USOS E PERCEPÇÕES DE COMUNIDADES DO ENTORNO … · dedicado, pela sua confiança e ensinamentos...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE/PRODEMA USOS E PERCEPÇÕES DE COMUNIDADES DO ENTORNO DE UMA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DO SEMIÁRIDO NORDESTINO: INSTRUMENTOS PARA GESTÃO? THAISE SOUSA DA SILVA 2009 Natal – RN Brasil

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE/PRODEMA

USOS E PERCEPÇÕES DE COMUNIDADES DO

ENTORNO DE UMA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DO

SEMIÁRIDO NORDESTINO: INSTRUMENTOS PARA

GESTÃO?

THAISE SOUSA DA SILVA

2009

Natal – RN

Brasil

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Thaise Sousa da Silva

USOS E PERCEPÇÕES DE COMUNIDADES DO

ENTORNO DE UMA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DO

SEMIÁRIDO NORDESTINO: INSTRUMENTOS PARA

GESTÃO?

Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN), como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dra. Eliza Maria Xavier Freire

Co-Orientador: Prof. Dr. Gesinaldo Ataíde Cândido

2009

Natal – RN

Brasil

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THAISE SOUSA DA SILVA

Dissertação submetida ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN), como requisito para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Aprovada em: 27/02/2009

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________ Prof(a). Dr(a). Eliza Maria Xavier Freire

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN) Presidente

______________________________________________

Prof. Dr. Alberto Kioharu Nishida Universidade Federal da Paraíba (PRODEMA/UFPB/UEPB)

_______________________________________________ Prof. Dr. Fernando Bastos Costa

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PRODEMA/UFRN)

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Divisão de Serviços Técnicos Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial Leopoldo Nelson.

Silva, Thaise Sousa da. Usos e percepções de comunidades do entorno de uma unidade de conservação do semiárido nordestino: instrumentos de gestão? / Thaise Sousa da Silva. – Natal (RN), 2008. 72 f. Orientador: Eliza Maria Xavier Freire. Co- orientador: Gesinaldo Ataíde Cândido.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Biociências. Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

1. Biodiversidade - Dissertação. 2. Caatinga - Dissertação. 3. Comunidades - Nordeste - Dissertação. 4. Conservação semiárido - Dissertação. 5. ESEC Seridó - Dissertação. I. Freire, Eliza Maria Xavier. II. Cândido, Gesinaldo Ataíde. III. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título. RN/UF/BC CDU 504 (043.3)

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Dedico este trabalho aos Meus

amados pais (mãe, pai e madrinha)

por toda dedicação, confiança,

carinho e incentivo em todos os

momentos da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Professora Eliza Maria Xavier Freire, pelo tempo

dedicado, pela sua confiança e ensinamentos valiosos.

Ao Meu Co-orientador, Professor Gesinaldo Ataíde Cândido, pela acolhida e

inestimável contribuição e complementação a este trabalho.

À estimada Professora e amiga Elineí Araújo de Almeida, por todo o

ensinamento, dedicação, companheirismo e cumplicidade durante a maior parte da

minha vida acadêmica.

Aos preciosos amigos que fiz no GEGIT, que tiveram uma grande importância

no processo de construção deste trabalho, colaborando com o amadurecimento de

muitas de minhas idéias.

Ao Professor Adalberto Antonio Varela Freire, pela grande colaboração com

minhas pesquisas na ESEC Seridó.

Aos funcionários da Estação Ecológica do Seridó, por toda colaboração e boa

vontade com minha pesquisa, em especial aos amigos Geraldo Serafim de Araújo e

George Stephenson Batista, que não mediram esforços na colaboração para o êxito deste

trabalho.

À estrutura da UFRN, que possibilitou minhas buscas das mais diversas formas,

por conhecimento teórico e prático.

Aos moradores das comunidades do entorno da Estação Ecológica do Seridó,

pela acolhida e contribuição inestimável à execução deste trabalho.

E por fim, a todos que direta ou indiretamente participaram deste trabalho.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO GERAL 01 REFERÊNCIAS 08 Capítulo 1. Conceitos, percepções e estratégias para conservação de uma Estação Ecológica da caatinga nordestina por populações do seu entorno

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RESUMO 12 ABSTRACT 12 1.INTRODUÇÃO 12 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 13 2.1. Biodiversidade e Unidades de Conservação 14 2.2. Percepção Ambiental: conceito e aplicações 16 2.3. Estratégias de conservação em Unidades de Conservação 16 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 17 3.1. Área de estudo 17 3.2. Caracterização da Pesquisa 17 3.3. Tratamento e Análise dos dados 18 4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 19 4.1. Variáveis de Estado – Indicadores Sócio-culturais 19 4.1.1. Perfil Sócio-cultural 20 4.2. Dimensão 1 - Variáveis de saída 20 4.2.1. Problemas identificados na ESEC 20 4.2.2. Sugestões de estratégias para preservação da ESEC 21 4.2.3. Nível de conhecimento com a ESEC 22 4.3. Dimensão 2 - Processos de Percepção 22 4.3.1. O que a ESEC representa para o entrevistado 23 4.3.2. Descrição da ESEC pelo entrevistado 23 4.3.3. Formas de relacionamento do entrevistado com funcionários da ESEC 24 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 24 6. REFERÊNCIAS 25 Figura 1. Localização Geográfica do Estado do Rio Grande do Note e do município de Serra Negra do Norte, onde está situada a ESEC Seridó, em destaque as comunidades entrevistadas. 01) Fazenda Solidão; 02 e 02A) Lagoa da Serra, 03) Fazenda da Coruja 04) Sítio Carnaubinha e 05) Sítio Logradouro. (modificado da Fonte: Plano de manejo da ESEC Seridó- IBAMA).

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Quadro 1. Dimensões e categorias adotadas na pesquisa. 18 Capítulo 2. Percepções e usos de recursos faunísticos por comunidades do entorno de uma unidade de conservação do nordeste do Brasil 28 Resumo 29 Abstract 29 Introdução 30 Material e métodos 32 Área de estudo 34 Metodologia de trabalho e coleta de dados 33 Resultados e Discussão 34

Usos atribuídos aos recursos faunísticos 38 Conclusão 40 Agradecimento 41 Referências 41

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Figura 1. Localização Geográfica do município de Serra Negra do Norte, em destaque a ESEC Seridó. Fonte: Plano de manejo da ESEC Seridó - IBAMA. 33 Figura 2. Percentual dos grupos zoológicos citados pelos moradores do entorno da ESEC Seridó, Serra Negra do Norte, RN, como ocorrentes nesta Estação. 35 Figura 3. Percentual da distribuição das espécies de animais levantadas de acordo com a categoria de uso pelas comunidades pesquisadas no entorno da ESEC Seridó. Legenda: 1. Nada e/ou para a Natureza. 2. Alimentação Humana. 3. Uso Medicinal. 4. Uso Doméstico. 39 Figura 4. Percentual de doenças identificadas como tento tratamento, por uso de animais citadas nas entrevistas da população do entorno da ESEC Seridó. Legenda. 1. Neoplasias [tumores]; 2. Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte; 3. Doenças do aparelho geniturinário; 4. Inflamações gerais; 5. Doenças do aparelho respiratório; 6. Lesões, envenenamento e algumas outras conseqüências de causas externas; 7. Doenças do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo. 40 Tabela 1. Lista dos nomes vernaculares dos animais nativos da Caatinga, citados nas entrevistas, relacionados por Táxon, número de citações e usos. 34 Animais de usos medicinais de acordo com os moradores do Entorno da ESEC Seridó, relacionados por nome vernacular, táxon, tratamento, classificação da doença (OMS CID – 10) e parte do animal utilizada. 39 Tabela 2. Animais de usos medicinais de acordo com os moradores do Entorno da ESEC Seridó, relacionados por nome vernacular, táxon, tratamento, classificação da doença (OMS CID – 10) e parte do animal utilizada. 42 Capítulo 3: Abordagem Etnobotânica sobre plantas medicinais citadas por populações do entorno de uma Unidade de Conservação da caatinga do Rio Grande do Norte, Brasil 44 Resumo 45 Abstract 46 Introdução 46 Material e Método 48 Resultado e discussão 51 Agradecimento 59 Referência 59 FIGURA 1. Localização Geográfica do município de Serra Negra do Norte, em destaque a ESEC Seridó. Fonte: Plano de manejo da ESEC Seridó- IBAMA. 49 FIGURA 2. A. Percentual de partes das plantas medicinais, utilizadas nos tratamentos, conforme citações da população do entorno da ESEC Seridó. B. Percentual de formas de uso das plantas medicinais, utilizadas nos tratamentos, conforme citações da população do entorno da ESEC Seridó. 55 FIGURA 3. Percentual de doenças tratadas por plantas nativas e exóticas, conforme citações da população do entorno da ESEC Seridó. Legenda. 1. Doenças do aparelho respiratório; 2. Inflamações gerais; 3. Lesões, envenenamento e algumas outras conseqüências de causas externas; 4. Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte; 5. Doenças do aparelho geniturinário; 6. Neoplasias [tumores];. 7 Doenças do aparelho digestivo; 8. Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo; 9. Transtornos mentais e comportamentais; 10. Doenças do sistema nervoso; 11. Doenças da pele e do tecido subcutâneo 12. Algumas doenças infecciosas e parasitárias 13. Doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários. 57 TABELA 1. Plantas nativas existentes na ESEC, com usos medicinais de acordo com os pesquisados, relacionadas por nome popular, família e nome científico, tratamento, classificação (OMS CID – 10), número de citações de uso medicinal, parte da planta utilizada, número da exsicata na ESEC Seridó e forma de uso. 52 TABELA 2. Plantas identificadas como exóticas selecionadas entre as citadas pelos pesquisados, com usos medicinais, relacionadas por nome vernacular, família e nome científico, tratamento, classificação da doença (OMS CID – 10), número de citações de uso medicinal, parte da planta utilizada e forma de uso. 54 Apêndice – Questionário aplicado aos moradores do entorno da ESEC Seridó 64

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INTRODUÇÃO GERAL

A conservação da biodiversidade é um tema bastante debatido na atualidade, e

suas diversas formas de abordagem também estão em foco, pois, em todo o mundo,

comunidades biológicas que passaram milhões de anos para se desenvolver, vêm sendo

devastadas por ações antrópicas. As ameaças à diversidade biológica são duplamente

aceleradas, pela demanda de um rápido aumento na população humana e pelo consumo

de material biológico (Primack, 2000; Cullen et al., 2004); esta situação é exacerbada

pela distribuição desigual dos recursos naturais, acentuadamente em muitos países

tropicais como o Brasil, que tem uma grande diversidade de espécies.

Segundo Diegues (2001), as iniciativas que vêm sendo implementadas para

salvar a biodiversidade como, por exemplo, a criação de novas áreas de conservação

que determinam que as espécies biológicas sejam preservadas, por si só, não tem

possibilitado os resultados esperados, uma vez que os processos de degradação de todos

os ecossistemas ainda são evidentes. Por isso, ainda de acordo com Diegues (2001),

deve ser considerada a relação homem-natureza incluindo os conflitos decorrentes do

uso e ocupação da paisagem, além da diversidade cultural. Assim sendo, a preservação

da biodiversidade, o manejo de espécies endêmicas e/ou ameaçadas de extinção e sua

conseqüente recuperação natural, não são possíveis com a simples criação de Unidades

de Conservação, sem que haja a aceitação da comunidade para este propósito (Diegues,

2001). Ou seja, sem um esforço em conhecer o modo de vida e de agir das pessoas

sobre o meio ambiente, não há conservação da diversidade biológica; daí, a Percepção

Ambiental, como método utilizado em prol da conservação, tem se mostrado bastante

eficaz (Santos, 2000).

Nessa perspectiva, um maior conhecimento sobre como a sociedade pode

contribuir para a proteção e manejo de áreas naturais, é objetivo da abordagem

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participativa com identificação de problemas locais, buscando soluções que levem em

consideração aspectos sociais, econômicos e culturais da região (Cullen et al., 2004).

A Percepção Ambiental vem sendo utilizada como Instrumento de Gestão em

áreas do conhecimento ligadas aos temas Educacional, Social e Ambiental para

melhorar a qualidade de vida das pessoas e da natureza (Marin, et al., 2003), bem como

para análise e resgate do conhecimento tradicional. Além de esse instrumento ser uma

forma de entender as relações do homem com o meio em que ele está inserido,

principalmente em comunidades próximas a áreas de preservação da natureza (Fontana,

2004; Tuan, 1980).

O conceito de Percepção Ambiental utilizado neste estudo é o mesmo proposto

pela MAB/UNESCO: “Uma tomada de consciência e a compreensão pelo homem do

ambiente no sentido mais amplo, envolvendo bem mais que uma percepção sensorial

individual, como a visão ou audição (Whyte, 1978)”.

Apesar de ser um conceito relativamente novo, a Percepção Ambiental, tem sido

cada vez mais utilizada, tanto nas ciências humanas e sociais quanto nas ciências

biológicas, como um instrumento de investigação das relações do homem com o

ambiente ao seu redor (Violante, 2006), assim como dos usos que o homem faz dos

recursos do ambiente no qual está inserido. Ela está focalizada no contato do homem

com a realidade concreta, e com as representações que faz desta, levando em conta os

fatores que compõem essa realidade (Fontana, 2004); o que é uma ferramenta

importante para uma adequação eficaz de diversas áreas do conhecimento, em prol da

preservação ambiental.

No que se refere à conservação dos recursos naturais, esta pode ser justificada

tanto por razões ecológicas, como pela dependência das populações do entorno das

Unidades de Conservação (UC's), para a obtenção dos recursos naturais e bem-estar

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social (Silva, 2006). Neste contexto, e sabendo-se que a conservação biológica é um

tema multidisciplinar que tem se desenvolvido hoje em resposta às crises enfrentadas

pela perda da diversidade biológica, há a necessidade de atividades e práticas que

melhorem o conhecimento que se tem sobre as comunidades que habitam o entorno das

áreas de conservação biológica, pois a ação antrópica é a principal causadora de

extinção na atualidade (v. Primack, 2000).

Projetos de pesquisa que tratam da relação homem-ambiente e do gerenciamento

de ecossistemas devem incluir estudos de investigação da percepção dos grupos sócio-

culturais interatuantes como parte integrante da abordagem interdisciplinar que estes

projetos exigem (Diegues, 2001). Isto porque, as populações habitantes do entorno de

Unidades de Conservação, que ali já existiam antes da criação dessas áreas, têm seu

método de uso e manejo das espécies nativas, bem como de espécies introduzidas, e

possuem um conhecimento empírico, muitas vezes desconhecido pela comunidade

científica, e que geralmente tem sua utilidade real em seu dia-a-dia; e esses usos

normalmente influenciam o funcionamento adequado dessas Unidades de Conservação.

