Utilização De Meios Eletrônicos No Ambiente De Trabalho, A - Homenagem Ao Ministro José Roberto...

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A UTILIZAÇÃO DE MEIOS ELETRÔNICOS NO AMBIENTE DE TRABALHO A COLISÃO ENTRE OS DIREITOS À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE DO EMPREGADO E O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR Homenagem ao Ministro José Roberto Freire Pimenta

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A UTILIZAÇÃO DE MEIOS ELETRÔNICOS NO AMBIENTE DE TRABALHO

a colisão entre os direitos à intimidade e à privacidade do empregado e o poder diretivo do empregador

Homenagem ao Ministro José Roberto Freire Pimenta

Dedico esta obra a todos os trabalhadores que têm a sua intimidade e privacidade vilipendiadas violentamente no ambiente de trabalho por

empregadores que, muitas vezes, se olvidam que, mais importante que o lucro e a produtividade irretocáveis, guiados pelas metas empresariais,

estão seres humanos que devem ser tratados com dignidade; a todos os trabalhadores cujos direitos fundamentais são lesados, sobretudo por meio de silenciosos e discretos aparatos, frutos da evolução tecnológica,

que à primeira vista encantam, mas que paulatinamente mostram o seu poder de infiltração em todos os aspectos da vida das pessoas; aos empregados e, especificamente, aos ex-empregados (posto que provavelmente já não terão

emprego à época da Reclamação) que buscam a Justiça do Trabalho, sozinhos ou coletivamente, para receberem, ao menos, alguma compensação

pelas agressões sofridas à sua intimidade e privacidade e, para isso, lutam para conseguir provar essas violações resultantes

do exercício indiscriminado do poder diretivo do empregador.

Dedico o resultado deste livro especialmente aos aplicadores do Direito, advogados, juízes e procuradores que atuam na Justiça do Trabalho, para que possam tratar da colisão entre os direitos à intimidade e à

privacidade do empregado e o poder diretivo do empregador como um assunto que merece a mais contundente das atenções, em virtude de sua complexidade e da necessidade de aprofundamento do estudo do tema, e para que consigam

encontrar soluções racionais e justas para os problemas que lhe são apresentados cotidianamente.

Juliana Augusta Medeiros de BarrosDoutoranda em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da USP.

Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-MG. Servidora assistente de Desembargador do TRT-3ª Região.Professora de cursos de pós-graduação em Direito do Trabalho.

A UTILIZAÇÃO DE MEIOS ELETRÔNICOS NO AMBIENTE DE TRABALHO

a colisão entre os direitos à intimidade e à privacidade do empregado e o poder diretivo do empregador

Homenagem ao Ministro José Roberto Freire Pimenta

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Agradeço, antes de tudo, a Deus, por estar sempre ao meu lado, guiando-me e me dando forças para superar os obstáculos, por mais intransponíveis que eles possam parecer.

Aos meus pais, mestres da vida e de profissão, por me passarem os valores que me fazem ser o que sou hoje e por me fazerem crer que a honestidade, o caráter e a educação são ainda as chaves para a superação do homem.

Ao meu pai, pela seriedade e compromisso com que sempre trabalhou como professor de “futuros engenheiros”, e à minha mãe que, ensinando desde as letras aos pequenos até a filosofia aos grandes e “futuros educadores”, dedicou toda uma vida ao magistério e à arte de ensinar.

À minha querida irmã, pelas contribuições linguísticas e por sempre acreditar nas minhas “lutas diárias” ao longo do tempo, e aos meus irmãos, pela presença sempre de alguma forma.

Aos pequenos Yuri e João Otávio, por abrandarem meu coração, me deixando mais feliz, e aos cunhados e ao resto da família, pelo diálogo.

Aos meus amigos reconhecidos em vários momentos da minha caminhada, por compartilharem ideias de vida, de comportamento, risos, tristezas e “sonhos”.

Aos colegas, por trocarem experiências e ensinamentos e tornarem mais rico o processo de nossa formação.

À música e às letras, por serem o pano de fundo da minha vida, embalando meus passos e dando mais sentido às minhas ações.

Aos professores do mestrado, pelas lições transmitidas e, especificamente, aos professores José Roberto Freire Pimenta, Luís Otávio Linhares Renault, Márcio Túlio Viana e Mauricio José Godinho Delgado, por me fazerem aprender muito mais sobre o Direito.

Ao professor Renault, pela grande consideração e colaboração durante todo o tempo do mestrado, por sempre me incentivar, de forma realmente motivante, a seguir em frente e por aplicar e interpretar o Direito do Trabalho “evolutivamente”.

Ao professor Godinho, por ensinar e exaltar a importância do trabalho regulado e do Direito do Trabalho para a evolução político-socioeconômica das pessoas e dos países e, por isso, me fazer amar ainda mais esse ramo do Direito e trabalhar por ele.

Ao professor Márcio Túlio, por ensinar “com arte” sobre o Direito, pelas “luzes” que me transmitiu ao longo da minha vida acadêmica, na graduação e no mestrado, e, também, pelas contribuições essenciais para o aprimoramento do texto final desta pesquisa.

Agradeço, especialmente e de forma honrosa, ao orientador José Roberto, pela excelência como magistrado e professor, o que só enriquece a formação de seus alunos; por ser mais que um orientador, mas, sim, um “educador” de seus orientandos; pela seriedade e respeito com as nossas dissertações; e, também,

6 Juliana augusta Medeiros de Barros

pelas parcerias ao longo desses dois anos, além de toda a atenção e consideração durante esse tempo.

À Dra. Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt, pela gentileza em estudar cuidadosamente o meu trabalho e em viajar para participar da minha banca de defesa; pelas ricas informações trazidas acerca do tema no cenário francês; e pelas contribuições valiosas para a versão final do texto desta pesquisa, inclusive sobre o importante papel da Organização Internacional do Trabalho na promoção do respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores, contribuições essas que acatei prontamente.

À Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, por ajudar a me propi-ciar uma formação de qualidade.

Ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento — CNPQ, pelo exce-lente trabalho de fomento e incentivo à pesquisa realizado em todo o Brasil e pela ajuda que tornou possível a conclusão do mestrado e da dissertação o que resultou neste livro.

Aos funcionários da biblioteca da PUC-Minas, da secretaria da pós-gradua-ção em Direito e do xerox, por trabalharem e contribuírem, cada qual a seu modo, para a conclusão dessa etapa da minha vida.

Aos funcionários da secretaria da graduação da Faculdade de Direito da PUC--Minas, pela colaboração e atenção durante o tempo do meu estágio de docência junto à graduação da Faculdade.

Aos alunos da PUC-Minas, por me fazerem compreender que ensinar é compartilhar diversas formas de aprendizagem, não somente a acadêmica, e que, quanto mais árdua essa tarefa, mais gratificante ela se torna.

José Roberto Freire Pimenta

É natural de São Sebastião do Paraíso, Minas Gerais, e radicado em Belo Horizonte desde a infância; filho de José Gonçalves Pimenta e Natália da Conceição Freire Pimenta; casado com a Juíza do Trabalho Titular da 4ª Vara do Trabalho de Coronel Fabriciano-MG, Adriana Campos de Souza Freire Pimenta. Tem cinco filhos: Raquel, Mariana, Roberto, Felipe e Natália.

Após sua aprovação no vestibular em primeiro lugar no curso de Direito, graduou-se, em dezembro de 1978, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), quando obteve o Prêmio “Barão do Rio Branco”, conferido ao formando de melhor currículo do curso e que tivesse se destacado pelo conjunto de suas atividades acadêmicas, nela também tendo obtido, após sua aprovação em primeiro lugar no processo de seleção correspondente, os títulos de Especialista e de Doutor em Direito Constitucional. Em 1982, tornou-se Procurador do Estado de Minas Gerais, após ter sido aprovado em primeiro lugar em concurso público de provas e títulos.

Ingressou na Magistratura do Trabalho em dezembro de 1988, após sua aprovação em primeiro lugar no concurso público de provas e títulos promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, com jurisdição no Estado de Minas Gerais. Após ter atuado como Juiz do Trabalho Substituto em Belo Horizonte, Governador Valadares, Ponte Nova, Conselheiro Lafaiete e João Monlevade, foi promovido por merecimento a Juiz do Trabalho Presidente (e, após 1999, Juiz Titular), tendo atuado, entre 1990 e junho de 2002, na Vara do Trabalho de João Monlevade, 2ª de Betim, 3ª de Contagem e 14ª de Belo Horizonte. Foi promovido por merecimento a Juiz (e, após 2006, Desembargador Federal do Trabalho) do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, atuando de início em sua Sétima Turma e, a partir de março de 2003, em sua Quinta Turma (que passou a presidir

em janeiro de 2010), bem como, em todo o período, em sua Segunda Seção de Dissídios Individuais. Foi designado Membro Titular da Comissão de Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região por quatro sucessivos mandatos, a partir de janeiro de 2004. Integrou, por dois mandatos sucessivos, a metade eleita do Órgão Especial do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2009.

