Valter Alnis Bezerra - Revolução Astronomica I

download Valter Alnis Bezerra - Revolução Astronomica I

of 55

description

História da Astronomia, Física

Transcript of Valter Alnis Bezerra - Revolução Astronomica I

  • Universidade de So Paulo Departamento de Filosofia Filosofia e Histria da Cincia Moderna Prof. Valter Alnis Bezerra

    Ilustrao de fundo: Hanson,

    Constellations and conjectures

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

    Na Antiguidade grega (clssica / helenstica / perodo romano), e at a Idade Mdia, o estudo dos fenmenos celestes era conduzido, majoritariamente, dentro de um quadro conceitual formado basicamente por:

    Astronomia ptolomaica

    +

    Cosmologia de inspirao platnico-aristotlica

    Nota bene: Articulao e

    extenso de sistemas, bem

    como a justaposio de

    sistemas diferentes, podem

    acarretar tenses conceituais!

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

    Existem duas anomalias ou desigualdades principais no movimento planetrio, j conhecidas desde a Antiguidade. A primeira desigualdade: a variao na velocidade aparente dos planetas. A segunda desigualdade: os movimentos retrgrados dos planetas em relao ao fundo proporcionado pelas estrelas fixas.

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade - Plato

    O papel desempenhado na cosmologia platnica pelos quatro elementos e pelos cinco slidos perfeitos (i.e. poliedros regulares, formados por faces idnticas, que so polgonos regulares).

    Plato, Timeu 31b-33a, 53b-55c, 55e-56b

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade - Plato

    Eis os cinco slidos, na ordem em que eles so construdos por Plato (sempre a partir de tringulos):

    Tetraedro Octaedro Icosaedro (20) Hexaedro (Cubo) Dodecaedro (12)

    Fogo Ar gua Terra Universo

    ngulos mais agudos e arestas mais cortantes Menor razo V/A

    Divide a esfera em partes iguais

    Gira livremente em torno do eixo

    Adequado a um elemento mais mvel

    Maior razo V/A

    Adequado a um elemento que preenche o espao

    O mais estvel Possui a base mais ampla

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade - Plato

    Nas partes seguintes do Timeu, Plato, explica por meio de sua teoria da correlao entre slidos e elementos, uma srie de propriedades fsicas:

    repouso e movimento,

    homogeneidade e heterogeneidade,

    a solubilidade,

    as transformaes entre substncias,

    o leve e o pesado,

    sabores, odores, sons e cores.

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade - Plato

    De acordo com Plato, o Criador

    torneou o mundo em forma de esfera, por estarem todas as suas extremidades a igual distncia do centro, a mais perfeita das formas e mais semelhante a si mesma, por acreditar que o semelhante mil vezes mais belo que o dessemelhante.

    (Timeu, 33b, trad. Carlos Alberto Nunes, ed. UFPA)

    Fora do mundo no h nada, por isso a sua superfcie esfrica e lisa. No centro da esfera do mundo est a Terra (tambm esfrica).

    O movimento da esfera do mundo o mais indicado para a sua forma a saber, a rotao em torno do si mesma, privando-a dos outros seis movimentos (i.e. para frente, para trs, para a esquerda, para a direita, para cima e para baixo).

  • Os movimentos do Mesmo e do Outro em Plato

    O Sol, a Lua e as cinco estrelas / planetas so carregados pela rotao da esfera exterior, de Leste para Oeste, num movimento denominado movimento do Mesmo (isto , comum a todos).

    Cada planeta tambm possui alm deste movimento geral, um movimento circular interior, denominado movimento do Outro, em sentido contrrio ao primeiro e num plano que corta obliquamente o equador celeste. Os movimentos do Outro dos vrios planetas se processam a velocidades diferentes (Timeu, 36d).

  • Os movimentos do Mesmo e do Outro em Plato

    O movimento de cada planeta, portanto, um movimento em hlice , que resulta de uma combinao do movimento do Mesmo com o movimento do Outro. (Timeu, 39b; a traduo de Nunes traz: ...imprime a todos os crculos uma toro em espiral mas o termo grego, aqui, mais precisamente hlice leitura corroborada por Hanson em Constellations and conjectures.)

