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1 USO DO TERRITÓRIO, AGRONEGÓCIO DO BIODIESEL E AGRICULTURA FAMILIAR NA AMAZÔNIA: A DENDEICULTURA NA MICRORREGIÃO DE TOMÉ-AÇU Elany Cristina Barros da Silva Universidade Federal do Pará - UFPA [email protected] João Santos Nahum Universidade Federal do Pará - UFPA [email protected] Resumo O estudo se inscreve no contexto de uma pesquisa de mestrado sobre a integração da agricultura familiar ao agronegócio do biodiesel na microrregião de Tomé-Açu, nordeste do estado do Pará.O presente trabalhotemcomo objetivo apresentar as questões, os objetivos e as hipóteses da nossa pesquisa, bem como as primeiras discussões teóricas realizadas. O texto está dividido em quatro partes: a primeira aborda os elementos estruturantes da pesquisa (problemática, objetivos e hipóteses), a segunda aborda em linhas geraisos conceitos de a teorização sobre campesinato e agricultura familiar; na terceira discutimos sobre o território e o seu uso; e na quarta parte analisamos algumas políticas do Estado que contribuem para a integração da agricultura familiar ao agronegócio do biodiesel. Palavras-chave: Uso do Território. Agronegócio. Agricultura Familiar. Introdução e contexto Quando falamos sobre a Amazônia, muito se discute sobre os problemas ambientais e possíveis formas de exploração sustentável da mesma. Mas a complexidade da região está diretamente ligada aos processos desencadeados sobre ela, principalmente, a partir da década de 1950, como os grandes projetos agro-minerais, que impuseram novos sujeitos e, consequentemente, novas relações, muitas delas conflituosas, no espaço amazônico. Um processo que vem transformando intensamente esse espaço corresponde à expansão do agronegócio do biodiesel sobre a região, porém, em nosso estudo, analisaremos, especificamente, a microrregião de Tomé-Açu, nordeste do estado do Pará.Essa microrregião é composta por cinco municípios: Acará, Concórdia do Pará, Moju, Tailândia e Tomé-Açu. A expansão do agronegócio do biodiesel nessa microrregião configura usos desiguais e antagônicos do território pelas empresas do agronegócio do biodiesel e pela agricultura

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USO DO TERRITÓRIO, AGRONEGÓCIO DO BIODIESEL E AGRICULTURA FAMILIAR NA AMAZÔNIA:

A DENDEICULTURA NA MICRORREGIÃO DE TOMÉ-AÇU

Elany Cristina Barros da Silva Universidade Federal do Pará - UFPA

[email protected]

João Santos Nahum Universidade Federal do Pará - UFPA

[email protected] Resumo O estudo se inscreve no contexto de uma pesquisa de mestrado sobre a integração da agricultura familiar ao agronegócio do biodiesel na microrregião de Tomé-Açu, nordeste do estado do Pará.O presente trabalhotemcomo objetivo apresentar as questões, os objetivos e as hipóteses da nossa pesquisa, bem como as primeiras discussões teóricas realizadas. O texto está dividido em quatro partes: a primeira aborda os elementos estruturantes da pesquisa (problemática, objetivos e hipóteses), a segunda aborda em linhas geraisos conceitos de a teorização sobre campesinato e agricultura familiar; na terceira discutimos sobre o território e o seu uso; e na quarta parte analisamos algumas políticas do Estado que contribuem para a integração da agricultura familiar ao agronegócio do biodiesel. Palavras-chave: Uso do Território. Agronegócio. Agricultura Familiar.

Introdução e contexto

Quando falamos sobre a Amazônia, muito se discute sobre os problemas ambientais e

possíveis formas de exploração sustentável da mesma. Mas a complexidade da região

está diretamente ligada aos processos desencadeados sobre ela, principalmente, a partir

da década de 1950, como os grandes projetos agro-minerais, que impuseram novos

sujeitos e, consequentemente, novas relações, muitas delas conflituosas, no espaço

amazônico.

Um processo que vem transformando intensamente esse espaço corresponde à expansão

do agronegócio do biodiesel sobre a região, porém, em nosso estudo, analisaremos,

especificamente, a microrregião de Tomé-Açu, nordeste do estado do Pará.Essa

microrregião é composta por cinco municípios: Acará, Concórdia do Pará, Moju,

Tailândia e Tomé-Açu.

A expansão do agronegócio do biodiesel nessa microrregião configura usos desiguais e

antagônicos do território pelas empresas do agronegócio do biodiesel e pela agricultura

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familiar, visto que, as empresas produtoras de dendê têm intencionalidades sobre o uso

do território associada à monocultura do dendê, instalação de usinas, comercialização da

produção. O uso do território pela agricultura familiar, por sua vez, está mais associadoà

reprodução do seu modo de vida, que se fundamenta na família, no trabalho e na terra.

