USO DA RMN PARA O CONTROLE DE QUALIDADE NA INDÚSTRIA ... · insumos e adição de adulterantes. 2....
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1Químico. Prof. Dr. do Instituto Federal de Goiás - IFG, Campus Luziânia – GO, Brasil.
2Químico. Prof. Dr. do Instituto Federal de Goiás - IFG, Campus Luziânia – GO, Brasil.
3Engenheira de Alimentos. Acadêmica do curso de mestrado na Engenharia de Alimentos
da Universidade Federal de Goiás - UFG, Campus Goiânia – GO, Brasil.
4Engenheiro de Alimentos. Acadêmico do curso de doutorado na Engenharia de
Alimentos da Universidade Federal de Goiás - UFG, Campus Goiânia – GO, Brasil.
5Químico. Prof. Dr. da Universidade Federal de Goiás, 74690-900, Goiânia, GO, Brasil.
USO DA RMN PARA O CONTROLE DE QUALIDADE NA INDÚSTRIA CERVEJEIRA
Flores, Igor Savioli1*
Annunciação, Daniel Luiz Rodrigues da2
Souza, Tainá Francisca Cordeiro de3
Jesus, Lázaro Sátiro de4
Lião, Luciano Morais5
Resumo
A técnica de Ressonância Magnética Nuclear é muito versátil na identificação de
diferentes espécies químicas. Há algum tempo vem sendo relatado o seu uso na análise
de alimentos e bebidas, como a cerveja, em que pode avaliar a matéria-prima, processo
de produção e controle de qualidade. O presente trabalho ilustra esta capacidade
identificando aminoácidos essenciais e não essenciais, carboidratos fermentescíveis ou
não, ácidos orgânicos, álcoois superiores e outros, em diferentes estilos de cervejas
comercializadas na Cidade de Goiânia, Estado de Goiás, Brasil. Além disso, foi realizada
a identificação do perfil conforme o armazenamento e aminoácidos gerados conforme o
tipo de malte, pela extração em ultrassom. Os resultados mostram que a RMN de ¹H
aliada ao processo de produção é de grande valia para evitar problemas de qualidade da
matéria-prima, monitoramento das etapas e outros. Assim, ilustra brevemente as
vantagens que podem ocorrer através da parceria com instituições públicas de ensino,
que apresentam um aporte instrumental maior, com o desenvolvimento de processos do
setor privado.
Palavras chaves: RMN, cerveja especial, maltes, controle de qualidade
1. Introdução
Nos últimos anos, devido ao crescimento do mercado nacional cervejeiro houve
uma demanda por produtos de estilos diferenciados e com elevada qualidade, capazes de
atender consumidores cada vez mais exigentes. Desta forma, essa demanda tem exigido
dos fabricantes conhecimento do perfil químico dos seus rótulos, bem como um rigoroso
controle de qualidade da matéria prima, da água de produção e das etapas envolvidas no
preparo.
Neste sentido a Ressonância Magnética Nuclear (RMN) desponta como uma
valiosa ferramenta analítica para identificação e quantificação de substâncias de
interesse. O seu princípio se baseia nas medidas de absorção de radiação
eletromagnética por parte de núcleos atômicos na região de radiofrequência (4 a 750
MHz), sendo necessário expor as amostras a diferentes teslas de campo magnético
(MACOMBER, 1998; MENDHAM, DENNEY, et al., 2002; PAIVA, LAMPMAN, et al., 2010).
Diversos estudos empregam a espectroscopia de RMN para análises de espécies
orgânicas na indústria alimentícia, haja vista que isótopos como 1H, 13C e 31P, são
sensíveis a essa técnica e muito comuns na composição química dos alimentos (HILLS,
2010; LULIANELLI e TAVARES, 2011; MINOJA e NAPOLI, 2014; LACHENMEIER, 2016;
SUNDEKILDE, JARNO, et al., 2018; CONSONNI, POLLA e CAGLIANI, 2018).
