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USINAGEM DE PLÁSTICOS DE ENGENHARIA. UMA OPÇÃO DE PROCESSAMENTO Marcello O. Fernandes 1 , Marivaldo M. Corrêa 1 , Willians Leite 1 , Hélio Wiebeck 2 , Francisco R. Valenzuela-Diaz 2 , Samuel M. Toffoli 2 1 Solidur Indústria e Comércio de Plásticos Industriais Ltda. São Paulo, SP – [email protected] 2 Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da USP. São Paulo, SP – [email protected] Machining Engineering Plastics. A Processing Alternative In spite of the fact that it still represents an almost unexplored market, due to the difficulty of attaining the required tolerance levels, the machining of Engineering plastics is gradually increasing, gaining spaces before occupied only by ferrous materials. The constant evolution of polymeric materials and their compounds, the search for a better performance, and the weight and price reduction of technical parts, have contributed with this processing alternative. Nowadays, many kinds of technical parts can be machined in great volumes in a very economical way. However, a few processing aspects must be taken into account for a good performance, such as: mold cost, size of the part, dimensional tolerance, number of parts, and the kind of polymer. In this paper, machinery and tools, and their correct uses, as well as examples of machined parts, are presented. Introdução Este trabalho tem como objetivo discutir alguns aspectos a respeito da usinagem de plásticos industriais, a qual, em essência, não apresenta diferenças significativas quando comparada com a usinagem de materiais metálicos. Para que se obtenha sucesso na usinagem de peças em plásticos industriais é necessário que se conheça muito bem o material que está sendo usinado, pois cada um deles apresenta características bastante particulares, bem como um comportamento diferenciado durante a usinagem. Por isso, os parâmetros de usinagem devem ser adequados para cada tipo de material. Existem poucos estudos a respeito do processo de usinagem em plásticos industriais, principalmente no Brasil. Por isso, e pelas peculiaridades dos materiais poliméricos, muito do que se conhece hoje é obtido empiricamente, através da experiência e “know-how” adquiridos por empresas especializadas em usinagem de plásticos, e por parâmetros recomendados pelos fabricantes de materiais. Outro fato relevante é que, em termos de Engenharia, o uso, aplicação e os projetos de produtos muitas vezes não levam em consideração, por falta de conhecimento, as características dos materiais especificados,

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USINAGEM DE PLÁSTICOS DE ENGENHARIA. UMA

OPÇÃO DE PROCESSAMENTO

Marcello O. Fernandes1, Marivaldo M. Corrêa1, Willians Leite1, Hélio Wiebeck2, Francisco R. Valenzuela-Diaz2, Samuel M. Toffoli2

1 Solidur Indústria e Comércio de Plásticos Industriais Ltda. São Paulo, SP – [email protected]

2 Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da USP. São Paulo, SP – [email protected]

Machining Engineering Plastics. A Processing Alternative

In spite of the fact that it still represents an almost unexplored market, due to the difficulty of attaining the required tolerance levels, the machining of Engineering plastics is gradually increasing, gaining spaces before occupied only by ferrous materials. The constant evolution of polymeric materials and their compounds, the search for a better performance, and the weight and price reduction of technical parts, have contributed with this processing alternative. Nowadays, many kinds of technical parts can be machined in great volumes in a very economical way. However, a few processing aspects must be taken into account for a good performance, such as: mold cost, size of the part, dimensional tolerance, number of parts, and the kind of polymer. In this paper, machinery and tools, and their correct uses, as well as examples of machined parts, are presented. Introdução

Este trabalho tem como objetivo discutir alguns aspectos a respeito da usinagem de

plásticos industriais, a qual, em essência, não apresenta diferenças significativas quando

comparada com a usinagem de materiais metálicos.

Para que se obtenha sucesso na usinagem de peças em plásticos industriais é

necessário que se conheça muito bem o material que está sendo usinado, pois cada um deles

apresenta características bastante particulares, bem como um comportamento diferenciado

durante a usinagem. Por isso, os parâmetros de usinagem devem ser adequados para cada

tipo de material.