O óleo de palma, oriundo do dendê, vem sendo utilizado de forma crescente, como

matéria-prima para a produção de biodiesel, e sua produção vem recebendo inúmeros

incentivos do governo Federal por constituir uma fonte de energia limpa e renovável

que contribua para a substituição gradativa da energia derivada de combustíveis fósseis,

altamente prejudiciais ao meio ambiente. Além disso, a cultura do dendê agrega muito

trabalho manual, o que constitui em uma possibilidade de geração de emprego e renda

no campo.Dentre o conjunto de incentivos, o Estado vem desenvolvendo políticas

territoriais comoo Plano Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), o Selo

Combustível Social e, mais especificamente sobre a microrregião de Tome-Açu, o

Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma (PPSOP), que trazem como

objetivos centrais a produção de uma energia limpa e renovável, arecuperação de áreas

desflorestadas e a geração de emprego e renda a partir da integração da agricultura

familiar ao agronegócio.

É no contexto da expansão do agronegócio e da implantação dessas políticas territoriais

que ganha ênfase o objeto de nossa pesquisa, qual sejam os caminhos e descaminhosda

integração da agricultura familiar ao agronegócio do biodiesel na microrregião de

Tomé-Açu, nordeste do estado do Pará.

A expansão do agronegócio do biodiesel na Amazônia, que ocorre desde a década de

1950, vem gerando um forte impacto socioambiental, pois insere novos sujeitos sociais

e, consequentemente, novas formas de pensar e agir sobre o território. A relevância de

nosso estudo está na possibilidade de contribuir para compreensão dos elementos desse

processo, que envolve a ação das empresas produtoras de biodiesel, o Estado e a

agricultura familiar. Além disso, o nosso trabalho se justifica pela possibilidade de

elucidar como a integração da agricultura familiar ao agronegócio, proposta nas

políticas territoriais do Governo Federal, vem de fato ocorrendo em nossa referência

empírica.

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Problemática e objetivos

O atual modelo de desenvolvimento, pautado em uma matriz energética extremamente

prejudicial ao meio ambiente, há tempos vem sendo questionado. Países do mundo todo

estão buscando novas fontes de energia, para a substituição do petróleo, e buscam,

preferencialmente, fontes de energia limpa e/ou renovável.

Neste contexto, o governo brasileiro tem investido na ampliação e diversificação da

matriz energética brasileira para encontrar uma fonte de energia alternativa ao uso do

carbono fóssil vetor das emissões de diversos poluentes (monóxido de carbono, enxofre,

etc) altamente prejudiciais ao meio ambiente, com destaque para a energia eólica, a

energia solar e a agroenergia (que apresentam, consideravelmente, um menor impacto

ambiental).

No âmbito da agroenergia, dentre as diversas culturas propícias para a sua produção,

destacamos em nosso estudo a cultura do dendê, matéria prima do biodiesel de óleo de

palma, visto que esta cultura vem recebendo importantes incentivos do Governo

Federal, mediante a criação do Plano Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB),

do Selo Combustível Social e, mais especificamente, no estado do Pará, a criação do

Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo (PPSPO), pois, o dendezeiro

apresenta características biológicas que o tornam uma espécie propícia no processo de

reflorestamento de áreas desmatadas na Amazônia, e no âmbito social, por necessitar de

grande quantidade de mão de obra, pois seu manejo é manual, apresenta alto potencial

de geração de emprego e renda.

No entanto, a cultura do dendezeiro tem apresentado impactos negativos nos maiores

produtores mundiais, Indonésia e Malásia, com uma redução considerável de floresta

nativa para o cultivo dessa palmácea, expulsão de pequenos proprietários de terra e

ameaça a segurança alimentar, uma vez que se tem a valorização da dendei cultura em

detrimento das culturas de produção de alimentos.

Neste contexto, levantamos a seguinte questão central: como, a partir do Plano Nacional

de Produção e Uso do Biodiesel,ocorre a integração da agricultura familiar ao

agronegócio do dendê na microrregião de Tomé-Açú? Por conseguinte, de posse dessa

problemática, levantamos os seguintes questionamentos:

Como as politicas de estado promovem a integração da agricultura familiar ao

agronegócio do biodiesel na microrregião de Tomé-Açú?

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Sobre que condições técnicas e territoriais ocorrem às associações das unidades

familiares ao agronegócio do biodiesel?

Quais os limites dessas associações? Tal associação está impulsionando o

desenvolvimento territorial rural?

A associação da agricultura familiar ao agronegócio do biodiesel ameaça a

segurança/soberania alimentar?

Tomando como referência o exemplo problemático da Indonésia e da Malásia no que

diz respeito aos impactos ambientais, a exemplo da substituição de vegetação nativa

pela monocultura do dendê,e a diminuição da oferta de alimentos decorrente da

expansão da dendeicultura, o governo brasileiro inseriu em suas políticas de incentivo à

produção de dendê, diretrizes e normas ambientais que visão evitar tais problemas,

como por exemplo, um Projeto de Lei que proíbe, em todo o território nacional, o

desflorestamento de mata nativa para o cultivo da dendeicultura, e uma cláusula que

determina um percentual a ser destinado a produção do dendê nas pequenas

propriedades, para impedir a substituição das lavouras de alimentos pela cultura do

dendê.