Assim, para análises envolvendo cerveja e sua matéria prima, a literatura descreve
a versatilidade e riqueza de dados fornecidos. Como exemplo se pode citar aplicações em
que o método foi utilizado para distinguir, através do perfil químico das cervejas, as
regiões dos países de fabricação, como também diferenciarem marcas, rótulos e tipos de
insumos (MARTIN, BENBERNOU e LANTIER, 1985; LACHENMEIER, FRANK, et al.,
2005; LACHENMEIER, 2016; JEONG, CHO e KIM, 2017). Além disso, da mesma forma
em que foram determinados compostos orgânicos, é possível também quantificar
espécies inorgânicas, como cátions metálicos (Na+, K+, Ca2+. Mg2+) em água mineral,
mostrando a versatilidade da RMN (MONAKHOVA, KUBALLA, et al., 2017).
Também merece destaque o fato de que as análises podem ser realizadas em
matrizes sólidas (lúpulos, maltes e etc.) sem qualquer etapa de preparo. No caso de
matrizes líquidas, como as cervejas, são necessárias apenas retirar o gás carbônico pelo
auxílio do ultrassom e posterior adição de solução tampão. Isso é uma grande vantagem
frente a outros métodos instrumentais, como a cromatografia, em que a etapa de preparo
das amostras demanda tempo e grandes volumes de solventes, além de gerar
quantidades significativas de resíduos tóxicos e necessitar de um monitoramento em
relação às perdas dos analitos.
Portanto, torna-se evidente a aptidão da espectroscopia de RMN para emprego nos
processos de controle de qualidade da indústria cervejeira, onde pode atuar na
caracterização e escolha da matéria prima, no controle e identificação das espécies
formadas ao longo dos processos e qualidade do produto final. Observa-se também que
as informações permitem determinar a ocorrência de fraudes, tendo em conta que os
resultados são capazes de diferenciar regiões de fabricação, estilos, marcas, tipos de
insumos e adição de adulterantes.
2. Objetivos
O objetivo deste estudo foi investigar as potencialidades de emprego da
Espectroscopia de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) no controle de qualidade na
indústria cervejeira.
3. Materiais e métodos
As etapas envolvidas nesse estudo consistiram em análises de RMN para: (a)
caracterização dos principais compostos químicos presentes em treze estilos de cervejas;
(d) avaliação do perfil de degradação da cerveja em decorrência do armazenamento em
cerveja não pasteurizada e (c) identificação do perfil de aminoácidos presentes em
extratos de diferentes tipos de malte.
A seguir serão descritos os métodos utilizados para o preparo de amostras e
condições experimentais para as análises por espectroscopia de RMN.
3.1. Preparo das Amostras
3.1.1. Perfil químico conforme estilos de cerveja
Foram utilizadas amostras de cerveja especiais diversas comercializados na
Cidade de Goiânia, Estado de Goiás, Brasil. Os estilos avaliados são: 1. American Lager,
2. Belgian Blond, 3. American India Pale Ale, 4. Sour, 5. Belgian Strong Golden Ale, 6.
Strong Pale Ale, 7. American Wheat, 8. Munich Helles, 9. Hefe Weissbier, 10. Saison, 11.
Imperial Stout, 12. Session India Pale Ale e 13. Belgian Dark Strong Ale.
Assim, as garrafas foram abertas no dia da análise, sendo retiradas alíquotas de
500 μL para desgaseificação em banho ultrassom por 10 minutos. Logo em seguida, 200
μL de amostra foram solubilizadas em 400 μL de solução com água deuterada (D2O) e
padrão Trimetilsililpropionato de sódio (TSP) 0,1% (V/V).
3.1.2. Degradação com o tempo de armazenamento
Para investigação de possíveis alterações na composição química da cerveja em
função do armazenamento, foi utilizada a cerveja estilo Imperial India Pale Ale produzida
artesanalmente pelo método all-grain. Assim, análises foram realizadas em amostras de
cerveja recém produzida e após 2 meses. O procedimento de preparo de amostras foi o
mesmo utilizado para estudo da composição química de cervejas, descrito no tópico
anterior.
O intuito foi mostrar alterações no perfil químico quando a cerveja é comercializada
como “cerveja viva”. Este procedimento pode ser empregado na otimização do processo
de pasteurização identificando qual a melhor condição para minimizar a alteração da
cerveja neste processo, além de garantir a manutenção das características após o
armazenamento.