É verdade que os humanos estiveram envolvidos em muitas extinções de animais e

plantas, mas excluir as populações das Unidades de Conservação como estratégia para a

conservação da biodiversidade, não é a melhor alternativa (Violante, 2006). Existem

casos em que a exclusão dos humanos foi prejudicial à biodiversidade, como na planície

do Serengueti na Tanzânia e no Quênia. Este ecossistema e a cratera vizinha de

Ngorongoro são hábitats para cerca de 20% de todos os grandes mamíferos da África,

herbívoros e carnívoros. Pesquisas detalhadas mostraram que os pastores, o gado e a

vida selvagem coexistiram na área por mais de dois mil anos, e que o pastoreio e as

técnicas de queimadas criaram e mantiveram a paisagem que hoje é tão valorizada pelos

conservacionistas (Sarkar, 2000).

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No caso específico da região das Caatingas, onde vivem mais de 25 milhões de

brasileiros (cerca de 15% da população), muitas vezes em condições de miséria, pois a

população rural é extremamente pobre e passa por longos períodos de seca, ocorre o que

se observa na região do Seridó do Rio Grande do Norte, ou seja, a atividade humana

não sustentável como a agricultura de corte e queima, corte de lenha, mineração de

pequeno porte, caça de animais e a contínua remoção de vegetação para a criação de

bovinos e caprinos. Práticas estas que vêm causando ainda mais empobrecimento

ambiental na Caatinga (Leal et al., 2003). Além disso, as Caatingas, o único Bioma

exclusivamente brasileiro e provavelmente o mais ameaçado, têm somente 3,56% de

sua área protegida, das quais apenas 0,87% são áreas de proteção integral: 16 Unidades

de Conservação (UC's) federais, e sete estaduais; um número muito reduzido para este

Bioma que cobre uma área bastante significativa do território brasileiro (Silva et al.,

2004), possuindo, portanto clara necessidade de esforços para o conhecimento e

preservação de sua biodiversidade.

O mau uso dos recursos da Caatinga tem causado danos irreversíveis a este

bioma, e o processo de desertificação já afeta cerca de 15% de sua área; as

conseqüências de anos de extrativismo predatório são visíveis, tais como, perdas

irrecuperáveis da diversidade da flora e da fauna (Schober, 2002). Nos últimos anos,

aumentou o interesse de proprietários rurais em transformar parte de suas propriedades

em área protegida, visando principalmente a conservação do ambiente natural (Silva,

2004).

No entanto, além da clara necessidade da criação de novas UC's, igualmente

importante é tornar funcionais as já existentes, assegurando a preservação de porções

ecologicamente viáveis, pois muitas delas passam por sérios problemas envolvendo

desde aspectos fundamentais, como a inexistência de planos de manejo, até o de gestão.

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Entre as UC's de preservação integral da Caatinga em nível estadual, no Estado

do Rio Grande do Norte, encontra-se a Estação Ecológica do Seridó – ESEC Seridó,

que está contida em uma propriedade agrícola e que abriga, em sua zona de

amortecimento, várias comunidades que utilizam os recursos naturais, em muitos casos,

de maneira extensiva.

É relevante, portanto, utilizar esta UC como área de sensibilização da

comunidade que mantém com ela relação direta, acerca da problemática ambiental, com

vistas à participação dos diferentes grupos sócio-culturais nas atividades que visem à

adequada gestão e conservação desta ESEC; o que tem se mostrado eficaz em situações

similares, em outras Unidades de Conservação (v. Santos, 2000).

Conhecer os diversos grupos de interação que mantém atividades diversas

ligadas a ESEC Seridó, bem como analisar suas percepções e usos dos recursos naturais,

são os objetivos centrais desse trabalho.

A Percepção Ambiental associada a campos de estudo abrangentes, foram

utilizadas neste estudo. A Análise de Conteúdo, como instrumento para avaliação das

percepções dos entrevistados, utilizando processos de categorização e tabulação de

respostas a questões abertas (Bardin, 1977). O processo de análise de conteúdo se refere

a uma visão interpretativa da realidade do ponto de vista dos entrevistados, e tem

predominado na pesquisa qualitativa, seja por critérios da teoria das representações

sociais ou da teoria da ação (Silva et al., 2005). Esta forma de análise é definida como

um conjunto de técnicas de análise de comunicações, que utiliza procedimentos

sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores

(quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às

condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens (Bardin, 1977).

Esta forma de avaliação esta incluída neste estudo para que se conheça a visão das

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populações do entorno da ESEC Seridó, e das formas de uso e percepções dessas

comunidades em relação a essa área de Caatinga.

A Etnozoologia, outra área de conhecimento utilizada neste estudo, é entendida

como a forma com que as diferentes populações percebem, classificam e entendem os

animais (Rocha-Mendes et al., 2005), já a Etnobotânica inclui todos os estudos

concernentes à relação mútua entre populações tradicionais e as plantas (Rodrigues &

Carvalho, 2001). Estas duas formas de relação do homem com o ambiente estão

incluídas nesse estudo, junto aos conceitos da Percepção Ambiental.

Nesse contexto esta dissertação esta estruturada em três capítulos, que

correspondem a três artigos já submetidos à publicação. O primeiro deles trata da

relação dos entrevistados com a ESEC Seridó, a partir de inferências da Percepção

Ambiental junto a Analise de Conteúdo; o segundo e o terceiro contemplam

respectivamente, os temas Etnozoologia e Etnobotânica, a partir dos usos e percepções

dos entrevistados.

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VIOLANTE, A.C. 2006. Moradores e turistas no município de Porto Rico, PR:

percepção ambiental no contexto de mudanças ecológicas. Tese de doutorado. PEA,

UEM, Maringá, PR. pp. 126

WHYTE, A. V. T. 1978. La perception de l’environment: lignes directrices

méthodologiques pour les études sur le terrain. UNES-UNESCO, Paris, França, 134pp.

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Capítulo 01. CONCEITOS, PERCEPÇÕES E ESTRATÉGIAS

PARA CONSERVAÇÃO DE UMA ESTAÇÃO ECOLÓGICA DA

CAATINGA NORDESTINA POR POPULAÇÕES DO SEU

ENTORNO

Artigo aceito para publicação pelo periódico SOCIEDADE & NATUREZA

(texto formatado conforme recomendações deste periódico)

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Conceitos, percepções e estratégias para conservação de uma Estação Ecológica da Caatinga nordestina por populações do seu entorno

Concepts, perceptions and strategies for conservation of an Ecological

Station of Caatinga by communities in the vicinity RESUMO A situação do planeta envolve discussões sobre perdas da biodiversidade. Países como o Brasil, um dos maiores em biodiversidade, não poderia escapar à essas discussões. Um de seus Biomas, e provavelmente o mais ameaçado é a Caatinga. Uma das ações que visa a proteção de áreas naturais e da biodiversidade é a manutenção de Unidades de Conservação (UC’s). Uma dessas UC’s da Caatinga é a Estação Ecológica do Seridó (ESEC Seridó) que, apesar de ter em seu entorno várias comunidades que interagem com ela, não inclui a percepção dessas populações em sua forma de gestão. Neste sentido, o objetivo do artigo é identificar as percepções e conceitos dessas comunidades sobre a ESEC Seridó, assim como, as estratégias devem ser adotadas para sua melhor forma de atuação. Para alcançar esses objetivos dessa pesquisa realizou-se pesquisa bibliográfica, elaboração de um instrumento baseado nas práticas da Percepção Ambiental, na forma de entrevista estruturada aplicada à população do entorno dessa ESEC, e os dados tratados através da análise de conteúdo. Os resultados mostram de forma clara nos discursos da população, seus conceitos e percepções, os principais problemas enfrentados pela ESEC Seridó, bem como estratégias para a resolução dos mesmos, sendo observado no conhecimento das pessoas a realidade enfrentada pela ESEC e sua possível melhoria como área de proteção da natureza. Palavras-chave: Biodiversidade, população local, Unidade de Conservação, Percepção Ambiental. ABSTRACT The loss of Earth´s biodiversity is a major concern for the international scientific community and megadiverse countries like Brazil are paramount for discussions about the overall situation of the planet. The Caatinga biome is probably one of the most threatened in Brazil and the implementation of Conservation Units (CU) represents a measure for protecting its natural resources and biodiversity. The Station Ecological of Seridó (ESEC-Serido) is one of the few CU in the Caatinga of Rio Grande do Norte State (NE Brazil) and interacts with several neighboring communities and settlements. However the ESEC does not integrate environmental perception feedback from the local communities in its management plan. Considering this, the present articles aims at identifying the perceptions and concepts of such communities regarding environmental issues and biodiversity as well as indicate strategies to improve the administration of this CU. In order to achieve these goals, a review of the specialized literature was carried out and a research tool based on Environmental Perception was developed in the form of structured interviews applied to the persons from communities neighboring the ESEC. These interviews were later processed through content analysis. The concepts and perceptions obtained through this analysis show that the people from the environs are aware of the main problems faced by ESEC-Seridó, as well as the strategies to address them. Keywords: Biodiversity, local population, conservation unit, Environmental Perception.

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1. INTRODUÇÃO

A atual situação do planeta é assunto de muitas discussões e, dentre os muitos temas, trazem questionamentos que envolvem o modo de agir do homem sobre a natureza e seus recursos e que vêm causando perdas irreversíveis à Biodiversidade (CULLEN et al., 2004; PRIMACK, 2000). No Brasil, considerado um dos países com maior diversidade biológica e de biomas com as mais diversas características, destacam-se as Caatingas, único Bioma exclusivamente brasileiro e que sofre um alto nível de desertificação, principalmente a partir das ações antrópicas sobre esse Bioma (FREIRE e PACHECO, 2003).

Para reduzir as ações danosas do homem aos ambientes naturais, muitas práticas têm sido implementadas, como a criação de Unidades de Conservação da Natureza (UC’s), mas a simples criação dessas Unidades não tem trazido os resultados esperados, pois muitas delas passam por sérios problemas de gestão (DIEGUES, 2001). Uma dessas UC’s de Preservação integral da Caatinga é a Estação Ecológica do Seridó (ESEC Seridó), localizada no município de Serra Negra do Norte – RN. Esta possui várias comunidades localizadas em seu entorno e que têm uma relação muito acentuada com os recursos dessa área de Caatinga.

A Percepção dessas populações revela que as comunidades que interagem com as UC’s entendem que estas áreas são úteis mais não são adequadamente geridas e vêem muitos pontos negativos em suas relações com estes ambientes (SANTOS et al., 2000; SILVA, 2006 e VIOLANTE, 2006).

Temas como este, merecem a atenção de estudos que investigam as ações do homem sobre o ambiente no qual ele está inserido. Além de avaliar as diversas formas de uso dos recursos naturais, a Percepção Ambiental, é um instrumento utilizado em diversas áreas do conhecimento, para a melhoria da qualidade de vida do homem e das demais espécies que com ele interagem, podendo ser definida como uma tomada de consciência do ambiente pelo homem; ou seja, o ato de perceber o ambiente no qual se está inserido, aprendendo a proteger e a cuidar do mesmo (MARIN et al., 2003).

Sendo um instrumento baseado, dentre outras estratégias, na aplicação de entrevistas, que analisa a opinião, as percepções sobre o ambiente, seus problemas e possíveis soluções a partir dos entrevistados, a Percepção Ambiental é um caminho para que se aponte estratégias de ação, através da adoção de um modelo de gestão mais participativa onde se pode chegar a soluções de problemas em áreas de preservação com atividades antrópicas muito acentuadas como é o caso da ESEC Seridó.

Assim, com o objetivo de identificar as percepções e conceitos dos grupos do entorno da ESEC Seridó, bem como, que estratégias devem ser adotadas para sua melhor forma de atuação, desenvolveu-se um instrumento de pesquisa em forma de entrevista, que possibilite a análise da percepção das populações que habitam o entorno da ESEC Seridó em prol de sua efetiva atuação como Unidade de Conservação integral. Para tanto foi utilizado o método de Análise de conteúdo, utilizado por Bardin (1977) aplicado por Cândido (2004), e o estudo da Percepção Ambiental desenvolvido por Maroti et al. (2000) e Silva (2006), para avaliar o modo de gerir a ESEC Seridó, de maneira que esta Estação Ecológica seja inserida no contexto da propriedade rural, entendida, e se obtenha o perfil de avaliação que a população tem em relação a esta UC. Os resultados foram trabalhados a partir das variáveis da pesquisa em Percepção Ambiental (variáveis de saída e processos de percepção), e de categorias pré-definidas, como observado no método da análise de conteúdo.

A necessidade de se conhecer as possibilidades e condições para uma adequada gestão e as necessidades das populações que vivem próximo a essas áreas de

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preservação, seus hábitos e costumes, para que consequentemente se obtenha a colaboração dessas pessoas na afetiva funcionalidade e administração de UC’s como a ESEC é fundamental para sua atuação na preservação do meio ambiente e melhoramento da qualidade de vida das populações.

Além da parte introdutória, este artigo explora ainda o referencial teórico acerca de Biodiversidade e Unidades de Conservação, e trás contextualizações e conceitos sobre a pesquisa em Percepção Ambiental; apresenta também o modelo utilizado na pesquisa e os procedimentos metodológicos que o estudo seguiu e, por fim, apresenta a análise dos resultados e as considerações finais da pesquisa.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Biodiversidade e Unidades de Conservação Em todo o mundo, comunidades biológicas que passaram milhões de anos para se

desenvolver vêm sendo devastadas pelas ações do homem. As ameaças à diversidade biológica são duplamente aceleradas, pela demanda de um rápido aumento na população humana e pelo consumo de material biológico (PRIMACK, 2000; CULLEN et al., 2004).

Esta situação é exacerbada pela distribuição desigual desses recursos naturais, acentuadamente em muitos países tropicais como o Brasil, que tem uma alta diversidade de espécies.

As iniciativas que vêm sendo implementadas para salvar a biodiversidade, como no caso da criação de novas áreas de conservação, que determinam que as espécies biológicas sejam preservadas, por si só não têm possibilitado os resultados esperados para a preservação das espécies, pois, além dessa medida, deve ser considerada a relação homem-natureza levando em conta os conflitos decorrentes do uso e ocupação da paisagem, e a diversidade cultural (DIEGUES, 2001). A conservação dos recursos naturais pode ser justificada tanto por razões ecológicas, como pela dependência das populações do entorno das Unidades de Conservação (UC's), da obtenção dos recursos naturais e do bem-estar social (SILVA, 2006). Para o conhecimento do contexto em que se insere a gestão dessas Unidades de Conservação e os processos educativos acerca da necessidade da conservação de recursos naturais, é fundamental entender a problemática do desenvolvimento social, em termos da controvérsia sobre o que é sustentável ou não, já que as UC’s se dividem entre áreas de proteção integral e de uso sustentável (LOUREIRO et al., 2003). Neste contexto, e sabendo-se que a conservação biológica é uma ciência multidisciplinar que tem se desenvolvido hoje em resposta às crises enfrentadas pela manutenção da diversidade biológica, que todas as espécies são interdependentes e interagem em caminhos complexos; há a necessidade de uma atividade de conscientização ambiental das comunidades que habitam o entorno dessas áreas de conservação biológica, pois a ação antrópica é a principal causadora de extinção na atualidade (PRIMACK, 2000). Apesar de se tratar de um instrumento bastante antigo no trato das questões ambientais, a expansão do número de áreas protegidas no mundo foi considerada uma estratégia particularmente vital para a conservação dos recursos naturais do planeta a partir do III Congresso Mundial de Parques, realizado em Bali, em 1982.

