vacina células dendríticas

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~ ~ Acorrida à vacina alemã Há cada vez mais portugueses a procurar um tratamento experimental do cancro: a vacina de células dendríticas. Tão complexa quanto polémica, apenas se realiza a título privado, em clínicas germânicas. Já foi aplicada em mais de 300 doentes de todo o País e muitos mais manifestaram interesse em seguir-lhes o exemplo - mas nem todos têm os 25 mil a 50 mil euros necessários para comprar esta dose de esperança POR PATRíCIA FONSECA TEXTO GONÇALO ROSA DA SILVA FOTOS, NA ALEMANH,f\ médica observou o exa- me radiológico de Ma- nuel Femandes e os seus olhos ficaram rasos de água. Femanda, mulher do paciente, interpretou a emoção da doutora como um mau pres- ságio: «Ai, é desta que o meu homem se vai.» Há menos de um ano, tinha-lhe sido diagnosticado um carcinoma no estôma- go, já com metástases no fígado. «Tem três a quatro meses de vida...», dissera um oncologista a Femanda, longe dos ouvidos do dono do talho de Landim (Famalicão). Mas, agora, no hospital de Guimarães, as notícias eram de outra estirpe. «Se não visse, não acreditava», confessou final- mente a médica a uma Femanda à beira de um ataque de nervos. «Desapareceu tudo! O seu marido já não tem nada no fígado!» Naquele dia, na primeira semana de ja- neiro deste ano, houve abraços e lágrimas de alegria entre médicos, enfermeiros e o casal Femandes. «Tomámo-nos numa fa- mília, são de uma dedicação excecional», não se cansa de repetir Femanda. Mas, como todos sabiam, aquele exame iria ser mostrado a outro médico, no estrangeiro. a semana seguinte, o casal rasgou as ruas cobertas de neve e correu para o Medical Center Cologne, na Alemanha, para dar a notícia ao clínico que ali os acompanha, o tunisino Montassar Cherif. Uma vez mais, correram lágrimas boas: quatro meses de- pois de ter iniciado tratamento naquele centro, Manuel Femandes apresenta um quadro de remissão total da doença. Um milagre semelhante acontecera, meses antes, a um homem da freguesia 72 VISÃO 7 DE FEVEREIRO DE 2013 Os passos do tratamento 10 doente começa por retirar sangue, sendo submetido a uma leucoferese: um métoâo de remoção rápida de glóbulos brancos, para isolar as células dendríticas do paciente 2 Depois da recolha destas células do sistema imunitário, elas são idealmente expostas, em laboratório, ao tumor retirado do paciente, para q e aprendam a reconhecê-lo 3 As células dendríticas são multiplicadas e depois reintroduzidas no paciente~na-vacina. Já instruídas, patrulham o organismo, em busca de células tumorais 4 São realizadas 4 a 6 vacinas, com um mês de intervalo. Na maioria dos casos, são aconselhados reforços anuais. Sem contraindicações, depois da toma é usual haver febre, por 24 horas 5 Em paralelo à vacina, alguns doentes realizam sessões de hipertermia (calor até 6@~G}, sobretudo incidindo sobre metástases. Em média, são necessárias 14 a 21 sessões, com intervalos semanais 6 Alguns pacientes recebem também infusões de vitaminas (C, 812). plantas (visco branco) e minerais (selénio). e fazem ozonoterapia (para melhorar a oxigenação) 7 Estas clínicas recebem doentes de odo o mundo. A maioria são nerte=amerlcanost árabes, holandeses e portugueses vizinha de Joane e a notícia chegou a Lan- dim pela boca de um médico amigo. Foi a seu conselho que enviaram os exames para Colónia e, em poucos dias, a família reunia os 50 mil euros solicitados para o tratamento experimental. «Costumo dizer que vou meter gasolina de avião», brinca Manuel Femandes, explicando que agora, aos 48 anos, se sente com energia para fazer «muitos anos de estrada». No gabinete onde surpreende o médi- co turco Yadigar Genc, para lhe entregar um cachecol do FC Porto, Manuel rece- berá, dias depois, a quinta de seis doses da vacina de células dendríticas - a peça central desta terapia que, na Europa, só está disponível a pedido na Alemanha. É, por agora, uma técnica controversa, que, no entender de Fátima Cardoso, do Colégio de Oncologia da Ordem dos Mé- dicos, «apesar de promissora, não está desenvolvida ao ponto de poder chegar aos doentes». Os médicos alemães dis- cordam e a lei germâníca permite o aces- so a tratamentos experimentais deste tipo, desde que os doentes os aceitem e os especialistas não tenham intuitos puramente lucrativos - segundo Robert Gorter, diretor de uma das clínicas que atraem mais portugueses, em Colónia, a legislação apenas admite «uma margem de cinco por cento». O preço elevado, diz, deve-se, exclusivamente, aos custos laboratoriais. «Existe um reagente que custa 8 mil euros por mililitro», exem- plifica, lembrando que «há quimiotera- pias em Portugal que ficam pelo dobro do preço». Contudo, a conta do hospital não é apresentada aos doentes, ~

