Utilização de Bactérias Produtoras de Biossurfactantes em Técnicas de Biorremediação de...

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Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Engenharia de Lorena - Universidade de São Paulo como requisito parcial para conclusão da Graduação do curso de Engenharia Bioquímica.

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE LORENA

    SARAH DE MENEZES VIANA

    Utilizao de bactrias produtoras de biossurfactantes em tcnicas de biorremediao de petrleo

    Lorena

    2015

  • SARAH DE MENEZES VIANA

    Utilizao de bactrias produtoras de biossurfactantes em tcnicas de biorremediao de petrleo

    Trabalho de concluso de curso apresentado Escola de Engenharia de Lorena - Universidade de So Paulo como requisito parcial para concluso da Graduao do curso de Engenharia Bioqumica.

    Orientador: Prof. Rita de Cssia Lacerda Brambilla Rodrigues

    Lorena

    2015

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIOCONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE

    Ficha catalogrfica elaborada pelo Sistema Automatizadoda Escola de Engenharia de Lorena,

    com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

    Viana, Sarah de Menezes Utilizao de bactrias produtoras debiossurfactantes em tcnicas de biorremediao depetrleo / Sarah de Menezes Viana; orientadora Ritade Cssia Lacerda Brambilla Rodrigues . - Lorena,2015. 67 p.

    Monografia apresentada como requisito parcialpara a concluso de Graduao do Curso de EngenhariaBioqumica - Escola de Engenharia de Lorena daUniversidade de So Paulo. 2015Orientadora: Rita de Cssia Lacerda Brambilla Rodrigues

    1. Petrleo . 2. Biorremediao. 3.Biossurfactantes. 4. Bactrias. 5. Imobilizao. I.Ttulo. II. Rodrigues , Rita de Cssia LacerdaBrambilla , orient.

  • A todos que acreditaram em mim e me apoiaram ao longo dessa jornada.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente Deus, por sempre me presentear com momentos e pessoas especiais, por iluminar meu caminho e amparar nos momentos de felicidade e de fracasso, pois sem Ele nada seria possvel.

    Agradeo minha famlia pelo suporte, pelo carinho, pelo amor que me foi dado e por possibilitar a realizao dos meus sonhos, apesar de toda a distncia e saudade.

    Agradeo ao meu professor de cincias biolgicas no ensino mdio, Prof. Dr. Gerson Catanozi, cujas aulas sempre me inspiraram a querer mudar o mundo e me levaram a escolher este curso de graduao e o tema desta Monografia.

    Agradeo minha orientadora Prof. Rita de Cssia Lacerda Brambilla Rodrigues pela pacincia e prontido para ajudar, por todo o apoio, pelas sugestes, correes e boas conversas oferecidas ao longo desse caminho.

    Agradeo aos meus amigos que foram minha famlia fora do lar, que proporcionaram diversos momentos inesquecveis e que minimizaram os efeitos da distncia, em especial Thales de Sousa Faria, que sempre despertou a melhor verso de mim e me estimulou a seguir meus sonhos.

    Agradeo toda equipe da EEL, professores e servidores, que possibilitaram meus estudos e desenvolvimento, tanto pessoal quanto profissional, e contriburam para a formao do ser humano que sou hoje.

    A todos que possibilitaram minha chegada at o final deste curso de Graduao, meus sinceros agradecimentos.

  • RESUMO

    VIANA, S. M. Utilizao de bactrias produtoras de biossurfactantes em tcnicas de biorremediao de petrleo. 2015. 67 f. Monografia (Trabalho de concluso de curso) Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de So Paulo, Lorena, 2015.

    O desenvolvimento de tcnicas que combatam os prejuzos ambientais e financeiros vinculados cadeia produtiva do petrleo, desde sua produo ao consumo, est associado crescente demanda por seus derivados e sua explorao intensiva. A utilizao de mecanismos naturais e biolgicos para limpeza e remoo de leos se mostra uma alternativa ambientalmente amigvel e de baixo custo, que vem chamando a ateno de muitos pesquisadores. No entanto, a velocidade pela qual a biodegradao de petrleo ocorre naturalmente no ambiente marinho insuficiente para remediar, em curto prazo, vazamentos causados por acidentes, o que pode ser resolvido atravs de tcnicas como bioestimulao, bioventilao, bioamplificao, adio in situ de biossurfactantes, dentre outras. Nesse contexto, um entendimento maior das reaes degradativas de microrganismos utilizados por mtodos de biorremediao de petrleo, assim como sua aplicabilidade e eficincia, contribui para avanos para o aperfeioamento de tcnicas de descontaminao. Como uma das mais recentes inovaes nesta rea pode citar a utilizao de bactrias produtoras de biossurfactantes imobilizadas, o que facilita o controle do processo e dos microrganismos, alm de aumentar sua eficincia. Um polmero de baixo custo e fcil produo para utilizao em suportes de imobilizao a quitosana, um polissacardeo natural, biodegradvel, inerte e atxico, muito abundante na natureza. Este trabalho descreveu diversas tcnicas desenvolvidas na biodegradao e biorremediao de petrleo, empregando bactrias produtoras de biossurfactantes, possibilitando, assim, uma anlise dos mtodos mais eficazes e promissores na resoluo de um problema histrico que causa grandes prejuzos indstria petrolfera e ao meio ambiente. Foi possvel constatar que a imobilizao de clulas de bactrias produtoras de biossurfactantes em cpsulas (ou esferas) de quitosana, apesar de no ser ainda empregada no Brasil, uma tcnica com grande potencial para aplicao em atividades de biorremediao devido ao seu baixo custo associado ao reaproveitamento de subprodutos da carcinicultura, para obteno de quitosana, e a tcnica simples de imobilizao celular.

    Palavras-chave: Petrleo. Biorremediao. Biossurfactantes. Bactrias. Imobilizao.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Hidrocarbonetos representativos na composio do petrleo ....................... 19 Figura 2: Classificao de petrleo baseada na densidade (Grau API) ........................ 20 Figura 3: Derivados de Petrleo e suas aplicaes ....................................................... 22 Figura 4: Etapas do processo de degradao aerbica de hidrocarbonetos de petrleo 35 Figura 5: Estrutura dos biossurfactantes e formao de micelas .................................. 37 Figura 6: Degradao microbiana de compostos aromticos por reaes com diferentes aceptores de eltrons. .................................................................................................... 40 Figura 7: Principais Mtodos de imobilizao celular ou enzimtica .......................... 44 Figura 8: Arranjo experimental para produo de grnulos monodispersos ................ 45 Figura 9: Estrutura qumica da quitina ......................................................................... 48 Figura 10: Estrutura qumica da quitosana ................................................................... 48 Figura 11: Desacetilao da quitina por tratamento alcalino para formao de quitosana ...................................................................................................................................... 51 Figura 12: Fluxograma do processo para aproveitamento de resduos de camaro ..... 52 Figura 13: Esferas de quitosana (A) e esferas de quitosana contendo clulas imobilizadas na proporo 1:1 (quitosana : biomassa) ...................................................................... 57 Figura 14: Ensaio de emulsificao de mistura querosene-gua, promovida por esferas de quitosana .................................................................................................................. 58

  • LISTA DE TABELAS E QUADROS

    Tabela 1: Os 10 maiores acidentes petrolferos no mundo ........................................... 25 Tabela 2: Biossurfactantes produzidos por microrganismos ........................................ 38 Tabela 3: Aplicaes de quitina e quitosana ................................................................. 49 Tabela 4: Composio do meio mineral inoculado com a cultura bacteriana .............. 55 Tabela 5: Micronutrientes adicionados ao meio esterilizado ....................................... 55

  • SUMRIO

    1. INTRODUO ................................................................................................. 12 1.1. JUSTIFICATIVA ................................................................................................ 15

    1.2. OBJETIVOS ........................................................................................................ 16

    2. REVISO BIBLIOGRFICA ......................................................................... 17 2.1. O PETRLEO ..................................................................................................... 17

    2.1.1. Ocorrncia e origem do petrleo ................................................................. 17

    2.1.2. Propriedades fsicas e qumicas do petrleo ............................................... 18

    2.1.3. Aplicaes do petrleo e subprodutos ......................................................... 21

    2.1.4. Etapas da explorao e refino do petrleo .................................................. 23

    2.1.5. Acidentes petrolferos no mundo ................................................................ 24

    2.1.6. Acidentes petrolferos no Brasil .................................................................. 26

    2.1.7. Legislao no Brasil .................................................................................... 28

    2.1.8. Comportamento do leo no mar .................................................................. 29

    2.1.9. Impacto nos organismos marinhos e costeiros ............................................ 31

    2.2. BIORREMEDIAO ......................................................................................... 32 2.2.1. Classificao................................................................................................ 33

    2.2.2. Tcnicas empregadas................................................................................... 33

    2.2.3. Mecanismo da degradao de hidrocarbonetos de petrleo ........................ 34

    2.2.4. Microrganismos utilizados na biorremediao ........................................... 38

    2.2.5. Biorremediao com clulas imobilizadas .................................................. 41

    2.3. IMOBILIZAO DE CLULAS E ENZIMAS ................................................ 43 2.3.1. Suportes para imobilizao ......................................................................... 46

    2.3.1.1. Quitina e Quitosana: caractersticas e aplicaes ............................... 47

    2.3.1.2. Mtodos de obteno de quitina e quitosana ........................................ 50

    2.3.1.3. Mtodos de preparo de suporte de quitosana ....................................... 52

    2.3.2. Preparo da cultura de microrganismos para imobilizao .......................... 54

  • 2.3.3. Mtodos de imobilizao de clulas e enzimas em quitosana .................... 56

    2.3.4. Atividade emulsificante............................................................................... 57

    3. METODOLOGIA ............................................................................................. 59

    4. CONSIDERAES FINAIS ........................................................................... 60 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 62

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    1. INTRODUO

    O petrleo, uma mistura de hidrocarbonetos e compostos sulfurados, nitrogenados, oxigenados, resinas e asfaltenos, um recurso mineral no-renovvel que constitui, atualmente, a principal fonte de energia mundial. O setor petroqumico engloba, atravs de sua cadeia produtiva, tanto a indstria de produtos qumicos derivados do petrleo quanto a indstria de transformao de plsticos, o que o torna o maior segmento dentro do setor qumico (MACHADO, 2012).

    Em 2014, o consumo mundial de petrleo aumentou em 0,9 milhes de barris por dia (ou 0,9%), a menor taxa de crescimento desde 1998. J a produo global aumentou em 2,1 milhes de barris por dia (ou 2,3%) (BRITISH PETROLEUM, 2015). O crescimento da demanda internacional, mesmo que modesto, vem acompanhado de maior preocupao acerca da dependncia mundial do uso de combustveis fsseis, como carvo, petrleo e gs. Cerca de 66% do consumo mundial de energia se originam dessas fontes, sendo que aproximadamente 40% corresponde ao consumo de petrleo.

    Estima-se que cada barril de petrleo extrado produza cerca de 436kg de CO2 na combusto de derivados de petrleo para a gerao de energia, o que torna a indstria do petrleo uma das maiores emissoras de gs carbnico na atmosfera (MACHADO, 2012). No entanto, o impacto ambiental causado pelo uso de combustveis fsseis no se limita apenas s emisses de gases poluentes responsveis pelo efeito estufa, mas se estende por toda a cadeia produtiva do petrleo.

