VAMOS PINTAR A SETE? CONSIDERAÇÕES SOBRE RUAS DE...
Transcript of VAMOS PINTAR A SETE? CONSIDERAÇÕES SOBRE RUAS DE...
XV SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO
A Cidade, o Urbano, o Humano Rio de Janeiro, 18 a 21 de setembro de 2018
VAMOS PINTAR A SETE? CONSIDERAÇÕES SOBRE
RUAS DE LAZER E DE PEDESTRES EM VITÓRIA (ES)
NA DÉCADA DE 19701
EIXO TEMÁTICO: IDEÁRIOS, URBANISMOS E PROCESSOS DE
INSTITUCIONALIZAÇÃO
CAMILA BENEZATH RODRIGUES FERRAZ / PPGAU-UFBA
RESUMO
O presente trabalho apresenta duas ações promovidas entre 1976 e 1977 pelos governos estadual e
municipal em Vitória, Espírito Santo. O ponto de partida é um convite direcionado às crianças para
realização de atividades lúdicas e esportivas na Rua Sete de Setembro aos domingos. A ação,
denominado "Vamos pintar a Sete", deu início à realização de ruas de lazer em Vitória a partir de
1976. A segunda ação envolve a da transformação de um trecho da Rua Sete de Setembro em rua
de pedestres. Inicialmente em caráter experimental, o trecho foi transformado definitivamente em
calçadão em 1977. Para além de estarem situadas na Rua Sete, as ações escolhidas inserem-se em
uma tendência de "humanização das cidades" relacionada à crítica contra o excesso de automóveis
nas cidades e contra o esvaziando dos espaço públicos atribuídos à abstração e rigidez da cidade
funcional modernista. Neste sentido, procuramos entender como estas possíveis inspirações teóricas
se inserem nas cidades, durante da Ditadura Militar (1964-1985).
PALAVRAS-CHAVE: Rua de pedestres. Rua de lazer. Humanização de cidades.
1 O artigo apresenta parte da pesquisa de doutorado em andamento, realizada sob orientação de Xico Costa
junto ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (PPGAU-UFBA) e com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
2
LET'S PAINT THE 7TH? CONSIDERATIONS ON THE
PLAY AND PEDESTRIANS STREETS IN VITÓRIA (ES),
AT THE 1970'S
ABSTRACT
This paper presents two actions promoted between 1976 and 1977 by the state and municipal
governments in Vitória, Espírito Santo. The starting point is an invitation addressed to the children to
carry out recreational and sports activities on September 7th Street on Sundays. The action, called
"Let's paint the Sete", started the construction of play streets in Vitoria from 1976. The name of the
action is a play on words with the idiomatic expression "let's paint the town red". The second action
involves the transformation of a stretch from the September 7th Street into a pedestrian street. First as
an experimental basis, the stretch was definitively transformed into a thoroughfare in 1977. Besides
being located on the September 7th Street, the chosen actions are part of a tendency to "humanize
cities" as a criticism of the excess of cars in cities and emptying of public space due to the abstraction
and rigidity of the modernist functional city. In this sense, we seek to understand how these possible
theoretical inspirations are inserted in the cities during the Military Dictatorship (1964-1985).
KEY-WORDS: Pedestrians Street. Play Street. Humanizations of cities.
¿VAMOS PINTAR A SIETE? CONSIDERACIONES SOBRE
CALLES DE OCIO Y DE PEATONES EN VITÓRIA (ES),
EN LA DÉCADA DE 1970
RESUMEN
El trabajo presenta dos acciones promovidas entre 1976 y 1977 por los gobiernos estadual y
municipal en Vitória, Espírito Santo. El punto de partida es una invitación dirigida a los niños para
realizar actividades lúdicas y deportivas en la Calle Siete de Septiembre a los domingos. La acción,
denominada "Vamos a pintar a Siete", dio inicio a la realización de calles de ocio en Vitória a partir de
1976. La segunda acción involucra la transformación de un tramo de la Calle Siete de Septiembre en
una calle peatonal. En su principio experimental, el tramo fue transformado definitivamente en paseo
peatonal en 1977. Además de estar situadas en la Calle Siete de Septiembre, las acciones escogidas
se inserta en una tendencia de "humanización de las ciudades", en cuanto crítica al exceso de
automóviles en las ciudades y vaciando de los espacios públicos como consecuencia de la
abstracción y rigidez de la ciudad funcional modernista. Se trata, por tanto, de entender cómo estas
posibles inspiraciones teóricas se insertan en las ciudades, durante la dictadura militar (1964-1985).