Transcript of vacina células dendríticas

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Acorridaàvacina alemã

Há cada vez mais portugueses a procurar um tratamento experimental do cancro:a vacina de células dendríticas. Tão complexa quanto polémica, apenas se realiza a títuloprivado, em clínicas germânicas. Já foi aplicada em mais de 300 doentes de todo o País emuitos mais manifestaram interesse em seguir-lhes o exemplo - mas nem todos têm os

25 mil a 50 mil euros necessários para comprar esta dose de esperançaPOR PATRíCIA FONSECA TEXTO GONÇALO ROSA DA SILVA FOTOS, NA ALEMANH,f\

médica observou o exa-me radiológico de Ma-nuel Femandes e os seusolhos ficaram rasos deágua. Femanda, mulherdo paciente, interpretou

a emoção da doutora como um mau pres-ságio: «Ai, é desta que o meu homem sevai.» Há menos de um ano, tinha-lhe sidodiagnosticado um carcinoma no estôma-go, já com metástases no fígado. «Temtrês a quatro meses de vida ...», dissera umoncologista a Femanda, longe dos ouvidosdo dono do talho de Landim (Famalicão).Mas, agora, no hospital de Guimarães, asnotícias eram de outra estirpe. «Se nãovisse, não acreditava», confessou final-mente a médica a uma Femanda à beira deum ataque de nervos. «Desapareceu tudo!O seu marido já não tem nada no fígado!»

Naquele dia, na primeira semana de ja-neiro deste ano, houve abraços e lágrimasde alegria entre médicos, enfermeiros e ocasal Femandes. «Tomámo-nos numa fa-mília, são de uma dedicação excecional»,não se cansa de repetir Femanda. Mas,como todos sabiam, aquele exame iria sermostrado a outro médico, no estrangeiro.

a semana seguinte, o casal rasgou as ruascobertas de neve e correu para o MedicalCenter Cologne, na Alemanha, para dar anotícia ao clínico que ali os acompanha, otunisino Montassar Cherif. Uma vez mais,correram lágrimas boas: quatro meses de-pois de ter iniciado tratamento naquelecentro, Manuel Femandes apresenta umquadro de remissão total da doença.

Um milagre semelhante acontecera,meses antes, a um homem da freguesia

72 VISÃO 7 DE FEVEREIRO DE 2013

Os passosdo tratamento

10 doente começa por retirar sangue,sendo submetido a uma leucoferese:um métoâo de remoção rápida deglóbulos brancos, para isolar as célulasdendríticas do paciente

2 Depois da recolha destas célulasdo sistema imunitário, elas sãoidealmente expostas, em laboratório,ao tumor retirado do paciente, paraq e aprendam a reconhecê-lo

3 As células dendríticas sãomultiplicadas e depois reintroduzidasno paciente~na-vacina. Já instruídas,patrulham o organismo, em busca decélulas tumorais

4 São realizadas 4 a 6 vacinas, com ummês de intervalo. Na maioria dos casos,são aconselhados reforços anuais. Semcontraindicações, depois da toma éusual haver febre, por 24 horas

5 Em paralelo à vacina, alguns doentesrealizam sessões de hipertermia (caloraté 6@~G}, sobretudo incidindo sobremetástases. Em média, são necessárias14 a 21 sessões, com intervalos semanais

6 Alguns pacientes recebem tambéminfusões de vitaminas (C, 812).plantas (visco branco) e minerais(selénio). e fazem ozonoterapia (paramelhorar a oxigenação)

7 Estas clínicas recebem doentesde odo o mundo. A maioriasão nerte=amerlcanost árabes,holandeses e portugueses

vizinha de Joane e a notícia chegou a Lan-dim pela boca de um médico amigo. Foia seu conselho que enviaram os examespara Colónia e, em poucos dias, a famíliareunia os 50 mil euros solicitados parao tratamento experimental. «Costumodizer que vou meter gasolina de avião»,brinca Manuel Femandes, explicando queagora, aos 48 anos, se sente com energiapara fazer «muitos anos de estrada».