A partir do exposto até aqui, levantamos as seguintes hipóteses:

O Estado promove a integração da agricultura familiar ao agronegócio do

biodiesel por meio da implantação de políticas territoriais, a exemplo do PNPB, do Selo

Combustível Social e do PPSOP, no entanto, na prática, essa integração não é efetivada

como o proposto nos referidos planos.

As condições técnicas e territoriais foram criadas respectivamente, pelas

pesquisas da Embrapa; pela cultura do dendê, desenvolvida no nordeste paraense desde

a década de 1960, associada aos territórios rurais deprimidos onde ela se encontra.

A associação da agricultura familiar ao agronegócio do biodiesel apresenta

sérias limitações no que diz respeito a sua participação na cadeia produtiva do dendê,

pois a integração dos agricultores familiares vem se efetivando, na maioria das vezes,

apenas como fornecedores de matéria-prima, dependentes dos empresários para

assistência técnica e compra da produção, o que por sua vez não promove um efetivo

desenvolvimento territorial rural.

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A segurança/soberania alimentar está ameaçada com a expansão da

dendeicultura a medida que áreas onde eram praticadas a policultura são substituídas

pela monocultura do dendê, fato esse, diretamente ligado ao pagamento dos

empréstimos feitos pelos agricultores e às exigências das empresas com as quais esses

agricultores estão associados.

O objetivo principal deste trabalho é identificar e examinar as relações entre o

agronegócio do biodiesel e a agricultura familiar na microrregião de Tomé-Açu. Nossos

objetivos específicos são:

Analisar as principais políticas desenvolvidas pelo Estado, o PNPB, Selo

Combustível Social e o PPSOP, identificando suas principais contribuições e os seus

limites para a integração do campesinato ao agronegócio do biodiesel na microrregião

de Tomé-Açu.

Identificar e analisar sobre quais condições técnicas e territoriais ocorrem as

associações das unidades familiares ao agronegócio do biodiesel.

Analisar quais os limites dessas associações e suas implicações

sobredesenvolvimento territorial rural.

Compreender os impactos da integração da agricultura familiar ao agronegócio

do biodiesel sobre a segurança/soberania alimentar.

Metodologia

a) Trabalho teórico-metodológico, banco de dados e imagens.

O primeiro momento consiste aprimorar os fundamentos teóricos e metodológicos

norteadores da pesquisa. Debateremos conceitos como agronegócio, território usado,

campesinato, agricultura familiar, dentre outros que constituem o sistema conceitual

necessário para pensar a situação geográfica em foco.

Construiremos um banco de dados acerca da periodização da dendeicultura nessa

microrregião, identificando os grupos e empresas, quando chegaram, o município de

atuação, bem como área plantada. Para tanto se faz necessário recorrer às fontes de

dados do BASA, da SUDAM, do ITERPA, do INCRA, além de levantamento

cartográfico e de imagem de sensoriamento remoto(plataforma satelital) das áreas de

plantação de dendê na microrregião de Tomé-Açu. O levantamento compreende dois

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períodos, o anterior e o posterior ao PNPB. Essa periodização fornecerá a trajetória

espacial da dendeicultura, permitindo construirmos dados e indicadores que demostrem

a expansão da dendeicultura a partir do PNPB.

A ideia de período geográfico é fundamental nesta pesquisa. Inicialmente

construiremos um quadro da microrregião de Tomé-Açu no período anterior à chegada

do agronegócio do dendê, denominado de Tempo 1. Caracterizaremos a configuração

territorial e a dinâmica social do espaço rural dessa região, sobretudo os usos do

território pelo campesinato. A seguir discorremos sobre as condições políticas,

econômicas e científico-tecnológicas que possibilitaram a chegada de outras empresas

para produção de dendê, permitindo que tal movimento seja interpretado como evento,

que reorganiza a configuração territorial, a dinâmica social, o território usado ou espaço

geográfico rural. Para tanto é imprescindível adentrar nas múltiplas e trans-escalares

relações de poder tecidas entre as ações políticas do estado, as empresas e agentes

locais. Um produto deste momento será um artigo acerca da periodização do dendê na

microrregião de Tomé-Açu, focalizando as condições políticas, técnicas e científicas,

bem como a configuração territorial local, isto é, a natureza do subsolo, solo, relevo,

vegetação, clima, ação biótica e antrópica, que permitiram a expansão da dendeicultura.

2) Trabalho de campo e análise

A compreensão da dendeicultura como evento é fundamental para construirmos um

quadro de como o modo de vida camponês se reproduz diante dos impactos desse

processo de reconfiguração da dinâmica espacial, procurando entender as condições e

possibilidades que permitiram seu enraizamento. Esse quadro denominamos o Tempo 2.