3.1.3. Perfil de aminoácidos obtidos com a extração de maltes em ultrassom
Os maltes foram adquiridos no comércio de Goiânia-GO e os tipos analisados
foram: Arome, Biscuit, Black, Café, Cara Blend, Cara Clair, Cara Gold, Cara Ruby,
Cevada Torrada, Chocolate, Crystal, Maris Olter, Melano, Melano Light, Munich Light,
Pale Ale, Piastatic, Pilsen, Rye, Special B, Spelt, Viena, Wheat Blanc, Wheat Crystal,
Wheat Munich Light.
No intuito de verificar os principais componentes presentes em diferentes tipos de
malte, amostras desses foram homogeneizadas, sendo posteriormente retirada uma
porção de 100 mg para moagem, realizada com auxílio de almofariz e pistilo. Logo após,
100 mg desse material foi adicionado a 600 μL de D2O para a extração em banho de
ultrassom com aquecimento por 30 minutos. A seguir, a mistura heterogênea foi
centrifugada por 8 minutos, sendo retirado o sobrenadante para a análise por RMN.
Assim, foi usado capilar de vidro para a quantificação pelo sinal do Ácido Maléico
presente em solução 100 mmol.
3.2. Aquisição e processamento dos dados de RMN
As amostras foram analisadas em tubos de RMN de 5 mm, utilizando sonda Broad
Band Inverse – BBI, inserida em um equipamento Bruker Avance III 11,75 T. A sequência
de pulsos usada em ambos os casos foi a noesypr1d para a supressão do sinal da água.
Os espectros foram processados com line-broadening de 0,3 Hz e recurso zero-filling.
As análises quimiométricas foram realizadas no software AMIX Statistics versão
3.9.14 da Bruker. Foram usados buckets de 0,01 ppm avaliando as variáveis entre 3,1 a
4,2 ppm, região que compreende diversos sinais de carboidratos.
4. Resultados e discussão
4.1. Perfil químico conforme estilos de cerveja
Através das análises de RMN foi possível identificar os compostos químicos de
grande interesse para avaliação de qualidade da cerveja, sendo alguns desses
apresentados na Figura 1, através dos espectros de ¹H das amostras que representam os
estilos American Lager e Belgian Blond.
Figura 1. Espectros de RMN de ¹H das amostras American Lager e Belgian Blond com a
identificação de alguns componentes orgânicos presentes na matriz cerveja. Sendo: (1)
BELGIAN BLOND
6.46.66.87.07.27.47.67.88.08.28.4 ppm 3.54.04.55.05.5 ppm 1.01.52.02.5 ppm
AMERICAN LAGER
6.46.66.87.07.27.47.67.88.08.28.4 ppm 3.54.04.55.05.5 ppm 1.01.52.02.5 ppm
4
2
5
7
4 2
5
7
3
3
1
1
6
6
C H 3
O H
O
N H 2
O H
O
OHO
HO
OH
OHOH
) n(
Alanina, (2) Ácido acético, (3) Glicose, (4) Maltooligossacarídeos, (5) Tirosina, (6)
Fenilalanina e (7) Feniletanol
Deste modo é possível identificar nos espectros os compostos: Alanina, Ácido
acético, Glicose, Maltooligossacarídeos, Tirosina, Fenilalanina e Feniletanol. A presença
desses na matriz cerveja também é descrita em alguns estudos em que a técnica foi
utilizada como método instrumental de análise (RODRIGUES e GIL, 2011; EDWARDS,
2016; JOHNSON, SOPRANO, et al., 2017).
O feniletanol está presente em boa parte das essências naturais e seu aroma floral
de rosas dá complexidade ao sensorial à cerveja (VIGNOTO e SCHNEIDER, 2015). Já a
fenilalanina é um aminoácido essencial, ou seja, não é produzido no organismo e deve
ser obtida através da dieta alimentar. Ao contrário deste aminoácido, a tirosina e a alanina
são sintetizadas no organismo humano, sendo que a tirosina pode ser encontrada em
abundância em alimentos ricos em conteúdo protéico, como amendoin e amêndoas.