No gabinete onde surpreende o médi-co turco Yadigar Genc, para lhe entregarum cachecol do FC Porto, Manuel rece-berá, dias depois, a quinta de seis dosesda vacina de células dendríticas - a peçacentral desta terapia que, na Europa, sóestá disponível a pedido na Alemanha.É, por agora, uma técnica controversa,que, no entender de Fátima Cardoso, doColégio de Oncologia da Ordem dos Mé-dicos, «apesar de promissora, não estádesenvolvida ao ponto de poder chegaraos doentes». Os médicos alemães dis-cordam e a lei germâníca permite o aces-so a tratamentos experimentais destetipo, desde que os doentes os aceiteme os especialistas não tenham intuitospuramente lucrativos - segundo RobertGorter, diretor de uma das clínicas queatraem mais portugueses, em Colónia, alegislação apenas admite «uma margemde cinco por cento». O preço elevado,diz, deve-se, exclusivamente, aos custoslaboratoriais. «Existe um reagente quecusta 8 mil euros por mililitro», exem-plifica, lembrando que «há quimiotera-pias em Portugal que ficam pelo dobrodo preço». Contudo, a conta do hospitalnão é apresentada aos doentes, ~

) PACIENTE

Fátima Galamba58 ANOS, ARTISTA PLÁSTICA· VIVEEMMÁLAGA

" ) DIAGNÓSTICO -,

Cancro de mama, em 2002, Tumorremovido cirurgicamente, tratamentosde quimioterapia e radioterapia, Em2006, o cancro voltou: grau IV, commetástases ósseas

PROGNÓSTICO

Em 2006, o oncologista que a seguiaaconselhou quimioterapia paliativa,lamentando não haver muito mais a fazer

RESULTADOS OBTIDOS NA ALEMANHA

Iniciou, há sete anos, um tratamentocombinado de vacina de célulasdendríticas e hipertermia. As suasmetástases calcificaram e os examesindicam remissão total da doença

HIPERTERMIA A pacienteportuguesa no iníciode uma longa sessão,numa câmara a 60°C

~ Esta vacina estará também apenas dis-ponível na Alemanha porque foi ali quetodas as pesquisas se iniciaram. Primeiro,o mecanismo de ação destas células es-pecíficas do sistema imunitário (com umpapel crucial na ativação dos linfócitos- T,responsáveis pelo combate aos tumores)foi descoberto por Ralph Steinman, em1973. Em 2011, o seu trabalho seria reco-nhecido com o Nobel da Medicina, pelocontributo para o avanço da imunotera-pia, que está a abrir um mundo de possi-bilidades na luta contra o cancro. Antes,em 1984, uma equipa da Universidade deGottingen, liderada pelo cientista HinrichPeters, criara a técnica laboratorial que

PACIENTE

Manuel Jorge67 ANOS, EMPRESÁRIO' SINTRA

DIAGNÓSTICO

Carcinoma raro num pulmão, com me-tástases em vários órgãos, em 2012, Fezquimioterapia e iniciará, em breve, fárma-cos de última geração, com acompanha-mento na Fundação Champalimaud

PROGNÓSTICO

Possibilidades muito reduzidas deregressão da doença

I) RESULTADOS OBTIDOS NA ALEMANHA

Diminuição de todas as metástases,visível num exame PET, após quatro deseis tratamentos

Como funciona a vacina tumoralAs células dendríticas, que todos temos no nosso sistema imunitário, são multiplicadasem laboratório e instruídas, especificamente, para combaterem as células cancerígenas

1 CÉLULACANCERíGENA

ou

VíRUS DE .NEWCASTLE

2a

permite a multiplicação de monócitos dascélulas dendríticas, para desenvolver avacina. O médico Thomas Nesselhut fezparte desse grupo e vem aperfeiçoandoa técnica há 30 anos, disponibilizando-a,desde 1999, em Duderstadt, no Institutfur Thumoterapy, que fundou - e onde Pe-ters, já jubilado, permanece como consul-tor. Robert Gorter, de origem holandesa,abriu o seu centro médico há dez anos,embora tenha desenhado um protocolodiferente, combinando várias terapias apartir da pesquisa que fez para recuperar,ele próprio, de um cancro na próstata.

