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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 VALORIZAÇÃO E FRAGMENTAÇÃO DO TERRITÓRIO: OS DESMEMBRAMENTOS HISTÓRICO-TERRITORIAIS DE TEFÉ NO AMAZONAS Kristian Oliveira de Queiroz Departamento de Geografia – FFLCH – USP [email protected] A VALORIZAÇÃO TERRITORIAL TEFEENSE A valorização do espaço e posteriormente do território de Tefé no Médio Solimões resultou de um longo período histórico marcado pela presença de diversos agentes, como missionários, exploradores, viajantes, cientistas e indígenas. Esta valorização foi condicionada por contextos relacionados à explotação das drogas do sertão, do direcionamento de políticas territoriais que prezavam a presença das Coroas tanto portuguesa quanto a espanhola e da contribuição do papel comercial advinda de iniciativas privadas regionais e mundiais. Estes agentes contribuíram para criar e ampliar o movimento de mercadorias, pessoas, idéias e informações difundidas a partir de um centro representado por Tefé que foi estruturado em função da posição de seu território na rede de comunicação e transporte. 1972

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VALORIZAÇÃO E FRAGMENTAÇÃO DOTERRITÓRIO: OS DESMEMBRAMENTOSHISTÓRICO-TERRITORIAIS DE TEFÉ NO

AMAZONAS

Kristian Oliveira de Queiroz

Departamento de Geografia – FFLCH – USP

[email protected]

A VALORIZAÇÃO TERRITORIAL TEFEENSE

A valorização do espaço e posteriormente do território de Tefé no Médio

Solimões resultou de um longo período histórico marcado pela presença de diversos

agentes, como missionários, exploradores, viajantes, cientistas e indígenas. Esta valorização

foi condicionada por contextos relacionados à explotação das drogas do sertão, do

direcionamento de políticas territoriais que prezavam a presença das Coroas tanto

portuguesa quanto a espanhola e da contribuição do papel comercial advinda de iniciativas

privadas regionais e mundiais.

Estes agentes contribuíram para criar e ampliar o movimento de mercadorias,

pessoas, idéias e informações difundidas a partir de um centro representado por Tefé que

foi estruturado em função da posição de seu território na rede de comunicação e

transporte.

1972

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Mapa 1 – Tefé no Brasil e no mundo

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2010. Organização Kristian Oliveira de Queiroz. ElaboraçãoCartográfica: Rodolfo Finatti.

1973

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Tefé se tornou um centro de difusão de fluxos que compõem uma centralidade

relevante na periferia amazônida contribuindo de maneira significativa como eixo de

relações econômicas e sociais neste subespaço em razão de suas infraestruturas e

instituições acumuladas no decorrer de mais de dois séculos de história desde a fundação

da vila de Ega em 1755. Tefé é o maior centro urbano na região do Médio Solimões

amazonense (IBGE, 2013; MENEZES, 2009), funcionaliza as amarras territoriais que permitem

a circulação nesta região nos últimos três séculos (PESSOA, 2005). Esta respectiva região tem

nela a sua maior e mais importante cidade (Mapa 1). Mesmo com uma população inferior a

100 mil habitantes1 desempenha um papel político, econômico e cultural relevante para esta

fração do território. Oliveira (1995) comenta sobre as cidades amazônicas:

[...] As cidades amazônicas embora pequenas e com pouca ou nenhuma

importância para as outras regiões do país, tem organização e estrutura que

extrapolam sua dimensão específica, configurando forma e estilos que estão

além da circunscrição espacial. Nelas encontram-se instituições regionais,

nacionais e até internacionais, influenciando de forma direta ou indireta o

cotidiano. Em outras palavras, as cidades amazônicas são produzidas a partir do

específico, tendo dimensões gerais. (OLIVEIRA, 1995, p. 39).

Entre os momentos que contribuíram para a valorização do território tefeense

na formação social e econômica brasileira e amazônida destaca-se2:

1. No século XVII, a valorização das tribos pelos europeus que possuíam melhores

habilidades na localização e coleta de produtos da floresta para encaminhá-los aos

núcleos de povoamento. Isto corroborou para a configuração de uma vantagem

locacional aos interesses da Coroa portuguesa. O nível maior de aculturamento dos

indígenas que habitavam o sítio de Ega3, onde se localiza a atual Tefé, em relação a

outras tribos permitiu um aprimoramento no processo de comercialização de drogas

do sertão, somada à organização social desenvolvida por estes índios no trato com a

sua relativa auto-suficiência provinda da agricultura, da caça, da pesca e da

1 De com o Censo do IBGE de 2010 Tefé possui 61.399 habitantes.

2 A história de Tefé é complexa e rica de eventos e fatos que envolvem diferentes escalas de análises político-espaciais. Não é objetivo deste artigo o aprofundamento da leitura da história de Tefé, mas dos seus principais momentos que permitiram e condicionaram a valorização e a construção de um território envolto à sua posição estratégica na Amazônia e seu papel para a circulação econômica deste subespaço.

3 Baseada em Dickinson (1959), George (1961) e Beaujeu-Garnier (1995) Tourinho disserta que sitio envolve as feições precisas do terreno onde o assentamento surgiu e sobre o qual se expande. O termo posição, ou situação, é usualmente aplicado para significar a localização em relação a um território mais amplo. No caso urbano a posição refere-se a localização da cidade em relação, por exemplo, aos outros núcleos de povoamento ou as vias de comunicação interurbana (TOURINHO, 2011, p.96).