É membro do Conselho Consultivo da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região desde 2002, foi o seu Diretor no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2007, tendo proferido várias conferências, aulas e palestras (nas áreas de Direito Constitucional, Direito do Trabalho, Direito Processual Ci-vil e Direito Processual do Trabalho) nos seus Módulos Regionais dos cursos de Formação Inicial dos Magistrados do Trabalho. Em setembro de 2006, foi eleito, pelo Pleno do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, membro do Conselho Con-sultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT) para o mandato de setembro de 2006 a março de 2009, havendo sido reeleito pelo mesmo colegiado para o mandato de março de 2009 a março de 2011. Simultaneamente, integra o corpo docente da ENAMAT, sendo um dos responsáveis pela disciplina Hermenêutica Constitucional e Jurisdição em Direitos Fundamentais Sociais do Módulo Nacional de seus cursos de Formação Inicial dos Magistrados do Trabalho.

Em 2002, ingressou como Professor Adjunto III na Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG, mediante concurso público de provas e títulos, tendo passado a atuar em suas áreas de gra-duação e de pós-graduação (Mestrado e, a partir de 2010, Doutorado em Direito do Trabalho), ministrando várias disciplinas nas áreas de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.

É autor de dezenas de artigos publicados em revistas especializadas e de ca-pítulos de livros, bem como organizador e coautor dos livros: Direito do Trabalho: evolução, crise e perspectivas (São Paulo: LTr, 2004) e Tutela metaindividual trabalhista: a defesa coletiva dos direitos dos trabalhadores em juízo (São Paulo: LTr, 2009). Participou como organizador, conferencista, expositor ou debatedor em diversos congressos, seminários e simpósios. Atuou em dezenas de orientações em mestrado (concluídas ou em andamento) e integrou várias bancas de concursos para juiz do trabalho substituto, para ingresso em cursos de pós-graduação e para a defesa de disserta-ções de mestrado e teses de doutorado.

Após ter integrado, por duas vezes consecutivas (em setembro de 2009 e em maio de 2010), as listas tríplices com vistas à nomeação de Ministro do Tribunal Superior do Trabalho votadas por este Colendo Tribunal, em junho de 2010 foi indicado para este cargo pelo Exmo. Sr. Presidente da República.

Sumário

Ministro José Roberto Freire Pimenta: vocação e destino — Luiz Otávio Linhares Renault ............................................................................................. 13

Homenagem ao Professor José Roberto Freire Pimenta — Juliana Augusta Medeiros de Barros .......................................................................................... 17

Homenagem ao Professor José Roberto Freire Pimenta — Mauricio GodinhoDelgado ........................................................................................................... 19

PREFÁCIO — Márcio Túlio Viana .................................................................. 21

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 27

1. DIREITOS À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE ....................................... 32

1.1. Evolução histórica .............................................................................. 32

1.2. Direitos à intimidade e à privacidade como direitos fundamentais ... 36

1.3. Direitos à intimidade e à privacidade como direitos da personalidade ... 44

1.4. Direitos à intimidade e à privacidade ou vida privada: tentativa de uma definição e diferenciação ............................................................ 50

1.5. Dimensões dos direitos à intimidade e à privacidade ......................... 63

1.6. Os direitos à intimidade e à privacidade na legislação infraconstitu-cional .................................................................................................. 67

1.7. Prevenção e reparação da violação aos direitos à intimidade e à pri-vacidade ............................................................................................... 69

2. PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR ................................................... 72

2.1. O fenômeno do poder na relação de emprego .................................... 72

2.2. Fundamentos do poder empregatício ................................................. 77

2.2.1. Fundamentos doutrinários ....................................................... 77

2.2.2. Fundamentos legais infraconstitucionais ................................ 85

2.3. Embasamento jurídico-constitucional pertinente: fundamentos e fi-nalidades.............................................................................................. 86

10 Juliana augusta Medeiros de Barros

2.4. Natureza jurídica do poder empregatício ........................................... 102

2.5. O poder diretivo do empregador e suas dimensões ........................... 106

3. A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS NAS RE-LAÇÕES PRIVADAS ................................................................................... 114

3.1. As normas de direitos fundamentais .................................................. 114

3.2. Dimensão objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais .................. 121

3.3. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas: correntes doutrinárias no direito comparado ..................................................... 123

3.4. A eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais individuais nas relações privadas: a doutrina brasileira ............................................... 135

3.5. Parâmetros para a eficácia imediata dos direitos fundamentais indivi-duais nas relações privadas ................................................................ 139

4. A PONDERAÇÃO DE INTERESSES .......................................................... 143

4.1. Evolução histórica do princípio da proporcionalidade e sua sedimen-tação no Direito Constitucional brasileiro ......................................... 143

4.2. O princípio da proporcionalidade segundo a doutrina alemã ............ 156

4.3. A importância da “fórmula do peso” para a argumentação jurídica racional na ponderação de interesses ................................................. 162

4.4. A dignidade da pessoa humana e o seu papel na ponderação de inte-resses .................................................................................................. 172

5. A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS ELETRÔNICOS NO AMBIENTE DE TRABALHO: DIREITOS À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE DO EM-PREGADO EM COLISÃO COM O PODER DIRETIVO DO EMPREGA-DOR — DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ......... 176

5.1. Ambiente de trabalho .......................................................................... 176

5.2. Dos meios eletrônicos utilizados no ambiente de trabalho ................. 178

5.2.1. Definição de meios eletrônicos ................................................ 178

5.2.2. Os polígrafos ou “detectores de mentiras” .............................. 180

5.2.3. Os detectores de metais e as revistas pessoais ......................... 189

5.2.4. As câmeras de vídeo ................................................................ 200

5.2.5. A utilização dos telefones fixos e celulares .............................. 206

5.2.6. A utilização da internet e do e-mail ........................................ 217

5.2.6.1. A internet e o e-mail como meios eletrônicos ........... 217

5.2.6.2. O monitoramento do e-mail corporativo, do e-mail pessoal e da “navegação” na internet ......................... 224

a utilização de Meios eletrônicos no aMBiente de traBalho 11

6. O TEMA SOB O PRISMA DO MARCO TEÓRICO ADOTADO ................. 259

6.1. A eficácia direta e imediata dos direitos à intimidade e à privacidade do empregado e do direito de propriedade do empregador na relação de emprego ......................................................................................... 259

6.2. A ponderação de interesses entre as normas principiológicas da in-timidade e da privacidade do empregado e as da propriedade, livre- -iniciativa e liberdade contratual do empregador ............................... 272

6.3. A questão da previsão dos métodos de controle dos empregados no regulamento empresarial, no contrato de trabalho e nos instrumen-tos coletivos ........................................................................................ 296

CONCLUSÃO ................................................................................................ 307

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 317

a utilização de Meios eletrônicos no aMBiente de traBalho 13

miniStro JoSé roberto Freire Pimenta:Vocação e DeStino

Política é destino — escreveu Goethe. Eis um pensamento que pode ser expandido — magistratura e magistério são vocação e destino. Essa nova frase, sem qualquer exagero ou esforço de imaginação, se aplica à personalidade e à vida do Ministro José Roberto Freire Pimenta, homem digno, de múltiplas qualidades éticas e intelectuais.

Tentarei sintetizá-las:

a) é um juiz estudioso e dedicado, de rara sensibilidade social — a sentença é o sentimento que, por vezes, pode oscilar entre o Direito e a Justiça e, quando ocorre esse impasse, o Ministro José Roberto sempre opta pela Justiça;

b) é um professor rigoroso e vigoroso nos seus estudos e nos seus ensinamentos;

c) é um doutrinador comedido, mas arrasador;

d) é um homem simples, justo e digno.

Procurarei traçar alguns aspectos do seu perfil — certamente não atingirei meu objetivo.

Ministro José Roberto Freire Pimenta é um magistrado por vocação, cujo destino o levou e o elevou ao mais alto cargo da magistratura trabalhista do nosso país.

Desde o seu ingresso na Judicatura Trabalhista, foi uma pessoa diferenciada — classificado em primeiro e em último lugar.

Muitos podem não compreender o que acabo de afirmar.

