.

Para além das formações superficiais de textura fina, existem ainda as escombreiras de gelifracção, testemunhos

de uma ambiência periglaciar que afectou regiões de fraca altitude e próximo do litoral do NW Português durante

a última glaciação (80.000-18.000 anos antes da actualidade). Estes testemunhos poderão ser objecto de con-

servação, podendo constituir mais um elemento de atractibilidade, em conjunto com os restantes sítios de inte-

resse geológico já conhecidos e que fazem parte da inventariação desenvolvida no âmbito dos trabalhos do Par-

que Paleozóico. Com toda a informação de carácter científico passível de observação ao longo das cristas quart-

zíticas poderá desenvolver-se uma análise da evolução do meio físico no concelho de Valongo, com carácter

pluridisciplinar, que seria um documento de apoio à conservação desta unidade geomorfológica. Em simultâneo,

poderia servir de base ao lançamento de iniciativas de divulgação e atracção sobre esta área, muito para além

dos limites do concelho. Neste caso, teria muito interesse o desenvolvimento de contactos com os concelhos

vizinhos em que se desenvolvem as cristas quartzíticas.

As fracas acessibilidades associadas aos fortes declives têm permitido a conservação de um conjunto paisagísti-

co marcadamente influenciado pela estrutura geológica do anticlinal esventrado pela erosão diferencial. Este

facto, fazem desta unidade geomorfológica uma das áreas de maior atractividade quanto ao preenchimento dos

tempos livres e das actividades pedagógico-científicas tanto ao nível do ensino secundário como superior. Em

toda a área metropolitana do Porto as serras de Valongo constituem um conjunto geológico, geomorfológico,

hidrológico e biofísico com um forte potencial de atracção na área do lazer e cultura.

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Fotografia 2: Canalização de curso de água junto da linha da CP, na urbanização a Sul do Susão.

3.2. Os vales alveolares.

Os grandes cursos de água que cruzam o concelho de Valongo são os rios Leça e Ferreira. O encaixe destes

cursos de água é muito variável. Ambos os rios correm alternadamente em vales encaixados e em depressões de

fundo mais ou menos amplo, consoante a evolução geomorfológica que tiveram. Estes sectores dos vales consti-

tuem um conjunto de depressões que alternam com os encaixes em colinas talhadas no complexo xisto-

grauváquico do paleozóico. No Ferreira destacam-se as depressões de Sobrado e Campo ao passo que no Leça

a pequena depressão de Gandara e a depressão de Alfena (aberta a ocidente, em Ermesinde) são testemunhos

dessa importante evolução geomorfológica. Entre estas duas bacias hidrográficas situa-se a depressão de

Valongo/Susão, testemunho do antigo vale do Leça quando era afluente do Ferreira, a montante da garganta

escavada nas cristas quartzítica.

A evolução destas depressões permitiu a acumulação de importantes depósitos de textura fina e com carácter

aluvionar e coluvionar. À semelhança dos vales alveolares escavados nos granitóides, a transição das vertentes

até ao canal de escoamento, tanto do Ferreira como no Leça, permitiu a construção de um fundo de depressão

que, apesar de irregular, apresentam declives fracos, o que facilitou desde sempre a ocupação do território e o

uso dos solos. Por outro lado, a textura fina destas formações superficiais contribui para a forte retenção da água

nos solos e para uma boa produtividade agrícola.

A evolução económica e social das áreas periféricas das grandes urbes, conduziu a uma forte alteração do uso

dos solos ao longo das depressões. Hoje, é ao longo das depressões que se expandiram as áreas construídas. À

excepção de parte da A4, as vias de comunicação (tanto o comboio como as estradas) estão implantadas nestas

unidades geomorfológicas, dadas as evidentes facilidades permitidas pelas condições morfológicas.

As áreas inundáveis ao longo destas depressões são

consideráveis, sobretudo ao longo dos rios Ferreira e

Leça. A dimensão das bacias hidrográficas destes

rios é suficiente para permitir a ocorrência de cheias

lentas que ocupam uma parte considerável destas

depressões. É importante referir que as áreas inundá-

veis dependem em grande medida da impermeabili-

zação dos sectores mais a montante das bacias

hidrográficas. A impermeabilização provoca sempre

um acréscimo nos picos de cheias por efeito de dimi-

nuição do tempo de concentração do escoamento e, consequentemente, uma maior a área inundável.