    Acima: Diagrama de N. R. Hanson, Constellations and conjectures

  • Os movimentos do Mesmo e do Outro em Plato

    A Terra no necessita de sustentao, nem est inclinada para nenhum lado, como ele mesmo escreve no Fdon:

    Uma coisa em equilbrio no meio de qualquer substncia uniforme no teria causa para inclinar-se mais ou menos para qualquer direo. (Fdon, 109)

    Plato parece supor uma Terra em rotao, na seguinte passagem:

    A Terra, ele disps para ser nossa nutridora, fazendo-a girar em torno do eixo que atravessa o universo, guarda e artfice da noite e do dia, a primeira e mais antiga das divindades nascidas no interior do cu. (Timeu, 40c)

    Aristteles, no De Caelo, registra essa leitura:

    Alguns dizem que a Terra, realmente, est colocada no centro, e ainda gira e se move em torno de um eixo estendido atravs do Universo de plo a plo, como est escrito no Timeu. (Aristteles, De Caelo, II, 13, 293b30).

    Essa leitura disputada pelo erudito contemporneo T. L. Heath, que considera a tese da rotao terrestre incompatvel como todo o sistema apresentado no Timeu.

    (Cf. vora, A revoluo copernicano-galileana, v. 1, p. 29, nota 18 para uma transcrio de Heath).

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

    H testemunhos, respectivamente da parte de Hyppolitus e tambm de Ccero e Teofrasto, no sentido de que Ecfanto de Siracusa (sc. IV aC) e Hicetas de Siracusa (?-338 aC) teriam defendido a idia da rotao da Terra.

    Porm os dois autores que propuseram a tese da rotao terrestre de forma mais explcita foram Aristarco de Samos (310-230 a.C.) e Herclides de Ponto (387-315/310 a.C.). (Falaremos sobre eles adiante.)

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

    atribudo a Plato o axioma segundo o qual:

    Este Axioma Platnico influenciaria a astronomia durante quase dois milnios.

    Comeou ento a desenvolver-se a implementao de um programa de pesquisa astronmica que atendesse aos requisitos do Axioma Platnico:

    A fonte mais confivel para o Axioma Platnico Simplcio, comentando o De Caelo de Aristteles...

    Os movimentos dos corpos celestes so movimentos circulares e uniformes ou combinaes de movimentos circulares uniformes.

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

    And so in this way Aristotle presented the solution to the difficulty and applies it to the difficulty. He agrees that the planets have many motions in kind due to not merely their apparent forward motion, but also their retrogradations and stations and different phases and advances (westward) and followings (eastward) and many sorts of anomaly. For since these motions are to be preserved they accept many motions for each star; some suppose eccentrics and epicylcles, and others homocentrics, the so-called unwinders. For the true account accepts neither their stations or their retrogradations, nor additions or subtractions in the number of their motions, even if they appear as moving in this way, and it does not allow that the hypotheses hold in this way either. Yet by taking evidence from their essence, it proves the heavenly motions to be simple, circular, uniform, and regular. Unable to get precisely how, given their dispositions, their attributes are merely an appearance and not true, they sought to discover by which hypotheses they would be able to preserve the appearances of the motions of the bodies that are said to wander (i.e., planets) through uniform, regular, and circular motions. And Eudoxos of Knidos was the first of the Greeks, as Eudemos relates in Book II of The History of Astronomy, as does Sosigenes as well, who gets this from Eudemos. He [Eudoxos] is said to have attached himself to these sorts of hypotheses of Plato, who set this problem for people who had inquired into these things, i.e., given what hypothesized uniform and regular motions the appearances of the motions of the planets would be preserved, as Sosigenes says. -- Simplcio, In Aristotelis de caelo (Comentrio a Aristteles, Sobre os cus) II, 12, 292b10 (p. 488.3-24)

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade - Eudoxo

    Para descrever as irregularidades dos movimentos dos planetas com preciso, Eudoxo de Cnido (408-355 a.C.) props um modelo de esferas concntricas com 27 crculos, distribudos em 5 grupos de 4 para cada um dos planetas errantes, mais 2 grupos de 3 para a Lua e o Sol, mais uma esfera para as estrelas.

