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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA RELIGIÃO Valmir Rocha Santos POLÊMICA RELIGIOSA E DEFESA DOUTRINÁRIA NO DISCURSO DE ASHBEL GREEN SIMONTON São Paulo 2013

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CENTRO DE EDUCAÇÃO, FILOSOFIA E TEOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA RELIGIÃO

Valmir Rocha Santos

POLÊMICA RELIGIOSA E

DEFESA DOUTRINÁRIA NO DISCURSO DE ASHBEL GREEN SIMONTON

São Paulo

2013

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VALMIR ROCHA SANTOS

POLÊMICA RELIGIOSA E

DEFESA DOUTRINÁRIA NO DISCURSO DE ASHBEL GREEN SIMONTON

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Ciências da

Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para

a obtenção do título de Mestre em

Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigues Franklin de Sousa.

São Paulo

2013

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VALMIR ROCHA SANTOS

POLÊMICA RELIGIOSA E

DEFESA DOUTRINÁRIA NO DISCURSO DE ASHBEL GREEN SIMONTON

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa

Aprovado em ___ / ___ / ___

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa

Universidade Presbiteriana Mackenzie

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa

Universidade Presbiteriana Mackenzie

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos

UMSP - Universidade Metodista de São Paulo

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DEDICATÓRIA

À minha amada esposa Ester Roseli, à minha

querida mãe Flocari, aos meus irmãos, aos

meus sogros Elias e Regina, e à nossa

pequena Alice que vai chegar eu dedico este

trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu Deus, o Mestre por excelência, Senhor de todo o conhecimento e

sabedoria que me concedeu o privilégio e a capacidade para a realização deste

trabalho.

À minha família querida, minha esposa dedicada e companheira fiel em todas as

horas e também nas horas em que privou seu sono por minha causa.

À Igreja Presbiteriana de Diadema e aos seus presbíteros pelo seu apoio nos

meus estudos.

Aos meus colegas do curso de Pós-Graduação, pela pronta colaboração e

amizade sincera.

Aos meus professores que muito me auxiliaram neste período de estudos e na

realização desta dissertação.

A todos que de alguma forma contribuíram para o sucesso da conclusão deste

mestrado, muito obrigado.

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SANTOS, Valmir Rocha. Polêmica religiosa e defesa doutrinária no discurso de

Ashbel Green Simonton. São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Dissertação para obtenção do título de Mestre em Ciências da Religião.

RESUMO

Este texto busca verificar como Simonton aplica sua dialética do discurso

no campo religioso brasileiro, com o objetivo de conquistar adeptos para o

protestantismo e também saber como é desenvolvida a possível polêmica

anticatólica e a autoafirmação doutrinária no campo religioso brasileiro.

Considerando que o missionário Ashbel Green Simonton é protestante de origem

americana e vem para o Brasil Império, no período de 1859 a 1867, quando o

catolicismo tem o domínio no campo religioso. Portanto, o objetivo é verificar

como se desenvolve a polêmica religiosa anticatólica e a sua defesa doutrinária.

Este estudo tem como objeto de estudo os sermões de Simonton, catalogados

em Sermões Escolhidos de Simonton, edição comemorativa dos 150 anos do

Presbiterianismo no Brasil 1859-2009 da editora Cultura Cristã. A seleção dos

sermões, realizada pelo autor desta dissertação, contempla a importância e

relevância de cada sermão selecionado para o tema em estudo.

Palavras-chave: discurso, religião, catolicismo, protestantismo e doutrina.

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SANTOS, Valmir Rocha. Polêmica religiosa e defesa doutrinária no discurso de

Ashbel Green Simonton. São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Dissertation to obtain the title of Master of Science of Religion.

ABSTRACT

This text verify to ascertain how Simonton applies his dialectical discourse in

Brazilian religious field, in order to win converts to Protestantism, and also know

how developed the possible anti-Catholic polemic and doctrinal selfassertion in

the Brazilian religious field. Considering the missionary Ashbel Green Simonton

is Protestant American origin and comes to the Empire of Brazil, in the period

from 1859 to 1867, when Catholicism is in the religious domain. Therefore, the

objective is to see how it develops the religious polemic anti-Catholic and its

defense doctrine. This study aims to study the sermons of Simonton, cataloged

in Sermons Chosen Simonton, commemorative edition of 150 years of

Presbyterianism in Brazil from 1859 to 2009 editor of Christian Culture. A

selection of sermons, performed by the author of this paper include the

importance and relevance of each sermon theme selected for the study.

Keywords: speech, religion, Catholicism, Protestantism, and doctrine.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO - .............................................................................................. 11

CAPÍTULO I - .................................................................................................. 20

O Papel Antagônico do Discurso Religioso e Sua Importância Como

Elemento de Comunicação Social ............................................................... 20

1.1 – O Papel de Denúncia e Condenação do Outro pela Conquita de

Adeptos e Sua Autoafirnação ............................................................ 20

1.2 – A Importância do Discurso Como Elemento de Comunicação

Social .................................................................................................... 27

CAPÍTULO II - ................................................................................................. 31

O Discursor: Sua Origem e Formação Religiosa ........................................ 31

2.1 - Da Sua Origem na Pátria Amada ................................................ 32

2.2 - Da Sua Formação Religioa .......................................................... 34

2.3 - Da Sua Vocação para o Sagrado Ministério .............................. 37

2.3.1 - Da Sua Formação Acadêmica ....................................... 37

2.3.2 - Das Suas Experiências Profissionais .......................... 38

2.3.3 - Da Sua Posição Quanto à Escravidão .......................... 41

2.3.4 - Da influência dos Seus Pais ......................................... 43

2.3.5 - Da Sua Decisão Pelo Sagrado Ministério .................... 51

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2.4 - O Seminário de Princeton ............................................... 56

CAPÍTULO III - ................................................................................................ 60

Polêmica Anticatólica no Discurso de Simonton........................................ 60

3.1 - O Discurso, a Consciência e a Influência dos Grupos Sociais

................................................................................................... ............ 60

3.2 - O Papel Crítico do Discurso no Campo Religioso................... 62

3.3 - Cautela e Discrição no Discurso de Simonton ........................ 65

3.4 - Elementos de Polêmica Anticatólica no Discurso de Simonton

............................................................................................................... 66

3.4.1 - A Religião da Maioria Gera uma Falsa Segurança ............... 67

3.4.1.1 - O Culto Exterior .................................................................... 68

a - Dos Santos e Intercessores................................................ 69

b - Das Obras Meritórias........................................................... 74

c - Do Batismo .......................................................................... 79

3.4.1.2 - Da Falta de Piedade .............................................................. 80

a - Da falta de Conhecimento Bíblico ..................................... 82

3.4.2 - Da Conclusão ........................................................................... 88

CAPÍTULO IV - ................................................................................................ 93

Autoafirmação e Superioridade Doutrinária no Discurso de Simonton ... 93

4.1 - Do Contexto do Catolicismo Brasileiro..................................... 95

4.2 - Sinais Constituintes da Autoafirmação e Superioridade Doutrinária de Simonton .................................................................... 96

4.2.1 - Do Ministro de Deus ................................................................ 96

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4.2.2 - Da Escritura Sagrada .............................................................. 96

4.2.3 - Do Ser Verdadeiro Cristão ...................................................... 99

4.2.4 - Do Correto Viver Cristão ....................................................... 103

4.2.5 - Da Verdadeira Doutrina ......................................................... 105

4.2.6 - Do Correto Entendimento da Doutrina do Batismo .............105

4.2.7 - Do Correto Entendimento da Doutrina da Verdadeira Fé

.............................................................................................................. 106

4.2.8 - Da Doutrina da Correta Celebração da Ceia......................... 108

4.2.9 - Do Correto Entendimento do Uso dos Meios de Graça ...... 111

4.2.10 - Da Verdadeira Religião......................................................... 112

4.2.11 - Do Verdadeiro Conhecimento do Caráter de Deus ........... 116

4.2.12 - Do Livre Acesso a Deus ....................................................... 117

4.2.13 - Do Correto Entendimento do Que é a Vida Eterna ............ 118

CONSIDERAÇÕES FINAIS - ........................................................................ 120

BIBLIOGRAFIA - ........................................................................................... 123

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INTDORUÇÃO

É evidente que a polêmica religiosa anticatólica e a respectiva defesa

doutrinária do protestantismo são fatos inquestionáveis desde os primórdios em

solo brasileiro, bem como em todas as partes do mundo. Este é o cenário tem

sido apresentado através da história.

Justo L. Gonzalez relata que desde que os franceses protestantes

instalaram uma colônia permanente na baía de Guanabara, o mesmo local onde

antes estiveram os portugueses que o batizaram com o nome de Rio de Janeiro,

colônia esta, chefiada por Nicholas Durand de Villegagnon “um hábil soldado que

tinha se destacado em várias campanhas europeias” em meados do século XVI,

desde o princípio se achava em constantes conflitos com seus colonos, o que se

intensificou com a chegada dos pastores protestantes que, a pedido de

Villegagnon, foram enviados pelas autoridades genebrinas. Gonzalez afirma

ainda, de maneira mais específica, que “os católicos acusavam os protestantes

de tentar convertê-los, e estes acusavam os católicos de lhes oprimirem”.

(GONZALEZ, 1986, p. 204 e 205).

Esse conflito inicial em solo brasileiro, entre católicos e protestantes

resultou num fim desastroso e trágico como registra Gonzalez (1896, p. 205).

“Houve vários incidentes violentos. Finalmente, Villegagnon tomou o partido dos

católicos, e fez matar a cinco protestantes, e ordenou que os demais fossem

expulsos da colônia”.

Contudo, o que se pretende destacar neste texto não é simplesmente

verificar se há ou não a polêmica religiosa anticatólica no discurso do missionário

Simonton, o que é óbvio e pode ser identificado imediatamente numa primeira

leitura dos seus sermões. O objetivo deste trabalho é antes verificar como se dá

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essa polêmica religiosa nos vários discursos do referido missionário americano,

o que contribuirá para a relevância deste trabalho.

A relevância desta dissertação se constitui primeiramente pelo seu valor

histórico, considerando que o trabalho do missionário protestante em solo

brasileiro teve início com o seu desembarque na sexta-feira de 12 de agosto de

1859, às 9h30, numa manhã de sol, no porto da cidade do Rio de Janeiro,

conforme registro no Diário de Simonton (2002, p. 125).

Portanto, este evento histórico completará em agosto, próximo, 154 anos

de história, e faz do missionário Simonton um importante pioneiro na inserção do

protestantismo em território brasileiro, com a implantação da igreja presbiteriana,

contribuindo assim com a diversidade religiosa no Brasil.

Assim, após um século e meio de história do presbiterianismo em solo

brasileiro, tendo desbravado os caminhos por onde hoje transitam livremente os

protestantes, verifica-se que o contexto religioso brasileiro atual é bastante

diferente daquele que predominou até o início do século XIX, onde até então,

como afirma Boanerges Ribeiro (1973, p. 15), “não havia vestígio de

Protestantismo”.

Embora o solo brasileiro já tivesse sido pisado pelos protestantes

franceses (1555-1575), conforme data Justo Gonzalez (1986, p. 204-207) e pelos

holandeses (1630-1654), segundo Frans Leonard Schalkwijk (2004, p. 59).

Contudo, segundo Boanerges, estes não conseguiram fixar suas raízes nestas

terras.

Os indivíduos de religião protestante que por aqui passaram não deixaram traço no sistema religioso da sociedade. As tentativas,

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já distantes, de franceses e holandeses, apenas resultaram em identificação de protestante com invasor. O último huguenote foi enforcado no Rio de Janeiro, em 1567; quanto aos holandeses, seus pastores embarcaram de volta, sem deixarem no País uma igreja reformada, e os sinais de sua catequese indígena

desapareceram. (RIBEIRO, 1973, p. 15).

Ainda quanto aos franceses neste período, Frans Leonard (1989, p. 16)

diz que “no começo do reinado de Dom Sebastião de Portugal (1557-1578), o

Brasil estava enfrentando a tentativa francesa de ocupar uma gleba do

continente na região do Rio de Janeiro”. Leonard ainda lembra que haviam

huguenotes entre estes franceses e que estes conseguiram organizar uma igreja

cristã reformada na Guanabara “com o apoio do almirante de Coligny e do pastor

francês João Calvino”.

O primeiro culto reformado realizou-se a 10 de março de 1557. O líder da novel colônia, o vice-almirante de Villegaignon, expulsou, porém, os colonizadores huguenotes em janeiro de 1558, estrangulando três deles, após obrigá-los a declarar sua fé no que depois seria conhecida como a “Confissão Fluminense”, escrita

por Jean Du Bourdel. (SCHALKWIJK, 1989, p. 16).

Considerando o contexto referido acima, vale lembrar que o catolicismo

do fim dos tempos coloniais assume uma postura não combativa, pelo fato de

não haver mais nenhuma influência protestante significativa, que gerasse uma

ameaça real e, devido ao seu isolamento do mundo, fatores que contribuíram

para levar o catolicismo, nesta época, a um estado de vulnerabilidade, como

aponta Gonzalez (1992, p. 22). “O clero não era abundante, nem sempre levava

a sério seus deveres religiosos, e, constituído de elementos nacionais, envolvia-

se não raro na política”.

Gonzalez ainda destaca a pouca influência que, neste período, o

catolicismo exercia sobre o povo da colônia. “Se não ajudava a espiritualidade

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do povo, também não exercia a opressão que mais tarde veio a exercer”. Ainda

sobre isto, Gonzalez afirma que “o romanismo do século 19 não estava alerta.

Tudo era seu”. (GONZALEZ, 1992, p. 22). Esta afirmação explica o baixo nível

da prática católica entre os brasileiros.

Nesta mesma linha Sergio Buarque de Holanda referindo-se ao

catolicismo, aponta para as observações do Pe. Júlio Maria (1878-1944) que

destaca o baixo nível do catolicismo durante o império, e afirma que ele se

encontrava “reduzido a cerimônias que não edificam; a devoções que não

apuram a espiritualidade, a novenórios que não revelam fervor, a procissões que

apenas divertem festas, que não aproveitam nem dão glória a Deus”.

(HOLANDA, 2002, p. 329).

Holanda (2002, p. 328, 329) ainda afirma que apenas uma ínfima minoria

teve acesso à espiritualidade da doutrina da Igreja Católica no Brasil. “A grande

massa misturou o que há de superficial nos ensinamentos do catolicismo às

crenças dos indígenas e às importadas pelos escravos africanos, dando origem

a um sincretismo afro-católico”.

Também, segundo Justos Gonzalez (1992, p. 23), foi este mesmo

contexto político-religioso brasileiro que o médico escocês, e também

protestante, Robert R. Kalley encontrou, quatro anos antes da chegada de

Simonton. “Em 1855 viera o médico escocês, Robert R. Kalley, já perseguido na

Ilha da Madeira, onde exercera grande atividade evangelística. Kalley fundou no

Brasil a primeira Igreja de cunho missionário e de caráter estável”.

No entanto, embora houvesse o aparente ambiente favorável à instalação

do protestantismo em terras brasileiras, em meados do séc. XIX, não significa

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dizer que o catolicismo havia cedido espaço para os protestantes entrar em ação.

As atividades religiosas, pouco cautelosas, de Kalley despertaram a oposição do

clero. Gonzalez (1992, p. 23) ainda lembra que as atividades religiosas de Kalley,

“pelos cultos, pela colportagem de seus auxiliares, pela publicação de artigos e

traduções no Correio Mercantil, já despertara a atenção do clero que contestava

a legitimidade de sua propaganda”. Essa oposição, segundo Gonzalez, chegou

ao ponto de Kalley ser pressionado a deixar sua clínica.

Ele faz exame e revalidou seu diploma. O Núncio Apostólico dissera ser necessário “tapar a boca do Inglês”. Valera-se da própria legação inglesa; Kalley, porém, além da legislação do diploma, tomara pareceres, por escrito, de três grandes jurisconsultos, sobre a liberdade religiosa. Kalley alcançara vitória, dando-se o governo por satisfeito com suas explicações. (GONZALEZ, 1992, p. 23).

Concordando com a existência desta tensão religiosa, Maria Lúcia Spedo

Hilsdorf vai dizer que no tempo de Simonton, no Brasil, a propagação do

protestantismo era feita através de contatos pessoais, por agentes das

sociedades bíblicas, por protestantes estrangeiros que realizavam seus cultos

dentro dos limites dos direitos de capelania e da imunidade ao Tribunal da

Inquisição que protegiam os ingleses desde o começo do século. No entanto,

não havia igreja protestante oficializada, nem havia condições que facilitassem

as atividades protestantes estrangeiros.

Nesse sentido, as experiências do pastor Kalley, da igreja evangélica de rito escocês, e do presbiteriano Fletcher, que era agente da Sociedade Bíblica Americana e também secretário da legação Americana na Corte, podiam dar uma base de apoio para a presença de Simonton, embora ele próprio representasse uma tendência ortodoxa dentro da Igreja Presbiteriana, a Old School,

defensora das tradições calvinistas e rígida nas suas estruturas

eclesiais [...], o que talvez dificultasse os contatos. (HILSDORF, vol. 3, 2000, p. 32).

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Essa disputa no campo religioso envolvendo católicos e protestantes

gerou, naturalmente, uma tensão no contexto político brasileiro, de tal maneira

que na segunda metade do século XIX a sociedade brasileira ainda se

encontrava sob fortes tensões, especialmente no campo religioso.

Uma das dificuldades que havia era a falta de clareza quanto a liberdade

oficial para a realização de cultos protestantes em português, conforme destaca

David Gueiros Vieira (1980, p. 136), ao relatar a chegada de Simonton no Brasil

e o início da sua missão. “A questão de ser ou não legal realizarem-se cultos

protestantes em português ainda não estava claramente decidida no Brasil”.

Vieira ainda relata que embora houvesse a aparente liberdade para a

atuação do missionário americano, e ele mesmo tomando consciência desta

suposta condição favorável ao discurso protestante em solo brasileiro, porque os

jornais da época no Rio de Janeiro davam conta de relatar os insultos contra os

ultramontanos, contra a Igreja Católica e contra o Papa. Contudo, Simonton

resolveu agir com cautela. Ele lia surpreendido os periódicos cariocas.

Naquele tempo não havia ataques jornalísticos ao protestantismo, mas, por outro lado, havia uma porção de insultos contra os ultramontanos, contra a Igreja Católica e contra o papismo, como ele dizia Simonton, entretanto, não se

deixava enganar pelo liberalismo brasileiro, nem pela fraqueza aparente do catolicismo nacional. Na sua opinião, a defesa do protestantismo feita pelos políticos liberais era baseada não somente na necessidade que o país tinha de imigração, como também na sua absoluta indiferença à religião em geral. (VIEIRA, 1980, p. 137).

É digno de nota observar a perspicácia de Simonton e a conclusão que

ele chega do cenário político e religioso da sua época, conforme foi relatado por

Vieira nesta comunicação feita ao Conselho de Missões Estrangeiras pelo

próprio Simonton, sobre as condições do seu campo missionário.

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Mais adiante, nesta mesma obra, Vieira (1980, p. 137, 138) relata que o

Cônsul dos Estados Unidos, Robert S. Scott, oferece proteção a Simonton

afirmando que “protegeria qualquer cidadão americano no exercício de sua

liberdade religiosa”. E, posteriormente contando também com a aprovação do

Ministro dos Estados Unidos, Richard K. Meade sendo, porém, recomendado

pelos mesmos a ser “moderado e a não ofender a Igreja Católica”.

Apesar de toda a garantia do Ministro e do Cônsul Scott, Simonton resolveu que seria prudente ficar perto dos centros mais civilizados. O governo imperial poderia protegê-lo no Rio de Janeiro e nos grandes centros do litoral, escreveu ao Conselho da Missão, porém não se sentia seguro se fosse para o interior, onde as leis eram muitas vezes esquecidas ou ignoradas pelas autoridades locais. (VIEIRA, 1980, p. 138).

Os relatos acima nos dão uma noção da importante participação da

religião na sociedade brasileira desde o seu início, e da sua influência na geração

de conflito sociopolítico e religioso entre católicos e protestantes no século XIX.

Entretanto, o protestantismo no cenário religioso brasileiro atual, ao

contrário do século XIX, avança alargando suas fronteiras, (e eu não me refiro

ao protestantismo de missão especificamente, mas de maneira geral a todas as

vertentes do protestantismo que se instalou no Brasil) como pode ser verificado

no levantamento realizado pelo último Censo do IBGE em 2010, colaborando

inclusive com a diversidade religiosa dentro do próprio movimento protestante no

Brasil. Diversidade essa, que é destaque nos resultados apresentados no Censo

Demográfico de 2010.

A proporção de católicos seguiu a tendência de redução observada nas duas décadas anteriores, embora tenha permanecido majoritária. Em paralelo, consolidou-se o crescimento da população evangélica, que passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010. Dos que se declararam evangélicos,

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60,0% eram de origem pentecostal, 18,5%, evangélicos de missão e 21,8%, evangélicos não determinados. (IBGE, 2010).

Gilberto Freyre, porém, nos lembra que no início não foi assim, os

colonizadores do Brasil não estavam preocupados com a “unidade ou a pureza

da raça”, a exigência principal para ser aceito como colono do Brasil durante o

século XVI era fé católica. Bastava o imigrante saber “rezar o padre-nosso e a

ave-maria, dizer creio-em-Deus-Padre, fazer o pelo-sinal-da-Santa-Cruz – o

estranho era bem-vindo no Brasil colonial”. Freyre (2006, P. 91, 92) ainda diz que

é por isso que é “tão difícil, na verdade, separar o brasileiro do católico: o

catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade”. Ele continua:

A nenhum inglês nem flamengo o fato, em si, da nacionalidade ou da raça, impediu que fosse admitido na sociedade colonial portuguesa da América no século XVI. O que era preciso é que fosse católico-romano ou aqui se desinfetasse com água benta da heresia pestífera. Que se batizasse. Que professasse a fé católica, apostólica, romana. [...] A Igreja era uma espécie de desinfetório ao serviço da saúde moral da colônia; um lazareto onde as almas ficavam de quarentena. (FREYRE, 2006, p. 277).

O mesmo autor ainda nos lembra (2011, p. 116) que “toda família em cada

geração tinha que dar um padre; a falta de um padre na família era do ponto de

vista social, quase uma desgraça”. Considerando que as famílias nesta época

eram muito numerosas, diz Freyre, era não raro um filho em cada família

apresentar tal inclinação sacerdotal.

Esse sistema estava tão acomodado na base da família brasileira que, via

de regra, o filho caçula era o escolhido para o sacerdócio, quando nenhum deles

era vocacionado. “Isso explica o grande número de padres e frades do Brasil

patriarcal, sem que na realidade mostrassem todos eles vocação para essa

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carreira”. Segundo Freyre (2011, p. 117), esse sistema perdurou até o fim do

século XIX.

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CAPÍTULO I

O PAPEL ANTAGÔNICO DO DISCURSO RELIGIOSO E SUA IMPORTÂNCIA

COMO ELEMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

A proposta deste capítulo é traçar uma reflexão teórica, utilizando

ferramentas da análise do discurso para verificar o papel crítico do discurso em

relação ao outro para ao mesmo tempo se auto afirmar, e o jogo de interesse

que ocorre na dinâmica do discurso, principalmente do discurso no campo

religioso. Estes dois aspectos antagônicos, que são característicos dos

discursos, são alimentados por outro elemento próprio da ideologia discursiva,

também inserida no campo religioso que Adilson Citelli vai chamar de persuasão.

Persuadir é, sobretudo, a busca de adesão a uma tese, perspectiva, entendimento, conceito, etc. Evidenciando a partir de um ponto de vista que deseja convencer alguém ou um auditório sobre a balidade do que se enuncia. (CITELLI, 2005, p. 14).

Entretanto, vale lembrar desde já que este convencimento, especialmente

no campo religioso, se dará sempre em detrimento e descarte dos conceitos já

estabelecidos anteriormente, ou seja, o descarte do outro, dinâmica que parece

ser própria do discurso no campo religioso.

1.1 - Papel de denúncia e condenação do outro pela conquista de adeptos

e sua autoafirmação.

De maneira geral, a busca de convencimento e adesão pelo discurso a

priori se dá pela oposição, pelo conflito das ideias. Terry Eagleton (1997, p. 11),

por exemplo, apresenta uma lista de movimentos ideológicos que ocorreram em

várias partes do mundo na década de oitenta, com o objetivo de demonstrar que

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a ideologia ainda resiste ativamente, mesmo num mundo pós modernista e pós-

estruturalista. Segundo Eagleton, estes movimentos listados abaixo representam

bem esses dois aspectos antagônicos do discurso ideológico que é enfatizado

aqui.

Eagleton (1997, p. 11) afirma, considerando o seu contexto, que “a última

década testemunhou um ressurgimento notável de movimentos ideológicos em

todo o mundo”. Ele cita o fundamentalismo islâmico no Oriente Médio, que surgiu

como grande força política. “No chamado Terceiro Mundo, e em certa região das

Ilhas Britânicas, o nacionalismo revolucionário continua em luta com o poder

imperialista”. Observe que a cada movimento ideológico que surge, surge

sempre em oposição ao já estabelecido, independente da área do saber.