Explico: foi o único aprovado no concurso ao qual se submeteu, fato inédito no TRT da 3ª Região.

Além desse título, ostenta outro, o qual devo destacar: prêmio Rio Branco, concedido pela Faculdade de Direito da UFMG ao melhor aluno durante os cinco anos do curso de bacharelado.

Pela mesma Faculdade obteve o título de doutor.

José Roberto Freire Pimenta é professor, também por vocação. Lecionou Direito e Processo do Trabalho nos cursos de graduação e de pós-graduação da PUC-Minas, onde é admirado, respeitado e querido por seus alunos e alunas. Atualmente, leciona apenas na pós-graduação, no doutorado e no mestrado da mesma Pontifícia Universidade Católica.

14 Juliana augusta Medeiros de Barros

O Ministro Freire Pimenta é um pensador; é um escritor, um doutrinador da mais elevada envergadura intelectual. Sua estirpe é rara. Escreve a respeito daquilo que lhe dá inspiração. Não perde tempo. Quando escreve, é insuperável. Prefere o Direito Processual, no que é inexcedível, mas domina como poucos o Direito Material.

Não gosta de perder batalhas. Não por vaidade, porém por convicção.

Não vou me ater às qualidades que acabo de mencionar.

Prefiro falar, em rápidas pinceladas, sobre o seu perfil humanista, assim como a respeito dos seus valores morais e intelectuais.

O Ministro e Professor José Roberto Freire Pimenta é uma pessoa simples, mas plenamente consciente do seu imenso valor.

No dia a dia, no tratamento pessoal com colegas e amigos, permanece distante de qualquer orgulho vão.

Não é vaidoso, pois sabe que a vaidade é, pelo menos, o embrião de um provável e reprovável defeito.

Não precisa da vaidade, posto que sabe perfeitamente o quanto é valioso, intelectual e moralmente.

Entre a receptividade humana, que a todos dispensa com igualdade espontânea, e o terreno de acesso à intimidade, uma faixa neutra veda a entrada de quem tenta violá-la – é acessível apenas quando e a quem quer.

É diligente, comedido, contido nos adjetivos; sabe impor respeito e respeitar.

Tem muitos amigos, apesar de deles cobrar a mesma têmpera ética de que é portador. Prefere perdê-los, se tiver de transigir em torno dos valores morais, dos quais definitivamente não se despoja.

É, por isso mesmo, extremamente seletivo, o que não impede largo círculo de amigos e de admiradores.

Trabalha como ninguém. Dia e noite. Noite e dia.

Dizem que dorme pouco e o pouco que dorme, sonha com o trabalho, isto é, com os processos e a Justiça Social, assim como com a sala de aula, seu laboratório de ideias.

Sonha em melhorar a vida dos seus semelhantes, muitas vezes se esquecendo de si próprio.

Tem pouco tempo para a família, mas é filho, pai e marido exemplar.

José Roberto honra as tradições mineiras.

Minas Gerais está dentro dele, chão e alma, assim como São Sebastião do Paraíso, cidade onde nasceu.

É mineiro típico no jeito de pensar e de agir — pensa agindo; age pensando. Nunca faz alarde. Só deixa o silêncio quando necessário. É iluminado e nasceu sob o signo do ouro.

Nunca deixou de ouvir os amigos.

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Fala, se necessário muito, quando o momento requer, depois que tem certeza do que quer.

Como juiz, sempre foi e continua sendo um estudioso e um progressista, sedento de conhecimento e de evolução; não faz concessão alguma, quando se trata de realizar JUSTIÇA. Produz assustadoramente. Não tem medo de quantidade; não se deixa levar pela falta de qualidade.

Não se contenta com a poeira do passado; dá passos largos com a segurança necessária à sociedade.

Como professor, sempre foi e continua sendo um misto de juiz e de acadêmico.

Nunca se esqueceu da sala de audiência, onde forjou a sua têmpera de magistrado ímpar; nunca entrou em sala de aula sem preparar-se.

Nunca aspirou ao TRT; nunca sonhou com o TST.

Não procurou; foi procurado.

Tanto quanto se saiba, nunca teve qualquer outra aspiração que não fosse a primeira instância.

Seu acesso ao TRT e, posteriormente, ao TST foram obras do destino, com o qual também nunca fez concessões.

Sabe-se a dificuldade de integrar lista tríplice perante o Tribunal Superior do Trabalho; ninguém desconhece as enormes dificuldades para ser o escolhido pelo Presidente da República.

Em ambas as oportunidades em que figurou em lista tríplice, no estacionamento da PUC-Minas, confidenciou-me, aflito mas conformado, que a disputa, para ele, teria certo limite, do qual não ultrapassaria, ainda que sob pena de comprometer a chancela do seu nome.

Disputou duas vezes. Na segunda foi o escolhido. Sob certa ótica, ganhou o TST, ganhou o Brasil; perdeu o TRT-3ª. Região, perdeu Minas Gerais.

Cumpre observar, ainda, que desse conjunto de virtudes enumeradas, nenhuma transcende a rigidez de seu caráter, exemplo a ser seguido pelos alunos, pelos magistrados e pelos servidores, que com ele trilham o caminho da legalidade.

Seus postulados são a democracia, o estado democrático de direito e a justiça.

Pelo que sei, José Roberto possuía poucos hobbies – um deles, o xadrez. Foi campeão mineiro. Parece-me que atualmente não tem tido tempo para outro lazer que não seja a magistratura e o magistério.

Trabalha e estuda. Estuda e trabalha.

A sua vida profissional é uma linha reta, sem nenhum desvio de conduta. É uma coerência, uma espessura, uma solidez, e tem como pilares os valores inexpugnáveis da moral e da intelectualidade, de cujos círculos não se afasta nem transige sequer um milímetro.

16 Juliana augusta Medeiros de Barros

É um homem de caráter. Prefere lutar a ceder. Não cede com medo da luta, nem no meio da luta.

Nunca o vi tombar.

Ao contrário. Sempre foi um guerreiro, um guia, uma luz na escuridão.

Em nossas frentes de batalha, quando muita parecia perdido, despontava José Roberto, apressado, com o semblante severo, preocupado, mas com a franja da esperança nos olhos inteligentes, lúcidos e firmes, repleto de sólidos argumentos morais e jurídicos para expô-los aos colegas, a quem alimentava com a sua palavra coerente, honesta, vigorosa e segura.

Outra característica do nosso homenageado: é um iluminista, daqueles dos séculos XVII e XVIII, raríssimos de encontrar-se. Mas é, simultaneamente, um homem iluminado, além do seu tempo. É também um homem esperançoso, otimista e crédulo da bondade humana.

Pablo Neruda, em seu livro de memórias — “Confesso que vivi” —, conta que seus discursos enchiam o Senado.

Como era um poeta e um idealista, um homem simples, cuidou logo de se justificar:

“Nós, os poetas, temos, entre nossas substâncias originais, a de sermos feitos em grande parte de perseverança e de esperança.”

A minha comparação entre o homenageado e Neruda, mesclada de sentimentalismo pessoal, é pertinente, posto que direcionada à figura humana e intelectual de nosso homenageado.

A perseverança é interior aos homens idealistas, como o Professor José Roberto Freire Pimenta, que não se cansam de falar a verdade, doa a quem doer.

A esperança é inerente aos homens de bem, que descortinam sempre um futuro melhor a propósito de tudo e de todos.

A respeito do Professor e Ministro José Roberto Freire Pimenta, diria que, além das virtudes intelectuais e dos valores éticos e morais mencionados, ele é um homem feito de forte amor e de profundo respeito ao próximo, de grave e agudo senso de justiça.

Magistério e magistratura — vocação e destino, eis a síntese do Professor, do Juiz, do Ministro José Roberto Freire Pimenta, homenageado com esta publicação valiosa da Professora e Mestra em Direito do Trabalho pela PUC-Minas Juliana Augusta Medeiros de Barros.

A sentença, agora derradeira, é de Oscar Wilde: “Nosso passado, eis o que somos. Não há outra maneira de julgarmos as pessoas”.

Luiz Otávio Linhares Renault

Desembargador do TRT-3ª Região e Professor dos Cursos de Graduação e

Pós-Graduação da PUC-MG

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Homenagem ao ProFeSSor JoSé roberto Freire Pimenta

Ao ingressar no mestrado da Faculdade de Direito da PUC-Minas, eu não tinha tido a oportunidade de conhecer o Professor José Roberto Freire Pimenta. Meus primeiros contatos com ele se deram nas aulas inaugurais do curso, quando eram feitas as apresentações dos professores e esmiuçados os conteúdos a serem trabalhados em cada disciplina.