PALABRAS CLAVE: Calle peatonal. Calle de Ocio. Humanización de las ciudades.
3
INTRODUÇÃO
A Rua Sete de Setembro está localizada no centro de Vitória, Espírito Santo (Figura 1). A partir da
década de 1950 passou a ter grande importância comercial para a cidade de Vitória, como indicam os
edifícios de uso misto com tipologia de galerias comerciais no térreo construídos a partir de então,
tais como os edifícios Valverde e Joanne D'Arc. O Edifício Antares, construído na década de 1970,
também possui esta tipologia, com o diferencial de ser uma das primeiras edificações com escada
rolante na cidade, o que se tornou atração local.
Figura 1 - Mapa de Localização
Fonte: Elaboração própria.
Nesta rua também estava localizada a redação do jornal O Diário, que circulou entre os anos 1955 e
1980. O jornal tinha como objetivo ser um alternativa aos dois jornais locais de maior circulação na
cidade: A Gazeta e A Tribuna. Visto como um jornal cuja equipe era composta por jovens
simpatizantes da esquerda e participantes de movimentos estudantis, o controle e a intervenção
externa sobre jornal O Diário eram constantes, especialmente durante a Ditadura Militar (1964-1985).
Neste período a censura aos meios de comunicação era latente e se manifestava pela autocensura
ou pela censura prévia, ou seja, pelo medo de publicar matérias que pudessem causar
descontentamento dos militares ou pela presença de um censor responsável por verificar
presencialmente o material a ser publicado, que não deveria estar em desacordo com os interesses
do regime militar (MAZZEI, 2011). Apesar disto, a irreverência dos jornalistas de O Diário conseguia
transgredir e alfinetar alguns os padrões impostos pelos militares e também a sociedade da época.
4
Muitos dos jornalistas deste e de outros jornais da cidade freqüentavam o Britz Bar, localizado nas
proximidades da Rua Sete. Além deles, o bar era o ponto de encontro de jovens, profissionais
liberais, intelectuais,"pessoal mais renitente, que faz a vida noturna da cidade" (ROTEIRO, 1977,
p.11). Milson Henriques também aponta a presença de policiais federais disfarçados (HENRIQUES,
1995), o que indica que a renitência apontada na publicação ia além da questão do horário e poderia
ser interpretada também como uma oposição à Ditadura Militar.
Ao final da década de 1970, o Brasil vivia uma lenta e gradual distensão política, marcada pela
pressão contra a Ditadura Militar em diferentes setores da sociedade. Ocorre que a abertura
anunciada por general Ernesto Geisel (1974-1979) provocou o recrudescimento da linha dura
formada pelos segmentos militares contrários ao abrandamento do regime. Assim, a tensão política
obrigou uma estratégia dupla "de um lado, combatia a linha dura, mas de outro, oferecia aos que não
desejavam a abertura do regime ações no sentido de manter a 'revolução' e o chamado 'regime
revolucionário" (RESENDE, 2005, p.56). Ou seja, as bases do regime militar ainda não poderiam ser
abertamente contestadas. Entre as ações desta política, estavam a censura aos meios de
comunicação e o financiamento de conteúdo publicitário para divulgação de ações que pudessem
manter o partido Aliança Renovadora Nacional (ARENA) no poder. Após a extinção dos partidos
políticos através do Ato Institucional nº2 (AI-2) de 19652 e a determinação para eleições indiretas para
governadores e prefeitos biônicos, através do Ato Institucional nº3 (AI-3) de 1966, os governadores
passaram a ser escolhidos pela Assembléia Legislativa Estaduais e a eles cabia a administração dos
interesses estaduais, subordinados pelas orientações decidias em âmbito federal (CID, 2013), além
da indicação direta dos prefeitos das capitais.