    As esferas requeridas para o movimento de cada planeta eram: uma para o seu movimento diurno junto com as estrelas fixas, uma para variaes na longitude, uma para variaes na latitude e uma para levar em conta o movimento retrgrado. (O Sol e a Lua requeriam apenas trs, uma vez que eles nunca mostravam movimento retrgrado.)

    As esferas giravam com velocidades diferentes em torno de eixos inclinados diferentes.

    Calipo (c.370-c.300 aC) acrescentou mais 7 esferas, totalizando 34.

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade - Aristteles

    Aristteles propunha que a Terra estava localizada no centro, circundada por esferas contendo os trs elementos (gua, ar, fogo). Acima dessas esferas, esto os orbes da Lua e dos outros planetas.

    A Lua ocupava o orbe mais baixo. A esfera da Lua divide o Universo em duas regies regio celeste e regio terrestre, ou regio supralunar e regio sublunar que so qualitativamente diferentes.

    Todas as coisas que compem a regio sublunar so formadas pelos quatro elementos; ao passo que todas as coisas pertencentes regio supralunar so constitudas pelo quinto elemento (ter).

    As esferas dos diversos planetas esto, na realidade, subdivididas em grupos de esferas.

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade - Aristteles

    [Aps ter apresentado os sistemas de Eudoxo e de Calipo:] However, this is still not enough to comply with observation. In fact, each of the planets must have other spheres, one less than the Callipan ones in each case, which counteract the Eudoxan-Callipan ones. These will return to its position the first sphere of the star in each case immediately below. This is the only way in which the universe as a whole can produce the courses of the planets. Thus: [1] spheres of the planetary courses: 8+25=33; [2] (given that only those by which the lowest situated planet is moved need not be counteracted) spheres counteracting the first two planets: 6; [3] spheres counteracting the next four planets: 16; [4] total number of spheres, carrying and counteracting: 55. If one does not assign the additional movements that have been mentioned to the sun and moon, then the total will come to 47.

    Aristteles, Metafsica, Livro , 1074a. Trad. Hugh Lawson-Tancred, ed. Penguin.

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade - Aristteles

    O sistema aristotlico comporta 55 crculos (esferas) no total. (Comparar com os 27 crculos de Eudoxo.) A funo do sistema de grupos de esferas era transmitir o movimento da esfera mais exterior, a das estrelas fixas, at a mais inferior, a da Lua, porm preservando a especificidade do movimento de cada planeta. Cada grupo de esferas obedece a uma complexa relao de velocidades, sentidos e eixos de rotao. Saturno, por exemplo (o mais externo dos planetas), jaz dentro de um sistema composto por sete sub-esferas. esse sistema que assegura que os planetas no sejam simplesmente carregados uma pelo movimento diurno da esfera estelar. E tambm ele que garante que, aps cada planeta estar em seu movimento correto, o planeta mais abaixo receba corretamente o movimento original das estrelas fixas, neutralizando o efeito do planeta acima dele.

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade - Aristteles

    Por exemplo, a esfera mais interior do grupo de Saturno move-se da mesma maneira que as estrelas fixas, e esse movimento que ser transmitido a Jpiter (o planeta imediatamente abaixo) e ajustado pelo seu sistema de esferas, de modo a fazer com que Jpiter assuma o movimento adequado.

    Atravs desse sistema, o movimento transmitido aos orbes cada vez mais internos, e finalmente esfera mais baixa, aquela responsvel pelo movimento da Lua.

    (Cf. Ftima vora A revoluo copernicano-galileana, Vol. 1.)

    Diagrama de N. R. Hanson, Constellations and conjectures

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade - Aristteles

    Fonte: Hanson,

    Constellations and

    conjectures

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

    Eratstenes e a determinao da circunferncia da Terra Eratstenes (276-195/194 a.C.) obteve para a circunferncia da Terra um valor de 250000 estdios, depois corrigidos para 252000 estdios. H uma ambiguidade na converso para unidades modernas. Uma milha romana era equivalente a algo entre 7 e 10 estdios. Supondo 10 estdios por milha, teramos 25200 milhas romanas, ou 37497km. Outros estudiosos calculam o valor de Eratstenes como sendo igual a 39690 km, o que no deixa de estar bastante prximo do valor aceito atualmente de 40120km (para a circunferncia mdia).