Existem poucos estudos a respeito do processo de usinagem em plásticos industriais,

principalmente no Brasil. Por isso, e pelas peculiaridades dos materiais poliméricos, muito

do que se conhece hoje é obtido empiricamente, através da experiência e “know-how”

adquiridos por empresas especializadas em usinagem de plásticos, e por parâmetros

recomendados pelos fabricantes de materiais. Outro fato relevante é que, em termos de

Engenharia, o uso, aplicação e os projetos de produtos muitas vezes não levam em

consideração, por falta de conhecimento, as características dos materiais especificados,

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principalmente no que tange à especificação de tolerâncias dimensionais, assim gerando

problemas dimensionais em peças precisas.

No passado, era comum acreditar-se não ser possível produzir peças em plásticos

com tolerâncias dimensionais restritas. Contudo, com o advento dos plásticos de alto

desempenho e com o aumento do investimento em tecnologia e formação de pessoal, feito

por empresas especializadas em usinagem de plásticos, é possível, hoje, obter-se excelentes

resultados. O Brasil, com certeza, já ocupa posição de destaque nesse processo, crescendo

dia a dia no fornecimento de peças usinadas em plástico industrial para o mercado nacional

e internacional.

Figura 1 – Exemplos de peças usinadas em Plásticos Industriais (peças técnicas)

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Por fim, vale à pena destacar que já existe um número expressivo de empresas

especializadas na fabricação de peças usinadas, as quais investiram muitos recursos em

aprofundamento no conhecimento de materiais, treinamentos, conhecimento de processos de

usinagem, máquinas e equipamentos, ferramentas e softwares de programação.

Usinabilidade

Os princípios em que se baseiam a usinagem de plásticos são basicamente os mesmos

dos metais, mas a geometria da ferramenta e a velocidade de corte devem ser ajustadas

adequadamente, já que se corre risco de aquecer demasiadamente o material. A baixa

condutividade térmica dos plásticos requer muito cuidado na seleção de velocidade de corte,

no tipo e na geometria da ferramenta, no avanço e no fluido de corte. Neste particular, deve-

se certificar-se que o fluido não reaja quimicamente com o material sob processamento.

Dentro do complexo mundo dos polímeros é importante ter pleno conhecimento do

material que vai ser usinado, pois cada tipo de polímero vai ter um comportamento diferente

durante o processo de usinagem. Por exemplo, materiais com orientação molecular

(extrudados) tem comportamento muito diferente dos materiais fundidos (cast).

Existem pouquíssimos estudos específicos que tratem sobre a usinagem de plásticos

industriais. Portanto, os parâmetros e métodos utilizados são oriundos de especificações de

alguns fornecedores de matéria-prima, de correlações com materiais não ferrosos (alumínio,

latão) e, principalmente, da experiência acumulada.

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Figura 2 – Equipamentos utilizados na usinagem de plásticos industriais (peças técnicas)

Propriedades Mecânicas

Do ponto de vista do Engenheiro, as diferenças no comportamento característico dos

plásticos quando comparados aos materiais metálicos usuais ficam evidentes, particularmente com

respeito às propriedades mecânicas. A primeira distinção que deve ser feita é a de que os plásticos

normalmente possuem rigidez bem menor do que os metais, apesar do fato de o módulo de

elasticidade dos polímeros de Engenharia variar bastante, dependendo do tipo de polímero e dos

aditivos empregados em sua formulação. Além disso, os plásticos apresentam um comportamento

de deformação tipicamente não-linear. Isto é, a relação entre carga e a deformação não é linear

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(viscoelasticidade). Apesar desse comportamento poder ser encontrado em peças feitas com

qualquer material quando sob usinagem, dependendo de sua geometria, do carregamento e das

condições de contorno, nos plásticos isto é identificado com maior freqüência, mesmo para cargas

comparativamente pequenas.. Assim, não se pode assumir que uma peça plástica responderá com

um comportamento elástico, mesmo para pequenos esforços mecânicos. Alterações de temperatura

podem alterar ainda mais este comportamento .