Camphora & May (2006) afirmam que o pensamento econômico aplicado à implementação e gestão do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) não comporta soluções triviais, e nos reporta ao desafio de consolidar critérios de análise

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compatíveis com a diversidade biológica de cada bioma e com os serviços ambientais gerados no âmbito das distintas categorias de Unidades de Conservação.

O Brasil além de sua alta biodiversidade e da imensa quantidade de Biomas e diferentes ecossistemas detém o único Bioma exclusivamente brasileiro: As Caatingas. Segundo Schober (2002), o mau uso dos recursos da Caatinga, tem causado danos irreversíveis a este Bioma, que é um grande celeiro de espécies endêmicas. Este autor relata que o processo de desertificação já afeta cerca de 15%, e as conseqüências de anos de extrativismo predatório são visíveis: perdas irrecuperáveis da diversidade da flora e da fauna, acelerada erosão e queda na fertilidade do solo e na quantidade e qualidade da água, o que prejudica a vida animal, incluindo-se aí a vida humana, da região.

Com somente 3,56% de sua área protegida, a Caatinga é provavelmente o Bioma mais ameaçado do Brasil, possuindo apenas 0,87% de áreas de proteção integral: 16 Unidades de Conservação (UC's) federais, e sete estaduais, um número muito reduzido para este Bioma que cobre uma área bastante significativa do território brasileiro (11.67%; SILVA et al., 2004).

Além da clara necessidade da criação de novas UC's, igualmente importante é tornar funcionais aquelas já existentes, assegurando a preservação de porções ecologicamente viáveis, pois muitas delas passam por sérios problemas envolvendo desde aspectos fundamentais, como a inexistência de planos de manejo, até o de gestão, que na sua maioria excluem as populações diretamente ligadas às áreas de conservação.

Entre estas UC's de preservação integral da Caatinga, em nível estadual, no estado do Rio Grande do Norte, encontra-se a Estação Ecológica do Seridó (ESEC Seridó), que constitui uma área de referência para averiguação de gestão adequada, para a efetiva preservação da diversidade, uma vez que é alvo de pesquisas sobre diversidade biológica, distribuição biogeográfica e delimitação dos principais padrões de vegetação preservada na caatinga do Seridó do RN. Além disso, abriga inúmeras espécies animais, algumas constituindo novos registros e/ou endemismos para a região (COSTA, 2006).

Levando em conta os conflitos existentes no uso e ocupação do solo existentes em áreas de Caatinga (SCHOBER, 2002), especialmente em áreas próximas a Unidades de Conservação, por estas serem manchas de proteção à Biodiversidade, e excluírem as comunidade do entorno havendo consequentemente exploração intensiva, através da atividade humana, é que se estudará a Percepção Ambiental das pessoas que habitam e/ou mantém relação direta com a ESEC Seridó, para uma melhor compreensão dessa relação. 2.2. Percepção Ambiental: conceito e aplicações

De acordo com Diegues (2001) projetos de pesquisa que tratam da relação homem-ambiente e do gerenciamento de ecossistemas devem incluir estudos de investigação da percepção dos grupos sociais interatuantes como parte integrante da abordagem interdisciplinar que estes projetos exigem. As populações habitantes do entorno de Unidades de Conservação, que ali já existiam antes da criação dessas áreas, tem seu método de uso e manejo das espécies nativas, bem como de espécies introduzidas, e possuem um conhecimento empírico, muitas vezes desconhecido pela comunidade científica, e que tem sua utilidade real no dia-a-dia dessas comunidades, usos esses que normalmente influenciam o funcionamento adequado dessas Unidades de Conservação.

Não resta dúvida que os humanos estiveram implicados em muitas extinções de animais e plantas, mas excluir as populações das Unidades de Conservação como

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estratégia para a conservação da biodiversidade, não é a melhor alternativa (VIOLANTE, 2006). Existem casos em que a exclusão dos humanos foi prejudicial à biodiversidade, como na planície do Serengueti na Tanzânia e no Quênia. Este ecossistema e a cratera vizinha de Ngorongoro são habitats para cerca de 20% de todos os grandes mamíferos da África, herbívoros e carnívoros. Pesquisas detalhadas mostraram que os pastores, o gado e a vida selvagem coexistiram na área por mais de dois mil anos, e que o pastoreio e as técnicas de queimadas criaram e mantiveram a paisagem que hoje é tão valorizada pelos conservacionistas (SARKAR, 2000). E há ainda exemplos de Unidades de Conservação brasileiras, que se tornaram mais protegidas e menos exploradas pelas populações, quando seus planos de manejo e gestão incluíram as populações que nelas habitam, em suas tomadas de decisão para a conservação e uso sustentável de seus recursos (QUEIROZ & PERALTA, 2006).

Para identificar os grupos ligados a essas áreas de conservação, e estudar as diversas formas e estratégias a serem avaliadas, a Percepção Ambiental vem sendo utilizada como instrumento de gestão em áreas do conhecimento ligadas aos temas Educacional, Social e Ambiental para melhorar a qualidade de vida das pessoas e da natureza (MARIN, et al., 2003), bem como de análise e resgate do conhecimento tradicional. Além de esse instrumento ser uma forma de entender as relações do homem com o meio em que ele está inserido, principalmente em comunidades próximas a áreas de preservação da natureza (FONTANA, 2004; TUAN, 1980).

O conceito de Percepção Ambiental utilizado neste estudo é o mesmo estabelecido no MAB/UNESCO que define Percepção Ambiental como: “Uma tomada de consciência e a compreensão pelo homem do ambiente no sentido mais amplo, envolvendo bem mais que uma percepção sensorial individual, como a visão ou audição” (WHYTE, 1978).

Apesar de ser um conceito relativamente novo, a percepção ambiental, tem sido cada vez mais utilizada, tanto nas ciências humanas e sociais quanto nas ciências biológicas, como um instrumento de investigação das relações do ser humano com o ambiente ao seu redor (VIOLANTE, 2006). Ela está focalizada no contato do homem com a realidade concreta, e com as representações que faz dela, levando em conta os fatores que compõem essa realidade (FONTANA, 2004); o que é uma ferramenta importante para uma adequação eficaz na gestão de áreas de preservação ambiental como a ESEC Seridó. Neste contexto, e sabendo-se que a conservação biológica é um tema que tem se desenvolvido hoje em resposta às crises confrontadas com a perda da diversidade biológica, é relevante o desenvolvimento de práticas que melhorem o conhecimento que se tem sobre as comunidades que habitam o entorno dessas áreas de conservação biológica, para reduzir os impactos causados pelo homem ao ambiente.

Por existir neste estudo a necessidade do entendimento do homem como um agente social que influencia e é influenciado pela estrutura social, aliou-se a Percepção Ambiental a uma forma de avaliar o discurso das pessoas, de maneira qualitativa, a análise de conteúdo, que possibilitará traçar um perfil sobre as opiniões e visões das populações que se relacionam de maneira mais íntima com a ESEC Seridó, trabalhando-se as variáveis da pesquisa contidas na percepção ambiental, como: variáveis de estado e de saída e os processos de percepção, na avaliação e construção do perfil da população que vem a ser estudada.

Segundo Costa (2007) o processo de interação das pessoas com o seu contexto social envolve um conjunto de conceitos e significados construídos socialmente com base na interpretação subjetiva da realidade que as envolve em seus ambientes. Portanto, pesquisas que visam compreender estas formas de interação, como é o caso da

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Percepção Ambiental são aplicados em áreas como a ESEC, para que se obtenha uma melhora da relação homem-ambiente, através da compreensão dos conceitos e percepção das populações de seu entorno. 2.3. Estratégias de conservação em Unidades de Conservação

A premissa internacionalmente aceita de que as unidades de conservação de uso indireto são fundamentais para a conservação da biodiversidade, é consensual. A pesquisa científica é também considerada fundamental, levando-se em consideração a necessidade vital de documentar a diversidade de fauna e da flora no Brasil, assim como a dinâmica das relações entre suas populações e comunidades com o ambiente abiótico.

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da natureza (SNUC) define Estações Ecológicas como áreas de uso restrito à realização de pesquisa científica, previamente avaliada e aceita, excluindo a presença humana para fins de extração e/ou uso de recursos naturais. Áreas como a ESEC Seridó, necessitam de estratégias de conservação que incluam populações de seu entorno na sua proteção e preservação; conhecendo as percepções dessas pessoas, é que se dá início a essas parcerias.

Um dos mecanismos mais tradicionais utilizados no mundo para a conservação da biodiversidade é o estabelecimento de um sistema representativo de unidades de conservação, geralmente na forma de parques e reservas, acrescidos de áreas sob outras categorias de manejo, protegendo frações de ecossistemas naturais sem a interferência do homem (DIEGUES, 2001). Mas é a forma de gerir esses espaços e as estratégias adotadas por seus gestores que levam essas áreas aos seus reais objetivos, que vão além da proteção da biodiversidade, chegando ao bem-estar da sociedade, ligada direta ou indiretamente a essas Unidades de Conservação.

As estratégias de conservação da natureza em áreas de proteção geridas pelo governo como unidades de conservação integral, é justamente a fiscalização e a punição das pessoas que não obedecem a lei, com multas e até mesmo a prisão. A gestão de áreas de preservação como a ESEC Seridó é autoritária e centralizadora, como na maioria das Unidades de Conservação de sua categoria, o tem sido claramente falho em muitos casos, mesmo sendo estabelecido pelo SNUC, tendo em vista que as retiradas de material biológico como animais e vegetais, continuam acontecendo das mais diversas formas (caça, desmatamento, introdução de espécies exóticas) nessa e em outras Unidades de Conservação.

Este modelo de gestão aplicado nos mais diversos ambientes, e observado como um espaço técnico e necessariamente centralizado; cria modelos de conservação que, quando não funcionam, falham em decorrência da falta de recursos, de pessoal, de fiscalização e de adequada punição (MACEDO, 2007). Existem Unidades de Conservação no Brasil onde a participação das populações ligadas a seu funcionamento em sua gestão surte efeito muito positivo em sua funcionalidade (QUEIROZ, 2006). E conhecer os anseios e opiniões dessas comunidades sobre o posicionamento dessas áreas é uma ferramenta de conservação importante, principalmente em áreas onde elas estabelecem relação muito íntima, como a ESEC Seridó. Esta é uma estratégia que dá subsídio para a formulação de outras que melhorem a funcionalidade dessa UC.

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3. Procedimentos Metodológicos 3.1. Área de estudo

A Estação Ecológica do Seridó (ESEC Seridó) situada geograficamente entre

6°35' S e 37°15' W, com área de 1.166,38 ha, criada pelo decreto lei n° 87.222 em 31/05/1982 (CAMACHO e BAPTISTA, 2005), constitui uma área de preservação dos recursos da Caatinga do Semi-árido nordestino, contida em uma propriedade agrícola de uso extensivo dos recursos naturais. As comunidades do seu entorno imediato utilizam o solo, animais e vegetais (Figura 1), e a própria área de preservação, para diversos fins, como a agricultura, pecuária, e o comércio da fauna e flora. Estas pessoas têm muitas vezes nestas práticas, sua única forma de sustento. Isso apesar dessa Estação ser referência para estudos sobre a Caatinga do Seridó do Rio Grande do Norte, por ser a única Unidade de Conservação integral dessa região.

Figura 1. Localização Geográfica do Estado do Rio Grande do Note e do município de Serra Negra do Norte, onde está situada a ESEC Seridó, em destaque as comunidades entrevistadas. 01) Fazenda Solidão; 02 e 02A) Lagoa da Serra, 03) Fazenda da Coruja 04) Sítio Carnaubinha e 05) Sítio Logradouro. (modificado da Fonte: Plano de manejo da ESEC Seridó- IBAMA). 3.2. Caracterização da Pesquisa

A pesquisa está delineada de acordo com os princípios da investigação qualitativa e exploratória. Como método de obtenção de dados, se adotou entrevistas com perguntas abertas e fechadas, baseada nos princípios da pesquisa em Percepção Ambiental. A pesquisa qualitativa possibilita o estudo de questões que não podem ser quantificadas como, por exemplo, os anseios, os sentimentos, as motivações, as crenças e as atitudes individuais que fazem parte do contexto da lida na terra e das relações

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sociais e de pesquisa. Além disso, a pesquisa proposta não tem como meta uma representação numérica dos grupos pesquisados e sim a sua compreensão enquanto grupos sociais, o que tem sido efetuado com bons resultados em outros estudos semelhantes em Unidades de Conservação (MAROTI et al., 2000; SILVA, 2006; SANTOS et al., 2006). A pesquisa social vem acompanhando a evolução da humanidade e à medida que se distancia da visão positivista das leis universais incorpora e aprimora pressupostos próprios da pesquisa qualitativa dentro do paradigma interpretativo (SILVA et al., 2005).

Inicialmente, foi realizado um estudo exploratório preliminar da ESEC Seridó e de seu entorno mais imediato, através de visita a esta UC para identificar e classificar por categoria, os diferentes grupos sociais de interação com a mesma.

A população selecionada para o levantamento de dados é formada pela população do entorno imediato da ESEC Seridó e professores das escolas localizadas nas comunidades selecionadas e de escolas do ensino fundamental do Município de Serra Negra do Norte.

A adaptação do instrumento incorporou dimensões e categorias. As dimensões consideradas referem-se às variáveis do modelo contido em Maroti et al. (2000) e Santos et al. (2006), adaptados para a análise de conteúdo.

A Percepção Ambiental como instrumento de avaliação, aliada à análise de conteúdo possui variáveis dentro de sua estrutura, como as que relacionam variáveis de estado (características do sujeito e do grupo), que relacionam o gênero, idade, profissão, a escolaridade, renda familiar e o tempo de moradia dos entrevistados em suas comunidade; estes indicadores formam o perfil das pessoas entrevistadas. As variáveis de saída (escolha de usos como problemas e formas de preservação da ESEC), e os processos de percepção (do ambiente que envolve a ESEC Seridó e descrição da Estação, a opinião da comunidade sobre a Estação, atitudes futuras e sua relação com os funcionários da mesma) constituem as dimensões das quais se selecionou as categorias deste estudo, para a análise de conteúdo dos discussos das comunidades (Quadro 1).

Quadro 1. Dimensões e categorias adotadas na pesquisa.

3.4. Tratamento e Análise dos dados

A utilização da análise de conteúdo de acordo com Bardin (1977) está dividida

em três fases fundamentais, realizadas neste estudo: a pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Na primeira fase foi estabelecido um esquema de trabalho que deve ser preciso, com procedimentos bem definidos, embora flexíveis. A segunda fase consistiu no cumprimento das decisões tomadas anteriormente e, na

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terceira etapa, o pesquisador apoiado nos resultados brutos procurou torná-los significativos e válidos.

Técnicas de pesquisa não padronizadas foram utilizadas na construção de uma entrevista, composta por um questionário, com perguntas abertas e fechadas, associadas aos questionários de caracterização dos entrevistados. Baseados nos conceitos e premissas que a Percepção Ambiental apresenta nos estudos de Maroti et al. (2000) e Santos et al. (2000) e da Análise de Conteúdo, contidas em Bardin (1977).