Para construí-lo, realizaremos trabalho de campo que consiste em entrevistar três

grupos:

1. Dendeicultores: pessoas relacionadas diretamente às empresas e

empreendimentos do dendê estabelecidos na microrregião de Tomé-Açu: diretores e/ou

agentes locais representantes dos interesses de grupos ou empresas dendeicultoras.

2. Poder público local: representantes do poder público municipal, sobretudo

secretário de agricultura, de economia, de meio ambiente, de desenvolvimento, dentre

outros que se relacionam com a dendeicultura.

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3. Campesinato: no trabalho de campo definiremos os territórios e comunidades

sobre os quais dirigiremos as questões norteadoras desta pesquisa. O trabalho de campo

com este grupo consiste em construir um quadro sobre a localização, condições,

trajetória, tendências, padrões e modelos presentes na expansão da dendeicultura na

microrregião de Tomé-Açu e seu impacto no modo de vida camponês. Para tanto, o

primeiro passo é a apresentar a pesquisa à comunidade, o que faremos através de

contato junto às lideranças das associações de trabalhadores rurais. Desta forma busca-

se envolver membros das comunidades no processo de pesquisa a ser desenvolvido,

identificar pessoas chaves e jovens para a etapa de aplicação de formulário.

3) Sistematizar informações

A partir dos passos anteriores temos elementos para selecionar e organizar informações,

estabelecer relações, interpretar experiências e vivências, construir sínteses acerca dos

impactos da dendeicultura sobre o campesinato a partir do PNPB. Trata-se mesmo do

momento de elaboração dos capítulos de artigos e da dissertação.

Referencial teórico e metodológico

Aqui expomos em largos traços o referencial teórico e conceitual que preside, sustenta e

estrutura nossa pesquisa. Ele ainda está em construção, mas o seu núcleo duro reside no

sistema conceitual composto por agricultura familiar, território usado e agronegócio.

Neste momento ainda não problematizamos tais conceitos, pois certamente, no decorrer

da pesquisa e mesmo com o trabalho de campo, outras categorias e conceitos serão

necessários.

Agricultura familiar: mudanças no conceito

O conceito de agricultura familiar do Governo Federal que está posto nos planos e

programas do Estado é o estabelecido no Manual Operacional do Crédito Rural Pronaf

(2002), segundo o qual, os agricultores familiares são definidos como os produtores

rurais que atendem aos seguintes requisitos: serem proprietários, posseiros,

arrendatários, parceiros ou concessionários da Reforma Agrária; residirem na

propriedade ou em local próximo; deterem, sob qualquer forma, no máximo quatro

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módulos fiscais de terra, quantificados conforme a legislação em vigor; no mínimo 80%

(oitenta por cento) da renda bruta familiar deve ser proveniente da exploração

agropecuária ou não-agropecuária do estabelecimento; a base da exploração do

estabelecimento deve ser o trabalho familiar. (BRASIL, 2012).

Essa concepção da agricultura familiar começou a ser difundida no contexto do

Programa Novo Mundo Rural, que intensificou o desenvolvimento capitalista no campo

com a introdução maior de inovações tecnológicas na agricultura e na pecuária e

transformações nas relações de produção, onde a agricultura familiar é integrada às

atividades capitalistas, numa visão passiva e subalterna. Assim, o conceito de agricultor

familiar passa a ser associado ao progresso, ao moderno, em detrimento do conceito de

camponês ligado arcaico e ao atraso.

Para elucidar essa questão, apresentamos em linhas gerais, uma discussão sobre o

conceito de camponês, a partir das teorias de Kautsky (1986), Lenin(1985), Chayanov

(1981),

Segundo Kautsky (1986) a presença do camponês no campo representava um atraso

econômico e social. O camponês trabalhando em sua terra e sendo proprietário dos

meios de produção compunha um tipo característico do modo de produção

predominante na Idade Média, o Feudalismo.

De acordo com Kautsky, a expansão do capitalismo no campo dava-se pela

industrialização da agricultura e pelo aumento de relações de trabalho capitalistas

decorrentes desse processo. Todas essas mudanças tornariam a pequena exploração

camponesa incapaz de suprir as necessidades de consumo da família. Portanto, a única

alternativa ao camponês era sua transformação em trabalhador assalariado. Tal processo

implicaria na eliminação do campesinato.

Apesar das mudanças ocorridas nas relações de produção e do aumento do trabalho

assalariado não ocorreu uma completa proletarização da classe camponesa. Mesmo

assim, para Kautsky, a presença de tais transformações não admitia a pertinência da

classificação desse sujeito enquanto camponês, pois a prática do trabalho assalariado se

tornou necessária para garantir a sua sobrevivência.