Diante das pesquisas do Prof. José Roberto nas áreas de Direito Processual e Constitucional e, especificamente, de direitos fundamentais, e da excelência como profissional demonstrada já nas primeiras aulas, resolvi candidatar-me à sua orientação e tive o privilégio de ele aceitar ser o orientador da minha dissertação cujo tema perpassa a ponderação de interesses entre os direitos fundamentais à intimidade e à privacidade do empregado e o poder diretivo do empregador diante da utilização dos meios eletrônicos no ambiente de trabalho. E vejo que a escolha não poderia ter sido mais profícua.

Orientador no sentido “real”, “concreto” do termo, a disponibilidade em ouvir e dialogar sobre as incógnitas da pesquisa e suas peculiaridades formais, o trabalho de corrigir com rapidez e tecer detalhadamente suas considerações e o cuidado e o interesse com as dissertações são características que permeiam o processo de orientação do Professor José Roberto e transparecem no resultado final dos trabalhos por ele orientados.

Assim, levando em conta esses motivos, já seria digna e justa a homenagem ao Professor por meio deste livro, fruto da minha dissertação de mestrado, como uma representação das várias pesquisas que ele orientou. Não somente por essas razões, mas por tantas outras a homenagem se justifica.

Além da sólida experiência como magistrado, com carreira desenvolvida na Justiça do Trabalho e cujo ponto culminante se deu com sua nomeação como Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, além do talento para a oratória e da habilidade para escrever sobre temas complexos com uma língua clara, mas ao mesmo tempo densa e analítica, outra característica diferenciadora de José Roberto Freire Pimenta é a sua vocação para o magistério.

Quem tem a oportunidade de ser seu aluno, aos poucos vai observando a extensão do conhecimento e da cultura de que o Professor é dotado, dominando

18 Juliana augusta Medeiros de Barros

em profundidade matérias não somente da seara trabalhista, mas de Direito Constitucional, Processual, Teoria do Direito e História Geral. A capacidade de trabalhar com conteúdos importantes de forma interdisciplinar, a abertura para as ideias gestadas e amadurecidas em sala de aula e a espontaneidade da relação aluno--professor fazem com que o ambiente de aprendizagem seja rico e estimulante. E, sem dúvida, após o final do curso, posso dizer que os alunos saem com aquela sensação de que realmente valeu a pena, ávidos por aprender muito mais e com a certeza de que o conhecimento é algo instigante e infindável...

Em nome de todos os seus ex-orientados e orientandos, ex-alunos e alunas, presto-lhe essa homenagem e lhe digo: muito obrigada, professor!

Juliana Augusta Medeiros de Barros

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aPreSentação Do miniStro JoSé roberto Freire Pimenta

O Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, José Roberto Freire Pimenta, é um dos grandes Magistrados e Juristas que Minas Gerais e o Direito do Trabalho ofertam ao Brasil.

Nascido em São João do Paraíso, em Minas Gerais, em 1956, deslocou-se, tempos depois, para a Capital do Estado. Em Belo Horizonte, bacharelou-se em Direito pela UFMG (1º lugar no Vestibular) no ano de 1978, momento em recebeu o laurel do “Prêmio Rio Branco” daquela Faculdade, por ser o melhor aluno das Turmas de Graduação diplomadas. Tornou-se ainda Especialista e depois Doutor em Direito Constitucional pela mesma Universidade Federal de Minas Gerais.

Foi Procurador do Estado de Minas Gerais (1º lugar no concurso público) até 1988, período em que também exerceu a Advocacia, especialmente para distintas entidades sindicais de trabalhadores de Minas.

Em 1988, tomou posse como Juiz do Trabalho, após aprovação em concurso público (1º lugar). Magistrado do Trabalho por cerca de 22 anos em Minas Gerais, inicialmente como Juiz Substituto, em seguida Juiz Presidente de Junta de Conciliação e Julgamento e, desde a EC n. 24/1999, Juiz Titular de Vara Trabalhista, foi promovido em julho de 2002, por merecimento, a Desembargador do TRT-MG, onde permaneceu por mais de oito anos. Em 3 de setembro de 2010, foi empossado no cargo de Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília-DF.

No TRT-MG, participou do Conselho Consultivo da Escola Judicial, tendo sido seu Coordenador Acadêmico e também seu Diretor. Integrou ainda o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), desde sua estruturação em setembro de 2006, no TST, tendo sido reconduzido, em 2009, unanimemente, pelo Plenário da Corte Superior Trabalhista.

Desde 2002 é Professor de Graduação e Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, nas disciplinas Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho. A partir do segundo semestre de 2010, com sua ida para o TST, passou a se vincular somente ao Doutorado e ao Mestrado da PUC Minas, por meio da PUC Virtual.

20 Juliana augusta Medeiros de Barros

Participou da coorganização e coautoria de dois livros coletivos, Direito do Trabalho: evolução, crise e perspectivas (São Paulo: LTr, 2004) e Tutela Metaindividual Trabalhista: a defesa coletiva dos direitos dos trabalhadores em Juízo (São Paulo: LTr, 2009).

Com exemplar vocação para a Magistratura e para o Magistério, o Ministro José Roberto Freire Pimenta tem conferido contribuição notável para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas do país.

Com muita satisfação pessoal, participo desta homenagem que a autora Juliana Barros oferta ao caro colega e amigo, por meio de sua importante obra.

Mauricio Godinho DelgadoMinistro do Tribunal Superior do Trabalho

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PreFácio

Como Bobbio me ensinou(1), e eu mesmo repeti num pequeno artigo(2), a palavra “poder” tem um significado muito amplo. É a capacidade de fazer, de agir, de produzir resultados. Assim, por exemplo, tanto se teme o poder divino como se admira o poder dos ventos, das chuvas ou das marés.

Em termos sociais, porém, poder tem um sentido mais estrito. É a capacidade de uma pessoa “determinar o comportamento de outra”. Supõe uma relação, na qual o homem é sujeito, mas também objeto(3).

Ora, quando falamos em “poder diretivo”, em geral nos esquecemos do sentido sociológico, para nos determos apenas no jurídico. Ou seja, usamos a palavra poder, mas na verdade nos referimos somente ao direito.

E, no entanto, dentre todas as relações jurídicas, a de emprego é talvez aquela mais permeada, ou atravessada, pela capacidade de alguém “determinar o comportamento” alheio. É uma relação de direito, mas também de poder. E poder – note-se bem — não do rei em face do súdito, mas de uma pessoa comum sobre a outra.

Em termos formais, esse poder nasce de um contrato – ainda que tácito. Na essência, porém, ele decorre do fato de que um dos sujeitos da relação é virtualmente obrigado a vender a sua força de trabalho, simplesmente por não possuir outro modo de sobreviver.

Dessa forma, o mesmo sistema que desapossa o trabalhador dos meios de produção lhe oferece — em curioso paradoxo — a possibilidade de ceder a sua liberdade... livremente. Graças ao contrato, a constrição econômica se torna juridicamente possível. A suposta liberdade legitima e esconde a real necessidade.

Naturalmente, a necessidade de contratar trabalho não é apenas de um dos contratantes — mas de ambos. Se o trabalhador não fosse impelido a trabalhar para outro, esse outro simplesmente não existiria. É que, por definição mesmo, o capitalista acumula — e para acumular se utiliza do trabalho alheio.

(1) BOBBIO, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Unb, 1983. v. II, p. 933.(2) Num pequeno artigo chamado “Poder diretivo e sindicato”, publicado pela Revista LTr. (3) BOBBIO. N; PASQUINO, G. Op. cit.

22 Juliana augusta Medeiros de Barros

Havendo necessidade de parte a parte – sobretudo do trabalhador —, é possível questionar até mesmo se se trata realmente de um contrato — como já fizeram tantos autores, em épocas passadas, e outros recomeçam a fazer, com novos e inteligentes argumentos(4).

Seja como for, o fato é que o poder diretivo e a subordinação retratam — em dose micro — a relação global entre capital e o trabalho. Em outras palavras, quando vemos o chefe de uma empresa dirigir um empregado, estamos diante não só da expressão concreta, visível e pontual de uma relação de poder, mas de uma espécie de símbolo — ou metáfora — de todo um sistema de dominação.

Esse sistema é tão forte que condiciona (e nesse sentido subjuga) até mesmo o opressor, na medida em que ele próprio sofre o risco do concorrente; e é tão inteiro e total que não o percebemos bem, do mesmo modo que mal sentimos o ar que respiramos ou a maior parte dos sons que — sem escutar — ouvimos.