Eagleton ainda vai dizer o seguinte:

Em alguns estados pós-capitalistas do bloco oriental, um neostalinismo ainda obstinado mantém-se em combate contra um batalhão de forças oposicionistas. A nação capitalista mais poderosa da história foi arrebatada, de ponta a ponta, por um tipo particularmente noviço de evangelismo cristão. No decorrer desse período, a Inglaterra vivenciou, ideologicamente falando, o mais agressivo e explícito regime da memória política viva, em uma sociedade que tradicionalmente prefere que seus valores

dominantes permaneçam implícitos e oblíquos. (EAGLETON, 1997, p. 11).

Esta dinâmica do discurso, caracterizada pela oposição - combate do

outro e autoafirmação do eu - nada mais é do que o resultado que pode ser assim

chamado de conflito ideológico materializado pelo discurso. Isto porque o

discurso é considerado um produto resultante da ideologia. Ou seja, ele se

constitui na materialização da ideologia.

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22

Quanto a isso, Mikhail M. Bakhtin (2006, p. 37) afirma que “o material

privilegiado da comunicação na vida cotidiana é a palavra. É justamente nesse

domínio que a conversação e suas formas discursivas se situam”.

A afirmação acima cabe para todo tipo de enunciação ideológica, porque

ao tratar a palavra como o signo ideológico por excelência Bakhtin (2006, p. 37)

afirma que “a palavra não é somente o signo mais puro, mais indicativo; é

também um signo neutro”.

Ele continua destacando a neutralidade da palavra enquanto signo em

relação a outros signos. Bakhtin afirma que cada um dos outros sistemas de

signos “é específico de algum campo particular da criação ideológica. Cada

domínio possui seu próprio material ideológico e formula signos e símbolos que

lhe são específicos e que não são aplicáveis a outros domínios”. Neste sentido,

o signo fica inseparável da sua função ideológica. Por outro lado, segundo

Bakhtin, (2006, p. 37) e, ao contrário dos demais signos, “a palavra é neutra em

relação a qualquer função ideológica específica. Pode preencher qualquer

espécie de função ideológica: estética, científica, moral, religiosa”.

A teoria de Bakhtin acima é de extrema importância para o

desenvolvimento deste trabalho, considerando que o objeto de estudo é o

discurso religioso simontiano utilizado como ferramenta de polêmica religiosa e

autoafirmação doutrinária, como ficará demonstrado nos capítulos três e quatro

deste texto.

Embora o discurso não se aplique necessariamente sempre a uma relação

de combate e autoafirmação e quando isto ocorre o discurso se propõe apenas

a fortalecer uma ideologia própria já estabelecida sem contrariá-la. Isto indica

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que existem vários tipos de discursos, muito embora todos eles sejam

caracterizados pelo elemento básico de persuasão. Entretanto, cada um deles

poderá ser identificado por um grau de persuasão maior ou menor que o envolve.

Citelli (2005, p. 48 a 52), situando-se na busca de novas estratégias que

auxiliam na configuração de mecanismos de convencimento pela linguagem

apresenta três tipos de discursos: o polêmico, o lúdico e o autoritário. Ele explica

que estes tipos de discursos não são formas autônomas, mas de dominância

porque há um predomínio de um sobre o outro: “o polêmico pode conter o lúdico,

ou o autoritário o polêmico etc. Ocorre que um dos níveis será dominante, sendo

mais visível, portanto, caracterizador”.

O discurso lúdico como o que tem a forma mais aberta do discurso. É o

que tem menor grau de persuasão, podendo até mesmo inexistir o imperativo e

a rigidez da verdade única e acabada. Este discurso possui um nível mais leve

de persuasão. Citelli (2005, p. 48, 49) diz: “O discurso lúdico compreenderia boa

parte da produção artística, por exemplo, a música, a poesia”.

Já o discurso polêmico é descrito com um grau de persuasão maior, onde

os conceitos discursivos são enunciados como debate em que um tentará se

impor sobre o outro movido pelo desejo de domínio. Na arena deste embate, os

participantes tendem a dominar o seu oponente. Este tipo de discurso é

encontrado na defesa de tese, avaliações sobre problemas nacionais e políticos,

assuntos de caráter polêmicos na imprensa etc.

Por último, vem o discurso autoritário que é caracterizado por sua forte

impressão persuasiva. Neste processo de comunicação o tu se transforma

apenas em receptor sem muito espaço para interferir, participar e modificar o que

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24

está sendo enunciado. É um discurso exclusivista e não está aberto a mediações

e ponderações. Este tipo de discurso é caracterizado pelo caráter autoritário de

quem irá ditar verdades absolutas. É o discurso da dominação.

Enquanto que o lúdico e o polêmico estão mais abertos a um maior ou menor

grau de significação, o autoritário apresenta um discurso já sacramentado pela

instituição. Entretanto, nos três tipos de discursos apresentado por Citelli, pode

ser verificado as duas faces antagônicas do discurso, a de condenação e de

autoafirmação. Isto é, do contraditório.

As faces antagônicas do discurso estão presentes até mesmo no discurso

que tem um grau mais leve de persuasão como o lúdico, embora aparentemente

não tenha esta pretensão. Porém, mesmo os textos artísticos estão carregados

de persuasão quando na estrutura do seu discurso propõem romper com as

normas clássicas dominantes já estabelecidas na sociedade.

É a afirmação do lúdico em detrimento rígido. Citelli (2005, p. 94) afirma,

“pela sua vocação plurissignificativa, pela ambiguidade que promovem, por

romperem com normas preestabelecidas, tendem a uma expressão mais livre,

menos preocupada com o convencimento, com o fechamento da mensagem”.

Bakhtin (2006, p. 48) desenvolvendo a relação entre a infraestrutura e as

superestruturas, também reconhece e declara a realidade desta dialética

conflituosa de combate do outro e da autoafirmação no discurso ideológico. Ele

declara que, “na realidade, todo signo ideológico vivo tem, como Jano, duas faces.

Toda crítica viva pode tornar-se elogio, toda verdade viva não pode deixar de

parecer para alguns a maior das mentiras”.

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25

Segundo Bakhtin (2006, p. 48), essa dialética interna do signo não é

manifesta plenamente na normalidade da vida. Ao contrário, é na “crise e na

comoção revolucionária social” que ela se revela completamente. Quando as

“condições habituais da vida social, esta contradição oculta em todo signo

ideológico não se mostra à descoberta”. Portanto, para Bakhtin é na ideologia

dominante e estruturada que “o signo ideológico é sempre um pouco reacionário

e tenta, por assim dizer, estabilizar o estágio anterior da corrente dialética da

evolução social e valorizar a verdade de ontem como sendo válida hoje em dia”.

Dominique Maingueneau (2000, p. 19) discorrendo sobre o Campo

Discursivo, afirma ser este os “espaços onde um conjunto de formações

discursivas estão em relação de concorrência no sentido amplo, delimitam-se

reciprocamente”. Ele ainda diz que “o campo não é uma estrutura estratégica,

mas um jogo de equilíbrios instáveis entre diversas forças que, em certos

momentos, movem-se para estabelecer uma nova configuração”.

Portanto, segundo Maingueneau (2000, p. 19), é no campo discursivo que

se definem as disputas ideológicas porque, conforme afirmação a seguir “um

campo não é homogêneo: há sempre dominantes e dominados,

posicionamentos centrais e periféricos. Um posicionamento dominado não é

necessariamente periférico, mas todo posicionamento periférico é dominado”.

Esta disputa se constitui no papel antagônico do discurso que se

caracteriza pela oposição na denúncia e condenação do outro pela conquista de

adeptos e autoafirmação. Esta realidade conflituosa se dá no convívio social,

mas sobretudo, incluindo também o campo religioso, devido o seu caráter

“fundador”, segundo Maingueneau (2000, p. 31 e 32).

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26

O campo religioso é a matéria de especial interesse desta dissertação e

neste sentido, Maingueneau (2000, p. 31) presta grande auxílio aqui ao destacar

que os discursos em diversos campos do saber, são ao mesmo tempo

autoconstituintes e heteroconstituintes. Ele vai afirmar que “apenas um discurso

que se constitui tematizando sua própria constituição pode pretender ter um

papel constituinte diante de outros discursos”.

No entanto, Maingueneau vai dizer que o discurso cristão se diferencia

pela sua proposta de discurso “fundador”, isto é tem uma característica

“constituinte”.

O discurso cristão, por exemplo, pretende fundar os outros, instituindo um laço com uma Revelação. Todo discurso constituinte é tomado numa relação conflituosa com os outros e mobiliza comunidades discursivas específicas, que administram a inscrição de seus enunciados numa memória. (MAINGUENEAU, 2000, p. 32).

Eagleton (1997, p. 55), no entanto, lembra que a religião é estruturada

por discursos, alguns mais teóricos (escolasticismo), outros éticos e prescritivos,

outros ainda exortativos e consolatórios; e a instituição eclesiástica da conta de

que estes discursos se misturem com os outros, para dar uma continuidade

constante entre o teórico e o comportamental.

Observa-se, no entanto, o domínio da instituição religiosa pelo discurso

autoritário no embate discursivo da sociedade organizada. E é no campo, como

disse Maingueneau, que acontece a disputa pelo domínio do discurso religioso

em autoafirmar a sua doutrina, seja ela no contexto atual do catolicismo,

protestantismo ou de qualquer outra origem discursiva religiosa.

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27

O fato é que cada discurso religioso, à semelhança do discurso cristão,

em geral, tem seu caráter dominador e, portanto, sua relação com o discurso do

outro será sempre conflituosa.

1.2 - A importância do discurso como elemento de comunicação social.

Segundo Maingueneau (1997, p. 11, 12), o termo “discurso” e seu

correlato “análise do discurso” referem-se ao modo de apreensão da linguagem

enquanto esta faz sentido para os sujeitos que se relacionam estrategicamente

em posições sociais ou em conjunturas históricas. Este processo pode ser

identificado como a materialização da ideologia pelo discurso que será referido

mais especificamente mais adiante.

Maingueneau (1997, p. 50) contribui para a compreensão da importância

do discurso como elemento de comunicação social ao afirmar que “o discurso,

bem menos do que um ponto de vista, é uma organização de restrições que

regulam uma atividade específica”. Assim, ele atribui ao “discurso” um caráter

institucional e organizacional, elevando-o a uma posição importante na estrutura

social e afirma que “a enunciação não é uma cena ilusória onde seriam ditos

conteúdos elaborados em outro lugar, mas um dispositivo constitutivo da

construção do sentido e dos sujeitos que aí se reconhecem”.

Discorrendo sobre o estudo da língua / linguagem como uma abordagem

interacional, portanto, como elemento essencial na construção da comunicação

social, Helena H. Nagamine Brandão em sua obra Introdução à análise do

discurso, também destaca a importância da fala dizendo o seguinte.

O percurso que o indivíduo faz da elaboração mental do conteúdo, a ser expresso à objetivação externa – a enunciação – desse conteúdo, é orientado socialmente, buscando adaptar-se ao

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28

contexto imediato do ato da fala e, sobretudo, a interlocutores

concretos. (BRANDÃO, 2004, p. 8).

Portanto, segundo Brandão (2004, p. 9), a linguagem ganha este

importante lugar na perspectiva da análise do discurso, porque ela é autônoma

e ao mesmo tempo indispensável na interação social entre o “eu” e o “tu”, porque

“a linguagem é um distanciamento entre a coisa representada e o signo que a

representa. E é nessa distância, no interstício entre a coisa e sua representação

sígnica, que reside o ideológico”.

Bakhtin (2006, p. 35, 36), na sua crítica ao idealismo e ao positivismo

psicologista, que atribuem a origem da ideologia à consciência, diz que na

verdade é nos signos, que são criados pelos grupos socialmente organizados e

no desenvolvimento de suas relações sociais, que a consciência adquire forma

e existência. Segundo o entendimento bakhtiniano a respeito dos, ele afirma:

“são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e

ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da

comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social”.

Bakhtin ainda afirma o seguinte.

Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem. (BAKHTIN, 2006, p. 36).

Portanto, segundo Bakhtin, a realidade dos fenômenos ideológicos não

tem origem na consciência, antes ela se apoia nos signos sociais, constituindo

assim em realidade objetiva.

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29

O signo tem uma importância muito grande na filosofia da linguagem de

Bakhtin porque, segundo sua conclusão, os fenômenos ideológicos não estão

ligados originalmente à consciência individual, mas às formas de comunicação

social. Conservando esta perspectiva, Bakhtin considera o signo como a

materialização dessa comunicação e a natureza de todos os signos ideológicos

consiste nisto. Entretanto, ele destaca a linguagem como sendo o signo mais

completo e claro, desse aspecto semiótico no papel contínuo da comunicação

social.

A palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A realidade toda da palavra é absorvida por sua função de signo. A palavra não comporta nada que não esteja ligado a essa função, nada que não tenha sido gerado por ela. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social. (BAKHTIN, 2006, p. 36).

Bakhtin continua valorizando a linguagem como signo por excelência na

comunicação social ao afirmar que:

O valor exemplar, a representatividade da palavra como fenômeno ideológico e a excepcional nitidez de sua estrutura semiótica já deveriam nos fornecer razões suficientes para colocarmos a palavra em primeiro plano no estudo das ideologias. É, precisamente, na palavra que melhor se revelam as formas básicas, nas formas ideológicas gerais da comunicação semiótica. (BAKHTIN, 2006, p. 36, 37).

Desta forma, Bakhtin consegue resgatar a importância do discurso como

elemento de comunicação social, porque seus estudos privilegiam a importância

da palavra como ferramenta por excelência na materialização da ideologia nas

relações sociais. Portanto, conclui-se que o discurso tem um papel indispensável

na construção socioreligiosa, independentemente da característica de cada

religião, seja ela cristã protestante ou católica ou ainda qualquer outra porque o

discurso é uma ferramenta no processo da construção socioreligiosa,

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30

independentemente do tipo de religião. Portanto, pode-se concluir que o discurso

está a serviço da religião, assim como também o está para a política. Ele não é

intrínseco nem a religião nem a política, mas ao mesmo tempo, tanto uma quanto

a outra dependem do discurso para que suas ideologias se tornem conhecidas

e sejam arraigadas na sociedade.

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31

CAPÍTULO II

O DISCUSOR: SUA ORIGEM E SUA FORMAÇÃO RELIGIOSA

Tudo o que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia. (BAKHTIN, 2006, p. 31).

O discurso, seja ele de que natureza for, será sempre o resultado ou a

manifestação do fenômeno ideológico, que é definido por Bakhtin (2006, p. 36)

como sendo, “a realidade objetiva dos signos sociais”. Isto é, “os fenômenos

ideológicos estão ligados às condições e às formas da comunicação social”.

Neste sentido, a importância deste capítulo se dá pela máxima universal de que

nenhum discurso é neutro.

Patrick Charaudeau (2012, p. 458), por outro lado afirma que o sujeito do

discurso um sujeito é dividido, “pois carrega consigo vários tipos de saberes, dos

quais uns são conscientes, outros são não conscientes, outros ainda,

inconscientes”. Ele afirma que o sujeito do discurso se esforça para

desempenhar alternativamente dois papéis de bases diferentes.

Ainda segundo Charaudeau (2012, p. 458), o sujeito do discurso é quem realiza

o papel de “sujeito que produz um ato de linguagem e o coloca em cena,

imaginando como poderia ser a reação de seu interlocutor”, mas também, ele

realiza o “papel do sujeito que recebe e deve interpretar um ato de linguagem em

função do que ele pensa a respeito do sujeito”, ou seja, daquele que produziu

esse ato.

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32

Portanto, busca-se destacar neste capítulo, considerando o tipo de

discurso religioso do missionário americano, a importante contribuição de

elementos inerentes à sua formação social, que certamente o influenciaram na

construção do seu pensamento e na caracterização o seu discurso protestante

manifestado em solo brasileiro.

2.1 - Da sua origem na pátria amada.

O missionário Ashbel Green Simonton, segundo o Diário (2002, p. 8 e 13),

nasceu em West Hanover, Condado de Dauphin, no sul da Pensilvânia, EUA,

em 20 de Janeiro de 1833. Seu pai se chamava William Simonton (17881846),

formado em medicina desde 1809 na Universidade da Pensilvânia.

Quanto a isto, Hermisten Maia Pereira da Costa (1999, p.12) destaca que

além de ser médico, o Sr. William Simonton atuou na política americana como

um “político conceituado – tendo sido eleito duas vezes para o Congresso dos

Estados Unidos (1838 e 1840) - e, também um presbítero consagrado, educando

seus filhos no temor do Senhor, através da prática e do ensino”. Em 8 de junho

de 1817, portanto aos 29 anos de idade, professou a fé na Igreja Presbiteriana

de Derry.

Ainda segundo o Diário de Simonton (2002, p. 13), sua mãe, Martha Davis

Snodgrass (1791-1862) era filha do Rev. James Snodgrass que pastoreou por

58 anos uma igreja daquela região, ao que tudo indica, a Igreja Presbiteriana de

Hanover, no Condado de Dauphin.

É importante destacar neste ponto, não só o fato de que o missionário

Simonton era filho de um cristão protestante, mas também o nível de

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33

envolvimento que ele teve com o protestantismo. Ele era um oficial, um

presbítero da religião protestante Presbiteriana.

Charles Hodge (1797-1878), um importante ministro presbiteriano do

século XIX, num discurso diante da Sociedade Presbiteriana Histórica na

Filadélfia, define o papel do presbítero como segue.

Os presbíteros regentes são os representantes do povo. São eleitos pelo povo para agir em seu nome no governo da Igreja. As funções desses presbíteros, pois, determinam o poder do povo; pois um representante é alguém escolhido por outros para fazer em seu nome aquilo que têm autoridade de fazer em suas próprias pessoas; ou, antes, para exercer os poderes que são radicalmente inerentes naqueles por quem o representante age. (HODGE, 1999, p. 540).

Portanto, o missionário Simonton foi criado por alguém que exercia um

dos mais importantes cargos de liderança eclesiástica da igreja presbiteriana na

América. Cargo este que certamente exigia deste pai uma conduta zelosa, não

só no exercício do seu ofício de liderança, mas também na criação e educação

dos seus próprios filhos.

Se por um lado o missionário americano foi criado por um pai que era um

líder religioso protestante, por outro, sua mãe era filha de pastor protestante.

Esses dois fatos por si só já se constituem em fatores de extrema influência nas

bases da formação do discurso simontiano.

Simonton (2002, p. 90), em uma visita feita a esta igreja mais tarde com

seus familiares, na quarta-feira de 16 de maio de 1855, encontrando-a já em

ruínas lembra com exatidão o longo período do ministério do seu avô nesta

igreja: “No dia dois de julho daquele mesmo ano morreu vovô, [se referindo à

morte do seu pai em 17 de maio de a 1846] depois de ter pregado nessa igreja

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34

por cinquenta e oito anos e dois meses”. O pai de Simonton, Sr. Willian Simonton,

faleceu quando ele tinha apenas treze anos de vida.

Os pais de Simonton tiveram onze filhos, mas apenas nove alcançaram

a idade adulta, sendo cinco homens e quatro mulheres. Simonton foi o filho

caçula do casal e recebeu esse nome em homenagem ao Rev. Ashbel Green

Simonton, teólogo que pastoreou por 25 anos a Segunda Igreja Presbiteriana de

Filadélfia.

Quanto a isto, Costa (1999, p. 11) confirma dizendo que Simonton recebeu

o nome de Ashbel Green “em homenagem ao antigo aluno do Princeton College

(1783) e depois professor, Dr. Ashbel Green (1762-1848)”. Ainda segundo Costa,

esse teólogo também pastoreou a Segunda Igreja Presbiteriana de Filadélfia

(1787-1812) durante 25 anos, sendo estimado por todos e acrescenta o seguinte:

Foi também Capelão do Congresso no período de 1792 a 1800, um dos fundadores do Seminário de Princeton (1812) e Presidente do Princeton College durante 10 anos (1812-1822), tendo escrito, entre outras obras, A History of Presbyterian Missions, que mais

tarde foi lida por Simonton com grande interesse. (COSTA, 1999, p. 11).

2.2 - Da sua formação religiosa.

Simonton teve, desde muito cedo, forte influência da religião protestante

presbiteriana, porque desde os seus antepassados sempre houve familiares

protestantes como, por exemplo, o seu o seu tio bisavô, o Rev. Jhon Simonton

que era pastor da Igreja Presbiteriana de Great Valley, no Condado de Chester,

na Pensilvânia.

Segundo o Diário (2002, p. 13), o Rev. Jhon teve uma participação

importante na constituição e no progresso da família de Simonton nos Estados

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35

Unidos, porque foi com o seu auxílio que o avô paterno de Simonton, William

Simonton (tinha o mesmo nome do seu pai) que nasceu por volta de 1755 no

Condado de Antrim, na Irlanda e, tendo ficado órfão com cerca de dez anos, foi

trazido para os Estados Unidos onde teve a oportunidade de se dedicar aos

estudos da medicina.

Igualmente importante na vida do missionário Simonton, segundo o Diário

(2002, p. 13), foi também a forte influência protestante que recebeu do seu avô

materno, o Rev. James Snodgrass, que era pastor da Igreja Presbiteriana de

Hanover, no Condado de Dauphin.

Segundo Costa (1999, p. 11), foi esse mesmo pastor quem realizou o

batismo de Simonton, quando, na ocasião, ficou clara também a influência dos

seus próprios pais na sua formação religiosa, quando resolveram naquele

momento do seu batismo, consagrá-lo ao ministério sagrado. Costa afirma: “na

ocasião do seu batismo – realizado, segundo creio, pelo avô materno, Rev.

James Snodgrass -, Simonton foi consagrado ao ministério sagrado por seus

pais, fato esse que marcou profundamente a sua vida”.

Contudo, essa influência se torna muito mais evidente nas palavras do

próprio Simonton quando faz essa declaração no seu Diário (2002, p. 88), onde

manifesta como esta atitude dos seus pais de consagrá-lo ao sagrado ministério

foi decisiva na sua formação religiosa. Ao descrever a respeito do seu exame de

fé protestante e da sua disposição para se tornar um pregador ele diz o seguinte:

Quando fui examinado, o Sr. Weir perguntou se eu tinha decidido quanto à minha profissão, e se estaria disposto a ser pregador, caso me convencesse de ser esse o meu dever. Meus sentimentos a esse respeito são intensos. No batismo fui consagrado a esse ministério; em toda a vida tive convicções de ser responsável pelo cumprimento dos votos de meus pais, e

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36

secretamente (pois nunca confessaria este sentimento a outros) tenho desejado que chegue o dia em que possa cumprir essa promessa. E, o que é mais estranho e inexplicável, tenho sentido um forte desejo de ser capacitado e chamado para pregar o Evangelho. (DIÁRIO, 2002, p. 88).

Simonton também sofreu forte influência religiosa do próprio ambiente

familiar no convívio com os seus irmãos, porque além de seus pais, todos os

seus irmãos eram protestantes, e deve ser considerado o fato de que ele era o

irmão caçula. Segundo Simonton mesmo afirma em seu Diário, quase um ano

após a sua conversão, em 4 de janeiro de 1856, após ter já iniciado seus estudos

de teologia. Veja o que ele diz.

Éramos somente onze, o número original de pessoas em nossa família. Três se foram e três pequeninos tomaram seus lugares. Quando penso nos que morreram, pouca tristeza se mescla a meus pensamentos. A certeza que deram de serem participantes da herança celestial parece só deixar lugar para agradecimento a Deus, que lhes deu vitória e os levou para Si. (DIÁRIO, 2002, p. 97).

Simonton continua afirmando a convicção de fé dos seus irmãos e

familiares. Ele diz, Diário (2002, p. 97), “se existe família com razões para

agradecer a Deus sua especial bondade, é a nossa”. A gratidão à especial

bondade de Deus se dá, segundo Simonton, pela crença de que os seus

parentes que já morreram, “morreram no Senhor; os que estão vivos todos se

declaram Seus filhos”.

Assim Simonton conclui, Diário (2002, p. 97). “Que alegre antecipação

podemos sentir do prazer que todos experimentaremos quando nos

encontrarmos uns com os outros no céu, onde não haverá maldição, nem

tristeza, nem dor, nem morte”.

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2.3 - Da sua vocação para o Sagrado Ministério.

2.3.1 – Da sua formação acadêmica.

Neste ponto é preciso retornar ao início da vida estudantil de Simonton

para uma compreensão mais clara a respeito da sua vocação ministerial.

Segundo o Diário (2002, p. 8) Simonton iniciou os seus estudos na sua terra

natal, West Hanover, Condado de Dauphin, quando o seu pai ainda era vivo.

Costa resume bem este ponto inicial.