Os estudos já realizados com vacinasde células dendríticas demonstram evolu-

2b

CITOCINA*

ANTlGÉNIODO TUMOR

VíRUS DE~ NEWCASTLE~

Oantígénlo cio tumor liga-se a umacitocina ti Ovírus de Newcastle tem uma dupla fUflção:e, por manipulação laboratorial.a célula estimula a produção de células dendriticas,dendrítica incorpora-a, fican:doa saber como que~eagémà invasão daquele agressor, ~,

ter as células cancerígenà's mas ataca, também, as céllÍl~;~çe~ígéna~_

"-- _CenIe<CoIogne (Alemanha); Institui fürTumortherapie (Alemanha) * Proteína que regula a resposta inflamatória e imunitária

As células dei O iic:as do paciente são expostas,em a tma amostra do tumor 00, na suataíta,ao vírus de. d" (Quesó ateta aves)

OU

) PACIENTE

Anabela Domingos42 ANOS, DOMÉSTICA· LISBOA

I) DIAGNÓSTICO

Cancro de mama, em 2005. Cirurgia,quimioterapia, radioterapia e horrnono-terapia durante 5 anos. Seis anos depoisdo primeiro pesadelo, surgiu um outrotipo de cancro, no mesmo peito. Realizoumastectomia e iniciou nova quimioterapia

I) PROGNÓSTICO

Como não suportou o tipo dequimioterapia proposto para tratamentodo segundo cancro, as possibilidades desucesso diminuíram

I) RESULTADOS OBTIDOS NA ALEMANHA

Efetuou quatro vacinas. Exames não de-tectam metástases e Thomas Nesselhutconfia que terá recuperado totalmente

3 4CÉLULA DENDRíTlCA

EM PROCESSO DE MATURAÇÃO

) PACIENTE

Paulo Herequechand32 ANOS, DESIGNER E PRODUTOR DE EVENTOSQUARTEIRA

I) DIAGNÓSTICO

Adenocarcinoma no estômago, em 2012.Tratamento de quimioterapia

PROGNÓSTICO

O médico explicou-lhe que teria apenas5% de hipóteses de sobreviver

RESULTADOS OBTIDOS NA ALEMANHA

Acabou de chegar a Colónia, onde ficarános próximos meses, em tratamento

ções positivas, nomeadamente nos casosdos chamados tumores sólidos, Apesar dootimisto dos cientistas - aAnnals of Onco-logy, revista oficial da Sociedade Europeiade Oncologia, dedicou uma edição com-pleta ao tema, em 2012 -, é difícil avançarpara a realização de ensaios clínicos por-que, dizem, sem existir uma molécula quepossa ser registada, replicada, embalada edistribuída em larga escala, as farmacêuti-cas não demonstram interesse em patro-ciná-los. E os ensaios são fundamentaispara definir protocolos de aplicação.

Esta vacina baseia-se num processo in-dividualizado, feito com as próprias cé-lulas do paciente. A técnica laboratorial écomplexa, muito cara e, por força da lei,sem potencial lucrativo. Por isso se man-tém, para já, disponível para poucas pes-soas - aquelas com meios para a pagar.

o MÉDICO OTIMISTANo salão térreo que domina a modernaclínica de Colónia, ecoam as gargalhadasde Fátima Galamba, 58 anos, que desce asescadarias de braço dado com o diretor.Todos param para vê-los: ela muito mo-rena e bem maquilhada, de vestido ver-de-esmeralda e joias douradas, ele muitolouro, num impecável fato azul, com laci-nho (sua imagem de marca), ajeitando osóculos redondos. Parecem ter saído de umfilme da época dourada de Hollywood. ~

6 NaAlemanha, a vacinação tumoral é frequentemente acompanhadade sessões de hipertermia, induzindo um estado febril no doente

