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Team Number: 1023 POPULAÇÃO DE RUGENDAS (peticionários) v. REPÚBLICA DE TAMOIO (respondente)

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Team Number: 1023

POPULAÇÃO DE RUGENDAS (peticionários)

v.

REPÚBLICA DE TAMOIO (respondente)

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SUMÁRIO

1. DOS FATOS............................................................................................................... 11

2. JURISDIÇÃO DA COMISSÃO E DA CORTE ....................................................... 14

2.1. COMPETÊNCIA .................................................................................................... 15

2.2. ADMISSIBILIDADE DO CASO............................................................................ 15

3. MÉRITO .................................................................................................................... 16

3.1. ANOTAÇÕES ENVOLVENDO PONTOS EXTRAJURÍDICOS ........................... 16

3.2. DAS VIOLAÇÕES DO ESTADO DE TAMOIO .................................................... 25

3.2.1. Sobre o art. 1.1 da CADH ............................................................................ 25

3.2.2. O Estado violou os direitos à vida e à integridade física – arts. 4º e 5º da

CADH 26

3.2.3. O Estado de Tamoio violou o direito às garantias judiciais e o direito à

proteção judicial – arts. 8º e 25 da CADH ................................................................ 28

3.2.4. O Estado de Tamoio violou o direito à liberdade de pensamento e expressão

– art. 13 da CADH ..................................................................................................... 31

4. PEDIDOS ................................................................................................................... 33

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LISTA DE ABREVIATURAS

CADH – Convenção Americana sobre Direitos Humanos

EMT – Empresa de Mineração da República de Tamoio

FMI – Fundo Monetário Internacional

ITMA – Instituto Tamoiano do Meio Ambiente

OEA – Carta da Organização dos Estados Americanos de 1948

SDT – Secretaria de Desenvolvimento da República de Tamoio

SMRN – Secretaria de Mineração e Recursos Naturais da República de Tamoio

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ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS

DOUTRINA

REALE, M. Questões de Direito Público. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 158.

SHELTON, D. Human rights, health and environmental protection: linkages in law and

practice. In: LEÃO, R. Z. R. (Coord.). Os rumos do Direito Internacional dos Direitos

Humanos: estudos em homenagem ao Professor Antônio Augusto Cançado Trindade. Porto

Alegre: Fabris, 2005.

GOMES, L. F.; MAZZUOLI, V. de O.. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos

Humanos. São Paulo: RT, 2008.

WOLFGANG SARLET, I.; FERNSTERSEIFER, T. Direito Constitucional Ambiental:

estudos sobre a Constituição, os Direitos Fundamentais e a Proteção do Ambiente. São Paulo:

RT, 2011.

JURISPRUDÊNCIA E OPINIÕES CONSULTIVAS

CORTE IDH. Opinião Consultiva OC-7/ 86 del 29 de agosto de 1986.

______. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de

2006. Serie C nº 140. § 120.

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______. Caso 19 Comerciantes. Sentença de 5 de julho de 2004. Serie C Nº. 109, §15.

______. Caso Myrna Mack Chang, sentença de 25 de novembro de 2003, Serie C Nº. 101,

§152.

______. Caso Juan Humberto Sánchez, §110; Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán

Morales y otros). Sentença de 19 de novembro de 1999. Serie C Nº. 63, §144.

______. Caso de La Massacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de

2006. Série C n. 140. § 119).

______. Informe Sobre La Situación de Los Derechos Humanos En Ecuador.

OEA/Ser.L/V/II.96Doc. 10 rev. 1. 24 abril 1997. Capítulo VIII. Disponível em:

<http://www.cidh.org/countryrep/Ecuador-sp/indice.htm>, acesso em 14 de janeiro de 2012.

______. Caso Caesar, §69; y Caso Loayza Tamayo. Sentença de 17 de setembro de 1997.

Serie C No. 33, §57).

______. Opinião Consultiva OC 09/1987. Garantías Judiciales en Estados de Emergência. 6

de outubro de 1987. § 24.

______. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares. Sentença de 26 de

junho de 1987. Serie C No.1, § 90.

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______.. Caso Fairén Garbi y Solís Corrales Vs. Honduras. Exceções Preliminares. Sentença

de 26 de junho de 1987. Serie C No.2, § 90.

______. Godínez Cruz, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987. Serie C No.

3, § 92.

______. Opinião Consultiva OC 07/1987. Garantías Judiciais en Estados de Emergência. 6 de

outubro de 1987. § 30 e 33.

______. Opinião Consultiva OC 09/1987. Garantías Judiciais Estados de Emergência. 6 de

outubro de 1987. § 24.

______. Opinião Consultiva OC 16/1987. Garantías Judiciais Estados de Emergência. 6 de

outubro de 1987. § 117.

______. Caso Godinez Cruz. Sentença de 20 de jan. 1989. Série C, n. 5, § 182, p. 74 (tradução

nossa).

______. Caso López Álvarez. Sentença de 1 de fevereiro de 2006. Serie C Nº. 141, §163.

______. Caso Palamara Iribarne. Sentença de 22 de novembro de 2005. Serie C Nº. 135, §69.

______. Caso Ricardo Canese. Sentença de 31 de agosto de 2004. Serie C Nº. 111, §§ 77-80.

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Comissão IDH. Relatório No. 76/09, Admissibilidade, Petição 1473-06, Comunidade de La

Oroya (Perú), 5 de agosto de 2009, para. 74; e Relatório No. 69/04, Admissibilidade, Petição

504-03, Comunidade de San Mateo de Huanchor e seus membros (Perú), 15 de outubro de

2004, §. 66

OUTRAS LEITURAS

ACTUALITY PRODUCTIONS INC.. Modern Marvels: batteries. [Filme-vídeo]. Produção de

Actuality Productions Inc., direção de Richard Jones, 2007, 45 min.

ARAUJO, U. C.; PIVETTA, F. R.; MOREIRA, J. C.. Avaliação da exposição ocupacional ao

chumbo: proposta de uma estratégia de monitoramento para prevenção dos efeitos clínicos e

subclínicos. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, p. 123-131, jan-mar, 1999.

BERG, N. Why Does California's Central Valley Have Such Bad Air Pollution?. The Atlantic

Cities. Disponível em: <http://www.theatlanticcities.com/neighborhoods/2011/09/behind-

pollution-californias-central-valley/207/>. Acesso em 20 de dezembro de 2011.

BIELLO, D. Os dez lugares mais poluídos do mundo. Disponível em:

<http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/os_dez_lugares_mais_poluidos_do_mundo_imprimir

.html>, acesso em 20 de dezembro de 2011.

CDC. Preventing Lead Poisoning in Young Children. Atlanta: CDC, 2005.

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DUARTE, R. P. S.; PASQUAL, A.. Avaliação do Cádmio (Cd), Chumbo (Pb), Níquel (Ni) e

Zinco (Zn) em solos, plantas e cabelos humanos. Energia na Agricultura, Botucatu, v. 15, n. 1,

p. 46-58, 2000.

EL SALVADOR. Daño ambiental en Sitio del Niño suma $4 mil millones. Disponível em:

<http://www.elsalvador.com/mwedh/nota/nota_completa.asp?idCat=47673&idArt=6522159>,

acesso em 20 de dezembro de 2011.

FERRON, M. M.. Intoxicação por chumbo em crianças de uma vila de Porto Alegre e

avaliação ambiental preliminar das possíveis fontes de contaminação. 2010. 100 f.

Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo,

2010.

GRIOLETTO, T. L. B., Chumbo na água de Ribeirão Preto (SP): fatores químicos, físicos e

possíveis correlações com a contaminação de crianças. Dissertação (Mestrado) – Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão

Preto, 2011.

GLOBAL ISSUES. Poverty Facts and Stats. Disponível em:

<http://www.globalissues.org/article/26/poverty-facts-and-stats>, acesso em 20 de dezembro

de 2011.

KIM, Y. et al. Evaluation of lead exposure in workers at a lead-acid battery factory in Korea:

whit focus on activity of erythrocyte pyrimidine 5’-nucleotidase (P5N). Occupational and

Environmental Medicine, v. 52, p. 484-488, 1995.