Simonton fez seus primeiros estudos na sua cidade natal. Após a morte de seu pai (1846), a sua família mudou-se para a capital da Pensilvânia, Harrisburg, onde ele continuou seus estudos na Harrisburg Academy e, posteriormente, no “College” de Nova Jersey – atual Universidade de Princeton – onde graduou-se em 1852. (COSTA, 1999, p. 12).

Alderi Souza de Matos, historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil, na

síntese biográfica que ele apresenta sobre Simonton (DIÁRIO, 2002, p. 8)

descreve o seguinte.

Com a morte do pai e do avô materno em 1846, Ashbel e sua família mudaram-se para Harrisburg, a capital do estado, onde ele concluiu os estudos secundários. Em seguida, ingressou no Colégio de Nova Jersey, em Princeton, fundado pelos presbiterianos em 1746. Ao concluir os estudos em 1852, o jovem, então com dezenove anos, fez uma longa viagem pelo sul dos Estados Unidos, a fim de adquirir experiência na área de educação.

Simonton conclui seus estudos numa escola fundamentada nos princípios

religiosos protestantes, os mesmos princípios sobre os quais a sua família estava

constituída. Porém, Simonton mantém afastada de si a vocação ministerial, à

qual foi encomendado desde o seu batismo por sua mãe, pelo menos a princípio,

considerando que a atividade buscada por ele nessa primeira experiência fora

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da cidade natal era na área da educação. Muito embora o próprio Simonton

declare em seu diário (2002, p. 20, 21), que não tem a pretensão de adotar o

magistério como profissão.

2.3.2 - Das suas experiências profissionais.

Simonton descreve a sua experiência no início dessa primeira viagem,

naquele mesmo ano de conclusão dos seus estudos, nos seguintes termos.

Nossa viagem para Baltimore foi muito aborrecida; era quase meio-dia quando chegamos. Apesar de nunca ter viajado por essa estrada, a paisagem é pouco interessante depois do Sesquehanna [o Rio mais longo do leste do país] e logo desisti de apreciá-la; concentrei-me nos sentimentos que naturalmente se apossam de quem sai de casa para viajar pela primeira vez por longo tempo, sentindo-me um estranho em terra estranha. (DIÁRIO, 2002, p. 15).

Antes, porém, de se dedicar à área da educação, Simonton assume a

profissão de representante comercial dos periódicos presbiterianos, que ele

mesmo chama de o Presbyterian e a Revista vendendo assinaturas, ao que tudo

indica, como meio de sustento pessoal.

Depois de bastante trabalho, descobri onde reside o Rev. George W. Armstrong, o pastor presbiteriano. Consegui sua recomendação e sua assinatura para a Revista e ainda tivemos

uma conversa muito agradável. [...] Obtive do Rev. Armstrong a lista dos chefes das famílias presbiterianas locais. Com isso e mais o Catálogo de Endereços, fiz um mapa completo da cidade e amanhã irei toma-la de assalto. Sim senhor, fiz programação tal que, ou tenho sucesso ou estouramos, eu e minha agência. De uma coisa estou certo, vou em frente até rachar. (DIÁRIO, 2002, p. 17).

Um aspecto que chama a atenção nessa incipiente profissão, embora seja

compreensível, é o fato da inseparável ligação de Simonton com os protestantes

presbiterianos. Mesmo ausente do ambiente familiar, a sua “redoma” protestante

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de origem, a clientela que Simonton busca conquistar nessa aventura de

sobrevivência, obviamente não poderia ser outra se não os próprios

presbiterianos, considerando o conteúdo do seu material de trabalho.

Logo no início da sua viagem, ao chegar à cidade de Norfolk, Simonton

relata a dificuldade de encontrar seus clientes presbiterianos. Ele declara que se

não fosse seu mapa da cidade, nada teria conseguido.

Eu tinha pequenas tiras de papel com os nomes das diferentes ruas e, em cada uma, o nome e número da residência de cada chefe de família presbiteriana ali residente; com isso eu pude varrer cada rua”. (DIÁRIO, 2002, p. 17).

Depois de descrever a dificuldade de encontrar os chefes de família em

suas próprias casas e de descobrir que “as senhoras não ousam fazer

assinaturas” e de descobrir a existência de outro jornal na cidade, Simonton

revela que conseguiu apenas algumas poucas assinaturas.

A dificuldade é que os homens de negócios não estão em casa e as senhoras não ousam fazer assinaturas. Descobrir também que o jornal de Gildersleeve é recebido por quase todos e em grande parte supre a demanda. Por estas razões, consegui apenas duas assinaturas para o Presbyterian e uma para a Revista, e recebi vinte e nove dólares e cinquenta centavos. Não é muito, “mas dá para um pouco de sal”. (DIÁRIO, 2002, p. 17).

Convém lembrar a esta altura que Simonton não se aventurou sozinho

nesta primeira experiência profissional, ele tem a companhia motivadora e

agradável do seu irmão James Snodgrass (20/3/1829), o qual é citado várias

vezes no seu diário, mas não apenas deste, mas também de John Wiggins

(2/12/1826) seu outro irmão mais velho, que compartilha da mesma experiência

profissional.

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É importante destacar a companhia dos irmãos de Simonton nesta

primeira aventura profissional fora de casa, naturalmente assegura a

preservação e a manutenção dos princípios religiosos protestantes, sob os quais

Simonton fora formado desde sua infância e ao tudo que indica, ele não abre

mão.

Parto amanhã para Raleigh, onde disseram que existe possibilidade de se conseguir alguma coisa; James vai para Wilmington. Ser agente é negócio grande e, como eu e John fizemos em nossa viagem para White Mountain, tento no meio de minhas atribulações consolar-me com estas palavras: “Haec olim meminisse juvabit”. Este será o moto. (DIÁRIO, 2002, p. 19).

Embora Simonton considere ser agente um negócio grande, fica evidente

no seu Diário que “agenciar”, como ele mesmo rotula esta profissão, não o que

ele mais deseja. Ao receber sua primeira proposta na área de educação para

ser assistente na academia da cidade de Cheraw, ponderando sobre as

vantagens dessa proposta ele declara (2002, p. 24), “há certos incentivos para

aceitar a proposta de Currie, entre os quais não é o menor a chance de pôr fim

a este negócio de agenciar”.

Também fica evidente que a natureza desta profissão lhe causa certo

constrangimento pessoal, pois, mesmo reconhecendo que esta atividade traz

lembranças divertidas ele declara no diário (2002, p. 24), “por enquanto não

posso dizer que estou me divertindo, pois é contra minha natureza ir de casa em

casa pedindo assinantes e nada conseguindo”.

Finalmente, após quase dois meses aventurando-se pelo sul dos Estados

Unidos, Simonton dedica-se à área da educação, como professor em Starkville,

Mississipi, em 4 de janeiro de 1853. É interessante destacar que a primeira

impressão de Simonton na sala de aula não é das melhores, resta saber se esta

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41

impressão será superada ou confirmada ao longo da sua experiência como

educador.

No primeiro dia de aula, 4 de janeiro de 1853, quando entrei na sala e vi sentados em volta da lareira oito ou nove moleques com os livros “in manibus” (nas mãos), olhei o futuro e previ longos dias e horas mergulhados na rotina pouco atraente da vida de pedagogo; como um pêndulo idiota, comecei a ficar cansado só de pensar. (DIÁRIO, 2002, p. 35, tradução nossa).

De tudo que já foi analisado até aqui, no que diz respeito à vocação de

Simonton, deve ser considerado primeiramente que, como todo jovem, ele está

buscando sua autoafirmação, tentando se encontrar. Porém, fica evidente em

seus relatos que ele não se dá por satisfeito com as experiências vocacionais já

vividas, como representante comercial e agora como pedagogo.

2.3.3 - Da sua posição quanto à Escravidão.

Faz-se necessário considerar aqui também, o contexto político americano

da segunda metade do século XIX e as impressões de Simonton a este respeito,

bastante evidente também no diário, o que contribuiu decisivamente para

Simonton desistir do negócio com os periódicos presbiterianos e também com o

seu desencanto pela área da educação.

Suas impressões sobre os sulistas são muito claras, especialmente no

que diz respeito à questão escravidão dos negros, à qual Simonton renegava.

Minha primeira impressão do Sul não é favorável. Prefiro viver nas montanhas estéreis da Nova Inglaterra, e não nas terras por onde passei. As cidades são pequenas, poucas tendo mais de dois mil habitantes, mas parece que a sociedade em muitas delas é boa. Há muita inteligência na classe alta e agrada-me ver o seu espírito liberal. De um assunto são capazes de falar até à exaustão: a escravidão. Não se pode falar dez minutos com um sulista, se ele sabe que você é do Norte, sem que o tema seja trazido à tona

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direta ou obliquamente; e não deixam dúvidas: suspeitam que você é abolicionista jurado. (DIÁRIO, 2002, p. 25).

Ao perceber, em uma carta de apresentação, emitida pelo professor Rion,

do pequeno município de Winsboro, dirigida ao presidente do então Colégio de

Colúmbia, Dr. James Henley Thornwell (1812-1862), recomendando-o como

educador, que consta como sua melhor qualidade a sua posição razoável quanto

à escravidão, Simonton manifesta total indignação.

Simonton, no Diário (2002, p. 25) revela mais sobre a escravidão sulista.

“É condição sine qua non que um professor seja natural do Sul, e Rion, em sua

carta de apresentação ao Dr. Thornwell, do Colégio de Colúmbia, deu como

minha melhor recomendação o fato de eu ser razoável quanto à escravidão”

Simonton ainda registra sua indignação afirmando que isso é um “absurdo e

ridículo ao extremo”.

Para Simonton (2002, p. 25), a escravidão já era questão resolvida. “O

fato é: sabem que a escravidão está condenada e que colocaram sua fé em uma

causa morta, e por isto são muito sensíveis nessa matéria”. Simonton continua

com suas impressões a este respeito e declara que “todos se sentem livres para

confessar que, se não fosse a agitação do Norte, a escravidão em Delaware,

Virgínia e Kentucky estaria entre os eventos do passado”.

O repúdio de Simonton quanto ao comércio de escravos fica ainda mais

evidente nas palavras registradas em seu diário, ao se deparar com dois

comerciantes de escravos com um lote de negros que estava sendo conduzidos

para o mercado para serem vendidos.

Viajam em carroções cobertos, puxados por mulas. Haviam acampado à noite e lavado e pendurado seus trapos para secar.

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Gostaria de ver mais de perto esse aspecto da escravidão. [...] Para quem não está acostumado, causa revolta ver seu semelhante, homem e mulher, levados como porcos ao mercado, mais bem vestidos que o normal a fim de renderem mais. (DIÁRIO, 2002, p. 31).

Já residindo no Mississipi há mais de um ano e, tendo testemunhado

várias vezes o comércio de escravos, como ele mesmo relata (2002, p. 52). “O

comércio de negros é surpreendentemente intenso, pois já estiveram

acampados naquela mata mais de doze lotes desde que cheguei a Starkville”.

Porém, ainda que tenha visto esta cena se repetir várias vezes, Simonton

ainda se mostra inconformado e manifesta a sua reprovação do comércio de

escravos (2002, p. 52). “É um tráfico desumano e nenhum homem com

sentimento humanitário poderia engajar-se nele”.

Essa posição de Simonton, contrária à escravidão, é destacada por

Holanda (2002, p. 289) ao analisar a imigração dos missionários nortistas dos

Estados Unidos para o Brasil. Ele diz o seguinte: “Os missionários presbiterianos,

no Brasil desde 1859, eram a favor da abolição e identificaram-se com alguns

ingleses no Brasil, contrários à escravidão”.

2.3.4 - Da influência dos seus pais.

É importante notar também que, para a mãe de Simonton, a Sra. Martha

Snodgrass (1791-1862), a questão vocacional já estava resolvida, considerando

que já havia consagrado o seu filho ao “Sagrado Ministério” no ato do batismo,

ela, então, o persuade, na tentativa de convencê-lo a decidir-se pelo “Sagrado

Ministério”, exatamente num momento decisivo da vida de Simonton, logo após

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ter completado sua maioridade quando se sente desafiado a fazer uma das

escolhas mais importantes da sua vida - que profissão vai escolher.

Nesta ocasião de tomada de decisão importante de Simonton sobre o seu

futuro, ele revela que recebeu uma carta da sua mãe encorajando-o a se dedicar

aos estudos do Seminário.

Minha mãe diz em uma carta recente: “Ficaria contente se você fosse para o Seminário com James”. Gostaria de poder satisfazer esse desejo, mas sinto que não o farei. A obra do ministério é a mais nobre de todas e traz a mais segura e sublime das recompensas. Além disso, não sinto muito entusiasmo pelo Direito, pois, apesar de gostar do estudo da lei, parece-me difícil conciliar sucesso na carreira de advogado com honesta adesão à verdade e à justiça. (DIÁRIO, 2002, p. 53).

Fica evidente nas ponderações de Simonton a respeito da escolha

vocacional para o seu futuro, a grande influência que a religião protestante

exerce sobre a sua consciência, desde a sua mãe (talvez a influência mais

importante), passando por seus irmãos e amigos e, até os pastores com quem

Simonton teve contato deliberadamente.

Muitos julgam que não devo seguir a carreira de advogado. Suas esperanças e orações são para que eu me dirija aos estudos teológicos e venha a ser um bom ministro do Evangelho. Os Revs. Emerson e Shields, bem como o Dr. Carothers, não só expressam essa opinião, mas a sua certeza de que acabarei sendo pastor; fui informado de que fazem orações com esse objetivo. A última mensagem que o Sr. Shields deixou para mim antes de partir foi: “Diga-lhe que não se inicie na prática do Direito, pois ela jamais o satisfará”. (DIÁRIO, 2002, p. 58).

Esta influência que se dá no campo da consciência individual, é definida

por Bakhtin (2006, p. 35) como sendo um fato socioideológico. Isto é, a

consciência deve ser explicada a partir do meio ideológico e social do indivíduo.

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Bakhtin (2006, p. 36), na tentativa de definir o que é a consciência em sua

estrutura, diz que “a única definição objetiva possível da consciência é de ordem

sociológica”. Ele prossegue afirmando que “a consciência adquire forma e

existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de relações

sociais”.

O signo, segundo Bakhtin (2006, p. 36), é essencial para a consciência.

Ele é o alimento da consciência individual, “a matéria de seu desenvolvimento, e

ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da

comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social”.

Por isso Bakhtin afirma.

Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora deste material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem. (BAKHTIN, 2006, p. 36).

Simonton, em seu discurso interior, no campo da consciência, se

debatendo para chegar a uma decisão quanto ao futuro da sua vida e,

considerando as opiniões manifestadas por aqueles que compunham o seu

grupo social, declara em seu diário (2002, p. 58, 59), “estou surpreso com o

interesse que meus amigos estão manifestando por mim; mas creio que os

desapontarei em suas expectativas”.

Simonton (2002, p. 59) prossegue com o seu dilema vocacional e revela

ter o “ministério na mais alta consideração. É uma profissão que merece as

melhores energias da mente imortal, e imensuravelmente superior a qualquer

outra”. Ele ainda reconhece que esse ministério “não promete riquezas ou

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prosperidade terrena, mas, o que é muito mais importante, a consciência de ter

vivido para um objetivo útil” e demonstra revelar que as riquezas não é o seu

interesse nesta vida. “Como deve parecer vã e desperdiçada a vida de quem vive

apenas para acumular riquezas ou obter fama”

O interesse de Simonton, parece está mesmo na vida consagrada à

religião, isto é, ao ministério pastoral.

O homem mais nobre é aquele que mais faz pela humanidade, e o ministério abre as mais amplas oportunidades para esse fim. Fui dedicado ao ministério por meus pais, quando criança, e numa carta recente de minha mãe ela fala de quanto lhe agradaria saber que eu já me havia decidido a cumprir os seus desejos. (DIÁRIO, 2002, p. 59).

Aqui nota-se mais uma vez, como está viva a influência da mãe de

Simonton desejando que ele se dedique ao ministério pastoral. Não só pelo

conteúdo da presente carta citada acima, mas também, pelo fato de que o

conteúdo da carta o leva de volta a uma experiência que ocorreu nos seus

primeiros anos de vida, quando foi consagrado a “sagrado ministério” por seus

pais, no ato do seu batismo.

Este processo dinâmico de consciência é o que Bakhtin (2006, p. 36)

classifica como “a realidade dos fenômenos ideológicos é a realidade objetiva

dos signos sociais”. Isto é, a consciência não é autônoma constituindo-se de

elementos ou experiência produzida por ela individualmente, antes, depende da

interação com o grupo social no qual o indivíduo está inserido.

Simonton continua com o seu dilema, e demonstra o quanto foi

influenciado pela interação com o seu grupo social de origem protestante, na

escolha da sua vocação ministerial.

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Tivesse eu o coração adequadamente preparado e acredito que nenhum motivo mundano iria deter-me. Mas talvez eu esteja enganado e desconheça o meu próprio coração. Meus pensamentos sobre o assunto (e são frequentes) são peculiares e explícitos: se eu me engajar em outra profissão que não seja o ministério, vou sentir que não cumpri o meu dever e o propósito de minha vida. (DIÁRIO, p. 59).

Depois de quase dois anos fora de casa, Simonton é recebido pelos seus

familiares e amigos em Harrisburg, Pensilvânia. Mas a crise de consciência

quanto a escolha de uma profissão ainda o persegue.

Agora ele é envolvido pelo dilema de permanecer em sua cidade e se

dedicar aos estudos de Direito ou voltar ao Mississipi e para ser pedagogo.

Simonton chega a declarar que esta questão era tão duvidosa que ele ficaria

eternamente na dúvida se sua mãe não tivesse opinado com firmeza. Mais uma

vez fica evidente a influência da mãe de Simonton em decisões importantes da

sua vida.

No entanto, segundo seu Diário (2002, p. 67) dedicar-se ao Direito

pareceu não representar a melhor escolha. Simonton diz não ter as “mesmas

esperanças da maior parte dos jovens que iniciam o seu estudo”. No entanto

declara que o estudo do Direito irá corresponder às suas inclinações, por ser algo

nobre e útil à mente, mas ele mesmo já antecipa alguns problemas práticos.

Há muitas tentações de deixar a estrita retidão e usar talentos destinados a um propósito superior para frustrar os fins da justiça. Ao que me parece, há muitos advogados, homens honrados e respeitáveis fora do exercício da sua profissão, que no seio dela parecem obedecer a uma moral peculiar. Parecem certos de que qualquer causa deve ser aceita, seja ou não justa. Alegam que seu dever é defender o melhor possível o cliente, pois o lado oposto fará o mesmo, e como resultado haverá justiça. (DIÁRIO, 2002, p. 67).

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Simonton continua revelando suas impressões quanto ao Direito e estas

evidenciam uma relação estreita com os princípios religiosos da sua formação.

Mas na verdade, essas impressões revelam mais as inquietações de Simonton

do que decisão já formada e bem aceita.

Tal raciocínio não me convence; de qualquer forma, ainda que fosse verdadeiro o que acredito é que um advogado altamente honrado acabará por fazer uma defesa manca e medíocre de uma causa má, e a fisionomia de seu caso se estamparia até em seu rosto. Todavia, o interesse próprio cega os homens e endurece a sua consciência. (DIÁRIO, 2002, p. 67).

As inquietações de Simonton a respeito do seu futuro ainda o perseguem,

embora declare seu interesse pelo estudo do Direito (2002, p. 82), “quanto mais

avanço, mais aprecio o estudo; e do alto de meus seis meses de experiência e

conhecimento proclamo o estudo dos princípios do Direito útil e interessante”.

Simonton, com seus vinte e dois anos de idade, é ainda refém da inquietante

busca de auto realização vocacional.

Depois de ter se submetido a algumas experiências profissionais e

acadêmica, tais como representante comercial, pedagogo, assistente de

escritório de tabelião e estudante de direito, Simonton se debate com

questionamentos referentes à vida religiosa.

Na verdade, ao analisar o seu diário, não será exagero afirmar que

questões dessa natureza sempre estiveram na mente de Simonton, porque a

prática religiosa dos seus pais, desde a sua infância foi determinante para a

formação do seu caráter. É o que Lev Vygotsky (1984, p. 59) afirma, ao discorrer

sobre as estruturas da consciência, “o uso da linguagem se constituí na condição

mais importante do desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores (a

consciência) da criança”.

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Ainda quanto à constituição da consciência, Bakhtin (2006, p. 37)

demonstra a importância dos grupos socialmente organizados na formação da

consciência individual. “A consciência adquire forma e existência nos signos

criados por um grupo organizado no curso de relações sociais”.

Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela reflete sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem o seu abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem. (BAKHTIN, 2006, p. 37).

Portanto, pode ser afirmado que a influência dos pais de Simonton foi

extremamente importante para sua escolha vocacional, considerando a posição

religiosa do pai de Simonton, presbítero da igreja presbiteriana e o desejo da sua

mãe, uma cristã protestante piedosa, expresso no ato de batismo do seu filho,

de vê-lo no futuro dedicando-se ao ministério pastoral, desejo este manifestado

em outra carta enviada por ela a Simonton num momento em que ele está

prestes a tomar uma decisão importante quanto ao seu futuro, conforme relata o

próprio Simonton em seu diário (2002, p. 53), “tenho tentado decidir sobre meu

futuro. [...] Minha mãe diz em carta recente: ficaria muitíssimo contente se você

fosse para o Seminário com James”.

Ainda a respeito dos pais de Simonton, o Rev. Alexander Latimer

Blackford (1829-1890), cunhado de Simonton, descreve o seguinte

(SIMONTON, 2008, p. 11), “eram cristãos sinceros e piedosos, e no ato de se

batizar este seu filho solenemente o consagraram ao ministério do evangelho e

o instruíram cuidadosamente nas Sagradas Letras”.

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Certamente todo este contexto familiar religioso, que constitui a história da

vida de Simonton, o marcou profundamente. Ele declara em seu diário (2002, p.

82). “Religião é um assunto importante, infinitamente mais importante que

qualquer outro que atraia a nossa atenção. Sempre acreditei e entendi assim e

inúmeras vezes também o tenho sentido”.

Simonton continua demonstrando sua inclinação para o cristianismo.

Já vivi o bastante e também já refleti muito; sei que não se trata apenas de ser a eternidade maior que o tempo (e por isso o eterno é mais importante que o temporal), mas que também nesta vida ser cristão é a mais alta sabedoria, e tentar satisfazer a alma imortal com heresias ou riquezas do mundo é a suprema insensatez. Todas as vezes que essas reflexões ocuparam minha mente, eu desejei ser um cristão. (DIÁRIO, 2002, p. 82, 83).

De fato, as inquietações de Simonton começam a se aclamar quando,

finalmente, ele resolve se comprometer definitiva e publicamente com a religião

protestante de seus pais, dando sinais de satisfação pessoal.

Em nossa igreja vários se uniram à comunhão nas duas últimas reuniões, e nesta semana há reuniões todas as noites. Anteontem convidaram-se os interessados na salvação da própria alma, que quisessem conversar sobre o assunto, a ficar mais tempo, e um bom número ficou. Ontem novamente foi feito o convite e considerei meu dever ficar, juntamente com mais umas vinte pessoas. É um passo importante e, creio, um passo na direção certa. [...] Agora, quando as reuniões tiveram início e eu vi outros tratando da salvação de sua alma imortal, decidi, confiado nas promessas da Palavra de Deus, fazer um esforço honesto; se fracassar, estou liquidado. (DIÁRIO, 2002, p. 82).

É importante destacar que a conversão de Simonton se deu num momento

de efervescência espiritual dentro do protestantismo, como ele cita em seu diário

(2002, p. 82, 83), entre metodistas e luteranos, que contagiou até mesmo a sua

antiga escola de Princeton. Porém, o tempo vai mostrar que essa efervescência

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espiritual em nada prejudicou a decisão de Simonton de se entregar à vocação

sagrada, tornando-se missionário em terras estrangeiras.

Simonton continua descrevendo este novo momento de experiência

religiosa em sua vida.

Não me sinto desusadamente emocionado, e a maior prova que tenho de que o Espírito de Deus está trabalhando em mim é o fato de que me levou a esta resolução. Meu objetivo quando permaneci foi principalmente fazer a declaração pública de minha intenção de colocar-me ao lado do Senhor e abafar o orgulho teimoso que me impedia de fazê-lo. Foi o que fiz, e agora, confiado nas promessas de Deus, orarei para ter forças, prosseguir e cumprir o meu dever. Esperei quieto durante muito tempo para ser convertido; agora resolvi, na força por Deus prometida, marchar em frente e me esforçar para servi-Lo. (DIÁRIO, 2002, p. 83).

2.3.5 – Da sua decisão pelo Sagrado Ministério.

Aos vinte e dois anos, depois de tomar a decisão de se juntar aos cristãos

protestantes, professando publicamente a sua decisão de fé na igreja onde

frequentavam seus amigos e familiares, (DIÁRIO, 2002, p. 83, 84), “é grato ver

tantos amigos meus e conhecidos que regularmente têm ficado depois do culto

para instruções e conversas sobre as verdades da religião”. Simonton declara

ainda que os “seus amigos mais íntimos e queridos já eram e são membros da

igreja”. Neste mesmo período, Simonton já começa a dá sinais do seu desejo de

dedicar ao serviço cristão.