Os moradores do entorno e funcionários da ESEC, foram abordadas um de cada vez, os questionários respondidos individualmente, e as respostas anotadas pelo pesquisador. Adotou-se esta forma de entrevista para desenvolver uma relação de amizade com os entrevistados, além de dar espaço para as pessoas falarem a respeito de suas vidas, experiências e idéias.

As informações coletadas foram organizadas e registradas em fichas numeradas ainda em campo e durante as entrevistas, para que os dados fossem relembrados e trabalhados com mais facilidade.

Os resultados brutos das entrevistas realizadas foram submetidos a análises simples (percentagens) de modo a colocar em relevo as informações obtidas para as variáveis de Estado. Em seguida, os dados distribuídos nas dimensões e categorias de respostas baseadas na análise de conteúdo de Bardin (1977) e, a partir daí, realizadas inferências e interpretações relacionadas aos dados e aos pressupostos teóricos relatados.

A análise foi realizada com categorizações obtidas através da aplicação de discursos diretos. Depois disso, as dimensões foram descritas, classificadas e interpretadas. As categorias elaboradas são exclusivas e avaliadas através da vinculação das falas ao problema e objetivos da pesquisa, e definidas dentro do enquadramento das falas. Algumas das falas estão incorporadas na análise dos resultados da pesquisa. 4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Tomando como referência o problema e os objetivos propostos na pesquisa, a qual buscou conhecer os conceitos e percepções dos grupos que interagem com a ESEC Seridó acerca de sua gestão, a partir do explicitado nos procedimentos metodológicos utilizados para a realização da pesquisa, mostramos aqui os resultados obtidos quanto às categorias estudadas. A partir da descrição de cada uma das dimensões da Percepção Ambiental, através de um instrumento de pesquisa que permite medir as opiniões dos pesquisados, foi definido um conjunto de categorias, criadas com a descrição das variáveis de cada dimensão da percepção dos pesquisadores acerca do contexto da pesquisa. Totalizaram-se 111 (cento e onze) entrevistas, e os resultados obtidos estão explicitados abaixo por dimensão e categorias que permitem avaliar as opiniões da população, a partir do modelo e metodologia específicos, em que foram utilizadas técnicas qualitativas de pesquisa, envolvendo a observação não participante, conversas, visitas in loco, e principalmente, a realização de entrevistas com um roteiro pré-definido, que permitiu a aplicação da técnica de análise de conteúdo. 4.1. Variáveis de Estado – Indicadores Sócio-culturais

Nestas variáveis se qualificam os dados de caracterização dos grupos dos indivíduos entrevistados, como a distribuição por gênero, faixa etária, estado civil, escolaridade, renda familiar, profissão e tempo de moradia na comunidade.

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Caracterizar o grupo estudado com dados básicos ajuda a entender melhor suas relações, anseios e percepções acerca de suas diversas formas de relacionamento com a ESEC Seridó. 4.1.1. Perfil Sócio-cultural

Esses indicadores sócio-culturais apresentam o perfil dos entrevistados, que está na faixa etária entre 31 e 50 anos com equivalência de gênero, e a maioria deles é casada, ou moram “juntos”, identificação que é utilizada para as pessoas que moram na mesma casa e vivem como marido e mulher, não sendo casadas oficialmente. Quanto ao nível de escolaridade, o perfil é de pessoas analfabetas ou semi-analfabetas; a renda das famílias entrevistadas, está em torno de um salário mínimo e, no geral, essas pessoas tem como profissão das mulheres apenas ser dona de casa e, os homens, são agricultores e/ou pecuaristas. E quanto ao tempo de moradia, a grande maioria das pessoas está nessas comunidades há mais de 20 anos. O conjunto desses indicadores caracteriza um alto grau de conhecimento destas pessoas sobre a região em estudo, tendo em vista o alto grau de dependência das comunidades dos recursos naturais disponíveis na região.

Dentro do observado nos indicadores das “Variáveis de estado”, estes dados estão dentro do esperado, pois a população brasileira, bem como a população da zona rural tem na faixa etária entre de até 50 anos sua maior representatividade. Além disso, as pessoas entrevistadas foram escolhidas, sempre com idade acima de 18 anos, como dito anteriormente. O grau de instrução das pessoas, também demonstrou uma relação direta com a renda das famílias pesquisadas, pois nesses indicadores as pessoas que se declaravam analfabetas ou semi-analfabetas, normalmente também declaravam a renda da família como de até um salário mínimo.

4.2. Dimensão 1 - Variáveis de saída Esta Dimensão procura compreender as escolhas de usos que as pessoas entrevistadas tem em relação a ESEC seridó, como as pessoas percebem a Estação na questão dos usos e utilidades que esta UC possui para a vida, o dia-a-dia das pessoas e das instituições às quais elas pertencem como funcionários, proprietários ou apenas cidadãos. A análise dessas variáveis temo intuito de perceber e identificar nos discursos das pessoas a qualidade e importância da ESEC para a região. 4.2.1. Problemas identificados na ESEC

Os problemas identificados pelas pessoas entrevistadas aparecem aqui na mensuração do grau de conhecimento que estas possuem sobre o atual estado de conservação da ESEC Seridó, em relação aos problemas que esta Unidade de Conservação enfrenta, quais são esses principais problemas e quem são os causadores desses impactos.

Nesse indicador, a caça e o desmatamento, como conseqüência da falta de fiscalização, e de incentivos por parte do governo, além da falta de consciência dos próprios moradores das fazendas, são os problemas mais observados pelos moradores, o que inviabiliza o funcionamento mais adequado da ESEC para a preservação do meio ambiente. Os entrevistados indicam os próprios vizinhos da Estação como os principais caçadores e causadores dos problemas da ESEC, porém também citam o governo como negligente quanto à falta de controle sobre esses impactos.

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Diante desses resultados, torna-se perceptível que as pessoas conhecem bem os problemas que a ESEC enfrenta, e que estes podem ser resolvidos, não apenas por eles e sim pelos próprios funcionários da Estação, frente a novas atitudes, e ao fortalecimento das práticas já adotadas na UC, como pode ser constatado nas afirmações seguintes: “Os vizinhos caçam e deviam preservar, as pessoas caçam dentro das juremas, andam armadas e é muito difícil de ser controlado, só dando emprego pra todo mundo”. (Moradora do entorno – Entrevistada n° 16). “Hoje estão desmatando em todo canto e se diz que o calor piora quando se desmata, não se deve desmatar”. (morador do entorno – Entrevistado n° 35) “Proteger o ambiente, por que se continuar o desmatamento e a matar os animais, vai desgastar o ambiente e a tecnologia vai aumentar mais e o calor também”. (Morador do entorno – Entrevistado n° 42). “Acho que devido a pouca quantidade de pessoas monitorando a área e a falta de consciência de alguns, faz com que não seja preservado como deveria, principalmente em relação a fauna e flora” (Professora do município – Entrevistada n° 17). 4.2.2. Sugestões de estratégias para preservação da ESEC

Conhecer o grau de capacidade para a solução dos problemas indicados pelas pessoas entrevistadas, quais as principais soluções para a preservação da ESEC, é o objetivo desse indicador, que demonstra a percepção das pessoas em relação ao que deve ser feito e que tipo de tomada de decisão deve-se ter, por parte das populações do entorno e da própria administração da ESEC.

Os moradores indicam nessa fase, que acabar com a caça através do aumento da fiscalização é a melhor forma de manter a ESEC em seu adequado funcionamento, que eles consideram ser algo bom para a região. O que demonstra que eles colocam a responsabilidade e a demanda de poder sobre a preservação da ESEC totalmente sobre os gestores dessa Estação, afirmando que a população só irá parar de caçar se a fiscalização aumentar sobre as regiões mais susceptíveis a estas práticas. Este indicador mostra que as populações concentram suas sugestões de preservação da Unidade de Conservação nos esforços do governo em fiscalizar a área da ESEC contra as pessoas que praticam a caça, e a extração vegetal: “Por que é uma judiação com os animais, deve revistar a mata toda noite por causa dos caçadores”. (Morador do entorno – Entrevistado n° 19). “Por que se liberar deixa de ser área de preservação, deve ter mais investimento político, pois é uma área de muito valor, vem gente de muitos lugares para fazer pesquisa”. (Morador do entorno – entrevistado n° 21). “Deve aumentar ainda mais, por que o trabalho de lá é bom, e podem melhorar, eles tem que agir mais contra os caçadores, e todos os invasores”. (Morador do entorno – entrevistado n° 79). “Precisa haver uma maior fiscalização no que tange a fauna, constantemente atacada por caçadores” (Professora do município – Entrevistada n° 01).

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4.2.3. Nível de conhecimento sobre a ESEC

O indicador Nível de Conhecimento sobre a ESEC, é utilizado para demonstrar e mensurar o grau de relacionamento que o grupo de entrevistados possui com essa Estação Ecológica, para que se obtenha um perfil sobre o nível de conhecimento dessas pessoas com suas percepções e usos sobre esta UC.

Os entrevistados demonstraram ter um relacionamento muito próximo com a ESEC e seus recursos naturais, passando com freqüência pela estrada que cruza a Estação, e fazendo visitas freqüentes. Eles conhecem a ESEC e até mesmo o objetivo dessa Unidade de Conservação frente à região onde eles vivem. Observa-se na fala dessas pessoas que eles têm um grande nível de intimidade com a ESEC, visitando-a com freqüência, pois todos de certa forma têm algum tipo de relação com os recursos da Estação ou com seus funcionários.

Este indicador informa que em geral as pessoas conhecem a Estação Ecológica e já a visitou, ou ao menos passou por sua estrada, no mínimo uma vez, e muito dos entrevistados declararam já ter trabalhado na ESEC para os mais diversos fins, desde a construção civil, até a prática da extração animal, como a pesca. O que revela um alto nível de conhecimento por parte da população residente no entorno com a ESEC: “Trabalhei na estação como policial, e quando vou é apenas para visitar” (morador do entorno – entrevistado n° 35) “Visitei poucas vezes, para trabalhar na construção da sede, e passo por lá de passagem pela estrada”. (morador do entorno – entrevistado n° 77). “Fui visitar muitas vezes, trabalhei lá, passo pela estrada”. (morador do entorno – entrevistado n° 90). “Já visitei a ESEC algumas vezes com meus alunos”. (Professora do município – entrevistada n° 14). De acordo com os resultados obtidos para a dimensão “Variáveis de saída”, observa-se que o grau de conhecimento da população sobre os impactos e problemas da ESEC é muito satisfatório, pois os problemas indicados por eles, são os mesmo, que constam no plano de manejo desta Estação, mas eles não se colocam como os agentes que devem participar da resolução desses problemas dando ao órgão responsável pela UC, a função de resolver os problemas através de sua fiscalização, o alto nível de conhecimento dessas pessoas, em relação a ESEC demonstra ser satisfatório, para a tomada de decisão da gestão dessa área com a colaboração dos moradores do entorno. 4.3. Dimensão 2 - Processos de Percepção Conhecer a percepção das pessoas entrevistadas, em relação ao que a ESEC representa para o grupo estudado, como essas pessoas se relacionam com esta UC e com seus recursos naturais e humanos, é o propósito central dessa dimensão. A partir daí será traçado um prefil sobre a presença da ESEC na vida das pessoas, e assim se tenha uma idéia da participação destas na gestão e funcionalidade dessa Estação como instituição de preservação da natureza dessa região de Caatinga.

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4.3.1. O que a ESEC representa para o entrevistado

O que a Estação Ecológica do Seridó representa para as comunidades de seu entorno, qual a importância dessa área de preservação na vida das pessoas entrevistadas, é o que esta categoria apresenta, com o propósito de identificar nas pessoas e representatividade da estação no cotidiano das comunidades pesquisadas.

A categoria revelou que a ESEC é vista pelos moradores como uma instituição de preservação do meio ambiente, e que representa para eles bem-estar e segurança, por ser um órgão público que fiscaliza a região, dando a eles a presença de autoridades diretamente ligadas ao governo, que protege as fazendas de intervenções externas, aumentando o numero de animais e plantas disponíveis até mesmo em suas terras, através do cuidado com a natureza que deve de alguma forma ser cuidada, pelo homem. O IBAMA, nesse caso é o maior responsável por esta prática.

O perfil identificado na percepção da população sobre a representatividade da ESEC na vida das pessoas, é positivo. A ESEC é considerada necessária para a região, por ser um órgão público que inspira confiança nas pessoas e trás práticas de desenvolvimento, na opinião dos entrevistados, como a presença de pesquisadores: “Um meio de preservar o meio ambiente, eles mostram que não se pode estar destruindo a natureza”. (moradora do entorno – Entrevistada nº. 28). “Uma proteção por que existe muita gente mal no mundo, agente se sente mais protegido pela presença do policial que vive lá”. (moradora do entorno – entrevistada n° 16) “Um lugar bom por que tem o IBAMA para ajudar nas fazendas, não permite que as pessoas de fora levem as coisas da fazenda”. (Morador do entorno – Entrevistado n° 29). “A preservação do meio ambiente para o equilíbrio do planeta e o conhecimento das futuras gerações”. (Professora do município – Entrevistada n° 10). 4.3.2. Descrição da ESEC pelo entrevistado

Este indicador tem o propósito de traçar o perfil da descrição da ESEC por parte da população de seu entorno e, conhecer a definição da percepção destes sobre a UC em análise. È imprescindível conhecer as concepções das pessoas sobre a ESEC.

Constatou-se que as pessoas descrevem a ESEC como uma área organizada, mas que deixa a desejar na sua fiscalização, que trouxe coisas positivas para a região, como a diminuição da pesca e o aumento das áreas de mata, além de trazer conhecimento, inclusive o científico e segurança para as fazendas do seu entorno. É uma área que vai além da preservação da natureza, trazendo segurança para as áreas e fazendas que estão no seu entorno mais imediato: “Uma estação ecológica muito bem zelada, que protege muito bem o animais e plantas, que luta contra os caçadores, que são os maiores predadores que agente tem aqui; muitos caçam só por prazer”. (morador do entorno - Entrevistado nº. 06) “É um negocio que preserva os animais, a natureza. Tem um museu, segurança, palestras, etc.”. (Morador do entorno – Entrevistado n° 07)

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“Houve uma grande mudança, muitas construções, já não é mais desmatado, não tem mais curral de gado e a mata aumentou”. (Morador do entorno - Entrevistado nº. 49). “Um espaço reservado à preservação de todos os recursos da natureza em especial animal e vegetal, como também um lugar de estudo possibilitando fazer a relação da teoria com o concreto”. (Professora do município – Entrevistada n° 04). 4.3.3. Formas de relacionamento do entrevistado com funcionários da ESEC

Para esta categoria de análise, foi verificada a forma de relacionamento das pessoas do entorno com os funcionários dessa Unidade de conservação, para que se obtenha um perfil do nível de relacionamento desses grupos.