    A explorao, prospeco e produo em terra levam ao aumento da degradao do solo, enquanto que, em mar, h o risco permanente da ocorrncia de vazamentos de leo, os quais podem afetar toda a fauna e flora marinha. Os efluentes gerados em sua extrao e o despejo irregular contribuem tambm para a poluio do ar, do solo e da gua.

    A contaminao por hidrocarbonetos de petrleo pode ocorrer por acidentes no transporte de combustveis por navios e caminhes, vazamentos de tanques de armazenamento subterrneos, corroso de dutos de transporte, liberao inadequada dos resduos oleosos gerados pelas indstrias que utilizam seus derivados na produo de plstico, solventes, produtos farmacuticos e cosmticos, dentre outras.

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    Um litro de leo capaz de esgotar o oxignio de um milho de litros de gua e, em poucos dias, formar uma fina camada sobre a superfcie de 1000m de solo, bloqueando a passagem de luz e inibindo o crescimento de microrganismos e plantas (YEUNG et al. 2011 apud SOUZA, 2013, p. 10). Os prejuzos ambientais e financeiros inerentes contaminao do mar ou solo com petrleo e derivados alavancam pesquisas acerca de mtodos eficientes para remoo ou reduo destes compostos no meio ambiente.

    A remediao de stios contaminados pode ser realizada por mtodos fsico-qumicos ou biolgicos. Mtodos fsico convencionais consistem na utilizao de equipamentos caros e pouco eficientes, como barreiras de conteno, barcaas recolhedoras, cordas oleoflicas, caminhes vcuo, absorventes granulados, entre outros, que realizam a remoo mecnica dos hidrocarbonetos do ambiente (MANDRI; LIN, 2007 apud MONTAGNOLLI, 2011 p. 22-23). A combusto in situ, uma tcnica de recuperao trmica de leo, consiste na ignio de uma pequena poro do leo do reservatrio, a qual sustentada pela injeo contnua de ar e gera resduos densos extremamente viscosos e de difcil recuperao no mar e na costa.

    Alguns produtos qumicos como os dispersantes, constitudos por surfactantes e solventes, podem ser pulverizados nas manchas de petrleo com o objetivo de acelerar o processo de disperso natural para remover o leo flutuante e minimizar o impacto em zonas costeiras sensveis e aves. No entanto, possuem eficincia limitada quando aplicados sobre leos com ponto de fluidez prximo ou superior temperatura ambiente e podem at gerar subprodutos txicos. (CRAIG et al., 2012). Mecanismos naturais e biolgicos de limpeza e remoo do leo so priorizados em muitos casos, j que no causam danos adicionais comunidade martima e costeira. A utilizao de microrganismos capazes de obter energia de fontes de carbono, a partir da decomposio biolgica dos hidrocarbonetos presentes no petrleo em dixido de carbono, gua, sais minerais e gases, se apresenta como um mtodo ambientalmente amigvel para a remediao (SOUZA, 2013).

    Entretanto, a baixa solubilidade e a hidrofobicidade elevada de muitos hidrocarbonetos os tornam altamente indisponveis aos microrganismos, dificultando o deslocamento de substratos insolveis pela membrana celular. Microrganismos aerbicos so capazes de resolver esse problema a partir da produo de biossurfactantes, compostos formados por molculas anfipticas que agem pela reduo da tenso entre o meio e a bactria, assim como entre a parede celular bacteriana e as molculas de hidrocarbonetos. A interao do biossurfactante com a superfcie celular promove modificaes na membrana, aumentando sua hidrofobicidade e facilitando a aderncia do hidrocarboneto, o que reduz o ndice de lipopolissacardeos da

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    parede celular sem danificar a membrana. Outros mecanismos de ao desses compostos consistem no aumento da rea de contato dos microrganismos com os hidrocarbonetos, na melhora da mobilidade e acesso ao substrato, resultando no aumento da biodegradao desses compostos (SILVA et al., 2014).

    Dentre as vantagens que biossurfactantes oferecem, comparando-se com surfactantes qumicos, pode-se mencionar a biodegradabilidade, compatibilidade ambiental e baixa toxidade, o que torna esses compostos eficazes na biorremediao de vazamentos de petrleo. Apesar de ser aplicado em diferentes processos industriais, como nas indstrias farmacutica, de cosmticos e de alimentos, o maior mercado na indstria de petrleo, na qual tais componentes podem ser utilizados na limpeza e biorremediao de mares e solos contaminados com petrleo, na remoo de resduos de leo em tanques de armazenamento e na recuperao do produto.

    Este trabalho visou o estudo de diversas tcnicas desenvolvidas na biodegradao e biorremediao de petrleo, empregando bactrias produtoras de biossurfactantes, possibilitando, assim, uma anlise dos mtodos mais eficazes e promissores na resoluo de um problema histrico que causa grandes prejuzos indstria petrolfera e ao meio ambiente.

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    1.1. JUSTIFICATIVA

    O crescimento populacional e, consequentemente, o aumento da demanda por petrleo e seus derivados, so fatores que mantm a indstria petrolfera em constante alta. A intensa explorao de petrleo, associada a um aumento da conscincia ambiental, levou a indstria energtica, juntamente com muitos pesquisadores, a voltar sua ateno para biossurfactantes: compostos naturais, biodegradveis, no txicos e biocompatveis, sintetizados por microrganismos aerbicos, altamente eficazes na remediao de stios contaminados por hidrocarbonetos.

    A biodegradao de petrleo, no ambiente marinho, ocorre naturalmente por diversas populaes bacterianas, que determinam o destino final dos hidrocarbonetos. No entanto, a velocidade pela qual esse processo ocorre muito lenta, incapaz de remediar, a curto prazo, o impacto causado na fauna e flora marinha e costeira, uma vez que a biodegradao por ao de microrganismos pode levar at um ano para ocorrer (POFFO, 2000). Visando acelerar esse processo, de modo a superar os fatores limitantes e remover eficazmente os hidrocarbonetos contaminantes de uma determinada rea, pesquisadores vm desenvolvendo muitas tcnicas, dentre as quais podemos mencionar a semeao de culturas bacterianas, a alterao do meio pela adio de inculo e nutrientes necessrios para a multiplicao celular, a imobilizao de clulas em cpsulas de quitina, hidrogel ou outros materiais polimricos, ou at a adio de biossurfactante ao meio, de modo a aumentar o acesso dos microrganismos ao substrato e potencializar a sua degradao.

    Os custos envolvidos na remediao de contaminao por leo e seus derivados, devido a acidentes e vazamentos, aliados preocupao acerca do impacto ambiental causado por componentes txicos e agressivos como hidrocarbonetos aromticos, impulsionam diversas pesquisas na rea. Dessa forma, a aplicabilidade de biossurfactantes, compostos promissores na biodegradao de petrleo, amplamente estudada.

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    1.2. OBJETIVOS

    Gerais: Contribuir para o entendimento da aplicabilidade das tcnicas de biodegradao e biorremediao de petrleo a partir do uso de bactrias produtoras de biossurfactantes.

    Especficos: Descrever os efeitos do petrleo no ambiente marinho;

    Descrever tcnicas de biorremediao; Descrever os processos metablicos de degradao de microrganismos;

    Descrever as tcnicas empregadas na biorremediao de reas contaminadas por hidrocarbonetos provenientes de petrleo e sua aplicabilidade.

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    2. REVISO BIBLIOGRFICA

    2.1. O PETRLEO

    O petrleo uma mistura complexa de compostos orgnicos de ocorrncia natural em rochas arenticas ou calcrias de bacias sedimentares existentes em vrias partes do mundo, cuja composio varia de campo para campo e at entre poos do mesmo campo (MACHADO, 2012). Sua aparncia pode variar de lquido completamente fluido de cor amarelo-palha at material pastoso ou semisslido de cor preta, no entanto esse produto constitudo

    essencialmente por hidrocarbonetos, alm de pequenas quantidades de compostos derivados de enxofre, nitrognio e oxignio, considerados impurezas (CORREA, 1989).

    A denominao hidrocarboneto se aplica a uma grande variedade de compostos constitudos de carbono e hidrognio, diferentes entre si de acordo com as ligaes qumicas realizadas pelos tomos de carbono. Eles possuem uma poro hidroflica, composta de aminocidos ou polissacardeos, e uma poro hidrofbica, geralmente composta de cidos graxos saturados ou insaturados (MONTAGNOLLI, 2011). Os hidrocarbonetos encontrados no petrleo pertencem s sries dos alcanos lineares, alcanos cclicos e aromticos. Quando possuem em suas configuraes a combinao de uma ou mais dessas sries, podem ser denominados hidrocarbonetos mistos (TONINI; DE REZENDE; GRATIVOL, 2010).

    2.1.1. Ocorrncia e origem do petrleo

    O petrleo encontrado em formaes rochosas que datam de dez a quatrocentos milhes de anos, entretanto, o mecanismo de transformao de organismos marinhos em petrleo ainda no foi completamente explicado. Campos e Leontsinis (1990) apresentam trs teorias a respeito da origem do petrleo: as teorias orgnica, inorgnica e da radioatividade.

    De acordo com a teoria orgnica, microrganismos microscpicos constituintes do plncton marinho podem ser depostos no fundo de mares profundos e fechados, onde h inexistncia de correntes fortes e baixa oxigenao. A partir da sedimentao de argilas provenientes da eroso das costas, as camadas de material orgnico e sedimentos se sobrepem e sofrem a ao de bactrias anaerbicas, responsveis pela transformao dos carboidratos e protenas em substncias gasosas e solveis em gua, e num resduo denominado sapropel

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    (NAGAYASSU, 2006). Este resduo consiste em uma espcie de lama putrefata, resultado da converso de organismos marinhos, como animais e plantas, em matria orgnica.

    Ao longo de um milho de anos cerca de 10% desta lama se transforma em betume, denominao dada aos produtos orgnicos secundrios solveis em solventes orgnicos comuns. Os restantes 90% se transformam em um composto do tipo polimrico de alto peso molecular, intimamente associado s rochas que o contm, denominado querognio. Este corresponde fraco da matria orgnica sedimentar derivada de reas continentais e dos ambientes marinhos, insolvel nos solventes orgnicos comuns e presente nas rochas, sedimentos modernos e solos (FERNANDES, 2004). Sob condies especificas de presso e temperatura, aliadas catlise realizada pelo material constituinte das rochas, o querognio transformado, ao longo de milhes de anos, em petrleo (CORREA, 1989).

    A teoria inorgnica atribui a formao do petrleo s reaes entre a gua, gs carbnico, carbonatos e carbonetos metlicos, sob condies de temperatura e presso elevadas. Ela desconsidera a origem baseada em organismos vivos e no explica a existncia no petrleo de porfirinas, compostos organometlicos de estrutura complexa, os quais so sintetizados por seres vivos vegetais ou animais (KUTCHEROV et al., 2010).