Renuncio a toda esperança em qualquer outro nome ou caminho, exceto o nome e o sangue de Jesus Cristo, e se conheço o meu coração, sou sincero no desejo de devotar-me ao seu serviço. (DIÁRIO, 2002, p. 86).

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No dia 1º de maio de 1855, quando foi examinado pelo Conselho da igreja

a respeito das suas convicções de fé, neste mesmo dia, Simonton decidiu

também dedicar-se à vocação pastoral.

Quando fui examinado, o Sr. Weir perguntou se eu tinha decidido quanto à minha profissão, e se estaria disposto a ser pregador, caso me convencesse de ser esse o meu dever. (DIÁRIO, 2002, p. 88).

A resposta que Simonton dá revela mais uma vez a profunda influência

dos seus pais nesta decisão, considerando o fato de ter sido consagrado a esse

ministério no ato do seu batismo, pelos seus pais.

Essa influência, revelada no momento da tomada da decisão vocacional

de Simonton, pelo ministério, reafirma a teoria de Bakhtin a respeito da

consciência individual ao afirmar que (2006, p. 36) “a realidade dos fenômenos

ideológicos é a realidade objetiva dos signos sociais”. Bakhtin ainda afirma o

seguinte a respeito da construção ideológica.

As leis dessa realidade são as leis da comunicação semiótica e são diretamente determinadas pelo conjunto das leis sociais e econômicas. A realidade ideológica é uma superestrutura situada imediatamente acima da base econômica. A consciência individual não é o arquiteto dessa superestrutura ideológica, mas apenas um inquilino do edifício social dos signos ideológicos. (BALHTIN, 2006, p. 36).

Neste sentido, Simonton, quando questionado se estaria disposto a ser

pregador, ele foi obrigado a mergulhar no seu passado histórico, levando sua

consciência a resgatar o fato histórico do voto que seus pais fizeram no ato do

seu batismo. Esse fato histórico constitui-se um signo de extrema importância

para a tomada de decisão que Simonton está prestes a fazer. Eis a sua resposta.

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Meus sentimentos a esse respeito são intensos. No batismo fui consagrado a esse ministério; em toda a vida tive convicção de ser responsável pelo cumprimento dos votos de meus pais, e secretamente (pois nunca confessaria este sentimento a outros) tenho desejado que chegue o dia em que possa cumprir essa promessa. E, o que é mais estranho e inexplicável, tenho sentido um forte desejo de ser capacitado e chamado para pregar o Evangelho. Sim, eu diria que é um de meus mais fortes desejos nestes últimos três ou quatro anos de vida, se eu me avaliasse a esse respeito com a mesma confiança que o faço no caso de outras pessoas. (DIÁRIO, 2002, p. 88).

Simonton continua destacando a importante influência, também, além dos

seus pais, daqueles que formavam o seu círculo de amizade.

Outra coisa que reforçou esse sentimento é o interesse que em toda parte tem sido demonstrado por mim e a esperança confiante de que, afinal, em me decidiria pelo ministério: em casa, entre amigos e até mesmo entre estranhos. Pois se agora concluir ser meu dever e privilégio cumprir tantas expectativas, aceitarei alegremente e bendirei a Deus por me dar tal honra. Estou perfeitamente disposto a fazer qualquer sacrifício exigido (do ponto de vista mundano) por essa decisão, contanto que veja o caminho com clareza. (DIÁRIO, 2002, p. 88).

Finalmente, Simonton resolve assumir publicamente os votos feitos pelos

seus pais na sua infância, no dia 6 de maio de 1855, quando resolve fazer uma

aliança pública de fé cristã com Deus em sua igreja, com mais vinte e duas

pessoas.

Assumir os votos feitos por meus pais quanto a mim em minha infância “para ser do Senhor” e fazer de seu serviço o supremo objetivo da vida. Qualquer que seja o caminho marcado para a minha vida por sua Palavra e sua providência, não permitirei que nada me impeça de trilhá-lo; especialmente, se for sua vontade clara que me dedique à obra do ministério, eu o farei com alegria e zelo. (DIÁRIO, 2002, p. 89).

No mês de setembro daquele mesmo ano, Simonton inicia seus estudos

no Seminário de Princeton, sua antiga escola onde havia concluído seus

estudos. E no mês seguinte, após ouvir um sermão do Charles Hodge (1797-

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1878) no mesmo Seminário, começou a interessar-se pelo trabalho missionário

estrangeiro de acordo com o relato no seu diário (2002, p. 96), “esse sermão teve

o efeito de levar-me a pensar seriamente no trabalho missionário no estrangeiro”.

E, novamente a influência da mãe de Simonton se constitui de grande

importância e apoio na tomada desta decisão, conforme ele mesmo relata em 19

de outubro de 1857, depois de afirmar que estava pronto para partir, sentindo

mais do que nunca ser este o caminho do seu dever, o campo missionário.

Minha mãe escreve: “é difícil separar-se daqueles que talvez não mais vejamos sobre a terra. Mas quando penso no valor das almas imortais que estão se perdendo pela falta do verdadeiro evangelho – o conhecimento do bendito Salvador - considero um privilégio ter alguém que queira sacrificar tanto e devotar tudo ao serviço do Mestre. Recomendo você com orações e lágrimas ao Senhor, que faz tudo bem”. (DIÁRIO, 2002, p. 110).

Finalmente, na sexta-feira de 12 de agosto de 1859, com 26 anos de idade

e recém-ordenado ao sagrado ministério, após uma viagem de 55 dias, Simonton

desembarca no porto da cidade do Rio de Janeiro, encantado pela beleza do

lugar, declara (2002, p. 125) ser um lugar lindo, o mais impressionante que

jamais viu e nunca teria imaginado tal porto, com sublime beleza.

Simonton, pelo que indica em seus registros, está seguro do seu objetivo

e da sua missão em terra estrangeira. No mesmo mês (dia 29) da sua chegada

ao Brasil, ele agenda reunião com o Dr. Kalley, onde discute sobre as condições

da missão no Brasil. Ele é aconselhado a agir em segredo, é encorajado a iniciar

a pregação em língua portuguesa e é orientado a deixar de dar assistência

religiosa aos americanos que estão no Brasil, o que ele não concorda porque

além de ser útil a eles, acredita que tê-los por perto lhe traga alguma segurança.

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Simonton afirma (2002, p. 127) está “encorajado pelo aspecto das coisas

e esperançoso quanto ao futuro. Existem indicações de que um caminho está

sendo aberto aqui para o Evangelho”. Uma análise mais cuidadosa concluirá que

o jovem missionário recém-chegado ao Brasil está seguro da sua missão em

terras estrangeiras.

Ao contrário do que relata Hilsdorf, ao descrever sua impressão do jovem

Simonton quando chega ao Brasil. Nesta declaração há alguns equívocos,

inclusive no que diz respeito à idade de Simonton que está com 26 anos de idade

e não 28 como informado por Hilsdorf.

Da parte da figura, digamos assim, o que temos? Um americano de 28 anos, jovem, solteiro, com formação em magistério e advocacia, recém-convertido para a vida da graça, inquieto, talvez ainda inseguro das suas opções, um evangelista novato, designado como refundador de uma igreja em um país que podia ser apenas uma promessa de trabalho missionário. Espanta-me que viesse sozinho, a menos que sua função fosse mais a de um “olheiro”, como tantos outros que, por espírito aventureiro, curiosidade acadêmica e científica, interesses comerciais ou políticos, vinham, nesses anos, sondar as possibilidades de

atuação no país. (HILSDORF, 2000, p. 30).

Mais adiante, a Dra. Hilsdorf (2000, p.30), depois de fazer uma análise do

perfil do jovem americano, a julgar entre o fundador e o “olheiro”, conclui que a

sua vinda ao Brasil fica caracterizada apenas como representante “daquele

fundamental espírito pioneiro alimentado pela vigorosa vida da jovem América”.

O que não me parece corresponder ao resultado de uma análise mais justa a

respeito do objetivo da vinda de Simonton ao Brasil, considerando as próprias

declarações de Simonton a esse respeito em seu diário.

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2.4 - O Seminário de Princeton.

O seminário que formou o missionário Simonton teve origem no início do

século XIX, como resultado de uma disputa teológica entre teólogos da “velha

escola” e da “nova escola”, envolvendo os Presbiterianos e Congregacionais que

se estabeleceram no oeste norte-americano.

Ambas as denominações protestantes, tinham como missão evangelizar

essa região da América, porém, faltavam-lhes recursos necessários para colocar

em prática seus projetos missionários. Foram então, obrigadas a juntarem-se

num acordo que denominaram de “Plano de União”. Portanto, esse plano surgiu

das necessidades práticas e imediatas em que se depararam as duas

denominações para a execução dos seus projetos.

O Plano de União permitia livre eleição de pastores de qualquer das duas denominações por igrejas locais da outra; admitia aos presbitérios, não apenas pastores congregacionais, mas delegados de igrejas locais mistas de sociedades voluntárias, não jurisdicionadas a qualquer das duas denominações para promoverem a Educação; as Missões, tanto Nacionais como Estrangeiras; ensejou a criação da Sociedade Bíblica Americana (em 1816), e organizou programas comuns para as Escolas Dominicais das duas denominações. (RIBEIRO, 1991, p. 193).

Porém, esse plano não seguiu adiante sem ter que lidar com conflitos

teológicos doutrinários e eclesiásticos, enfrentados pelas respectivas

denominações. Por um lado, havia o arminianismo, inserido no bojo da teologia

da Nova Escola, que penetrou e se espalhou pelos concílios e Igrejas

Presbiterianas da região.

O arminianismo defendia a “depravação parcial” do ser humano e sua

liberdade para decidir sobre a salvação e, segundo Ribeiro (1991, p. 193), essa

era a matriz teológica congregacional. “As questões doutrinárias nasceram da

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formulação com matriz arminiana da doutrina do pecado pela teologia da Nova

Inglaterra, vigente entre os congregacionais, e de suas consequências”.

Por, outro lado os calvinistas ortodoxos, que defendiam a doutrina da

“depravação total” se organizaram e reagiram e, como resultado fundaram em

(1812) o Seminário de Princeton.

A reação dos velhos calvinistas se organizou com a criação do Seminário de Princeton (1812) e na luta sem trégua nos concílios. Insistia no ensino da total depravação da natureza humana, já de si pecado; na ação total da graça na redenção. Desde que se votou o Plano de União (1801) a Igreja Presbiteriana não teve paz. (RIBEIRO, 1991, p. 194).

O resultado dessa tensão entre protestantes presbiterianos e

congregacionais foi o surgimento das duas escolas teológicas distintas. Arival

Dias Casimiro resume bem este ponto, como segue.

A partir de então, passou a existir duas correntes bem distintas de teologia. A primeira, denominada de “Nova Escola”, composta por congregacionalistas e presbiterianos não calvinistas. A segunda, chamada “Velha Escola”, composta por presbiterianos de estirpe escocês-irlandesa, calvinistas ortodoxos. (CASIMIRO, 2002, p. 89).

Ribeiro (1991, p. 194) ainda acrescenta que, nesta tensão, além da

questão teológica doutrinária, somou-se também a questão abolicionista “A

paixão abolicionista exigia a excomunhão dos senhores de escravos e a

obstinação dos escravocratas ameaçava cindir a igreja”. Havia partidários das

duas facções em ambas as Escolas.

As ênfases teológicas de Princeton são calvinistas e estão no bojo da

Velha Escola. Ribeiro (1991, p. 195) ainda afirma que a teologia de Princeton

pode ser encontrada nas seguintes obras: Systematic Theology de Charles

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Hodge; Esboços de Teologia de A. A. Hodge, publicados em portugues em 1895;

na obra completa de Benjamin Warfield; e no Compêndio de Teologia

Sistemática, de D. S. Clark.

No entanto, segundo Ribeiro (1991, p. 195), a matriz teológica de

Princeton se apoia na obra intitulada Insitutio Theologial Elencticae de François

Turretini (1623-1687). Ele foi pastor e teólogo em Genebra na 2ª metade do

século XVII. Esta obra foi usada como livro texto de Princeton, sendo mais tarde

pela Systematic Theology de Charles Hodge no início de 1870.

Quanto a posição teológica de Princeton, Casimiro ainda afirma o

seguinte.

Inegavelmente, durante mais de um século (1812-1921), o Seminário de Princeton foi o principal centro de formação, defesa e difusão do calvinismo (velha escola) nas Américas. Archibald Alexander (1772-1851), Charles Hodge (1797-1878), Archibald Alexander Hodge (18231886) e Benjamin B. Warfield (1851-1921), respectivamente, foram os mestres formuladores da Velha Teologia de Princeton. (CASIMIRO, 2002, p. 90).

É evidente que a Teologia de Princeton modelou o pensamento e o

discurso religioso do missionário Ashbel Green Simonton, que foi nascido e

criado numa família cristã que foi também influenciada pela mesma teologia,

pois, segundo Ribeiro (1991, p. 196), tanto o seu avô Ashbel Green e seu irmão

Willian, ambos pastores, eram homens de Princeton.

É o que também afirma Casimiro (2002, p. 90) ao dizer que “a Teologia

de Princeton modelou a dos missionários pioneiros do Presbiterianismo no

Brasil”. Ele ainda afirma que os pastores nativos também foram moldados pela

mesma teologia e, consequentemente todo o presbiterianismo nacional.

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Embora não se possa mensurar exatamente até vai esta influência de

Princeton no discurso protestante brasileiro e a partir de onde ela começa a ser

contaminada pela influência do pensamento religioso nativo, que é carregado

pela mistura de um catolicismo hibrido como resultado do cruzamento das

crenças afro indígena e europeia.

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CAPÍTULO III

POLÊMICA ANTICATÓLICA NO DISCURSO DE SIMONTON

O objeto de estudo deste capítulo são os sermões catalogados de

Simonton, pronunciados em solo brasileiro. Estes sermões, de acordo com

Matos (2008, p. 7), historiador da IPB, é uma coletânea de 22 sermões.

Os textos foram selecionados e organizados pelo Rev. Alexander Latimer Blackford, cunhado e sucessor de Simonton, que os publicou em Nova York em junho de 1869, um ano e meio após a morte do pioneiro. (SIMONTON, 2008, p. 7).

No entanto, é necessário registrar algumas informações relatadas no

diário, que antecedem a sua chegada ao Brasil, que apontam para a formação

da consciência individual de Simonton. Matéria de extrema importância no

desenvolvimento deste capítulo, pelo fato de que elas já apontavam para a visão

crítica de Simonton a respeito do catolicismo, ainda no contexto americano,

antes mesmo de vir como missionário para o Brasil.

3.1 - O discurso, a consciência e a influência dos grupos sociais.

Próximo de completar seus vinte e dois anos, logo após o natal de 1854,

Simonton, atendendo um convite de seus amigos, foi a uma missa católica e

registrou em seu diário a sua impressão daquele cerimonial, declarando o

seguinte.

Enquanto eu olhava esse espetáculo de devoção cega, fiquei refletindo sobre suas causas e significado. Uma coisa pareceu evidente: o homem é um animal religioso. Tem consciência de sua própria fraqueza e é-lhe tão natural sentir-se dependente do cuidado e direção de um poder superior, como o sente a criança em relação a seu pai. Além desse sentimento comum aos seres humanos, existe o sentimento de culpa. Há um monitor em cada

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peito, alertando que o homem ofendeu esse Ser do qual é dependente e da necessidade de aplacá-lo. (DIÁRIO, 2002, p. 79).

Simonton conclui sua avaliação, logo depois de observar o cenário

daquela missa, declarando que compreende porque a religião católica é mais

satisfatória que a protestante para muitas pessoas. Ele diz (2002, p. 79) que Ora,

a religião católica é mais satisfatória do que a protestante, porque “atende ou

tenta atender” aos dois sentimentos de “fraqueza e culpa” do ser humano. Por

isso, segundo Simonton, essa religião, quando realmente crida, se torna muito

poderosa.

Simonton ainda continua na sua avaliação e diz o seguinte.

Posso perceber porque para determinadas mentalidades a fé católica é mais satisfatória que a protestante. Uma das razões é esta: diferentemente da fé protestante, ela não coloca a alma consciente de culpa diretamente na presença de um Deus irado, para ali deixa-la sobrecarregada de sua responsabilidade individual e pessoal. Entre Deus e o homem, e no largo abismo que os separa, está o sacerdócio; o preço do favor divino é a obediência aos sacerdotes. Eles assumem a responsabilidade, mediam entre o homem e o seu verdadeiro Mediador. (DIÁRIO, 2002, p. 79).

Portanto, fica evidente na avaliação de Simonton sua crítica ao

catolicismo. Ele afirma que a fé católica é uma “devoção cega”, porque não

confronta o homem com o seu pecado, ao contrário, transfere essa

responsabilidade para o sacerdote. E, ainda destaca a potencialidade do

catolicismo enquanto religião e seu domínio sobre os povos (2002, p. 79). “Que

poder deve ter esta religião quando sinceramente crida! Em troca da obediência

cega, alivia o homem de suas enormes responsabilidades diante de Deus”.

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É interessante destacar que neste contexto, Simonton não era ainda

pastor e nem mesmo havia assumido um compromisso formal e público de

filiação à igreja protestante.

Outro destaque interessante é que esta crítica ao catolicismo é ainda

dentro do contexto americano. Os signos vivos da formação protestante de

Simonton já estão presentes em sua consciência, embora ele ainda não os

houvesse assumido publicamente como símbolos de sua fé.

O discurso de Simonton, bem como o de qualquer outro, deve levar-nos a

lançar um olhar sobre elementos formadores da consciência individual, que

segundo Bakhtin (2006, p. 36), são materializados pela instrumentalidade da

“palavra”. Ele afirma que a palavra deve ser colocada em primeiro plano no

estudo das ideologias, que se constituem nos produtos da consciência individual,

e que são ligados às condições e às formas de comunicação social.

Bakhtin (2006, p. 36), em sua definição objetiva da consciência, afirma

que só é possível defini-la do ponto de vista sociológico, ou seja, do ponto de

vista da interação social. “A consciência adquire forma e existência nos signos

criados por um grupo organizado no curso de relações sociais”. Ele prossegue

discorrendo sobre a lógica da consciência, e diz que “a lógica da consciência é

a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social”.

Ele conclui afirmando que “a realidade dos fenômenos ideológicos é a realidade

objetiva dos signos sociais”.

3.2 - O papel crítico do discurso no campo religioso.

Considerando que o que se pretende neste capítulo é investigar o

conteúdo do discurso religioso de Simonton, a fim de verificar nas bases do seu

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pensamento religioso como se dá a crítica ao sistema doutrinário Católico. Isto

porque o discurso de Simonton é considerado um discurso de origem protestante

que pretende penetrar o campo religioso brasileiro do século XIX dominado pelo

discurso Católico.

Segundo Maingueneau (2000, p. 19), o embate no campo religioso é

inevitável, pois, ele discorrendo sobre o Campo Discursivo, afirma que o campo

constitui os “espaços onde um conjunto de formações discursivas estão em

relação de concorrência no sentido amplo, delimitam-se reciprocamente.”

Maingueneau (2000, p. 31 e 32) ainda afirma que “o campo não é uma

estrutura estratégica, mas um jogo de equilíbrios instáveis entre diversas forças

que, em certos momentos movem-se para estabelecer uma nova configuração.”

Portanto, pode ser afirmado que é no campo religioso que se define as disputas

ideológicas religiosas.

Outra importante afirmação é feita por Maingueneau, ao declarar que “um

campo não é homogêneo: há sempre dominantes e dominados,

posicionamentos centrais e periféricos. Um posicionamento dominado não é

necessariamente periférico, mas todo posicionamento periférico é dominado.”

Essa realidade conflituosa se dá no convívio social das lutas de classes, mas

principalmente, no campo religioso devido o seu caráter “fundador”.

Neste sentido, Matos (2009, p. 32) conclui dizendo que essa polêmica

anticatólica em solo brasileiro no século XIX, permanece durante todo o primeiro

século do presbiterianismo no Brasil, motivada pelas chamas do status de

minoria protestante e pelas constantes demonstrações de intolerância do

catolicismo.

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64

Esta disputa se constitui no papel antagônico do discurso religioso, que se

caracteriza pela oposição na denúncia e condenação do outro pela conquista de

adeptos e a autoafirmação. Essa oposição na denúncia e condenação é

formulada e manifestada pela crítica, ainda que em alguns discursos ela seja

velada. Essa é uma característica predominantemente encontrada nos discursos

de Simonton, devido à falta de liberdade para a manifestação das suas ideias

religiosas, considerando o contexto político religioso da época, já tenso.

Quanto à crítica do protestantismo brasileiro, manifestado desde a sua

origem contra o catolicismo, Matos ainda afirma o seguinte:

Outra forte característica do presbiterianismo brasileiro desde o início foi a sua aversão ao catolicismo. Essa foi outra atitude herdada dos missionários, que precisavam justificar a sua atuação evangelística num país católico e, portanto, nominalmente cristão. (MATOS, 2009, p. 31).

Matos (2009, p. 31, 32) lembra que essa característica do presbiterianismo

de aversão ao catolicismo “vai se tornar mais evidente ainda entre os

presbiterianos brasileiros, quase todos vindos da igreja romana”.

Essa “aversão” dos protestantes ao catolicismo tem sua origem nos

elementos teológicos formadores do discurso protestante reformado, como nos

lembra Casimiro na definição que ele apresenta do discurso protestante.

O discurso protestante reformado é um discurso teológico. É uma interpretação bíblica realizada por teólogos europeus no XVI século. Protestantismo, no sentido mais amplo, denomina o movimento dentro do cristianismo que se originou na reforma do século XVI, e que posteriormente centralizou-se no Luteranismo e Calvinismo. (CASIMIRO, 2002, p. 23)

Casimiro (2002, p. 26) ainda lembra que a palavra “Reformada” na sua

origem, “caracterizava aquelas Igrejas do século XVI, que se levantaram para

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protestar contra certas doutrinas e práticas que prevaleciam na Igreja Católica

da Idade Média”.

O missionários protestantes pioneiros tinham a Bíblia como autoridade

final, plena e infalível e, segundo Ribeiro (1991, p. 197), constantemente

entravam em polêmica contra a Igreja Romana, com a condição de que as

posições fossem sustentadas e provadas claramente pela Bíblia.

3.3 - Cautela e discrição no discurso de Simonton.

Citelli (2005, p. 48, 49) afirma que o discurso religioso está situado no tipo

de discurso autoritário, que é definido por seu caráter persuasivo, onde o tu se

transforma apenas em receptor sem muito espaço para interferir, participar e

modificar o que está sendo enunciado, por ser ele um discurso exclusivista, não

aberto a mediações e ponderações e, que é caracterizado pelo caráter autoritário

de quem irá ditar verdades absolutas, se constituindo assim, no discurso da

dominação por apresentar um discurso já sacramentado pela instituição.

Simonton, porém, em seus discursos dirigidos ao público brasileiro,

embora faça várias críticas ao catolicismo, ele demonstra muita discrição no uso

das palavras. Mantém uma postura cautelosa de tal maneira que às vezes a

crítica de oposição e o caráter exclusivista do seu discurso, pela autoafirmação

não se tornam tão à mostra. Dos seus vinte de dois sermões catalogados,

constatou-se a presença de crítica direta ao catolicismo em apenas dez sermões.

Neste sentido, Antônio Gouvêa Mendonça (1995, p. 83), afirma que

Simonton “foi notoriamente prudente nas suas referências à religião oficial do

Brasil”. Se referindo aos seus sermões ele declara. “A leitura de seus sermões,

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66

por exemplo, mostra que ele nunca se refere explicitamente à Igreja Católica,

mas à religião de nossa sociedade ou aos costumes religiosos deste país”.

Provavelmente Simonton tenha assumido uma postura mais discreta em

seus discursos, seguindo a orientação do Dr. Robert Reid Kalley (1809-1888),

médico que veio da Escócia e se constitui um missionário pioneiro no Brasil, com

sua esposa Sarah P. Kalley, que chegaram ao Rio de Janeiro em 1855 e fundou

a Igreja Evangélica Fluminense em 1858.

Logo que Simonton chega ao Brasil, se reúne com o Dr. Kalley, que o

aconselha a agir em segredo. Simonton declara em seu Diário (2002, p. 127).

“Insiste em que em me mova em segredo; julga que seria melhor que as

sociedades que mandam missionários para países papistas tivessem fundos

operacionais secretos”.

Embora Simonton tenha considerado o conselho do Dr. Kalley e

demonstre prudência e discrição em seus discursos, ele declara. “Minha

presença e meus objetivos aqui não podem ficar escondidos”. E, ainda busque

os recursos possíveis do seu tempo para a sua segurança, Simonton declara que

sua esperança “está na proteção divina e no uso de todos os meios prudentes

de defesa. O futuro não pode ser previsto; portanto, busco orientação da

sabedoria infinita e em tudo me submeto à sua direção”. Diário (2002, p. 127).