Os moradores normalmente têm pouco relacionamento com os funcionários e administradores da ESEC. Praticamente todos conhecem o policial que atua na fiscalização da Estação e da região como um todo. Eles relatam ter um bom relacionamento com os mesmos, e também demonstram confiança pelo trabalho que é realizado na ESEC. Fato muito positivo para a prática de estratégias de gestão que venham a incluir as populações; uma visão positiva por parte dos entrevistados é observada, mesmo nos casos em que o contato com os funcionários é muito pequena, como mostram os discursos abaixo: “São pessoas muito boas, não tenho nenhuma queixa, Irmão, Rúbia, Alvamar, Adalberto, Carlos.”. (moradora do entorno – Entrevistada n° 01). “Tenho uma boa relação, conheço Irmão e sua família” (Morados do entorno – Entrevistada n° 67). “Conheço todos os administradores e funcionários” (Morador do entorno - Entrevistado n° 47). “Pena que na maioria das vezes que procuramos o responsável, é praticamente em vão”. (Professora do município – Entrevistada n° 16) O perfil de respostas obtido para a dimensão “Processos de percepção”, no que tange as formas de relacionamento, descrição e representação da ESEC para as pessoas entrevistadas, é uma descrição que coloca a ESEC como uma área de propriedade do governo que traz benefícios à região onde ela está localizada; que vai além da preservação da natureza, pois as pessoas se referem a ela de maneira muito pessoal, trazendo a ESEC para o seu cotidiano, para a segurança e proteção das fazendas onde estas pessoas vivem e trabalham, relatando inclusive uma maior organização da região por conseqüência da implantação desta Unidade de Conservação. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base nos resultados dessa pesquisa, conclui-se que a população pesquisada apresenta características socioeconômicas e culturais próprias, influenciadas por sua origem e atividades realizadas. Têm um tempo de moradia muito longo nas comunidades, o que reflete no seu conhecimento sobre a região pesquisada, quase

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metade é analfabeta ou semi-analfabeta e possui renda familiar abaixo de um salário mínimo, dados comuns aos encontrados para regiões rurais no Brasil. Como dito anteriormente na nossa fundamentação teórica, as pessoas que habitam o entorno de áreas de conservação como a ESEC Seridó, vêem essas unidades como importante para a região onde elas vivem, apesar de apontarem muitos problemas que envolvem o funcionamento adequado e a gestão dessas, apontando inclusive soluções que devem ser tomadas para que a efetiva atuação destas áreas de proteção seja alcançada. A convivência muito acentuada dessas pessoas com a ESEC lhes proporciona um conhecimento muito amplo da real situação desta UC, trazendo nesse ponto a possibilidade da inclusão de suas opiniões, visões e percepções para o modo de gerir esta ESEC, para uma melhor atuação dessa instituição frente às pessoas com as quais ela tem maior grau de proximidade, para que seja possível, com isso, a participação dessas comunidades na preservação dos seus recursos naturais. Nas entrevistas pode-se observar, também, que as pessoas conhecem os problemas e indicam soluções para os mesmos, porém, pelo fato de a ESEC ser uma instituição do poder estadual, tais pessoas colocam a maior parte da responsabilidade, de atitudes e estratégias para a sua conservação, no próprio Governo, não trazendo para si a responsabilidade de proteger a ESEC. Mas sabem que são os moradores de seu entorno, em menor escala, e pessoas de regiões mais distantes, em maior escala, os causadores do problema de maior proporção enfrentado, pela ESEC Seridó, a caça. Tendo em vista todo o explicitado, observa-se que levar em conta a opinião e o conhecimento de populações que habitam o entorno de áreas de preservação da natureza, é algo muito relevante para a adequação e melhor funcionalidade dessas áreas, pois essas populações possuem um alto nível de conhecimento sobre essas áreas, seus recursos e problemas enfrentados, podendo apontar soluções possíveis sendo, portanto, possíveis aliados nas práticas de gestão e estratégias de conservação. 6. REFERÊNCIAS BARDIN, L., Análise de conteúdo. São Paulo: Editora Persona, 1977. CÂNDIDO, G.A. Sofrimento físico e mental de auxiliares de enfermagem numa abordagem gerencial: um estudo de caso. Revista de Ciências da Administração. v.6, n.11, p.1-24, 2004. CAMACHO, R.G.V.; BAPTISTA, G.M.M. Análise geográfica computadorizada aplicada à vegetação da caatinga em unidades de conservação do Nordeste: A Estação Ecológica do Seridó-ESEC/RN/Brasil. In: XII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Goiânia, INPE, 2005. p.2611-2618. CAMPHORA, A.L.; MAY, P.H. A valoração ambiental como ferramenta de gestão em unidades de conservação: há convergência de valores para o bioma Mata Atlântica? In: Megadiversidade. Conservation International . v.2, n.1-2, p.24-38, 2006. COSTA, I. O capital social como instrumento para viabilização do desenvolvimento local: Um estudo comparativo entre localidades participantes do pacto “Novo Cariri” dentro do programa SEBRAE-PB / Rede DLIS. 2007. 118p. Dissertação (Mestrado – Área de concentração em Engenharia de Produção) PPGPE. Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa. COSTA, T.B.G. Estrutura da comunidade de serpentes de uma área de caatinga do nordeste brasileiro. Dissertação (Mestrado – Área de concentração em biodiversidade). 2006. 64p. PRODEMA, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal.

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Capítulo 02. PERCEPÇÕES E USOS DE RECURSOS FAUNÍSTICOS POR

COMUNIDADES DO ENTORNO DE UMA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DO

NORDESTE DO BRASIL

Artigo aceito pela Acta Scientiarum. Biological Sciences

(texto formatado conforme recomendações deste periódico)

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PERCEPÇÕES E USOS DE RECURSOS FAUNÍSTICOS POR COMUNIDADES

DO ENTORNO DE UMA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DO NORDESTE DO

BRASIL

RESUMO. A Biodiversidade é ameaçada por muitas atividades humanas impactantes, e

a criação de novas Unidades de Conservação (UCs), tentam minimizar essas ameaças,

mas isso, por si só, não têm levado aos resultados esperados. O estabelecimento de

parcerias com comunidades locais, através de pesquisas que incluam a percepção dessas

pessoas vem sendo aplicadas. A Percepção Ambiental tem sido utilizada para conhecer

e aperfeiçoar a relação homem-ambiente nessas áreas. A Caatinga, Bioma que sofre

ameaças e perdas devido a ações antrópicas, possui poucas áreas protegidas por UCs

necessitando desta e de outras ações de conservação. Uma das UCs da Caatinga é a

Estação Ecológica do Seridó (ESEC Seridó). Foi elaborado um instrumento de pesquisa

baseado na Percepção Ambiental, aliado aos conceitos da Etnozoologia, para conhecer

as comunidades que habitam o entorno dessa ESEC, suas percepções e usos sobre a

fauna local. Realizaram-se 92 entrevistas em 04 comunidades, obtendo-se, 514 citações,

identificadas em 58 nomes vernaculares. O animal mais citado foi a ema (Ave) com 58

citações, e os usos em destaque, são: medicinal e alimentação humana. O conhecimento

da população mostrou-se rico e pode constituir uma forma de parceria para o processo

de gestão dos recursos naturais da ESEC Seridó.

Palavras-Chave: Percepção Ambiental, Etnozoologia, Caatinga, ESEC Seridó.

Abstract. Biodiversity is threatened by many impacts derived from human activity, and

the implementation of protected areas as a way to reduce this damage, has not led to the

expected results. partnerships are being established between the CU administrations and

the local communities in order to foster conservation plans. Environmental Perception

techniques are being utilized to advance man-environment relations in critical areas.

The Caatinga biome, largely affected by anthropogenic damage, lacks CU´s and is in

serious need of effective conservation efforts. The ESEC is one of the few CU in the

Caatinga of Rio Grande do Norte State (NE Brazil), and was selected for a study of

Environmental Perception using concepts of Ethnozoology in order to investigate the

Local ecological knowlodge about local fauna. A total of 92 interviews were carried out

in four communities resulting in 514 citations indentified in 58 vernacular names. The

most cited animal was the rhea with 58 citations. The uses reported for this species were

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human food and medicine. The knowledge about local fauna proved to be rich and can

be the proper management of the natural resources of the ESEC Seridó.

Key words: Environmental perception, etnozoology, Caatinga, ESEC Seridó.

INTRODUÇÃO

A conservação da biodiversidade é um assunto bastante debatido na atualidade, e

suas diversas formas de abordagem também estão em foco, pois, em todo o mundo,

comunidades biológicas que passaram milhões de anos para se desenvolver, vêm sendo

devastadas pelas ações do homem (PRIMACK, 2000). As ameaças à diversidade

biológica são duplamente aceleradas, pela demanda de um rápido aumento na

população humana e pelo consumo de material biológico (CULLEN et al., 2004). Esta

situação é exacerbada pela distribuição desigual desses recursos naturais,

acentuadamente em muitos países tropicais como o Brasil, que tem uma alta diversidade

de espécies.

O mau uso dos recursos da Caatinga tem causado danos irreversíveis a este

Bioma, pois o processo de desertificação já afeta cerca de 15% de sua área, e as

conseqüências de anos de extrativismo predatório são visíveis, como as perdas

irrecuperáveis da diversidade da flora e da fauna (SCHOBER, 2002). Nos últimos anos,

aumentou o interesse de proprietários rurais em transformar parte de suas propriedades

em área protegida, visando principalmente a conservação do ambiente natural; no

entanto, o número de Unidades de Conservação (UC’s) na Caatinga ainda é muito

reduzido (SILVA, 2004).

Entre as UC's da Caatinga em nível estadual, no Estado do Rio Grande do Norte,

encontra-se a Estação Ecológica do Seridó – ESEC Seridó, que é muito próxima a uma

propriedade agrícola e em sua zona de amortecimento, estão várias outras comunidades

que se utilizam dos recursos naturais, em muitos casos, de maneira extensiva.

As populações habitantes do entorno de Unidades de Conservação, que ali já

existiam antes da criação dessas áreas, tem seu método de uso e manejo das espécies

nativas, bem como de espécies introduzidas, e possuem um conhecimento empírico, o

etnoconhecimento, muitas vezes desconhecido pela comunidade científica (TUAN,

1980), este geralmente tem sua utilidade real em seu dia-a-dia, e esses usos

normalmente influenciam o funcionamento adequado dessas Unidades de Conservação.

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Além disso, Tuan (1980) elenca alguns tópicos, como: a apreciação estética, o

contato físico, saúde, topofilia, familiaridade e patriotismo, como agentes que

aproximam ainda mais o homem do seu ambiente.

A Percepção Ambiental é um instrumento de pesquisa, que vem sendo utilizado

em áreas do conhecimento ligadas aos temas Educacional, Social e Ambiental para

melhorar a qualidade de vida das pessoas e da natureza (MARIN, et al., 2003), bem

como de instrumento para análise e resgate do conhecimento local, podendo ser aliada a

outras áreas do conhecimento, para um melhor esclarecimento da relação homem-

ambiente.

O conceito de Percepção Ambiental utilizado neste estudo é o mesmo proposto

pela MAB/UNESCO: “Uma tomada de consciência e a compreensão pelo homem do

ambiente no sentido mais amplo, envolvendo bem mais que uma percepção sensorial

individual, como a visão ou audição (WHYTE, 1978)”.

No intuito de conhecer melhor a relação do homem com animais e as percepções

associadas a este tema, aliou-se neste estudo, a Percepção Ambiental com conceitos da

Etnozoologia. De acordo com Rocha-Mendes et al. (2005) a Etnozoologia pode ser

entendida como a forma com que as diferentes populações percebem, classificam e

entendem os recursos animais, dessa forma podendo ser associada aos conceitos da

Percepção Ambiental.

A interdependência da espécie humana com os demais elementos bióticos da

natureza tem sido explicada pela hipótese da biofilia descrita por Wilson (1984) citada

por Santos-Fita e Costa-Neto (2007), e sugere que o homem teve 99% de sua história

evolutiva intimamente envolvida com outros seres vivos, possuindo uma conexão

emocional inata com as demais espécies da Terra, ligação esta que varia da atração à

aversão, da admiração à indiferença, tendo desenvolvido um significativo sistema

informacional acerca das espécies e do ambiente, que se traduz nos saberes, crenças e

práticas culturais relacionados com a fauna de cada lugar.

Neste estudo foi analisada a Percepção Ambiental e os usos por comunidades do

entorno da Estação Ecológica do Seridó, especialmente sobre a fauna nativa da Caatinga

do Rio Grande do Norte, utilizando os conceitos da Etnozoologia.

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MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

A ESEC estadual do Seridó (ESEC Seridó) está situada no município de Serra

Negra do Norte – RN, em uma área de Caatinga de 1.166,38 ha, entre 6°35' S e 37°15'

W (Figura 1). Criada pelo Decreto de lei n° 87.222 em 31/05/1982.

Figura 1. Localização Geográfica do município de Serra Negra do Norte, em destaque a ESEC Seridó.

Comunidades pesquisadas: 01) Fazenda Solidão; 02 e 02A) Lagoa da Serra, 03) Fazenda da Coruja 04)

Sítio Carnaubinha e 05) Sítio Logradouro Modificado da Fonte: Plano de manejo da ESEC Seridó -

IBAMA.

A ESEC Seridó constitui uma área relevante para averiguação de gestão adequada

e efetiva preservação da diversidade, uma vez que é objeto de pesquisas sobre

diversidade biológica, distribuição geográfica e caracterização dos principais padrões de

vegetação preservada na Caatinga do Seridó do Rio Grande do Norte. Além disso,

abriga inúmeras espécies animais, e segundo Costa (2006) alguns constituindo novos

registros e/ou endemismos para a região. Esta UC é uma área de referência para

estudos acerca da fauna e da flora da Caatinga do Semiárido do Rio Grande do Norte

por ser a única UC de proteção integral da região e contar com a interação das

populações do seu entorno.

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- 33 -

Metodologia de trabalho e de Coleta de dados

Estudo exploratório preliminar da ESEC Seridó e de seu entorno mais imediato

foi realizado através de visita a essa UC, no intuito de selecionar as comunidades e as

pessoas a serem entrevistadas (Figura 1), sendo moradores do entorno imediato da

Estação, com idade acima de 18 anos.

Posteriormente, baseando-se nos princípios da Percepção Ambiental apresentados

por Whyte (1978) e Tuan (1980) e utilizados em pesquisas em Unidades de

Conservação (SANTOS et al., 2000; MAROTI et al., 2000; SILVA, 2006) foi

construído o instrumento de pesquisa que consistiu de um questionário com perguntas

abertas e fechadas, associadas à questões de caracterização dos entrevistados.

As pessoas que participaram da pesquisa foram escolhidas de maneira generalista.

Para obter um perfil completo da relação dessas comunidades com os recursos

faunísticos, procurou-se entrevistar no mínimo uma pessoa de cada casa existente nas

comunidades selecionadas.

Os dados foram coletados de setembro de 2007 a maio de 2008, com uma média

de uma visita mensal com duração de uma semana a cada comunidade, sendo que, nos

meses seguintes foram realizados retornos para novas entrevistas nas casas que

porventura foram encontradas fechadas. As pessoas eram abordadas uma de cada vez,

os questionários respondidos individualmente, e as respostas anotadas pelo mesmo

pesquisador. Esta forma de entrevista foi adotada para desenvolver uma relação de

amizade com os entrevistados, além de dar espaço para as pessoas falarem a respeito de

suas vidas, experiências e idéias.