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LEITE, G. de A. S.. Efeitos do chumbo na formação do esmalte fluorótico em ratos. 2009. 67

f. Dissertação (Mestrado) –Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de

São Paulo, Ribeirão Preto, 2009.

MOREIRA, M. F. R.; NEVES, E. B.. Uso de chumbo em urina como indicador de exposição e

sua relação com chumbo no sangue. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24(9), p. 2151-

2159, set. 2008.

PENNSYLVANIA PORTAL. Made in Pennsylvania: Deka Batteries. Disponível em:

<http://pennportal.wordpress.com/2009/03/22/made-in-pennsylvania-deka-batteries>, acesso

em 20 de dezembro de 2011.

SCHIFER, T. dos S.; BOGUSZ JUNIOR, S.; MONTANO, M. A. E.. Aspectos toxicológicos

do Chumbo. Infarma, Brasília, v. 17, n. 5/6, p. 67-72, 2005.

SHOUNG LAI, J. et al. A study of the relationship between ambient lead and blood lead

among lead battery workers. Int Arch Occup Environ Health, Springer-Verlag,

v. 69, p. 295-300, 1997.

UNITED NATIONS. Review of further developments in fields with which the sub-

commission has been concerned. Disponível em:

<http://www.unhchr.ch/Huridocda/Huridoca.nsf/0/eeab2b6937bccaa18025675c005779c3?Ope

ndocument>, acesso em 18 de dezembro de 2012.

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WORLD HEALTH ORGANIZATION. Air quality guidelines for Europe. 2nd

edition.

Copenhagen: WHO Regional Publications, 2000.

DOCUMENTOS LEGAIS

Sistema Universal de Proteção dos Direitos Humanos

-Declaração Universal dos Direitos humanos

- Pacto Internacional de direitos Civis e Políticos

- Declaração sobre direito ao desenvolvimento

Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos

- Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José

- Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos em Matéria de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais “Protocolo de San Salvador”

República de Tamoio

- Lei de Política Energética de Tamoio, de 1999

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1. DOS FATOS

A República de Tamoio se localiza na costa ocidental da América do Sul, numa faixa de alto

relevo, predominando as terras das chamadas “Montanhas de Coroado”, de onde se origina o

rio “Kaigang”, de 1.000 quilômetros de comprimento, que passa por diferentes cidades e pela

capital, Santa Clara de Tamoio.

Após 100 quilômetros do rio Kaigang, na parte inferior das Montanhas de Coroado, é

encontrada a cidade de Rugendas, inserida no chamado “Vale do Carajá”, cujas altas e

conhecidas montanhas cercam a cidade. Uma notoriedade das Montanhas de Coroado é a

existência de grandes jazidas de lítio, cobre e chumbo, e os locais mais prósperos para

mineração estão situados justamente perto do rio Kaigang e da cidade de Rugendas, no interior

do Vale do Carajá.

Rugendas tem aproximadamente 95 mil habitantes, com maioria vivendo abaixo da linha da

pobreza (patamar do Banco Mundial atual é de U$S 1,25/dia 1). A cidade depende do rio

Kaigang para água portável.

Desde 2002, a República de Tamoio aturou más gestões de índole macroeconômica, e existem

cogitações de um possível pedido de resgate financeiro ao FMI. Em 2004, Tamoio lançou

estratégias internacionais para atrair novos investimentos estrangeiros em sua instável

economia, com incentivos fiscais, incentivos à exportação, facilitações para aquisições de

terras e facilitação ao acesso de recursos minerais inexplorados.

Em 2005, uma empresa da Itália, de nome “Volta Baterias”, resolveu abrigar suas primeiras

fábricas de bateria na América do Sul. Na legislação doméstica, a Lei de Política Energética de

Tamoio, de 1999, define que todas as empresas estrangeiras privadas interessadas em investir

em qualquer tipo de fornecimento de energia devem criar uma joint venture com o governo de 1 O Banco Mundial definiu tal limite de US$ 1,25 em 2008 (GLOBAL ISSUES. Poverty Facts and Stats.

Disponível em: <http://www.globalissues.org/article/26/poverty-facts-and-stats>, acesso em 20 de dezembro de

2011).

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Tamoio, na qual este deterá 51% das ações. Em janeiro de 2006, a Volta Baterias, respeitando

o mencionado diploma legal, investiu na criação da joint venture, que se denominou “Tamoio-

Volta Baterias”.

Ainda em janeiro de 2006, a Secretaria de Desenvolvimento da República de Tamoio (SDT)

deu aquiescência para que a empresa de mineração estatal Empresa de Mineração da

República de Tamoio (EMT) extraísse cobre, chumbo e lítio do interior do Vale do Carajá,

para que ocasionalmente tais metais fossem vendidos no mercado internacional.

Se desde 2002 Tamoio sofreu em suas gestões econômicas, noutros passos foram suas

políticas ambientais, sendo aquele ano o ponto de partida de uma evolução legal, que se

traduziu em uma série de decretos emitidos pelo Instituto Tamoiano do Meio Ambiente

(ITMA), agência ambiental criada também em 2002.

Em junho de 2007 a ONG rugendianesa ajuizou ação nos tribunais locais pedindo a revogação

da Lic. 201 e uma medida cautelar contra a construção das fábricas. Em dezembro daquele

ano, o tribunal de primeira instância em Santa Clara de Tamoio decidiu em favor da Tamoio-

Volta Baterias, sustentando que “a empresa havia tomado todas as medidas para dar conta

das demandas da população de Rugendas”. Neste contexto temporal (junho de 2007), a joint

venture iniciou a construção das suas fábricas.

Em dezembro de 2008, após controvertido procedimento administrativo (cf. itens 3.2.3. e

3.2.4. destes memoriais, infra), a construção das duas fábricas da Tamoio-Volta Baterias foi

concluída (uma de baterias de chumbo e outra de baterias de lítio). Enquanto estas estavam

operando em íntegra capacidade, a Tamoio-Volta Baterias usava todo o chumbo e lítio

extraído pela EMT.

A ONG rugendianesa recorreu, e em 30 de abril de 2008, o Tribunal de Apelações determinou

que as alegações tinham importância, emitindo uma medida cautelar para parar a construção

das fábricas, além de aplicar uma multa de T$ 2 milhões para a Tamoio-Volta Baterias.

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Desse decisum, a Tamoio-Volta Baterias recorreu à Suprema Corte da República de Tamoio,

argumentando que “a construção deveria continuar porque a população de Rugendas não

apresentara qualquer evidência concreta de impactos negativos irreversíveis criados pela

construção das fábricas em operação”. Em 13 de agosto de 2008, a Suprema Corte da

República de Tamoio confirmou a decisão de primeira instância, favorável a Tamoio-Volta

Baterias, revertendo, assim, a decisão do Tribunal de Apelação. Na sentença, consta a

anulação da liminar e a autorização para a continuidade da construção, motivada no sentido de

que “a construção das fábricas poderia ajudar o crescimento da República de Tamoio e que

as demandas dos rugendianeses foram devidamente incluídas no processo”.

Em janeiro de 2010, vários hospitais públicos de Rugendas iniciaram uma série de relatos de

casos de crianças com danos no sistema nervoso central, causados por envenenamento por

chumbo. Os primeiros testes indicaram 250 crianças e 100 adultos com elevada concentração

de chumbo no sangue. De imediato, a Secretaria de Mineração e Recursos Naturais da

República de Tamoio (SMRN) expressou, por meio de relatórios técnicos do ITMA, a

inexistência de concentração de metais pesados nas águas do rio Kaigang, além de ter

argumentado que “durante a construção das fábricas da Tamoio-Volta, todas as medidas

foram tomadas para proteger o rio de contaminação por chumbo e lítio”.

Todavia, as autoridades de Rugendas se manifestaram em sentido muito diferente, porque

informaram que não estavam certos acerca da origem da poluição: se do próprio rio Kaigang

ou da fumaça produzida pelas fábricas da Tamoio-Volta Baterias, localizadas – relembre-se –

no alto das montanhas do Vale do Carajá. As próprias autoridades de Rugendas ainda

alegaram que o governo de Tamoio não tinha divulgado todas as possíveis implicações para a

saúde da população de fábricas desse tipo (cf. item 3.2.4. destes memoriais), e que a

localização no interior do Vale do Carajá impediria o vento de dissipar adequadamente a

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poluição do ar oriunda das fábricas, que estava, assim, causando problemas na saúde da

população.