Ferramentas de corte

A qualidade do corte e o desprendimento de cavaco durante a usinagem são mais

importantes que a natureza do metal da ferramenta, embora o metal duro seja preferível para a

usinagem. Um melhor acabamento superficial é obtido com uma ponta de corte arredondada. No

que diz respeito às ferramentas, a usinagem de polímeros apresenta algumas vantagens em relação à

usinagem de metais:

• Maior vida útil da ferramenta

• Menor custo de aquisição

• Possibilidade de utilização de ferramentas de aço rápido com bom desempenho

• Utilização de ferramentas com perfis variados

Para usinagem, utilizam-se ferramentas de aço rápido e ferramentas de metal duro, empregadas

para alumínio e/ou latão. São recomendadas as pastilhas aplicadas para a usinagem de alumínio.

Elas possuem, via de regra, ângulo de saída positivo, proporcionando maior controle dos cavacos,

garantindo uma ação de corte suave e baixas forças de corte, menor temperatura no corte, gerando

um acabamento superficial melhor para as peças, o que é muito importante para o bom desempenho

na usinagem de plásticos.

Refrigeração

A utilização de refrigeração na usinagem de plásticos é muito importante e aconselhável, porque

a baixa condutividade térmica destes materiais é um ponto crítico que dificulta as operações,

causando problemas tais como:

• Acabamento superficial ruim

• Deformações superficiais

• Maior variação dimensional

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Processos de Usinagem

A seguir são apresentados alguns parâmetros característicos recomendados para se obter

uma boa usinagem de peças poliméricas.

Furação

A broca deve estar afiada para poder executar um corte regular de grandes diâmetros até o

final (maiores que 20 mm). Aconselha-se efetuar furos progressivos (diferenças entre brocas não

superior a 10 mm) e sacar, para evitar o acúmulo de cavacos. Para furação, as brocas de aço rápido

devem possuir ângulo de ataque de 5 graus, mantendo-se afiadas para conservar a qualidade do

corte. A Tabela 1 orienta quanto à escolha da velocidade adequada.

Tabela 1 – Condições de furação para peça de PPO

Corte de Serra

As serras podem ser: circular, manual ou de fita. No caso de chapas com espessura inferior a

3 mm, recomenda-se a utilização de serras de fitas.

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Fresamento

Para o fresamento, é melhor utilizar-se ferramentas usuais com 4 canais, ângulo de ataque de

5 graus e ângulo de saída de cavaco entre 20 e 25 graus. Deve-se empregar velocidade de rotação

entre 100 e 500 rpm e de avanço entre 0,1 e 0,5 mm/min. Assim como para os outros processos

convencionais de usinagem, a fixação deve ser muito bem analisada para evitar-se problemas

dimensionais e de forma. Para tanto, é muito comum realizar-se a fixação por meio de colagem das

peças na mesa da máquina, em virtude da impossibilidade da utilização de morsas ou outros

dispositivos de fixação. Machos concêntricos de aço rápido e ângulo de ataque de 10 à 15 graus

permitem melhor rosqueamento. Para orifícios até 3 mm deve-se usar machos com 2 canais,

enquanto para os furos maiores, os canais de 4 canais proporcionam melhor resultado.,

Tabela 2 – Parâmetros de usinagem

Fixação

A fixação da peça na máquina deve ser feita sempre com muito cuidado, a fim de se evitar

deformações na peça. Dependendo das dimensões das peças é possível fixá-las com fita adesiva

dupla-face, usinando-as com muito cuidado para que não se soltem. Com certeza, a fixação é um

dos parâmetros que causa maior percentual de refugo de peças na usinagem de plásticos. Alguns

problemas da má fixação:

• Adesão;

• Falta da repetibilidade de lote;

• Ovalização;

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• Triangulação;

• Descentralização;

• Falta de paralelismo

Tolerâncias dimensionais

De uma maneira geral, as tolerâncias para usinagens de plásticos devem ser maiores que as

empregadas na usinagem de metais. Isto é devido à expansão térmica e às alterações de forma que o

material sofre pelas relações de tensões internas. É uma prática relativamente comum os projetistas

arbitrarem tolerâncias de ± 0,10 – 0,20 mm. Deve-se, contudo, verificar se estes valores realmente

não podem ser aumentados. As especificações de tolerâncias dimensionais para peças em plásticos

seguem regras um pouco diferente das tradicionalmente usadas para metais e nem sempre o

projetista está apto a levar em conta todos os aspectos necessários. Aqui, é importante um trabalho

conjunto com esses profissionais.