1974

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fabricação de arranjos de argila úteis para armazenagem como jarros, potes, cestas,

panelas, fornos, etc. Entre eles as tribos dos Machiparo, Aisuari e Omáguas. Os índios

situados na posição tefeense, ou seja, na foz do Japurá, do Tefé e no centro do

Solimões/Amazonas, possuíam conhecimento da região o que contribuiu para

operacionalizar um intercâmbio e aprimorar a coleta dos produtos da floresta para

seu escoamento no Solimões. Esta habilidade permitiu a valorização destas tribos

pelos portugueses, pois os índios conheciam os melhores pontos de acesso ao rio

Solimões o que facilitava a localização de produtos da floresta, o seu recolhimento, o

carregamento e o transporte destes produtos para os europeus.

2. As viagens de Francisco de Orellana (1541/1542) e Lope de Aguirre (1559/1561)

juntamente com os importantes relatos de Carvajal, escriba da expedição de Gonzalo

Pizarro a qual Orellana era membro, assim como a aventura dos frades franciscanos

Domingos Brieva e Andrés de Toledo4 encorajaram os portugueses e providenciaram

informações úteis à manufaturação de instrumentos técnicos e cartográficos para a

expedição de Pedro Teixeira (1637/1639) que adentrou e tomou posse em nome de

Portugal das terras jurisdicionadas pelo Tratado de Tordesilhas a Espanha. Fração

territorial onde se localiza o sítio de Tefé e relatado por Acuña, escriba do Capitão

Mor Pedro Teixeira em seus escritos.

3. A atuação da Companhia de Jesus nesta região do recém descoberto rio Amazonas

pelos europeus. Os trabalhos do Padre Samuel Fritz no século XVII condicionaram a

fundação das primeiras aldeias no Solimões, entre elas Santa Tereza de Tefé, que

viria ser destruída posteriormente5. Após a sua destruição decorrente da peleja entre

4 A população da Vila de Belém foi surpreendida quando dois frades franciscanos espanhóis desembarcaram no portodo Forte do Presépio em 5 de fevereiro de 1637. Enfrentando as mesmas dificuldades de Orellana e Aguirre, como fome, sede, cansaço, tédio e ataque indígenas, Domingos Brieva e Andrés de Toledo chegaram sãos e salvos no atualPará. Relataram fazer parte de uma expedição que havia partido de Quito em 17 de outubro de 1636, sob o comando de Juan Palácios o objetivo era a subjugação dos índios encabelados e da busca do El Dorado. Na foz do Aguarico foram atacados por estes índios que mataram o comandante e superior dos missionários, Frei Laureano daCruz, os outros sobreviventes retornaram a Quito. Posteriormente, os dois frades e seis soldados preferiram sair em busca do El Dorado e desceram o rio. Durante a viagem, passando pelo Napo, Marañon, Solimões, Amazonas, Cametá, Belém e São Luís, desenharam um dos primeiros mapas do curso do grande rio (ACUÑA, 1994 [1641]; GARCIA, 2010; GUERREIRO, 2010; SMITH, 1990).

5 Os trabalhos do jesuíta Samuel Fritz sob a Coroa espanhola incluíram dimensões territoriais do Napo ao Solimões limitando-se à embocadura do rio Negro, pacificando os Omáguas, Jurimáguas e Cuchivaros (GARCIA, 1918, p.358). Após a organização dos índios, Fritz fundou várias Missões, apenas entre os Omáguas fundou 28 delas, as mais importantes foram: São Joaquim do Omáguas (hoje em território da Colômbia), Nossa Senhora de Guadalupe (atual Fonte Boa), São Paulo Apóstolo ou São Paulo dos Cambebas (atual São Paulo de Olivença), São Cristóvão (desapareceu), Santa Tereza de Tefé (atual Tefé) e Sant’Anna de Coari (Coari) todas as fundações do ano de 1689 (GARCIA, 1918; REIS, 1989, 1997).

1975

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portugueses e espanhóis foi reconstruída por Frei André da Costa o verdadeiro

fundador do que seria reconhecida pelas instruções reais de 5 e 6 de junho de 1755

como vila de Ega. A gênese do território tefeense.

4. As políticas pombalinas6 promoveram a valorização da posição estratégica do

território tefeense elevando a condição política e administrativa de muitos povoados

e vilas, o que proporcionou uma reconfiguração da organização do espaço que

admite, neste período do século XVIII, a base das definições regionais existentes nos

dias de hoje. A valorização do território e o uso racionalizado das comunicações

entre os rios, furos e igarapés, contribuiu à presença da Coroa em lugares distantes

assim como a melhor viabilização de ligações entre estes núcleos populacionais. Tefé

se encontra em situação privilegiada neste momento fornecendo acessibilidade no

intercâmbio entre as colônias portuguesas a leste e as colônias espanholas a oeste o

que precede o modelo de rede dos dias atuais e intensifica a porosidade e fluidez

territorial (ARROYO, 2001) no vale do Amazonas.

5. A “corte do Solimões”, nome dado a Ega durante a estadia da última Comissão de

Limites Luso-ibérica (1782 a 1788)7. Momento em que Ega era o quartel general das

atividades de reconhecimento das fronteiras e limites. Intensificando as atividades

do comércio e permitindo que a população aumentasse com o deslocamento de

funcionários e trabalhadores vinculados aos trabalhos de Comissão de Limites, tanta

da Espanha quanto de Portugal. A vila representava parada obrigatória para os

agentes de circulação estabelecida entre Maynas (Peru) e Pará utilizando Ega como

entreposto de abastecimento ou descanso (SPIX E MARTIUS, 1976 [1938]).