    Pela teoria da radioatividade, a radiao, proveniente de elementos radioativos existentes na crosta terrestre, teria agido sobre o metano, proveniente da atmosfera primitiva do planeta, gerando hidrocarbonetos de cadeias mais longas presentes no petrleo. No entanto, a radiao intensa teria destrudo os compostos oticamente ativos que so encontrados no petrleo, e resultaria em altos teores de hidrognio e hlio nos gases de petrleo, o que no ocorre de fato (PASCHOA, 1997). Assim como a teoria inorgnica, a teoria da radioatividade tambm no explica a existncia de porfirinas, um dos motivos pelos quais a teoria orgnica melhor aceita na comunidade cientfica (PASCHOA, 1997).

    2.1.2. Propriedades fsicas e qumicas do petrleo

    Os hidrocarbonetos parafnicos, pertencentes srie dos alcanos, representam uma grande proporo dos hidrocarbonetos presentes no petrleo e no gs natural. Eles so caracterizados pela formao de cadeias lineares (mais abundantes) ou ramificadas, compostas apenas de ligaes simples. Os alcanos so muito estveis e quimicamente inertes e, quando

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    queimados, liberam grande quantidade de calor, o que os caracteriza como excelentes combustveis (CORREA, 1989).

    A srie dos cicloalcanos, representada por hidrocarbonetos naftnicos, composta por cadeias fechadas em forma de anis contendo trs ou mais tomos de carbono, sendo que as sries com cinco ou seis tomos so mais comumente encontradas nos petrleos (MACIEL, 2003). As ligaes saturadas das cadeias conferem estabilidade aos compostos, cujas propriedades se assemelham s dos alcanos lineares. Esses componentes so removidos mais rapidamente pela degradao microbiolgica no ambiente marinho (POFFO, 2000).

    Por fim, os hidrocarbonetos compostos por anis benznicos, dotados de seis tomos de carbono ligados entre si por valncias simples e duplas alternadas, representam a srie dos aromticos. Eles so compostos relativamente solveis em gua e altamente txicos para plncton marinho (CETESB, 2008).

    Na Figura 1 so apresentados alguns hidrocarbonetos que compem o petrleo: tetradecano (um n-alcano), pristano (um alcano ramificado), metilciclopentano, ciclohexano e hopano esto presentes na frao saturada do leo cru, enquanto que os outros compostos fazem parte da frao aromtica.

    Fonte: Montagnolli (2011, p. 29)

    Figura 1: Hidrocarbonetos representativos na composio do petrleo

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    Algumas propriedades fsicas e qumicas dependem do nmero e forma pela qual outros elementos como nitrognio, oxignio, enxofre, vandio, sdio, nquel e ferro, se ligam aos hidrocarbonetos. Sua viscosidade, por exemplo, depende do teor de fraes leves (componentes aromticos) e outros elementos, alm da temperatura ambiente. medida que a temperatura aumenta, a viscosidade do fluido diminui, e vice-versa (CRAIG et al., 2012).

    A maioria dos leos mais leve do que a gua, normalmente apresentando densidade relativa menor que 1,0 devido baixa porcentagem de compostos parafnicos em sua composio (MACHADO, 2012). A classificao do petrleo baseada na densidade foi instituda pelas normas do American Petroleum Institute, e ganhou a denominao de grau API, pela qual, quanto maior for a densidade do petrleo, menor ser o grau API e mais pesado ser o leo. Logo, quando a densidade menor do que 0,85g/L, eles podem ser classificados como leos leves (NEIVA, 1986) (Figura 2). Quando a densidade relativa baixa, um decrscimo da tenso superficial (fora de atrao entre as molculas na superfcie de um lquido) ocasiona elevao da temperatura e resulta em alta taxa de espalhamento na superfcie da gua ou do solo (POFFO, 2000).

    Figura 2: Classificao de petrleo baseada na densidade (Grau API)

    Fonte: Machado (2012, p.11)

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    O petrleo apresenta uma solubilidade em gua extremamente baixa, geralmente menor do que 5 ppm (CAMPOS; LEONTSINIS, 1990). Logo, apenas uma pequena parte dos hidrocarbonetos solveis e dos vrios sais minerais presentes no leo so dissolvidos no meio aqutico, o que influencia no nvel de toxicidade que esses compostos apresentam para organismos aquticos, uma vez que cerca de 10 a 40% dos componentes do petrleo so recalcitrantes, ou seja, persistentes no ambiente (CARVALHO, 2006).

    Quando emulsionado, ou seja, misturado com gua, o leo pode permanecer na superfcie do mar por horas ou at sete dias aps o vazamento, de acordo com a viscosidade, a fluidez, o volume vazado e as condies climticas e oceanogrficas (ITOPF, 1986).

    2.1.3. Aplicaes do petrleo e subprodutos

    O aumento na demanda mundial por leo cru crescente, e est relacionado ao aumento populacional e industrializao contnua nos pases em desenvolvimento. Apesar do aumento da conscincia ambiental e preocupao com a explorao de recursos naturais esgotveis, a demanda anual sofre um aumento de aproximadamente 1,6% (Annual Petroleum Consuption, 2013). De acordo com os dados do Petroleum Industry Research Associates (PIRA Energy Group), estima-se que em 2025 ultrapasse 115 milhes de barris por dia.

    As aplicaes do petrleo bruto so limitadas, entretanto, a partir do refinamento e etapas de destilao fracionada, extrao, catlise e purificao possvel convert-lo em uma vasta diversidade de produtos e derivados, aplicveis desde o setor de energia ao de produtos qumicos e de materiais (KIMURA, 2005), como pode ser observado na Figura 3.

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    Fonte: Montagnolli (2011, p. 35)

    Os derivados de petrleo podem ser classificados em energticos e no energticos. A primeira categoria engloba os combustveis, como GLP, gasolina A, gasolina de aviao, querosene iluminante, QAV, leo diesel e leo combustvel, enquanto que a segunda categoria engloba graxas, lubrificantes, parafinas, asfaltos, solventes, coque, nafta, extratos aromticos, gasleo de vcuo, leos leves de reciclo, RAT, diluentes, n-parafinas, minerais betuminosos e outros subprodutos (MACHADO, 2012). O sistema energtico internacional fortemente dependente de combustveis fsseis (carvo, petrleo e gs), sendo que o petrleo constitui a principal fonte de energia mundial sem produtos substitutos prximos em toda a gama de usos e aplicaes, podendo atingir 27,5% da matriz energtica at 2035 (BRITISH PETROLEUM, 2015).

    Figura 3: Derivados de Petrleo e suas aplicaes

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    2.1.4. Etapas da explorao e refino do petrleo

    As atividades de extrao, refinamento, estocagem e transporte representam um grande risco ambiental devido ocorrncia de vazamentos rotineiros, derramamentos acidentais ou intencionais (ITOPF, 2014).

    A atividade de perfurao realizada a partir de sondas de perfurao, constitudas de tubulaes de ao, broca e sondas, que permitem delimitar reas com maior probabilidade de existncia de um campo de petrleo. Em alto mar, podem ser empregadas plataformas fixas ou flutuantes, alm de navios-sonda. Dentre os riscos envolvidos no trabalho de perfurao, pode-se citar erupes de gs e leo, as quais podem danificar os equipamentos de perfurao e oferecem risco de exploso (KIMURA, 2005).

    Aps diversos estudos geolgicos e geofsicos, ocorre a perfurao de poos de prospeco e, caso o campo se revele economicamente vivel, inicia-se a fase de produo, que pode ser executada por sistemas flutuantes de produo (FPS Floating Production Systems), navios de grande porte com capacidade para produzir, processar e/ou armazenar at 200 mil barris petrleo por dia (MACHADO, 2012).

    O escoamento de petrleo, nacional ou importado, de campos produtores para abastecimento das refinarias, possibilitado a partir de dutos e terminais, pelos quais ocorre o abastecimento da rede domstica de distribuio de derivados produzidos (PETROBRAS, 1984).

    O transporte pode ser realizado por sistemas constitudos de tubulaes e estaes de bombeamento, navios petroleiros, rodovias ou at ferrovias. Os dutos utilizados no transporte de petrleo e derivados podem ser classificados em terrestres ou submarinos, de acordo com o local onde se encontram, e oleodutos ou gasodutos, de acordo com o produto transportado (Terminais e Oleodutos, [s.d.]). Eles atravessam mares, mangues, reservas ecolgicas e regies habitadas, elevando, assim, os riscos socioambientais associados ao transporte de petrleo. Metade da produo mundial transportada pelo mar, e estima-se que mais de 2 milhes de toneladas so perdidas anualmente por acidentes na manipulao com petrleo (READMAN ET AL 1992).

    Nas etapas de refino, o petrleo separado em diferentes tipos de hidrocarbonetos por meio de aquecimento progressivo do leo e remoo de impurezas. Esse processo pode ser dividido em quatro grandes grupos: processos de separao, converso, tratamento e auxiliares.

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    Os produtos finais das estaes e refinarias so comercializados com as distribuidoras (CARDOSO, 2005).

    2.1.5. Acidentes petrolferos no mundo

    As causas e circunstncias de acidentes de vazamento de petrleo so variadas e podem ter um efeito significativo no volume final de leo derramado. Pequenos e mdios vazamentos correspondem a 95% de todos os incidentes registrados, dentre os quais, 40% e 29% corresponde, respectivamente, a ocorrncias durante operaes de carga e descarga que normalmente acontecem em portos e terminais de leo. Nesta categoria, 46% dos incidentes ocorrem por falhas mecnicas ou furos no casco (ITOPF, 2014).

    De acordo com os relatrios da base de dados The International Tanker Owners Pollution Federation Limited (ITOPF), vazamentos maiores, superiores a 700 toneladas de petrleo, so responsveis por 5% de todos os incidentes registrados, e sua ocorrncia diminuiu drasticamente nos ltimos 45 anos. Aproximadamente 50% dos grandes vazamentos, registrados entre 1970 e 2014, ocorreram enquanto os navios estavam navegando em mar aberto; colises e aterramentos correspondem por 59% das causas desses acidentes. As mesmas causas so responsveis por uma porcentagem ainda maior de incidentes, nos casos em que se navegava por guas interiores ou mares costeiros (ITOPF, 2014).

    Nos ltimos 70 anos, mais de 80 episdios de mdia e alta gravidade lanaram nos mares e oceanos cerca de 7,4 bilhes de litros de petrleo, volume correspondente ao volume de quase 3000 piscinas olmpicas. Os dez maiores desastres, verificados at 2010, respondem por 68% desse total (BARBOSA, 2010) (Tabela 1).

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    Tabela 1: Os 10 maiores acidentes petrolferos no mundo

    Local Volume Contexto 1 Poo da BP (Guerra do

    Golfo, Kuwait, Golfo Prsico)

    1 milho e 360 mil toneladas (753 piscinas olmpicas)

    O pior vazamento de petrleo da histria foi provavelmente deliberado, causado pela abertura das vlvulas dos poos e oleodutos por foras iraquianas aps se retirarem do Kuwait, em janeiro de 1991. Causou enormes danos vida selvagem no Golfo Prsico.

    2 Ixtoc I (Campeche, Golfo do Mxico)

    454 mil toneladas (251 piscinas olmpicas)

    A plataforma mexicana Ixtoc 1 se rompeu na Baa de Campeche, em junho de 1979. A enorme mar negra afetou, por mais de um ano, as costas de uma rea de mais de 1600km.

    3 Poo Fergana Valley (Uzbequisto)

    258 mil toneladas (158 piscinas olmpicas)

    Um dos maiores acidentes terrestres j registrados, em maro de 1992. A exploso de um poo no Vale da Fergana afetou uma das reas mais densamente povoadas e agrcolas da sia Central.