É um sistema que não se contém nas quatro paredes da fábrica, derramando-se para fora e para longe. Como envolve não só a produção, mas também o consumo, a cultura e até o direito, ele invade as ruas da cidade, arromba as portas de nossas casas, penetra nos aparelhos de TV, participa das conversas ao travesseiro, povoa os nossos sonhos e pesadelos ou às vezes nos acorda — insones — no meio da madrugada.

No campo do trabalho, então, essa realidade é cada vez mais aguda. Os novos modos de produzir exigem avanços crescentes sobre a subjetividade do trabalhador, não só para domá-lo por inteiro, mas para que ele prove a todo instante o grau de sua adesão, o nível de seu comprometimento. Pouco a pouco, e cada vez mais, “as redes de poder adensam a sua trama”(5).

Se antes apenas a máquina imitava o homem, hoje também o homem deve imitar a máquina — mostrando-se sempre confiável, disponível, dinâmico, elétrico. É que, como escreveu alguém, o just in time é vulnerável: para que funcione, precisa de um trabalhador assim.

Aliás, é curioso notar como o homem e a máquina começam a se misturar, até mesmo organicamente. São incontáveis os aparelhos — como marca-passos, microchips e próteses — que invadem os nossos corpos e reprogramam o nosso futuro. Já existe até quem diga — talvez com certa ironia — que

El cuerpo no es uma estructura ni muy eficiente, ni muy durable; con frecuencia funciona mal (...) Hay que reproyetar a los seres humanos, tornarlos más compatibles com sus máquinas(6).

Observam alguns notáveis autores(7) que as relações de poder, em geral, não são apenas verticais e lineares, nem se localizam apenas nos aparatos oficiais. Elas estão presentes nos pequenos lugares, provocam movimentos de resistência e por isso muitas vezes se cruzam.

(4) Como, entre nós, Melhado e Baracat.(5) SIBILIA, Paula. El hombre postorgárnico: cuerpo, subjetividad y tecnologias digitales, FCE, Buenos Aires, 1999. p. 212.(6) STELARC, apud SIBILIA, Paula. Op. cit., p. 9.(7) Como Foucault.

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Na relação de emprego, porém, a assimetria parece mais rígida e menos dual. O poder é exercido mais num sentido que no outro, de um certo sujeito para o outro. Daí a dificuldade da prática de contrapoderes. E essa dificuldade cresce se o sindicato é frágil e/ou o legislador não socorre o trabalhador, garantindo-lhe o emprego.

Hoje, bem mais do que antes, o próprio trabalhador — domesticado pelo medo — emite sinais ao empregador, autorizando-o silenciosamente a invadir a sua vida privada. A insegurança, as terceirizações e as reengenharias enfraquecem tanto a resistência individual como a coletiva. E, assim, cresce ainda mais o poder diretivo, extrapolando os limites da lei e devolvendo o empregado aos tempos pré--industriais.

Com isso, torna-se cada vez menos real a afirmação de que o empregador não comanda o empregado, mas a atividade. Mesmo quando cumpre a lei, a ordem sofre a mediação do corpo — e por isso afeta o homem inteiro. De resto, o direito não é só uma sequência de palavras numa folha de papel: é também o resultado de sua interação com o contexto. Nesse sentido, ou até certo ponto, ele é o próprio trabalhador — e, tanto quanto este, vai-se fazendo mais dócil, flexível e inconstante.

Questão interessante é saber se o que temos hoje é realmente uma intensificação das agressões à privacidade ou simplesmente uma percepção mais aguda do problema. Provavelmente, as duas coisas andam juntas, mesmo porque — com todas as incertezas que nos cercam — estamos todos mais frágeis, e desse modo não só mais suscetíveis de sofrer violências como mais sensíveis a elas.

Por outro lado, é importante notar como presenciamos hoje a dualidade do voyeurismo e da discrição, tal como também vivemos a ambiguidade do global e do local, do individualismo e das tribos, das fábricas de avental branco e das fazendas de trabalho escravo, dos discursos de emancipação às práticas de exclusão social. O mesmo cidadão que se delicia com o Big Brother se irrita com o telemarketing que perturba o seu sossego; a mesma empresa que promete respeitar a Natureza não se constrange em violar o meio ambiente do trabalho.

Nesses tempos tão ambivalentes, existem até direitos que correm em sentido contrário à onda de flexibilização. Talvez arriscando um pouco, eu diria que esses direitos são aqueles que traduzem valores que hoje têm conteúdo mais forte, como o da igualdade; além disso, são direitos que extrapolam o campo trabalhista, afetando indistintamente todas as pessoas.

É o que acontece, por exemplo, com as discriminações. Ao contrário de alguns direitos trabalhistas, não há juiz ou jurista que se arrisque a negar proteção a toda sorte de discriminados. Ainda que no íntimo ele mesmo possa ter este ou aquele preconceito, age de acordo com o politicamente correto.

Já com as violações à privacidade, no entanto, nem sempre é assim. Embora o direito correspondente seja hoje bem mais valorizado do que antes — talvez em razão até do individualismo exacerbado dos nossos dias —, entra em cena, nesse caso, a já mencionada estratégia empresarial de capturar corações e mentes.

24 Juliana augusta Medeiros de Barros

Pois bem.

Neste seu livro de estreia, minha querida ex-aluna Juliana prescreve algumas receitas para vencer esses desafios. Interpretando o direito com inteligência, ela procura extrair todo o sumo que ele é capaz de conter, de forma a atenuar um pouco a profunda assimetria que existe entre empregador e empregado.

Para isso, ela parte de premissas importantes — como a função social da propriedade, a noção de trabalho digno e a ideia de meio ambiente do trabalho — e vai construindo a sua teia com as lições de Alexy, Canotilho, Delgado e outros grandes juristas da atualidade, dentre os quais eu destacaria o seu próprio orientador, tão justamente homenageado.

Juliana mostra, entre outras coisas, como nas violações à subjetividade costuma existir um conflito de interesses, pois o que temos, de um lado, é o direito de livre-iniciativa e, de outro, o direito de ser protegido contra a indiscrição dos sentidos alheios. Mas essa contradição — ela conclui — pode ser resolvida à luz da melhor doutrina, sobretudo através dos juízos de ponderação.

A autora descreve o direito à intimidade e à privacidade como direitos de personalidade, e, portanto, fundamentais; e, depois de debater o tema com autores de renome, defende a eficácia direta e imediata desses direitos nas relações privadas. Assim, haja ou não norma regulamentar, os dispositivos constitucionais que protegem a subjetividade do trabalhador podem e devem ser exigidos pelas partes, uma em face da outra, em linha horizontal.

O livro passeia, com detalhes, sobre a nova arquitetura da informação, mostrando-nos os limites do controle patronal e enfatizando pontos polêmicos, como, por exemplo, a questão dos chamados “e-mails corporativos”. De quebra, realiza uma interface com o Direito Comparado, sempre útil como fonte de inspiração, e também com a jurisprudência, ainda um tanto vacilante na matéria. A linguagem é fácil, sem rebuscamentos, e a leitura — por isso mesmo — amena e proveitosa.

Livros como este revelam como o direito pode ter papel transformador, seja nas mãos de quem legisla, seja através de quem o interpreta; e respondem aos que têm defendido retrocessos a partir da realidade do mercado, como se tudo se tratasse de um desastre natural e tivéssemos simplesmente de nos adaptar.

Até certo ponto, é evidente, o direito reflete a realidade, tal como o fotógrafo de um jornal que registra o acidente; mas ao mesmo tempo reflete-se nela, corrigindo-a, assim como faz uma artesã ao transformar o barro em vaso.

Juliana é uma dessas artesãs — e eu diria que este seu vaso contém belas flores.

Márcio Túlio Viana

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As pessoas que se ligam por vínculos laborais não se transformam em máquinas ou mercadorias, não se transmudam em “coisas”, mas continuam dotadas de personalidade singular. Ainda que do ponto de vista sociológico o empregado se perca no anonimato da fábrica e do ponto de vista técnico seja um entre tantas unidades de cálculo, reduzido a um algarismo; ainda que o setor de recursos humanos o reduza a um expediente, o ser que trabalha não pode perder a sua qualidade de humano; o que significa dizer: haverá de ser tratado sempre com devido respeito à sua dignidade.

Pérez BotiJa

introDução

O despertar para esta pesquisa ocorreu a partir de algumas aulas ministradas na especialização em Direito e Processo do Trabalho, por mim cursada em 2006, quando professores da pós-graduação mencionaram a possibilidade de utilização, em casos práticos trabalhistas, das teorias da horizontalização dos direitos funda-mentais e da ponderação de interesses, como formas de solucionar conflitos jurí-dicos entre direitos fundamentais em colisão.