Um fator de destaque nos resultados obtidos nos espectros para as amostras de
cerveja é a simetria dos picos, indicando a homogeneidade do campo magnético no qual
os analitos são submetidos para absorção de radiação eletromagnética. Além disso, o fato
dos picos não se apresentarem de forma sobreposta sugere a seletividade, ou seja, o
método instrumental é capaz de determinar esses compostos, em diferentes tipos de
cerveja, sem a presença de interferentes.
Do ponto de vista quantitativo, também é importante destacar que os valores de
integração dos sinais nos espectros de RMN são proporcionais à concentração dos
compostos. Deste modo, na Tabela 1 se encontram as proporções entre as
concentrações de aromáticos, alifáticos e carboidratos, identificadas nas 13 amostras de
cerveja.
Tabela 1. Proporção relativa das áreas dos sinais compreendidos em regiões específicas
dos compostos orgânicos.
Essas espécies representam um conjunto de substâncias responsáveis pelas
características organolépticas das cervejas. Desta forma, torna-se evidente a capacidade
da RMN em avaliar o perfil de concentração desses compostos de interesse
(antioxidantes, aminoácidos, carboidratos e etc.) para avaliação da qualidade dos
produtos.
Analisando a Tabela 1 é possível observar que a American Lager apresentou as
menores concentrações em toda faixa espectral indicando uma cerveja com menos corpo
e menor quantidade de extrato. A Belgian Blond apresentou uma maior quantidade de
Glicose residual, juntamente com a Saison e Belgian Dark Strong Ale. Isso pode ser
observado na Figura 2, onde são apresentados os espectros sobrepostos para as 13
amostras e os sinais ampliados para a Glicose.
Amostra Estilo Aromáticos Carboidratos Alifáticos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
American Lager
Belgian Blond
American IPA+fruta
Sour
Belgian Strong Golden Ale
Strong PA
American Wheat
Munich Helles
Hefe Weissbier
Saison
Imperial Stout
Session IPA
Belgian Dark Strong Ale
0,3
0,3
0,4
0,4
0,4
0,3
0,4
0,3
0,5
0,5
0,3
0,4
0,5
15,2
25,7
15,5
18,3
24,6
15,6
20,6
12,8
20,0
14,2
13,3
19,0
33,5
2,8
5,3
4,4
12,6
12,2
3,5
4,1
2,7
4,3
7,5
3,2
4,2
5,7
Figura 2. Sinais ampliados em destaque correspondentes a Glicose nos espectros
sobrepostos para as treze amostras de cerveja.
A importância dessa avaliação se deve ao fato de que a cerveja pode ter
identificado as fontes que contribuem para o seu conteúdo calórico. Assim, a presença de
carboidratos como a Glicose pode ser corrigida em uma cerveja menos calórica ou
monitorada a sua presença para chegar a uma característica esperada para o
atendimento a um determinado estilo. No que diz respeito às Dextrinas, a Tabela 2 mostra
os valores de integração das classes. Lembrando que estas são diretamente
proporcionais à concentração.
Tabela 2. Proporção relativa das áreas dos sinais referentes a quatro classes de dextrinas
nas cervejas investigadas.
De acordo com a Tabela 2, o estilo Saison foi a que apresentou a menores valores
entre as quatro classes de dextrinas. Os valores mostram que a dextrina α (14)
apresentou baixíssima proporção em relação às demais. Por outro lado, os valores mais
elevados para as quatro classes foram determinados para o estilo Belgian Dark Strong
Ale.
Esse perfil de dextrinas pode ser usado para o controle do processo de
mosturação, onde se espera semelhança nos resultados de lotes referentes à mesma
receita, cuja fonte de carboidratos seja idêntica. Neste sentido, uma investigação dos
Nº Amostras/ Estilo Dextrinas
α (1 4) α red. α (1 6) β red.