Este facto faz depender a evolução das áreas inundáveis do grau de impermeabilização dos concelhos que ocu-

pam os sectores superiores das bacias hidrográficas. Embora não se adivinhe, a curto prazo, um grande cresci-

mento urbano a Leste e a Norte do Município de Valongo, a área construída tem tendência a alargar, sendo pro-

vável que o aumento da frequência de ocorrência de inundações e as áreas afectadas venham a ser cada vez

maiores.

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Figura 3: Consequências da ocorrência de cheias rápidas na bacia do Cavalum. O contexto geomorfólogico e dinâmica fluvial é muito semelhante às pequenas bacias hidrográficas do concelho de Valongo.

Figura 4: Ponte do Castelo, na bacia do Cavalum. A dinâmica torrencial das pequenas bacias hidrográficas possuem um poder erosivo devastador. Em áreas de forte ocupação humana poderá significar perdas importantes, quer materiais, quer humanas.

A ocupação do leito maior dos cursos de água já existe em inúmeros locais. Há, porém, algumas situações que

poderão ser objecto de análise no âmbito da protecção civil. Se considerarmos que todos elementos que provo-

cam estrangulamento nos canais de escoamento são

factor de inundação a montante e de forte erosão a

jusante, em virtude do aumento da velocidade de

escoamento, nunca deveria ser possível que, à medi-

da que caminhamos para jusante, a dimensão dos

drenos ou vãos de pontes tenham dimensões meno-

res do que os que estão a montante. A título mera-

mente exemplificativo, refira-se a situação que ocorre

junto do Parque Radical, na cidade de Valongo. O

vão da A4, situado a montante do parque radical é

consideravelmente maior do que os que estão ao

longo do parque e imediatamente a jusante. Em situa-

ção de ocorrência de episódio chuvoso intenso e

duradoiro, o escoamento faz-se rapidamente até ao

parque (note-se que a impermeabilização a montante,

por efeito da expansão urbana, avança a um forte

ritmo) encontrando sucessivos obstáculos à drena-

gem rápida a jusante, potenciando uma situação de

inundação.

Paralelamente aos processos de inundação lenta que

ocorrem ao longo dos rios Ferreira e Leça, teremos de considerar o efeito de abandono dos sistemas de rega

tradicionais, que orientavam e disciplinavam o escoamento das vertentes. A drenagem era orientada para o canal

fluvial mais importante, o que permitia desviar o essencial da drenagem das principais actividades e infra-

estruturas construídas. Só na estação seca é que se promovia a infiltração e a rega dos solos. Com o abandono

agrícola, todo o sistema tradicional de drenagem ficou destruído, havendo o risco se desenvolver concentrações

excessivas do escoamento, reforçado por drenos de vias de comunicação ou por urbanizações com sistemas de

águas pluviais ainda não concluídos. Estas situações, são difíceis de identificar porque não correspondem a

qualquer morfologia relacionada com a dinâmica natural. Quando essa concentração se faz ao longo das linhas

de água de escoamento esporádico e a construção de aterros não considerou a existência de drenos devidamen-

te dimensionados, a eventualidade geomorfológica de ocorrência de movimentos de vertente (nomeadamente de

fluxos de lama) é largamente acrescida.

Nas unidades geomorfológicas definidas pelas depressões alveolares é fundamental o estudo das áreas que

estão dispostas imediatamente a jusante das linhas de água que drenam as vertentes contíguas. Estas linhas de

água apresentam, em geral, um escoamento esporádico, o que faz com que as populações considerem que não

são linhas de água funcionais e, portanto, desenvolvem intervenções sem sentirem necessidade de criar as res-

pectivas infra-estruturas de drenagem. Sendo áreas afastadas das áreas inundáveis pelas cheias lentas do Fer-

reira e do Leça, apresentam uma forte susceptibilidade geomorfológica a movimentos de vertente, acaso as inter-

venções a montante se revelem impeditivas do escoamento e drenagem fácil das vertentes. Em episódios de

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chuva intensa, o processo de infiltração, difícil em rochas metamórficas, necessita desses cursos de água libertos

de qualquer aterro para proceder à drenagem de uma quantidade de água momentaneamente excedentária. Em

aterros sem drenagem ampla, saturam-se os materiais e a probabilidade de ocorrência de movimentos de verten-

te está acrescida. Só uma análise de pormenor poderá promover um licenciamento capaz de prevenir este tipo de

risco.