Algum tempo depois, surgiu a ideia de se estudar a questão da intimidade e da privacidade do empregado no ambiente de trabalho, diante da tendência cada vez mais intensa da utilização pelo empregador de meios eletrônicos no ambiente de trabalho, seja para fomentar a produção, seja para exercer controle e fiscalização sobre os trabalhadores. Pois bem, estavam lançadas as bases para a construção do desafio ao qual me proponho neste trabalho.

Sem dúvida, é importante observar que o grau de desenvolvimento tecnológi-co alcançado pelo homem no atual momento histórico da civilização humana vem alterando sobremaneira a estrutura social em que hoje se vive.

Cada vez mais se faz presente a utilização de meios eletrônicos nos mais diversos setores da sociedade, fruto da globalização da tecnologia, com vistas a facilitar as comunicações e garantir seu amplo acesso às pessoas, aumentar a velocidade da produção de bens e para fins de fiscalização e controle dos seres humanos.

Modernamente, as empresas vêm utilizando dispositivos que permitem um trabalho mais iterativo, cooperativo, rápido e seguro, o que é de enorme impor-tância para a inserção econômica empresarial em um mercado cada vez mais com-petitivo.

Dentro dessa perspectiva, faz-se presente o uso crescente de aparatos eletrô-nicos no seio empresarial, de modo a acelerar a comunicação nas relações comer-ciais e possibilitar o controle sobre as atividades dos empregados durante a jornada laboral no ambiente de trabalho.

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Nesse quadro da nova realidade, vêm surgindo inúmeras questões de caráter jurídico relativas aos limites ao poder diretivo do empregador, detentor dos meios de produção, inclusive os meios eletrônicos, e os direitos à intimidade e à privaci-dade do empregado, com base na colisão entre os direitos fundamentais estabele-cidos na ordem jurídico-constitucional brasileira.

O poder diretivo do empregador, oriundo do contrato de trabalho celebrado com o empregado, está previsto no art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que o concebe como o direito de dirigir a prestação de serviços dos empregados, inclusive através da regulamentação da utilização dos recursos da empresa no am-biente de trabalho e da fiscalização e controle da atividade dos trabalhadores no exercício laboral.

O poder diretivo é consequência imediata do ajuste entre empregado e empregador, o qual coloca sob a responsabilidade deste último a organização e a disciplina do trabalho realizado na empresa.

Não obstante tal colocação, é importante ressaltar que o empregador, como detentor do direito de propriedade sobre os meios de produção, através do poder diretivo dirige a forma como os empregados devem utilizar os bens empresariais, de forma a resguardá-los. O direito de propriedade está previsto no art. 5º, incisos XXII e XXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil que, não obstante garanta tal direito, o condiciona ao cumprimento de sua função social.

Por outro lado, a Carta Magna, em seu art. 5º, inciso X, considera invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelos danos materiais e/ou morais decorrentes de sua violação.

O direito à intimidade protege o indivíduo em si mesmo contra a ingerên-cia dos sentidos dos outros, principalmente dos olhos e dos ouvidos de terceiro, dirigindo-se contra intromissões ilegítimas e, ao mesmo tempo, conferindo ao ser humano a possibilidade de controlar quando e quem pode conhecer seus aspectos e informações pessoais. Seu âmbito de abrangência é mais restrito do que o direito à privacidade, que comporta a vida do indivíduo em suas nuanças de convívio so-cial e de trabalho.

Esta obra, dessa forma, abordará como a intimidade e a privacidade do empregado se manifestam no ambiente laboral em face do poder diretivo do empregador que utiliza aparatos eletrônicos, ora como meios de produção, tais como o computador com acesso a e-mail e à internet ou os telefones fixos ou móveis, ora para proteger a sua propriedade e os seus produtos, lançando mão de detectores de metais, polígrafos, câmeras de vídeo e similares.

Nesse contexto, em primeiro lugar, serão trabalhados os direitos à intimidade e à privacidade enquanto direitos da personalidade, visando esmiuçar seus concei-tos, traçar as diferenças entre eles e analisar sua matriz constitucional, sem deixar, contudo, de demonstrar que tais direitos, além de fundamentais, têm como valor de existência e interpretação a dignidade da pessoa humana.

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À continuação, serão analisados os poderes do empregador, com maior relevo para o poder diretivo e o poder fiscalizatório, estudando-se a sua natureza jurídica, os seus fundamentos legais e doutrinários e as suas relações com a segurança e o direito de propriedade dos meios de produção da empresa.

Na sequência, nós vamos nos deter no arcabouço teórico que nos permitirá apresentar um método para a solução das colisões dos direitos fundamentais à intimidade e à privacidade do empregado com o direito de propriedade do empre-gador sobre o patrimônio empresarial a ser resguardado através do poder diretivo, em face da utilização dos meios eletrônicos no ambiente de trabalho.

Assim, será dissecada a teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fun-damentais nas relações privadas, doutrina defendida no Brasil por autores como Ingo Wolfgang Sarlet e Daniel Sarmento e inserida no que vem sendo denominado fenômeno da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Procurar-se-á demonstrar que o empregado, como ser humano que é, ainda que no ambiente de trabalho, possui direito à intimidade e à privacidade, que devem ser preservadas em observância aos princípios da dignidade da pessoa hu-mana e do valor social do trabalho, ou seja, que os direitos da personalidade do trabalhador têm eficácia imediata na relação de emprego. A própria noção de tra-balho digno, decente da Organização Internacional do Trabalho — OIT, pressupõe o respeito aos direitos fundamentais do trabalhador enquanto ser humano no am-biente de trabalho.

Após a análise da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais, centrar--nos-emos no estudo da ponderação de interesses — teoria desenvolvida, de for-ma magistral, pelo alemão Robert Alexy e aperfeiçoada posteriormente por outros autores — que servirá de base para solucionar o choque entre os direitos funda-mentais à intimidade e à privacidade do empregado e o poder empregatício, intrin-secamente ligado ao direito fundamental à propriedade da produção empresarial e seus meios viabilizadores.

Robert Alexy, partindo da diferenciação entre as definições de regras e princí-pios como subespécies do gênero norma jurídica e com base no caráter de princípios dos direitos fundamentais, apresenta uma forma de solucionar a colisão entre prin-cípios constitucionais através do postulado da proporcionalidade.

Tal postulado, desenvolvido pela doutrina alemã para resolver conflitos entre princípios constitucionais, se compõe de três máximas, quais sejam: máxima da conformidade e adequação dos meios, máxima da exigibilidade ou da necessidade e máxima da ponderação ou da proporcionalidade em sentido estrito.

Por meio dos juízos de ponderação, adequação e necessidade, máximas do princípio da proporcionalidade, é que será possível sopesar, no caso concreto, qual direito fundamental precederá ao outro.

Diante da realidade fática, um dos dois princípios deve recuar, sem que isso signifique, contudo, sua abdicação e consequente declaração de nulidade. Depen-

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dendo de cada situação, aquele princípio que outrora cedeu poderá vir a prevalecer futuramente, resolvendo-se o novo conflito de forma diametralmente oposta.

Em seguida, procurar-se-á apresentar uma definição de meio ambiente labo-ral, bem como caracterizar os métodos eletrônicos utilizados para se fazer a revista pessoal em empregados, exercer controle sobre a prestação de serviços e proteger o patrimônio empresarial. A instalação, em diversos setores dos estabelecimentos (tais como na entrada e saída do trabalho, no recinto do exercício laboral e até em banheiros, vestiários e refeitórios), de detectores de metal, detectores de mentira (polígrafos) e aparelhos audiovisuais (como câmeras de vídeo, gravadores e mi-crofones) é cada vez mais comum. Ao mesmo tempo, os instrumentos de comu-nicação gradualmente se aperfeiçoam e são utilizados em larga escala no local de trabalho, como os telefones fixos e celulares e o computador, por meio das suas ferramentas de acesso à internet e ao correio eletrônico.

Paralelamente a esse estudo dos meios eletrônicos, e já adentrando no cerne da obra, analisar-se-á a controvérsia doutrinária e jurisprudencial nacional acerca da utilização, pelo empregador, de cada um desses aparatos, tanto para a fiscalização dos empregados como para o fomento da atividade empresarial, bem como dos limites dessa prática no ambiente de trabalho em face dos direitos à intimidade e à privacidade dos empregados.