No caso de placas plásticas, deve-se salientar que como é muito comum a substituição de

peças metálicas por peças plásticas, muitas vezes os projetistas apenas mudam o tipo de material

sem se certificar se o tipo de polímero escolhido possui características físicas que possibilitem sua

produção obedecendo as mesmas tolerâncias especificadas no projeto. Contudo, a evolução dos

plásticos de Engenharia tem possibilitado o projeto e execução de peças com tolerâncias bastantes

fechadas, na casa dos centésimos.

A variação dimensional por absorção de umidade e dilatação térmica dos plásticos é superior

à dos metais, principalmente no caso do nylon® (poliamida). Por isso, é importante que no momento

da usinagem leve-se em consideração a variação dimensional, pois após o resfriamento das peças,

as dimensões serão possivelmente diferentes das obtidas no ato da usinagem. É importante observar

que a variação dimensional dos plásticos se modifica muito, em função de:

• Tipo de material;

• Temperatura ambiente;

• Geometria da peça;

• Fixação da matéria-prima;

• Processo de usinagem.

Esta variação dimensional dos plásticos torna sua usinagem um grande desafio, principalmente

a usinagem por encomenda, que tem por característica a execução de peças das mais variadas

formas, quantidades, materiais, tolerâncias, acabamentos e prazos, exigindo da empresa muita

habilidade e capacidade operacional e tecnologia.

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Em casos críticos, pode ser necessária uma pré-usinagem da peça, com dimensões ligeiramente

maiores e a realização subseqüente de um alívio de tensões antes da usinagem final. Técnicas de

alívio de tensões por meio de tratamento térmico (recozimento) também são boas opções para

redução de tensões internas, já que estas são virtualmente impossíveis de serem eliminadas dos

processos de fabricação.

Adicionalmente, tolerâncias de forma cilíndricas, cônicas, planas, etc., devem levar em conta o

processo de fabricação do componente, já que o resfriamento do polímero durante o processamento

pode requerer compensações posteriores.

Perspectivas

O Brasil já conta hoje com um número significativo de empresas atuando com competência

no setor de usinagem de plásticos de Engenharia. Essas empresas têm-se desenvolvido devido a um

aumento na demanda por peças usinadas com qualidade, por preços sempre acessíveis, mas também

devido à chegada de novos produtos ao mercado nacional, bem como de novos profissionais que

estão entrando no mercado de trabalho com um ótimo conhecimento técnico. Existe, assim, uma

perspectiva muito boa de crescimento do setor para os próximos anos, principalmente porque estes

profissionais possuem conhecimentos de propriedades físicas, químicas e térmicas dos plásticos de

Engenharia, bem como de suas potenciais aplicações específicas.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Sr. Luciano Marques da Silva, pelos subsídios na preparação deste

trabalho e à Solidur Indústria e Comércio de Plásticos Industriais, pelas fotos e informações.

Referências 1. H. Wiebeck; J. Harada, Plásticos de Engenharia: Tecnologia e Aplicações, Artliber Editora,

São Paulo, 2005. 2. E.B. Mano, Polímeros como Materiais de Engenharia, Edgard Blücher Ltda, São Paulo, 1991. 3. E.B. Mano; L.C. Mendes, Introdução a Polímeros, Edgard Blücher Ltda, São Paulo, 1999. 4. D. Ferraresi, Usinagem dos Metais, Edgard Blücher, São Paulo, 1977. 5. C.M.S. Paiva, Princípios de Usinagem: Produção Mecânica, Nobel, 1986.