A ONG rugendianesa ajuizou nova ação no tribunal de primeira instância pedindo para o

governo e a joint venture pararem todas as operações das fábricas de bateria, além de

reparação às pessoas afetadas pela poluição.

O governo de Tamoio informou que as fábricas continuaram a funcionar, em menor

capacidade, até que as causas dos problemas de saúde pudessem ser devidamente esclarecidas

pelas autoridades nacionais.

Sob urgência, em março de 2010, o tribunal de primeira instância decidiu que todas as

operações deveriam parar imediatamente para evitar prejuízos de saúde da população. O

governo apelou, mas o Tribunal de Apelação decidiu, em abril de 2010, cessar todas as

operações até que as autoridades nacionais pudessem descobrir como controlar os diversos

problemas de saúde que as fábricas poderiam causar na população. O governo recorreu à

Suprema Corte da República de Tamoio, que em janeiro de 2011, decidiu em favor da

Tamoio-Volta Baterias, permitindo que as operações reiniciassem a plena capacidade, sob a

motivação de que “a joint venture era muito importante para o desenvolvimento nacional e

que as comunidades locais não poderiam impedir a criação de empregos e receitas fiscais”. A

Suprema Corte, no entanto, também decidiu que o “governo de Tamoio deveria tomar as

medidas necessárias para acabar com a poluição e o envenenamento, inclusive investindo em

equipamentos mais amigos ao meio-ambiente”, deliberação esta ainda considerada pela ONG

rugendianesa como desfavorável. Neste meio tempo, a SMRN produziu, repetidamente,

relatórios técnicos indicando que o excesso de fumaça das fábricas poderia ser a causa do

envenenamento por chumbo nas comunidades rugendianesas, mas, ainda assim, mais estudos

eram necessários para se afirmar, com certeza, as causas dos problemas.

2. JURISDIÇÃO DA COMISSÃO E DA CORTE

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2.1. COMPETÊNCIA

O respondente Estado da República de Tamoio participou de todo o procedimento envolvendo

a negociação da Carta da Organização dos Estados Americanos em 1948 (OEA) e ratificou

todos os tratados interarmericanos de direitos humanos; o Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos, também de 1966; e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), no

dia 04 de agosto de 1990.

Como se sabe, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos oferece, para quaisquer

pessoas; grupo de pessoas; entidades governamentais ou entidades não governamentais a

possibilidade de postular, diretamente, denúncia perante tal aparelho da Organização dos

Estados Americanos, art. 44 da CADH.

2.2. ADMISSIBILIDADE DO CASO

No presente caso concreto, todos os requisitos essenciais foram respeitados, porque houve

prévio esgotamento dos recursos internos, sendo clara a inexequibilidade de quaisquer

resoluções dos problemas narrados no item 1., “DOS FATOS”.

Seguindo todos os preceitos legais do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, foi em 06

de março de 2011 que a ONG rugendianesa ajuizou ação na então Comissão Interamericana de

Direitos Humanos (no devido prazo legal), alegando violação do Estado de Tamoio aos artigos

4º (vida), 5º (integridade física), 8º (garantias judiciais), 11 (honra), 13 (liberdade de

pensamento e expressão), 25 (proteção judicial), tudo com a conformidade ao art. 1.1 da

CADH. A ONG ainda alegou violação ao art. 11 do Protocolo de San Salvador.

Quatorze dias depois, em 20 de março, a Comissão determinou a admissibilidade da petição,

dando um limite de três meses para que a República de Tamoio respondesse às alegações. Em

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20 de maio, o governo tamoiano argumentou, outra vez, que não tinha cometido qualquer

violação dos direitos humanos.

Dando sequência ao procedimento, a Comissão procurou, antes, resolver a lide conforme os

preceitos dados pelo art. 40 de seu próprio regulamento e pelo art. 48, f, da CADH, evento que

acabou no insucesso porque a República de Tamoio não cumpriu as recomendações de

relatório da Comissão. Tal fato embasou, finalmente, a apresentação do caso, pela Comissão, à

Corte Interamericana, art. 45, 1, do regulamento da Comissão.

3. MÉRITO

3.1. ANOTAÇÕES ENVOLVENDO PONTOS EXTRAJURÍDICOS

Antes de quaisquer postulações sobre o presente caso concreto, é de se invocar,

primeiramente, uma apreciação “fora” do campo do Direito (extrajurídica), para depois, lançar

os dados (relevantes) no que é abarcado juridicamente.

Tal escopo extrajurídico deve ser iniciado pelos “potenciais fatos geradores” dos problemas

da cidade: a produção de baterias pela Tamoio-Volta Baterias e, também, toda a logística

industrial que inevitavelmente envolve a população de Rugendas.

Como se sabe, Rugendas tem a maioria de sua população vivendo com menos de T$ 0,31 por

dia. Porém, a literatura científica aponta certos aspectos que não podem ser olvidados. O que

se obtém destas fontes é a constatação de que em locais desenvolvidos o risco de intoxicação

por chumbo (ocupacional ou não) é menor, já que há mais rigor no estudo e no controle dele 2.

Nas pesquisas de campo, o resultado é manifesto: é dito, v. g., que enquanto 28%

trabalhadores de fábricas de bateria de chumbo da Jamaica apresentaram níveis de chumbo no

2 ARAUJO, U. C.; PIVETTA, F. R.; MOREIRA, J. C.. Avaliação da exposição ocupacional ao chumbo: proposta

de uma estratégia de monitoramento para prevenção dos efeitos clínicos e subclínicos. Cad. Saúde Pública, Rio

de Janeiro, v. 15, p. 123-131, jan-mar, 1999. Estes autores ainda apontam que “pouco se conhece sobre a

extensão da exposição e contaminação nos países em desenvolvimento” (loc. cit.).

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sangue (Pb-S) acima dos 60μg/dl 3, apenas 6% de trabalhadores de mesmo porte industrial, nos

Estados Unidos, proporcionaram a mencionada concentração 4.

É bem possível crer que o risco de se produzir baterias de chumbo pode ser completamente

dissecado, avaliado e controlado (é o que alguns pesquisadores afirmam ter ocorrido em países

desenvolvidos) 5. O contrário tem ocorrido nos países em desenvolvimento – com os mesmos

padrões socioeconômicos de Rugendas – donde se relata ser bem comum a intoxicação por

chumbo nessas atividades industriais 6.

Na configuração geofísica e demográfica, Rugendas apresenta um considerável rol de fatores

que influenciam, da pior maneira possível, os problemas de contaminação por chumbo e com

sua alta concentração no sangue 7.

Não se esqueça que logo em janeiro de 2010, os hospitais de Rugendas relataram problemas

em 350 pessoas, sendo 250 crianças e 100 adultos – todos com elevada concentração de

3 Índice este já considerado como altíssimo pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), que

estipulou, durante os anos 1990, o limite de 10μg/dl, após repetidas diminuições deste valor. “Between 1960 and

1990 the blood lead level for individual intervention in children was lowered from 60 μg/dL to 25 μg/dL. In 1991

the CDC recommended lowering the level for individual intervention to 15 μg/dL and implementing

communitywide primary lead poisoning prevention activities in areas where many children have BLLs >10

μg/dL” (CDC. Preventing Lead Poisoning in Young Children. Atlanta: CDC, 2005, p. 2.).

4 ARAUJO, U. C.; PIVETTA, F. R.; MOREIRA, J. C.. Ibidem.

5 KIM, Y. et al. Evaluation of lead exposure in workers at a lead-acid battery factory in Korea: whit focus on

activity of erythrocyte pyrimidine 5’-nucleotidase (P5N). Occupational and Environmental Medicine, v. 52, p.

484-488, 1995.

6 Id. loc. cit.

7“Os principais fatores de risco associados à intoxicação por chumbo são o baixo nível socioeconômico, a

moradia em áreas urbanas, a proximidade a vias de tráfego intenso [...] a exposição ao lixo industrial [...] e o

contato com água contaminada” (FERRON, M. M.. Intoxicação por chumbo em crianças de uma vila de Porto

Alegre e avaliação ambiental preliminar das possíveis fontes de contaminação. 2010. 100 f. Dissertação

(Mestrado) – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.).