6. O trabalho e o esforço do Governador Manuel da Gama Lobo D’Almada para

aumentar a produtividade no Solimões possibilitou a Ega ter fazendas de pecuária de

corte de gado espanhol e paraense. A agricultura floresceu com o cultivo de algodão,

6 O Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, que também exercia o cargo de Inspetor-real do Erário real, ávido em transformar Portugal em potência na Europa, possibilitou que de forma imediatista, brusca e até inesperada, os povoados do Médio Solimões fossem transformados em vilas na recém criada Capitania de São José do Rio Negro (1755). Sem mesmo comportar estruturas, embasamento jurídico e político para estruturá-las. O governo Pombalino trouxe a nova configuração amazônida por intermédio da valorização do território com fins de defesa e perspectivas de exploração do comércio. A necessidade de ampliar e legitimar a posse de territórios não ocupados por jesuítas castelhanos corroborou para medidas de ocupação governamental no Amazonas. Os ventos pombalinos não apenas arrancaram os mercadores jesuítas, mas também levaram para o vale amazônico outros mercadores. Reis (1966) e Souza (1978) dissertam que o período pombalino no vale do Amazonas foi rico em ventos que trouxeram a reconfiguração da organização do espaço. Silva (2004) comenta que a inserção da região no mercantilismo providenciou uma transcendência das políticas mercantis.

7 Vinculado Santo Idelfonso.

1976

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café, anil e tabaco. Momento de inserção de técnicas e novas infraestruturas na vila

que já exercia um papel dinamizador da economia na região do Solimões no final do

século XVIII e início do XIX.

7. A presença de mercadores e embarcações apropriadas para o escoamento da

produção no Solimões no início do século XIX proporcionou a Ega ser reconhecida

como o “Empório Comercial do Solimões”. Momento em que ingleses, portugueses e

paraenses estabeleceram sucursais para seus negócios vinculados às drogas do

sertão, pesca e artesanato. Ega não produz nada, mas comercializa e intercambia

toda a produção do Solimões, Japurá e Juruá entre Maynas e Pará.

8. A criação da Comarca do Alto Amazonas estabelece Ega, agora chamada Tefé, como

Termo, possuindo 6 freguesias e 5 povoações. Isto lhe proporcionava o direito aos

cidadãos de eleger sua Câmara Municipal e organizar sua estrutura judiciária com

um juiz de direito, juiz municipal, juiz de órfãos, promotor publico, escrivão de

execuções, oficial de justiça (GARCIA, 2010, p.57). Neste momento Tefé é sede de

uma organização jurídico-territorial muito vasta, maior que muitos países o que lhe

possibilita exercer uma autoridade administrativa que lhe confere o poder de

atração de pessoas para utilização dos serviços jurídicos ali estabelecidos. Somada às

heranças estabelecidas como “empório comercial do Solimões”, rugosidades que

beneficiaram como novos aportes estruturais, Tefé começava uma conjuntura

administrativa adaptada ao desprezo e ao abandono estatal, encravada em meio a

países andinos, nações indígenas e uma nação próxima chamada Brasil.

9. As distâncias que importunavam as autoridades em seu trajeto a Manaus, após a

criação da Província do Amazonas; assim como a presença de atividades

institucionais, comerciais e militares em Tefé, significativas para a gestão do

território, propiciaram não apenas a criação da Comarca de Tefé, mas também o

amadurecimento político para a elevação da vila a cidade em 15 de junho de 1855.

10. A valorização de Tefé pelos migrantes do primeiro ciclo da borracha no século XIX

atrai também investidores judeus que enriquecem a circulação estabelecida na

cidade frente às necessidades dos seringueiros e regatões, principalmente do Juruá

assim como do Japurá e Solimões. Este centro de atividades configurado por Tefé se

realiza como um dos motivos do Estado criar novos setores para cobrança de

impostos utilizando a posição estratégica de Tefé no Solimões como instrumento de

planejamento destes setores em 1898. E consequentemente, este momento se

1977

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destaca como de fundação de entidades pertinentes à sociedade civil como a

Maçonaria.

11. A criação da Prefeitura Apostólica no início do século XX representa um dos

momentos cruciais para a valorização do território com a instalação de escolas,

centros técnicos, fábricas e o fortalecimento de atividades agrícolas e pecuárias. A

sociedade tefeense se depura com a presença mais consistente das atividades

religiosas espiritanas sediando Prelazia de Tefé, vasta jurisdição eclesiástica. A gestão

e ação de Dom Joaquim de Lange a partir de em 26 de abril de 1951, possibilitou a

instalação de infraestruturas e instituições de várias esferas hierárquicas brasileiras,

possibilitando a criação e manutenção de fluxos pertinentes às atividades ligadas a

justiça, a educação, saúde e a cidadania. Florescendo a economia e a sociedade.

12. No início do século XXI Tefé é sede de instituições federais, estaduais e municipais

que proporcionam infraestruturas que atendem a população regional, como o

aeroporto, o entreposto fluvial e os hospitais. O Instituto Mamirauá que gerencia a

Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá atrai ecoturistas do mundo

inteiro assim como realiza pesquisas importantes nesta respectiva Reserva com as

universidades locais, nacionais e estrangeiras. O papel das Forças Armadas,

principalmente do Exército Brasileiro, é importante para a manutenção da soberania

e estruturação de um mercado consumidor assalariado na cidade. Tefé funcionaliza

as amarras como eixo de conectividade logística, dos fluxos bancários e

administrativos no Médio Solimões.

Atualmente, Tefé é o maior centro urbano do Solimões no Amazonas (IBGE, 2013) e fora da

Região Metropolitana de Manaus (RMM) é o de maior importância geopolítica para o Brasil

neste subespaço amazônida.