3.4 - Elementos de polêmica anticatólica nos discursos de Simonton.

Embora Mendonça (1995, p. 83) tenha razão quando, na sua análise do

discurso simontiano destaca a postura de discrição do missionário, afirmando

que “não se nota nele espírito abertamente polêmico, mas intenção proselitista,

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conversionista e exortativa para os fiéis de sua Igreja no sentido de consolidar

neles os princípios distintivos da nova fé que haviam abraçado”.

Entretanto, essa postura prudente de Simonton no seu discurso religioso,

não diminui o peso da sua polêmica anticatólica. É o que será apresentado na

sequência deste trabalho na análise que será feita dos dez sermões que serão

objetos de estudo deste trabalho: Entrai pela porta estreita; O viver é Cristo; Deus

é caridade; Sem efusão de sangue não há remissão; Cristo, nosso substituto; A

pessoa de Cristo; A fé e a visão; Os meios de graça; A morte e o futuro estado

dos justos; e Cristo crucificado.

A metodologia utilizada para análise do Sermões Escolhidos de Simonton

seguirá obedecendo a sequência apresentada na edição comemorativa dos 150

anos do Presbiterianismo no Brasil, de 2008, da editora Cultura Cristã,

destacando tematicamente as críticas anticatólicas conforme o interesse deste

texto, o que significa que não será analisado aqui, necessariamente, todos os

sermões do autor, considerando que em alguns deles não foi encontrado

polêmica anticatólica. Destaco a seguir a polêmica anticatólica simontiana.

3.4.1 - A religião da maioria gera uma falsa segurança.

Algumas palavras chaves neste discurso são destacadas abaixo,

considerando que elas apontam para a direção onde o missionário deseja levar

seu auditório. São elas: santificação, arrependimento, confissão, transformação,

ídolos, culto exterior, batismo, cerimônias, fé, vícios, orgulho, hipocrisia,

mentiras, obras, maioria, falsa, perigosa, verdadeiros, poucos, oposição, todos,

cristãos, desconfiança, fácil, cômodo, penitência, indulgências.

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Neste primeiro sermão da coletânea, sob o tema: Entrai pela porta estreita

- (Mt 7.13,14), encontra-se a seguinte afirmação: “religião da maioria gera uma

falsa segurança”. A este respeito, Mendonça (1995, p. 83) ainda destaca o

seguinte. “Simonton chama a atenção de seus fiéis para a falsa segurança que

o seguir a religião da maioria confere”. E ele vai justificar, segundo a visão de

Simonton, dizendo que é “principalmente porque ela não está estruturada sobre

o conhecimento dos fundamentos da fé, mas sobre os costumes e sobre o rito

inconsciente do batismo”.

Portanto, segundo Mendonça, a “falsa segurança” da religião da maioria

que Simonton aponta, resulta da falta de conhecimento da Bíblia e do fato de ser

esta, estruturada sobre o ritual do batismo infantil.

A crítica de Simonton, então, se baseia sobre dois argumentos opostos,

que me parece percorrer como um fio condutor quase todos os seus discursos

em que a polêmica anticatólica é encontrada. O primeiro argumento é o que

neste discurso ele chama de “culto exterior” e, o segundo é o que ele chama de

“santidade” ou neste caso, a falta dela, o que será destacado mais adiante como

“piedade”.

3.4.1.1 - O culto exterior.

Mendonça (1995, p. 83), incluindo também outros discursos de Simonton

no desenvolvimento da sua análise, destaca como polêmica anticatólica

simontiana o seguinte. “Os hábitos e o desconhecimento da Bíblia é que

conduzem às exterioridades da sua prática religiosa que não conduzem a

nenhum consolo ou conforto na morte e nas vicissitudes da vida”. Os destaques

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de Mendonça a respeito das conclusões de Simonton da experiência religiosa do

povo brasileiro apontam para o missionário como um observador perspicaz.

Em seu Diário, Simonton demonstra essa característica, especialmente

quando a matéria envolve a prática religiosa. O diário de Simonton registra vários

exemplos do comportamento religioso do povo, tanto na América do norte quanto

no Brasil, alguns desses registros já foram destacados nesta dissertação.

Esta experiência certamente lhe serviu na preparação dos seus

argumentos anticatólicos manifestados em seus discursos. É o que acontece

aqui neste sermão, Simonton se serve do conhecimento obtido da experiência

da religiosidade do povo brasileiro, para embasar alguns dos seus argumentos.

Neste primeiro discurso, Simonton tece uma crítica ao catolicismo

brasileiro, mas não diretamente. Antes, porém, ele se dirige à religião

maometana, afirmando que “para ser maometano não é preciso senão professar

certas doutrinas e observar certos preceitos. Essa porta é larga”, afirma

Simonton (2008, p.18). Na sequência, ele relaciona a religião de Maomé com a

porta que conduz à “perdição eterna”.

Mas o objetivo do missionário Simonton (2008, p 18) não é atacar o

islamismo, mas sim, de modo discreto, o catolicismo ao afirmar, logo na

sequência deste mesmo discurso que, “para ser devoto de ídolos não se exige

mais do que um culto exterior. Também, segundo a ideia errada que muitos

fazem do cristianismo, para ser cristão e seguir o caminho da salvação basta ser

batizado”. Portanto, destaco abaixo alguns elementos que, segundo a

perspectiva de Simonton, fazem parte do “culto exterior”.

a - Dos Santos e intercessores.

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Kidder (1980, p. 304) apresenta um quadro bem interessante a respeito

do contexto que retrata a crendice popular do povo brasileiro, em uma lista de

vários “santos”, que teriam o papel de servir como patrono, protetor ou advogado

do povo. Esta lista “foi cuidadosamente traduzida de documento de autoria de

um padre brasileiro em 1839”.

Esta informação se faz importante porque retrata a religiosidade brasileira

no período de vinte anos antes da chegada de Simonton ao Brasil,

caracterizando o domínio do catolicismo sobre a crendice popular brasileira.

Segundo Kidder (1980, p. 305), “a ideia de um patrono, protetor ou advogado é

ter um santo que alivie e auxilie quem a ele recorrer para o fim mencionado”.

Essa lista pretende atender a várias causas do povo brasileiro que vai

desde patrono do casamento, a protetor de vítimas de fraturas e mutilações,

passando por várias doenças como febres, calafrios e pleuriz, pestilências e os

contágios, inflamação da garganta, dor de cabeça e dor de dentes, elefantíase,

moléstias dos olhos, tosses rebeldes, câncer, cálculos e paralisia. Há até santo

que guarda seus fiéis das verminoses perigosas. Há também protetor contra

loucura e possessão demoníaca. Para cada mal há um protetor.

Mas, há também protetora das parturientes, padroeiro da boa memória e

da vocação para os estudos, estudos acadêmicos e profissionais. Também há

padroeira das moças que desejam bons maridos e advogado dos maridos que

desejam vida virtuosa para suas mulheres e que sejam fiéis. Há o advogado das

coisas perdidas e de vários outros assuntos. “Há até advogado dos que lhe são

devotos, especialmente em todas as segundas-feiras”.

Ainda segundo Kidder, a lista apresenta protetor e protetora contra

trovões, raios, tempestades e redemoinhos. Padroeiro dos bem casados e dos

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maridos fiéis. Há até protetor contra picada de serpentes e répteis peçonhentos.

Há também o patrono dos marinheiros, dos confessores, dos clérigos bem

educados.

Na perspectiva do missionário americano, cada um destes ícones, quando

admitido como objeto de devoção pessoal, se constitui objeto de fé para a prática

do “culto exterior”. Portanto, neste sentido a fé católica, segundo Simonton, é

uma falsa fé porque ele afirma (2008. p. 18). “A fé que Jesus exige de nós exclui

a menor fé em outros e em nós mesmos”. Aqui ele está se referindo aos prestam

devoção aos de ídolos.

Ainda no terceiro discurso de Simonton, ele destaca o seguinte quanto à

doutrina católica da confissão.

Nem será permitido ao pobre pecador dirigir-se a ele em direitura [diretamente], confessando-se a ele e implorando-lhe perdão. Isso seria grande atrevimento. Seria pecar contra a dignidade do supremo objeto do nosso culto, porque Deus, como os grandes reis, não se abaixa a ponto de escutar a voz de um pecador que não tem amigos que o protejam. Ai daquele que se encomenda a Deus sem valer-se de empenhos fortes! (SIMONTON, p. 37, 38).

Simonton, na sequência, apresenta sua impressão crítica do catolicismo,

sobre a doutrina da intercessão dos santos pelo pobre pecador. Ele diz (2008, p.

37) que “segundo esse modo de pensar, a melhor religião é aquela que tem o

maior número de pessoas que nos possam servir de amigos para com Deus,

satisfazendo por nós, rogando a Deus por nós”. Portanto, segundo a crítica de

Simonton, quanto mais amigos o pecador tenha suplicando a seu favor melhor

resultado terá para que Deus “não execute a sua própria vontade, mas que se

deixe comover aceitando os padecimentos e desgostos da presente vida em

desconto do castigo eterno que, de outra sorte, aguarda a todo homem”.

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Se Deus não se deixar mover dos seus conselhos vingativos, esses amigos se verão obrigados a pagar por seus devotos, oferecendo a Deus o tesouro de merecimentos adquiridos à custa de martírios por eles sofridos para este fim. (SIMONTON, 2208, p. 37, 38).

A crítica de Simonton ao catolicismo neste particular se resume em dizer

que, mediante esta doutrina da intercessão dos santos em favor do pobre

pecador, é impossível ser Deus objeto do amor de qualquer pessoa. Porque,

aqueles que pertencem a este sistema terão afeição sempre ao que intercede

por eles, que são seus amigos intercessores ao Deus irado e vingativo, que

desfrutará apenas da reverência, do medo e da aversão dos pobres pecadores.

É-me escusado dizer que tal Deus não é objeto do amor de ninguém. É impossível. Será invocado com o fim de aplacá-lo, mas realmente amado nunca o será. Aqueles que assim pensam a respeito de Deus, dedicam sempre as suas afeições aos amigos que fazem por eles o ofício de medianeiros e intercessores, reservando para Deus unicamente os sentimentos de reverência, de medo e de aversão. (SIMONTON, 2008, p. 38).

Simonton, ainda declara sua impressão sobre o culto católico dedicado a

Deus, dizendo. “Todo culto que consagram a Deus será culto obrigado e triste.

O culto real, que o coração oferece, será o culto inferior com que imploram a

intervenção daqueles que entendem ser seus amigos na corte do céu”. (2008, p.

38).

No sétimo discurso, Simonton expõe seu entendimento sobre a pessoa de

Jesus Cristo, como único Salvador divino que pode satisfazer as necessidades

dos homens mortais.

Como, pois, havemos de qualificar a cegueira daqueles que como diz o profeta Jeremias, têm deixado a Cristo, fonte de água viva e cavaram para si cisternas, cisternas rotas que não podem reter águas (Jr 2.13). Quantos não fazem isto mesmo, deixando ao Cristo que diz: Eu sou o que vivo, para

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se agarrarem com cristos mortos, esquecendo-se do Cristo que apareceu a João tão glorioso que nenhuma língua humana e muito menos nenhum pincel de homem pode desenhar as suas perfeições. (SIMONTON, 2008, p. 79).

Em seu décimo sexto discurso “Tudo está cumprido”, Simonton (2008, p.

154) tece críticas, menos veladas ao catolicismo, no que diz respeito à mediação

do sacerdote entre o fiel e o divino. Ele (2008, p. 168) desenvolve o ensino de

que a justiça divina já foi totalmente satisfeita pelo preço pago por Jesus na cruz

e ao afirmar “Tudo está cumprido”, desde então, nenhum cristão tem a

necessidade de “valer-se da intervenção de nenhum outro sacerdote, com seus

sacrifícios, seus turíbulos e suas ricas vestimentas”.

Simonton prossegue com sua afirmação, da não necessidade mais de um

sacerdote humano para mediar a comunhão entre o cristão e o seu Deus,

condenando os que assim procedem.

Onde não se conhece que o véu que servia de divisão entre Deus e seus adoradores rasgou-se de alto a baixo, deixando franca passagem à face de Deus para todos os que se sentissem carregados de culpas, aí não há pás de consciência, aí não há moralidade, aí não há religião que não seja, de um lado superstição, e do outro meio de vida, ou um negócio como outro qualquer”! (SIMONTON, 2008, p. 170).

Na conclusão deste discurso, Simonton (2008, p. 172), polemiza de forma

ainda mais clara, na sua crítica anticatólica. Por diversas vezes fica claro sua

referência aos católicos, afirmando serem estes em maior número. “Outros há, e

esses em muito maior número”. Se referindo aos católicos aqui, Simonton conclui

dizendo que mesmo que estejam convencidos do sacrifício de Jesus, não

reconhecem que o mesmo tenha tanto valor, porque ensinam que não há acesso

a Deus sem a intervenção quer de sacrifícios quer de sacerdotes.

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Portanto, assim conclui Simonton:

Esses tais se dizem cristãos, mas, não contentes com o sacrifício e o sacerdócio de Cristo, querem valer-se da intervenção de outros sacerdotes, que, à maneira dos antigos, servem a novos altares, com outros sacrifícios, tributos, vestimentas e incenso, como se Jesus nunca dissera: “Tudo está cumprido”. (SIMONTON, 2008, p. 172).

Em seu penúltimo discurso, Simonton (2008, p. 211) trata do ensino de

Jesus que diz “Não vos hei de deixar órfãos”. Aqui Simonton afirma que Jesus

prometeu atender-nos diretamente, porém, quanto aos santos e anjos, ele diz.

“Não existe nenhum preceito nem exemplo que favoreça a sua invocação. Eles

são limitados em seu saber e poder, e, portanto, ninguém tem certeza de ser

ouvido, e ainda que o fosse não poderia contar com o alívio impetrado.”

A sua polêmica anticatólica se torna mais clara e direta na sequência deste

discurso, porque Simonton faz uma referência a um dos primeiros agentes da

Inquisição Espanhola no reinado de Aragão, Pedro Arbués (1441-1485), que foi

canonizado pelo papa Pio IX em 29 de junho de 1867, bem no contexto de

Simonton. Portanto, este pode ser considerado, certamente, um dos últimos

sermões de Simonton, já que o seu passamento foi a nove de dezembro do

mesmo ano.

Pedro Arbués acaba de ser canonizado a fim de que os fiéis o invoquem! Com efeito o papa e os cardeais devem sentir-se órfãos para se lembrarem de tão triste protetor! Com efeito já não existe fé em Roma desde que um inquisidor-mor acaba de ser constituído intercessor e medianeiro junto à corte do céu! (SIMONTON, 2008, p. 281, 219).

b - Das obras meritórias.

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Já ficou estabelecido que a polêmica anticatólica de Simonton se sustenta

na tese de que a “religião da maioria” se fundamenta nos “hábitos e costumes e

no desconhecimento da Bíblia”. Entre esses “hábitos”, Simonton destaca em seu

discurso também, as “obras meritórias”.

Ainda no seu primeiro discurso, referindo-se à missão de Jesus Cristo

neste mundo, Simonton (2008, p. 18) diz que “ele veio salvar os pecadores, e

aquele que não se confessa tal, não poderá salvar-se. Isto causa grande

desgosto aos homens”.

Segundo Simonton (2008, p. 18), essa é a razão da maioria das pessoas

seguir o “caminho largo”. “Por isso eles acham estreita demais esta porta, e vão

entrar por outra onde lhes será permitido caminhar carregados de vícios e

inchados de orgulho, de hipocrisia e de mentiras”.

Jesus disse aos judeus: “Entrai pela porta estreita”. [...] Os escribas e fariseus lhes disseram: “Não. O caminho e a porta são outros. Observai a lei. Jejuai. Fazei obras meritórias”. Eis aqui uma porta larga e um caminho menos apertado. (SIMONTON, 2008, p. 18).

O “caminho e a porta” pelas “obras meritórias”, praticadas pelos judeus e

condenados por Jesus nos Evangelhos, são atribuídos ao catolicismo, segundo

o entendimento de Simonton.

Ele vai dizer na continuação deste discurso que os escribas e fariseus se

encontram presentes, se referindo discretamente ao catolicismo no seu tempo,

comprovadamente sendo a religião da maioria, que segundo ele, tem um ensino

agradável ao coração corrompido.

Tais escribas sempre se encontram; há sempre desses fariseus. E sendo o seu ensino tão agradável ao coração corrompido dos

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homens, não é de admirar que são muitos os seus discípulos e poucos os de Jesus. (SIMONTON, 2008, p. 18).

Ainda no terceiro discurso (2008, p. 37), Simonton destaca como objeto

de polêmica a doutrina da justificação pelas obras e a doutrina da confissão.

Quanto à necessidade de justificação pelas obras, ele diz. “Segundo esse

sistema, temos a necessidade de satisfazer, ou neste mundo ou no futuro; e

quanto mais nós sofremos, tanto mais contente ficará o nosso juiz.”

No quarto discurso Simonton defende que a efusão do sangue de Cristo

é suficiente e eficaz para a remissão de qualquer pecador, e depois de citar os

textos bíblicos que mostram a insuficiência do sacrifício de animais para a

remissão de pecados, ainda que se repetissem seguidamente (Sl 50.18; Pv 15.8;

21.27; Is 1.11; Jr 6.20; 7.21; Am 5.21,22; Mq 6.7; Hb 10.1-3), ele diz.

Creio que essas provas são suficientes para mostrar que não nos é necessário tornar a edificar o templo que havia em Jerusalém, para oferecer a Deus vítimas pelo pecado; que a efusão de sangue de que Paulo fala como essencial é outra coisa. Não é preciso ser judeu para que alguém se salve. (SIMONTON, 2008, p. 48, 49).

No desenvolvimento da sua polêmica anticatólica, se referindo à missa

Católica, Simonton (2008, p. 49) diz. “Talvez me digam que o sacrifício que tem

a virtude de lavar nossos pecados é o “santo sacrifício da missa” tal qual a “Santa

Madre Igreja o define e manda oferecer”. E na sequência ele vai reafirmar que

é de fato uma grande maioria que se declara seguir a religião católica. “Mais da

metade da Europa, toda a América do Sul e o México na América do Norte assim

dizem”.

Com respeito a missa Simonton (2008, p. 49) ainda cita o Concílio de

Trento na sua polêmica anticatólica.

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Diz o Concílio Tridentino que no sacrifício que se faz na missa está oferecido e imolado incruentamente o mesmo Cristo que no altar da cruz se ofereceu a si mesmo cruento. Acrescenta o anátema do costume, dizendo: Se alguém disser que na missa não está oferecido a Deus um sacrifício verdadeiro e próprio, seja anatematizado. Portanto, o sacrifício da missa é verdadeiro e por ele alcançamos a remissão de nossos pecados, mas não há efusão de sangue. É incruento! Mas não obstante consegue a remissão dos maiores pecados dos vivos e dos mortos! Assim diz a Igreja Romana. (SIMONTON, 2008, p. 49).

Na citação acima, Simonton condena o uso da missa como obra meritória

suficientemente aceita por Deus e acusa de anátema o dogma da missa como

sacrifício verdadeiro para a remissão de pecados. E na citação abaixo, Simonton

vai justificar sua acusação e condenação deste sacrifício.

Essa novidade é impossível por dois motivos sólidos: 1) Sem efusão de sangue não há remissão nem pelos vivos, muito menos pelos mortos. Sacrifício incrueitn pelo pecado! Desde os dias de Caim até os Padres do Concílio Tridentino é coisa sem exemplo! O sangue sempre foi considerado como a vida de um sacrifício propiciatório, isto é, a fim de fazer expiação. Abel assim creu. (Gn 4.4). Noé o entendeu assim. (Gn 8.20). E essa tradição foi transmitida fielmente de geração a geração até os tempos dos apóstolos. (SIMONTON, 2008, p. 49).

Segundo sua conclusão, (2008, p. 50). Se os fatos constantes de mais de

cinco mil anos, corroborados pelo testemunho de um apóstolo como Paulo [se

refere ao texto de Hebreus 9.22] têm algum peso, não há sacrifício pelo pecado

sem efusão de sangue, e, portanto, não é pelo sacrifício da missa, que se

confessa ser incruento, que temos remissão de nossos pecados.

Um sacrifício verdadeiramente propiciatório não pode ser repetido. (Hb 10.1-3) [...] A consciência que se acha aliviada de seus pecados não há de ir em busca de novos sacrifícios. Uma vez purificada, está purificada, está perfeitamente purificada, assim como uma dívida, uma vez paga, está paga para sempre. Já disse que não é preciso ser judeu para nos salvarmos. Posso agora acrescentar que tampouco é necessário ser romano para que alguém se salve. (SIMONTON, 2008, p. 49, 50).

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No seu quinto discurso, Simonton diz que a lei de Deus só aceita o

sacrifício vicário de Cristo como plena satisfação da justiça de Deus, nenhum

outro sacrifício é aceito como pagamento do preço que a lei divina exige pelo

pecado do homem.

Toda a confiança posta nos merecimentos dos homens, de santos ou de anjos, não passa de sonho. À vista da lei de Deus, tudo é vil e desprezível a não ser a satisfação que Jesus fez, padecendo tanto na alma como no corpo o terrível castigo que nós merecíamos. Portanto, longe de nós a idéia de termos merecimentos próprios! Fora também o sonho de haver recurso aos merecimentos dos homens santos ou dos anjos!

(SIMONTON, 2008, p. 59).

Neste mesmo discurso, ao falar sobre a certeza do perdão de graça para o

pecador arrependido que crê em Jesus Cristo como o seu único Salvador, ele

diz que, mesmo assim alguém poderá dizer que.

Os tesouros da Igreja, os merecimentos dos santos, o sacrifício da missa e as nossas boas obras são coisas que têm algum valor na obra da nossa salvação. É assim que muitos pensam, e em apoio de suas ideias alegam costumes, tradições e mandamentos de homens. Citam as opiniões de doutores, padres e concílios. Há, porém, uma coisa que não citam nem alegam, sendo essa a mais essencial. Não citam o evangelho do nosso Senhor, porque ali se vê contrariada em cada página a falsa doutrina deles. Do evangelho é doutrina constante que toda a nossa salvação depende de estarmos unidos a Jesus Cristo, e que essa união se realiza logo que o pecador lança mão de Jesus, crendo nele.

(SIMONTON, 2008, p. 62).

Simonton (2008, p. 82, 83), no seu oitavo discurso, depois de explicar a

diferença entre andar por fé e por vista, afirma que a maior parte dos homens

anda por visão e não por fé e que os interesses em maior apreço são interesses

temporais. Ele reconhece que o “ouro” é o objeto mais desejado por todos.

“Quem tem ouro, tem ao seu alcance todos os objetos que os sentidos apreciam”.

Simonton continua e diz que se alguém “quer entregar-se a prazeres mais

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sensuais ainda, o ouro é sempre a moeda corrente. Tudo obedece ao que tem

dinheiro e faz dele uso pródigo”.

Em relação à religião, Simonton ainda neste discurso, faz uma crítica

direta ao dogma do purgatório.

Até tem valor religioso, se se pode julgar por fatos tão notórios que são sabidos por todos. As portas do purgatório giram sobre eixos de ouro, e crê-se vulgarmente que quem paga direitos em ouro ao sucessor de Pedro sobre a terra tem a seu favor a probabilidade de uma entrada franca pelas portas do céu, cujas chaves pendem

da cintura do pescador galileu. (SIMONTON, 2008, p. 83).

Logo abaixo Simonton (2008, p. 83) faz sua conclusão do ponto destacado

e acusa claramente o clero católico de mundano e carnal, pois ele diz.

“Manifestamente os que assim ensinam e pensam são da classe que anda por

visão e não por fé”. Ele vai dizer que estes são “mundanos carnais”, pessoas que

desejam os prazeres “de seus sentidos e palpáveis, de sorte que, se esses

objetos lhes fossem arrebatados, cairiam no maior desespero”.

Simonton (2008, p. 85) afirma que “é muito difícil andar por fé e não por

visão”. Assim ele conclui dizendo que os homens, desejando aproximar-se de

Deus, procuram sempre os meios visíveis, em vez de clamarem o auxílio do

Espírito Santo, “procurarão meios visíveis, como ofertas, penitências, missas e

sacramentos, que mais facilmente tornam-se acreditados por serem visíveis.”

c - Do batismo.

Mais adiante neste mesmo discurso, Simonton vai dizer o seguinte quanto

ao catolicismo.

Pode até chamar-se cristão, ser batizado, observar o culto e certas cerimônias exteriores da igreja. A porta é larga e o caminho é

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espaçoso, e por consequência cada um pode viver à sua vontade. Eis a razão de todos preferirem o caminho espaçoso. (SIMONTON, 2008, p. 19).