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A destruição da indústria camponesa de sustentação obriga o pequeno lavrador a procurar um emprego adicional para reforçar seu orçamento doméstico no momento em que suas terras passam a fornecer-lhes, no máximo, o alimento necessário para a sua subsistência, mas nenhum excedente negociável. O pequeno lavrador dispõe, de fato, do tempo necessário para realizar esse trabalho acessório, pois sua própria atividade agrícola exige dedicação total apenas em certos períodos do ano. Ele não cobre suas necessidades de dinheiro com a venda de seus produtos excedentes, mas com a venda de sua força de trabalho excedente. Assim, ele se apresenta perante o mercado da mesma forma que faz o proletário destituído de qualquer propriedade particular (KAUTSKY, 1986, p. 149)

Neste sentido, o autor conclui que o modo de produção camponês é característico de um

período anterior ao capitalismo, e, portanto, tende a ser superado pelo desenvolvimento

do modo capitalista de produção. No que concerne ao modo de produção camponês,

Kautsky afirma que "não obstante a firmeza desse sistema econômico, o

desenvolvimento industrial urbano e a economia monetária conseguiram aplicar a ele e

a profissão de camponês o golpe de morte de sua existência" (KAUTISK, 1986, p. 24).

Também Lenin, em seu estudo sobre o Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia,

defende a teoria de que o avanço do capitalismo implicaria na destruição do

campesinato e, consequentemente, na extinção do camponês.

Fundamentado nos estudos de Marx, Lênin desenvolve sua tese da diferenciação social,

a partir da qual ele projeta um futuro fatalista para o campesinato, pois o avanço das

relações capitalistas no campo implicaria em uma diferenciação social, surgindo assim

agricultores ricos, médios e pobres (LENIN, 1985). Nesse contexto, também no campo

só seria possível o desenvolvimento de duas classes sociais antagônicas: a burguesia e o

proletariado. O campesinato reduz-se a um “mundo à parte”. A concentração na agricultura engendra a proletarização dos camponeses e o êxodo rural. A contradição fundamental do MPC reproduz-se no meio rural instaurando aí duas classes sociais com interesses opostos. (AMIN, S.; VERGOUPOULOS, K.. 1997, p. 68)

A partir do exposto, podemos concluir que a transformação do campesinato em

agricultor familiar é eminente, que ao camponês só resta à integração a integração ao

mercado de forma passiva e submissa.

Diferentemente das concepções de Kautsky e Lênin, que aludem ao desaparecimento do

campesinato mediante o desenvolvimento do modo de produção capitalista, seja pela

necessidade pecuniária do camponês, seja pelo aumento das relações de trabalho

assalariadas em detrimento do trabalho familiar, os estudos de Chayanov (1981)

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defendem a permanência do campesinato no modo de produção capitalista. Chayanov

parte da análise de um modo de produção camponês

Cujas unidades elementares são constituídas por famílias de camponeses trabalhadores, proprietários do solo, e cujo produto é destinado, principalmente à auto-subsistência da família, estando comercializada apenas uma fração deste (...). A unidade elementar é, ao mesmo tempo, unidade de produção e de consumo, as trocas mercantes são apenas marginais: os ruralistas sabem perfeitamente que a vida camponesa não é apenas organizada em torno da produção, como o é a empresa industrial; sabem que ela tanto é um modo de existência, de vida, quanto um modo de produzir (AMIN, S.; VERGOUPOULOS, K.. 1997, p. 27)

Esse modo de produção camponês tem como unidade básica a família, e o trabalho

familiar constitui a principal forma de produção. O trabalho realizado pelo campesinato

objetiva suprir as necessidades da família. Esse fato torna o modo de produção

camponês diferente do capitalista. No entanto, ele deve ser compreendido considerando-

se a relação que este estabelece com o modo de produção predominante no qual está

inserido.Essa unidade econômica familiar apontada por Chayanov caracteriza-se por

apresentar uma lógica interna voltada para a reprodução da família, neste sentido, a

unidade econômica camponesa não visa o lucro, como ocorre com a indústria

capitalista, mas sim a satisfação das necessidades da família.

Oliveira (2004) propõe a compreensão do campesinato inserido no processo de

desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo. Neste sentido, o camponês é

entendido enquanto classe social inerente a esse processo contraditório realizado pelo

capital. Ao mesmo tempo em que esse desenvolvimento avança produzindo relações especificamente capitalistas (...) o capitalismo produz igual e contraditoriamente relações camponesas de produção através da presença e do aumento do trabalho familiar no campo (OLIVEIRA, 2004, p. 36).

O campesinato continua a se reproduzir nas sociedades atuais integradas ao mundo

moderno (WANDERLEY, 1996) pelo movimento desigual e contraditório do

capitalismo (OLIVEIRA, 2004). Não podemos negar que o avanço do capitalismo no

campo impõe novas relações ao campesinato, no entanto, é ingênuo acreditar que o

campesinato passa por todo esse processo de forma passiva e submissa. Do ponto de vista do agricultor, parece evidente que suas estratégias de reprodução, nas condições modernas de produção, em grande parte ainda se baseiam na valorização dos recursos de que dispõe internamente, no

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estabelecimento familiar, e se destinam a assegurar a sobrevivência da família no presente e no futuro. Decerta forma, os trabalhadores familiares modernos “enfrentam” os novos desafios com as “armas” que possuem e que aprenderam a usar ao longo do tempo. (WANDERLEY, 1996, p. 8)