DA VALORIZAÇÃO À FRAGMENTAÇÃO DO TERRITÓRIO: OS DESMEMBRAMENTOS TERRITORIAIS DE TEFÉ

A Lei nº. 44 de 15 de junho de 1855 conferiu a Tefé o título de cidade,

consolidando a posição estratégica e direcionando responsabilidades territoriais enormes

baseadas no imediatismo e na pressa, na aceleração e na urgência política. A cidade possuía

uma extensão territorial de grandes proporções, em torno de 500.000 Km² (Figura 1).

Isto representava a falta de planejamento no povoamento e nas técnicas de

desenvolvimento econômico pertinentes à ineficiência das políticas pombalinas à região do

1978

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vale do Amazonas. Machado (1989) descreve:

O pequeno número de unidades administrativas mostrava, no entanto, o

despovoamento do vale. Com uma pequena infraestrutura e um conhecimento

do território que permitiu a escolha correta de lugares estratégicos, os

portugueses poderam manter o sistema de controle. Cada sede, por mais

rudimentar que fosse, se constituía em lugar de reunião das pequenas forças

volantes encarregadas na defesa do território; assegurava a presença de um

funcionário do governo, etc. (MACHADO, 1989, p.123).

Figura 1 – Dimensões territoriais de Tefé no Amazonas no século XIX

Fonte: Confecção própria

Desde quando ainda se configurava como a Comarca de Ega (que neste

momento possuía status de município) até o ano de 1981 a cidade de Tefé sofreu sete

desdobramentos originando outros municípios. Os quatro primeiros ocorrem antes de

1900. Em 1848, realiza-se o primeiro desmembramento com a criação o município de Coari8.

8 Este município foi criado a partir do desmembramento do território tefeense no ano de 1848 antes da elevação de Tefé a cidade em 1855. Deste modo, Tefé já possuía Câmara Municipal a partir de 1832 o que lhe conferia o Status de município. Nascimento (2013) discorre a respeito deste tema: “Segundo o IBGE (2011, p.16) era visto como município o aglomerado que sediava a Câmara, que poderia ser numa Cidade ou numa Vila. Nesse mesmo raciocínioTeixeira (2003) e Fabres (2008) relatam que não existia diferença entre Vilas e Cidades, nem por tamanho, nem por importância do aglomerado, apenas na sua origem, pois a fundação de uma Cidade era um direito exclusivo da Coroa, enquanto a Vila podia ser originada de ações dos donatários, capitães e governadores” (NASCIMENTO, 2013, p. 4009).

1979

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O segundo desmembramento ocorreu em 1882 com a criação do Município de São Paulo de

Olivença. Em 29 de março de 1891 o terceiro desmembramento quando Fonte Boa foi

elevada a vila e Tefé perde esta porção territorial. O quarto desmembramento ocorre em

1894, quando é criado o município de São Felipe atual Eirunepé, provocando mais uma

perda territorial a Tefé (PESSOA, 2005).

A Lei nº. 683 de 27 de setembro de 1911 promoveu o quinto desmembramento

territorial de Tefé com a criação do município de Xibauá, nome substituído em 25 de abril de

1913 por Carauari. O sexto desmembramento do território tefeense se realizou pela Lei

Estadual nº 96 de 19 de dezembro de 1955 do Governador Plínio Coelho que criou os

municípios de Maraã, Japurá, Jutaí e Juruá. O último desmembramento do território tefeense

ocorreu pela Emenda Constitucional nº 12 de 10 de dezembro de 1981 que criou os

municípios de Amaturá, Itamarati, Uarini e Alvarães, delimitando a formação do território

atual tefeense. Pessoa (2005) afirma que todos os municípios do Solimões foram

desmembrados a partir do território de Tefé.

Tefé se configurou inicialmente como um “município primaz” de onde foi

originado 14 municípios no Solimões. Atualmente o território de Tefé possui 23.704,475 Km²

(IBGE, 2010). O processo histórico tefeense permitiu uma concentração geográfica de

infraestruturas, de instituições, de serviços, de enriquecimento cultural e social em relação

às outras cidades do Solimões, assim como a acumulação de trabalho morto9 vinculado às

vantagens locacionais e às construções espaciais, conferindo valor ao espaço que ao ser

somado ao trabalho produzido viabiliza a construção e a valorização do território.

Por conseguinte, Tefé se configurou como um centro em relação às cidades

originadas a partir do desmembramento de seu território. O território tefeense enquanto

sede de Termo a partir de 1832 (Figura 1) era imenso em sua extensão no Amazonas, sendo

quase do tamanho da Espanha. Cidades importantes foram criadas a partir destes

desmembramentos com a finalidade de melhoria na gestão do território e no

desenvolvimento deste subespaço (Figura 2). Sete desmembramentos delinearam a

fragmentação do território até a formação territorial atual de Tefé (Figura 3).

9 (...) "trabalho morto" da terminologia de Marx e seria mais bem representada, em nossos dias, pelo conjunto de objetos culturais que, ao lado ou no lugar dos objetos "naturais", cuja significação modificam, formam o que podemos chamar de configuração espacial, configuração territorial ou configuração geográfica, da qual a paisagem éum aspecto ou uma fração (SANTOS, 1996, p.75).

1980

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Figura 2 – Desmembramentos de Tefé

Fonte: Confecção própria.

1981

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Figura 3 – Atual território tefeense

Fonte: Confecção própria.