Por último, a depressão de Valongo/Susão é caracterizada pela forte ocupação humana, sobretudo no sector Sul.

A cidade de Valongo tem a sua origem no sopé da serra de Stª Justa e tem tido uma forte expansão urbanística,

particularmente acentuada durante a década de 90, após construção do IP4.

Ao contrário das restantes depressões que são atravessadas pelos cursos de água mais importantes do conce-

lho, em Valongo a drenagem faz-se por duas pequenas bacias hidrográficas: uma drena para Norte (a ribeira de

Cabeda, afluente do Leça) e outra drena para Sul. (a ribeira de Valongo, afluente do Ferreira à entrada da gar-

ganta que atravessa os quartzítos da Serras de Stª Justa e Pias). A dinâmica hídrica destas ribeiras são o espe-

lho das pequenas bacias hidrográficas que drenam. Dada a dimensão reduzida das bacias hidrográficas, não

seria de esperar a existência de caudais muito elevados e, atendendo ao aspecto encaixado da rede de drena-

gem, mesmo na área de Susão, os vales são suficientemente encaixados para se esperar a existência de áreas

de inundação. Porém, a rápida expansão urbana tem vindo a alterar significativamente esta situação. Em geral, o

modelo de urbanização em contínuo que tem sido concretizado, em especial na cidade de Valongo, tem contri-

buído para uma importante impermeabilização de pequenas bacias hidrográficas. Esse facto, se tiver continuida-

Área = 10,239 Km2 Perímetro = 14,805 Km Dd = 3,13 Km/Km2

Figura 6: Bacia hidrográfica de Valongo. Os círculos representam locais de maior susceptibilidade hidrológica a inundação na cidade de Valongo.

A4

EN 15

CP

Valongo

Susão

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Fotografia 5: Horto Municipal (urbanização da Ilha-Fonte da Presa): Inunda-ção por efeito de ocupação do leito de cheia e estrangulamento do vão da estrada. De notar que a bacia hidrográfica da depressão de Valongo ainda apresenta um forte índice de permeabilidade. Porém, o vão da ponte está parcialmente colmatado, diminuindo drasticamente a capacidade de escoa-mento.

de num futuro próximo, poderá transformar duas pequenas bacias hidrográficas de caudais diminutos em duas

bacias hidrográficas de resposta rápida e picos de cheias desproporcionados ao tamanho das respectivas bacias

hidrográficas.

Hoje já é possível observar alguns indícios

dos problemas que poderemos vir a encon-

trar se o ritmo e o modelo de ocupação do

solo se mantiver. Junto à ponte de Presa

(Horto Municipal) já é possível ver indícios

de inundação, como resultado do efeito de

estrangulamento dos canais de escoamento

ao longo da estrada (foto. 5). Com o estrei-

tamento dos canais fluviais realizado por via

das urbanizações, pela impermeabilização

dos terrenos construídos, pela ocupação de

pequenos leitos de cheia, nas áreas mais

planas a Norte de Valongo, teremos trans-

formado, a médio prazo, duas pequenas bacias hidrográfica de caudais moderados em bacias de resposta rápida

e escoamento torrencial.

A depressão de Alfena, em Ermesinde apresenta-se com o sendo a que mais problemas terá num futuro próximo.

Existe um conjunto de construções que ocupam a área inundável considerando tempos de retorno baixos. Se

tivermos em consideração um tempo de retorno mais amplo (por exemplo de 15 anos), é possível alargar signifi-

cativamente o número de construções vulneráveis. Em situações meteorológicas extremas (para tempos de

retorno de 50 anos) poderemos vir a ter um conjunto de problemas de difícil resolução no âmbito da gestão pela

protecção civil de momentos de crise. Não sendo possível concretizar uma solução a curto prazo que diminua a

vulnerabilidade das situações mais graves, é necessário promover o levantamento de pormenor de cada uma,

elaborando um esquema de reacção rápida perante a possibilidade de cheias de maior dimensão. Nesse sentido,

deverá ser estudada uma forma de colaboração com outros municípios, situados a montante no Leça e no Ferrei-

ra, para se proceder à monitorização dos valores das precipitações na parte superior das bacias hidrográficas.