Os nomes vernaculares citados pelos 92 entrevistados foram transcritos para a

nomenclatura científica, até o nível de ordem, utilizando-se bibliografias de Pough et al.

(2003), para os vertebrados e Rupert et al. (2005) para os invertebrados. Estas

identificações foram suplementadas com consulta a especialistas sobre a fauna local.

Em seguida, as informações submetidas a análises simples (percentagens), de

modo a colocar em relevo os dados obtidos, para que se classificasse em categorias de

respostas contendo os respectivos usos, o número de citações de cada um, e a

classificação científica para cada exemplar. A lista oficial de espécies ameaçadas de

extinção do Ministério do Meio Ambiente também foi consultada, bem como, a Lista da

Organização Mundial de saúde (OMS CID-10), para a classificação das doenças

tratadas nas indicações dos animais com propriedades medicinais.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 92 moradores entrevistados, apenas um (0,7%) disse não conhecer nenhum

animal da ESEC Seridó; os demais citaram um ou mais animais nativos, tendo sido

contabilizados um total de 514 (quinhentas e quatorze) citações, das quais 58 (cinquenta

e oito) foram identificados como sendo diferentes animais, já as citações de animais

exóticos à Caatinga, foram descartadas para este estudo.

A classificação zoológica vernacular corresponde a como os seres humanos

percebem, identificam e utilizam os animais, levando em conta os costumes e

percepções próprias de cada cultura (BEGOSSI, 2003; RAZERA et al., 2006), onde se

observou que os moradores percebam e citem mais os animais com os quais eles

apresentam maior afinidade, seja ela emocional ou utilitária.

As citações feitas pelos entrevistados durante este estudo, correspondem a sete

grupos zoológicos: Aves (32%), Mamíferos (29%), Répteis (19%), Insetos (12%),

Anfíbios (3%), Aracnídeos 3% e Peixes (2%: Figura 2). Estes resultados mostram que

os vertebrados são mais citados que os invertebrados, corroborando os dados obtidos

por Silva (2006), Torres et al. (2007) e Razera et al. (2001), os quais relatam a maior

facilidade de perceber animais de maior porte, de uso utilitário e que tenham maior

contato no cotidiano dessas populações.

32%

29%

19%

12%

3%

3%

2%

0% 10% 20% 30% 40%

Aves

Mamíferos

Répteis

Insetos

Anfíbios

Aracnídeos

Peixes

Gru

pos

Zoo

lógi

cos

Figura 2. Percentual dos grupos zoológicos citados pelos moradores do entorno da ESEC Seridó, Serra

Negra do Norte, RN, como ocorrentes nesta Estação.

Os Mamíferos foram identificados em 17 nomes vernaculares diferentes, os

“répteis” em 11 e as aves em 18. Os anfíbios corresponderam a 08 citações, e 02 foram

aos animais citados: os sapos (89%) e gias (11%), ambos pertencentes ao táxon dos

Anuros (Tabela 1). As pererecas não foram citadas, mesmo sendo animais abundantes

na região, provavelmente, por serem arborícolas e não fazerem parte do cotidiano das

comunidades. Os peixes receberam apenas 01 (uma) citação, com o nome de peixe. Já

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os invertebrados, com 19 citações, aqui identificados como insetos e Aracnídeos, foram

classificados em 09 (nove) grupos vernaculares (Tabela 1). Os animais invertebrados,

apesar de terem um menor porte que os peixes, participam mais do dia-a-dia das pessoas

que habitam áreas naturalmente vegetadas, como é o caso da ESEC Seridó. Outros

estudos semelhantes como os de Costa-Neto, (2000) e Silva, (2006) demonstram que

animais terrestres como as aves e os mamíferos, e até os invertebrados, como os insetos,

são mais citados do que os peixes.

Tabela 1. Lista dos nomes vernaculares dos animais nativos da

Caatinga, citados nas entrevistas, relacionados por Táxon, número

de citações e usos.

Táxon Nome Vernacular

Nº. de citações

Uso1 Grupo mais abrangente

Ordem

Insetos Blattariae Barata 01 4

Hemiptera Barbeiro 01 4

Coleoptera Besouros 03 4

Lepidoptera Borboleta 01 4

Hymenoptera Formiga 01 4

Orthoptera Grilo 01 4

Diversas Insetos 04 4

Aracnídeos Araneae Aranha 06 4

Scorpiones Escorpião 01 4

Peixes Peixe 01 2

Anfíbios Anura Gia 01 4

Sapo 08 4

Répteis Testudines Cágado 04 1, 2, 4

Jabuti 04 2, 4

Squamata Calango 02 4

Camaleão 06 2, 3, 4

Cascavel 07 1,4

Cobra 57 1, 2, 4

Cobra de viado 09 1,4

Jararaca 02 1,4

Lagarto 01 4

Teju (Tijuaçu) 26 1, 2, 4

Crocodilia Jacaré 08 2, 4

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Aves Passeriformes Bem-te-vi 01 2

Casaca de couro 03 2

Canário 09 2, 3, 4

Concriz 04 2,4

Galo de campina 03 2, 4

Golinha preta 02 2

Graúna 02 2

Falconiformes Carcará 02 4

Gavião 14 4

Columbiformes Asa branca 05 4

Juriti 02 3

Cuculiformes Anu 02 4

Anseriformes Marreca 03 2

Strigiformes Coruja 03 4

Struthioniformes Ema 58 1, 2, 4

Gruiformes Galinha d'agua 02 2, 4

Podicipediformes Mergulhão 01 4

Aves 04 2, 4

Mamíferos Carnívora Gato azul 02 2, 4

Gato do mato (mirim) 11 2, 4

Gato vermelho 08 2, 4

Gato maracajá 02 4

Raposa 41 1, 4

Onça 04 5

Didelphimorphia Gambá 02 4

Guaxinim 19 2, 4

Ticaca 09 1, 2, 4

Timbu 05 2, 4

Rodentia Cutia 04 2, 4

Preá 18 2

Mocó 08 2, 4

Xenartra Peba 52 2, 4

Tamanduá 07 2, 4

Tatu (verdadeiro) 43 2, 4

Primates Macaco 04 4

Total = 58 Total= 514

1. Legenda. 1 - Uso Medicinal. 2 - Alimentação humana. 3 - Uso doméstico. 4 - Nada e/ou para a natureza.

O Animal mais lembrado pela população foi a ema com 58 citações, seguida pela

cobra com 57, peba com 52, tatu (verdadeiro) com 43 e a raposa com 41 citações. Esses

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dados podem ser justificados pelo fato de que esses animais participam muito do

cotidiano da população, são animais de maior porte, e no caso das emas e raposas além

de invadirem com freqüência as propriedades dos moradores, são utilizados como

alimento, em uso medicinal ou ambos (Tabela 1).

Dos 05 (cinco) táxons de Mamíferos, o que teve maior representatividade foi

Carnívora com (34%), seguido por Didelphimorphia com (24%). O mamífero mais

citado foi o Peba (Xenartra), Este resultado confirma o constatado por Silva (2006), que

justifica os Carnívora como os mais citados por serem animais com maior contato com

o homem, muitos deles constituindo alimento para as populações (RAZERA et al.,

2006), além de serem usados no tratamento de doenças (ALMEIDA e

ALBUQUERQUE, 2002).

Para as aves foram citados nomes vernaculares que correspondem a 13 (treze)

táxons; o que apresentou maior representatividade foram os Passeriformes (45%),

seguido por Falconiformes e Columbiformes com 11% cada (Tabela 1). A Ema

(Struthioniformes) foi o animal mais lembrado, com 58 citações, que correspondem a

31% das aves citadas (Tabela 1). Esta é a ave de maior porte da ESEC e do seu entorno,

aparece bastante nas plantações e também tem uso medicinal e como alimento humano,

outro fator importante para a citação da ema é que este animal, anteriormente extinto na

região, foi re-introduzido com a instalação da ESEC naquela região.

Para os anfíbios ocorreram 08 (oito) citações que correspondem ao táxon Anura, e

o animal mais representativo do grupo foi o sapo com 87% (07) das citações, seguido

pela gia com 13% (01 citação). Os anfíbios foram poucos citados provavelmente,

porque despertam na população sentimento de aversão e não são considerados úteis,

como relatado pelos moradores entrevistados. Além disso, estes animais são escassos

durante as estações secas, período em que a maioria das entrevistas foram realizadas.

No grupo dos Répteis, o animal mais citado foi a cobra com 57 citações (Tabela

1). Além de citado como um animal de múltiplo uso pela população, provoca medo e

respeito por parte das pessoas entrevistadas.

O Grupo dos Invertebrados, que teve a aranha com o maior número de citações

(33%) na fala dos moradores, teve também os insetos (Blattarie, Hymenoptera,

Coleoptera, Lepidoptera, Hemiptera e Ortoptera) como o táxon mais representativo,

com 63% das citações, seguido pelos Arachnida (Aranhas e Escorpiões) com 12

citações. Os invertebrados citados pelos entrevistados são os mesmos que normalmente

aparecem nas casas das pessoas, como as aranhas e os escorpiões, e estes são os

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mesmos animais citados com maior representatividade em estudos de etnozoologia

efetuados a partir da percepção de populações tradicionais (ROCHA-MENDES, 2005;

SANTOS-FITA e COSTA-NETO, 2007).

Usos atribuídos aos recursos faunísticos

Foram 04 (quatro) as categorias de uso identificadas nas entrevistas dos

moradores (Figura 3); a que teve maior representatividade, foi a de número 1 (Tabela

1), que corresponde a nada e/ou natureza (Figura 3) com 53% das citações. Isto ocorreu

pelo fato de que muitos dos animais quando não eram utilizados para alimentação e/ou

tratamento de doença, normalmente eram citados pelos moradores como não servindo

para nada, ou servindo apenas para a natureza.

53%

34%

10%

3%

0% 20% 40% 60%

1

2

3

4

Cat

egor

ias

de U

so

Figura 3. Percentual da distribuição das espécies de animais levantadas de acordo com a categoria de uso

pelas comunidades pesquisadas no entorno da ESEC Seridó. Legenda: 1. Nada e/ou para a Natureza. 2.

Alimentação Humana. 3. Uso Medicinal. 4. Uso Doméstico.

A segunda categoria mais citada e de uso pela comunidade foi a de numero 2

(Tabela 1), ou seja, alimentação humana (Figura 3), com 34% das respostas, pois os

animais mais citados como o peba, a ema e o tatu (verdadeiro), são animais largamente

utilizados na alimentação da população pesquisada. Outros estudos que incluem o item

alimentação nos usos dos pesquisados também apresentam esta categoria como a de

maior expressividade (SILVA, 2006; RAZERA et al., 2006).

Os animais com propriedades medicinais citados pelos moradores pertencem a

cinco táxons, dos quais os Répteis são os mais expressivos. A cobra foi o nome

vernacular com o maior número de indicações medicinais, com seis tratamentos

indicados (Tabela 2). Este resultado é semelhante ao encontrado por Alves et al. (2006)

que detectou que as cobras são utilizadas em tratamentos de doenças reumáticas, dores

musculares, dentre outras. A raposa, indicada para cinco tratamentos (Tabela 2), apesar

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de bastante citada neste estudo para o uso medicinal, não foi citada com esta finalidade

em outros estudos similares (ALMEIDA e ALBUQUERQUE, 2002; COSTA-NETO e

RESENDE, 2004; SILVA, 2006).

Tabela 2. Animais de usos medicinais de acordo com os moradores do Entorno da ESEC Seridó,

relacionados por nome vernacular, táxon, tratamento, classificação da doença (OMS CID – 10) e parte

do animal utilizada.

Nome vernacular/ táxon Tratamento indicado Classificação

da doença Parte do animal

utilizada

Cágado/ Testudines Dor na coluna V Carne

Cascavel/ Squamata Antiinflamatório/ garganta/ reumatismo VII, IV, V

Banha

Cobra/ Squamata Antiinflamatório/ garganta/ câncer/ analgésico/ reumatismo/ cicatrizante

II, IV, I, III, V, VII

Banha

Cobra de veado/ Squamata

Garganta/ Antiinflamatório/ analgésico/ reumatismo/ enfermidade de animais

IV, II, III, V, VII

Banha

Ema/ Struthioniformes Dor nos ossos V Banha

Jararaca/ Squamata Reumatismo XV Banha

Raposa/ Carnívora Antiinflamatório/ hemorróidas/ garganta/ reumatismo/ rachão dos pés

II, VI, IV, V, VII

Banha

Teju (Tijuaçu)/ Squamata Antiinflamatório/ garganta II, IV Banha

Ticaca/ Didelphimorphia Reumatismo V Carne 1. Legenda. I - Neoplasias [tumores]. II – Inflamações gerais. III – Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte. IV - Doenças do aparelho respiratório. V - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. VI - Doenças do aparelho geniturinário. VII - Lesões, envenenamento e algumas outras conseqüências de causas externas. Fonte: OMS – CID -10.

As doenças tratadas por animais medicinais mais lembradas pelos moradores e

classificadas de acordo com as orientações da OMS (Organização Mundial de Saúde),

foram as doenças do tecido osteomuscular e do tecido conjuntivo, como as dores na

coluna e reumatismo, com 28% das citações (Figura 4). Em segundo lugar, com 24%

das citações, estão as lesões, envenenamento e outras conseqüências de causas externas,

como as picadas de cobra e os cortes em geral; com 20%, ficaram as doenças do

aparelho respiratório (gripes, resfriados e sinusites; Figura 4).

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28%

24%

20%

16%

4%

4%

4%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%

7.

6.

5.

4.

3.

2.

1.

Cla

ssif

icaç

ão d

as d

oenç

as

Figura 4. Percentual de doenças identificadas como tento tratamento, por uso de animais citadas nas

entrevistas da população do entorno da ESEC Seridó. Legenda. 1. Neoplasias [tumores]; 2. Sintomas,

sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte; 3.

Doenças do aparelho geniturinário; 4. Inflamações gerais; 5. Doenças do aparelho respiratório; 6. Lesões,

envenenamento e algumas outras conseqüências de causas externas; 7. Doenças do sistema osteomuscular

e tecido conjuntivo.

As partes do corpo do animal utilizadas para os tratamentos foram: banha

(correspondente ao tecido adiposo do animal; 55%) e Carne (18%). Estes resultados são

próximos aos encontrados em estudos de animais medicinais como as cobras (ALVES,

2006), mamíferos e outros répteis com uso medicinal (ALMEIDA e ALBUQUERQUE,

2002), nos quais são utilizadas as mesmas partes do corpo desses animais para os

tratamentos indicados pelas comunidades entrevistadas.

Animais como algumas jararacas, bastante citadas para o uso medicinal,

correspondem a espécies endêmicas da Caatinga (Eliza Maria Xavier Freire, com. pes.).