1. American Lager
2. Belgian Blond
3. American IPA+fruta
4. Sour
5. Belgian Strong Golden Ale
6. Strong PA
7. American Wheat
8. Munich Helles
9. Hefe Weissbier
10. Saison
11. Imperial Stout
12. Session IPA
13. Belgian Dark Strong Ale
1,2
2,1
0,8
1,1
1,8
1,3
1,8
1,0
1,6
0,4
1,0
1,6
2,8
0,2
0,3
0,2
0,1
0,2
0,1
0,2
0,1
0,2
0,3
0,1
0,2
0,4
0,1
0,2
0,2
0,1
0,2
0,1
0,2
0,1
0,2
0,1
0,1
0,2
0,3
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,2
sinais na região de carboidratos foi realizada para análise multivariada dos dados. Esses
resultados são apresentados na Figura 3.
Figura 3. A) Gráfico tridimensional de PCA gerado a partir do perfil de carboidratos e B)
espectros das amostras com perfis de carboidratos mais similares.
Assim, foi verificada a concordância dos resultados observados na análise de
componentes principais – PCA, com o perfil atribuído pelas integrações de sinais das
dextrinas. No gráfico tridimensional de PCA da Figura 3A, pode-se observar que as
amostras com perfis de carboidratos mais distintos são as que se encontram mais
distantes da origem dos eixos (PC1, PC2 e PC3) e também distantes entre si. Ainda na
Figura 3A, percebe-se que as amostras destacadas com um círculo vermelho (American
Wheat, Hefe Weissbier e Session IPA) são aquelas que apresentaram similaridade devido
ao tipo de malte usado na sua produção. Na Figura 3B essa similaridade é confirmada
pelo perfil espectral obtido individualmente para estes três exemplares.
Porém, apesar da cerveja Session IPA não ser produzida com malte de trigo, é
percebido que este foi usado na produção e está de acordo com a descrição presente no
rótulo. Cabe ressalta que esta semelhança demonstrada na Figura 3 ocorreu apenas
nesta região do espectro e em compostos presentes em maior proporção.
Portanto, a análise da região espectral de carboidratos é muito útil para a
diferenciação dos estilos, tendo uma boa distância entre os pontos que representam as
cervejas de cada estilo. Assim, é possível visualizar as alterações no perfil conforme as
características do estilo através de gráficos de mérito gerados na análise quimiométrica.
Contudo, essa estratégia não pode ser usada para diferenciar estilos que se diferenciam
principalmente pelo perfil de lúpulos.
Outro aspecto observado nos espectros das amostras American Lager, American
IPA (Fruta), American Wheat e Hefe Weissbier é a presença de um sinal em 9,6 ppm
descrito pela literatura como sendo do Acetaldeído. A formação desse composto durante
antecede o etanol, e sua presença sugere a necessidade de maior tempo de maturação
(RODRIGUES e GIL, 2011).
Em relação aos ácidos orgânicos, a Figura 4 apresenta o espectro da cerveja estilo
Sour, com os sinais do ácido lático em destaque. Na mesma é possível verificar que os
sinais são muito intensos em relação aos demais o que comprova a sua presença em
grande concentração. Este sinal não é percebido em quantidades apreciáveis nas demais
amostras.
Figura 4. Regiões espectrais de RMN de ¹H da cerveja estilo Sour que apresentam os
sinais do Ácido Lático e assinalamento dos grupos responsáveis pelos sinais.
Logo, esses resultados confirmam que a cerveja Sour apresenta, como principal
característica, um perfil de ácidos orgânicos que a difere dos demais estilos. Além disso,
4.24.34.44.54.64.74.84.9 ppm 1.21.31.41.51.61.71.81.9 ppm
observa-se que além do Ácido Lático, foi identificada a presença de Ácido Fórmico nas
amostras de American Lager, Munich Helles, Imperial Stout e Belgian Dark Strong Ale,
sendo que na última, em maior concentração. A presença deste pode ser justificada pela
torra de maltes onde ele é gerado (JOHNSON, SOPRANO, et al., 2017).
Para as espécies aromáticas, as amostras de Hefe Weissbier e Saison foram as
que apresentaram maiores concentrações. Os compostos identificados nesta região
contemplam, por exemplo, alguns aminoácidos como a Histidina, Uridina, Triptofano,
Fenilalanina e Tirosina. Alguns são identificados nos espectros da Figura 1. Esses
aminoácidos são de grande importância para um bom andamento da fermentação.