    4 Atlantic Empress (Tobago, Caribe)

    287 mil toneladas (159 piscinas olmpicas)

    Durante uma tempestade tropical, em julho de 1979, dois superpetroleiros gigantescos colidiram entre si prximos ilha caribenha de Tobago. O acidente matou 26 membros da tripulao e despejou milhes de litros de petrleo bruto no mar.

    5 Nowruz (Ir, Golfo Prsico)

    260 mil toneladas (144 piscinas olmpicas)

    Durante a Primeira Guerra do Golfo, em fevereiro de 1983, um tanque colidiu com a plataforma de Nowruz, causando o vazamento dirio de 1500 barris de petrleo.

    6 ABT Summer (Angola) 260 mil toneladas (144 piscinas olmpicas)

    O superpetroleiro Libria ABT Summer explodiu na costa angolana em 28 de maio de 1991 e matou cinco membros da tripulao. Milhes de litros de petrleo vazaram no Oceano Atlntico, afetando a vida marinha.

    7 Castillo de Bellver (frica do Sul)

    252 mil toneladas (139 piscinas olmpicas)

    Depois de um incndio a bordo, seguido de exploso, o navio espanhol rachou-se ao meio, liberando cerca de 200 milhes de litros do leo na costa de Cape Town, na frica do Sul (agosto de 1983). Por sorte, o vento forte evitou que a mancha alcanasse o litoral, minimizando os efeitos ambientais do desastre.

    8 Amoco Cadiz (Frana) 223 mil toneladas (123 piscinas olmpicas)

    Em maro de 1978, o supertanque Amoco Cadiz rompeu-se ao meio perto da costa noroeste da Frana. O vazamento matou milhares de moluscos e ourios do mar.

    9 M T Haven (Itlia) 144 mil toneladas (79 piscinas olmpicas)

    O navio gmeo do Amoco Cadiz, um superpetroleiro, explodiu e naufragou prximo costa de Gnova, em abril de 1991, matando seus tripulantes. A poluio na costa mediterrnea da Itlia e da Frana se estendeu pelos 12 anos seguintes.

    10 Odyssey (Canad) 132 mil toneladas (73 piscinas olmpicas)

    O poo petrolfero, localizado na provncia canadense de Newfounland, explodiu durante uma operao de perfurao da plataforma americana Odyssey. Uma pessoa morreu e outras 66 foram resgatadas sem ferimentos.

    Fonte: Elaborada pelo autor com base nos dados de BARBOSA (2010)

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    Muitos outros acidentes envolvendo vazamentos de petrleo em menor porte foram registrados (EXAME, 2010). Um dos mais marcantes ocorreu em abril de 2010, aps a exploso da plataforma Deepwater Horizon no poo Macondo, no Golfo do Mxico (EXAME, 2010). Onze mil funcionrios perderam a vida e aproximadamente 4 milhes e 900 mil barris (780 milhes de litros) de petrleo vazaram ao longo de 87 dias, afetando inmeras praias e ecossistemas sensveis ao longo de 1200km da costa norte-americana (VIEGAS, 2010).

    De acordo com dados do ITOPF, estima-se que entre 1970 e 2014 cerca de 5,74 milhes de toneladas de leo foram perdidas como resultado de incidentes petrolferos. Entretanto, houve uma reduo significativa no nmero de incidentes entre a dcada de 1970 e 2010, de uma mdia de 24,5 incidentes por ano para 1,8 incidentes por ano, respectivamente. O volume de leo derramado tambm sofreu uma reduo drstica, de 287 mil toneladas no acidente de 1980 da Atlantic Empress, para 11 mil toneladas no acidente de 2008 da Hebo Spirit (ITOPF, 2014).

    A melhoria nas operaes que envolvem a explorao, transporte e armazenamento de petrleo refletem claramente no nmero de acidentes, os quais vem ocorrendo em menor nmero e gravidade nos ltimos anos. No entanto, o risco de acidentes ainda permeia as operaes petrolferas, e a contaminao de ecossistemas marinhos e costeiros inevitvel (CRAIG et al., 2012). A implementao de leis que exijam planos de ao para controle de acidentes e o desenvolvimento de tecnologias capazes de melhorar os instrumentos de resposta a vazamentos de leo so de extrema importncia para reduzir o impacto ambiental e social desses acidentes (PEREIRA; FREITAS, 2012).

    2.1.6. Acidentes petrolferos no Brasil

    No Brasil, o primeiro registro de um acidente envolvendo petrleo se refere ao navio Sinclair Petrolore, em dezembro de 1960, com vazamento estimado de 66,53 m de petrleo no mar aps exploso que o afundou, prximo da Ilha de Trindade, Esprito Santo. Outras trs ocorrncias de grande magnitude foram registradas na dcada de 1970, no Canal de So Sebastio (litoral paulista), envolvendo os petroleiros Takimyia Maru, em 1974, e Brazilian Marina, em 1978, e na Baa de Guanabara (litoral carioca), com o petroleiro Tarik Ibn Zyiad, em 1975. Os acidentes foram atribudos a coliso dos navios petroleiros com rocha submersa,

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    e estima-se que, em cada um destes episdios, vazaram 6000 toneladas de petrleo (POFFO, 2000).

    Um dos casos que causou maior repercusso, devido ao impacto ambiental causado, foi o rompimento do oleoduto na Baia de Guanabara em janeiro de 2000, entre a Refinaria Duque de Caxias e o Terminal da Ilha dgua. O vazamento de 1,300 milhes de litros de leo resultou em uma mancha que se espalhou por 40 quilmetros quadrados, levando contaminao de praias, costes, manguezais, unidades de conservao e patrimnio histrico, alm de afetar a fauna local, representada por aves aquticas e crustceos, e a economia, baseada em atividades de pesca, extrativismo e turismo. A Petrobras pagou uma multa de R$ 35 milhes ao Ibama e investiu R$ 15 milhes na revitalizao da baa (ANDRADE, 2014).

    Em julho de 2000, a ruptura da junta de expanso de uma tubulao que ligava a Refinaria Presidente Getlio Vargas Refinaria Araucria, da Petrobras, resultou no vazamento de 4 milhes de litros de leo cru, o qual se espalhou pelos rios Barigui e Iguau e atingiu a cidade de Balsa, no Paran (NAGAYASSU, 2006).

    Em maro de 2001, na Bacia de Campos em Maca, Rio de Janeiro, duas exploses em um tanque de leo e gs da plataforma P-36 na poca, a maior em termos de produo de petrleo em alto mar resultaram no alagamento das instalaes. A plataforma atingiu uma inclinao de 16 graus e, apesar das tentativas de salvamento, naufragou levando cerca de 1,2 milho de litros de leo diesel e 350 mil litros de petrleo para o oceano, alm de ocasionar a morte de onze brigadistas. De acordo com a Comisso de Investigao da ANP da Diretoria de Postos e Costas (DPC), a no conformidade quanto a procedimentos operacionais, de manuteno e de projeto, foi responsvel pelo vazamento, que se espalhou rapidamente por uma distncia de, aproximadamente, 150 quilmetros da costa (DPC/ANP, 2001).

    Dados do Ibama mostram que, de 2010 a junho de 2014, ocorreram 285 acidentes ambientais em plataformas, embarcaes e refinarias da Petrobras. O volume de ocorrncias registradas subiu de 41, em 2010, para 74 no ano seguinte. Apesar de sofrer uma queda para 60 acidentes, em 2012, as ocorrncias voltaram a crescer em 2013, chegando a 72 acidentes (BRESCIANI; SASSINE, 2014).

    Dentre esses acidentes, pode-se destacar o caso ocorrido em novembro de 2011, na Bacia de Campos em Maca (Rio de Janeiro), onde um poo de petrleo da empresa americana Chevron foi responsvel pelo vazamento de 588 mil litros de leo no mar. As causas relatadas pela ANP indicaram sete fissuras no poo e apontaram 25 falhas da Chevron, inclusive

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    descumprimento das regulamentaes. O vazamento durou 10 dias e ocorreu a 120 quilmetros da costa do Rio de Janeiro, em guas ultra profundas, sem qualquer ferimento aos operrios da sonda e resultou em uma mancha de leo com 18 quilmetros de extenso (CABRAL; TEIXEIRA, 2012).

    2.1.7. Legislao no Brasil

    No Brasil so legalmente previstos trs tipos de planos (apresentados a seguir) para o combate poluio causada por lanamento de leos derivados de petrleo em guas brasileiras, que podem ser acionados de forma complementar e cujo suporte legal est contido na Lei n 9,966/2000, que dispe sobre a preveno, o controle e a fiscalizao da poluio causada por lanamento de leo em guas sob a jurisdio nacional (AMORIM, 2012).

    Plano de Emergncia Individual (PEI), obrigatrio para cada instalao, exigido e aprovado no mbito Licenciamento Ambiental.

    Plano de rea (PA), consolidao de diversos Planos de Emergncia Individuais de empreendimentos localizados em determinada rea geogrfica, aprovado por rgo de Licenciamento Ambiental.

    Plano Nacional de Contingncia (PNC), adotado em acidentes de maiores propores, onde a ao individualizada dos agentes no se mostra suficiente para a soluo do problema.

    Atravs do Plano Nacional de Contingncia so previstas aes envolvendo 17 ministrios, cujos objetivos envolvem a reduo do tempo de resposta em caso de impactos ambientais relevantes (DPC/ANP, 2001). O PNC composto por uma autoridade nacional, responsvel por coordenar todas as suas atividades e representada pelo Ministrio do Meio Ambiente; um comit executivo, responsvel pela proposio das diretrizes para implementao do Plano e composta pelo MMA (Ministrio do Meio Ambiente), MME (Ministrio de Minas e Energia), Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente), ANP (Agncia Nacional de Petrleo), MIN (Ministrio da Integrao Nacional) e MT (Ministrio dos Transportes); um Grupo de Acompanhamento e Avaliao (GAA), responsvel pelo acompanhamento de qualquer acidente, independente do porte, composto pela Marinha, pelo Ibama e pela ANP; um Coordenador Operacional, designado pelo GAA para coordenar o

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    acompanhamento do acidente e, se necessrio, propor o acionamento do PNC; e, por fim, um Comit de Suporte, que dar apoio aos demais quando demandado, composto por representantes de diversos rgos e instituies federais (POFFO, 2000).

    A principal figura executiva o coordenador operacional, responsvel pelo comando das aes imediatas ao acidente. No caso de incidentes de poluio por leo em guas abertas ou interiores, compreendidas entre a costa e a linha de base reta (a partir da qual se mede o mar territorial), a Marinha assume o papel de coordenador operacional. Em incidentes ocorridos em guas interiores, excetuando-se as guas compreendidas entre a costa e a linha de base reta, o Ibama assume a coordenao. E, enfim, nos casos de incidentes ocasionados a partir de estruturas submarinas de perfurao e produo de petrleo, a ANP responsvel pela coordenao (AMORIM, 2012)

    Desde a publicao da lei 9.966, em abril de 2000, apenas o acidente ocorrido no Paran, em julho daquele mesmo ano, a partir do qual 4 milhes de litros de leo vazaram e atingiram os rios Barigui e Iguau, apresentou caractersticas que justificariam o acionamento do PNC. Os outros acidentes ocorridos no pas, desde ento, no apresentaram significncia para o acionamento do PNC, inclusive os recentes acidentes ocorridos no Campo de Frade (operado pela Chevron) e na rea do prospecto Carioca Nordeste (operado pela Petrobras), nas bacias de Campos e Santos, respectivamente. O impacto causado no acidente do Campo de Frade, em novembro de 2011, reativou a discusso do Plano, de forma a reavaliar seu texto e incorporar procedimentos at ento no previstos (CALIXTO, 2011).