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chumbo no sangue. Disto podem-se extrair alguns elementos relevantes: num primeiro

instante, é de se cogitar que em Rugendas há de poluição de chumbo no ar e na terra,

porquanto a OMS já se manifestou no seguinte sentido: “it can be assumed that inhalation of

airborne lead is a significant route of exposure for adults (including pregnant women) but is

of less significance for young children, for whom other pathways of exposure such as ingested

lead are generally more important” 8.

Deste nível socioeconômico de Rugendas, estudos apontam que tal fator tem profunda

conexão com o aumento de vulnerabilidade das crianças aos efeitos neurotóxicos por chumbo

9. Não menos alarmante é o fato de que existem várias diferenças no modo em que o chumbo

se comporta em adultos e em crianças. Estas “parecem ter uma menor taxa total de excreção”

10, sendo cediço que “crianças até dois anos de idade retém 34% da quantidade total de

chumbo absorvido, ao passo que esta retenção é de apenas 1% nos adultos” 11

. Esses números

variam de acordo com a fonte pesquisada, mas eles sempre dão conta de que as crianças

tendem a absorver mais o chumbo ingerido 12

, com um sofrimento ainda maior perante a

8 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Air quality guidelines for Europe. 2nd edition. Copenhagen: WHO

Regional Publications, 2000, p. 288.

9 FERRON, M. M.. Ibidem.

10 MOREIRA, M. F. R.; NEVES, E. B.. Uso de chumbo em urina como indicador de exposição e sua relação com

chumbo no sangue. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24(9), p. 2151-2159, set. 2008.

11 Idem. Ibidem.

12 LEITE cita estudos de ZIEGER e colaboradores, aduzindo que “enquanto adultos absorvem de 10 a 15% do

chumbo ingerido, e armazenam 5% do que é absorvido, as crianças absorvem cerca de 41,5% e retêm cerca de

38,1%” (LEITE, G. de A. S.. Efeitos do chumbo na formação do esmalte fluorótico em ratos. 2009. 67 f.

Dissertação (Mestrado) –Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão

Preto, 2009, f. 23). Em idêntico sentido, GRIOLETTO, T. L. B., Chumbo na água de Ribeirão Preto (SP):

fatores químicos, físicos e possíveis correlações com a contaminação de crianças. Dissertação (Mestrado) –

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intoxicação com este metal pesado 13

. As crianças também são mais suscetíveis de se

contaminarem com o chumbo, já que têm o hábito de levar objetos e as mãos à boca, sendo

elas sensíveis até mesmo às vestes contaminadas de adultos que trabalham com chumbo 14

.

Justamente por isto que os solos com elevadas concentrações de chumbo também são fontes

de exposição para crianças menores de seis anos 15

.

O chumbo, após a absorção, se distribui ao sangue, aos rins, ao fígado, à medula óssea, aos

dentes e aos ossos, sem sofrer qualquer metabolismo 16

. Os efeitos são bem conhecidos, e eles

não variam conforme a rota de entrada, porquanto o chumbo intervém negativamente no

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2011,

f. 25-26.

13 LEITE, após ter contato com os estudos de WIGG (2001), CICUTTINI e colaboradores (1994), NEEDLEMAN

e BELLIGNER (1991) e ZIEEGLER e colaboradores (1978), conclui que “em crianças, os efeitos deletérios das

intoxicações crônicas são mais expressivos do que nos adultos [...] pois o chumbo interfere em órgãos e sistemas

ainda em desenvolvimento. Quando a ação crônica age sobre o sistema nervoso central [que é o caso de

Rugendas] leva a prejuízos no desenvolvimento neurofisiológico e neurocomportamental das crianças [....].

Além dos efeitos mais severos, as crianças são também mais suscetíveis à intoxicação por chumbo do que os

adultos devido à maior absorção gastrintestinal”. (LEITE, G. de A. S.. Ibidem.). No mesmo sentido, FERRON,

M. M.. Ibidem).

14 LEITE, G. de A. S. Ibidem, f. 25.

15 GRIOLETTO, T. L. B., Ibidem, f. 21. Esta autora, citando estudos de BINNS e colaboradores, apregoa que “o

pico da concentração de chumbo relatado em crianças é na idade de 12 a 36 meses [...] porque [...] as crianças

começam a engatinhar e caminhar [...], fato de extrema importância, uma vez que até 3 anos de idade constitui-

se um período crítico de desenvolvimento neuropsicológico do indivíduo. (Id. Ibidem, f. 26).

16 MOREIRA, M. F. R.; NEVES, E. B.. Ibidem.

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funcionamento citológico normal em inúmeros processos fisiológicos 17

. A solução para

Rugendas, destarte, deve ser ampla e não deve levar privilegiar só a feição econômica 18

.

Insta relembrar que Rugendas depende do rio Kaigang para água potável 19

, sendo que o

empreendimento da Tamoio-Volta Baterias se encontra instalado a apenas 200 metros dele.

Poder-se-ia falar mesmo que Rugendas, se se constatar poluição de chumbo no rio Kaigang,

fica “proibida” – num futuro brevíssimo – de tratar sua água com flúor, vez que estes

elementos são tidos como “bone-seeking agents” (= alta afinidade pelo osso), e segundo

investigações de campo, se associados, podem resultar em alterações em suas concentrações

nos tecidos 20

. Daí já pode se indagar até em que ponto o que é, no plano das teses,

“economicamente vantajoso” ou “juridicamente fundamentado”.

Rugendas ainda apresentou uma série de reações ao fato de 350 pessoas apresentarem altas

concentrações de chumbo no sangue. É de se rebater os relatórios técnicos do ITMA,

divulgados pela SMRN, que relatavam “inexistência de concentração de metais pesados nas

águas do rio Kaigang”. A uma, porque nem mesmo as autoridades locais de Rugendas

souberam informar se a poluição por chumbo era proveniente do próprio rio ou da fumaça

produzida pela atividade industrial da Tamoio-Voltas Bateria; a duas porque é algo unânime

17 “Nas crianças, esses efeitos atingem principalmente o sistema nervoso, enquanto, nos adultos, os cuidados são

com a neuropatia periférica e a nefropatia crônica” (Idem. Ibidem, loc. cit.).

18 “O chumbo pode entrar no organismo via cutânea, ferimento de bala, de revólver , por inalação, pelo trato

digestivo [é conveniente lembrar que Ugendas depende do Rio Kaiang para água potável. A 200 metros dele as

atividades da Tamoio-Volta Baterias se iniciaram] ou por injeção direta na corrente sanguínea” (GRIOLETTO,

T. L. B., Ibidem, f. 20-21).

19 Aqui, anote-se que “dentre os gêneros alimentícios que mais contribuem para a ingestão de chumbo destacam-

se: a água potável, bebidas em geral, cereais, vegetais e frutas” (SCHIFER, T. dos S.; BOGUSZ JUNIOR, S.;

MONTANO, M. A. E.. Aspectos toxicológicos do Chumbo. Infarma, Brasília, v. 17, n. 5/6, p. 67-72, 2005.

Grifamos).

20 LEITE, G. de A. S.. Ibidem, f. 28.

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na bibliografia autorizada que “a contaminação ambiental pelo chumbo ocorre principalmente

em função do seu emprego industrial” 21

, e os primeiros exames divulgados deram conta que

250 crianças e 100 adultos tinham elevada concentração de chumbo no sangue, dado ao qual

deve-se atrelar a lição de que “a concentração de chumbo no sangue total (Pb-S) [...] é aceita

como indicador de exposição total a esse elemento, embora indique uma exposição ambiental

recente” 22

. Algumas pesquisas de campo sobre exposição laboral ao chumbo chegam ao

ponto de excluir os trabalhadores com tempo inferior a um número de meses determinado,

justamente porque a concentração de chumbo no sangue significa exposição recente a este

metal pesado 23-24

.