5• •

CÉLULA,CANCERIGENA

CÉLULACANCERíGENA

~NFÓCITO T __ ---to. DEATAQUE •• •

CÉLULAST ••• • •As células dendrfticas multiplíõam-se ... pátrulhlindoo corpo em busca Os linfócitos T «matam» as células cancerígenas,em laboratóriQ""duranteuma semana de c~lulas cancerígênas. Caso incluindo as que possam ter migrado para outros órgãos,e sãoilljetààas denQYo no. aciente.... as encontrem, ativam os lintócitos- T impedindo o desenvolvimento de metástases_~=~.._.==_=,,- __ ~~ ,,"~ • -z__ • =_~di.."_==.== _

1ONDAS DE CALOR

JA PARTIR DOS 39°C. AS CÉLULAS CANCERíGENASENTRAM EM NECROSE... E MORREM

••

•:..,.:.. .• •• •... '

• CELULA T• ATlVA

••••••••• •• •

•."

•INFOGRAFIA VISÃO

7 DE FEVEREIRO DE 2013 VISÃO 75

J PACIENTE -,Lígia Borbinha35 ANOS, ADVOGADA • LISBOA

DIAGNÓSTICO

Cancro de mama, em 2009. Cirurgia,indução de menopausa, quimioterapiae radioterapia. Em 2011, foram-lhedescobertas metástases em todo ocorpo

~ PROGNÓSTICO -,

Quimioterapia paliativa, para tentarganhar mais alguns meses de vida

~ RESULTADOS OBTIDOS NA ALEMANHA

Realizou a primeira vacina em setembrode 2012, tendo recebido uma por mêsdesde então (serão 6, no total). Sentemelhoras a nível das dores; conheceráresultados nos próximos meses

~ Fátima é portuguesa e uma verdadeiraestrela no Medical Center Cologne, ondetem honras de ocupar a suíte presidencial,reservada a clientes especiais. É um doscasos de sucesso de Gorter, estando hásete anos sem sinais do cancro de mamaque ameaçava a sua vida. «Se tudo correrbem, é a última vez que cá venho», alegra-se, dando palmadinhas na mão do médi-co. Depois das seis vacinas realizadas em2006, Fátima efetuou reforços anuais,fazendo, em complemento, tratamentosde hipertermia. As metástases que tinhanas costelas regrediram, no primeiro ano,e, ao segundo, desapareceram de vez. «ooncologista que me seguia em Espanha[onde vive] olhava-me com pena, pensan-do a cada consulta que seria a última vezque me via ... Quando cheguei aqui, senti

76 VISÃO 7 DE FEVEREIRO DE 2013

) PACIENTE

Silvino Alpuim16 ANOS, ESTUDANTE· VIANA DO CASTELO

I) DIAGNÓSTICO

Sarcoma de Ewing na bacia, em 2012.Tratamentos de quimioterapia eradioterapia

) PROGNÓSTICO

Na estatística desta doença, aexpectativa de sobrevida, a 5 anos,apenas abrange 30% dos casos

RESULTADOS OBTIDOS NA ALEMANHA

Só em março terá dados concretos. Parajá, as suas dores diminuíram muito e amobilidade aumentou. No mês passado,voltou a conseguir correr

DIÁLOGO A médica croata Daniela Hudi explica a Lígia os próximos passos da terapia

logo outra energia: o dr. Gorter é um oti-mista e fez-me acreditar que ainda cele-braremos juntos os nossos 88 anos!»

Apostura do holandês tem-lhe valido ascríticas de outros médicos, que o acusamde dar falsas esperanças aos pacientes. Eleignora as acusações: «Apesar de 96% dosdoentes chegarem aqui em estado termi-nal, os meus resultados falam por mim.»E falam, de facto - pelo menos entre aque-les que se veem sugados para o buraco ne-gro da doença e buscam desesperadamen-te uma luz. Tal como o caso de Joane levouo talhante de Landim a voar para Colónia,foi o sucesso de Fátima Galamba a conven-cer Lígia Borbinha, de 35anos, a meter-senum avião. À semelhança daquela artistaplástica, Lígia tem cancro de mama commetástases - embora com um grau de dis-

seminação superior. É a sua quarta visitaa Colónia e, para já, os resultados não sãoanimadores. Ela tenta manter o espíritopositivo, encarando os tratamentos comum sorriso. Suporta o peso da máquinade hipertermia sobre as costelas porqueum pouco mais acima, à esquerda, tem umpeso ainda maior: o seu coração sofre coma ideia de não ver crescer o filho, Ruben,de sete anos. A um canto, a mãe de Lígiapartilha a dor. Quer sorrir, mas as lágrimasvencem-na por knock auto