Dessa forma, proceder-se-ia à, estimação, em tempo real, dos caudais de ponta de cheia prováveis para o Leça

e o Ferreira na área do concelho de Valongo. Com essa informação, seria possível identificar o momento mais

crítico, bem como as áreas prováveis mais afectadas, com o tempo suficiente para minimizar as prováveis perdas

materiais e humanas.

Os problemas colocados pelas depressões alveolares do concelho de Valongo são variados e de difícil solução:

- as áreas inundáveis já se encontram pontualmente ocupadas e as infra-estruturas e

construções diversas não podem ser retiradas a curto prazo. Há que assegurar que não

serão alargadas as áreas construídas.

- as expectativas de expansão da área construída nos concelhos a montante das bacias

hidrográficas principais não são muito fortes a curto prazo, o que permite algum tempo

de organização dos leitos menores dos rios Ferreira e Leça. A aposta em espaços de

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lazer, recreio ou agricultura, de fácil recuperação, poderá ser uma opção. Dessa forma

evita-se a construção de infra-estruturas dispendiosas e essenciais à dinâmica e vida

destas localidades localizadas em áreas de forte vulnerabilidade territorial.

- as áreas que se situam na periferia das depressões, próximo das colinas que as

rodeiam, necessitam de observação cuidada e minuciosa quanto aos sistemas de dre-

nagem e tipos de intervenção promovida, uma vez que serão afectadas pelos processos

geomorfológicos que ocorram nas colinas e serras limítrofes. Este trabalho só pode ser

desenvolvido a uma escala de grande pormenor, talvez mesmo só exequível ao nível do

licenciamento de obra. Acresce que estas áreas serão objecto de profundas interven-

ções, pelo que vai ser exigida uma atenção redobrada a quem tem a seu cargo as tare-

fas relacionadas com o ordenamento do território.

- na depressão de Valongo/Susão é necessário um enorme esforço para conciliar os com-

promissos assumidos pela Câmara Municipal com os particulares, com a necessidade de

travar o processo de impermeabilização das duas pequenas bacias hidrográficas que a

constituem. A muito curto prazo, serão necessárias opções determinantes para a mitiga-

ção dos riscos naturais na parte baixa da cidade de Valongo. Apesar de ser difícil a limi-

tação do processo de urbanização, há que assegurar uma largura ampla para os canais

fluviais, evitar o estreitamento promovido pelas urbanizações e impedir os estrangula-

mentos, em particular pelo sistema viário.

- outro dos problemas relacionado com a depressão de Valongo/Susão diz respeito à

poluição da ribeira da Carvoeira e, consequentemente, do rio Ferreira, ao longo das cris-

tas quartzíticas de Valongo (fig. 6). A drenagem de todos os efluentes da depressão de

Valongo/Susão atingem a garganta do Ferreira, a Sul. Para que o esforço de aproveita-

mento lúdico, científico-pedagógico e conservacionista das cristas quartzíticas de Valon-

go tenha sucesso, é necessário proceder à total recolha e tratamento dos efluentes que

drenam a depressão.

- a concretizar-se uma significativa impermeabilização da bacia hidrográfica em Valongo,

há que identificar os pontos mais sensíveis na cidade de Valongo (área da estação de

serviço da Galp e Museu Municipal, área do Horto Municipal e garagem da Citroën, área

do Parque Radical e área do Mercado Municipal) e proceder a uma análise de pormenor

no sentido de tomar medidas de minimização dos eventuais impactes (fig. 6).

3.3. As colinas talhadas nos metasedimentos.

As colinas talhadas nos metasedimentos situam-se na parte leste do concelho. A sua maior expressão corres-

ponde à área entre a depressão de Valongo/Susão e a depressão de Sobrado. Talhadas em rochas metamórfi-

cas, apresentam uma fraca permeabilidade, o que justifica a grande densidade de drenagem. Na impossibilidade

de uma fácil infiltração, a precipitação encontra no escoamento superficial uma forma de drenagem rápida até

aos canais fluviais das depressões vizinhas.