21 Segundo PAOLIELLO e CHASIN (2001), citados em SCHIFER, T. dos S.; BOGUSZ JUNIOR, S.;

MONTANO, M. A. E.. Ibidem. Assim FERRON, que citando estudos de FREITAS (2005), relata que “a

contaminação da água pode ocorrer pelo contato da mesma com resíduos provenientes, principalmente, de

atividades industriais e de mineração” (FERRON, M. M.. Ibidem, f. 29) e também DUARTE e PASQUAL, que

citando estudos de LARINI (1987) e NRIAGU (1988) lecionam que “o chumbo, é um elemento tóxico, e ocorre

como contaminante ambiental devido seu largo emprego industrial, como: indústria extrativa, petrolífera, de

acumuladores, tintas e corantes, de cerâmica e bélica, encontra-se intensamente no meio em que o homem vive, a

população urbana defronta-se com este problema devido à constante emissão por veículos automotores, pelas

indústrias, ou ainda pela ingestão de alimentos sólidos e líquidos contaminados” (DUARTE, R. P. S.;

PASQUAL, A.. Avaliação do Cádmio (Cd), Chumbo (Pb), Níquel (Ni) e Zinco (Zn) em solos, plantas e cabelos

humanos. Energia na Agricultura, Botucatu, v. 15, n. 1, p. 46-58, 2000).

22 MOREIRA, M. F. R.; NEVES, E. B.. Ibidem. No mesmo sentido, GRIOLETTO, que aduz ser a presença de

chumbo no sangue uma representação a exposição recente da criança ao chumbo (GRIOLETTO, T. L. B.,

Ibidem, f. 64).

23 v.g., os estudos de SHOUNG LAI, J. et al.: “[...] as blood lead level reflects recent exposure, workers with

less than 6 months employment were excluded [...]” (SHOUNG LAI, J. et al. A study of the relationship between

ambient lead and blood lead among lead battery workers. Int Arch Occup Environ Health, Springer-Verlag,

v. 69, p. 295-300, 1997. Grifamos.).

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Outra questão que deve ser enfrentada é a maneira que se produzem baterias de chumbo. O

documentário Modern Marvels: batteries 25

demonstra as etapas desta logística industrial 26

.

Ao exibir uma empresa, fica claro que o chumbo deve ser derretido (atingindo o ponto de

fusão), e que isto, por si só, já polui o ar com impurezas do metal pesado 27-28

. O problema se

desloca, portanto, para o contexto geográfico ao qual se insere a cidade de Ugendas 29

,

24 KIM, Y. et al., citando TOMOKUNI et al. (1988), relembram: “in general, the standard analysis of PbB

performed in laboratories around the world remains the most useful index of recent exposure” (KIM, Y. et al.

Ibidem.).

25 ACTUALITY PRODUCTIONS INC.. Modern Marvels: batteries. [Filme-vídeo]. Produção de Actuality

Productions Inc., direção de Richard Jones, 2007, 45 min.

26 “Grids (the metallic lead lattices used in making battery plates) are manufactured with automatic casting

machines. The grids are then pasted with lead oxide by machine. After drying, the pasted grids (plates) are

converted electrically to lead peroxide and lead (plate forming process). Pairs of plates are separated and then

cleaned by a brushing machine to get rid of excess metal and paste (plate finishing process). […] Cell connectors

and battery terminals, cast from lead, are manually gas welded to the cells to complete the batteries (assembling

process)” (KIM, Y. et al. Ibidem).

27 Não é sem fundamento que KOSNETT (2003), citado por SCHIFER, BOGUSZ JUNIOR e MONTANO,

promulga que “a maior incidência de intoxicação por chumbo ocorre, devido à contaminação ambiental, pela

ingestão de alimentos e bebidas contaminadas e por partículas suspensas no ar”. Há a menção, ainda, aos

trabalhos de PAOLIELLO & CHASIN (2001), dos quais se ensinou que “na atividade ocupacional, a via mais

freqüente de intoxicação é a inalatória, como conseqüência da contaminação do ambiente de trabalho

(SCHIFER, T. dos S.; BOGUSZ JUNIOR, S.; MONTANO, M. A. E.. Ibidem).

28 E o chumbo “pode entrar no meio aquático via deposição atmosférica, descarte de resíduos ou lixiviação dos

solos e margens dos rios” (GRIOLETTO, T. L. B., Ibidem, f. 22).

29 A situação de Rugendas também é sensível se correlacionarmos os efeitos físicos e químicos que são relatados

nas leituras especializadas. O chumbo começou a ser explorado em 2005, se juntando ao lítio, nesta mesma data,

e ao cobre, que já era explorado num pretérito incerto. Disto, vale a lição de LANSDOWN e YULE (1986),

citados por GRIOLETTO, que menciona: “no caso de soldas de chumbo em canos de cobre ou mesmo no caso

de junções entre canos de chumbo e de cobre, há a formação de um sistema eletroquímico que funciona como

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localizada no interior do Vale do Carajá, famoso por ser rodeado de altas montanhas.

Problema semelhante enfrenta o estado da Califórnia, que tem cinco das trinta e seis cidades

dos Estados Unidos com o ar poluído acima dos padrões recomendados pela Organização

Mundial da Saúde. Mais especificamente, todas estão localizadas no chamado California’s

Central Valley. Os motivos são claros: “surrounded on three sides by mountain ranges, the

Central Valley acts as a pool for pollutants produced by the region’s roughly 3.5 million

residents, its industry and its large agricultural community. These emissions get trapped in the

valley by an inversion layer of warm air” 30

.

A problemática californiana se diferencia de Rugendas apenas em uma feição: o tipo da

poluição gerada. No caso estadunidense, os poluentes são oriundos da agricultura. Em

Rugendas, a questão é mais seria e num prazo curto pode se tornar irreversível, afinal, como já

demonstrado supra, o chumbo, uma vez no organismo, é distribuído para o sangue, o qual se

comunica, diretamente 31

, com tecido moles (p. ex., fígado e rins) e com tecidos rígidos (ossos

e dentes) 32

. Disto, restar salientar a precisão da bibliografia autorizada sobre o tempo de meia-

vida atribuído ao chumbo, que no sangue é de aproximadamente 36 dias; nos tecidos moles, 30

dias; e nos ossos varia num compasso de 20 a 27 anos 33-34

.

uma célula Galvânica, dada a diferença no potencial de redução destes metais (Eº Pb2+ = -0,13V e Eº Cu2+ =

0,34V), elevando, assim, a dissolução do chumbo” (Idem, Ibidem, f. 23), o que acaba acelerando o problema.

30 BERG, N. Why Does California's Central Valley Have Such Bad Air Pollution?. The Atlantic Cities.

Disponível em: <http://www.theatlanticcities.com/neighborhoods/2011/09/behind-pollution-californias-central-

valley/207/>. Acesso em 20 de dezembro de 2011.

31 FERRON, M. M.. Ibidem, f. 9.

32 SCHIFER, T. dos S.; BOGUSZ JUNIOR, S.; MONTANO, M. A. E.. Ibidem.

33 SCHIFER, BOGUSZ JUNIOR e MONTANO, citando SARYAN & ZENZ (1994) e SADAO (2002), aduzem

que o “chumbo no esqueleto é biologicamente inerte, mas sob certas condições (alterações do equilíbrio ácido-

base, infecções, cirurgias, uso de determinados fármacos) pode ser rapidamente mobilizado, levando ao

reaparecimento de sintomas tóxicos, mesmo depois de cessada a exposição”. (Idem, Ibidem.) No mesmo sentido,

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Isto transmite com muita exatidão e fundamento que a problemática de Rugendas deve ser

vista com uma comunicação entre presente e futuro. O argumento dado pela República de

Tamoio, que fundamentou a jurisprudência da Corte de Tamoio, se resume em findar a

discussão com o falho ponto de vista puramente econômico (que, cegamente, nega os

problemas importantes [e irreversíveis] num longo prazo). Aliás, em janeiro de 2011, a mesma

Suprema Corte de Tamoio decidiu em favor da Tamoio-Volta Baterias sob o pretexto de que

“a joint venture” é “muito importante para o desenvolvimento nacional e que as

comunidades locais não poderiam impedir a criação de empregos e receitas fiscais”. Tal tese

é também falaciosa. Uma das maiores empresas de baterias do planeta – a Energizer – tem, em

uma de suas sedes, a maior manufatura de baterias e pilhas alcalinas do mundo – com 90 mil

metros quadrados – e emprega, tão somente, algo em torno de mil pessoas 35

. Outra grande no

ramo de baterias, e que fabrica inúmeros outros produtos (além de baterias de chumbo), a

EAST PENN Manufacturing co., inc. (Deka), tem uma sede que chega aos 230 mil metros

quadrados de área construída e aos 2 milhões de metros quadrados de área de terreno total 36

,

empregando apenas cinco mil pessoas 37

(isso porque a Deka não faz apenas baterias de

chumbo).