Ainda considerando o assunto tratado acima, em seu décimo primeiro

discurso, apresentado com tema “Os filhos do pacto”, Simonton (2008, p. 117)

faz uma crítica, ainda que velada, ao sacramento do batismo praticado pela igreja

católica.

Alguns, por exemplo, ensinam que o sacramento do batismo por si lava os pecados e regenera a alma da pessoa batizada. Segue-se por consequência que as crianças que morrem na infância vão para o céu se foram batizadas, e para o inferno se não o foram. (SIMONTON, 2008, p. 117).

Contrariando o dogma católico do batismo para a salvação, Simonton

(2008, p. 138), no seu décimo quinto discurso lembra a experiência do “ladrão

da cruz” que, estando diante do Salvador, creu nele e isto foi suficiente para a

sua salvação.

Ele afirma que não se pode inverter ou mudar esta ordem “natural e lógica

e divina”. E prossegue na sua polêmica afirmando o que segue (2008, p. 138).

“Ah! Quantos abusos não se têm introduzido nos dogmas e nos costumes da

igreja de Cristo, pelo simples esquecimento da dependência por ele estabelecida

entre estes meios de graça”!

3.4.1.2 - Da falta de piedade.

A “piedade” é uma característica marcante, tanto discurso de Simonton

como no seu Diário. O conceito de piedade que ele apresenta se dá no campo

da experiência religiosa do indivíduo. Isto é, a piedade se caracteriza na prática

da religiosidade cristã individual.

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No primeiro sermão, Simonton esclarece que a “estreiteza da porta” é que

“não há salvação sem haver santificação. Eis aqui a estreiteza da porta”.

(SIMONTON, 2008, p. 17). Ele afirma que isto implica um esforço pessoal que

deve ser feito por todos os que desejam seguir este caminho apertado, para

abandonar os vícios, os pensamentos maus e os desejos impuros do coração.

Simonton entende que para entrar pela porta estreita deve haver

arrependimento, confissão e mudança de conduta. Ele afirma que, “antes de

descansar no sacrifício e nos merecimentos de Cristo, é mister sentirdes e

confessardes a vossa culpa”. Ele continua afirmando que, “ninguém jamais

aceitou a graça de nosso Senhor antes de ver-se obrigado a isto pelas suas

necessidades”.

No segundo discurso, Simonton (2008, p. 27, 28) fala sobre as duas

classes de pessoas, que segundo ele, são as únicas que existe neste mundo.

Ele define essas classes da seguinte forma, os “filhos do reino de Deus” e os

“filhos deste século”.

Simonton (2008, p. 27) diz que tanto “mundanos” quanto “cristãos” querem

salvar-se, mas vivem indecisos quanto ao fim da vida e o alvo de suas

aspirações. “Entre os cristãos dá-se a mesma indecisão. Todos querem

salvarem-se e servir a Jesus Cristo. Porém, fazem tantas reservas que se torna

difícil dizer o que querem de preferência”.

Quem são esses cristãos de quem ele fala? A julgar pelo contexto, são os

cristãos católicos, considerando que não na sua época, havia poucos cristãos

protestantes no país e obviamente, fruto do trabalho do missionário Simonton,

sendo estes instruídos no viver cristão “superior”.

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Querem alcançar o céu sem perder as coisas mundanas. Aspiram à coroa dos santos e mártires, contanto que não tenham de abandonar os títulos e as honras que o mundo mais estima. Querem servir a Cristo se esse serviço puder conciliar-se com a própria dignidade. Enfim, a mistura que há nos motivos de muitos discípulos é tal que eles mesmos não podem responder francamente a uma pergunta sobre o fim de sua vida. Têm muitos fins diversos e mesmo desencontrados. (SIMONTON, 2008, p. 27, 28).

Simonton destaca ainda a ausência de uma vida piedosa dos cristãos

católicos (2008, p. 31). “A maior parte dos cristãos está muito abaixo de Paulo,

nem tem vontade de imitá-lo. Não querem sacrificar sua comodidade, nem sua

reputação, nem seus bens”.

Embora remidos por Cristo, e por isso devendo-lhe tudo,

pretendem fazer o que sucede com tantos negociantes falidos, que mandam chamar seus credores e prometem pagar um tanto a cada um. É de admirar que Cristo se digne aceitar um coração tão repartido como o são os de muitos cristãos. (SIMONTON, 2008, p. 31).

a - Da falta de conhecimento bíblico.

Simonton (2008, p. 22) faz referência aos judeus dos dias de Jesus que

afirmavam que eram a verdadeira igreja e que professavam a religião verdadeira,

no entanto, Jesus que ver os intentos dos corações (Marcos 2.8), declara que

poucos deles se achavam no bom caminho.

Simonton revela (2008, p. 23). “Hoje também entre nós a religião de Jesus

Cristo é professada geralmente. Todos se dizem cristãos”. Mas apesar de se

confessarem cristãos, diz Simonton que “não mostram melhor vontade de

estudar e observar os preceitos do evangelho do que mostraram antigamente os

judeus; mas, contudo, dizem e protestam que são cristãos”. É evidente que o

missionário está considerando o contexto católico no qual ele vive.

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Ele ainda acrescenta (2008, p. 23) no mesmo discurso a seguinte

polêmica a respeito desses cristãos afirmando que eles “não se incomodam com

o trabalho de procurar saber o que é ser cristão”. Ser cristão, para Simonton, era

diferente. “O que sabem é que são cristãos como os mais o são, e isto lhes basta.

Não fazem senão seguir a estrada geral. Se estivessem na Turquia ou Arábia

seriam maometanos por igual razão, porque os mais o são”.

Simonton (2008, p. 23) vai dizer que a religião da maioria deve ser vista

com desconfiança, elas são perigosas e falsas, “essas estradas onde a multidão

corre sem dar-se ao trabalho de examinar se faz bem ou mal são perigosas e

falsas”. Ele segue declarando aos seus fiéis que, “o fato de ser qualquer religião

professada por todos com facilidade e quase sem exame deve fazer-vos

desconfiar dela”.

Logo no início do segundo discurso - O viver é Cristo, Simonton (2008, p.

26) faz um comentário a respeito da declaração de uma autoridade católica, um

padre, e deixa clara a impressão de oposição feita à prática protestante, no que

diz respeito à prática da leitura e pregação da Bíblia.

Há pouco tempo, conversando com uma senhora citei lhe uma passagem de Paulo. Disse-me ela: Vejo que um padre a quem consultei ultimamente tinha razão para dizer-me: “O apóstolo Paulo é o predileto dos que se dizem evangélicos”. Esse testemunho da boca de um padre, conhecido pela oposição que faz à leitura e a pregação da Bíblia, me foi sumamente agradável. (SIMONTON, 2008, p. 26).

Simonton faz referência a uma autoridade religiosa ligada ao catolicismo

no Brasil, um padre considerado seu inimigo, que ele afirma ser conhecido pela

oposição à leitura e pregação da Bíblia realizada pelos missionários protestantes.

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Fica ainda clara impressão de Simonton, de que tanto a autoridade

católica, quanto muitos cristãos, mesmo que falassem a respeito do apóstolo e,

por implicação, das Escrituras, não os conheciam de fato. Simonton diz:

Quisera eu que os nossos inimigos fossem obrigados a dizer a nosso respeito: São discípulos de Paulo. O citar é fácil. Citações não passam de palavras, e vós sabeis que as mais belas palavras são vazias de sentido na boca de quem não as compreende nem as pratica. [Está se referindo ao tal padre?] O nome de Paulo anda na boca de centenas de pessoas que nem de longe conhecem nem apreciam o seu caráter. (SIMONTON, p. 26).

No terceiro discurso, Simonton se propõe a “analisar um pouco as ideias

que se fazem acerca do caráter de Deus” (2008, p. 36) e neste particular, faz

críticas claras e diretas a duas religiões: aos “deístas”, religião natural ou racional

e ao catolicismo.

Ainda no início deste discurso (2008, p. 35), dirigindo-se ao seu auditório,

que ele chama de “meus ouvintes”, discursando sobre o verdadeiro caráter de

Deus, Simonton faz duras críticas contra aqueles que, segundo ele, negam o

verdadeiro caráter de Deus. “Sim, meus irmãos, aquele que nega

obstinadamente a verdadeira doutrina de Deus, aquele que afirma ser Deus o

que ele não é, é herege no verdadeiro sentido da palavra”.

Essas afirmações parece ser uma preparação para as críticas que ele fará

na sequência do seu discurso, quanto ao ateísmo e ao catolicismo. Ele afirma

que esses sistemas de religião não conhecem o verdadeiro caráter de Deus.

Logo, Simonton afirma que o deísmo e o catolicismo são hereges porque

desconhecem a doutrina fundamental para a correta religião.

Primeiro, referindo-se aos deístas ou religião natural Simonton diz (2008,

p. 36). “Há uma classe de pessoas que só conhece a Deus pela revelação que

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ele faz nas obras da natureza. Quanto a essa classe numerosa, Deus é o Criador,

o arquiteto do universo”.

Quanto à ferramenta de estudo, usada pelo deísmo para obter o

conhecimento de Deus, a natureza, Simonton afirma que é insuficiente:

Porém, por mais que olhemos para o firmamento e para os grandes luzeiros postos ali pela mão de Deus para alumiar a terra; por mais que nos aprofundemos nas entranhas do planeta que habitamos; por mais que escutemos a voz de Deus no bramido do trovão, do vento e das ondas do mar, é impossível termos certeza de uma coisa que para nós, miseráveis pecadores, é sempre a coisa principal: o modo de nos reconciliarmos com Deus. (SIMONTON, 2008, p. 36).

Ele explica com mais detalhes dizendo porque a natureza é insuficiente

para se conhecer o verdadeiro caráter de Deus.

É verdade que as obras da natureza descobrem a glória de Deus, porém de um modo imperfeito. As doutrinas indispensáveis à paz da consciência ficam ocultas àquele que não tem outro livro em que estudar o caráter de Deus senão o livro da natureza. (SIMONTON, 2008, p. 36).

Simonton denomina esses “filósofos” deístas de “tristes sábios”,

“miseráveis filósofos” e os acusa de ignorantes da sua própria ignorância.

Qual é, pois, a ideia que esses estudantes ou filósofos, como gostam de chamar-se, fazem de Deus? Dizem eles que Deus é grande... Mas se lhes for perguntado sobre o interesse que Deus sente pela nossa felicidade, ou sobre o culto que exige de nós, ou sobre os meios de satisfazer a sua justiça e de nos reconciliarmos com ele, não saberão dar resposta. Sobre estes pontos a natureza nada diz. Tristes sábios; miseráveis filósofos; sabendo tudo, menos a sua própria ignorância. (SIMONTON, 2008, p. 36).

Na continuação desta polêmica, Simonton afirma (2008, p. 37) que essa

classe de pessoas pensa erradamente sobre o caráter de Deus. “Não é de

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admirar que essa classe de pessoas pense erradamente sobre o caráter de

Deus”.

Portanto, segundo Simonton, os deístas são hereges, pois ele já havia

afirmado que aquele que nega o verdadeiro caráter de Deus, que afirma ser o

que ele não é, é o maior herege possível e está em trevas (2008, p. 35). E conclui

sua polêmica antideísta afirmando o seguinte. “Esses filósofos não têm religião

nenhuma, porque, para eles, Deus não é nada de positivo, de verdadeiro. Cada

um faz de Deus a ideia que mais lhe agrada”. (2008. p. 37).

Depois de fazer sua crítica ao deísmo, a religião natural ou racional, que,

segundo Simonton, nega a revelação sobrenatural da Escritura e, na continuação

deste discurso, ele passa traçar um perfil da cultura católica dos brasileiros,

(2008, p. 37), no que diz respeito à falta de conhecimento deles sobre o caráter

de Deus. Aqui Simonton se refere aos católicos como a “outra classe” (2008, p.

37):

Há outra classe igualmente numerosa, que não é composta de filósofos. Essa segunda classe se compõe daqueles que, em vez de se aplicarem com todo o cuidado às Escrituras Sagradas para lá entrarem no verdadeiro conhecimento do caráter de Deus, escutam antes o que diz o coração do homem sobre esse ponto.

Na sequência do texto de Simonton (2008, p. 37), ele vai dizer que essa

classe, se referindo ao catolicismo, se deixa conduzir pelo próprio coração, ou

seja, pelas suas emoções e pela própria tradição de gerações passadas. Isso

reflete o “espírito” do catolicismo no domínio dessa classe no fim do século 19.

“Em vez de se assentarem aos pés de Jesus Cristo, e dos profetas e apóstolos

que foram inspirados para declarar a pura verdade, deixam-se levar pelos

impulsos do próprio coração e pela tradição de gerações passadas”.

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Simonton ainda vai dizer que para esta classe, a falta do conhecimento

bíblico faz da divindade objeto de medo e de aversão. Segundo Eliade (2001, p.

15), essa foi também, a conclusão de Rudolf Otto, “na sua análise das

modalidades da experiência religiosa”.

Otto voltou-se sobretudo para o lado irracional, pois tinha lido Lutero e compreendera o que quer dizer, para um crente, o “Deus vivo”. Não era o Deus dos filósofos, o Deus de Erasmo, por exemplo; não era uma ideia, uma noção abstrata, uma simples alegoria moral. Era, pelo contrário, um poder terrível, manifestado

na “cólera” divina. (ELIADE, 2001, p. 15).

É evidente nos textos de Lutero, que este seu entendimento do “Deus vivo

irado” sofre uma radical transformação quando se depara com o conhecimento

do texto bíblico de Romanos 1.17. Experiência essa universalmente conhecida.

Assim, a citação de Otto é anterior a experiência de conversão de Lutero ao

protestantismo.

Portanto, segundo a polêmica de Simonton, os católicos não têm o

conhecimento verdadeiro do Deus do cristianismo, religião que eles dizem

pertencer.

Os homens que fazem o seu juízo a esse respeito sem atenderem à revelação feita no Velho Testamento e no Novo Testamento, sempre figuram a Deus com ar severo e vingativo; um juiz severo que cumpre satisfazer e aplacar, falto de sentimentos ternos e brandos”. (SIMONTON, 2008, p. 37).

Segundo o entendimento de Simonton (2008, p. 37), essa classe de gente

vê Deus como sendo um Deus que vive ausente e irado contra as suas criaturas.

“Deus lhes parece viver retirado de criaturas humanas, irado contra eles de tal

maneira que a sua ira tarda só em razão dos mil meios que são empregados

para diariamente aplacá-lo”.

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A respeito dos filósofos de sua época, Simonton vai dizer que o

conhecimento que eles têm do caráter de Deus é que Ele não passa de uma

ideia vaga, um espírito incompreensível e impossível de se amar.

Não é de admirar que essa classe de pessoas pense erradamente sobre o caráter de Deus. Para elas, Deus é um ente que vive mui separado de nós e de nossos interesses; que trata a todos da mesma maneira, e que pouco ou nada se importa com o culto que lhe é feito. Quanto a elas, Deus é uma ideia vaga, um espírito que não se pode compreender, e, por conseguinte, impossível de amar. Esses filósofos não têm religião nenhuma, porque, para eles, Deus não é nada de positivo, de verdadeiro. Cada um faz de Deus a ideia que mais lhe agrada. (SIMONTON, 2008, p. 37).

Assim, ele conclui (2008, p. 38) dizendo. “Meus amigos, Deus não é o que

dizem aqueles que estudam as obras que a natureza apresenta, nem é o juiz

vingativo que o coração humano figura”. Portanto, ele afirma que Deus não é o

que é apresentado pelos discípulos da religião deísta, nem tão pouco é o que é

apresentado pelos discípulos do catolicismo, o juiz vingativo.

Simonton (2008, p. 38-40) afirma que o verdadeiro caráter de Deus é

apresentado na própria Escritura Sagrada, segundo o seu entendimento

protestante. “Escutem todos o testemunho que Deus mesmo dá acerca do seu

verdadeiro caráter”. Esse testemunho, segundo ele, encontra-se nas seguintes

passagens bíblicas, que são citadas literalmente: (Jo 1.7-18; 3.1-3; 1Pe 1.3-5;

Tg 1.5,6; Rm 5.1-11; Jo 3.16,17; Jo 6.38-40 e Jo 16.25-27).

3.4.2 - Da sua conclusão.

Simonton inicia sua conclusão, neste discurso, da polêmica anticatólica

(2008, p. 18) afirmando exortando seus ouvintes. “Guardai-vos de um

cristianismo onde tudo é fácil e cômodo. Desconfiai de uma religião que se

contenta com observâncias exteriores, quaisquer que estas sejam”.

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Ele já havia afirmado anteriormente que a religião que se contenta com

observâncias exteriores se caracteriza a “porta larga”. E diz que esse tipo de

cristianismo “não descobre nem cura a moléstia que por dentro contamina a

alma”.

Se considerarmos que para Simonton, é função primordial da religião

oferecer aos seus fiéis a cura para a alma, e segundo seu entendimento,

apresentado neste ponto, a religião católica não se presta a este propósito. Logo,

para Simonton o catolicismo não é uma religião verdadeira do ponto de vista da

sua função principal.

Mais adiante, ainda se referindo ao catolicismo como sendo a religião mais

seguida, Simonton declara.

É máxima falsa e perigosa que a religião mais seguida é também a mais segura. Nosso Senhor aqui (no texto de Mateus 7.13,14) afirma justamente o contrário, dizendo serem muitos os viajantes que pela larga porta entram no caminho que guia para a perdição, e poucos os que acertam com o caminho que guia para a vida. Eis aqui reprovada a falsa doutrina hoje tão aceita – que não menos é preciso senão seguir o caminho mais seguido e trilhado. (SIMONTON, 2008, p. 22).

Se considerarmos que Simonton está se dirigindo a ouvintes que estão no

Brasil, país que tem a religião católica como majoritária, concordaremos que a

polêmica a seguir também é anticatólica (2008, p. 22). “Os verdadeiros crentes

sempre têm sido poucos em comparação com os incrédulos. Isto é verdade

mesmo onde a religião cristã é tida por verdadeira”.

Aqui Simonton trabalha com a premissa de verdadeiro e falso, ou seja,

crentes e incrédulos. No campo religioso, considerando o contexto da disputa

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religiosa entre protestantismo e catolicismo no Brasil monárquico, Simonton

afirma ser verdadeira a religião protestante e falsa a católica.

Ele segue dizendo para os fiéis do protestantismo, que a oposição da

maioria é sinal de que se está na religião verdadeira e nesta polêmica entre a

religião verdadeira e a falsa, num país onde a maioria se denomina católicos,

Simonton afirma ser esta a religião falsa, ainda que nas entrelinhas do seu

discurso, pois, ele afirma o seguinte.

Portanto, em vez de achardes na oposição dos homens motivo de receios ou de dúvidas quanto à vossa crença religiosa, tendes nisto mais uma prova de ser ela verdadeira. Lembrai-vos sempre de que o caminho da perdição é o mais frequentado. Entram muitos pela porta larga, e são poucos os que acertam com a estreita. Melhor seria ir sozinho pelo caminho que guia para a vida, do que ter por companhia o grande concurso de gente incrédula. (SIMONTON, 2008, p. 23).

Simonton (2008, p. 23) reforça que o caminho para a perdição é o mais

frequentado. “Lembrai-vos sempre de que o caminho da perdição é o mais

frequentado. Entram muitos pela porta larga, e são poucos os que acertam com

a estreita”. Portanto, Simonton conclui dizendo que é “melhor seria ir sozinho

pelo caminho que guia para a vida, do que ter por companhia o grande concurso

de gente incrédula”

Simonton diz que o sistema religioso aliado ao mundo, que apela para

obras de penitências e indulgências ao invés do genuíno arrependimento, que

se dá por satisfeito com a cerimônia do batismo ao invés da mudança de atitude

e que substitui o culto espiritual pelas impressões do sentido, é um sistema

religioso falso.

Aquele que se propõe a viver vida cristã deve contar com a oposição do mundo; e a única maneira de livrar-se desse ódio é

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renunciar à fé. Não há outro termo. Não se pode gozar a amizade de Cristo e a do mundo. Portanto, o sistema religioso que sabe reconciliar os preceitos de religião com as máximas e usos do mundo; que em vez de um arrependimento profundo aceita uma obra de penitência ou concede uma indulgência debaixo de condições fáceis; que se contenta com o batismo em vez do novo nascimento sem o qual ninguém pode entrar no reino dos céus; e que tem substituído o culto espiritual por outro que só faz impressão nos sentidos – este sistema tão fácil e tão cômodo não é o do evangelho. (SIMONTON, 2008, p. 24).

Ele conclui este primeiro sermão fazendo outra crítica ao catolicismo, se

referindo às obras de penitência e indulgências, portanto, práticas católicas,

afirmando que elas não têm valor algum para o homem alcançar a “salvação”

(2008, p. 25). “Não vos demoreis fazendo desconto dos vossos pecados, ou

querendo tornar-vos dignos de ser aceitos e perdoados. Tudo isso é coisa

impossível”.

No décimo quinto discurso, Simonton (2008, p.135) desenvolve o tema

“os meios da graça”, esclarecendo que estes são instrumentos usados por pelo

benfeitor que deseja conceder graça ou salvação a alguma pessoa que está

carecendo dela. Porém, seu objetivo é destacar que o “benfeitor” e não “os meios

de graça” é a causa primária e superior.

No entanto, a julgar pelas ideias polêmicas anticatólicas manifestadas em

seus discursos, é razoável supor que o que se segue neste discurso é também

uma crítica ao catolicismo.

Há livros que de propósito tratam dos interesses da alma, em cujas páginas dificilmente se encontra, mesmo por implicação, a verdade indispensável para vivificar quaisquer meios de salvação, a saber, a existência de um divino Salvador que ordenou esses meios, e que obra por meio deles. (SIMONTON, 2008, p. 136).

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A crítica de Simonton se refere ao fato de que consta nesses “livros” o

destaque ou a importância e valorização ao “meio de graça” em detrimento do

“benfeitor”, que é de fato a causa da “graça”. Observe que Simonton prossegue

na sua crítica e deixa claro que se refere ao sistema religioso católico, a julgar

pela sua doutrina no que se refere aos “meios da graça”.

A leitura de tais livros dá em resultado um sistema de religião no qual os meios da graça são causas da graça, e o Salvador vivo é substituído por cerimônias e ritos que, divorciados da sua dependência natural, são mortos. Assim, o cristianismo convertesse em meras formalidades, e a pobre criatura humana que o abraça, depois de uma infinidade de trabalhos, morre à míngua de verdadeiros meios de salvação. (SIMONTON, 2008, p. 136).

Simonton (2008, p. 138) volta a reafirmar que a causa principal da

“salvação” é o divino benfeitor e não o “meio da graça”. Portanto, afirma

Simonton que “o essencial em matéria de salvação, aquilo sem o que não se

salva, e com o que não pode haver perdição, cifra-se nisto: um Salvador tal qual

é Jesus, e fé nele da parte de qualquer pecador”.

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CAPÍTULO IV

AUTOAFIRMAÇÃO E SUPERIORIDADE DOUTRINÁRIA NO DISCURSO DE

SIMONTON

A pretensão deste último capítulo é verificar como se dá a possível postura

de superioridade no discurso de Simonton. Considerando que ele veio para o

Brasil como missionário protestante, busca-se verificar se ele apresenta em seu

discurso, características de um discurso superior em relação ao catolicismo já

estabelecido em solo brasileiro.

Se este tipo de discurso superior for comprovado e se o discurso religioso

é como classificam os teóricos como um discurso autoritário, o que se pretende

verificar é como o missionário Simonton assume essa postura de superioridade

na sua fala discursiva frente ao catolicismo que se instalou no Brasil desde o

século XVI.

Segundo Holanda (2002, p. 328), desde esta época a presença dos

jesuítas nos “Colégios das Artes” nos principais centros do país, já muito era

forte. A missão principal dos jesuítas na escola tinha o objetivo de formar

“clérigos, letrados e eruditos” para atender “às exigências da Igreja e das famílias

das casas grandes e da burguesia das cidades”.

Holanda ainda acrescenta seguinte.

Empenhada em ensinar e em propagar a fé católica, a Companhia de Jesus, como boa milícia, devia ter em conta todos os dados necessários para a batalha que ia empreender, não desconhecendo, assim, o terreno que encontrava. Cumpria que os primeiros jesuítas aqui chegados formassem, com os naturais da terra, aqueles que viessem substituí-los na catequese. (HOLANDA, 2002, p. 328).

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Embora no século XIX, quando da chegada de Simonton, a religião

Católica já não se encontrava na sua pureza doutrinária, pois, segundo Holanda

(2002, p. 328, 329), devido a mistura com “as crenças dos indígenas e às

importadas pelos escravos africanos, dando origem a um sincretismo afro

católico”, o catolicismo brasileiro foi levado a um “baixo nível durante o Império”.

Ainda assim, não deve ser descartada a realidade conflituosa encontrada

no Império pelo missionário, que o leva a seguir a recomendação de Kalley

relatada no diário pelo próprio Simonton (2002, p. 127) e já mencionada aqui.