Finalmente, trabalharemos as diversas questões atinentes ao problema do choque entre os direitos fundamentais em apreço, com fulcro no marco teórico adotado, entre elas a discussão se a revista pessoal é ou não permitida em casos em que a segurança do tipo de estabelecimento e dos próprios empregados estejam em jogo.

Trata-se de pesquisar quando as revistas, realizadas com a utilização de apa-ratos eletrônicos, são vexatórias, violando claramente a intimidade e a privacidade do empregado, e em que casos elas podem ser admitidas, de forma a estabelecer critérios de compatibilização entre o poder empregatício e os direitos fundamen-tais do trabalhador. Afinal, estamos lidando com a vida pessoal do empregado, seus hábitos, costumes e sentimentos.

Várias outras questões pertinentes serão trabalhadas concomitantemente: a sistematização entre a defesa do patrimônio e da segurança empresarial e o direito à intimidade e à privacidade dos trabalhadores, a recusa do empregado a se sub-meter a esse tipo de fiscalização e os limites para o uso desses aparatos eletrônicos.

Tais questões, que já não são poucas, ganham ainda mais relevo quando se parte para os instrumentos de comunicação que gradualmente se aperfeiçoam e são cada vez mais comuns no local de trabalho, como os telefones celulares e a internet. O uso dos telefones fixos tradicionais, ou mesmo dos celulares fornecidos pelo empregador, vem sendo objeto de gravação, ora consentida pelo empregado, ora clandestina. Seria legítima a gravação de conversas como forma de exercício do poder de direção do empregador? Ou devem ser utilizadas outras formas menos invasivas para controlar a produtividade na empresa?

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A análise da colisão entre os direitos fundamentais à intimidade e à privaci-dade versus o direito de propriedade, concretizado no exercício do poder diretivo, assume particular importância quando se examina a utilização dos computadores e da internet como ferramentas essenciais à inserção empresarial no mercado eco-nômico crescentemente competitivo.

Na nova realidade que se impõe, é cada vez mais comum o controle dos em-pregados por meio de softwares que realizam o monitoramento e rastreamento dos sites visitados na internet e das mensagens eletrônicas enviadas e recebidas pelos empregados. Os motivos principais alegados pelos empresários para realizar esse tipo de fiscalização seriam: a queda da produtividade no serviço; o uso ilícito da internet, posto que os empregados enviam e-mails pornográficos pelos computadores do empregador; e a segurança da empresa, pois os e-mails recebidos podem conter vírus que seriam catastróficos para a rede de informações empresarial e os e-mails enviados podem revelar segredos da empresa. Esse tipo de fiscalização vem, inclusive, ensejando a dispensa de empregados, seja na modalidade desmotivada, seja por justa causa.

Sem embargo, esse tipo de conduta empresarial vem sendo objeto de inú-meras controvérsias no meio doutrinário acerca da natureza técnica e jurídica do e-mail e, sobretudo, no que concerne aos limites do poder diretivo do empregador frente aos direitos à intimidade e à privacidade do empregado. Nos tribunais, co-meçam a surgir os primeiros casos de julgamento sobre o monitoramento do uso da internet como meio de prova para a dispensa dos empregados.

Até que ponto o poder de fiscalização e controle da prestação de serviços pode ser exercido de forma legítima, como reflexo de uma boa administração do trabalho e do pessoal? E a partir de quando ele se torna ofensivo à esfera íntima do trabalhador? A dificuldade que se apresenta é encontrar um equilíbrio entre os limites do direito do empregador, em dirigir e fiscalizar a prestação de serviços do empregado, de um lado, e os direitos à intimidade e à privacidade do trabalhador, de outro.

Para solucionar o conflito entre os direitos à intimidade do empregado e o direito de propriedade do empregador devem ser utilizados métodos que não levem à adoção de posições arbitrárias e irrazoáveis, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência.

Dessa forma, sob o pálio da teoria da eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas e da teoria da ponderação de interesses, buscar-se-á construir um método coerente e ordenado de compatibilização entre os direitos à intimidade e à privacidade do empregado e o poder diretivo e o direito de propriedade do empre-gador, em virtude da utilização de aparatos eletrônicos no ambiente de trabalho.

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DireitoS à intimiDaDe e à PriVaciDaDe

1.1. Evolução histórica

Os direitos à intimidade e à privacidade são direitos cujas denominações, definições e conteúdo variam de acordo com o tempo e o lugar, de acordo com a evolução histórica das sociedades e os conflitos jurídicos que elas vivenciam.

Dessa forma, para que haja uma adequada compreensão acerca da intimidade e da privacidade como direitos da personalidade e direitos fundamentais da pessoa humana no mundo contemporâneo, faz-se necessário apresentar um breve escorço histórico acerca de tais direitos.

Embora existam menções à solidão e à intimidade na Idade Antiga — em do-cumentos dos povos gregos e romanos e, até mesmo, da China Antiga e, também, da Idade Média — pode-se dizer que os primeiros estudos e casos jurisprudenciais referentes aos direitos à intimidade e à privacidade apareceram no século XIX, pe-ríodo de ouro da sociedade burguesa.

José Adércio Leite Sampaio explica que, até então, não se podia considerar a intimidade e a vida privada como objetos específicos de um direito, mas como reflexos da proteção do direito à propriedade, à honra, do direito contratual, do direito à liberdade, da inviolabilidade de domicílio e de correspondência. A partir do século XIX, sua formulação far-se-á, contudo, de modo mais preciso, “como direito autônomo [...], com o deslocamento do centro de proteção para o que se chamaria de ´patrimônio moral do homem´ ou de ´personalidade humana inviolável´”.(1)

(1) SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade e à vida privada: uma visão jurídica da sexua-lidade, da família, da comunicação e informações pessoais, da vida e da morte. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 54.

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Ocorreram, no século XIX, três fatos históricos bastante citados pela doutrina no que se refere às primeiras incursões da intimidade e da vida privada, como atributos autônomos do ser humano.(2)

Aos 38 anos de idade, a famosa atriz do teatro francês Elisabeth Rachel Felix faleceu, vítima de uma tuberculose. A irmã da falecida, respeitando o último desejo da moribunda, pediu a dois artistas que a desenhassem, alertando-os que em hipó-tese alguma poderiam reproduzir o retrato. Entretanto, eles permitiram que fossem feitas cópias a partir da fotografia, de maneira a ser publicada em um semanário in-titulado L´Illustration. Ao saber do acontecido, a irmã da pintora ajuizou uma ação no Tribunal Civil do Sena que, além de determinar a apreensão das cópias, funda-mentou a decisão no fato de que, por mais famoso que fosse um grande homem, a sua vida privada se distinguia da pública e, portanto, o artista teria o direito de morrer na obscuridade, mesmo que tivesse vivido no triunfo.(3) O homem célebre teria o direito de morrer escondido.

A decisão do tribunal francês, de 16 de junho de 1858, traz duas noções im-portantíssimas: a de um direito à vida privada, mesmo de uma celebridade, e a de um direito ao esquecimento. Apesar de a sobredita sentença ter salvaguardado mais o direito à imagem, os argumentos por ela trazidos, como fundamento da proteção, estabelecem a necessidade de que seja respeitado o direito à vida privada da pessoa, resguardando-se sentimentos e a opção pela reserva, diante de certos momentos com os quais o ser humano depara-se ao longo da vida.

Outro fato importante foi a configuração do direito à vida privada pelo juiz Cooley que, em 1873, em sua obra The Elements of Torts, chegou à conclusão de que a privacy se constitui no right to be let alone, que significa, na tradução literal para o português, o direito de ser deixado sozinho ou de estar sozinho. Urubayén, citado por Marcelo Cardoso Pereira, entretanto, entende que a melhor tradução da expressão seria o direito de ser deixado em paz(4).

Não obstante, para muitos doutrinadores, o estudo que realmente consagrou o direito à intimidade foi o ensaio de Warren-Brandeis. Em 15 de dezembro de 1890, os advogados norte-americanos Samuel Dennis Warren e Louis Dembitz Brandeis — que posteriormente viria a se tornar um dos mais famosos e influentes juízes da Suprema Corte — escreveram o artigo The Right to Privacy e o publica-ram na Harvard Law Review, motivados pela indiscrição da imprensa, que se preo-

(2) José Adércio Leite Sampaio cita um quarto caso que, na realidade, seria a primeira notícia histó-rica do direito à intimidade como direito de ser deixado em paz. David Augusto Röder, em seu tra-balho Grundzüge des Naturrechts, datado de 1846, define como violadores do “direito natural à vida privada” “incomodar alguém com perguntas indiscretas” ou “entrar em um aposento sem se fazer enunciar”. Cf. SAMPAIO, José Adércio Leite. Op. cit., p. 55. (3) FERNANDES, Milton. Proteção civil da intimidade. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 19.(4) URUBAYÉN, Miguel. Vida privada e información, un conflicto permanente. Pamplona: Ediciones Universidad de Navarra, 1977. p. 17, apud PEREIRA, Marcelo Cardoso. Direito à intimidade na inter-net. Curitiba: Juruá, 2008. p. 112.