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Fotografia 6: Exemplo de movimento de vertente ocorrido em contexto geo-morfológico semelhante ao das colinas em metasedimentos: Argoncilhe (Stª Maria da Feira). O aterro do parque de estacionamento do armazém, sem qualquer tipo de drenagem, provocou um fluxo de lama.

Fotografia 7: Exemplo de localização de habitação com forte diminuição da vulnerabilidade territorial. O fluxo de lama de Argoncilhe destruiu cinco veícu-los pesados e respectiva mercadoria, afectando uma estrada e o jardim da moradia que se observa em segundo plano. O facto da moradia estar afasta-da do fundo do valeiro alguns metros diminuiu-lhe drasticamente a vulnerabi-lidade territorial.

A disposição destas colinas (SE-NW) evidencia uma forte adaptação à fracturação hercínica, coincidente com a

direcção do anticlinal de Valongo, que define a orientação das cristas quartzíticas. Esta adaptação promove a

formação de uma rede de drenagem alongada. Os cursos de água de primeira ou de segunda ordem desaguam

directamente nos curso de água principal, o que permite uma rápida concentração do escoamento no canal prin-

cipal e uma movimentação das águas de

forma célere até as depressões limites. Por

outro lado, em situações meteorológicas

com movimentação das massas de ar de

NW para SE, o processo de concentração é

ainda maior: a precipitação que cai na parte

superior das bacias hidrográficas escoa

rapidamente e associa-se à que está a ocor-

rer a jusante. Estão nesta situação os

afluentes da margem direita do Ferreira, na

depressão de Sobrado.

A constituição litológica destas colinas

impede uma fácil infiltração das precipita-

ções, já que as formações superficiais são de textura fina, o que contribui para aumentar essa dificuldade de

infiltração. Porém, o coberto vegetal tem permitido o retardamento do processo de escoamento superficial e a

transferência de uma significativa parte da precipitação para o fluxo interno saturado. Quando se retira o coberto

vegetal ou se impermeabiliza em contínuo a superfície topográfica, quase todo o processo de escoamento passa

a fazer-se à superfície e concentra-se nas linhas de água. Um bom exemplo está associado às intervenções no

Alto do Fernandes (área das “novas centra-

lidades”), por via da construção de ruas e

edifícios, o que tem originado pequenas

inundações em estradas na base da colina

que, nalguns casos, se transformam em

inundações de pátios e quintais de habita-

ções.

O perfil longitudinal dos cursos de água de

primeira e segunda ordem que drenam

estas colinas apresentam um declive médio

a forte, o que torna problemáticas as inter-

venções conducentes aos diversos usos do

território. O contexto geomorfológico destes

pequenos valeiros e barrancos, associado

a um comportamento hidrológico esporádico, poderá ser factor de maior susceptibilidade à ocorrência de movi-

mentos de vertente, à semelhança do que ocorreu no concelho de Santa Maria da Feira (fot.6).

Neste contexto geomorfológico, não é de estranhar a possibilidade de ocorrerem movimentos de vertente relacio-

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nados com diversos tipos de intervenção humana, designadamente de aterro e desaterro. Porque as áreas de

transição entre as colinas do complexo xisto-grauváquico e as depressões referidas anteriormente são áreas

muito sensíveis no que se refere ao ordenamento do território, os alargamentos dos valeiros destas colinas junto

das depressões deverão ser objecto de análise detalhada e a definição de áreas de construção deve ser objecto

de apreciação de pormenor, uma vez que existem casos em que alguns metros de diferença definem vulnerabili-

dades territoriais muito diversas (fot.7).

De forma resumida, consideram-se relevantes os seguintes contributos da análise geomorfológica para as políti-

cas urbanísticas:

- as colinas em xisto representam um espaço extremamente importante quanto ao pro-

cesso de ordenamento do território. Com as restrições das áreas a construir nas depres-

sões, nomeadamente com a definição das áreas inundáveis, haverá tendência da

expansão urbana se fazer a expensas destas colinas, tal como é observável a Norte de

Valongo, na urbanização Quinta da Lousa. Apresentam-se, no entanto, ainda pouco

intervencionadas, o que poderá permitir organizar a ocupação do território de forma sus-

tentável.