Além da tensão política, a tensão econômica também se fez presente ameaçando o "Milagre
Econômico", forjado nos primeiros anos da Ditadura Militar. A crise mundial do petróleo, que provocou
sucessivos aumentos no preço da gasolina a partir de 1973, forçou o Governo Federal a lançar
campanhas nacionais para redução do uso de combustível e incentivo a realização de deslocamentos
a pé pela cidade. Portanto, se por um lado, a Ditadura Militar procurou esvaziar os espaços públicos
em uma tentativa silenciar o debate político sobre alternativas políticas, sociais e econômicas. Por
outro, fazia-se necessário "descontrair o povo, ensinando-o novamente a sorrir" (VITÓRIA, 1975,
p.70).
Considerando o contexto rapidamente apresentado, o presente trabalho apresenta duas ações
promovidas em 1976 e 1977, durante a gestão de governador e prefeito biônicos, respectivamente
Élcio Álvares e Setembrino Pelissari, ambos ligados ao ARENA. Nosso ponto de partida é um convite
direcionado às crianças para realização de atividades lúdicas e esportivas aos domingos na Rua Sete
de Setembro. A ação, denominado "Vamos pintar a Sete", deu início à realização de ruas de lazer em
Vitória a partir de 1976. A segunda ação se refere à pedestrianização de um trecho da Rua Sete.
Inicialmente em caráter experimental, o trecho entre as praças Costa Pereira e Ubaldo Ramalhete
Maia foi transformado definitivamente em calçadão em 1977.
2 Foram mantidos apenas o partido de sustentação política da Ditadura Militar, a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição moderada que representava uma aparente democracia ao regime.
5
Procuramos entender quais foram as possíveis inspirações teóricas e práticas destas ações e como
elas se inserem na cidade. Para tanto foram realizadas pesquisas no Arquivo Municipal de Vitória, no
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, na Biblioteca Pública do Estado do Espírito Santo. No
Arquivo Municipal foram consultados documentos referentes à gestão dos Prefeitos de Chrisógono
Teixeira da Cruz (1971-1975) e Setembrino Pelissari (1975-1978). No Arquivo Público do Estado do
Espírito Santo foram consultados documentos relacionados à Fundação Cultural do Espírito Santo.
Na Biblioteca Pública do Estado do Espírito Santo, por sua vez, foram consultadas as edições do
jornal A Gazeta entre os anos de 1973 e 19773. Além da pesquisa documental, foram realizadas
diversas entrevistas e consideradas publicações no grupo do Facebook "Memória da rua Sete -
Centro"4.
RUA SETE DE LAZER
O evento "Vamos Pintar a Sete" foi realizado pela primeira vez em 11 de julho de 1976, como
atividade do Programa de Desenvolvimento da Criatividade Infantil promovido pela Fundação Cultural
do Espírito Santo (FCES). A Fundação Cultural vinculava-se à Secretaria de Estado da Cultura e Bem
Estar Social, possuía relativa autonomia administrativa e financeira e tinha como objetivo planejar e
executar a política cultural do Governo do Espírito Santo5. O Programa de Desenvolvimento da
Criatividade Infantil da FCES buscava despertar o interesse de crianças para atividades artísticas ao
mesmo tempo em que pretendia estimular a ação em grupo. Para tanto, o evento "Vamos Pintar a
Sete" contava com apresentações de bandas musicais, teatro e dança; distribuição de balas, pipocas,
livros e materiais de pintura. As atividades aconteciam aos domingos das 15 às 18 horas na Rua Sete
de Setembro e na Praça Ubaldo Ramalhete Maia, recém-construída.