    2.1.8. Comportamento do leo no mar

    A partir da liberao do petrleo no ambiente marinho interaes com a gua do mar levam a uma srie de mudanas fsicas e qumicas. O espalhamento das manchas de leo, formadas nas primeiras horas de contato com o mar, depende do volume e viscosidade do produto envolvido, alm de outros fatores, como a disperso mecnica, ocasionada pela passagem de embarcaes sobre as manchas. A disperso de leos leves, por exemplo, ocorre nas primeiras 24-48 horas aps o vazamento, enquanto que nos leos pesados esse processo mais lento e pode se estender at 168 horas (ITOPF, 1986).

    Alguns tipos de leo formam emulses imediatamente aps o contato com a gua do mar, o que pode aumentar o volume do poluente de trs a quatro vezes e atingir um teor de 70

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    a 80% de gua em 24 horas. As emulses resultam em alterao do aspecto e cor originais dos produtos petrolferos, retardando os processos que dissipam o leo e tornando-o mais persistente (IIDA et al., 2007).

    As manchas de leo podem se fragmentar em fraes menores pelo processo de disperso, o qual varia de acordo com a viscosidade do produto envolvido e a tenso interfacial leo-gua, estando sujeito ventos, ondas e correntes martimas. Dessa forma, leos mais fluidos, expostos s condies de mar agitado, podem se dispersar naturalmente em um a dois dias, enquanto que produtos mais viscosos, que formam emulses relativamente estveis na superfcie da gua, tendem a se dispersar menos e podem permanecer no mar por quatro a sete dias (MORAIS, 2012).

    O leo, exposto luz solar e em contato com o oxignio, est sujeito ao processo de oxidao, que ocorre mais facilmente em manchas pouco espessas. A reao dos hidrocarbonetos com o oxignio pode resultar em produtos solveis ou, pelo contrrio, outros mais persistentes (CRUZ, 2012).

    De acordo com a porcentagem de componentes volteis presentes no produto e outras propriedades, como o espalhamento na superfcie do mar, aliados temperatura do ar e da gua, umidade relativa do ar, velocidade dos ventos e correntes marinhas, a evaporao pode ocorrer em menor ou maior extenso. Produtos leves, como gasolina e querosene, podem evaporar rapidamente em poucas horas e, no entanto, apresentam alta toxicidade e oferecem riscos de incndios e exploses. Pelo contrrio, produtos mais pesados devido ao alto teor de graxas apresentam baixas taxas de evaporao e oferecem menores riscos segurana operacional (SZEWZYK, 2006).

    A solubilidade do leo na gua depende tanto da composio qumica quanto de fatores como espalhamento, velocidade de disperso das manchas, turbulncia do mar e temperatura ambiente. Os hidrocarbonetos aromticos se dissolvem mais facilmente em gua, no entanto, so volteis e evaporam rapidamente. J os componentes pesados do leo so, geralmente, insolveis em gua, resultando em baixa dissoluo (CRAIG et al., 2012).

    A adeso de partculas de sedimento ou da matria orgnica ao leo e produtos muito densos, que sofrem grande influncia climatolgica e outros processos de interao, pode levar formao de pelotas ou placas de piches pesadas que afundam na coluna de gua e depositam-

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    se no fundo do mar. Aps turbulncia do mar, ocasionada por chuvas e ventos fortes, essas placas podem ressurgir em costas distantes da origem do vazamento (CETESB, 2008).

    As fraes menores formadas na disperso do leo podem ser mais facilmente degradadas por microrganismos marinhos presentes na gua do mar. J no caso de sedimentos aquticos, a degradao mais lenta devido ausncia de luz e oxignio, principalmente no interior de esturios, baas e enseadas abrigadas. Esse processo, denominado biodegradao, pode ser afetado pela temperatura e disponibilidade de oxignio e nutrientes (compostos de nitrognio e fsforo), e depende do nmero de microrganismos existentes no meio e sua capacidade de utilizar os hidrocarbonetos presentes no petrleo como fonte de carbono e energia para suas reaes metablicas (CALIXTO, 2011).

    Dentre os processos mencionados para descrio do comportamento do petrleo no mar, os mais importantes aps a sua liberao so: espalhamento, evaporao, disperso, emulsificao e dissoluo, que podem ocorrer em um a sete dias aps o contato com a gua. Os processos de foto-oxidao e sedimentao podem ocorrer em at um ms aps o contato do produto com a gua, enquanto que a biodegradao pode levar uma semana a um ano para ocorrer. Eles so processos que, a longo prazo, determinam o destino final do leo (POFFO, 2000).

    2.1.9. Impacto nos organismos marinhos e costeiros

    As manchas de leo podem afetar diretamente os ecossistemas marinhos e costeiros, por ao fsica, como recobrimento e asfixia, ou por ao qumica, pela toxidade dos componentes qumicos fauna e flora. Seu efeito tambm pode ser indireto, pela interferncia em processos como fotossntese, respirao e ciclagem de minerais (TOSCAN et al., 2012).

    O recobrimento de animais e vegetais por leos pesados e viscosos pode impedir as trocas necessrias com o ambiente, como respirao, excreo, alimentao e fotossntese, assim como prejudicar a temperatura do organismo e sua locomoo (LOPES, 1998).

    A toxidade de componentes do petrleo, como benzeno, tolueno e xileno (aromticos), responsvel pela mortalidade aguda, especialmente nos primeiros dias aps o derrame. As

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    larvas e recrutas, por exemplo, so 100 vezes mais sensveis ao leo do que adultos (FLOODGATE, 1984).

    Dentre seus efeitos, pode-se mencionar a reduo da quantidade de ovos com sucesso de fertilizao, ocasionando efeitos a mdio prazo na reposio de indivduos das populaes e desencadeando uma perturbao nos recursos alimentares de grupos trficos superiores. A reduo na variedade de espcies e alterao na composio das espcies resistentes e oportunistas, com aumento nas densidades populacionais, so, portanto, efeitos esperados nas comunidades costeiras. Muitos desses compostos, como o benzopireno e benzantreno, apresentam tambm comprovado efeito carcinognico, o que os torna capazes de causar tumores em diversos organismos (CALIXTO, 2011). Alm disso, a absoro de compostos txicos pelas mucosas e membranas biolgicas, ou at a ingesto de gua do mar contaminada, pode levar bioacumulao em altas concentraes nos organismos (CRUZ, 2012).

    Muitos efeitos indiretos e sub-letais, como dificuldade na localizao de presas, problemas na percepo qumica e motora, inibio da desova, aborto, deformao de rgos reprodutores, perda de membros, alteraes respiratrias, alteraes na taxa de fotossntese, desenvolvimento de carcinomas, dentre outros, podem ocorrer a mdio ou longo prazo, em diferentes intensidades, ocasionando a reduo das populaes das espcies atingidas (SZEWZYK, 2006).

    2.2. BIORREMEDIAO

    O termo biorremediao refere-se ao uso de microrganismos para detoxificar reas contaminadas por compostos biodegradveis (CRAIG et al., 2012). Seu objetivo principal minimizar o impacto das substncias persistente no ambiente, a partir da criao de condies favorveis ao crescimento e atividade biolgica. Na dcada de 80, as tecnologias de biorremediao foram introduzidas como uma alternativa ambientalmente compatvel e de baixa toxicidade para a degradao de substncias orgnicas e inorgnicas (MONTAGNOLLI, 2011).

    A completa mineralizao de poluentes, sem produzir resduos ou subprodutos recalcitrantes, aliada grande variedade de microrganismos capazes de decompor hidrocarbonetos so fatores que tornam a biorremediao uma alternativa ambientalmente

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    amigvel e bastante promissora na limpeza e remoo de leo. Diferentemente dos mtodos fsico-qumicos comumente empregados, no causa danos adicionais comunidade martima e costeira (SOUZA, 2013).

    2.2.1. Classificao

    Os mtodos de biorremediao podem ser classificados em mtodos in situ e mtodos ex situ. O primeiro caso ocorre pela decomposio do poluente no local contaminado, sob condies naturais, enquanto que, no segundo, o material poluente removido para ser tratado em outro local, o qual pode apresentar desvantagens, como aumento do tempo e custo do processo, exposio ao contaminante e danos ao ambiente (ANGELIM et al., 2013).

    Os mtodos in situ podem ocorrer pela utilizao de microrganismos livres, imobilizados ou apenas dos produtos desses microrganismos. De acordo com a tcnica empregada, pode-se dividir em biorremediao passiva, bioestimulao, bioventilao, aplicao de clulas ou enzimas imobilizadas ou aplicao direta de biossurfactantes e bioamplificao, cuja eficincia pode variar em funo de trs fatores principais: composio microbiana, caractersticas do contaminante e condies fsicas e qumicas da rea contaminada (EMTIAZI et al., 2005).

    2.2.2. Tcnicas empregadas

    A escolha do mtodo de limpeza a ser empregado deve levar em conta as caractersticas e sensibilidades do ecossistema impactado, alm do tipo e volume de leo derramado e fatores tcnicos, tais como acesso e tipo de equipamento passvel de ser utilizado (OKOH; TREJO-HERNANDEZ, 2006).

    Na biorremediao passiva a degradao promovida naturalmente pelos microrganismos indgenas do meio, um mtodo de baixo custo e simples, que ocorre a uma baixa taxa reacional, podendo levar at um ano para se completar (VIDALI, 2011).

    No caso da bioestimulao ocorre a adio de nutrientes como nitrognio, enxofre e fsforo ao stio contaminado, nutrientes essenciais para a multiplicao celular e crescimento

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    dos microrganismos indgenas que, no entanto, esto presentes em menos de 3% da composio de hidrocarbonetos de petrleo (CAMEOTRA; SINGH, 2008).

    A bioventilao caracterizada pela adio de gases como oxignio e metano ao meio atravs de plantas, que servem como substrato para os microrganismos, aumentando a eficincia de degradao aerbica na subsuperfcie (TONINI; DE REZENDE; GRATIVOL, 2010).

    Os microrganismos produzem enzimas especficas que podem atuar nas reaes de degradao de contaminantes, contribuindo para a detoxificao de reas poludas. Logo, a aplicao dessas enzimas imobilizadas ao meio contaminado permite que microrganismos incapazes de sintetiz-las possam efetuar essas reaes metablicas, aumentando assim a eficincia no processo de converso dos hidrocarbonetos (HOMMEL, 1990).

    Outra forma de aumentar a taxa de degradao de compostos do petrleo pela aplicao direta de biossurfactantes ao meio, de forma a modificar caractersticas dos hidrocarbonetos como baixa solubilidade e elevada hidrofobicidade, aumentando a disponibilidade de substratos insolveis e facilitando seu deslocamento pela membrana celular dos microrganismos (SILVA et al., 2014).