    Figura de Claggett, Greek science in Antiquity, p. 92

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

    Aristarco de Samos (310-230 aC) O modelo heliocntrico e as determinaes de dimenses astronmicas

    As idias de Aristarco recontadas segundo

    Arquimedes, em O contador de areia (Arenarius ou The Sand-Reckoner) obra importante

    no desenvolvimento da teoria de nmeros apud Heath, A

    history of greek mathematics, apud vora, A revoluo

    copernicano-galileana, v. 1.

    Em smbolos,

    rTerra : REstrelas :: rSol : rTerra

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

    Primeiro clculo quantitativo das distncias relativas TerraSol e TerraLua (no tratado de Aristarco intitulado Sobre os tamanhos e as distncias do Sol e da Lua). Chamando a primeira dessas distncias de D e a segunda de d, Aristarco demonstrou, por um clculo geomtrico baseado em alguns valores observacionais, que:

    18d < D < 20d. (Sabe-se atualmente que D 390d.)

    O mtodo geomtrico empregado por Aristarco para solucionar o problema adequado. No momento da dicotomia, quando o disco da Lua est meio cheio, o ngulo junto Lua de 90 graus. Assim, tan = D/d, logo, D = d tan . A principal dificuldade para se conseguir, por esse mtodo, uma boa preciso para D est na determinao do ngulo . Aristarco estimou = 87 graus, ao passo que atualmente se sabe que = 893055. Como o valor da tangente de um ngulo cresce muito rapidamente perto de 90, um pequeno erro na estimativa de causa um erro muito grande na estimativa de D.

    Fo

    nte

    : F

    tim

    a

    vora

    , A

    re

    volu

    o

    co

    per

    nic

    an

    o-

    ga

    lile

    an

    a, V

    ol.

    1

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

    Aristarco determinou que o dimetro angular aparente da Lua seria de 1/15 de um signo do zodaco, ou seja 2, bastante prximo ao valor real. Tambm determinou que o dimetro angular aparente do Sol seria 1/720 do crculo do zodaco, ou seja, 0,5, tambm bastante prximo ao valor real. O sistema de Aristarco no teve repercusso significativa no contexto da astronomia grega, pois ele fazia duas afirmaes que no eram consideradas aceitveis na poca: (i) que o Universo era desmesuradamente grande para os padres tidos como razoveis na poca; (ii) que no se observava uma paralaxe significativa das estrelas fixas tal paralaxe seria de se esperar em um sistema heliocntrico. (iii) A inexistncia de um sistema compatvel de Fsica, no qual essa hiptese pudesse encaixar-se de maneira coerente. (Cf. Koyr As etapas da cosmologia cientfica, e tb. Cohen & Drabkin, apud Ftima vora, vol. 1, pp. 54-55.)

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

    esquerda, uma prancha da Harmonia Macrocosmica, atlas celeste de Andreas Cellarius do sculo XVII (com reedies no sculo XVIII), representando o sistema de Herclides de Ponto (387-315/310 a.C.) aqui erroneamente identificado como sistema braheano. (Fonte: R. H. Van Gent)

  • Ptolomeu

    (C

    pia

    do

    Alm

    ag

    esto

    em

    gre

    go,

    scu

    lo I

    X.)

  • Ptolomeu

    Obras principais de Ptolomeu: Almagesto O grande tratado de astronomia matemtica da Antiguidade.

    Ttulo original: Mathematike Syntaxis (gr) ou Compositio Mathematica (lat). Depois apelidado de: He megale syntaxis (gr = O grande tratado). Via lngua rabe: Al-Kitabu-Al-Majisti (O grande livro), e finalmente Almagesto.

    Tetrabiblos (Teoria da predio astrolgica) Hipteses planetrias (Fsica, cosmologia e modelos mecnicos) Tabelas prticas (ingl: Handy Tables) Geografia Harmnica (Teoria matemtica da msica e da construo de instrumentos;

    Tese do paralelismo entre, por um lado, as consonncias, dissonncias, escalas e modulaes, e, por outro, os movimentos dos astros)

  • Ptolomeu e o Almagesto

    P

    gin

    as d

    o A

    lma

    ge

    sto

    , tr

    ad

    . in

    gle

    sa

    , n

    os G

    rea

    t B

    oo

    ks

  • Ptolomeu e o Almagesto

  • Ptolomeu e o Almagesto

    Epiciclo sobre deferente

    (O conceito de epiciclo j havia

    sido proposto por Apolnio n0 sculo

    III a.C.)