Já os álcoois superiores, na Tabela 3 se encontram as proporções entre as áreas
dessas espécies para os sinais das 13 amostras de cerveja. Esses valores correspondem
aos compostos Iso-Butanol, Iso-Pentanol e 1-Propanol, sendo provenientes de uma
inadequada fermentação que ocasionam alterações no aroma.
Tabela 3. Proporção relativa das áreas dos sinais referentes aos álcoois superiores
presentes nas amostras de cerveja.
Os valores de integração contemplam as áreas dos sinais de álcoois superiores
Iso-Butanol, Iso-Pentanol e 1-Propanol. Para isso foi integrada a região entre 0,85 a 0,91
ppm. Sendo que os componentes variam as proporções em cada amostra de cerveja. O
álcool 2,3-butandiol foi identificado, mas seu sinal é sobreposto com o sinal intenso do
etanol. O 1-propanol apresenta um sinal em 1,5 ppm, o que permite conhecer a sua
concentração de forma isolada.
Estilos Álcoois Superiores*
American Lager
Belgian Blond
American IPA+fruta
Sour
Belgian Strong Golden Ale
Strong PA
American Wheat
Munich Helles
Hefe Weissbier
Saison
Session IPA
Imperial Stout
Belgian Dark Strong Ale
0,11
0,25
0,21
0,20
0,32
0,15
0,23
0,11
0,25
0,48
0,25
0,14
0,30
* Integração dos sinais do Iso-Butanol, Iso-Pentanol e 1-
Propanol
Assim, as maiores proporções de álcoois superiores foram determinadas para as
amostras Saison (0,48), Belgian Strong Golden Ale (0,32) e Belgian Dark Strong Ale
(0,30). Por outro lado, os estilos American Lager (0,11), Munich Helles (0,11) e Imperial
Stout (0,14), apresentaram os menores valores.
A presença destes componentes pode indicar a performance da fermentação ou
até mesmo o perfil obtido conforme a cepa de levedura utilizada. Trata-se de uma
informação útil para se otimizar as condições de fermentação/maturação ou mesmo a
levedura mais adequada às características desejadas.
Outra informação de boa relevância é o teor de etanol que foi calculado para todas
as amostras (Tabela 4). A vantagem dessa informação é que se torna uma informação
complementar contida nos dados espectrais. Ou seja, em apenas um espectro de RMN
de ¹H, é possível obter dezenas de informações sobre as características químicas da
amostra.
Tabela 4. Teor alcoólico calculado, informado no rótulo e diferença observada.
Os resultados mostram que a diferença média observada entre estes valores é, em
média de 0,07%, e o desvio padrão de ± 0,02. Isso pode ser atribuído erro experimental e
possíveis interferentes minoritários que possam apresentar sinal na mesma região de
integração. No entanto, devido `diferença ser muito baixa, pode ser usada na verificação
também deste parâmetro durante o armazenamento. Claro que podemos inferir em
alterações significativas somente quando possuírem valores acima deste.
4.2. Composição química conforme o armazenamento
Estilos ABV Calculado ABV Informado ∆
American Lager
Belgian Blond
American IPA+fruta
Sour
Belgian Strong Golden Ale
Strong PA
American Wheat
Munich Helles
Hefe Weissbier
Saison
Session IPA
Imperial Stout
Belgian Dark Strong Ale
4,90
7,00
8,20
5,70
7,10
8,90
5,20
7,20
7,50
7,20
6,80
5,80
10,90
4,84
6,91
8,13
5,68
7,01
8,88
5,10
7,07
7,44
7,15
6,73
5,70
10,77
0,06
0,06
0,08
0,04
0,07
0,06
0,06
0,08
0,08
0,07
0,07
0,06
0,11
Para este estudo os espectros da Figura 5 foram obtidos da cerveja Imperial India
Pale Ale recém produzida e compara com a mesma armazenada durante dois meses sem
refrigeração. A região de sinais que mais apresentou diferença foi a de compostos
aromáticos. Destaque para o nucleosídeo Citidina (9), o aminoácido Uridina (10) e o
antioxidante Kaempferol (11), identificados aqui e descritos na literatura (SIQUEIRA,
BOLINI e MACEDO, 2008; RODRIGUES e GIL, 2011).