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cupava em divulgar fofocas em relação à vida privada de Warren e de sua esposa, filha do Senador Thomas F. Bayard.(5)

O artigo esboçava a necessidade de um novo direito, apto a proteger a pes-soa contra os novos inventos e, também, em face das constantes invasões da tran-quilidade individual e familiar pela imprensa sensacionalista. O texto procurava apresentar a urgência da evolução do Direito diante das mudanças impostas pela vida moderna.

Na parte final deste artigo, os autores delimitam a fronteira do que seria o direito à intimidade. O right to be alone ou “direito de estar só” não se restringe a publicações que tenham em seu teor matérias de interesse público; não impede a comunicação de nenhum assunto, desde que de acordo com a lei; afirma a cessa-ção do direito à vida privada quando do consentimento do interessado; e, por fim, afirma que a alegação da exceção da verdade não serve como defesa.(6) Ou seja, o “direito de estar só” se consubstancia na faculdade de “determinar ordinariamente em que medida seus pensamentos, sentimentos e emoções devem ser comunicados a outrem”.(7)

Com o ensaio de Warren-Brandeis, a matéria passou a ser tratada como teo-ria, fomentando a formação de bases técnico-jurídicas da noção de privacidade e passando essa a se configurar como um direito.(8)

Em 1905, pôde-se observar a repercussão jurídica desse artigo nos Estados Unidos da América, quando a Corte de Apelações da Geórgia reconheceu, pela primeira vez, a existência do direito à privacidade, independentemente de se ter expedido uma lei que o contemplasse expressamente, na decisão do caso Pavesich vs. New England Life Ensurance Co. Seguiram-se, então, diversas decisões judiciais que terminaram por tutelar o direito de estar só, de ser deixada em sossego a vida íntima das pessoas, à parte das suas atividades públicas.(9)

Os conceitos do artigo de Warren-Brandeis também foram exaltados, em 1952, por Douglas, magistrado da Corte Suprema dos EUA, quando considerou a intimi-dade pessoal, o direito de ser deixado só, como o princípio de toda a liberdade.(10)

(5) MORI, Michele Keiko. Direito à intimidade versus informática. 1 ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 15.(6) FERNANDES, Milton. Op. cit., p. 23.(7) RUIZ MIGUEL, Carlos. La configuración constitucional del derecho a la intimidad. Madrid: Edito-rial Tecnos, 1995. p. 77, apud BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTr, 1997. p. 29.(8) TEIXEIRA, Renato Patrício. Direito à intimidade e interceptações telefônicas. 2000. 204 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 43.(9) SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. O progresso tecnológico e a tutela jurídica da privacidade. Revista Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 9, n. 16, p. 12, jan./jul. 2000.(10) CARRASCOSA LÓPEZ, Valentin. Derecho a la intimidad, informática y derecho, p. 11, apud BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 21.

36 Juliana augusta Medeiros de Barros

Em 1960, Willian L. Prosser, em consonância com a teoria traçada por Bran-deis e Warren, publicou um artigo no qual elencou diversos casos nos quais o direito à privacidade já havia sido reconhecido judicialmente.

Para Alice Monteiro de Barros, a partir daí o direito à intimidade sofre uma transformação, desligando-se da sua concepção de titularidade do pleno domí-nio de um bem móvel ou imóvel, e começa a ser considerado atributo da persona-lidade do indivíduo, enquadrando-se, sob a perspectiva civilista, como um direito da personalidade:

Esse direito, embora possa implicar, quando violado, pagamento de in-denização, não está relacionado com a condição social ou com o patri-mônio dos indivíduos. Seu fundamento é a liberdade individual.(11)

A autora, sem embargo, adverte que hoje em dia:

Não basta [...] que estejamos sós, para que tenhamos nossa intimidade assegurada. É que ela pode ser violada a distância, com o uso indevido de teleobjetiva, de escutas telefônicas e dados informativos, sem que haja a presença física do infrator.

No mesmo sentido, San Miguel Rodríguez-Arango explica que a definição do juiz Cooley como o “direito de estar só”, esmiuçada, posteriormente, por Warren e Brandeis, não corresponde à atual dimensão de intimidade pois, para aqueles juris-tas norte-americanos, a proteção à intimidade limitar-se-ia às intromissões físicas, à tranquilidade e solidão, a uma vida afastada dos demais, distante da sociedade. A intimidade, para o autor espanhol, hoje em dia pode ser vulnerada por meios em que não é necessária a presença física do suposto intruso, como as escutas telefô-nicas, fotos tiradas a distância e o uso indevido dos dados informáticos.(12)

1.2. Direitos à intimidade e à privacidade como direitos fundamentais

Os direitos fundamentais servem de origem a outros direitos deles derivados ou a eles subordinados, sendo garantidos ao indivíduo pela lei fundamental do Estado e essenciais e inerentes a todos os homens.

O processo de positivação dos direitos fundamentais se inicia na Idade Mé-dia, quando os pensadores cristãos passam a se preocupar com a necessidade de

(11) BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado, p. 21.(12) RODRÍGUEZ-ARANGO, Luis García. Reflexiones sobre la intimidad como límite da libertad de expresión. In: VV. AA. Estudios sobre el derecho a la intimidad. Madrid: Tecnos, 1992. p. 17, apud PEREIRA, Marcelo Cardoso. Op. cit., p. 112.

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incorporar aos textos de direito positivo aqueles direitos que tinham a proteção ao gênero humano como fonte de sua normatividade.(13)

A primeira grande fonte das Declarações de Direitos Humanos, entre os do-cumentos medievais, foi a Magna Carta de 1215 da Inglaterra, a qual conferiu importante papel no desenvolvimento das liberdades públicas do país.

Já no século XVIII, surgem as Declarações Americanas de Direitos, incluindo a Declaração de Direitos do Estado da Virgínia e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, ambas de 1776.

A Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, procla-mava os direitos do homem livre, numa sociedade livre, segundo os postulados do direito natural. Ela representou um modelo de liberdade para todos os povos eu-ropeus, influenciando a Constituição espanhola de 1812 e a belga de 1831, assim como as cartas constitucionais da Alemanha de 1919 e da Itália de 1948. A partir de então, utiliza-se a expressão Direitos Fundamentais para aqueles direitos posi-tivados numa constituição de um determinado Estado.

As declarações do século XVIII tiveram influência na constitucionalização dos direitos humanos no século XIX, deixando esses direitos de serem apenas rei-vindicações políticas para se transformarem em normas jurídicas.

Já no século XX, inicia-se, então, um processo de universalização e internacio-nalização dos direitos fundamentais, impulsionado pelas novas demandas da humani-dade. A preocupação em torno da tutela dos direitos fundamentais, mediante normas que vencessem as limitações espaciais dos Estados, inspirou, em 1948, a elaboração da Declaração Universal dos Direitos do Homem, marcando uma etapa decisiva no âmbi-to internacional, pela busca de um sentimento ético comum.

O primeiro artigo da Declaração(14) define a base ideológica do diploma: “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Em seguida, o documento elenca os direitos a serem protegidos e estabelece em seu art. 12: “Ninguém será objeto de invasões arbitrárias em sua vida privada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de atentados à sua honra e a sua reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais invasões e atentados”.

Nesse mesmo ano, foi realizada, em Bogotá, a 9ª Conferência Internacional Americana e, em 1950, a Convenção Europeia para a Tutela dos Direitos do Ho-mem e das Liberdades Fundamentais. Os documentos resultantes desses encontros

(13) MORI, Michele Keiko. Op. cit., p. 16.(14) O texto da Declaração foi ratificado pela maioria dos 58 Estados-membros da Assembleia Geral da ONU, em 1948, incluindo o Brasil. Alguns, entretanto, como a União Soviética, os países do Leste europeu, a Arábia Saudita e a África do Sul se abstiveram, à época. Cf. GENEVOIS, Margarida. Di-reitos humanos na história. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/margarid.htm> Acesso em: 11 dez. 2008. Ademais, é importante salientar que, embora as normas da Declaração não tenham força obrigatória, apresentam força normativa ao serem aplicadas para a solução de casos concretos.