    Epiciclo sobre epiciclo sobre deferente (possibilidade em princpio)

    Excntrico O movimento

    circular e uniforme, porm no em relao

    Terra E (centro do Universo), e sim em relao a um

    outro ponto C (fora do centro, da

    excntrico).

    Equante O movimento circular em relao ao ponto excntrico C (em vez de s-lo em relao Terra E), porm no uniforme; ele somente uniforme em relao ao ponto equante Q.

    Dispositivos bsicos

    (Fonte: E. Rosen,

    Three Copernican

    Treatises, Introduo)

    (Note a engenhosidade

    do conceito!)

  • Ptolomeu e o Almagesto

    A retrogradao de um planeta

    exterior (Marte) descrita pelo

    modelo ptolomaico.

  • Ptolomeu e o Almagesto

    Note-se o potencial imenso do sistema ptolomaico: Por meio de um uso engenhoso dos epiciclos, deferentes, equantes e excntricos, possvel modelar qualquer tipo de rbita, com um grau arbitrariamente alto de preciso.

  • Ptolomeu e o Almagesto

    Exemplo: Acima esquerda: Uma rbita quadrada (como proposta por N. R. Hanson em Constellations and Conjectures). direita: Close-up do canto superior direito. (Frames de vdeo realizado por Christian Carman & Ramiro Serra, Argentina, 2005.)

  • Ptolomeu e as Hipteses planetrias Obra contendo uma proposta de fundamentao fsica para a astronomia

    matemtica, e tambm... Um programa de construo de modelos mecnicos! Estrutura da obra:

    Livro I, seo 1 Texto grego preservado Discusso geral sobre os modelos fsicos (baseados nos modelos matemticos do Almagesto).

    Livro I, seo 2 Preservado em rabe, controvrsia sobre sua autenticidade na 1 metade do sculo XX (1) Discusso sobre dimenses e distncias no universo. (2)

    Livro II, seo 1 Preservado em trad. rabe (problemtica) Sobre a natureza do cu e modelos fsicos detalhados.

    Livro II, seo 2 Preservado em rabe Programa de construo de modelos mecnicos = Computadores astronmicos analgicos.

    (1) Traduzido para o ingls em 1967 (j com autenticidade comprovada). (2) Ver Van Helden, Measuring the universe: Cosmic dimensions from Aristarchus to Halley

  • Ptolomeu e as Hipteses planetrias A obra contm crticas fsica aristotlica:

    contra o primeiro motor, a transmisso de movimentos de orbe para orbe, as esferas de contra-rolamento.

    Prope a tese de que os planetas so automotores, por serem dotados de almas. Os epiciclos seriam alojados fisicamente dentro dos orbes. Proposta de orbes truncados (setores esfricos em vez de esferas inteiras, como

    a forma de um bracelete), e associados a eixos matemticos (no fsicos) com inclinaes diferentes.

  • Ptolomeu e as Hipteses planetrias O livro de Ptolomeu era conhecido em rabe como O livro das peas

    recortadas. (Ele sugere que o espao restante acima e abaixo dos orbes seccionados seria

    preenchido com um ter livre.)

    Tendo estado, em sua maior parte, inacessveis no Ocidente aps o sculo VI, as Hipteses planetrias no exerceram influncia significativa pelo menos no documentada no mainstream da astronomia e cosmologia europeias posteriores.

    Ilu

    str

    a

    o, A

    . M

    urs

    che

    l, J

    . H

    ist.

    Astr

    on

    ., v

    . 2

    5, 1

    99

    5, p

    . 4

    6.

  • Ptolomeu e as Hipteses planetrias

  • Ptolomeu e as Hipteses planetrias

  • O texto de Geminus de Rodes (c.110-c.40 a.C.), O escopo da astronomia comparado com o da fsica, um fragmento do comentrio Meteorologia de Posidonius [c.135-51 a.C.], citado por Alexandre de Afrodsia (c.200 d.C.), citado por Simplcio (c. 540 d.C.) em seu comentrio Fsica de Aristteles. Este texto j foi utilizado para apoiar uma leitura instrumentalista.