    O mtodo de bioamplificao uma das tecnologias mais bem sucedidas, que ocorre pela inoculao de stios contaminados com culturas de microrganismos hidrocarbonoclsticos especficos, os quais so semeados pela rea contaminada em grande quantidade, a fim de acelerar a eficincia do processo de biodegradao (CRAIG et al., 2012). Entretanto, a biomassa microbiana produzida em biorreatores sob condies timas, completamente diferentes dos fatores biticos e abiticos do local contaminado. Para que esse mtodo seja eficaz, necessrio utilizar microrganismos que sejam funcionalmente ativos sob condies adversas e possam se adaptar a ambientes inspitos (SZEWZYK, 2006).

    Dentre as abordagens utilizadas no mtodo de bioamplificao pode-se citar o uso de microrganismos engenheirados, bioamplificao de genes e microrganismos indgenas, alm da imobilizao de clulas em suportes polimricos (ANGELIM et al., 2013).

    2.2.3. Mecanismo da degradao de hidrocarbonetos de petrleo

    A degradao de hidrocarbonetos pode ocorrer por trs vias metablicas: respirao aerbia, respirao anaerbia e via fermentativa (DAZ, 2004).

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    Grande parte dos poluentes orgnicos degradada mais rapidamente e completa sob condies aerbicas, quando o oxignio o aceptor final de eltrons. A Figura 4 apresenta as etapas do processo degradativo.

    Fonte: Das; Chandran (2011)

    Primeiramente, ocorre um ataque intracelular dos poluentes orgnicos que depende de reaes enzimticas de ativao e incorporao de oxignio, catalisadas por oxigenases e peroxidases. Quando h a incorporao de uma molcula de oxignio, a enzima monoxigenase ataca os substituintes metil do hidrocarboneto, permitindo a degradao de tolueno e xilenos. Caso haja a incorporao de duas molculas de oxignio, a reao de ataque a anis aromticos realizada pela dioxigenase, o que permite a degradao do benzeno (MONTAGNOLLI, 2011).

    Figura 4: Etapas do processo de degradao aerbica de hidrocarbonetos de petrleo

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    Em seguida, reaes de degradao perifricas convertem o material orgnico, passo a passo, em intermedirios de vias metablicas centrais, como o ciclo do cido tricarboxlico. A biossntese de biomassa celular ocorre a partir de metablitos precursores, como acetil-coA, sucinato e piruvato, a partir de acares sintetizados por glucognese (FIELD et al., 1995).

    A funo de aceptor final de eltrons pode ser desempenhada por outros substratos inorgnicos, como ocorre na respirao anaerbia. Neste caso, o CO2 reduzido a metano, sulfato reduzido a sulfeto e nitrato a nitrognio molecular ou on amnio. Quando substratos fosforilados tem a funo de aceptores finais de eltrons, a degradao ocorre por via fermentativa e resulta em compostos como CO2, acetato, etanol, propionato e butirato (ENGLERT; KENZIE; DRAGUN, 1993).

    A adeso de clulas microbianas ao substrato e a produo de biossurfactantes so alguns dos mecanismos envolvidos no processo de degradao. Apesar de no se conhecer o mecanismo associado adeso das clulas a gotculas de leo, a produo de biossurfactantes amplamente estudada (HOMMEL, 1990).

    Biossurfactantes pertencem ao grupo de substncias tensoativas produzidas por microrganismos, capazes de reduzir a tenso superficial de misturas aquosas de hidrocarbonetos, aumentando o acesso de microrganismos ao substrato e facilitando a ocorrncia de reaes de degradao (OLIVEIRA, 2010).

    A formao de estruturas globulares a partir de agregados de molculas anfipticas (que apresentam simultaneamente caractersticas polares e apolares), denominadas micelas, permite que os hidrocarbonetos se solubilizem em gua. Elas atuam no remanejamento molecular, atravs do acmulo na superfcie de compostos insolveis, modificando as ligaes de hidrognio, assim como outras interaes hidroflicas e hidrofbicas, o que leva a um aumento da biodisponibilidade de substrato e, consequentemente, aumento da biodegradabilidade (EMTIAZI et al., 2005). A Figura 5 apresenta a estrutura dos biossurfactantes e o mecanismo de ao de micelas.

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    Fonte: Montagnolli (2011, p. 63)

    Os biossurfactantes podem ser divididos em lipopolissacardeos, lipopeptdeos, glicolipdeos, fosfolipdeos, cidos graxos e lipdeos neutros. Os glicolipdeos, hidrxi-cidos graxos ligados a molcula de acar por ligao glicosdica, se dividem ainda em trealose, soforolipdeos e ramnolipdeos (SOUZA, 2013). A Tabela 2 apresenta alguns tipos de biossurfactantes produzidos por microrganismos.

    Figura 5: Estrutura dos biossurfactantes e formao de micelas

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    Tabela 2: Biossurfactantes produzidos por microrganismos

    Fonte: Montagnolli (2011, p. 67)

    A demanda mundial de surfactantes aumenta a uma taxa de 35% ao ano (KIM et al., 2000). Atualmente, a grande maioria dos surfactantes quimicamente sintetizados so derivados do petrleo, o que, diante do aumento na conscincia ambiental, torna crescente o interesse por surfactantes biodegradveis e produzidos por microrganismos. No entanto, o maior obstculo na produo e aplicao de biossurfactantes o alto custo de produo, que faz com que essas substncias no sejam capazes de competir economicamente com os surfactantes qumicos do mercado (NITSCHKE; PASTORE, 2002).

    2.2.4. Microrganismos utilizados na biorremediao

    A escolha do microrganismo um dos principais fatores que afeta a eficincia de todos os mtodos. No entanto, o crescimento celular e a degradao de contaminantes esto sujeitos

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    a fatores biticos e abiticos que limitam a viabilidade celular, tais como: variaes de temperatura (ou temperaturas extremas), pH, disponibilidade de oxignio dissolvido, salinidade (condio osmtica), necessidades nutricionais, toxicidade e concentrao do poluente, competio (intra e interespcie), predao (por protozorios) ou parasitismo entre espcies nativas e introduzidas, presena de substncias que inibam o crescimento celular, dentre outras (GOLDSTEIN; MALLORY; ALEXANDER, 1985).

    Comparando-se com culturas puras, as culturas mistas apresentam eficincia superior e maior versatilidade metablica, devido capacidade de degradar uma variedade maior de hidrocarbonetos e compostos presentes no petrleo, alm de satisfazer as relaes de cooperao ou sintrofismo de alguns microrganismos (ANGELIM et al., 2013)

    Alguns gneros microbianos frequentemente encontrados em ambientes contaminados por petrleo, que apresentam um bom desempenho na decomposio de substratos complexos, so Acinetobacter, Actinobacter, Alcaligenes, Arthrobacter, Bacillus, Berjerickia, Flavobacterium, Methylosinus, Mycobacterium, Mycococcus, Nitrosomonas, Nocardia, Penicillium, Phanerochaete, Pseudomonas, Rhizoctonia, Rhodococcus, Serratia, Sphingomonas, Trametes e Xanthobacter (OKOH; TREJO-HERNANDEZ, 2006). April, Foght e Currah (1999) analisaram 64 espcies de fungos filamentosos pela sua capacidade de degradar petrleo bruto, dentre as quais diversas cepas de fungos e actinomicetos foram comprovadamente eficazes.

    Algumas caractersticas desejveis para que as reaes de degradao de contaminantes sejam eficazes so: a presena de microrganismos em densidades apropriadas para degradar os compostos alvos, acessibilidade do substrato (poluentes) de forma que possa ser utilizado como fonte de carbono e energia, presena de um indutor para causar a sntese de enzimas especficas para atuar sobre substratos especficos, a presena de sistema de eltrons aceptores e doadores, condies ambientais favorveis catlise enzimtica das reaes (pH e umidade) e desfavorveis ao crescimento de espcies competitivas s desejadas, disponibilidade de nutrientes necessrios para o crescimento microbiano e produo enzimtica (nitrognio e fsforo so essenciais), faixas de temperatura adequadas para atividade enzimtica, ausncia de substncias txicas (VIDALI, 2011).

    As bactrias desempenham um papel crucial na constituio da biosfera e em ciclos biogeoqumicos, no s pela abundncia desses microrganismos e alta taxa de crescimento, mas tambm pela capacidade de transferir seus genes para clulas que no so descendentes (transferncia lateral), o que permite que elas evoluam rapidamente como vm fazendo h 3

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    bilhes de anos e se adaptem facilmente a mudanas ambientais extremas (DAZ, 2004). A vasta diversidade gentica contribuiu para uma tima versatilidade metablica, o que permitiu que as bactrias desenvolvessem diversas estratgias para a obteno de energia a partir de, praticamente, todo tipo de composto (LOVLEY, 2003).

    Apesar da grande variedade de microrganismos capazes de degradar contaminantes aerobiamente, muitos ambientes contaminados no possuem oxignio suficiente para que essas reaes ocorram, tais como aquferos, rios, mares, solos submersos, dentre outros. Nesses ambientes, a biodegradao conduzida por microrganismos anaerbios restritos ou facultativos, a partir de aceptores de eltrons alternativos, como nitrato (organismos desnitrificantes), sulfatos (redutores de sulfato), Fe3+ (redutores ferro-inicos), CO2 (metanognicos), ou outros (clorato, Mn, Cr, U, etc.). A utilizao de aceptores de eltrons diferentes do oxignio depende da disponibilidade dos aceptores de eltrons alternativos e da competitividade entre microrganismos com diferentes capacidades respiratrias por doadores de eltrons (TONINI; DE REZENDE; GRATIVOL, 2010). A Figura 6 apresenta as diferentes formas de aproveitamento de compostos aromticos para o metabolismo de diferentes microrganismos:

    Fonte: Daz (2004)

    Figura 6: Degradao microbiana de compostos aromticos por reaes com diferentes aceptores de eltrons.

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    O sulfato, por exemplo, um grande aceptor de eltrons para degradao anaerbia de contaminantes em ambientes marinhos, devido alta concentrao de sulfato em gua do mar. J a reduo de ferro (III) um mecanismo de oxidao de matria orgnica mais frequente na subsuperfcie desses ambientes (WIDDEL; RABUS, 2001). A degradao de anis aromticos utilizando nitrato de ferro (III) como aceptor final de eltrons quase to eficiente, energeticamente, quanto as reaes que utilizam o oxignio. No entanto, a reduo de sulfato e metano costuma ser muito menos energtica, o que torna o rendimento celular relativamente baixo (FIELD et al., 1995b).

    As espcies capazes de realizar fermentao esto sujeitas a uma relao sintrpica, cuja biodegradao se torna energeticamente favorvel apenas quando essas espcies esto associadas a bactrias metanognicas ou redutoras de sulfato, que utilizam os metablitos produzidos ao longo da quebra de compostos aromticos realizada por microrganismos fermentadores (DAZ, 2004).

    Bactrias fotossintticas obtm energia a partir de reaes envolvendo a radiao solar. A degradao anaerbia de compostos aromticos forma metablitos intermedirios como acetil-coA, o qual usado em reaes metablicas de biossntese (LOVLEY, 2003).