Outros animais citados para a alimentação como o gato-do-mato e o tamanduá, são

citados na lista do Ministério do Meio Ambiente, como parte da fauna brasileira

ameaçada de extinção. A população, na maioria dos casos não tem conhecimento do

perigo aos quais estas espécies estão submetidas, e quando são informados da

necessidade de se manejar de maneira adequada à sobrevivência dessas espécies

ameaçadas, podem mudar sua forma e agir e pensar, especialmente em áreas de

conservação, como já mostrado em outros estudos (SANTOS et al., 2000b).

CONCLUSÃO

Os animais mais lembrados e citados pelos pesquisados são aqueles de maior

porte, de mais utilidade para a comunidade (p.ex. alimentação e medicinal), e os mais

visíveis durante o dia. Os usos alimentar e medicinal se destacam como relevantes em

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uma região carente, mas também demonstram a manutenção da cultura e dos usos

tradicionais nessas comunidades. Portanto, o conhecimento da população mostrou-se

rico, pois muitas foram as espécies nativas da Caatinga citadas pela população, o que

revela que estudos como este resgatam costumes e podem constituir o ponto de partida

para uma parceria entre a comunidade local, a científica e os gestores, em prol da

gestão adequada e conseqüente conservação da ESEC Seridó.

Observam-se nessas comunidades os usos coerentes nas indicações dos

medicamentos, e uma tradição nessas práticas, o que poderia subsidiar estudos

farmacológicos para o uso de animais na medicina. Outra prática seria utilizar

alternativas de substituição de alguns animais ameaçados, e mais amplamente aplicados

nos usos medicinais, por outros que estejam mais disponíveis e não ameaçados de

extinção, para uma utilização sustentável desses recursos animais.

AGRADECIMENTO

Os autores agradecem aos moradores do entorno da ESEC Seridó, por suas

contribuições e informações utilizadas para a elaboração deste estudo. Agradecem ao

Professor Adalberto Antônio Varela Freire, pela contribuição com a identificação das

espécies deste estudo.

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WILSON, E. Biophilia: the human bond with other species. Harvard University

Press, Cambridge, MA. 1984.

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Capítulo 03. ABORDAGEM ETNOBOTÂNICA SOBRE PLANTAS

MEDICINAIS CITADAS POR POPULAÇÕES DO ENTORNO DE UMA

UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DA CAATINGA DO RIO GRANDE DO

NORTE, BRASIL

Artigo submetido á REVISTA BRASILEIRA DE PLANTAS MEDICINAIS

(texto formatado conforme recomendações deste periódico)

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Abordagem Etnobotânica sobre plantas medicinais citadas por

populações do entorno de uma Unidade de Conservação da caatinga do

Rio Grande do Norte, Brasil

RESUMO: As Caatingas, único Bioma exclusivamente brasileiro, têm sofrido

um grande extrativismo de seus recursos, com perdas de sua diversidade

biológica associadas ao fornecimento de madeira e extratos vegetais. As

conseqüências impactantes sobre este Bioma têm levado à busca de

estratégias para a sua conservação, como a criação de Unidades de

Conservação (UCs), a exemplo da Estação Ecológica do Seridó (ESEC

Seridó), localizada no Estado do Rio G

rande do Norte, cujas comunidades de seu entorno mantêm uma forte relação

com esta ESEC. Como o mau uso dos recursos da Caatinga tem sido

fortemente associado às necessidades das populações que ali habitam, este

trabalho objetivou o estudo da percepção ambiental das comunidades do

entorno da ESEC Seridó, focando sobre o conhecimento dessas sobre plantas

de uso medicinal. Contabilizaram-se 48 espécies de plantas nativas e 39

exóticas, sendo 31 e 14 com propriedades medicinais, respectivamente. Foi

constatado um rico conhecimento dessas comunidades sobre as plantas

presentes nessa região, e a riqueza desses resultados são relevantes para

futuras estratégias de gestão nesta Unidade de Conservação.

Palavras-chave: percepção ambiental, etnoconhecimento, plantas nativas,

plantas exóticas.

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ABSTRACT: Ethnobotany approach on medicinal plants mentioned by

people from the environs of a conservation unit in the caatinga of Rio

Grande do Norte, Brazil. The caatinga, the only exclusively brazilian biome,

has suffered greatly from the unchecked extrativism of its natural resources with

the ensueing loss of its biodiversity mostly associated with the exploitation of

wood and plant extracts. The resulting impacts on the caatinga biome led to the

search for strategies for its conservation like the creation of Conservation Units

(UCs), such as the Ecological Station of Seridó (ESEC Seridó). The ESEC is

located in the central part of the state of Rio Grande do Norte (northeastern

Brazil) and the human communities in its environs maintain a strong relationship

with this conservation unit. Considering that the misuse of the resources of the

caatinga has been strongly linked to the needs of the people who share its

territory, this work seeks to investigate the environmental community's

perception of the ESEC, focusing on the popular knowledge about the plants

with medicinal use. This investigation recorded 48 species of native plants and

39 exotics, with medicinal properties known in 31 and 14 species respectively.

The communities surveyed showed a rich knowledge of the plant diversity found

in the region surrounding the ESEC and the wealth of these results are relevant

for planning management strategies in this Conservation Unit.

Key words: environmental perception, Ethno knowledge, native plants, exotic

plants

INTRODUÇÃO

A vegetação da Caatinga comumente está associada ao fornecimento de

recursos madeireiros e pela obtenção de alguns produtos da natureza. Não se

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tem vislumbrado alternativa que não seja a proteção total das áreas

remanescentes, principalmente quando se considera o uso intenso de algumas

espécies que apresentam uma esparsa distribuição e/ou pequenas populações

para se obter a conservação da biodiversidade, (Albuquerque & Andrade,

2002). O mau uso dos recursos da Caatinga, Bioma que ocupa mais de 11%

do território brasileiro, tem causado danos irreversíveis a este bioma, como o

processo de desertificação que já afeta cerca de 15% de sua área; as

conseqüências de anos de extrativismo predatório são visíveis, com perdas

irrecuperáveis da diversidade da flora e da fauna (Schober, 2002). Outra

prática que leva a perdas da biodiversidade é a introdução de espécies

exóticas em ambientes com características e cobertura vegetal próprias (Ziller,

2001) como é o caso da Caatinga (Schober, 2002), onde próximo a áreas de

preservação as populações cultivam plantas exóticas para as mais diversas

finalidades.

Diante do uso e ocupação desordenados, este Bioma que cobre uma

área bastante significativa do território brasileiro, correspondendo a 11.67%,

possui a clara necessidade de esforços para o conhecimento e preservação de

sua biodiversidade (Silva et al., 2004). Entre as Unidades de Conservação

(UCs) da Caatinga, encontra-se a Estação Ecológica do Seridó – ESEC Seridó,

que está contida em uma propriedade agrícola e, em sua zona de

amortecimento, estão várias comunidades que se utilizam dos recursos

naturais, particularmente de plantas medicinais.

Segundo Franco (2005) o uso popular de plantas medicinais é uma arte

que acompanha o ser humano desde os primórdios da civilização, sendo

fundamentada no acúmulo de informações repassadas oralmente.

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A percepção ambiental, definida como a tomada de consciência do

homem sobre o ambiente no qual ele está inserido, e que vem sendo utilizada

como instrumento de gestão em áreas do conhecimento ligadas aos temas

educacional, social e ambiental para melhorar a qualidade de vida das pessoas

e da natureza (Marin et al., 2003), pode constituir um importante instrumento no

estudo das plantas medicinais.

Além disso, a percepção ambiental é uma forma de entender as relações

do homem com o meio em que ele está inserido, principalmente em

comunidades próximas a áreas de preservação da natureza (Tuan, 1980;

Fontana, 2004).

Para conhecer melhor a flora da Caatinga da ESEC Seridó, a partir do

conhecimento tradicional do sertanejo sobre recursos naturais

(etnoconhecimento), tendo em vista a importância e a necessidade desse tipo

de abordagem, e a compreensão das relações das comunidades do entorno de

UC’s como a ESEC Seridó, propôs-se com este estudo a investigação da

percepção ambiental de moradores do entorno da Estação Ecológica do

Seridó, especialmente sobre as plantas com usos medicinais, sejam elas

nativas ou exóticas ao ambiente estudado, utilizando conceitos da

Etnobotânica, que inclui todos os estudos concernentes à relação mútua entre

as populações e as plantas (Rodrigues & Carvalho, 2001).

MATERIAL E MÉTODO

A Estação Ecológica do Seridó (ESEC Seridó) está situada no município

de Serra Negra do Norte – RN, em uma área de Caatinga de 1.166,38 ha, entre

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6°35' a 6°40' S e 37°15' a 37°20'W (Figura 1). Foi criada pelo Decreto de lei n°

87.222 em 31/05/1982 (Camacho & Baptista, 2005).

FIGURA 1. Localização Geográfica do município de Serra Negra do Norte, em destaque a ESEC Seridó. Fonte: Plano de manejo da ESEC Seridó- IBAMA.

A ESEC Seridó constitui uma área relevante para averiguação de gestão

adequada e efetiva preservação da diversidade, uma vez que é objeto de

pesquisas sobre diversidade biológica, distribuição geográfica e caracterização

dos principais padrões de vegetação preservada na Caatinga do Seridó do Rio

Grande do Norte. Além disso, abriga inúmeras espécies animais, algumas

constituindo novos registros e/ou endemismos para a região (Costa, 2006).

Estudo exploratório da ESEC Seridó e de seu entorno mais imediato foi

realizado através de visita a esta UC, para identificar as comunidades a serem

entrevistadas. Foram selecionados, moradores do entorno imediato da

Estação, com idade acima de 18 anos.

O Instrumento de pesquisa consistiu de uma entrevista estruturada, em

forma de questionário, associadas à questões de caracterização dos

entrevistados. Este instrumento foi baseado nos princípios da pesquisa em

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Percepção Ambiental apresentados por White (1978) e Tuan (1980), e os

questionamentos eram voltados para as práticas recomendadas para a

Etnobotânica, como os observados em Castellucci et al. (2000), Albuquerque &

Andrade (2002) e Albuquerque et al. (2008).

Para obter um perfil completo da relação dessa população com o uso de

plantas medicinais, numa amostra estratificada (Albuquerque et al., 2008)

entrevistou-se no mínimo uma pessoa de cada casa existente nas

comunidades selecionadas.

As citações vernaculares pelas comunidades foram adaptadas e

classificadas para a nomenclatura científica em nível de espécie para as

plantas nativas, utilizando-se bibliografias especializadas e informações do

herbário da ESEC Seridó.

Os dados foram levantados de setembro de 2007 a maio de 2008, com

uma média de uma visita mensal a cada comunidade, sendo que, foram

realizados retornos para novas entrevistas nas casas que porventura foram

encontradas fechadas.

As entrevistas foram realizadas através de diálogos. As pessoas eram

abordadas uma de cada vez, os questionários respondidos individualmente, e

as respostas anotadas pelo pesquisador.

Seguiu-se o sistema de classificação de Cronquist (1988) para identificar

as espécies, e través de bibliografia especializada e com a colaboração

pesquisadores com especialização neste Bioma, selecionaram-se quais eram

as espécies nativas e exóticas à Caatinga, para comparação entre elas. Esta

classificação foi complementada com consulta a especialistas locais e ao

herbário da ESEC Seridó, do qual se utilizou, o número de coleta de cada

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espécie nativa da Caatinga da ESEC. Para as plantas exóticas, se chegou a

identificação em nível de família, pois, o trabalho não objetivou a coleta de

exemplares.

Os resultados das 92 entrevistas realizadas foram então submetidos a

análises simples (percentagens) de modo a colocar em relevo as informações

obtidas, classificando-as em categorias de respostas que incluíam os usos, o

tratamento indicado e a classificação da doença segundo a OMS CID-10

(2000), número de citações, tratamento indicado, parte da planta utilizada e

formas de uso.

RESULTADO E DISCUSSÃO

O uso medicinal das plantas no entorno da ESEC Seridó constitui um

arsenal terapêutico de grande importância, pois estas são utilizadas como

fontes medicamentosas em preparações tradicionais de cura nas comunidades

através de chás (infusão), garrafadas, sucos e xaropes, produzidos com as

espécies nativas e exóticas (Tabelas 1 e 2; Figura 3).

Foram identificadas 48 (quarenta e oito) espécies nativas nas entrevistas,

das quais 31 foram citadas como tendo propriedades medicinais; e para as 39

exóticas à Caatinga identificadas, 14 (quatorze) foram citados como medicinais

(Tabelas 1 e 2).

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TABELA 1. Plantas nativas existentes na ESEC, com usos medicinais citadas pelos moradores entrevistados.

Nome vernacular/ Familia / Nome cientifico Tratamento indicado

Classificação da doença1

Nº. de citações

Parte da planta utilizada

Nº. de depósito na ESEC Formas de uso

Ameixa/ Olacaceae/ Ximenia americana L Antiinflamatório/ cicatrizante VII, XV 06 Casca 0036 Infusão/ xarope Angico/ Mimosaceae/ Anadenanthera colubrina Antiinflamatório/ gripe/ cicatrizante VII, X, XV 17 Casca / exudato 0047 Xarope Aroeira/ Anacardiaceae/ Miracrodruon urundeuva

Antiinflamatório/ cicatrizante/ Câncer/ próstata

VII, XV, II, XIV 10 Casca 0084 Infusão/ xarope/ garrafada

Batata de purga/ Convolvulaceae/ Operculina macrocarpa (L.)Urb. Verminose I 01 Raiz/ fruto 0183 Infusão Cabacinha/ Cucurbitaceae/ Luffa operculata (L.)Cogn. Abortivo VI 01

Casca 0216 Infusão

Capitãozinho/ Amaranthaceae/ Gomphrena demissa Mart. Gripe, resfriado X, X 01 Casca 0195 Infusão Carrapicho cigano/ Asteraceae/Compositae/ Bidens pilosa L. Gripe, resfriado X, X 01 Raiz 0206 Infusão

Catingueira/ Caesalpiniaceae/ Caesalpinia pyramidalis Tul.

Antiinflamatório/ cicatrizante/ próstata/ analgésico/ diarréia/

gastrite/ gripe/ reumatismo

VII, XV, XIV, VIII, XI, X, XII 19 Casca/ fruto 0012

infusão/ garrafada/ xarope/ suco do fruto

Chanana/ Turneraceae/ Turnera subulata SM. Reumatismo XIII 01 Folha 0008 Infusão Cidreira/ Verbenaceae/ Lippia alba (Mill.) N.E.Br. Calmante/ analgésico V, VIII 03 Folha 0133 Infusão Cumaru/ Fabaceae/ Amburana cearensis (Fr.All.) A. C.Smith

Antiinflamatório/ cicatrizante/ gripe/ sinusite

VII, XV, X, X 21 Casca 0027 inalação/ infusão/ xarope

Espinheira/ Mimosaceae/ Chloroleucon foliolosum (Benth.)G.P.Lewis Antiinflamatório VII 01 Casca 0170 Infusão Favela/ Euphorbiaceae Cnidoscolus quercifolius Pohl ex Bail. Cicatrizante/ dor de dente/ câncer XV, VIII, II 04 Casca/ exudato/ raiz 0002 Garrafada Fedegoso/ Boraginaceae/ Heliotropium indicum L. Gripe, resfriado X, X 02 Raiz 0033 Inalação/ infusão Imburana/ Burseraceae/ Commiphora leptophloeos (Mart.) Gillett. Doença renal XIV 01 Casca 0050 Garrafada Juazeiro/ Rhamnaceae/ Zizyphus joazeiro Mart. Gripe/ contra caspa/ dor de dente

X, XII, VIII

05

Casca

0046

Maceração

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Continuação - Tabela 1 Jucá/ Caesalpiniaceae/ Caesalpinia ferrea Mart. Ex Tul. Var. ferrea Antiinflamatório/ reumatismo VII, XIII 06 Fruto 0013 Garrafada Jurema/ Mimosaceae/ Mimosa ophthalmocentra Mart.ex Benth.