Apesar de já não ter meios para pagara fase final do tratamento (decorre umacampanha de angariação de fundos noFacebook), a clínica permitiu que pros-seguisse o protocolo, com a promessa deque o dinheiro chegaria assim que possí-vel. A advogada já gastou cerca de 50 mil ~

Foi com a história de Safira,revelada numa GrandeReportagem SIC/VISÃO, emoutubro de 2011, que muitosportugueses ouviram falar,pela primeira vez, da vacinade células dendríticas. A suafamília recusou os trata-mentos de quimioterapia,após uma cirurgia pararemoção de um agressivotumor renal, mesmo depoisde uma ordem do tribunalobrigar a aceitá-los. Os paisdesta menina, diagnosticadacom um tumor de Wilms,aos 4 anos, não aceitavamas fracas perspetivas desobrevivência da filha. Que-riam encontrar uma cura ecorreram o mundo em buscade soluções alternativasmenos tóxicas, resolvendoapostar neste tratamentoexperimental. Por conselhodo médico britânico JulianKenyon, viajaram paraDuderstadt, na Alemanha,

Safira mantém-se saudável

ALEGRIA Os caracóis de Safira já voltaram a crescer

onde Safira recebeu quatrodoses de vacina, desenvolvidacom recurso a uma amostrado tumor retirado do seu rim.A menina voltou para umavacina de reforço, em 2012,e, em março deste ano, fará aúltima toma. O médico Thomas

Nesselhut está convicto de que«irá manter-se em remissão,livre da doença». Safira temagora 7 anos e, até ao momen-to, os exames indicam que estásaudável. A sua família criou,entretanto, a associação Proje-to Safira, sob o lema «cidadania

ativa pelo acesso a escolhaslivres e informadas na preven-ção e tratamento do cancro».A sua grande aposta é divulgara importância da alimentaçãona prevenção do cancro, bemcomo prestar apoio a doentesque procurem uma segundaopinião, ajudando-os tambéma ter acesso a tratamentosexperimentais, como a vacinade células dendríticas. Para tal,acaba de estabelecer um proto-colo com clínicas alemãs, paradescontos nos tratamentos.Quanto a Safira, o que lhereserva o futuro, ninguém sabe.Mas ela agora já ousa imaginá-lo. Há dias, acompanhando opai, Gabriel, num concerto demúsica clássica, ficou fixada nopapel do maestro: «É isto quequero ser quando for grande!»O pai achou graça: «Afinal. foisempre a sua batuta a conduziro nosso Andamento, desde oinício. E ainda hoje ... mas agoracada vez mais em Allegro!»

~wwa~ euros (entre tratamentos, viagens e esta-

da), mas no mês passado deixou para trásuma dívida superior a seis mil euros.

Lígia Borbinha, que protagonizou casosmediáticos, como a defesa do assaltantede bancos EI Solitário, foi aconselhadapelo oncologista que a segue em Portugala «aproveitar o tempo que tem» para estarcom o filho. Ela engole a emoção e pousaos olhos nas seringas de sangue que a mé-dica croata Daniela Hudi lhe vai retirando,para a elaboração de uma vacina: «Aindanão estou preparada para desistir.»

'EU DECIDO!'O dia 12 de julho de 2011 devia ser felizpara Anabela Domingos. A data marcavao aniversário do seu casamento, mas elateve de honrar outro compromisso: ini-ciar quimioterapia no IPO de Lisboa, paratentar debelar o segundo cancro que selhe atravessou na vida. «Quando ouvimosdizer que temos cancro, queremos é ficar

. bem ... acabamos por aceitar o que nos vãoimpondo, porque, supostamente, é tudoo que há! Mas quando descobri que haviaeste tratamento, nem hesitei, marqueilogo consulta com o dr. Nesselhut. Da pri-meira vez fiz o que me mandaram e volteia ficar doente. Agora, quero pensar quetomei alguma decisão.»

Chegou à pequena vila de Duderstadtem janeiro de 2012. Ao contrário da mo-derna clínica de Colónia, o consultório deNesselhut é modesto, num prédio anti-go. Anabela ficou em casa de uma prima, auma hora de carro, tendo recebido quatrodoses da vacina, entre janeiro e maio. Pa-gou cerca de 20 mil euros pela terapia. De-pois, teve «alta» de Nesselhut. «Disse-meque, em casos como o meu, tem pacientesque estão bem há 12 anos.»