DA VALORIZAÇÃO À FRAGMENTAÇÃO TERRITORIAL: OS PROCESSOS, CONTRADIÇÕES E TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS

O grande território de Tefé foi definido em função das circunstâncias políticas

envolvidas a partir dos interesses de Portugal e Espanha no vale do Amazonas, ou seja,

interesses em escala mundial que determinaram à Coroa Lusa ocupar a região do grande rio

elevando as antigas aldeias criadas pelo Padre Samuel Fritz a Vilas, dentre elas Ega. Esta

possuía mais responsabilidades territoriais e administrativas para gerir do que sua real

capacidade de gestão no século XVIII. Uma contradição vinculada ao processo de construção

de um território.

Posteriormente, no século XIX, ocorreu a criação das Comarcas10 amazônidas.

Este ato propiciou a supressão do nome Vila de Ega para Vila de Tefé. Com 5.865 habitantes

o Termo de Tefé possuía como freguesias de sua influência: São Paulo de Olivença, Alvelos

(Coari), Maripi, Fonte Boa (Taracoteua), São Cristóvão de Maturá (Evirateua), São José do

10 As três comarcas criadas eram a do Grão Pará com sede em Belém; a do Baixo Amazonas, com sede em Santarém; e do Alto Amazonas com sede na Barra do Rio Negro a partir deste momento denominada Manaus. Estas comarcas eram subdivididas em Termos e estas em freguesias. O Alto Amazonas possuía 4 Termos: Manaus com 3 freguesias e 3 povoações; Ega (Tefé) com 6 freguesias e 5 povoações; Luséa (Maués) com 3 freguesias e 1 povoação; Mariuá (Barcelos) com 7 freguesias e 22 povoações (Garcia, 2010).

1982

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Javari e Tabatinga. Seus povoados compreendiam: Parauari (Nogueira), Alvarães (Caiçara),

São Matias, Boa Vista e Tonantins. Ser sede de Termo direcionava o direito aos cidadãos de

eleger sua Câmara Municipal e organizar sua estrutura judiciária com um juiz de direito, juiz

municipal, juiz de órfãos, promotor público, escrivão de execuções, oficial de justiça (GARCIA,

2010, p.57).

Desta forma, Tefé já possuía o status de município11, sede de uma organização

jurídico-territorial vasta (Figura 1) o que lhe possibilitava exercer uma autoridade

administrativa que lhe confere o poder de atração de pessoas para utilização dos serviços

jurídicos ali estabelecidos. Em 1º de janeiro de 1852 fora instalada a Província do Amazonas,

devido a te fato as viagens a Barra do Rio Negro pelas autoridades, conselheiros e

servidores públicos de Ega se tornaram freqüentes, estes retaliaram em protestos sua

indignação:

A immensa distância que separa a vila de Ega desta capital, além da que vae dali

até os confins do município, que também o são do Império, os incommodos,

despezas e perigos, inherentes as viagens do Solimões, tornam por tal maneira

difícil e morosa a administração da justiça civil e criminal, que na maior parte dos

casos as partes de qualquer processo quererão antes perder ou renunciar o seu

direito do que vir defendê-lo perante as justiças da cabeça do Termo

(RELATÓRIO DA JUSTIÇA DO AMAZONAS apud JOBIM, 1937, p.18).

Os clamores e reclamações chegaram ao Presidente da Província que em 19 de

março de 1855 instalou a Comarca de Tefé, primeiramente com o nome de Comarca do

Solimões, desanexando da Barra do Rio Negro (JOBIM, 1937, p.18).

A Lei nº. 44 de 15 de junho de 1855 conferiu a Tefé o título de cidade,

consolidando a posição estratégica e direcionando responsabilidades territoriais enormes

baseadas no imediatismo e na pressa, na aceleração e na urgência política. Neste período,

Tefé possui sete casas de telhas e 94 cobertas por palhas, uma igreja espaçosa, com

carência de reparos, a paróquia possuía 1.894 habitantes, apenas a vila contava com 400

pessoas. Em 1861, o poeta Gonçalves Dias a quem chamou Tefé de “princesinha do

Solimões”, estava incumbido pelo governo de inspecionar as escolas primárias do Solimões,

11 “Segundo o IBGE (2011, p.16) era visto como município o aglomerado que sediava a Câmara, que poderia ser numa Cidade ou numa Vila. Nesse mesmo raciocínio Teixeira (2003) e Fabres (2008) relatam que não existia diferença entreVilas e Cidades, nem por tamanho, nem por importância do aglomerado, apenas na sua origem, pois a fundação de uma Cidade era um direito exclusivo da Coroa, enquanto a Vila podia ser originada de ações dos donatários, capitãese governadores” (NASCIMENTO, 2013, p. 4009).

1983

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em Tefé contou 18 alunos apesar do número de matriculados ser o dobro disto, além destes

o juiz municipal possuía uma escola particular que contava mais oito 8 alunos (JOBIM, 1937,

p. 21).

Este relato discute as estruturas existentes em Tefé na época, ou seja, estruturas

aquém de um centro que representasse este vasto território em sua administração e sede.

Escalas e dimensões que envolvem contradições de um processo de construção territorial

envolvendo âmbitos políticos e econômicos portugueses, espanhóis e brasileiros. Pois a

representação da Coroa lusa significava a presença no território e, por conseguinte, sua

posse, mesmo com infraestruturas e representantes governamentais escassos.