Não podemos adotar simplesmente uma ideia de oposição entre campesinato e

agricultor familiar, onde o primeiro estaria associado ao tradicional e o segundo a ideia

de moderno. Segundo Wanderley (1996), há de se considerar que o campesinato,

mesmo em sua visão tradicional, não é um sujeito isolado, ele interage com a sociedade

“englobante”, e é no âmbito dessas relações que ele se modifica. Não no sentido de

metamorfosear-se em agricultor familiar, mas de modificar suas formas de produzir e de

viver em sociedade. Como bem destaca Shanin (2008) os camponeses apresentam uma

grande habilidade de se ajustarem a novas condições, bem como, uma enorme

flexibilidade para encontrar novas formas de se adaptar e de se reproduzir. Neste

sentido,

Não é mais possível explicar a presença de agricultores familiares na sociedade atual como uma simples reprodução do campesinato tradicional, tal como foi analisado pelos seus “clássicos”. Esteve e está em curso, inegavelmente, um processo de mudanças profundas que afetam precisamente a forma de produzir e a vida social dos agricultores e, em muitos casos a própria importância da lógica familiar. Porém, parece evidente, como já foi dito, que a “modernização” dessa agricultura não reproduz o modelo clássico da empresa (...) capitalista, e sim o modelo familiar, cuja origem está na tradição camponesa, não é abolida; ao contrário, ela permanece inspirando e orientando – em proporções e sob formas distintas, naturalmente – as novas decisões que o agricultor deve tomar nos novos contextos a que está submetido. Esse agricultor familiar, de uma certa forma, permanece camponês (...) na medida que a família continua sendo o objetivo principal que define as estratégias de produção e reprodução e a instância imediata de decisão. (WANDERLEY, 2004, p. 48)

A partir do exposto, entendemos que o conceito de agricultura familiar está contido na

definição do campesinato, pois a unidade familiar é simultaneamente proprietária dos

meios de produção e força de trabalho, sendo o objetivo da produção a reprodução da

família no presente e no futuro. Nesse sentido, cabe frisar que as novas relações e

formas de produção nas quais o agricultor familiar passa a ser inserido não o

restringema um trabalhador para o capital, visto que o seu modo de vida camponês é

reproduzido na relação desigual e contraditória do capitalismo.

Em nossa pesquisa, para entendermos como ocorre a integração do campesinato ao

agronegócio do biodiesel na microrregião de Tomé-Açu, considerando a importância da

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implantação de políticas como o PNPB, o Selo Combustível Social e o PPSOP,

adotaremos em nosso estudo o conceito de agricultor familiar, pois é este o conceito

apresentado nas referidas políticas. Cabe frisar, que compartilhamos da compreensão de

que apesar das transformações sofridas pelo campesinato, ele não desaparece, nem tão

pouco se metamorfoseia em agricultor familiar, ao contrário, ele se reproduz

reproduzindo o seu modo de vida baseado na tríade família, trabalho e terra.

O território e os seus múltiplos usos

Para compreendermos os diferentes usos do território engendrado pelas empresas e

pelos agricultores familiares, realizamos, em linhas gerais, uma discussão teórica sobre

as ideias que norteiam o conceito de território. Para tanto, as obras de Haesbaert (1997-

2004) e Santos (2008-2010) são referências essenciais para a definição do conceito de

território, ou melhor, do uso do território adotada em nosso estudo.

Haesbaert (2004) ao discorrer sobre o conceito de território, parte da concepção de

que,o território apresenta três vertentes básicas. São elas: 1. Jurídico-Política: a mais difundida, onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado, por meio de qual exerce um determinado poder [...] 2. Cultural (ista): prioriza a dimensão simbólico-cultural, mais subjetiva, na qual o território é visto sobretudo como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo sobre seu espaço. 3. Econômica (muitas vezes economicista): bem menos difundida, enfatiza a dimensão das relações econômicas no embate entre as classes sociais e na relação capital trabalho. (FERNANDES apud SILVA, 2003, p. 74)

A partir da análise das discussões teóricas sobre o conceito de território desenvolvidas

por Sack e Raffestin, Haesbaert incorpora a visão relacional de espaço, bem como das

relações de poder que definem o território. Assim o “território construído a partir de

uma perspectiva relacional do espaço é visto completamente inserido dentro de

relações social - histórica, ou de modo mais estrito (...), de relações de poder”

(HAESBAERT, 2004, p. 80).