    Por exemplo, por Pierre Duhem em Salvar os fenmenos: Ensaio sobre a teoria fsica de Plato a Galileu. Mas cuidado, o instrumentalismo de Duhem no simples, por causa da noo de classificao natural. (1)

    Porm ele no expressa, por si mesmo, uma leitura instrumentalista, nem uma

    desvinculao disciplinar, mas sim exatamente aquilo que diz o ttulo: uma distino de escopo.

    Geminus e o salvar os fenmenos

    (1) Ver Sonia Dion, Pierre Duhem and the inconsistency between instrumentalism and natural classification, Stud. Hist. Phil. Sci., v. 44, 2013.

  • O texto de Geminus Continuao : O que o texto afirma:

    Que existe uma distino de escopo entre a astronomia (a qual introduz hipteses para salvar os fenmenos) e a fsica (que investiga os princpios, as naturezas e as causas).

    O texto no afirma:

    Que a astronomia e a cosmologia sejam desvinculadas pelo contrrio; Que a fsica seja imune aos experimentos afinal, as teorias fsicas

    tambm precisam explicar os fenmenos (demonstrar as revolues); Que, pelo fato de que a astronomia no conseguir decidir entre hipteses

    rivais que do conta do mesmo fenmeno, seja irrelevante determinar qual explicao melhor corresponde realidade.

    Que a cincia como um sistema, como um todo no possa investigar a estrutura da realidade.

    Geminus e o salvar os fenmenos

  • O que significa salvar os fenmenos? Em termos epistemolgicos, diramos que, na viso proposta, o astrnomo

    trabalha com modelos parciais ou com modelos de dados, ao passo que o fsico trabalha com modelos potenciais ou estruturas com enriquecimentos tericos.

    A inteligibilidade cientfica no se completa sem qualquer uma delas. O salvar os fenmenos no se assemelha a um trabalho de livro-caixa, pois os

    fenmenos so organizados de maneiras intelectualmente robustas e no-triviais por exemplo, com a ideia de reproduzir movimentos complexos por meio de elementos simples; ou com o dispositivo do equante; ou, mais tarde, com as curvas cnicas.

    Vale lembrar que a astronomia matemtica tambm envolve a criao cientfica e o trabalho com aspectos propriamente conceituais.

    A distino de Geminus compatvel com a existncia de tratados puramente matemticos e puramente fsicos, mas no exclui a possibilidade de tratados de dupla natureza (fsica+astronomia).

    Geminus e o salvar os fenmenos

  • 1 Cosmologia - Nvel ontolgico Estruturas macroconceituais e temticas Pressupostos metafsicos

    Ex.: Axioma platnico, reduo complexo/simples, hierarquia dos cosmos, fora/alma

    Casos: De Caelo, Timeu, A douta ignorncia (Cusa), Sobre o infinito (Bruno)

    2 Fsica celeste - Nvel explicativo Modelos potenciais Estruturas T-tericas Arsenal explicativo - Poder expressivo da teoria

    Ex.: Consideraes sobre a natureza dos astros, dos orbes, busca de causas para os

    fenmenos. Casos: Hip. planetrias, Defesa (Regiomontanus), Astron. nova, Tadhkira

    3 Astronomia: Nvel descritivo Modelos parciais Estruturas T-no-tericas Conceitos abastecidos pela geometria

    Ex.: epiciclos, excntricos, equantes , distncias, rbitas

    Instncias: Almagesto, Epitome do Almagesto (Regiomontanus), De Revolutionibus

    4 - Nvel emprico Modelos de dados Estruturas T-no-tericas Ex.: Coordenadas celestes (astronomia de posio), tabelas prticas. Instncias:

    Tabelas Prticas (Ptolomeu), Tab. Alfonsinas (1483 e antes), Tab. Prutnicas (E. Rein-

    hold, 1551), Tabelas Rudolfinas (Kepler, 1627). Desigualdades, retrogradao, outras

    anomalias. Dados observacionais (Tycho, Peuerbach, Regiomontanus, Toscanelli) Ob

    serv

    ao

    : as

    no

    es

    de

    T-t

    eri

    co

    e T

    -no

    -te

    rico

    n

    o p

    oss

    uem

    nad

    a em

    co

    mu

    m c

    om

    as

    no

    es

    de

    vo

    cab

    ul

    rio

    te

    rico

    e

    vo

    cab

    ul

    rio

    ob

    serv

    acio

    nal

    d

    a co

    nce

    p

    o s

    tan

    dar

    d d

    e te

    ori

    as (

    emp

    iris

    mo

    lg

    ico

    )