MOREIRA e NEVES, para os quais “os tempos de meia-vida do metal são bastante diferentes, sendo estimados

em 36 dias para o sangue, 40 dias para os tecidos moles e 27 anos para os ossos” (MOREIRA, M. F. R.;

NEVES, E. B.. Ibidem).

34 “Uma grande fração do chumbo absorvido é incorporado ao esqueleto, o qual contém mais de 90% do

chumbo corpóreo, e trabalhadores expostos podem apresentar uma fração bem maior” (ARAUJO, U. C.;

PIVETTA, F. R.; MOREIRA, J. C.. Ibidem).

35 ACTUALITY PRODUCTIONS INC.. Ibidem.

36 Idem. Ibidem.

37 PENNSYLVANIA PORTAL. Made in Pennsylvania: Deka Batteries. Disponível em:

<http://pennportal.wordpress.com/2009/03/22/made-in-pennsylvania-deka-batteries>, acesso em 20 de dezembro

de 2011.

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O empreendimento da Tamoio-Volta Baterias, se lançado aos números e aos fatos verdadeiros

(ou bem possíveis), carece de fundamento. A população de Rugendas é de 95 mil habitantes, e

empregar algo em torno de 5% deste número, a troca de um ônus ambiental pesado, não

aparenta gozar o status de solução.

3.2. DAS VIOLAÇÕES DO ESTADO DE TAMOIO

3.2.1. Sobre o art. 1.1 da CADH

A Comissão verificou, com razão, violação aos artigos 4º (vida), 5º (integridade física), 8º

(garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e expressão, 25 (proteção judicial), tudo

combinado com o art. 1.1 da CADH, motivo pelo qual o art. 1.1. aqui analisado deve ser

apregoado em toda a leitura seguinte.

O art. 1.1. deste documento preleciona que “os Estados Partes nesta Convenção [e Tamoio

ratificou este diploma] comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos

[...]”. Já no começo do texto legal se nota a obrigação jurídica 38

do Estado de Tamoio

subjetivar os direitos previstos na CADH. A redação ainda conta com a afirmação de que

Tamoio deveria garantir o livre e pleno exercício de toda pessoa sujeita a esta jurisdição

internacional, excerto legal este que não foi cumprido pelo Estado de Tamoio, o qual chegou

ao ponto de alegar que a interrupção da construção das fábricas da Tamoio-Volta Baterias, em

caráter de liminar, significava uma violação de sua soberania enquanto “proprietário dos

recursos naturais”. O argumento goza da mais alta infelicidade. Num ato meramente

declaratório, que fundamentou a sentença no Tribunal de Recursos de Tamoio, restou

caracterizada a lesão a este art. 1.1, descumprido justamente pelo fato de o Estado não ter

atuado conforme a tese de que “a verdadeira soberania deve consistir [...] numa cooperação 38 “A obrigação de respeitar [...] é obrigação de cunho negativo (obrigação de não fazer), e a de garantir o livre

e pleno exercício dos direitos é obrigação positiva (obrigação de fazer)” (GOMES, L. F.; MAZZUOLI, V. de

O.. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. São Paulo: RT, 2008, p. 22.).

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internacional dos Estados em prol de finalidades comuns. Um novo conceito de soberania,

afastada da sua noção tradicional, aponta para a existência de um Estado não isolado, mas

incluso numa sociedade e num sistema internacional de proteção de direitos como um todo”

39.

3.2.2. O Estado violou os direitos à vida e à integridade física – arts. 4º e 5º da CADH

No plano do texto legal, cabe extrair, neste tópico, o que existe de relevante nos arts. 4º e 5º da

CADH, para o presente caso concreto envolvendo Rugendas. Consta no art. 4.1. que “toda

pessoa tem direito de que se respeite sua vida”, e que tal direito “deve ser protegido pela lei”,

geralmente “desde o momento da concepção”. Ainda há a referência de que “ninguém pode

ser privado da vida arbitrariamente”. Quanto ao direito à integridade física, há a menção

legal de que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e

moral”, art. 5.1 da CADH.

Uma vez que a República de Tamoio é signatária da CADH, passou ela a ter um dever de

proteger a vida humana, necessitando, assim “reprimir todos os atentados contra ela” 40

.

Cabível a íntegra citação da frase de Dinah Shelton: “from the perspective of the Law of the

state responsibility, there may be little difference between a state that arbitrarily executes

persons and a state that knowingly allows drinking water to be poisoned by contaminants. In

39 GOMES, L. F.; MAZZUOLI, V. de O.. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. São

Paulo: RT, 2008, p. 23-24. Ademais, a Corte IDH reconheceu a atitude auto-aplicável da CADH (CORTE IDH.

Opinião Consultiva OC-7/ 86 del 29 de agosto de 1986).

40 GOMES, L. F.; MAZZUOLI, V. de O.. Ibidem, p. 35.

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both instances, the state can be responsible for depriving individuals of their life in violation

of human rights law” 41

.

Mesmo que a Comissão não tenha vislumbrado violação ao art. 11 do Protocolo de San

Salvador, é bem coerente lembrar que tal “meio ambiente sadio” se apregoa – inevitavelmente

– aos bens jurídicos vida e integridade física. A mais atualizada doutrina fala mesmo em uma

“dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana”, que se traduz em uma vida digna,

saudável e segura, numa “indispensabilidade [...] qualidade ambiental para concretização da

vida humana em níveis seguros” 42

. O direito à vida, vale lembrar, tem o status de

“suprapositivo” 43

. Ademais, “a vida é situada em um quadro ambiental degradado

compromete o livre desenvolvimento da personalidade humana, especialmente no que diz

respeito à integridade psicofísica do ser humano” 44

.

Portanto, se a Corte IDH confirmar que Tamoio violou o direito à vida 45

, é inviável não levar

em consideração o que se tratou. Não reconhecer isto é dar a vitória à tese defendida pelo

41 SHELTON, D. Human rights, health and environmental protection: linkages in law and practice. In: LEÃO,

R. Z. R. (Coord.). Os rumos do Direito Internacional dos Direitos Humanos: estudos em homenagem ao

Professor Antônio Augusto Cançado Trindade. Porto Alegre: Fabris, 2005, p. 424.

42 WOLFGANG SARLET, I.; FERNSTERSEIFER, T. Direito Constitucional Ambiental: estudos sobre a

Constituição, os Direitos Fundamentais e a Proteção do Ambiente. São Paulo: RT, 2011, p. 38.

43 UNITED NATIONS. Review of further developments in fields with which the sub-commission has been

concerned. Disponível em:

<http://www.unhchr.ch/Huridocda/Huridoca.nsf/0/eeab2b6937bccaa18025675c005779c3?Opendocument>,

acesso em 18 de dezembro de 2012.).

44 WOLFGANG SARLET, I.; FERNSTERSEIFER, T. Ibidem, p. 39-40.

45 No tocante ao direito a vida, é da jurisprudência desta Corte que “que el derecho a la vida juega un papel

fundamental en la Convención Americana, por ser el corolario esencial para la realización de los demás

derechos” (CORTE IDH. Caso de la Masacre de Pueblo Bello Vs. Colombia. Sentença de 31 de janeiro de 2006.

Serie C nº 140. § 120; Caso 19 Comerciantes. Sentença de 5 de julho de 2004. Serie C Nº. 109, §153 citando

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Estado, que se resume a apenas parte do todo da experiência jurídica, em argumentos de

condão econômico.