    Alguns compostos aromticos podem servir de aceptores de eltrons, ao invs de doadores em reaes de biorremediao (PEREIRA; FREITAS, 2012). Assim, um importante tipo de reao a declorao redutiva, na qual bactrias removem cloretos de contaminantes, como solventes clorados e PCBs1, pela utilizao desses compostos como aceptores de eltrons por dehalogenao (FETZNER, 1998).

    2.2.5. Biorremediao com clulas imobilizadas

    Os primeiros relatos do uso de clulas aprisionadas em diversos tipos de suportes para utilizao em aplicaes ambientais so relativamente recentes, iniciados por Chevalier e Noue

    1 Bifenilpoliclorado corresponde a uma classe de compostos organoclorados, formados por anis

    aromticos com tomos de cloro, ligados por ligao simples carbono carbono.

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    (1985), que utilizaram microalgas imobilizadas em carragenana2 para o tratamento de guas residuais.

    Desde ento foi estudado o encapsulamento ou aprisionamento de diversas espcies microbianas com diferentes aplicaes, tais como linhagens de fungo encapsulados para biocontrole e biodegradao, microalgas encapsuladas para o sequestro de metais e remoo de nutrientes de resduos em ambientes aquosos, ou at bactrias aprisionadas para a captura e degradao de compostos txicos. Dentre as principais vantagens de se utilizar microrganismos ou enzimas imobilizados na biorremediao (CARVALHO, 2006), cita-se:

    a. Segurana na introduo de um fator novo ao meio ambiente, limitando sua reao somente ao stio-alvo a ser atingido, e impedindo sua proliferao descontrolada no meio.

    b. Reduo de custo, pois no ocorrem perdas ocasionadas pela diluio em ambientes aquticos abertos e as clulas ou enzimas permanecem restritas interface leo/gua;

    c. Reduo da possibilidade de contaminao do inculo durante estocagem, transporte e aplicao;

    d. Possibilidade de produzir clulas em grandes quantidades e estocar por longos perodos, devido ao estado liofilizado;

    e. Grnulos (ou beads) produzidos com materiais polimricos naturais so biodegradveis, ambientalmente amigveis e no so txicos;

    f. O suporte de imobilizao fornece proteo aos fatores ambientais biticos e abiticos, aumentando a taxa de sobrevivncia das clulas ou enzimas imobilizadas;

    g. Aumento da atividade metablica ou enzimtica das clulas ou enzimas encapsuladas;

    h. Liberao lenta de clulas com reduzido movimento pelo solo, a partir do transporte induzido pelo fluxo de gua;

    i. Aumento da estabilidade celular.

    No entanto, existem ainda algumas desvantagens que devem ser previamente analisadas para que a escolha do mtodo seja eficaz e os efeitos do petrleo nos ambientes

    2 Polissacardeo sulfatado extrado de algas, utilizado principalmente na indstria alimentcia, de

    cosmticos e txtil.

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    marinho e costeiro no se alastrem mais ainda. As cpsulas podem restringir a solubilidade de gases e solutos, diminuindo o coeficiente de transferncia volumtrico de oxignio dissolvido (kLa), o que pode afetar as vias metablicas principais responsveis pela degradao de hidrocarbonetos. A reduo nas velocidades de consumo de oxignio pode causar alteraes metablicas cujo efeito, quando negativo, limita a atividade celular no meio aquoso. Outro fator a necessidade de aplicaes repetidas dos grnulos com clulas imobilizadas, uma vez que no ocorre a formao de colnias estveis fora deles (CARVALHO, 2006).

    Em estudos conduzidos por Wilson e Bradley (1996), Pseudomonas sp. foram utilizadas livres em suspenso e imobilizadas para degradar petrleo em soluo aquosa. Os resultados indicaram que a imobilizao provocou um aumento da rea de contato entre clulas e os hidrocarbonetos, alm de aumentar a produo de ramnolipdeos, que causaram uma maior disperso de n-alcanos insolveis na fase aquosa pela reduo da tenso superficial. A maior interao entre clulas com pequenas gotculas de hidrocarboneto solubilizadas permitiu uma assimilao mais rpida, aumentando a taxa de degradao.

    2.3. IMOBILIZAO DE CLULAS E ENZIMAS

    O processo de imobilizao celular ou enzimtica consiste em sua conteno em suportes neutros capazes de preservar suas propriedades funcionais, obtendo-se, assim, uma maior eficincia e produtividade em reaes e melhorias em processos biotecnolgicos. A aplicao de tcnicas de imobilizao proporciona reutilizao das enzimas e clulas, facilita a separao de produtos, aumenta a estabilidade em solventes orgnicos e se mostra vantajosa para clulas submetidas a condies adversas (ANGELIM et al., 2013).

    Os principais mtodos de imobilizao de clulas ou enzimas so: adsoro, ligao covalente, encapsulao, aprisionamento e ligao cruzada (WOODWARD, 1988), como pode ser observado na Figura 7.

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    Fonte: Carvalho (2006)

    Dentre os mtodos fsicos para imobilizao, se destacam adsoro em uma matriz insolvel em gua, aprisionamento em gel e encapsulao (ou microencapsulao) com membrana slida ou lquida. Os mtodos qumicos incluem adsoro a matriz insolvel em gua, ligao covalente e ligao cruzada (utilizando um reagente multifuncional de baixo peso molecular ou substncias neutras como protenas) (KRAJEWSKA, 2004).

    Todos os mtodos oferecem vantagens e desvantagens, e nenhum adequado para todas as clulas e enzimas, devido s diferentes caractersticas bioqumicas e composies, propriedades dos substratos e aplicaes dos suportes (MATEO et al., 2007).

    A adsoro um mtodo simples, de baixo custo e efetivo, que ocorre geralmente pela circulao de inculo por biorreator at que a biomassa cresa no material de suporte e esteja retida no reator. A principal desvantagem desta tcnica que qualquer mudana nas condies do biorreator, como fora inica, pH e taxa de agitao, pode afetar drasticamente o grau de adsoro, revertendo, assim, a imobilizao. Alm disso, polmeros de troca inica geralmente

    Figura 7: Principais Mtodos de imobilizao celular ou enzimtica

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    possuem uma baixa capacidade de adeso, entre 10 a 50 mg/g para clulas microbianas (WOODWARD, 1988).

    O mtodo de aprisionamento baseia-se na imobilizao de clulas microbianas nos interstcios de polmeros em gel de ocorrncia natural, como alginato, carragenana, quitina e quitosana, o que torna este mtodo simples e seguro. Ele pode ser realizado pela solubilizao do polmero em um cido orgnico diludo, como cido actico ou cido frmico, para formao de uma soluo em gel que pode ser adicionada biomassa microbiana antes da etapa de coagulao em lcali ou solues ionotrpicas. Esse procedimento permite a produo de biomateriais em diferentes configuraes geomtricas, tais como grnulos, filmes ou membranas (ANGELIM et al., 2013).

    Outra tcnica para imobilizao por aprisionamento consiste em adicionar o gel, gota a gota, a um agente endurecedor, resultando na formao de grnulos de 2 a 5 mm de dimetro. Scott (1987) descreve um aparato (Figura 8) composto por um reservatrio pressurizado e agitado que, atravs de um tubo flexvel, transfere a soluo de gel (incluindo microrganismos e outros aditivos) a um pequeno bocal (como uma agulha de seringa), que vibra a uma determinada frequncia para produzir um fluxo de gotculas de gel monodispersas.

    Fonte: Scott (1987)

    Figura 8: Arranjo experimental para produo de grnulos monodispersos

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    A frequncia de vibrao ajustada de acordo com o dimetro (que varia em at 10%) e as propriedades da soluo de gel, logo, para fluxo de 0,10 mL/s de 4% k-carragenana e vibrao de 190 Hz obteve-se grnulos de 1,96 mm de dimetro, enquanto que, a um fluxo de 0,37 mL/s e vibrao de 250 Hz, o dimetro mdio foi de 2,33 mm (SCOTT, 1987).

    Aos mtodos de aprisionamento e microencapsulao esto associados problemas de difuso. Outras tcnicas, como ligao covalente e ligao cruzada, so efetivas e durveis, mas podem ter custo elevado e afetar o desempenho das enzimas. Portanto, as condies ideais de imobilizao para uma determinada clula e aplicao so determinadas empiricamente, de modo a garantir a maior reteno possvel, alta atividades enzimticas e crescimento celular, estabilidade operacional e durabilidade (WOODWARD, 1988).

    2.3.1. Suportes para imobilizao

    Diversos polmeros sintticos (poliacrilamida, polietilenoglicol e poliuretano) e naturais (alginato, carragenana, gar, colgeno, quitina e quitosana) so empregados como matrizes para imobilizao de clulas e enzimas, no entanto a busca por tecnologias limpas e biocompatveis torna a utilizao de polmeros naturais tema de diversas pesquisas (PEREIRA, 2014). A escolha do suporte e dos procedimentos metodolgicos adequados imobilizao depende de uma srie de fatores, como propriedades das clulas ou enzimas e dos substratos, condies fsico-qumicas das reaes, produto de interesse, escala do processo, dentre outros (VAN DE VELDE et al., 2002, apud CARVALHO, 2006 p. 16).

    Os suportes podem ser orgnicos (naturais ou sintticos) e inorgnicos (minerais ou sintticos), e so classificados ainda em porosos e no porosos. Suportes porosos podem ter poros de tamanho controlado, ser de ampla distribuio ou de estrutura de gel. Nos suportes no porosos a fixao ocorre na superfcie em contato imediato com o meio externo, onde os efeitos de difuso so mnimos, possibilitando a reao de grande quantidade de substrato. Uma desvantagem a baixa relao rea/volume, o que limita a fixao em suportes no porosos, comparativamente com porosos (SCHOFFER, 2013).

    Dentre as caractersticas desejveis para os suportes empregados na imobilizao de clulas ou enzimas podemos citar insolubilidade em gua, alto peso molecular, no ser txico para as clulas, apresentar alta reteno de microrganismos, ser qumica e bioquimicamente inerte, possuir alta resistncia mecnica, possibilitar alta difusividade de reagentes e produtos

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    formados, ter uma grande rea superficial, ser biodegradvel e de baixo custo (KRAJEWSKA, 2004).

    A quitosana um polmero natural muito promissor para imobilizao de clulas, o que ocorre por ser um material biodegradvel, inerte, atxico, e amplamente disponvel na natureza. No entanto, poucos estudos envolvendo aprisionamento de clulas em matriz de quitosana foram registrados, provavelmente pela ao antimicrobiana do material e pela capacidade de alguns microrganismos para produzir enzimas degradadoras de quitosana (BORGOGNONI; POLAKIEWICZ; PITOMBO, 2006)

    2.3.1.1.Quitina e Quitosana: caractersticas e aplicaes

    A quitina (Figura 9) o biopolmero mais abundante na natureza, depois da celulose. Esse homopolissacardeo linear composto por unidades de N-acetil-D-glucosamina (ou 2-acetoamido-2-deoxi-D-glicose) em ligaes (1 4). O processo de N-desacetilao da quitina, seja por tratamento alcalino com bases fortes ou por mtodos microbiolgicos na parede celular de alguns fungos, origina a quitosana (Figura 10), um heteropolissacardeo constitudo por resduos de N-acetil-D-glucosamina e D-glucosamina (ou 2-amino-2-deoxi-D-glicose), unidos entre si por ligaes (1 4) (PETER, 1995).