Como maneira de viabilizar sua realização, a Fundação Cultural buscava apoio financeiro em
diversas instituições e empresas, tais como a Companhia de Melhoramentos e Desenvolvimento
Urbano S.A. (COMDUSA), Chocolates Garoto, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), o jornal A Tribuna e Escola de Aprendizes do Espírito Santo
(EAMES). Por exemplo, a Chocolates Garotos colaborou com 98kg de balas e Cr$5.000,00 mensais
entre os março e junho de 1977, enquanto a UFES apoiava com a participação de professores e
alunos do Centro de Artes e do Centro de Educação Física e Desportos para instrução das atividades
artísticas e esportivas do evento.
Quando o "Vamos Pintar a Sete" começou a ser realizado em julho de 1976, a Rua Sete de Setembro
e um trecho da Rua Duque de Caxias já estavam interditadas para veículos e destinadas à circulação
de pedestres.
3 Não há nos arquivos consultados exemplares do jornal O Diário para os anos pesquisados.
4 Publicações do grupo disponíveis em: <https://www.facebook.com/groups/1485060755072849/>. Acesso em 01
fev. 2018. 5 A Fundação Cultural do Espírito Santo foi criada pela Lei nº. 2307, de 17 de novembro de 1967 e instituída pela
Lei nº. 2.468, de 24 de novembro de 1969. Através do Decreto nº. 1.469, de 28 de outubro de 1980, teve suas atividades incorporadas ao recém-criado Departamento Estadual de Cultura (DEC), vinculado à Secretaria de Estado de Educação.
6
Em ambas o movimento de mães passeando com os filhos e crianças brincando é constante. As poucas praças existentes também sofrem grande afluência da gurizada e a falta de mais áreas livres leva adultos e crianças disputarem espaços com os carros em vários pontos da Capital (DETRAN, 1976, p.06).
Além destas, estavam sendo elaborados estudos pelo DETRAN-ES em parceria com a Prefeitura de
Vitória para que outras ruas fossem interditadas aos domingos. Tão logo a notícia foi divulgada, o
jornal A Gazeta publicou o texto "Os perigos do lazer", o qual propõe a proibição de práticas
esportivas consideradas violentas ou potencialmente prejudiciais aos moradores das ruas a serem
transformadas em ruas de lazer.
As peladas já nascem mortas. As raquetas e demais adereços da prática de jogos mais ou menos
regulamentares devem sofrer o crivo da autoridade, para aquilatar da possibilidade ou não de sua utilização nesses novos locais. Skates e carros de rodas de bilha também ficam na dependência do sinal verde [...] a autoridade precisa ficar atenta e, mais do que cortar o mal pela raiz, impedir que ele se inaugure juntamente com as áreas de fins tão meritórios e salutares (OS PERIGOS, 1976, p.04, grifos no original).
A preocupação exposta no texto reverberou na direção do DETRAN-ES e no mês seguinte Mário
Natali, então diretor do órgão, afirma que antes de implantar outras ruas de lazer em Vitória será
preciso "conhecer o comportamento do público em relação à primeira" (RUA 7, 1976, p. 07). Todavia
esclarece que a restrição a certos esportes era de competência da Secretaria de Segurança Pública e
não do órgão do trânsito.
Por outro lado, a matéria de capa do Caderno Dois do jornal A Gazeta publicada em 09 julho de 1976
parece rebater ao controle defendido e expõe o desejo de uma mãe para "deixar que a criança ela
mesma descubra o que fazer. Acho que nesse período [o de férias escolares], pelo menos, as mães
deveriam deixar as crianças viveram um pouco mais a própria infância, sem a interferência do adulto"
(PELLERANO, 1976, p.01). Na sequência, o evento " Vamos Pintar a Sete" é divulgado como "a
coisa mais importante que vai acontecer nas férias".