Muitos médicos ficam descansados «fa-zendo apenas o clássico», nota Nuno Gil,S3 anos, oncologista na Fundação Cham-palimaud, que combina a prática clínicacom a investigação. Ali, o médico diz sen-tir «a obrigação de pensar diferente». Por

, Estou convicta deque este tratamentonão tem credibilidadecientífica, as pessoasestão a ser enganadas'Fátima Cardoso, do Colégio de Oncologiada Ordem dos Médicos

78 VISÃO 7 DE FEVEREIRO DE 2013

) PACIENTE

Manuel Fernandes48 ANOS, EMPRESÁRIO· FAMAUCÃO

~ DIAGNÓSTICO -,

Cancro no estômago, grau IV, commetástases no fígado, em 2012,Tratamento de quimioterapia

~ PROGNÓSTICO

O oncologista deu-lhe três a quatromeses de vida

') RESULTADOS OBTIDOS NA ALEMANHA

Acaba de receber a 5,a vacina. Os examesque realizou em Portugal indicamremissão total da doença

isso, não condena os seus pacientes querecorreram também aos tratamentos naAlemanha - acompanhou três casos, nosúltimos meses. «Asguidelinestêm o méritoda segurança, mas podem ser injustas paraa pessoa em concreto que está à minhafrente, com olhos suplicantes», conside-ra. «Temo que atualmente nos deixemosaprisionar pela 'ditadura da mediana'»,continua Nuno Gil. «Ou seja, os protoco-los baseiam-se na verdade produzida pelamediana estatística, ignorando os casosextremos, os dos desvios-padrão, em queos resultados podem ser muito melhoresou muito piores do que a mediana. E a ver-dade é que os doentes não querem estarna mediana, que lhes dá perspetivas me-díocres. Querem - e legitimamente - ser ocaso raro, o milagre.»

Sobre a vacina, acredita que «possamverificar-se melhores resultados quandoé preparada com exposição ao lisado dotumor do doente», em vez da estimulaçãopelo vírus de Newcastle (ver infografia).Mas são raros os pacientes que podem fa-cultar uma amostra do tumor: ou porquese trata de casos inoperáveis ou porque assuas biopsias estão conservadas em for-

DESCONTRAÇÃOO médico turcoVadigar Gencrecebe de Manuelum presenteespecial: umcachecol do FCPorto, li seu clubedo coração

mol, quando o ideal seria que permane-cessem no frio. Para a oncologista FátimaCardoso, do Colégio da Especialidade daOrdem dos Médicos, esse «pormenor» faztoda a diferença. «A vacina de células den-dríticas é, em teoria, muito válida. Mastem de haver uma exposição ao antigéniodo tumor, o que estas clínicas não estãoa fazer.» A médica conhece «dezenas depessoas» que foram à Alemanha e, ao lon-go do último ano, mudou a sua opiniãosobre o tratamento. «A princípio dava obenefício da dúvida - eu própria fiz inves-tigação com células dendríticas naBélgi-ca, há lS anos. Não conhecia contraindi-cações e, por isso, não desaconselhava dea fazerem complementarmente», explica.«Entretanto, comecei a ver casos gravesde diminuição de glóbulos brancos. Hojeestou convicta de que o tratamento nãotem credibilidade científica, as pessoas es-tão a ser enganadas.»

Como explicar, então, casos de sucessocomo o de Fátima Galamba, em remissãohá sete anos? A pergunta permanece, parajá, sem resposta cientificamente validada.Mas Nuno Gil atreve-se a juntar outra:«Será que estes tratamentos são eficazesdevido a um efeito placebo? Mesmo queassim seja, ainda bem! Os médicos deviamter mais esse efeito nos doentes, dar-lhesmais esperança», considera o oncologista.«Quando ouvem a palavra 'cancro', os pa-cientes já sabem que vem aí uma tempes-tade. Não precisam de ouvir que vão ficarmolhados ...», diz. «Se o Mourinho trei-nasse o Sacavenense e fosse jogar contrao Barcelona, entrava em campo derrota-do?», questiona, deixando no ar a respos-ta óbvia. Nuno Gil não nega que este serásempre um jogo difícil mas, até ao apitofinal, só vê uma tática possível: há que en-cher o peito e desafiar as probabilidades. E!J