- todo o tipo de intervenção sobre estas colinas terá repercussão sobre as áreas envolven-

tes, ou seja, sobre as depressões que lhe são periféricas, nomeadamente nas áreas

construídas. As colinas terão de ser organizadas em função das consequências que

poderão ter para os sectores que, a jusante, são os de mais forte ocupação territorial.

- as colinas deverão funcionar como espaço de retenção de águas e de reserva de espa-

ços verdes para o concelho. A organização deste sector do concelho vai depender das

intervenções a promover pela construção de vias já programadas. Todavia, ainda existe

uma importante margem nas opções a tomar que conferem a estas unidades um poten-

cial elevado quanto ao ordenamento do território. A conciliação dos diferentes tipos de

expectativas constitui um interessante exercício de planeamento, ordenamento e gestão

do território.

- Esta dinâmica “natural” sugere que os projectos para estas colinas deverão ser minima-

listas quanto à extensão e profundidade da intervenção. Todo o projecto deve ser con-

cebido para permitir um mínimo de escoamento superficial das águas pluviais, mesmo

que canalizado artificialmente e deverá permitir o máximo de infiltração possível. Deverá

também conceber a menor volumetria possível no que se refere à mobilização de mate-

riais e aceitar uma elevada percentagem de área de infiltração (a bibliografia apresenta

os 20% como sendo um valor aceitável e que acarreta menores consequências quanto à

dinâmica fluvial e acção erosiva dos canais fluviais).

4. Contributos da análise geomorfológica na definição das linhas orientadoras das grandes opções estra-

tégicas.

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As características geomorfológicas e a dinâmica do meio físico das grandes unidades territoriais que constituem a

área abrangida pelo concelho de Valongo apontam para três grandes opções estratégicas quanto ao processo de

ordenamento do território.

I - definição de áreas de conservação e preservação ambiental.

As serras de Valongo constituem um espaço que, pelas características geomorfológicas e paisagísticas, sugerem

uma opção de conservação ambiental. Estas serras correspondem à área do concelho de maior susceptibilidade

a movimentos de vertente e, por esse motivo, estes sectores devem ser poupados a intervenções profundas.

Contudo, constituem um potencial a vários níveis.

Em primeiro lugar, são um elemento natural que permite desenvolver um conjunto de projectos de edu-

cação e sensibilização ambiental, para várias gerações, com características únicas, não só na região

metropolitana do Porto mas também em todo o NW de Portugal. O facto de ser objecto de investigação

científica em várias áreas do saber (geologia, geografia física, biologia), torna disponíveis um conjunto

de investigadores, técnicos e outros estudiosos com interesse em desenvolver projectos no âmbito da

ciência e da educação. Por este facto, já congrega um património científico, cultural e educacional

extremamente importante.

Em segundo lugar, permite o desenvolvimento de actividades de contacto com a natureza. As serras de

Valongo são o conjunto montanhoso mais importante da Área Metropolitana do Porto e estendem-se

por vários concelhos. Porém, Valongo apresenta uma acessibilidade que lhe permite ter a pretensão de

centralizar todo um conjunto de actividades, sendo factor de atractibilidade em toda a área metropolita-

na. Outros concelhos optaram por construir parques biológicos ou pequenos parques zoológicos, em

Valongo a opção poderá passar pela conservação desta unidade geomorfológica com reforço e coope-

ração com o Parque Paleozóico, tendo em vista o alargamento do âmbito das actividades.

Em terceiro lugar, para que este tipo de apetência se concretize é necessário que se salvaguardem

alguns aspectos relacionados com a degradação ambiental que esta área tem sofrido. É essencial pro-

mover a despoluição do rio Ferreira e de seus afluentes, nomeadamente dos que drenam a depressão

de Valongo, assim como desenvolver planos de recolha de resíduos sólidos despejados clandestina-

mente, sem o que não é possível a utilização das áreas ribeirinhas. Por outro lado, torna-se necessário

regular a utilização dos veículos todo-terreno. A criação de centros de interesse e de utilidade pública

no âmbito das actividades previamente definidas poderá ajudar a combater a degradação ambiental a

que as serras estão sujeitas.