A expectativa para a realização do evento era grande e sua divulgação foi constante antes e depois,
tanto em colunas sociais, como encartes culturais e na seção de Política/Administração do jornal
(Figuras 2 e 3). Segundo as publicações, o evento de estréia contou com a participação de
aproximadamente 500 crianças de Vitória e do interior, mesmo com o tempo chuvoso. O governador
Élcio Alves também marcou presença e teria comentado eufórico "Ufa! conseguimos livrar nossas
crianças da televisão aos domingos!" (O EXERCÍCIO, 1976, p.1).
Em 01 de agosto de 1976, a ação aconteceu pela primeira vez em outra área da cidade, apenas em
função de obras realizadas na Rua Sete de Setembro pela Telecomunicações do Espírito Santo
(Telest). Em 1977, a ação foi programada propositalmente em outros bairros da cidade e também em
outras cidades do Estado, o que resultou na alteração do nome alterado para "Vamos pintar o Sete".
7
Figura 2 - Anúncio de divulgação do projeto "Vamos pintar a Sete", publicado na seção Política/Administração no jornal A Gazeta em 10 de julho de 1976.
Fonte: Acervo da Biblioteca Pública do Estado do Espírito Santo.
Figura 3 - Capas do Caderno Dois e do encarte infantil A Gazetinha, integrantes do jornal A Gazeta e publicadas em 13 e 17 de julho de 1976, respectivamente.
Fonte: Acervo da Biblioteca Pública do Estado do Espírito Santo.
8
O "Vamos Pintar a Sete" parece ter sido inspirado na ação "Pintura Infantil na Rua XV", promovida
pela Prefeitura de Curitiba logo após a inauguração da rua de pedestres na Rua XV de Novembro em
1972. Na ação, uma atividade regular aos sábados, era estendido uma faixa de papel e distribuídos
tintas e pincéis para que crianças pudessem pintar. Segundo Cristiane Silveira, sua realização teria
sido uma estratégia para ocupação da nova rua de pedestres e inibição de manifestações contrária à
proibição de veículos no local. Desta forma, as crianças
foram colocadas na condição de “linha de frente” pelo evidente apelo emocional que produziam. Mas a ação de motivação e caráter duvidosos não se encerra aí: para garantir o sucesso da contrainvestida seria preciso garantir um número razoável de crianças na rua, razão pela qual foram conduzidos à Rua XV mais de 150 estudantes da rede pública de ensino, acompanhados de professores, aos quais se somaram crianças que eventualmente visitavam a nova rua naquele momento, acompanhadas por seus responsáveis (SILVEIRA, 2016, p.128).
Em 1973, a ação passou a integrar o "Programa de Desenvolvimento da Criatividade Infantil" da
recém-criada Fundação Cultural de Curitiba (FCC). Nota-se que o mesmo nome foi escolhido pela
FCES para o programa que incluiria a ação "Vamos Pintar a Sete".
O projeto "Ruas de Lazer" realizado em São Paulo a partir de fevereiro de 1976 também pode ser
considerado uma segunda inspiração. Este projeto consistia no fechamento de ruas aos domingos e
feriados para serem "invadidas por crianças com carrinhos de rolimã, skates, bicicletas, bolas e uma
disposição de brincar há muito tempo contida pelas horas passadas em frente da televisão, ou
simplesmente ocupadas dentro de casa" (RUAS, 1976, p. 15). Para implantação destas ruas de lazer
era necessário uma estrutura mínima - cavaletes de madeira, rede de vôlei e bolas - e apoio dado por
associações de moradores, comunidades paroquiais ou centro comunitários para organização das
atividades.
Nos três casos - Curitiba, São Paulo e Vitória - o investimento para realização das ruas de lazer era
diminuto se comparado ao recurso necessário para construção de centros educacionais e esportivos.