“Insiste em que eu me mova em segredo; julga que seria melhor que as

sociedades que mandam missionário para países papistas tivessem fundos

operacionais secretos”.

Maingueneau, considerando ainda a realidade conflituosa pelo discurso

religioso devido caráter “fundador” vai dizer o seguinte.

Os discursos concernentes (religioso, científico, filosófico, jurídico, literário) utilizam um certo número de propriedades quanto às suas condições de emergência e de funcionamento enunciativo. Eles são ao mesmo tempo autoconstituintes e heteroconstituintes:

apenas um discurso que se constitui tematizando sua própria constituição pode pretender ter um papel constituinte diante de

outros discursos. O discurso cristão, por exemplo, pretende fundar os outros, instituindo um laço com uma Revelação. (MAINGUENAU, 2000, p. 31, 32).

Maingueneau conclui dizendo que “todo discurso constituinte é tomado

numa relação conflituosa com os outros e mobiliza comunidades discursivas

específicas, que administram a inscrição de seus enunciados numa memória.

No entanto, para uma melhor análise deste primeiro ponto deve ser

considerado antes, o contexto católico da época de Simonton em solo brasileiro,

do fim do século XIX, quando o missionário Simonton chegou ao Brasil.

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4.1 - Do contexto do catolicismo brasileiro.

Freyre vai destacar que o missionário americano está num país que se

denomina católico desde os primórdios, como segue.

Assim é que houve tempo no Brasil em que, à chegada de navios, iam frades ao encontro dos passageiros vindos de fora, para saber não da sua nacionalidade, nem para verificar a ordem dos seus papéis ou examinar a sua saúde física, mas para indagar da sua saúde religiosa. Eram cristãos? De pais cristãos? E até que ponto ortodoxos? [...] O herege era considerado um inimigo político da América Portuguesa: se fosse judeu teria que se disfarçar em cristão-novo embora secretamente continuasse judeu; se protestante teria que se disfarçar em católico. (FREYRE, 2001, p. 68, 69).

No entanto, embora Freyre (2001, p. 109) revele mais adiante que o

catolicismo brasileiro colonial nunca assumiu características fortes ou um clero

forte que se constituísse realmente como dominador sobre seus colonos e

concordando com Freyre, Holanda (2002, p. 154) caminha também na mesma

direção, afirmando que o cristianismo brasileiro no império, “não passava de uma

capa exterior a recobrir tradições e práticas africanas”.

Holanda continua sua afirmação apresenta suas justificativas.

Embora existissem capelas na maioria das fazendas, as missas eram raras. Faltavam sacerdotes e os padres que apareciam de tempos em tempos não tinham ocasião de iniciar os escravos nas verdadeiras práticas do cristianismo. Nas zonas rurais prevaleciam o culto doméstico, as práticas familiares. [...] A aceitação do cristianismo era, em geral, puramente exterior. O escravo assistia à missa e adorava ao mesmo tempo a Xangô e Ogum. Confundiam-se na prática as tradições africanas e cristãs. (HOLANDA, 2002, p. 154).

Portanto, é dentro deste contexto religioso mais favorável, que Simonton

(2002, p. 140) se propõe, neste discurso, a revelar para cristãos católicos o que

é ser cristão de verdade, muito embora, tenha agido com cautela desde o início

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da sua missão no Brasil, se infirmando inclusive de pareceres dos melhores

advogados do Rio quanto à liberdade religiosa. No seu primeiro discurso,

portanto, Simonton se propõe a ensinar o que é ser verdadeiro cristão.

4.2 - Sinais constituintes da autoafirmação e superioridade doutrinária de

Simonton.

Simonton, como é evidente em seus discursos e também em seu diário, é

um representante legítimo da doutrina protestante reformada no Brasil, portanto

o seu discurso é um discurso religioso de raiz protestante, devido a sua

formação, tanto pessoal quanto acadêmica, conforme já tratado anteriormente.

A metodologia de análise do discurso de Simonton, que busca identificar

e destacar os sinais de superioridade e autoafirmação do discurso protestante

em relação ao catolicismo cristão se dá considerando a sequência dos sermões

catalogados em Sermões Escolhidos de Simonton.

Significa que será matéria de interesse também aqui, apenas os sermões

que evidenciem os sinais de superioridade e autoafirmação protestante, segundo

o entendimento do autor desta dissertação, como seguem: Entrai pela porta

estreita; O viver é Cristo; Deus é caridade; A fé e a visão; A caridade; Os filhos

do pacto; A Ceia do Senhor; Ação de graças a Deus; Os meios de graça; Tudo

está cumprido; Cristo crucificado; Somos filhos de Deus; e A vida eterna: em que

consiste.

4.2.1 – Do ministro de Deus.

No seu décimo quarto discurso, provavelmente pregado em abril de 1867,

Simonton faz um breve resumo do seu trabalho missionário já realizado entre

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1861 e 1867. Já no início deste discurso aparecem sinais de autoafirmação de

Simonton como representante legítimo de Deus em terras brasileiras.

Há alguns dias antes de completar seis anos de ministério no Brasil,

Simonton (2008, p. 131) afirma neste discurso. “Em poucos dias se completará

o sexto ano em que explico a Palavra de Deus nesta corte”. E depois de fazer

breve relato dos trabalhos realizados entre 1861 e 1862 e mostrar alguns frutos

ele diz: “Assim foi que Deus plantou a nossa igreja”.

Simonton não tinha dúvida se ser um ministro de Deus, que discursava

em nome de Deus e trabalhava para Deus.

Acho grata a memória daqueles dias, em que tudo estava por fazer. Decerto que se não houvera crido que esta obra é de Deus, não a tivera começado em face de tantas dificuldades. Foi Deus quem deu o crescimento às primeiras sementes tão mal semeadas, e hei de ter sempre aquela antiga sala da Rua Nova do Ouvidor como um padrão recordando o socorro obtido da parte

de Deus. (SIMONTON, 2008, p. 131, 132).

Simonton (2008, p. 132) ratifica sua posição de ministro a serviço de Deus

nos exemplos que ele mesmo cita ao fazer uma espécie de retrospectiva do seu

ministério, se referindo a uma sala maior na Rua Sete de Setembro, adquirida

para a realização dos seus trabalhos em 1863 ele declara que “lá também se

manifestou o poder de Deus”. Entre este e outros exemplos Simonton diz ao seu

público. “Sei como é grato ao crente recordar as provas da bondade de Deus, e

como todo lugar em que Deus se lhe manifesta é, em certo sentido, sagrado”.

Com respeito a outro salão ocupado em 1864 Simonton (2008, p. 132).

“Mesmo abstendo-me de falar do socorro lá obtido da parte de Deus, e das

diversas conversões operadas pelo Espírito Santo”. Simonton se refere ao último

local de culto. “Não posso deixar de manifestar a esperança de que nem a

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eternidade poderá apagar de vossa memória os sentimentos de gratidão pelos

favores e bênçãos lá gozados”.

Simonton (2008, p. 132) afirma não só a aprovação de Deus do seu

ministério, mas também o seu auxílio. “O socorro que temos recebido é tão

manifesto, que é impossível que alguém o não reconheça, e tão precioso que é

impossível que não manifestemos gratidão”.

4.2.2 - Da Escritura Sagrada.

Segundo Simonton, o fundamento do seu discurso é a Escritura Sagrada.

Neste seu décimo sexto discurso, ele apresenta a base que, segundo ele, dá

veracidade ao seu discurso.

Para que ninguém me acuse de ter inventado esta explicação do rasgar do véu do Templo no instante da morte de Cristo, lerei as provas em que me fundo. Sei muito bem que a minha palavra não merece crédito se ela não combinar exatamente com o testemunho da palavra escrita de Deus. Para esta regra de fé e doutrina eu apelo de bom grado. (SIMONTON, 2008, p.163).

Nesta citação, Simonton se refere aos livros bíblicos de Isaías e Hebreus.

Assim também, neste mesmo discurso Simonton toma como base o livro sagrado

para se autoafirmar desacreditando o discurso do outro e ao mesmo tempo se

colocando como superior.

O preço pago na cruz de tal maneira satisfez a justiça divina, que desde a hora em que Jesus disse: “Tudo está cumprido” até o presente, nenhuma alma contrita e crente tem tido precisão de valer-se da intervenção de nenhum outro sacerdote, com seus sacrifícios, seus turíbulos e suas ricas vestimentas. (SIMONTON, 2008, p. 163).

Mais adiante Simonton reafirma a exatidão do seu discurso dizendo:

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Não se diga que da narração dos evangelistas estou tirando conclusões que me inspira a minha própria imaginação, nem tampouco que procuro agradar-vos com esperanças doces, porém ilusórias. Não, e muito ao contrário, eu apenas faço o que cabe as minhas forças para dar uma ideia exata, embora fraca, do valor da morte sacrificial do Redentor, o qual, havendo removido o véu que servia de divisão entre Deus e os crentes, torna valiosa a mais fraca súplica feita em seu nome, pela sua contínua intercessão à destra do Pai. Estou a repetir as promessas e convites que nosso Senhor fez estando ainda na terra. (SIMONTON, 2008, p. 169).

Simonton conclui sua autoafirmação e defesa doutrinaria, afirmando como

sendo legítimas porque, segundo ele mesmo declara (2008, p. 170), “essas e

outras muitas promessas de Jesus, [...] são o apoio do meu discurso e das

doutrinas nele apresentadas. São essas doutrinas necessárias à salvação, e o

púlpito que as não pregar não conseguirá nada de bom.

No seu vigésimo discurso, Simonton mais uma vez afirma ser o seu

discurso fundamentado nas Escrituras Sagradas.

Tenho procurado dar testemunho de Jesus crucificado, o qual é a sabedoria e a virtude de Deus para a salvação dos que nele creem. Não tenho acrescentado nada à doutrina de Paulo, e, se a minha exposição não é tão perfeita como deve ser, é porque não posso acrescentar mais riqueza e instrução a um assunto ato rico e instrutivo. (SIMONTON, 2008, p. 212).

4.2.3 - Do ser verdadeiro cristão.

O conceito do que é ser verdadeiro cristão, por si só já se constitui uma

afirmação de superioridade doutrinária. O missionário Simonton se propõe a

revelar os elementos que provam ser alguém verdadeiro cristão. Ele revela o que

é necessário apresentar como evidência de que se é cristão verdadeiro.

Para ser cristão verdadeiro é mister a cada homem tal mudança interior, que não só servirá de provar a ele mesmo a verdade da sua fé, mas também dará belos frutos à vista de todos os seus

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conhecidos. O aperto de uma sincera e verdadeira profissão da religião de Cristo é tal, que não é coisa que se faz sem consideração. (SIMONTON, 2008, p. 23).

No primeiro discurso destaco inicialmente a descrição que Simonton faz

do que é ser cristão, segundo a sua perspectiva protestante. Ele diz (2008, p.

18). “Para ser cristão é necessário ser nova criatura; é necessário sentir e

confessar a nossa insuficiência e fraqueza; e, sentindo e confessando tudo isto,

é-nos necessário dizer do coração: Senhor, salva-nos, que perecemos”.

Simonton ainda vai afirmar e descrever o que é ser verdadeiro cristão para

brasileiros que se declaram cristãos. Ele diz que o cristão verdadeiro passa por

uma mudança interior que refletirá na sua conduta (2008, p. 23). “Para ser cristão

verdadeiro é mister a cada homem tal mudança interior, que não só servirá de

prova a ele mesmo a verdade da sua fé, mas também dará belos frutos à vista

de todos os seus conhecidos”.

Ele também afirma, segundo a sua visão protestante, que o verdadeiro

cristão é também inimigo do mundo, faz-lhe oposição (2008, p. 24). “Aquele que

se propõe a viver a vida cristã deve contar com a oposição do mundo; e a única

maneira de livrar-se desse ódio é renunciar à fé. Não há outro meio termo. Não

se pode gozar a amizade de Cristo e a do mundo”.

Simonton também assume, no seu oitavo discurso, uma postura de

superioridade pelo fato de se apresentar capaz de distinguir entre o verdadeiro

cristão e o falso cristão, com base na estrutura do pensamento protestante. Ele

afirma (2008, p. 83) que o verdadeiro cristão é aquele que “anda por fé e não por

visão. Os demais homens andam por visão e não por fé”.

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Ao se referir aos que “andam por visão” neste discurso, Simonton (2008,

p. 82, 83) mais adiante diz que “são objetos visíveis que os sentidos percebem

e gozam. E entre esses objetos há um que representa a todos eles, pois que por

todos eles pode ser trocado. É o ouro”. E neste contexto Simonton inclui a religião

Católica, considerando-a, também neste aspecto inferior no seu proceder para

com os seus fiéis.

Tudo obedece ao que tem dinheiro e faz dele uso pródigo. Até tem valor religioso, se se pode julgar por fatos tão notórios que são sabidos por todos. Objetos de culto religioso são fabricados e trocados por ouro. As portas do purgatório giram sobre eixos de ouro, e crê-se vulgarmente que quem paga direitos em ouro ao sucessor de Pedro sobre a terra tem a seu favor a probabilidade de uma entrada franca pelas portas do céu, cujas chaves pendem da cintura do pescador Galileu. (SIMONTON, 2008, p. 83).

Ele apresenta o cristianismo na perspectiva protestante reformada do

discurso de superioridade (2008, p. 84). “A esse respeito a religião cristã difere

de todas as demais religiões seguidas no mundo. Não consente que se renda

culto a objeto algum visível”.

A afirmação acima manifesta a superioridade do pensamento religioso de

Simonton em detrimento ao catolicismo. Mas ele continua e afirma (2008, p. 84)

que “os cristãos [segundo a perspectiva protestante] andam por fé pelo motivo

de se julgarem cidadãos de um reino invisível”.

Logo, segundo Simonton, considerando que os cristãos católicos se

utilizam de recursos visuais como imagens, penitências, missas e sacramentos,

não podem ser considerados cristãos, no sentido correto da palavra, segundo o

entendimento simontiano.

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Ainda no décimo discurso (2006, p. 101), Simonton afirma que “só o

Espírito Santo serve de Consolador e de Guia para os crentes”. Simonton

considera “crentes” os discípulos de Jesus no Novo Testamento, porque ao se

referir ao Evangelho de João (16. 13, 14), quando Jesus dá a ordem para que

seus discípulos não saiam de Jerusalém até que se cumpra a promessa,

Simonton destaca que eles obedeceram e acrescenta que “o Espírito Santo foi

derramado sobre todos os crentes que, fiando-se na palavra de Jesus, estavam

reunidos em Jerusalém”.

Esses “crentes” são também os que Simonton considera como os “fiéis”

de hoje (2006, p. 102, 103). “Desde aquele dia até hoje o Espírito habita nos

fiéis”. Mais adiante, ele próprio se inclui entre estes. “Que admirável é esta

doutrina! O Espírito Santo consente habitar em criaturas tão indignas como

somos nós”! Ele continua afirmando que “nosso Senhor, sempre fiel às suas

promessas, oferece-nos o dom do Espírito Santo, dizendo que este ficará

eternamente conosco [...] O Espírito Santo fica morando nos crentes”.

Nestas declarações Simonton faz autoafirmações de superioridade

doutrinárias em relação àqueles que ele considera que pouco ou nada entendem

das Escrituras Sagradas, mesmo aqueles que, na ocasião, tinham acesso a ela.

Neste mesmo discurso Simonton declara o seguinte.

Como é raro encontrar com quem procura saber a vontade de Deus, indagando nas Escrituras Sagradas onde se acham as mesmíssimas palavras de Deus. Quantas pessoas haverá nesta cidade que assim se ocupam na leitura das Escrituras? E do outro lado quantos não são os que cegamente obedecem aos costumes do país, preferindo ser guiados por leis impostas por homens cujo caráter eles mesmos reprovam! (SIMONTON, 2006, p. 105).

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Simonton chega a declarar que o nível de conhecimento até mesmo dos

detém as Escrituras é muito inferior (2006, p. 105), “mesmo aqueles que têm o

livro de Deus e às vezes se dão à leitura dele, quantos não há que pouco ou

nada entendem o que leem.” Simonton compara tais pessoas aos “escribas e os

fariseus antigos” que mesmo tendo estudo e inteligência, perseguiram e

crucificaram a Jesus Cristo, o Messias, conforme é apresentado nas Escrituras

Sagradas. Ele conclui seu discurso neste ponto, afirmando que “o Espírito Santo,

o Consolador, o Espírito de verdade, não mora nesses homens incrédulos”.

4.2.4 - Do correto viver cristão.

No seu segundo discurso, Simonton se propõe a apresentar segundo sua

visão protestante, o correto viver cristão. Ele afirma que o viver cristão não busca

satisfação pessoal antes, porém, o cristão tem por finalidade viver para a glória

de Cristo (2008, p. 31). “Quem imitar a Paulo, fazendo da glória de Jesus Cristo

a sua regra, não poderá errar muito na direção de sua vida”.

Segundo a visão protestante de Simonton, este princípio deve ser aplicado

no cotidiano da vida de todos os que se dizem cristãos (2008, p.31). “Se trata da

escolha de uma ocupação ou de um emprego. Deve-se perguntar: Como há de

ser em relação à glória de Cristo? Poderei eu nesta ocupação conseguir melhor

que em qualquer outra o grande fim de minha vida?” Portanto, para Simonton “o

grande fim da vida” de todo cristão é a glória de Cristo.

Simonton deixa evidente em seu discurso protestante, o entendimento de

que a fé cristã deve ser manifestada na vida do indivíduo cristão, através da

piedade cristã, isto é, todo cristão deve buscar o grande fim da sua vida, que

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segundo ele, é a glória de Deus (2008, p. 31). “Ou se alguém pensa em casar se

ou dá qualquer passo importante, deve considerar primeiro se assim pode melhor

servir a Cristo”. Simonton ainda aplica este mesmo princípio cristão como sendo

a solução para se resolver os conflitos entre os cristãos (2008, p. 31). “Também

muitas questões delicadas entre irmãos no Senhor Jesus Cristo facilmente se

resolvem uma vez que indaguemos para achar a solução que mais contribuirá

para a honra de Cristo”.

Desta forma, podemos observar que o discurso protestante de Simonton,

quanto ao viver cristão, se propõe a ser superior à prática cristã católica. Temos

que considerar que há uma diferença grande entre o viver cristão católico

destacado pelo próprio missionário e o que ele apresenta nestas últimas linhas.

E este é apresentado como sendo superior e o verdadeiro viver cristão em

relação ao outro.

A análise que Simonton faz do modo de vida cristã neste discurso, e é

evidente que ele está considerando o contexto da sua época, retrata o que ele

considera um nível de vida inferior entre os cristãos.

Entre os cristãos dá-se a mesma indecisão. Todos querem salvar-se e servir a Jesus Cristo. Porém, fazem tantas reservas que se torna difícil dizer o que querem de preferência. Querem alcançar o céu sem perder as coisas mundanas. Aspiram à coroa dos santos e mártires, contanto que não tenham de abandonar os títulos e as honras que o mundo mais estima. Querem servir a Cristo se esse serviço puder conciliar-se com a própria dignidade. (SIMONTON, 2008, p. 28).

Simonton ainda continua sua análise do nível de vida entre os cristãos e

ao comparar com o nível de vida cristã encontrado no apóstolo Paulo, ele declara

que o nível de vida dos cristãos está muito abaixo do de Paulo.

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A maior parte dos cristãos está muito abaixo de Paulo, nem tem vontade de imitá-lo. Não querem sacrificar sua comodidade, nem sua reputação, nem seus bens. Embora remidos por Cristo, e por isso devendo-lhe tudo, pretende fazer o que sucede com tantos negociantes falidos, que mandam chamar seus credores e prometem pagar um tanto a cada um. É de admirar que Cristo se digne aceitar um coração tão repartido como o são os de muitos cristãos. (SIMONTON, 2008, p. 31).

Segundo a visão protestante de Simonton, a igreja cristã tem o objetivo de

oferecer aos cristãos um fim único e superior, a glória de Cristo.

A igreja de hoje continua a obra dos apóstolos. O fim é o mesmo. A glória de Cristo é a mira que temos em vista. Cada um de vós está chamado para tomar parte nas fadigas e provações deste trabalho, para também ter parte na glória que dele redundaria ao Salvador. (SIMONTON, 2008, p. 33).

4.2.5 - Da verdadeira doutrina.

Ainda no seu primeiro discurso, o missionário americano se propõe ainda

a demonstrar para cristãos brasileiros, ainda neste primeiro discurso, o que é a

verdadeira doutrina. Ele diz (2008, p. 19). “A verdadeira doutrina se conhece pela

pureza dos seus preceitos, pela perfeição de sua moral e pela sua superioridade

sobre todas as invenções do homem”.

4.2.6 - Do correto entendimento da doutrina do batismo.

No décimo primeiro discurso Simonton revela o correto entendimento da

doutrina do batismo, segundo o seu entendimento. Ele diz (2008, p. 109) que a

crença geral era e ainda é que todo cristão, entregando-se a Jesus pela fé, é

“permitido não só receber para si o selo da nova aliança, o qual é o batismo, mas

igualmente tem o direito ao batismo de seus filhos que ainda não estejam com a

idade suficiente para professar a própria fé”.

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Simonton (2008, p. 109) afirma que esta doutrina é a dele e, ele crê que é

a “dos apóstolos e da palavra divina” também. No entanto, contrariando o dogma

católico, Simonton afirma que o valor deste sacramento nas crianças, “depende

afinal e essencialmente da bênção de Deus, que nunca deixa mais tarde ou mais

cedo de acompanhar todo ato feito em atenção aos preceitos da sua santa lei”.

(2008, p. 116). E também, contrariando e combatendo o entendimento desta

doutrina por outros protestantes Simonton afirma (2008, p. 116). “Digo, pois, aos

pais crentes com toda a confiança: não vos incomodeis com as objeções levianas

que talvez se vos façam no sentido de desacreditar esse ato religioso”.

A autoafirmação e superioridade doutrinária de Simonton fica evidente na

sua apologia como segue.

Apontemos e cortemos as falsas ideias que alguns têm feito do batismo. [...] Alguns, por exemplo, ensinam que o sacramento do batismo por si lava os pecados e regenera a alma da pessoa batizada. Segue-se por consequência que as crianças que morrem na infância vão para o céu se foram batizadas, e para o inferno se não o foram. [...] Outros entendem que o batismo nada é senão um costume, ou pelo mais um meio de dar o nome à criança. (SIMONTON, 2008, p. 117).

Simonton conclui (2008, p. 117) este ponto afirmando que está convencido

que este é o entendimento correto desta doutrina, porque ela tem como “base

toda a palavra de Deus e serve para magnificar a graça do Senhor, o qual usa

de misericórdia com mil gerações daqueles que o amam e guardam os seus

preceitos”. Ou seja, entre o catolicismo e até mesmo entre protestantes,

Simonton se mostre superior no conhecimento correto desta doutrina.

4.2.7 - Do correto entendimento da doutrina da verdadeira fé.

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No seu terceiro discurso, Simonton continua sua polêmica e demonstra se

considerar um pregador e defensor da “doutrina da verdadeira fé” porque ele diz:

“Toda a doutrina contrária à verdadeira fé é uma heresia. Todo o que segue ou

adota uma heresia chama-se herege”. Aqui, Simonton critica tanto o sistema

religioso considerado por ele herege, como o seguidor desse sistema religioso.

Ele considera a doutrina do caráter de Deus como a mais importante e

fundamental para a religião e, portanto, necessária à verdadeira fé. Se

considerando conhecedor do verdadeiro caráter de Deus ele afirma (2008, p. 35):

“É evidente, pois, que aquele que nega o verdadeiro caráter de Deus, que

contraria obstinadamente a verdade sobre este ponto capital da nossa fé, é o

maior herege possível”. Considerando a importância dessa doutrina para o

sistema religioso ele diz: “Porque, se for ignorado ou negado o caráter do objeto

da nossa fé e do nosso culto, todo o sistema que adotamos será falso”.

Simonton considera tão fundamental o conhecimento correto do caráter

de Deus para o indivíduo, que afirma o seguinte (2008, p. 35, 36): “Aquele que

ignora a Deus, afirmando ser ele uma coisa quando na realidade é outra, está

em trevas. Tal pessoa é incapaz de compreender ou de explicar as doutrinas da

fé”. Ele continua com suas afirmações, do ponto de vista de quem conhece e

proclama a verdade sobre o caráter de Deus. “Ser teólogo sem saber o caráter

de Deus é o mesmo que ser geógrafo sem saber a forma do mundo”.

No seu nono discurso, Simonton (2008, p. 93) afirma que o homem é

avalizado por Deus pelo grau de amor “À vista de Deus somos avalizados

conforme o grau de nossa caridade. Se a alguém falta essa virtude, segue-se

que essa pessoa nada faz que seja conforme a lei”. E continua afirmando que o

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108

amor é o elemento que mede a fé do verdadeiro cristão “a fé, sendo verdadeira,

obra por caridade. Pois a medida da vossa fé há de ser a vossa caridade”.