Em quarto lugar, verificamos que existem várias delimitações com incidências no ordenamento que

abrangem a unidade geomorfológica definida pelas cristas quartzíticas: a área do Parque Paleozóico, a

Reserva Ecológica Nacional, a área de protecção da serra de Stª Justa e a Rede Natura. Não há coin-

cidência de limites que resultou da definição isolada de critérios, pelo que era importante definir critérios

conjuntos, através de um trabalho pluridisciplinar e transdisciplinar sobre o meio físico das cristas quart-

zíticas de Valongo.

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II - consolidar o crescimento e expansão urbana com base em critérios de integração paisa-

gística, minimização dos impactes ambientais e prevenção dos riscos naturais.

As depressões alveolares constituem os sectores de maior expansão da mancha construída do concelho, embora

muitas das áreas já estão consolidadas como urbanização em contínuo: é o caso das cidades de Valongo e

Ermesinde. Contudo, grande parte das depressões de Valongo e Campo ainda apresentam índices de ocupação

que permitem inverter o grau de impermeabilização da superfície topográfica.

Perante a expansão urbana que o concelho tem tido, sobretudo na última década, é necessário equacionar algu-

mas opções que previnam alguns dos riscos naturais mais prováveis, designadamente o risco de inundação,

tanto por cheia lenta como por cheia rápida.

Em primeiro lugar, em todo o processo de licenciamento de obras, mesmo nas áreas onde já existam

compromissos assumidos, devem assegurar que as canalizações de linhas de água sejam amplas e

não apresentem estrangulamentos por via de construção de travessias, para que a água que converge

rapidamente para as depressões, oriundas das colinas adjacentes, tenha condições para uma rápida

drenagem para os grandes cursos de água.

Em segundo lugar, há que assegurar o desassoreamento das linhas de água, sobretudo junto às pon-

tes. Com a expansão da área urbana, em virtude da forte mobilização de materiais, o processo de cons-

trução disponibiliza grandes quantidades de carga sedimentar que os canais de escoamento transpor-

tam, o que conduz a um rápido assoreamento dos canais artificiais e promove o aumento de frequência

das inundações.

Em terceiro lugar, temos de considerar que a expansão urbana de Valongo está a fazer-se para a parte

mais a montante da bacia hidrográfica, o que coloca problemas importantes quanto à drenagem das

águas pluviais, já que o sistema de drenagem mais antigo se situa a jusante e foi concebido para drenar

as águas pluviais de uma área mais reduzida. Daí a necessidade de assegurar que as áreas de expan-

são tenham uma percentagem significativa de sectores permeáveis.

Em quarto lugar, há que redimensionar todas as obras de engenharia que existem na parte mais antiga

da cidade de Valongo com o objectivo de eliminar os obstáculos ao escoamento que possam originar a

inundação das áreas da cidade que estão a montante.

Em quinto lugar, lembra-se que a manutenção de áreas permeáveis poderá passar pela criação de

pequenos espaços verdes junto das urbanizações, os quais, para além de permitir maior infiltração da

água da chuva, transportam para o quotidiano a fruição dos espaços verdes. Estes pequenos parques,

com uma utilização mais frequente durante a semana, evitariam a sobreocupação exclusivamente ao

fim-de-semana, própria dos grandes parques, afastados dos locais de residência.

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III - prevenção de riscos naturais a médio e longo prazo, nomeadamente com recurso à concep-

ção de novos modelos de organização territorial que conduzam à diminuição da vulnerabilida-

de territorial.

As colinas talhadas nos metasedimentos do Paleozóico ocupam uma extensa faixa a Este de Valongo, drenando

para o Leça a NW e para o Ferreira a SE. Esta área não apresenta uma forte intervenção humana, já que a sua

ocupação se relaciona fundamentalmente com a exploração florestal, apresentando extensas áreas já afectadas

à REN.