Haesbaert também aborda a distinção entre domínio e apropriação do espaço feita por

Lefebvre (1986), que dentre outros, afirma que Como processo de apropriação e controle, a territorialização se inscreve sempre num campo de poder, não apenas no sentido de apropriação física, material (através de fronteiras jurídico-políticas, por exemplo), mas também imaterial, simbólica (LEFEBVRE, 1986, p. 40)

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Aprofundando a discussão Haesbaert também conclui que o Território deve ser visto na perspectiva não apenas de um domínio ou controle politicamente estruturado, mas também de uma apropriação que incorpora uma dimensão simbólica, identitária e, porque não dizer, dependendo do grupo ou classe social a que estivermos nos referindo, afetiva (HAESBAERT, 1997, p. 41)

É a partir dessas discussões que Haesbaert estrutura seu conceito de território. Para ele,

o território é “fruto da interação entre relações sociais e controle do/pelo espaço,

relações de poder em sentido amplo, ao mesmo tempo de forma mais concreta

(dominação) e mais simbólica (apropriação)” (HAESBAERT, 2004, p. 235).

O território, em qualquer acepção, está relacionado ao sentido de poder. Ou seja, o

território corresponde tanto ao poder no sentido mais concreto, de dominação, quanto ao

poder no sentido mais simbólico, de apropriação.

De acordo com Santos (2008), o que deve ser de fato considerado é o uso do território, e

não o território em si mesmo. O território usado é um híbrido, sinônimo de espaço

geográfico. Assim, entendendo o espaço como um sistema de objetos e um sistema de

ações, podemos compreender como ocorrem os diferentes usos do território, visto que,

cada sujeito social, com uma intencionalidade própria, define como, por quê, e para que,

o território é usado. As configurações territoriais são o conjunto dos sistemas naturais, herdados por uma determinada sociedade, e dos sistemas de engenharia, isto é, objetos técnicos e culturais historicamente estabelecidos. As configurações territoriais são apenas condições. Sua atualidade, isto é, sua significação real, advém das ações realizadas sobre eles. (SANTOS, 2010, p. 248)

Na microrregião de Tomé-Açu podemos verificar como o território pode apresentar

usos diversos, tomando como exemplo o uso do território pelas empresas e o território

usado pelos agricultores familiares. Nesse contexto, podemos entender que a

territorialidade, tanto das empresas, quanto dos agricultores familiares, diz respeito às

relações econômicas e culturais, pois está intimamente associada ao modo como esses

sujeitos utilizam a terra (à exemplo da concentração de tecnologia e da monocultura do

dendê realizada em grandes propriedades pela empresas; ou da policultura de alimentos

praticada pelos agricultores familiares)como se organizam no espaço a partir da

disposição de seus objetos e como dão significado ao lugar (por exemplo, o caráter

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majoritariamente econômico do território, para as empresas; e o território como lócus da

reprodução do modo de vida, para os agricultores familiares)

O agronegócio e a cadeia produtiva do dendê

O desenvolvimento das atividades agropecuárias no campo brasileiro deve ser

compreendido não apenas pelas atividades que ocorrem no interior das propriedades

rurais, como também pelos processos que interligam a produção aos consumidores. Esse

sistema mais abrangente, composto por cadeias produtivas, corresponde ao agronegócio

(CASTRO, LIMA, SILVA, 2010).

De acordo com Teubal (2008) o agronegócio é um modelo de desenvolvimento

agroindustrial “cujo modo de funcionamento global, com predomínio de capital

financeiro, orienta-se, em grande parte, rumo a uma especialização crescente em

determinadas commodities orientadas para o mercado externo e com uma tendência à

concentração em grandes unidades de exploração”.

Na realidade de nossa referência empírica, constatamos que a expansão do agronegócio

do biodiesel promove o desenvolvimento da dendeicultura utilizando em larga escala a

produção realizada pela agricultura familiar em pequenas propriedades. No entanto ele

se enquadra na definição de agronegócio por apresentar indicadores de consumo,

produção, capacidade produtiva, preços do biodiesel e políticas e incentivos para a

expansão do agronegócio do biodiesel derivado do óleo de palma.

É importante destacar que a estruturação da cadeia produtiva do biodiesel proveniente

do óleo de palma ainda não está consolidada, pois a maior parte da produção dendê é

destinada para as indústrias alimentícias e de cosméticos, e por ser atualmente a soja a

maior commoditie de maior rentabilidade econômica destinada á produção de biodiesel.

No que diz respeito à opção pela produção em pequenas propriedades, realizada pela

agricultura familiar, isso se deve às Políticas implantadas pelo Governo Federal, como o

PNPB, o Selo Combustível Social e o PPSOP.

O PNPB, instituído em 2004, é um projeto interministerial e tem por objetivo criar,

desenvolver e consolidar a cadeia produtiva e o mercado de biodiesel no país, tendo

como principais metas a diminuição gradativa do consumo de combustíveis geradores

de gases estufa e a inclusão da agricultura familiar na cadeia produtiva.

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No intuito de estimular a inclusão social da agricultura familiar nessa cadeia produtiva,

o Governo Federal lançou o Selo Combustível Social, um componente de identificação

criado a partir do Decreto Nº 5.297, de 6 de dezembro de 2004, concedido pelo

Ministério do Desenvolvimento Agrário ao produtor de biodiesel que cumpre os

critérios descritos na Instrução Normativa Nº 01 de 19 de fevereiro de 2009.