Figura 5. Espectros de cerveja estilo Imperial India Pale Ale com diferentes tempos de
armazenagem.
Além disso, observa-se também na Figura 5 uma variação no teor alcoólico,
acrescida com o tempo de armazenamento. Isto se deve a fermentação de açúcares
residuais na presença de leveduras remanescentes da filtragem.
4.3. Composição química dos tipos de Malte
7.87.98.08.18.28.3 ppm 1.52.02.53.03.54.04.55.0 ppm6.06.26.4 ppm
RECÉM PRODUZIDA
DOIS MESES APÓS
91011
Nesta parte do estudo, foram analisados maltes de grande demanda em receitas
de estilos comercializados no país. Na Tabela 5 seguem os principais compostos
presentes nas análises realizadas. As identificações dos aminoácidos se deram através
de experimentos de RMN e foram confrontados com a literatura (JOHNSON, SOPRANO,
et al., 2017).
Tabela 5. Composição química de Aminoácidos em diferentes extratos aquosos de maltes
comercializados no país.
O perfil químico de maltes após extração pode ser usado para atestar autenticidade
ou mesmo e atribuir equivalência entre empresas e marcas diferentes. Na Figura 6 o
espectro dos maltes intitulados como “Chocolate” e “Cevada Torrada” apresentam um
perfil químico semelhante.
Aminoácido Tipos de malte
Histidina Apenas o Cara Gold em baixa concentração
Uridina Pilsen, Biscuit, Viena, Cara Clair, Pale Ale, Piastatic, Rye Centeio, Spelt, Crystal,
Arome, Melano Light, Cara Gold, Cara Ruby, Munich Light e Café.
Triptofano Pilsen, Pale Ale, Biscuit, Viena, Cara Clair, Rye Centeio, Arome, Crystal, Arome,
Melano Light, Cara Gold, Cara Ruby, Munich Light e Café.
Fenilalanina Pilsen, Pale Ale, Biscuit, Viena, Piastic, Rye Centeio, Spelt, Arome, Melano Light,
Cara Ruby e Munich Light.
Tirosina Pilsen, Pale Ale, Biscuit, Viena, Cara Clair, Piastatic, Rye Centeio, Spelt, Arome,
Melano Light, Cara Gold, Cara Ruby e Munich Light.
Prolina Pilsen, Pale Ale, Biscuit, Viena, Cara Clair, Piastatic, Rye Centeio, Spelt, Arome,
Crystal, Arome, Melano Light, Cara Gold, Cara Ruby, Munich Light e Café.
Figura 6. Espectros de RMN de ¹H de maltes em D2O após 30 minutos de extração em
ultrassom.
Os espectros sobrepostos apresentam os sinais se compostos majoritários
presentes nos extratos aquosos, o que evidencia muita similaridade destes componentes.
Lembrando que os compostos minoritários podem alterar as características mesmo em
casos de maltes como estes, pois o limite de percepção ao sabor percebido na língua,
consegue identificar componentes na concentração de partes por milhão – ppm.
5. Conclusão
A técnica de RMN se mostrou eficiente na identificação de compostos orgânicos
presentes nas cervejas e maltes. Os espectros foram adquiridos de forma rápida e com
uma simples etapa de preparo de amostra. Desta forma foi possível manter as
características da matriz evitando transformações indesejadas.
As análises permitiram uma visão ampla da composição química das cervejas
conforme os estilos e pode ser empregada para aprimorar processos e práticas de
produção. A caracterização dos maltes permite atestar autenticidade e/ou equivalência
entre diferentes tipos e fornecedores.
Por outro lado, as análises dos produtos ao longo do tempo permitiram identificar
alterações na composição química, principalmente na região de compostos aromáticos.
Sendo assim, esse trabalho sugere que a RMN de ¹H pode ser utilizada como ferramenta
de controle de qualidade na indústria cervejeira, monitorando as transformações
envolvidas em cada etapa do processo.
MALTE CHOCOLATE
MALTE DE CEVADA TORRADA
6. Referências
CONSONNI, R.; POLLA, D.; CAGLIANI, L. R. Organic and conventional coffee
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