Simonton (2008, p. 94), porém, vivendo numa cultura católica, faz questão

de esclarecer que “a caridade é uma virtude interior, e os atos exteriores não são

aceitos sem que sejam inspirados por esse belo sentimento”. Simonton ainda

afirma que “quem dá aos pobres movido por motivos egoístas não pratica a

caridade”.

4.2.8 - Da doutrina da correta celebração da Ceia.

Neste discurso décimo terceiro, da Ceia do Senhor, Simonton afirma que

o ritual da Ceia, ministrado segundo o seu entendimento, na “simplicidade

primitiva” é o correto.

Temos diante de nossos olhos um rito estabelecido na noite em que nosso Redentor foi entregue. Essa ceia divina tem atravessado dezoito séculos, e, embora muitas vezes desfigurada por práticas profanas, torna a aparecer em sua simplicidade primitiva, confirmando a fé dos verdadeiros servos do Senhor e demonstrando sua origem divina. (SIMONTON, 2008, p. 123).

Na afirmação que segue Simonton se um guardião fiel deste sacramento,

rejeitando os ritos de invenções dos homens.

Hoje celebramos mais uma vez a Ceia do Senhor, observando à risca os preceitos do evangelho, e rejeitando as cerimônias de origem humana que tendem a misturar-se com as leis de Deus como o musgo se mistura nas árvores e muros velhos. Felizmente temos um meio de fazer separação entre o que Cristo ordenou e o que se acha prescrito em nome de Cristo. Felizmente o Senhor não só velou pela transmissão desse sacramento, mas também com ele nos dá uma revelação escrita, na qual vemos o cerimonial seguido pelo Senhor mesmo e pelos discípulos primitivos. (SIMONTON, 2008, p. 124).

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Simonton (2008, p. 124) demonstra convicção da realização desta

cerimônia à sua maneira, pois, declara que a sua resposta aos que quiserem

questioná-lo a esse respeito é esta: “é a Ceia do Senhor que nos reúne aqui.

Simonton ainda afirma, “obedecemos ao seu último preceito, sem nos

afastarmos em uma só vírgula de seus termos”.

Na continuação, o missionário americano demonstra a superioridade do

rito da Ceia segundo o seu entendimento. Esta superioridade se apoia na

simplicidade da cerimônia, contrapondo-se com o aparato e a pompa,

obviamente, do catolicismo, por ele desprezado.

Pode ser que o aparato e a pompa tornasse esse ato mais interessante para a multidão que só aprecia o visível; mas, nesse caso, seria convertido em uma coisa sem significação nem valor espirituais aquilo que devia ser a Ceia do Senhor. Poderia ser um magnífico espetáculo chamando com muita arte o concurso dos homens, mas nem por isso mereceria nunca o nome de Ceia do Senhor. Só pode chamar-se por este nome aquilo que o Senhor mesmo instituiu. (SIMONTON, 2008, p. 124).

Segundo o discurso de Simonton, o discurso do outro, da Ceia do Senhor

é inferior e é falso porque carece do correto conhecimento. De acordo com

Simonton, os elementos da Ceia, o pão e o vinho, são representativos do corpo

e do sangue de Cristo.

Da representação do pão Simonton diz (2008, p. 125). “Cristo se nos

oferece como o pão da vida. A ação de partir esse pão representa como o pão

verdadeiro foi quebrantado sobre a cruz para dar vida às nossas almas”. Da

representação do vinho ele também diz (2008, p. 125). “O vinho derramado figura

o sangue do Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”. Portanto,

segundo Simonton, o pão e o vinho devem ser recebidos na boca dos crentes

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como tais, ou seja, o pão e o vinho, alimentos para o corpo e, espiritualmente o

corpo e sangue de Cristo, alimentos para a alma.

A celebração da Ceia, segundo o discurso simontiano (2008, p. 125), deve

ser praticada também como um memorial. “O simples cerimonial recorda o que

se passou há dezoito séculos. De um golpe de vista, percebemos o valor real do

sacrifício consumado sobre a cruz”.

Antes de concluir, Simonton ainda afirma superioridade da celebração da

Ceia sob o aspecto da representação (2008, p. 125): “temos aqui uma

representação do fato fundamental da nossa fé, feita com tanta simplicidade que

fala antes ao entendimento e ao coração de que aos sentidos”.

A polêmica do discurso de Simonton aqui e a respeito do dogma católico

da transubstanciação, segundo o missionário, o ritual protestante é verdadeiro e,

portanto, superior porque o ato da Ceia significa o crente alimentando-se

espiritualmente do seu Cristo.

Para que esta comunhão seja real e valiosa, para que seja um sacramento em que a alma se una a Cristo, é forçoso fugirmos da ideia material que, ao passo que confunde a inteligência, pretende alimentar o espírito com uma comida e bebida carnais. (SIMONTON, 2008, p. 128).

Quanto a transubstanciação, Simonton ainda declara de maneira enfática

que é doutrina falsa.

Estais enganados; querendo tornar material este ato, vós o degradais de modo que deixa de ser real no mais profundo sentido da palavra. O mais fervoroso crente receberá tanto como o hipócrita; um João ou Pedro não terá mais do que Judas; a boca comungará, mas o coração ficará em jejum, seguindo-se consequências que não se podem contemplar sem estremecimento terror involuntário. (SIMONTON, 2008, p. 128).

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Simonton conclui afirmando a superioridade desta doutrina (2008, p 125).

“Portanto, comemos a Ceia do Senhor em sentido importante e belo. Cristo, real,

mas espiritualmente, se nos oferece como o pão espiritual, e todo crente como

tal o recebe não na boca, mas no coração”.

4.2.9 - Do correto entendimento do uso dos meios de graça.

Neste discurso, o décimo quinto, Os meios de graça, Simonton (2008, p.

136) afirma que “o verdadeiro teólogo, que se propõe a ensinar o caminho da

salvação tem em mente que o ponto central da fé é crer e afirmar que o Salvador

é um só, é Ele e não os meios de graça o mais importante”.

Esta afirmação de Simonton se sobrepõe ao discurso católico do uso dos

meios de graça, que segundo ele são usados como obras meritórias para a

salvação. Assim, o discurso simontiano dos meios de graça se autoafirma

superior ao discurso do outro porque assume ter o entendimento correto do uso

destes.

A superioridade simontiano se caracteriza na declaração como segue

afirmando (2008, p. 136). “O teólogo que se propuser a explicar o caminho da

salvação sem ter convicção íntima desta verdade central perderá o seu trabalho.

Seria um marinheiro que não soubesse usar a bússola. Logo, Simonton como

teólogo se julga conhecedor da verdade central do trabalho de um teólogo.

Ele afirma (2008, p. 136) ainda que o Salvador é Jesus Cristo. “Em razão

de ser Deus e homem, é a fonte de toda a graça. [...] A ele é devida a eficácia de

quaisquer meios de que se faz uso na salvação da raça humana”.

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Segundo Simonton, o seu discurso é superior por ser verdadeiro em

relação ao outro. Se referindo ao ensino do outro ele declara (2008, p. 136), que

existem livros que tem o propósito de tratar dos interesses da alma, mas suas

páginas omitem a verdade central de que só há um salvador. E a leitura deles

tem como resultado um “sistema de religião no qual os meios da graça, e o

Salvador vivo é substituído por cerimônias e ritos que, divorciados da sua

dependência natural, são mortos”.

Simonton (2008, p. 136) conclui seu discurso com um olhar inferior para o

discurso do outro afirmando o seguinte. “Assim o cristianismo converte-se em

meras formalidades, e a pobre criatura humana que abraça, depois de uma

infinidade trabalhos, morre à míngua de verdadeiros meios de salvação”.

A autoafirmação discurso simontiano se dá também pela posse do

conhecimento verdadeiro do que é essencial em matéria de salvação do pecador

(2008, p. 138). “O essencial em matéria de salvação, aquilo sem o que não se

salva, e com o que não pode haver perdição, cifra-se nisto: um Salvador tal qual

é Jesus, e fé nele da parte de qualquer pecador.

A sua superioridade se dá na autoafirmação com base na verdade,

segundo seu entendimento, em detrimento do discurso do outro.

Ah! Quantos abusos não se têm introduzido nos dogmas e nos costumes da igreja de Cristo, pelo simples esquecimento da dependência por ele estabelecida entre estes meios de graça! Ouve-se muitas vezes uma pregação que nada tem com o evangelho. Por consequência dão-se superstições, lendas e fábulas. (SIMONTON, 2008, p. 138).

4.2.10 - Da verdadeira religião.

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Simonton ainda ousa afirmar que existe uma verdadeira religião e passa

a descrevê-la em seu discurso (2008, p. 19) como uma religião diferente. “A

verdadeira religião difere de todas as mais em repreender severamente a

maldade e os vícios dos homens, e em exigir um culto não fingido e falso, mas

nascido de um espírito atribulado e sincero”.

Simonton discursa para cristãos brasileiros, propondo a “verdadeira

religião” e a “verdadeira doutrina”. Estas palavras por si só já apresentam

evidências de superioridade porque significa dizer que a religião e a doutrina

apresentada pelo missionário americano são as únicas de fato verdadeiras e as

demais são falsas e, portanto inferiores.

Simonton entende que a verdadeira religião ou o verdadeiro cristianismo

requer dos seus seguidores uma disposição para obedecer a Cristo, desprendida

das honras e da amizade do mundo (2008, p. 22). “Jesus exige daqueles que o

seguem que tomem a sua cruz e que se sujeitem a sofrer com paciência o

opróbrio e a inimizade do mundo”.

Depois de acusar o sistema religioso católico de sistema fácil e cômodo,

porque ele diz (2008, p. 18), se referindo ao catolicismo que, “para ser devoto de

ídolos não se exige mais do que um culto exterior” e segue afirmando que muitos

entendem errado o cristianismo, para estes, “ser cristão e seguir o caminho da

salvação basta ser batizado”. Simonton apresenta uma visão superior, na

perspectiva protestante, do que é ser cristão. Ele afirma que um sistema religioso

fácil e cômodo, não representa o verdadeiro evangelho, é falso.

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O sistema religioso que sabe reconciliar os preceitos de religião com as máximas e usos do mundo; que em vez de um arrependimento profundo aceita uma obra de penitência ou concede uma indulgência debaixo de condições fáceis; que se contenta com o batismo em vez do novo nascimento sem o qual ninguém pode entrar no reino dos céus; e que tem substituído o culto espiritual por outro que só faz impressão nos sentidos – este sistema tão fácil e tão cômodo não é o do evangelho. (SIMONTON, 2008, p. 24).

Simonton apresenta o verdadeiro sistema religioso, segundo sua

perspectiva protestante, que representa o verdadeiro evangelho, ao contrário do

sistema religioso fácil e cômodo do catolicismo, demonstrando o que é

necessário para entrar no verdadeiro evangelho.

Lembrai-vos de que estreita é a porta e apertado o caminho do evangelho. Para lá entrar, o homem carece despir-se tanto dos seus merecimentos como dos seus vícios. É necessário ser nova criatura pela obra do Espírito Santo, vestindo-se dos merecimentos do seu Salvador. Seus desejos, seus merecimentos, sua mesma natureza, tudo é contaminado. A mudança deve ser completa. É necessária, pois de outra sorte não se pode entrar pela porta estreita. (SIMONTON, 2008, p. 24).

O discurso simontiano tem a pretensão de superioridade, porque se

propõe a apresentar o verdadeiro caminho para a salvação, em detrimento do

apresentado pelo sistema religioso católico. O discurso simontiano revela que,

ao contrário de ser um caminho fácil, o caminho para o céu é um caminho de

renúncias que exige uma transformação de vida, costumes, mudança de mente

e atitudes, é um caminho que exige sacrifício pessoal.

Eis aqui o que quer dizer – entrar pela porta estreita. É preciso que vos sintais pecadores, desgraçados, e sem recurso em vós mesmos ou em qualquer parte a não ser aos pés do vosso Salvador. Não vos demoreis fazendo desconto dos vossos pecados, ou querendo tornar-vos dignos de ser aceitos e perdoados. Tudo isso é coisa impossível. É duvidar da bondade de Jesus. É recusar a sua graça. (SIMONTON, 2008, p. 25).

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Portanto, Simonton afirma, segundo a sua visão protestante, que ao

contrário do que apresenta o catolicismo brasileiro que, para a salvação é

necessário apenas obras de penitência e indulgência, o que se constitui

condições fáceis para a salvação da alma, segundo a visão protestante de

Simonton (2008, p. 24, 25) isto só é possível mediante “um arrependimento

profundo”.

O discurso protestante, segundo Simonton (2008, p. 25), afirma então, que

“para assim ir a Jesus, não é mister mais do que descansar nos seus

merecimentos e na sua graça”. Portanto, segundo Simonton, para nada serve as

obras de penitência e indulgência católica, no que diz respeito ao favor da graça

divina. No seu discurso, ele afirma que é indispensável apenas “uma fé simples,

firme e do coração: eis aqui o que se vos exige. Eis aqui o meio de entrar pela

porta estreita”.

Desta forma, Simonton se propõe a apresentar em seu discurso o único e

verdadeiro meio pelo qual se alcança o caminho para o céu, em detrimento aos

meios apresentados pelo sistema religioso católico. Isto é o que a verdadeira

religião ou o verdadeiro cristianismo exige do pecador.

A postura do discurso religioso de Simonton evidencia o tipo de discurso

que Citelli (2005, p. 48, 49) classifica como discurso autoritário, que provém de

quem irá ditar verdades absolutas? Ele pode ser classificado também como o

discurso da dominação? É evidente que sim, considerando, sobretudo porque o

missionário está fazendo defesa e autoafirmação doutrinária, segundo seu modo

de crença.

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No entanto, segundo a descrição dos três discursos apresentados por

Citelli (2005, p. 48, 49), em todos eles pode ser verificado as duas faces

antagônicas do discurso; a de condenação e de autoafirmação. Isto é, do

contraditório.

4.2.11 - Do verdadeiro conhecimento do caráter de Deus.

Ainda no seu terceiro sermão Simonton declara que nem o catolicismo

nem o deísmo, a religião dos filósofos, entendem e ensinam corretamente sobre

o caráter de Deus. Mas ele apresenta o verdadeiro conhecimento do caráter de

Deus sob a ótica protestante, como sendo entre as três, a única correta.

Meus amigos, Deus não é o que dizem aqueles que estudam as obras que a natureza apresenta, nem é o juiz vingativo que o coração humano figura. Escutem todos o testemunho que Deus mesmo dá acerca do seu verdadeiro caráter. (SIMONTON, 2008, p. 38).

Apesar de Simonton (2008, p. 38-40) citar literalmente cada passagem

bíblica (Jo 1.7-18; 3.1-3; 1Pe 1.3-5; Tg 1.5,6; Rm 5.1-11; Jo 3.16,17; Jo 6.38-40

e Jo 16.25-27) para revelar o verdadeiro caráter de Deus, na conclusão deste

discurso, ele apresenta também o seu entendimento sobre este aspecto

doutrinário, opondo-se tanto ao dos filósofos quanto ao catolicismo. O que não

poderia ser diferente considerando que a formação teológica de Simonton é de

matriz protestante.

Portanto, sob a perspectiva doutrinária simontiana, de matriz protestante,

o verdadeiro caráter de Deus se opõe caráter do Deus ausente do deísmo e ao

caráter vingativo e irado do Deus do catolicismo. Simonton (2008, p. 41) vai

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117

concluir este discurso afirmando que “Deus é caridade”. Esta afirmação reproduz

a superioridade do discurso protestante de Simonton.

4.2.12 - Do livre acesso a Deus.

Neste vigésimo primeiro discurso, Somos filhos de Deus, também é

evidente a superioridade em relação ao discurso do outro. Nele Simonton se

propõe a revelar o livre acesso do filho de Deus, ele aproxima o crente do seu

Deus através de um relacionamento direto e sem a necessidade de

intercessores. “Vou mostrar que nenhum cristão é órfão e que de fato Cristo lhe

assiste”. (2008, p. 215).

Simonton (2008, p. 216) diz que a pessoa que medita todo dia na Bíblia

“sente-se ainda discípulo na escola de Jesus Cristo [...] E, com efeito, Jesus

Cristo vem a todo aquele que se aplica ao estudo da sua Palavra. Por intervenção

do Espírito Santo dá ao crente a inteligência das coisas que lê”.

Simonton ainda declara (2008, p. 218). “O Salvador está mui perto dos

que o procuram. Está presente em todo aposento cuja porta está fechada para

que, banindo o mundo, o cristão possa conversar com o seu divino Salvador”.

O discurso de Simonton mais uma vez é de autoafirmação e superioridade

em do discurso do outro.

Quanto aos santos e anjos, tudo muda de figura. Não existe nenhum preceito nem exemplo que favoreça a sua invocação. Eles são limitados em seu saber e poder, e, portanto, ninguém tem certeza de ser ouvido, e ainda que o fosse não poderia contar com o alívio impetrado. É singular a leviandade com que se tratam os interesses da alma! (SIMONTON, 2008, p. 218).

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Simonton ainda reafirma a superioridade e autoafirmação do seu discurso

protestante, tomando como base a promessa de Jesus, o Filho de Deus, de não

deixar órfãos os seus discípulos. Simonton declara (2008, p. 219). “Como se

tivesse receio de que, enganados, procurássemos outros intercessores, Jesus

nos preveniu da sua presença espiritual, da sua proteção constante e do seu

amor sem fim e sem variação”.

4.2.13 - Do correto entendimento do que é a vida eterna.

No seu último discurso, Simonton (2008, p. 223) se aplica à moderação

para tratar do conceito da vida eterna, e revelando muita prudência ele afirma.

“Não quero ser exagerado nem fazer juízos temporários, nem creio fazê-lo

afirmando que são poucos os que jamais se deram ao trabalho de indagar

seriamente a natureza da vida eterna prometida no evangelho”.

Portanto, segundo seu modo de pensar, o missionário tem o

conhecimento verdadeiro a respeito do que é significa a vida eterna. Ele declara

(2008, p. 223). “Por via de regra cada um entende por vida eterna a felicidade,

mas poucos procuram saber em que consiste esta felicidade”. E como

conhecedor do assunto, Simonton se propõe “esclarecer este assunto”.

E Simonton (2008, p. 224) passa a declarar primeiramente o que A vida

eterna não é. “Não nascemos com direito à vida eterna. Ninguém toma posse da

vida eterna em nome de seu pai. Ninguém a compra com avultados meios que

tenha herdado ou adquirido”. Ele vai concluir afirmando que a vida eterna não é

como “uma condecoração ou título de nobreza”.

Simonton ainda revela o meio pelo qual a vida eterna é alcançada. Ou

seja, pela fé (2008, p. 225). “A posse da vida eterna e a fé que Jesus requer são

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ligados, de sorte que, se se desse a condição (a qual é a fé) sem que se seguisse

o resultado (o qual é ter a vida eterna), a promessa de Cristo falharia”.

Portanto, o discurso simontiano da vida eterna, revela um bem já adquirido

e aqueles que o tem já desfrutam do seu benefício ainda nesta vida, segundo

Simonton. Ele declara (2008, p. 226) que quem crê em Jesus, tem anulada a sua

condenação. “De inimigo sujeito à ira de Deus, o crente passa a ser contado no

número dos filhos. A vida eterna não é um bem a que aspira. É um bem que já

possui, cujo gozo faz a sua presente felicidade”.

O que crê no Filho de Deus tem esta confiança. Embora tenha quebrado as leis de Deus e seja indigno de coisa alguma, acha em Jesus Cristo abrigo e um perdão gratuito. Esta feliz experiência data o momento em que o pecador ansioso começa a descansar sobre as promessas de Jesus Cristo. Crer no Filho de Deus e vier atormentado de dúvidas e de receios são coisas contraditórias. Todo o que é justificado pela fé tem paz com Deus e, por conseguinte, paz na sua alma. (SIMONTON, 2008, p. 227).

No seu discurso, Simonton ainda condena a fé que espera possuir a vida

eterna após a morte.

Há pouco tempo, conversando com uma pessoa, ouvi-a dizer: Creio e tenho esperança de me salvar. Perguntei-lhe quando é que cuidava salvar-se. Respondeu-me: Quando morrer. Uma tal fé não é o que a Escritura exige. Uma fé que a nada mais se propõe senão a uma salvação futura, que não une a alma a Jesus e opera já os frutos da salvação, é uma fé morta. (SIMONTON, 2008, p. 231).

Ele ainda reafirma (2008, p. 232) o seguinte: “o que crê, tem a vida eterna.

Sabe em parte o que os santos sabem perfeitamente. Deu já o primeiro passo

na senda de um progresso ilimitado. É da família de Deus. É herdeiro da glória”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação se propôs a destacar, ainda que de maneira introdutória,

como a polêmica religiosa e a defesa doutrinária no discurso do missionário

americano, Ashbel Green Simonton, se estruturou e como o seu argumento

polêmico no campo religioso foi dirigido através da ferramenta do discurso.

É evidente que para isto, buscou-se compreender o contexto religioso

brasileiro do século XIX, e também compreender o contexto do missionário na

sua origem, sua formação familiar, acadêmica e religiosa e buscou-se ainda

destacar a linha teológica do Seminário de Princenton que foi a base da

formação teológica do missionário Simonton.

Dado as informações acima, quero concluir fazendo algumas

considerações que julgo ser necessárias e importantes como resultado deste

trabalho e para futuras contribuições de outros estudiosos que tenham o discurso

de Simonton, como matéria de estudo.

Primeiro é necessário destacar o sucesso do discurso religioso do

missionário americano. Apesar da sua pouca idade e da pouca experiência

quando chega ao Brasil, o missionário americano, sendo pioneiro na inserção do

discurso protestante presbiteriano no Brasil, pode logo no início da sua missão

colher os frutos do seu trabalho. Este sucesso é fato inegável hoje, comprovado

pela história brasileira e pelas estatísticas do IBGE realizadas recentemente em

nosso país. A que se deve atribuir tal sucesso? Ao momento histórico religioso

do país? À sua capacidade na arte da retórica? Ao baixo nível do catolicismo

brasileiro?

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Penso que foi o conjunto de todos esses elementos que proporcionou ao

missionário condição favorável para o sucesso da sua missão protestante de

origem americana no Brasil.

Mas há outro elemento que é necessário ainda destacar nesta discussão.

A piedade. Talvez esse tenha sido o elemento que fez toda a diferença para a

realização e o sucesso da missão protestante desse missionário. Digo talvez,

porque não foi este o objeto de estudo neste texto e portanto, não posso fazer

uma afirmação categórica. Mas fica aqui a dica como sugestão para próximas

pesquisas, a piedade de Simonton.

Contudo, pude verificar que a piedade é característica marcante em seus

sermões e também no seu diário. E fica evidente que a sua piedade o prende à

sua missão e obriga Simonton a se dedicar com responsabilidade, zelo e

devoção ao seu ministério. É muito forte a ideia de consagração, de pureza e

santificação, de obediência e fidelidade à sua vocação para o sagrado ministério.

Penso que a junção de todos esses elementos contribuiu para que

Simonton se articulasse em seu discurso, buscando alcançar e convencer os

nativos a assumir a nova fé, à maneira protestante de origem americana.

É digno de nota, destacar que a estratégia de Simonton em seus discursos

para convencer os nativos, não é diferente do que os teóricos da análise do

discurso apresentam. Ou seja, a estratégia usada pelo missionário foi a de

denúncia e autoafirmação. É a autoafirmação em detrimento da condenação do

discurso do outro. É a dialética do verdadeiro x falso.

Termino dizendo que a autoafirmação ou defesa doutrinária de Simonton

tem como base as Escrituras, porém, segundo o entendimento da fé protestante.

Todas as polêmicas de Simonton busca ter esta base, ainda que na maioria das

vezes se verifique que esta é também a base do discurso do outro. Neste sentido,

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o discurso de Simonton assume também características de superioridade, ou

seja, o entendimento das Escrituras, segundo o protestantismo, é o correto e

verdadeiro, por isso é superior.

No entanto, fica evidente também em seu discurso que o missionário está

interessado em falar diretamente ao povo, ou seja, é matéria de interesse para

Simonton o modo de vida do católico e não o sistema católico. O discurso

simontiano chama o indivíduo a mudar de vida, dos costumes e não o sistema

religioso enquanto sistema. Quanto a isto. Mendonça (1995, p. 83) vai atribuir à

prudência de Simonton, o que é inegável, mas também isto não diminui o seu

interesse vigoroso na busca de novos adeptos.

Espero com este texto poder contribuir, ainda que introdutoriamente, para

o avanço dos estudos no campo religioso protestante brasileiro, tendo como

objeto de estudo o discurso protestante do missionário americano Ashbel Green

Simonton.

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123

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S237p Santos, Valmir Rocha Polêmica religiosa e defesa doutrinária no discurso de Ashbel Green Simonton / Valmir Rocha Santos – 2013. 126 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa Bibliografia: f. 123-126

1. Discurso 2. Religião 3. Protestantismo 4. Catolicismo 5. Doutrina I. Título II. Simonton, Ashbel Green LC BX4836.B6