No início do século XX com a ação dos missionários espiritanos, Tefé adquiriu

estruturas que permitiram um desenvolvimento educacional, fabril e comercial, com

fábricas de açúcar, cerâmica, barcos, serrarias, metalúrgicas, escolas, etc. A Prefeitura

Apostólica de Tefé instalada pela Congregação da Propagação da Fé no Amazonas nomeou

em 16 de agosto de 1910 o Padre Alfred Michael Barrat como Prefeito Apostólico de Tefé. O

território desta jurisdição eclesiástica era constituído pelos rios Japurá, Juruá e o Tarauacá

no Acre, um dos mais populosos (PESSOA, 1997, p.32), representando outro território

imenso. Uma das principais alavancas do desenvolvimento do município foi instaurada em

novembro de 1910, a Prefeitura Apostólica de Tefé, que foi promovida a Prelazia Nullius pela

Constituição Apostólica do Papa Pio XII de 11 de maio de 1950, publicada em 3 de fevereiro

de 1951, dois meses depois o Papa nomeou Bispo Titular e Bispo Prelado de Tefé Dom

Joaquim de Lange em 26 de abril de 1951, sendo este um dos nomes mais ilustres da

história tefeense pelas suas ações e seu papel na estruturação institucional do município.

As instituições estatais, as obras educacionais, militares e as ações vinculadas à

sociedade civil permitiram que Tefé neste período representasse o destino de populações

de vários municípios em busca de atendimento médico, serviços, aeroporto, comércio e

negócios vinculados às infraestruturas adquiridas com as ações da Prelazia em parceria com

o poder político tefeense. Uma imensa jurisdição eclesiástica somada a um grande território

político possibilitou a Tefé exercer influência em várias cidades do interior do Amazonas.

O raio das influências institucionais é relevante pela construção de uma

centralidade histórica tefeense vinculada primeiramente às infraestruturas incipientes das

cidades criadas a partir deste território que não contavam com os serviços, instituições e

equipamentos sociais que Tefé já contava quando de suas respectivas emancipações

(QUEIROZ, 2012b). Mais uma contradição pertinente ao processo de construção de um

1984

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território na periferia amazônida. Por conseguinte, estes municípios possuíam sua

autonomia político-administrativa, no entanto, ainda estavam sujeitos aos recursos técnicos

e às infraestruturas tefeenses para operacionalizarem seu cotidiano em suas respectivas

realidades.

Dessa forma, os desmembramentos favoreceram o papel urbano de Tefé

assistido pelos fluxos estabelecidos e intensificados pelas necessidades institucionais e

administrativas dos municípios criados a partir de seu território. Quando analisado a Região

de Influência de Tefé (REGIC, 2007) observa-se a notoriedade da presença de cidades criadas

a partir de seu território e que se inserem atualmente em seu raio de influência. Grande

parte dos municípios do Médio Solimões criados durante o processo de desmembramento

do território de Tefé faz parte de sua região de influência, estando vinculados direta ou

indiretamente à administração institucional e às infraestruturas que subsidiam a

centralidade tefeense e, concomitantemente, à economia regional (FIGURA 4).

A cidade de Tefé já nasce fragmentada da formação econômica e social

brasileira. Localizada distantes dos grandes centros econômicos e políticos do país, na

região do Médio Solimões amazonense, o que propiciou o desenvolvimento de uma

metrópole incompleta que influencia uma ampla região. Tefé aproxima-se da proposta de

regionalização elaborada por Bernard Kayser (1966, p.694) chamada Bacia Urbana, ou seja,

uma área vasta onde as relações são presididas por uma metrópole incompleta, “uma

cidade grande, média ou pequena, preside as relações de uma região geralmente vasta”.

Frequentemente estas relações são desiguais, pois a cidade pede mais do que a região pode

dar. Existindo uma solidariedade que é resultada da fraqueza industrial e do papel crucial do

comércio e dos serviços nas relações (SANTOS 2008 [1981], p.176).

1985

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Figura 4 – Região de Influência da cidade de Tefé no estado do Amazonas

Fonte: Confecção própria com base de dados do IBGE/ REGIC /2007 (2008).

Como que em uma Bacia Hidrográfica onde por força da gravidade todos os rios

se direcionam para o um mesmo ponto onde se estabelecem fluxos que corroboram para

definir uma delimitação geográfica, uma região se configura a dinâmica de uma Bacia

Urbana.

Esta região em que a metrópole incompleta preside as relações, ou seja, a Bacia

Urbana de Tefé, não é reconhecida governamentalmente como uma região metropolitana.

Porém, as relações estabelecidas consuetudinariamente providenciam os fluxos que

permitem a Tefé exercer uma polaridade e um papel fundamental à circulação existente

nesta região (QUEIROZ, 2012a).

Sendo assim, evidencia-se que a partir de uma divisão territorial12 direcionada

12 Azevedo (2013, p.124) discute os termos fragmentação e divisão etimologicamente: “O Dicionário Manual Etimológico da Língua Portuguesa de Adolpho Coelho (1973) pode nos ajudar a diferenciar dividir e fragmentar: Dividir: cortar relações de; Fragmentar: o ato de criar fragmentos; fragmentos: partes de um todo. Em outro dicionário etimológico há uma equiparação entre fragmentar e quebrar, “deixar em cacos” (Machado, 1987). Portanto, semanticamente os verbos fragmentar e dividir, mesmo se significam separar não são sinônimos”. Azevedo prossegue (idem, p.127) afirmando que “a criação de novos espaços políticos não significa “fragmentar”, pois não se trata de “partes de um todo”, como o termo leva a crer; trata-se, na verdade, do ato de cortar relações com um espaço político e criar outro, com total autonomia político-administrativa. O limite é de acordo com Miyamoto (1995), uma linha divisória de espaços. São criados novos espaços políticos, independentes dos quais já

1986

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pelos desmembramentos dos municípios que pertenciam ao “município originário” (FAVERO,

2004, p.33) no caso Tefé, ocorreu uma fragmentação territorial, pois as cidades criadas a

partir de Tefé em sua maioria estão na região de influência da respectiva cidade, ou seja,

Tefé possui papel fundamental para as relações socioeconômicas neste subespaço

(QUEIROZ, 2012b), exercendo sua funcionalidade como metrópole incompleta, presidindo as

relações que sustentam as bases da economia regional e que providenciam a sobrevivência

de suas populações urbanas (QUEIROZ, 2012a). Atrelado, porém, a um desenvolvimento

condicionado, restrito e limitado, imposto pelas dificuldades amazônidas de logística e de

acesso à técnica e à informação inerentes ao meio técnico científico informacional do

capitalismo globalizado contemporâneo.