Num futuro próximo será totalmente cercada pelo IC24 e respectivos nós rodoviários, o que trará alterações muito

significativas quanto à organização do território. A acessibilidade a estas colinas será muito mais fácil para o

transporte particular, o que promoverá uma pressão muito forte sobre as alterações ao uso dos solos. Contudo,

essas alterações não poderão ignorar alguns pontos da dinâmica do meio físico que é necessário prever para

prevenir.

Em primeiro lugar, apesar da fraca permeabilidade, há que salvaguardar uma percentagem elevada de

território permeável e se possível deverá reforçar-se a área afectada à REN para se garantir o amorte-

cimento dos caudais de ponta de cheia dos cursos de água fluentes do Ferreira e do Leça, quer tenham

escoamento perene, estacional ou esporádico.

Em segundo lugar, as linhas de água de primeira e segunda ordem devem ser libertas de qualquer

intervenção, já que, apesar de terem escoamento esporádico, é necessário mantê-las disponíveis para

serem utilizadas pelo escoamento durante episódios chuvosos de forte intensidade de precipitação: a

susceptibilidade geomorfológica a movimentos de vertente (em particular os fluxos de lama) é fraca,

mas poderá ser substancialmente acrescida pela acção humana que ocupa linhas de água.

Em terceiro lugar, é fundamental o acompanhamento das grandes obras de engenharia programadas

para estas colinas (algumas já em execução). Este acompanhamento deverá fazer-se em três momen-

tos: ao nível do projecto, durante e pós execução da obra. Em projecto, há que salvaguardar que as

linhas de água sejam mantidas livres de estrangulamentos demasiado fortes. Em obra, há que assegu-

rar que as intervenções tenham todas as condições de estabilidade sobretudo ao nível da abertura dos

taludes e aterros construídos. Pós construção, há que garantir que todos os taludes e aterros mantêm

funcionais todas as estruturas de drenagem construídas: recorda-se que muitos dos fluxos de detritos

ocorridos no Norte de Portugal resultam de concentrações de drenagem a jusante de drenos mal cons-

truídos ou de deficiente manutenção.

Em quarto lugar, verifica-se que os espaços urbanizáveis das depressões periféricas prolongam-se

pelos valeiros das colinas de talhadas nos materiais do Paleozóico. Estes valeiros são as áreas que

maior probabilidade têm de serem afectadas pelos movimentos de vertente que ocorram nos afluentes

de primeira e segunda ordem. A elaboração da cartografia da susceptibilidade geomorfológica e da vul-

nerabilidade territorial, feita à escala do pormenor, torna-se urgente, para salvaguardar que as áreas

mais sensíveis não sejam objecto de intervenção antrópica.

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5. Nota final.

A análise das características geomorfológicas e da dinâmica do meio físico do concelho de Valongo

permite salientar três aspectos essenciais:

1. Apesar da grande evolução do concelho de Valongo ao longo da década de 90 em termos de

crescimento demográfico e respectivas consequências ao nível do ordenamento do território, ainda

é possível desenvolver políticas de gestão e organização do território que permitam evitar

erros cometidos por outros concelhos no âmbito dos riscos naturais e da conservação da natureza.

2. O concelho de Valongo apresenta um grande potencial de desenvolvimento com níveis de qualidade elevados, desde que sejam implementados modelos de organização territorial que

permitam marcar a diferença no âmbito da Área Metropolitana do Porto.

3. Embora o concelho de Valongo, de uma forma geral, não seja especialmente susceptível à ocor-

rência de processos geomorfológicos e hidrológicos no âmbito dos riscos naturais, há necessidade

de desenvolver a sua análise e cartografia, uma vez que as intervenções humanas têm tendência

a promover e agravar as condições de ocorrência dos processos naturais, tornando urgente a ela-boração da cartografia dos riscos naturais.

Unidades Geomorfológicas de Valongo:

Colinas talhadas em Xisto

Depressões alveolares

Serras quartzíticas de Valongo

IC 24

A3 / IC1

IC 24

IC 24

Santo TirsoE.N. 105

IC 24IC 24

E.N. 207

MAIA

RODOVIA PRINCIPAL

CONTUMIL

CONTUMILGONDOMAR

IC 24

1.06 53

COORDENADA 0.0

Serras de Valongo Colinas em xisto Depressões alveolares

Unidades territoriais do concelho de Valongo

N