A Corte IDH também já se manifestou nesse sentido: “la contaminación ambiental grave

puede presentar una amenaza a la vida y la salud del ser humano, y en su debido caso puede

dar lugar a la obligación del Estado de tomar medidas razonables para evitar dicho riesgo, o

las medidas necesarias para responder cuando las personas han sido lesionadas” 46 .A

Garantia da Integridade Pessoal, por sua vez, vai muito além de um mero direito contra tortura

ou apenas agressões físicas diretas, abrangendo várias formas e graus de ataque à integridade

física, moral e psíquica das pessoas, consoante jurisprudência da Corte IDH 47

.

Configurada e demonstrada, portanto, a violação de Tamoio aos arts. 4º e 5º da CADH.

3.2.3. O Estado de Tamoio violou o direito às garantias judiciais e o direito à proteção

judicial – arts. 8º e 25 da CADH

As garantias judiciais do art. 8º da CADH não incluem apenas uma garantia de acesso ao

judiciário ou a obtenção de um recurso judicial face à uma decisão, mas também a um devido

processo legal, que respeite o caso em suas peculiaridades 48-49

.

Caso Myrna Mack Chang, sentença de 25 de novembro de 2003, Serie C Nº. 101, §152; Caso Juan Humberto

Sánchez, §110; Caso de los “Niños de la Calle” (Villagrán Morales y otros). Sentença de 19 de novembro de

1999. Serie C Nº. 63, §144).

46 CORTE IDH. Informe sobre la situación de los derechos humanos en ecuador. OEA/Ser.L/V/II.96Doc. 10 rev.

1. 24 abril 1997. Capítulo VIII.

47 CORTE IDH.. Caso Caesar, §69; y Caso Loayza Tamayo. Sentença de 17 de setembro de 1997. Serie C No.

33, §57)

48 Neste sentido a jurisprudência pacífica da Corte IDH: CORTE IDH. Opinião Consultiva OC 09/1987.

Garantías Judiciales en Estados de Emergência. 6 de outubro de 1987. § 24; CORTE IDH.. Caso Velásquez

Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares. Sentença de 26 de junho de 1987. Serie C No.1, § 90; CORTE

IDH.. Caso Fairén Garbi y Solís Corrales Vs. Honduras. Exceções Preliminares. Sentença de 26 de junho de

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A Suprema Corte de Tamoio, primeiramente, deu decisão favorável para que a construção das

fábricas da Tamoio-Volta Baterias continuassem, motivando em sentido identico o que fora

alegado pela própria Tamoio-Volta Baterias, então recorrente a cautelar aplicada. “É claro,

porém, que motivar não significa um ato superior de opção, de per si válido, entre o que foi

alegado pelo autor e contestado pelo réu, com simples adesão a este e não àquele, num

soberano ato de vontade que é ao mesmo tempo regula sui. Motivar significa antes a

enunciação dos fundamentos em que se baseia a decisão, constituindo, desse modo, um ato

transpessoal que emerge do vivo cotejo das questões de fato e de direito” 50

.

Num segundo momento, a mesma Suprema Corte de Tamoio decidiu que as operações das

fábricas voltaram a funcionar em plena capacidade, atribuindo ao governo, todavia, a tarefa de

tomar medidas necessárias para acabar com a poluição e com o envenenamento por chumbo,

investindo em equipamentos que permitissem isso e não agredissem o meio-ambiente. O

Estado de Rugendas, todavia, não cumpriu essa parte da decisão, e ficou sem combater a

poluição.

As autoridades de Rugendas afirmaram, também, que o governo de Tamoio não informou,

devidamente, quais eram os reais riscos que aquelas fabricas poderiam proporcionar 51

.

1987. Serie C No.2, § 90; CORTE IDH. Godínez Cruz, Exceções Preliminares, Sentença de 26 de junho de 1987.

Serie C No. 3, § 92.

49 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Parte III Artigo. 6 §2. Declaração o sobre o

Progresso e o desenvolvimento. Artigo 12. §1 e §2 1. 2. Art., 2, 5, 15.

50 REALE, M. Questões de Direito Público. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 158.

51 Nisto, anote-se: “The right to information is frequently presented as an individual and group right which

constitutes an essential attribute of the democratic processes and the principle of popular participation. Indeed,

the concept of democratic government as stated in article 21 of the Universal Declaration of Human Rights

becomes meaningless unless individuals and groups have access to relevant information on which to base the

exercise of the vote or otherwise express the will of the people” (UNITED NATIONS. Ibidem.).

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A população de Rugendas não foi devidamente ouvida, em clara violação ao art. 8.1 da

CADH. A esse argumento se une o fato de a República de Tamoio ter aprovado a construção

das fábricas em período inferior ao prazo limite e ao que era esperado, devido à burocracia

exigida pela complexidade do caso. Junte-se a isso o fato de que fora usado um processo

licitatório irregular porque usou uma empresa para realizar a análise para a implementação de

uma joint venture que abriria duas empresas distintas, o que demandaria duas análises diversas

(cf. item 3.2.4., infra).

Anote-se que após duas sentenças favoráveis à população de Rugendas, a Suprema Corte de

Tamoio decidiu que as fábricas continuariam a funcionar em sua capacidade máxima, mas que

o Estado de Tamoio deveria buscar meios para mitigar as consequências que vinha causando

na população e que investisse em tecnologias mais amistosas ao meio ambiente, o que, repita-

se, não foi concretizado.

No caso em questão, as violações alegadas nas cortes de justiça de jurisdição de Tamoio

faziam referências à poluição e contaminação por chumbo, matéria que exigiria cuidadosa

análise de provas técnicas que não são produzidas e muito menos analisadas em espaço curto

de tempo 52

.

Após a implementação das fábricas de baterias e seu funcionamento a todo vapor, continuava-

se a notar o agravo das condições de saúde de adultos e crianças por envenenamento por

chumbo, diretamente relacionado à fabricação de baterias de chumbo. Aliás, aduz a Corte IDH

que um fato inicialmente não é imputável diretamente a um Estado, por exemplo, por ser obra

de um particular, mas pode acarretar a responsabilidade internacional do Estado por falta de

52 CORTE IDH. Opinião Consultiva OC 07/1987. Garantías Judiciais en Estados de Emergência. 6 de outubro

de 1987. § 30 e 33; CORTE IDH. Opinião Consultiva OC 09/1987. Garantías Judiciais Estados de Emergência.

6 de outubro de 1987. § 24 CORTE IDH. Opinião Consultiva OC 16/1987. Garantías Judiciais Estados de

Emergência. 6 de outubro de 1987. § 117.

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devida diligência para prevenir a violação 53

. Plenamente desmonstradas, portanto, as

violações de Tamoio aos arts. 8º e 25 da CADH.

3.2.4. O Estado de Tamoio violou o direito à liberdade de pensamento e expressão – art.

13 da CADH

Quando a Volta-Baterias resolveu abrigar suas fábricas, sugeriu ela um empreendimento para

duas fábricas distintas – uma envolvendo a fabricação de baterias de lítio e outra a fabricação

de baterias de chumbo.

A Lei Tamoiana do Meio Ambiente, de 2001, estabelece de forma clara os requisitos

procedimentais envolvendo a construção de fábricas. Tal fonte legislativa prescreve que todas

as novas instalações (não apenas empreendimentos) industriais devem fornecer avaliações de

impacto ambiental de acordo com as diretivas do ITMA. Este relatório deve acrescentar: a)

impactos ambientais; b) emissões de gases estufa; c) poluição por metais pesados na água; d)

poluição por metais pesados no ar; e) desmatamento e f) demandas das populações locais

afetadas pelas fábricas (não apenas da cidade onde elas serão instaladas).

Ainda, consoante a própria Lei Tamoiana do Meio Ambiente de 2001, esses relatórios

precisam ser elaborados por empresas (plural) de consultoria independentes (= fora do

empreendimento e das populações locais), listadas na DI. 101 do ITMA, o qual, depois,

aprecia o relatório num prazo decadencial de seis meses. Após sua aprovação, a empresa tem o

mesmo termo para iniciar a construção de suas instalações.

No caso da Tamoio-Volta Baterias, a avaliação foi feita apenas uma vez (para um

empreendimento que tem duas fábricas e que, portanto, necessitaria de relatórios separados

para suprir o comando legal) e somente por uma empresa de consultoria de Santa Clara de

Tamoio (o que contraria a Lei Tamoiana do Meio Ambiente, que exige mais de uma empresa),

53

CORTE IDH. Caso Godinez Cruz. Sentença de 20 de jan. 1989. Série C, n. 5, § 182, p. 74 (tradução nossa).