As cidades do Médio Solimões desmembradas de Tefé não possuem meios de

produção suficientes para criar autonomia econômica, não há indústrias ou uma agricultura

e pecuária promissoras para sustentar esta autonomia. A circulação de bens, pessoas e

serviços, que é propiciada pela massa salarial dos servidores públicos das instituições

estatais representa o meio de produção que permite a reprodução de capital e a autonomia

econômica (QUEIROZ, 2012a). A gerência destas instituições nesta região assim como as

infraestruturas ligadas aos setores de transporte, saúde, bancário, comercial,

telecomunicações e militar está estabelecida em Tefé. Isto gera fluxos que são inerentes às

formas com que se organiza este território.

As transformações territoriais mudaram as formas do território, porém os

conteúdos pertinentes às relações contíguas estabelecidas há séculos se mantém no Médio

Solimões. As formas-conteúdo (SANTOS, 1996) destas relações ficam pouco alteradas,

vulneráveis apenas às influências de agentes distantes à região amazônica, vinculadas às

tecnologias de informação e comunicação típicas da globalização, como as empresas virtuais

da internet.

Neste sentido, Cataia (2001) afirma que a fragmentação política do território

advém de linhas horizontais contíguas à vizinhança e por vínculos verticais, externas ao

lugar, estes vínculos ligam-se em rede aos agentes hegemônicos. As fronteiras possuem

faziam parte. Esse novo limite vai estabelecer soberania desse novo ente, servindo, portanto, para assinalar sua pertinência, suas competências e os patrimônios nele incluídos. Lia Osório Machado afirma que “os limites constituem um fator de separação entre unidades territoriais” (Machado, 2011, p.5), ou seja, a criar um limite entre dois territórios, cria-se também uma descontinuidade política, o limite jurídico da soberania e da competência territorial de um ente político (RIBEIRO, 2011). Estes limites dividem territórios e, consequentemente, também ações e processos, a partir do momento que o novo espaço político criado será governado por novos atores políticos” (AZEVEDO, 2013, p.127).

1987

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assim qualidades dimensionais verticais e horizontais. Desta forma, a necessidade de

regulação é proveniente da maior densidade de ciência, técnica e informação para prover o

funcionamento destes elementos integradamente. Na região do Médio Solimões estes

elementos são rarefeitos, o que contribui para a configuração de um espaço opaco

(SANTOS, 2001), ou seja, onde os elementos vinculados ao meio técnico científico

informacional são mais escassos. A baixa densidade demográfica e de municípios no estado

do Amazonas providencia uma circulação limitada entre estes. Cataia (2001) chamou de

“multiplicação de fronteiras internas” à criação de novo municípios no Brasil. Segundo o

IBGE (2011) em 1900 o Brasil contava com 892 municípios, em 2010 somavam-se 4.465, em

2012 eram 5.565, em 2014 são 5.570, o Amazonas possui apenas 6213.

A fragmentação é um processo inerente do capitalismo (AZEVEDO, 2013, p.126),

assim como a fragmentação territorial regional em espaços opacos, como é o caso do

interior do Amazonas. As cidades estão sujeitas à valorização do território que possibilitem a

continuidade do processo de produção14 e reprodução do capital. Desta maneira, fica

caracterizada a fragmentação territorial, como que uma especialização dos espaços

político-administrativos, ou seja, dos municípios desmembrados a partir de Tefé, que

possuem a finalidade de viabilizar esta continuidade do ciclo do capital. Uma integração

relativizada, um remembramento não do território em si mais do espaço.

Sendo assim, a fragmentação do território é direcionada pelo fato destes

municípios ainda pertencerem a um mesmo contexto regional, cenário com as mesmas

características políticas, econômicas e sociais, porém em instâncias e escalas diferentes na

região do Médio Solimões que possui Tefé como sua representante capital.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os processos pertinentes à valorização do território tefeense foram de âmbitos

mundiais nacionais e locais, estas diferentes escalas envolveram desde as atribuições da

demarcação de limites do Tratado de Madri e Santo Idelfonso até a fragmentação territorial

vinculada à dinâmica territorial pertinente aos interesses nacionais e regionais que

submeteram o território a uma fragmentação. Contradições foram direcionadas, pois

muitos destes municípios criados não possuíam estruturas suficientes para gerar sua

autonomia econômica, inclusive Tefé, o município originário, se submetendo à ação

13 Disponível em: www.ibge.gov.br; acesso em: 22 jul 2014.

14 Produção, distribuição, circulação, troca e consumo.

1988

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conjunta dos meios de produção regional disponível que promovem a autonomia integrada

das cidades do Médio Solimões, este meio de produção se configura na circulação vinculada

à massa salarial dos funcionários públicos estatais.