Antiinflamatório/ cicatrizante/ dor de dente/

VII, XV, VIII 22 Casca 0007

Xarope/ garrafada/ infusão

Manjerioba/ Caesalpiniaceae/ Senna occidentalis (L.) Link. Anemia III 01 Casca 0011 Maceração Marmeleiro/ Euphorbiaceae/ Croton sonderianus Muell.Arg. Diarréia XI 12 Casca 0196 Infusão/ garrafada Mastruz/ Chenopodiaceae/ Chenopodium ambrosioides L. Antiinflamatório/ cicatrizante/ gripe VII, XV, X 02 Folha 0231 Infusão/ suco Mofumbo/ Combretaceae/ Combretum leprosum Mart. Gripe/ tosse/ diarréia X, X, XI 10 Casca/ raiz 0006 Xarope/ garrafada Mororó/ Caesalpiniaceae/ Bauhinia cheilantha (Bong.) Steud. Gripe X 01 Raiz 0018 Xarope

Pau d'arco/ Bignoniaceae/ Tabebuia impetiginosa (Mart.) Standl. Câncer/ antiinflamatório/ gripe II, VII, X 07 Casca/ Fruto 0028 Infusão/ xarope/ garrafada Pereiro/ Apocynaceae/ Aspidosperma pyrifolium Mart. Gripe/ dor de dente/ câncer X, VIII, II 03 Casca/ exudato 0049 Infusão Pinhão/ Euphorbiaceae/ Jatropha ribifolia (Pohl.) Bail.

Veneno de cobra/ enfermidades de animais/ impingem

XV, XV, XII 07 Exudato/folha 0003 Xarope

Quebra-pedra/ Euphorbiaceae/ Phylanthus niruri L. Abortivo VI 01 Raiz 0034 Infusão Quixabeira/ Sapotaceae/ Sideroxylon obtusifolium (Roem.e Schult.)T.D.Penn. Antiinflamatório VII 01 Casca 0076 Garrafada Urtiga/ Euphorbiaceae/ Cnidosculos urens (l.) Arthur Antiinflamatório/ próstata VII, XIV 02 Raiz 0070 Infusão

Velame/ Euphorbiaceae/ Croton moritibensis Bail.

Reumatismo/ veneno de cobra/ gripe/

Afecções da pele de animais XIII, XV, X, XV 04 Casca/ exudato/ raiz 0005 Xarope

Xique-xique/ Cactaceae/ Pilosocereus gounellei (F.Weber) Byles & Rowley próstata XIV 01 Raiz 0250 Infusão 1. Legenda. I - Algumas doenças infecciosas e parasitárias. II - Neoplasias [tumores]. III - Doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários. IV - Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas. V - Transtornos mentais e comportamentais. VI - Gravidez, parto e puerpério. VII – Inflamações gerais. VIII – Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte. IX - Doenças do aparelho circulatório. X - Doenças do aparelho respiratório. XI - Doenças do aparelho digestivo. XII - Doenças da pele e do tecido subcutâneo. XIII - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. XIV - Doenças do aparelho geniturinário. XV - Lesões, envenenamento e algumas outras conseqüências de causas externas.

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TABELA 2. Plantas identificadas como exóticas, com usos medicinais citadas pelos moradores entrevistados.

Nome vernacular/ Família Tratamento indicado Classificação

da doença1 Nº. de

citações

Parte da planta

utilizada Forma de uso

Acácia/ Mimosaceae Antiinflamatório VII 01 Folha Infusão Acerola/ Malpighiaceae Gripe X 01 Fruta Xarope Alecrim/ Lamiaceae Gripe X 01 Folha Infusão

Boldo/ Monimiaceae Funcionamento do Intestino XI 01 Folha Infusão

Caju/Anacardiaceae Antiinflamatório/ desinteria VII, XI 04 Casca Garrafada

Camomila/ Asteraceae Calmante V 02 Folha Infusão

Eucalipto/ Myrtaceae Antiinflamatório/ antitérmico/ antibiótico VII, I, I 03 Folha/fruto Infusão

Goiaba/ Myrtaceae Desinteria XI 03 Folha Infusão

Hortelã/ Lamiaceae Gripe/ analgésico X, VIII 06 Folha Xarope/ infusão

Laranja/ Rutaceae Calmante/ gripe V, X 02 Folha Infusão Limão/ Rutaceae Gripe X 04 Fruto Suco/ infusão Nim/ Meliaceae Envenenamento XV 01 Folha infusão Româ/ Lythraceae Antiinflamatório VII 03 Fruto xarope Tamarina/ Fabaceae Desinteria XI 01 Casca Garrafada 1. Legenda. I - Algumas doenças infecciosas e parasitárias. II - Neoplasias [tumores]. III - Doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários. IV - Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas. V - Transtornos mentais e comportamentais. VI - Gravidez, parto e puerpério. VII – Inflamações gerais. VIII – Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte. IX - Doenças do aparelho circulatório. X - Doenças do aparelho respiratório. XI - Doenças do aparelho digestivo. XII - Doenças da pele e do tecido subcutâneo. XIII - Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. XIV - Doenças do aparelho geniturinário. XV - Lesões, envenenamento e algumas outras conseqüências de causas externas.

A jurema foi a planta nativa com o maior número de citações (22) para o

uso medicinal, sendo indicada para (três) tratamentos; esta foi seguida pelo

cumaru com 21 citações, com indicação para 04 tratamentos; mas foi a

catingueira com 19 citações que recebeu o maior número de tratamentos

indicados (oito) no total (Tabela 1). Estudos realizados em áreas de Caatinga

(Albuquerque & Andrade, 2001; Silva & Andrade, 2004) também relataram

estes vegetais como utilizados na medicina popular. Na ESEC Seridó, a

catingueira, de acordo com os entrevistados, é o vegetal mais abundante entre

os tanto na mata como nas propriedades das comunidades, durante todo o

ano, esta disponibilidades pode justificar neste estudo sua maior diversidade de

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indicações nos tratamentos identificados, plantas de múltiplo uso, são mais

citadas e lembradas por diferentes pessoas nas pesquisas (Aquino et al. 2007).

A planta exótica mais citada foi a hortelã, com seis citações para a

indicações de dois tratamentos, seguida por caju e limão, ambas com quatro

citações, e com respectivamente, dois e um tratamentos indicados (Tabela 2).

Estas plantas são citadas em outros estudos sobre plantas medicinais com

indicações e modo de uso semelhante (Pereira et al., 2005; Teixeira & Melo,

2006; Negrelle & Fornazzari, 2007) aos constatados nesta pesquisa.

FIGURA 2. A. Percentual de partes das plantas medicinais, e B. Percentual de formas de uso das plantas medicinais, utilizadas nos tratamentos. ESEC Seridó (RN), 2007-2008.

Para o preparo de remédios a partir das plantas nativas da Caatinga,

foram citadas várias partes das plantas, tais como casca (46%), raiz (27%),

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resina ou exudato (12%), folha (10%) e fruto (7%). Esses resultados são

bastante diferentes dos encontrados para as partes utilizadas das plantas

exóticas), pois nestes vegetais a diversidade é menor, e a parte mais utilizada

é a folha com 60% da representatividade, seguida pelo fruto com 27%. Não

houve citação para o uso medicinal do exudato e raiz para as plantas

identificadas como exóticas. Estes resultados são semelhantes aos obtidos por

Amorozo (2002) e Franco (2006) os quais relatam as folhas como as partes

mais utilizadas no preparo de remédios. Segundo Castellucci et al. (2000), isso

se deve ao fato de estas partes das plantas serem as mais acessíveis; este

mesmo autor informa que as folhas estão presentes nas plantas durante todo o

ano (exóticas), exceto em ambientes de Caatinga. O estudo de Albuquerque &

Andrade (2002), que pesquisaram em comunidades de Caatinga, destaca o

uso das cascas por estas partes estarem disponíveis durante todo o ano, o

mesmo não ocorrendo com as folhas, em função da caducifolia na estação

seca, o que por sua vez, justifica o fato de a raiz ser a parte mais utilizada nas

plantas nativas, além de que plantas de caatinga apresentam cascas mais

espessa, quando comparadas com as plantas exóticas citadas.

Para o preparo dos remédios, as infusões (chás), são os mais utilizados

nas plantas exóticas (62%) e nativas (45%), seguidas por garrafadas e

xaropes. Estudos etnobotânicos como os de Almeida & Albuquerque (2002),

Albuquerque & Andrade (2002), Amorozo (2002), Pereira et al. (2005) e Franco

(2006), apresentam as infusões como as formas mais representativas no

preparo de remédios, o que acontece por serem as folhas e cascas, as partes

mais utilizadas.

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Como nas partes utilizadas, a diversidade de preparo das plantas

exóticas é menor que nas plantas nativas, pois estas apresentam maceração e

infusão, como formas de uso dessas partes, o que não ocorre com as plantas

exóticas (Figura 2). Isto se deve ao fato de as plantas exóticas terem como

partes mais utilizadas, as folhas com 60%, que são mais largamente indicadas

no preparo de infusões, do que as outras partes da planta (Tabela 2).

27%

22%

6%

6%

11%

16%

9%

7%

6%

4%

3%

3%

1%

6%

6%

25%

18%

4%

3%

1%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

Cla

ssific

ação

da

doen

ça

Nativas

Exóticas

FIGURA 3. Percentual de doenças tratadas por plantas nativas e exóticas, conforme população do entorno da ESEC Seridó. Legenda. 1. Doenças do aparelho respiratório; 2. Inflamações gerais; 3. Lesões, envenenamento e algumas outras conseqüências de causas externas; 4. Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de laboratório, não classificados em outra parte; 5. Doenças do aparelho geniturinário; 6. Neoplasias [tumores]; 7 Doenças do aparelho digestivo; 8. Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo; 9. Transtornos mentais e comportamentais; 10. Doenças do sistema nervoso; 11. Doenças da pele e do tecido subcutâneo 12. Algumas doenças infecciosas e parasitárias 13. Doenças do sangue e dos órgãos hematopoéticos e alguns transtornos imunitários.

Sobre plantas nativas com propriedades mediciais reveleou 27% são

utilizadas no tratamento de doenças do aparelho respiratório como gripes,

resfriados e sinusites; 22% são para curar inflamações em diversas regiões do

organismo, e 6%, para as lesões, envenenamento e outras causas externas e,

para os sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de

laboratório, não classificados em outra parte, como as dores em geral, as

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plantas exóticas apresentaram resultados semelhantes às nativas quando se

compara os grupos mais representativos, porém, assim como nas partes

utilizadas e nas formas de preparo dos remédios essas categorias são menos

diversificadas para as plantas exóticas que apresentam tratamentos para

apenas sete das 13 categorias apresentadas pelas plantas nativas (Figura 3).

Em estudos realizados por Albuquerque & Andrade (2002) e Almeida &

Albuquerque (2002), em área de Caatinga, as doenças do aparelho respiratório

também aparecem com a maioria das indicações de tratamentos. Estudos em

outros Biomas apresentam resultados semelhantes aos obtidos para as plantas

exóticas, como os de Amorozo & Gély (1988) e Silva-Almeida & Amorozo

(1998).

A percepção ambiental das pessoas sobre essas plantas, revela que as

nativas são mais utilizadas e mais citadas para uso medicinal do que as plantas

exóticas, mesmo essas últimas estando mais disponíveis para as comunidades

em suas propriedades, porém menos disponíveis no ambiente como um todo.

As plantas nativas, também são mais inteiramente aproveitadas do que as

plantas exóticas.

O conhecimento sobre plantas medicinais mostrou-se rico, pois muitas

foram as espécies citadas pela população, revelando em sua percepção um

resgate de costumes que podem constituir uma forma de parceria entre a

comunidade local e a científica em prol de um melhor conhecimento acerca dos

diversos usos e manejos dos recursos pelas populações do entorno de áreas

de preservação.

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AGRADECIMENTO

Às comunidades do entorno da Estação Ecológica do Seridó, pela

acolhida e contribuição inestimável à execução deste trabalho. À Professora

Doutora Maria Iracema Bezerra Loiola e ao Mestre Alan de Araújo Roque, pela

contribuição com a revisão da identificação das espécies vegetais

apresentadas nesse trabalho.

REFERÊNCIA

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Apêndice I

QUESTIONÁRIO APLICADO AOS MORADORES DO ENTORNO DA ESEC SERIDÓ

Nº: ____

Nome-___________________________________________________

Apelido:____________________________ Data- ___/ _____/ ____

1 – Caracterização dos entrevistados:

Sexo - F ( ) M ( ) Idade ______ Estado civil : Casado ( ) “junto” ( ) Solteiro ( )

Profissão- __________________________________

Grau de instrução : analfabeto( ) sabe ler e escrever( ) ensino fundamental incompleto( )

ensino fundamental completo ( ) ensino médio incompleto ( ) ensino médio completo ( )

superior incompleto ( ) superior completo ( )

Endereço- _____________________________________________________

Renda Familiar: menor que 01 salario ( ) entre 1 e 3 salários ( ) entre 3 e 5 salários ( ) acima de 5

salários ( )

Como essa renda é composta?

_______________________________________________________________

Mora com quantas pessoas? _____________ Há Quanto tempo no local?

________________________

2- Você conhece a Estação Ecológica do seridó? E a Estação do IBAMA? Quantas vezes esteve lá, com

que propósito?

3- Como você descreveria a Estação Ecológica do seridó ou Estação do IBAMA?

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4- O que ela representa para você?

5- Quais os animais que existem na Estação Ecológica do seridó ou Estação do IBAMA?

6- Qual a utilidade ou importância desses animais para você?

1. medicinal – Qual tratamento? ___________________________ 2.alimentação 3.Uso doméstico

4.místico 5. outro ( ) – Qual? _____________________

7- E os vegetais, quais você conhece?

8- Fale da utilidade de cada um.

1. medicinal – Qual tratamento? ___________________________ 2.alimentação 3. Madeira 4.Uso

doméstico 5.místico 6.veneno 7.repelente 8. outro ( ) – Qual? _____________________

9- Você acha que a Estação Ecológica do seridó ou Estação do IBAMA deve ser preservada?

Se sim, por quê? O que deve ser feito para ela ser preservada?

Se não, o que deve ser feito com ela?

10- Como é a sua relação com os funcionários e administradores dessa Estação?