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que fechou o relatório em fevereiro de 2007. Foi logo em maio de 2007 (somente três meses

depois) que o ITMA emitiu a licença ambiental (Lic. 201) para que a joint venture Tamoio-

Volta Baterias construísse as suas duas fábricas no local combinado, a 200 metros de distância

da margem do rio Kaingang. Em suma: o ITMA utilizou apenas três meses (teria mais outros

três meses) para apreciar um único relatório que possui vícios serios. O ideal seria o ITMA

avaliando dois relatórios (porque são duas fábricas), cada um observando individualmente no

seu prazo legal de meio ano e feito por duas ou mais empresas de consultoria independentes.

Quanto às demandas da população de Rugendas, é de se anotar que não houve, também, a

estrita observância da legislação interna, porquanto as populações locais (= além da cidade de

Rugendas) não foram ouvidas e, também, em um único estudo do empreendimento da Tamoio-

Volta Baterias, os habitantes de Rugendas tiveram que postular, em pouquíssimo tempo, suas

demandas para um todo que tem, em verdade, como já bem visto, duas partes: uma fábrica de

chumbo e outra de lítio, cada qual com sua vasta particularidade.

Anote-se que a capital de Santa Clara de Tamoio merecia também ser levada em consideração

como uma dessas “populações locais”, já que está localizada próxima à nascente do rio

Kaigang. Isto implica mesmo em outra violação legal, porque a empresa de consultoria que

realizou o procedimento, uma vez sediada na capital, não é – sob tal ótica – independente.

Não foi sem motivos que, após a emissão da Lic. 201 pelo ITMA, a ONG rugendianesa

reclamou afirmando os seguintes pontos: a) a população local não tinha sido consultada

adequadamente no processo de preparação de licença; b) a licença foi expedida em um curto

espaço de tempo; c) a proposta da Tamoio-Volta Baterias para o reflorestamento de margens

era insuficiente para a revitalização adequada da margem.

Ademais, muito se disse, por parte de Tamoio, que os cidadãos foram devidamente ouvidos,

mas causa estranheza o fato de a licença ter gerado grande raiva entre a população

rugendianesa.

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4. PEDIDOS

O presente caso apresenta semelhanças com casos que atualmente estão em debate, os quais

demonstram o sombrio futuro que a população de Rugendas poderá vir a encontrar se nada for

feito para controlar a poluição em curso pela fábrica de chumbo. São três os casos, sendo os

dois primeiros os mais graves: a) caso Baterias de El Salvador (Record Baterias); b) La Oroya;

e c) Comunidad San Mateo Huanchor. No caso de El Salvador, mesmo tendo a fábrica Record

sido fechada em meados de 2007, o custo para eliminar toda a poluição de chumbo na região

afetada é estimado em US$ 4 bi 54

. Já La Oroya, em relatório feito pelo instituto Blacksmith

em 2007, figurou como o 5º lugar mais poluído da terra 55

. Os três casos remetem a situações

já em estado grave de contaminação com severas baixas dentre as populações atingidas, fato

que ainda não ocorreu na região de Rugendas, e que pode ser evitado se tomadas as medidas

adequadas por parte desta Corte. Desta maneira, o que a população de Rugendas intenta não é

um retrocesso econômico, nem mesmo uma “expulsão” da Tamoio-Volta Baterias. Dizer ser

possível a atuação do empreendimento sem afrontamentos a bens jurídicos importantes

significa uma clemência pelo desenvolvimento sustentável 56

. Isto inevitavelmente se traduz,

para o caso concreto de Rugendas, em termos jurídicos, num procedimento cautelar que será,

54 EL SALVADOR. Daño ambiental en Sitio del Niño suma $4 mil millones. Disponível em:

<http://www.elsalvador.com/mwedh/nota/nota_completa.asp?idCat=47673&idArt=6522159>, acesso em 20 de

dezembro de 2011.

55 BIELLO, D. Os dez lugares mais poluídos do mundo. Disponível em:

<http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/os_dez_lugares_mais_poluidos_do_mundo_imprimir.html>, acesso em

20 de dezembro de 2011.

56 UNITED NATIONS. Review of further developments in fields with which the sub-commission has been

concerned. Disponível em:

<http://www.unhchr.ch/Huridocda/Huridoca.nsf/0/eeab2b6937bccaa18025675c005779c3?Opendocument>,

acesso em 18 de dezembro de 2012.).

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em suma, uma repetição mais justa e profunda do que os relatórios anteriormente realizados e

apresentados pela Tamoio-Volta Baterias. Ilustrativamente, é plausível a ideia de as atividades

do empreendimento em seu conjunto (com as fábricas de lítio e de chumbo) atuarem

respeitando o chamado “IDA” (= ingestão diária aceitável). A cautelar se encera na tese de

Coplan e colaboradores, citados por Leite, que entendem que “mesmo os limites atualmente

recomendados pela OMS são considerados altos, pois existem evidências de que não há

limites para os efeitos deletérios da contaminação do chumbo” 57

. Se restar evidente a

impossibilidade de uma ou outra fábrica funcionar sem causar danos, a única solução seria

uma rediscussão completa da joint venture, dada a violação de bens jurídicos suprapositivos.

Diferente é caso das baterias de lítio, que realmente representam, hodiernamente, um patamar

grandioso nos negócios, com vendas anuais chegando ao décimo de bilhão de dólares (e

crescendo) 58

, com o respeito ao desenvolvimento sustentável: “logicamente, longa vida útil,

alta densidade de energia, ambientalmente seguro, baixo custo, portabilidade e confiabilidade

são requisitos exigidos pela moderna sociedade. As baterias formadas pela combinação do

metal lítio [...] como ânodo e um cátodo intercalado com lítio satisfaz, em princípio, estes

requerimentos [...]” 59

.

Some-se a isto o alerta de Ferron: “o chumbo é um material que uma vez depositado no meio

ambiente, não se desgrada” 60

. Por fim, cite-se o art. 63.2 da CADH, que justifica a atuação

provisória desta Corte: “em casos de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer

necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte, nos assuntos de que estiver

57 LEITE, G. de A. S.. Ibidem, f. 24.

58 CAMARGO, A. J.. Estudo químico-quântico ab initio e semi-empírico de compostos inorgânicos e orgânicos

com possíveis aplicações tecnológicas. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo – Instituto de Química de

São Carlos, São Carlos, 2001, f. 3.

59 Idem. Ibidem. Loc. cit.

60 FERRON, M. M. Ibidem. f. 25.

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conhecendo, poderá tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes. Se se tratar de

assuntos que ainda não estiverem submetidos ao seu conhecimento, poderá atuar a pedido da

Comissão”.

Assim como cautelar pede-se que sejam suspensas por tempo indeterminado as atividades na

fábrica de chumbo da Tamoio-Volta Baterias, para que seja conduzido um aprofundado estudo

do impacto ambiental e sanitário da produção na região, determinando as causas da

contaminação que assola a população de Rugendas e sejam tomadas as medidas de proteção

adequadas para tornar aceitáveis os índices de poluição. Concomitantemente, pede que seja

feito um relatório também referente a fábrica de lítio, mas com estudos mais aprofundados e

com a participação efetiva da população local. Face ao exposto, pede-se à Corte IDH que: a)

Declare a responsabilização internacional do Estado de Tamoio pelas violações aos artigos 4º,

5º, 8º, 13 e 25 da CADH; b) Diante das patentes violações aos direitos da população de

Rugendas, que seja concedida uma indenização adequada a cada uma das crianças e adultos

atingidos pela contaminação e a suas famílias; c) A concessão da medida cautelar envolvendo

a fábrica de chumbo da joint venture Tamoio-Volta Baterias, para que sejam suspensas por

tempo indeterminado as atividades na fábrica e realizados os estudos e medidas protetivas

adequadas; d) Ad cautelam, mesmo com o funcionamento da fábrica de lítio, sejam feitos

estudos de mesma profundidade sobre esta, os quais devem se realizar separadamente.