Santos (2008 [1994], p.15) declara que: “o uso do território, e não o território em

si mesmo, que faz dele um objeto da análise social”. O uso do território tefeense se

configura pela acumulação de infraestruturas herdadas e construídas no decorrer de sua

história, paralelo ao estabelecimento de instituições estatais na cidade, proporcionando

uma polaridade e uma centralidade no atendimento da demanda e da oferta de outras

atividades adjacentes a estas como o comércio e serviços. Enfim, uma atração de pessoas

em busca de seus serviços e uma dispersão de comerciantes em busca de mercado. As

transformações territoriais ocorridas no processo de formação do território tefeense e dos

municípios circunvizinhos desmembrados de Tefé não o excluíram da Região de Influência

de Tefé, pois estão condicionados ao mesmo cenário histórico, político e econômico neste

espaço opaco, direciona-se assim uma fragmentação territorial mesmo tendo ocorrido uma

divisão político-administrativa, transformando o território, mas não modificando as formas

com que as cidades se relacionam espacialmente.

Tefé possuía um território enorme no século XIX, o município foi dividido em 14

outros municípios distribuídos no sul do Amazonas e no Alto Solimões em um período de

133 anos (Figura 2). A valorização de Tefé foi condicionada pela sua posição na rede de

transportes e comunicação amazônida, seu sítio se situa no centro do Solimões e do estado

do Amazonas, na foz do rio Tefé e do Japurá, posição estratégica utilizada pelos espanhóis,

portugueses, ingleses e holandeses no passado e atualmente pelos brasileiros para manter

suas instituições e sua presença no intuito de assegurar a soberania em meio à porosidade15

e fluidez16 territorial estabelecida na borda amazônida. Contudo, os desmembramentos e a

criação de municípios não direcionaram divisão, mas fragmentação, pois fazendo parte de

uma “totalidade regional” na periferia do capitalismo neste subespaço amazônida, atuando

em conjunto, estes entes político-administrativos possuem maiores possibilidades e meios

de permitirem a sobrevivência de suas populações assim como sua inserção na divisão do

trabalho pertinente à configuração globalizada da economia mundo contemporânea.

15 Aquela qualidade dos territórios nacionais que facilita a relação com o exterior, a partir de uma base institucional incumbida da regulação do movimento (ARROYO, 2001; 2005).

16 Para Mónica ARROYO (2005, p. 8) a fluidez territorial é definida como “aquela qualidade dos territórios nacionais que permite uma aceleração cada vez maior dos fluxos que os estruturam, a partir da existência de uma base material (e normativa) formada por um conjunto de objetos concebidos, construídos e/ou acondicionados para garantir a realização dos fluxos.

1989

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VALORIZAÇÃO E FRAGMENTAÇÃO DO TERRITÓRIO: OS DESMEMBRAMENTOS HISTÓRICO-TERRITORIAIS DE TEFÉ NO AMAZONAS

EIXO 1 – Transformações territoriais em perspectiva histórica: processos, escalas e contradições

RESUMO

O processo de formação dos territórios dos municípios do estado do Amazonas se realizou em

meio a transformações políticas e econômicas inseridas em contextos e escalas de âmbito

regional e mundial. O uso e ocupação do território da região do Médio Solimões no Amazonas

pelos portugueses e espanhóis no século XVII e XVIII foram decorrentes da valorização deste

pelas respectivas Coroas. No entanto, os desmembramentos ocorridos no processo histórico de

formação territorial do município de Tefé, localizado na região do Médio Solimões amazonense,

direcionam a reflexão sobre a fragmentação do território a partir dos processos políticos,

econômicos e sociais inseridos em diversas escalas político-administrativas e geográficas que se

configuram como instrumento de entendimento da geografia amazônida contemporânea. O

processo histórico de formação do território tefeense é base para se entender a criação de todos

os municípios atuais da região do Médio Solimões e alguns do Alto Solimões e sul do Amazonas.

Inicialmente, Tefé possuía grandes dimensões territoriais no século XIX quando da sua criação,

quase das proporções territoriais da Espanha. Transformações territoriais advindas de sete

desmembramentos propiciaram tanto impactos negativos quanto positivos à economia e ao

desenvolvimento do Médio Solimões amazonense. Contradições vinculadas aos procedimentos

políticos e à conjuntura econômica que propiciaram a criação de municípios a partir do território

tefeense geram reflexões sobre a autonomia destas cidades e à perspectiva econômica e

histórica da região. Grande parte dos municípios do Médio Solimões criados durante o processo

de desmembramento do território de Tefé faz parte de sua região de influência, estando

vinculados direta ou indiretamente à administração institucional e às infraestruturas que subsidiam

a centralidade tefeense e, concomitantemente, à economia regional. O objetivo deste estudo é

compreender as transformações territoriais ocorridas no processo da formação territorial de Tefé

para entender a fragmentação territorial sucedida e a importância desta cidade na manutenção

dos fluxos pertinentes às cidades inseridas em sua região de influência no Médio Solimões, ou

seja, à circulação que estrutura a centralidade tefeense. A leitura de livros, jornais, revistas,

artigos, teses, compêndios, boletins, resumos, documentos oficiais, foi realizada prioritariamente

no levantamento de dados bibliográficos, além do uso de sites pertinentes à história amazônida e

tefeense. Visitas a bibliotecas nas cidades de Tefé, Manaus, Juiz de Fora, São Paulo e Rio de

Janeiro foram utilizadas. O direcionamento de visitas institucionais formais foi empreendido com

intuito de adquirir novas interpretações e dados sobre a história de Tefé e do Médio Solimões.

Este trabalho é parte do primeiro capítulo da tese de doutorado em geografia humana deste autor

na Universidade de São Paulo.

Palavras-chave: fragmentação territorial; desmembramentos territoriais; processos históricos e

políticos.

1992