    Este polmero apresenta propriedades qumicas e biolgicas distintas: em suas cadeias de poli-D-glucosamina, de alta massa molecular, existem grupos amino e hidrxido reativos, suscetveis a modificaes qumicas. Esses grupos tornam a quitosana em um dos poucos eletrlitos catinicos encontrados na natureza. A caracterstica bsica desse polmero o torna solvel em meio aquoso cido (pH menor que 6,5) e, quando dissolvido, apresenta alta carga positiva nos grupos NH3+, os quais aderem a superfcies carregadas negativamente e permite que se agregue a compostos polianinicos (KRAJEWSKA, 2004).

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    Fonte: Borgognoni, Polajiewicz, Pitombo (2006)

    Fonte: Borgognoni, Polajiewicz, Pitombo (2006)

    O grau de acetilao, proporo de unidades de N-acetil-D-glucosamina em relao ao nmero total de unidades, inferior a 50% em polmeros de quitosana, permitindo a distino entre quitina e quitosana (SCHOFFER, 2013).

    A excelente propriedade de formao de gel da quitosana, aliada biocompatibilidade, biodegradabilidade, atoxicidade, alta afinidade a protenas, propriedades hemostticas, fungicida, antitumoral, e anticolesterol, garantem quitina e quitosana um grande espectro de aplicaes para esses biopolmeros (KHONDEE et al., 2015), as quais so apresentadas na Tabela 3.

    Figura 9: Estrutura qumica da quitina

    Figura 10: Estrutura qumica da quitosana

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    Tabela 3: Aplicaes de quitina e quitosana

    rea Aplicao Agricultura Fertilizantes

    Liberao controlada de agroqumicos Defensivos agrcolas

    Biomdica Biomembranas artificiais Lentes de contato Sutura cirrgica

    Biotecnologia Agente antimicrobiano Biossensores Cromatografia (purificao) Imobilizao de enzimas e de clulas Separao de protenas

    Cosmtica Bactericida Fungicida Umectante

    Farmacutica Agente cicatrizante Aditivo de medicamentos Controle de colesterol Liberao controlada de drogas

    Indstria de Alimentos Aditivos alimentares Espessante Embalagem biodegradvel para alimentos Preservante Nutrio animal

    Indstria Fotogrfica Filmes Indstria Txtil e de Papel Tratamento de superfcie Tratamento de Efluentes Floculante e coagulante

    Remoo de ons metlicos Remoo de corantes

    Fonte: Adaptado de Carvalho (2006)

    Apesar de ambos os polmeros possurem diversas aplicaes, nas mais diversas reas, a quitosana desperta um maior interesse devido alta solubilidade, o que amplia as possibilidades de sua utilizao. Por ser biocompatvel, biodegradvel, pouco txica aos mamferos e abundantes na natureza, a quitosana tem sido foco de muitos estudos (KUMAR, 2000).

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    2.3.1.2.Mtodos de obteno de quitina e quitosana

    A quitina um dos mais abundantes recursos orgnicos renovveis do planeta, encontrado naturalmente na carapaa de crustceos, no exoesqueleto de insetos e na parede celular de alguns fungos. Esse material est disponvel em sua forma bruta nos resduos slidos do processamento de frutos do mar em diversos pases. J a quitosana pode ser obtida pela desacetilao da quitina, embora seja encontrada naturalmente na parede celular de alguns fungos (PEREIRA, 2014).

    No Brasil, um pas de vasto litoral, grande potencial hdrico e dotado de uma grande biodiversidade de fauna marinha, estima-se que a produo anual de camaro por carcinicultura chegue a 100 mil toneladas o que permite a grande produo de quitina no pas (ORMOND et al., 2004).

    O processamento do camaro consiste primeiramente na etapa de descasque, de forma a eliminar a cabea e casca do animal, correspondentes a aproximadamente 40% do seu peso total. Esse processo gera grandes quantidades de resduos slidos, compostos por cerca de 70 a 75% de gua (CARVALHO, 2006).

    No processo de obteno da quitina a partir de casca de camaro desenvolvido por Wang et al. (2001), utilizando-se 700mL de soluo de hidrxido de sdio a 6% para 10g de casca de camaro, ocorre primeiramente a saponificao dos cidos graxos e a hidrlise das protenas presentes na casca. Obteve-se 7,0g de quitina, a qual foi tratada com 700mL de soluo a 10% de cido clordrico para que ocorresse a desmineralizao. Para a extrao alcalina da quitosana, pela remoo do grupo acetil da quitina (Figura 11), 4g do material resultante na desmineralizao reagiu com 800mL de soluo de hidrxido de sdio a 50%, sob aquecimento a 120C e agitao por 3 horas. Obteve-se uma substncia facilmente solvel em gua, cujos grupos catinicos podem interagir com materiais hidrofbicos e aninicos, denominada quitosana, com grau de desacetilao de 50% (BORGOGNONI; POLAKIEWICZ; PITOMBO, 2006).

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    Fonte: http://sigmaaldrich.com

    No entanto, ao longo do processamento do resduo de camaro para obteno de quitosana, minerais e protenas dos tecidos so quimicamente extrados e drenados, de forma que apenas 10% de material seco da matria prima recuperado como quitosana. Isso significa que para cada quilo de quitosana produzido, aproximadamente 3 kg de protena desperdiado (GILDBERG; STENBERG, 2001).

    As protenas presentes na casca do camaro podem ser hidrolisadas e recuperadas por tratamento com alcalase, um preparado de proteases, resultando em um hidrolisado composto por peptdeos bioativos. Gildberg e Stenberg (2001) desenvolveram um processo empregando alcalase para o aproveitamento de resduos de camaro na produo comercial de quitosana, no qual obteve-se 26,5% de massa seca a partir dos resduos de camaro, dentre os quais 74% correspondentes a matria orgnica (protenas e quitina) e 26% a minerais. Nesse processo, a casca de camaro passou por tratamento alcalino, hidrlise, desmineralizao, desproteinao e desacetilao, obtendo-se, por fim, quitosana com grau de desacetilao de 50%. A quantidade de astaxantina3 recuperada no precipitado foi de 40%, dez vezes maior do que o teor normalmente encontrado em uma refeio composta por camaro. O processo apresentado na Figura 12.

    3 A astaxantina um carotenoide que no se converte em vitamina A no corpo humano, com ao

    antioxidante e frmula molecular C40H52O4.

    Figura 11: Desacetilao da quitina por tratamento alcalino para formao de quitosana

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    Fonte: Gildberg e Stenberg (2001)

    2.3.1.3.Mtodos de preparo de suporte de quitosana

    Os principais mtodos de preparao de gel de quitosana podem ser divididos em quatro grupos: mtodo de evaporao de solvente, mtodo de neutralizao, mtodo de ligaes cruzadas e mtodo de gelatinizao ionotrpica (SCHOFFER, 2013).

    O primeiro mtodo principalmente empregado na preparao de membranas e filmes, aplicados posteriormente no preparo de superfcies enzimticas ativas, depositadas nas extremidades de eletrodos (PETER, 1995). Uma soluo de quitosana em cido orgnico pode ser aplicada extremidade de um eletrodo para secar a 65C e, enquanto isso, a membrana/filme normalmente neutralizada com uma soluo diluda de NaOH, para evitar desintegrao em pH menor que 6,5. Pode-se misturar, tambm, um agente de ligao cruzada soluo inicial de quitosana, antes da secagem (KHONDEE et al., 2015). As enzimas podem ser imobilizadas na superfcie do filme por adsoro e reticulao, ou ligao covalente, ou at adicionadas na soluo inicial de quitosana (KRAJEWSKA, 2004).

    Figura 12: Fluxograma do processo para aproveitamento de resduos de camaro

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    J o mtodo de neutralizao explorado para a produo de precipitados de quitosana, membranas, fibras e, mais especificamente, grnulos esfricos de diferentes tamanhos e porosidades. O princpio deste mtodo consiste na adio gota a gota de uma soluo cida de quitosana a uma soluo de NaOH, comumente preparada em misturas gua-etanol nas quais o etanol, um no solvente para a quitosana, facilita a solidificao dos grnulos de quitosana. Em seguida, os grnulos so normalmente submetidos ao mtodo de ligaes cruzadas (DIAS et al., 2008).

    Pelo mtodo de ligaes cruzadas, uma soluo cida de quitosana submetida diretamente a ligaes cruzadas, atravs de uma mistura com agente de reticulao que proporciona a gelificao. Os gis obtidos so quebrados em partculas, de acordo com o tamanho desejado, e a imobilizao no exige ativao qumica, uma vez que os agentes costumam atender duas funes: reticulao e ativao. O principal agente empregado o glutaraldedo, devido facilidade de uso, confiabilidade e alta disponibilidade de grupos amino (BARRETO et al., 2010).

    Por fim, pelo mtodo de gelatinizao ionotrpica, a mistura de quitosana, um polieletrlito catinico, com polieletrlitos aninicos como alginato, carragenana, xantana,

    polifosfatos e sulfatos orgnicos ou enzimas, forma espontaneamente complexos insolveis em gua. Esse mtodo empregado principalmente na produo de grnulos de gel, pela adio gota a gota de soluo aninica de polieletrlito, a uma soluo cida de quitosana. A imobilizao ocorre pelo preparo de uma soluo polieletrlito aninica contendo enzima, anteriormente gelificao (KRAJEWSKA, 2004)

    A principal estratgia para incrementar a capacidade de adsoro da quitosana o preparo de beads (ou grnulos) para imobilizao, uma vez que os beads possuem uma rea superficial at 100 vezes maior que a rea da quitosana em flocos e cinticas de adsoro mais rpidas (CARVALHO, 2006).

    O tipo de quitosana utilizada no processo e caractersticas distintas, tais como peso molecular e grau de desacetilao, podem influenciar no tamanho e na morfologia dos beads formados. No entanto, algumas metodologias podem ser empregadas para a obteno de beads de quitosana com dimenses controladas por:

    a. Coagulao a quitosana dissolvida em meio cido e gotejada em soluo alcalina e o entrecruzamento executado aps a obteno e neutralizao dos beads. Esta tcnica a mais simples.

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    b. Inverso de fases os beads so obtidos in situ pela dissoluo da quitosana em meio cido, contendo o agente de entrecruzamento, e ocorre disperso da fase aquosa em uma fase oleosa para obteno de materiais insolveis;

    c. Spray-drying a quitosana purificada dissolvida em meio cido e recebe adio de agente reticulante. A soluo resultante bombeada e, a partir da ao do ar comprimido, que interrompe o fluxo no bico aspersor, os beads so formados. Esta tcnica a mais rpida e precisa (HE; TEBO, 1998).

    Nos estudos realizados por Carvalho (2006), as esferas foram preparadas a partir de 20g de quitosana dissolvidos em 500mL de cido actico 1%, a qual foi gotejada sobre uma soluo de hidrxido de sdio 8% (p/v) a partir de um sistema eltrico com agulhas calibradas para liberar gotas padronizadas de 0,1mm. As microesferas permaneceram na soluo de hidrxido de sdio sob agitao mecnica, por 24 h. Por fim, elas foram lavadas com gua destilada (para obter pH neutro) e secas a 30C.