    Cf.

    p. e

    x. M

    ou

    lin

    es,

    Exp

    lora

    cio

    nes

    met

    aci

    ent

    fica

    s

    Geminus e o salvar os fenmenos

  • Recepo medieval - Ocidental e rabe al-Tusi

    Acima: Nasir al-Din al-Tusi (1201-1274). esquerda: Tadkhira (Memria sobre a astronomia), cpia do sc. XIV.

  • Recepo medieval - Ocidental e rabe al-Tusi

    Al-Tusi foi o supervisor de construo e o diretor do esplndido Observatrio de Maragha, no atual Azerbaijo. Escreveu comentrios sobre textos de Euclides, Aristarco, Arquimedes e outros.

    A al-Tadhkira fi-cilm al-haya ou Memria sobre Astronomia, conhecida simplesmente como Tadhkira, a principal obra de al-Tusi, que no se limita a ser um comentrio ao Almagesto, mas ostenta vrios traos originais.

    Ali, ao autor prope modelos que atendem a critrios matemticos, observacionais e tambm razes fsicas.

    Criticou o que entendia como inconsistncias de Ptolomeu por no respeitar, em sua opinio, o primado dos movimentos circulares e uniformes.

  • Recepo medieval - Ocidental e rabe al-Tusi

    Formulou o chamado acoplamento de Tusi para produzir movimentos retilneos a partir de combinaes de movimentos circulares.

    Discutiu dezesseis crticas s solues dadas por Ptolomeu a problemas relativos a irregularidades e oscilaes finas nos movimentos planetrios (II.7,25II.11,21)

    Criticou os argumentos destinados a demonstrar a imobilidade da Terra a partir de observaes, notando que eles no eram decisivos.

    Assim como as Hipteses Planetrias de Ptolomeu, o Tadhkira no exerceu grande influncia, ao menos explicitamente, sobre a tradio mainstream da astronomia europeia medieval. Influenciou, porm, uma importante tradio de astronomia islmica, com seus escritos sendo estudados e comentados durante sculos.

  • Recepo medieval - Ocidental e rabe al-Tusi

    Duas pginas de uma traduo moderna da Tadhkira (trad. F. J. Ragep, Springer, 1993)

  • Recepo medieval Tratados da Esfera

    Os chamados Tratados da Esfera manuais didticos de astronomia, de inspirao ptolomaica proliferaram durante a Idade Mdia e o Renascimento, sendo muitos deles cpias, adaptaes ou tradues de outros mais antigos, e foram muito utilizados no ensino. Neles, encontramos as mais reiteradas tentativas de justaposio entre aristotelismo, platonismo e ptolemismo muitas vezes ocasionando tenses internas e simplificaes no sistema. Um dos mais famosos autores de Tratado da esfera (De sphaera) (1230) Johannes de Sacrobosco (i.e. Hollywood) (1195-1256). Este tratado teve traduo portuguesa por Pedro Nunes, cosmgrafo-mor de Portugal, em 1537 (editada no Brasil em 1991). Muitos nautas e pilotos portugueses estudaram por esta obra. H tambm uma verso com acrscimos, em forma de dilogo, de autoria de Joo de Castro (1500-1548), ex-aluno de Pedro Nunes, intitulado Tratado da esfera, por perguntas e respostas, a modo de dilogo. (O historiador Walmir Thomazi Cardoso escreveu uma dissertao sobre esta obra.) A seguir, vemos dois exemplos de edies de Tratado da esfera.