Segundo as normas definidas pelo Selo Combustível Social, as empresas que o possuem

gozam das seguintes vantagens: Diferenciação/isenção nos tributos PIS/PASEP e

COFINS; Participação assegurada de 80% do biodiesel negociado nos leilões públicos

da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); Acesso às

melhores condições de financiamento junto aos bancos que operam o Programa (ou

outras instituições financeiras que possuam condições especiais de financiamento para

projetos); Possibilidade de uso do Selo Combustível Social para promover sua imagem

no mercado (BRASIL, MDA)

Analisando nossa referência empírica, podemos entender que essas vantagens

estimulam as empresas produtoras de biodiesel na microrregião de Tomé-Açu a

integrarem agricultores familiares à cadeia produtiva do dendê.

É importante frisar que o Selo confere ao seu possuidor o caráter de promotor de

inclusão social dos agricultores familiares enquadrados ao Programa de Fortalecimento

da Agricultura Familiar (Pronaf), e para garantir essa inclusão os produtores de

biodiesel precisam cumprir algumas tarefas para com o agricultor familiar, que são:

firmar contratos com os agricultores familiares negociados com a participação de uma

entidade representativa dos mesmos (sindicatos, federações); assegurar assistência

técnica gratuita aos agricultores familiares contratados; capacitar os agricultores e

agricultoras familiares para a produção de oleaginosa(s), de forma compatível com a

segurança alimentar da família e com os processos de geração de renda em curso,

contribuindo para a melhor inserção da agricultura familiar na cadeia produtiva do

biodiesel e para o alcance da sustentabilidade da propriedade. (BRASIL, 2012).

O Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma lançado em 2010 pelo Governo

Federal, no município de Tomé-Açu, nordeste do estado do Pará, tem como objetivo

disciplinar a expansão da produção de óleo depalma no Brasil e ofertar instrumentos

para garantir umaprodução em bases ambientais e sociais sustentáveis. Suas diretrizes

correspondem basicamente na preservação da floresta e da vegetação nativa e; expansão

da produção integrada com agricultura familiar. Para tanto, o PPSOP está pauta do em

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um Projeto de Lei que proíbe, terminantemente, a supressão da vegetação nativa para o

cultivo do dendê, e no Zoneamento Agroecológico do Dendê (ZAE–Dendê), que

delimitou apenas áreas aptas (solo e clima) em regiões antropizadas sem restrições

ambientais. As áreas aptas ao cultivo da palma delimitadas pelo ZAE-Dendê, além de

apresentarem características edafoclimáticas propícias ao cultivo do dendê,

correspondem também a áreas com um grande número de agricultores familiares e um

baixo Índice de Desenvolvimento Humano.

Neste contexto, a dendeicultura pode oferecer uma alternativa de produção sustentável,

com alta produtividade e rentabilidade para os agricultores familiares integrados a

cadeia produtiva do biodiesel. A projeção é de que uma família consiga aumentar a

renda mensal de R$ 415, provenientes do trabalho nas lavouras de mandioca ou na

extração do açaí, para até R$2 mil. (Brasil, 2012).

Apesar de o Selo obrigar as empresas produtoras de biodiesel a comprarem parte das

matérias-primas da agricultura familiar, celebrarem contratos e dar assistência técnica

aos agricultores familiares,podemos observar em nossa área de estudo situações

distintas do que está previsto. Em alguns casos, a assistência técnica aos agricultores se

limita a seleção de sementes mais resistentes para o cultivo do dendê. Apesar de estar

previsto no PPSOP que a segurança alimentar deve ser garantida, observamos que

pequenos agricultores estão substituindo a policultura pela monocultura do dendê, seja

por que as exigências das empresas é muito grande e eles não conseguem conciliar a

produção de subsistência com a produção do dendê; seja porque a cultura do dendê tem

um valor comercial maior, quando comparado às lavouras de subsistência, o que

possibilita um aumento da renda.

Conclusão

Ao final das nossas primeiras reflexões sobre a integração da agricultura familiar ao

agronegócio do dendê, podemos observar que o governo vem estimulando essa

integração a partir de políticas públicas como o Plano Nacional de Produção e Uso do

Biodiesel, o Selo Combustível Social e o Programa de Produção Sustentável de Palma

de Óleo. No entanto, ainda é preciso elucidar a realidade dessa integração a partir de

nossa referência empírica, uma vez que essa integração apresenta sérias limitações para

os agricultores familiares posto que eles se integram na condição de mão-de-obra para a

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produção do dendê, dependentes das determinações das empresas sobre a forma de

produção e assistência técnica.O avanço do agronegócio do biodiesel na microrregião de

Tomé-Açu apresenta muitas questões que precisão ser elucidadas: formação de mercado

de terras, perda da soberania na produção de alimentos, e quais as possibilidades de

integração ao agronegócio nas perspectivas dos agricultores familiares. Nossa pesquisa

está apenas no início dessa jornada que visa conhecer os meandros desse complexo e

importante processo.

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