  • Recepo medieval Tratados da Esfera

  • Recepo medieval Tratados da Esfera

  • Vrias observaes cotidianas parecem indicar que a Terra est em repouso no centro e os astros se movem em redor dela: (i) o fato de que o Sol nasce e se pe; (ii) o movimento aparente das estrelas durante a noite; (iii) os eclipses solares. Dessas observaes parece bastante plausvel inferir que os astros se movem em redor da Terra, como nota Ptolomeu no Almagesto. De fato, com base nas aparncias (movimentos observveis) parece difcil apoiar outro sistema que no o geocntrico. Aristteles: Nada h nas observaes que sugira que estamos afastados do centro [por metade de um dimetro terrestre] (De Caelo, II.13, 293b31) Ademais, existe uma grande variedade de argumentos (mais ou menos cogentes) visando estabelecer as teses da centralidade e da imobilidade. Para sustentar um sistema no-geocntrico/no-geosttico, seria preciso problematizar as aparncias, alm de refutar os argumentos existentes e aduzir outros argumentos.

    Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

  • O sistema ptolomaico conseguia dar conta com perfeio da primeira e da segunda desigualdades. Mas existe tambm uma outra variao a considerar: a variao no brilho aparente dos planetas... As fases de Vnus e as variaes no seu dimetro aparente eram percebidas a olho nu como uma coisa s: variaes de brilho aparente.

    Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

  • Astronomia e Cosmologia da Antiguidade

    Fonte: James Evans, The history and practice of ancient Astronomy, p. 28 (Oxford UP, 1998)

  • Varincias e temas, teorizaes e tenses - Um esboo

    Convenes adotadas (necessrias pelas limitaes de espao e

    adensamento de elementos no diagrama):

    Tipos de elementos: Eixos (temas), Estruturas e Domnios de

    investigao (3: fsica, astronomia, cosmologia)

    Se uma estrutura aparece atrs (em segundo plano) de um eixo, isso

    quer dizer que esse eixo/tema est presente naquela estrutura

    Se uma estrutura aparece frente (em primeiro plano) de um eixo,

    quer dizer que esse eixo/tema no est presente naquela estrutura

  • FSICA

    Conceitos p

    erm

    eante

    s

    Poder

    expre

    ssiv

    o Geocentrismo / geostatismo

    Axioma Platnico

    Orbes

    ASTRONOMIA

    Formalizao

    Eudoxo

    (Tentativas de extenso,

    com surgimento de tenses)

    Ptolomeu

    Teorizao

    Almagesto

    (Subestruturas

    empricas)

    Geometria

    Programa de construo

    de modelos mecnicos Antikythera

    Geminus

    Hipteses Planetrias

    (Aparato explicativo)

    COSMOLOGIA

    PLATONISMO

    ARISTOTELISMO

    (Tenso c/ fsica aristotlica)

    1 Tempo

    (ARISTOTELISMO)

  • FSICA

    Teorizao

    Geocentrismo/geostat.

    Axioma Platnico

    Orbes

    ASTRONOMIA

    COSMOLOGIA

    Formalizao

    PLATONISMO

    ARISTOTELISMO

    Ptolomeu

    Almagesto

    (Subestruturas

    empricas)

    Hipteses Planetrias

    (Aparato explicativo)

    Coprnico

    Programa de construo

    de modelos mecnicos

    Recepo

    Medieval:

    Tratados da

    Esfera

    (Tentativas de extenso,

    com surgimento de tenses)

    Heliocentrismo/heliostat.

    (Tenso c/ fsica aristotlica)

    2 Tempo

    Assimilao / recepo

    Geminus

    apud Alex.

    de Afrodisia

    apud

    Simplcio

    Averris (Exposio

    sobre a substncia do

    orbe)

    Filopono e Avempace (vazio), Buridan

    (impetus celeste), al-Tusi (Tadhkira), &c.

    (ARISTOTELISMO)

  • Geocentrismo / geostatismo

    ASTRONOMIA

    COSMOLOGIA

    ARISTOTELISMO

    Coprnico

    Recepo

    Medieval:

    Tratados da

    Esfera

    (Tentativas de extenso,

    com surgimento de tenses)

    3 Tempo

    Kepler Tycho

    Heliocentrismo / heliostatismo

    Axioma Platnico

    Orbes

    PLATONISMO

    FSICA

    Qual teorizao?

    (Crticas) (Crticas)

    ?

    (Slidos platnicos, harmonia)

    Formalizao

    (ARISTOTELISMO)

    Modelos

    parciais

    Modelos

    potenciais

    Re

    gio

    mo

    nta

    nus

    Peuerb

    ach

    Ric

    cio

    li