Isto pode ser observado na descrição dada por Mário Natali para implantação das ruas de lazer em
Vitória:
Primeiro a gente metia o gelo baiano, isolava a pista, fechava aquilo e colocava algumas jardineiras e nesses locais aí as pessoas faziam muitas vezes lazer, crianças, as próprias escolas de vez em quanto faziam encontro das crianças aqui, era uma festa danada
6
A partir de 1977, as ruas de lazer foram associadas nacionalmente à campanha Esporte para Todos
(EPT). O EPT foi realizado entre 1977 e 1985 pelo Departamento de Educação Física e Desporto do
Ministério da Educação e Cultura (DED/MEC) em parceria com o Movimento Brasileiro de
Alfabetização (MOBRAL). Notam-se semelhanças entre a Campanha EPT e o "Vamos Pintar a Sete",
embora o início desta seja anterior à promoção da campanha EPT.
O primeiro material didático do EPT, "Documento Básico da Campanha Esporte Para Todos", foi
elaborado em 1977 e distribuído gratuitamente nas redes municipais e estaduais de ensino do país. O
documento recomendava ao educador físico priorizar jogos recreativos e esportes com regras
simplificadas para maior adesão. Além disso, o documento incluía um Decálogo, um conjunto de dez
6 Entrevista concedida à autora em 19 de fevereiro de 2018.
9
"ideias-força" que deveriam orientar a realização das atividades (PAZIN, 2014). Entre as ideias-força
destacamos:
1. Lazer: Orientar o tempo livre para a prática esportiva com prazer e alegria de modo voluntário e sem prejudicar as demais possibilidades educacionais e culturais.
[...]
3. Desenvolvimento Comunitário: Aperfeiçoar a capacidades de organização e mobilização das comunidades para o trabalho em conjunto, em mutirão e dentro do necessário sentimento de vizinhança, de bairro, de região e de município.
4. Integração Social: Estimular a congregação e a solidariedade popular, dando ênfase à unidade familiar, as relações pais e filhos, à participação feminina e à valorização da criança e do idoso.
5. Civismo: Reforçar o sentimento de povo, de nacionalidade e de integração nacional.
6. Humanização das Cidades: Criar meios de práticas de esporte recreativos com participação de grande número de pessoas, para a conscientização geral de áreas livres nos grandes centros urbanos. (COSTA, 1977 apud PAZZIN, 2014, p.200)
Tais ideias-força se aproximam dos objetivos Programa da FCES, do qual o evento "Vamos Pintar a
Sete" fez parte. O esboço do Programa faz menção à coletividade, à ação em grupo e à liberdade.
Este sistema, além do próprio interêsse despertado na criança para a criação coletiva, serve igualmente para desenvolver toda uma tendência que, por falta de oportunidade, manteve-se então amorfa, estática. Ao sentir-se unida a companheiros num mesmo empreendimento, dando vasão a certos intuitos instintivos, a criança liberta-se de uma série de complexos de desejos criativos reprimidos, sentindo-se útil e prestigiada
7.
Assim, apesar de se apoiar em estratégicas pedagógicas não-tradicionais e de incentivar o uso da
rua, os exemplos apresentados buscam a promoção de atividades supervisionadas, em um combate
ao uso espontâneo das ruas, já que era preciso orientar o lazer voluntário [?] e estabelecer limites
para os "perigos" de certas práticas recreativas.
RUA SETE DE PEDESTRES
Antes da realização do evento "Vamos pintar a Sete", a Rua Sete já era ocupada por crianças e
"desocupados" que pintavam o sete8. Em abril de 1976, o trecho da Rua Sete compreendido entre as
praças Costa Pereira e Ubaldo Ramalhete encontrava-se interditado diariamente para o tráfego de
veículos em caráter de experiência (Figura 4). Isto fazia com que este trecho se transformasse em um
"ambiente carregado, onde os ripis, bicicletas e skates só fazem atrapalhar o comércio"(OLEARI,
1976, p.02). Os ripis mencionados na notícia referem-se provavelmente aos hippies que organizavam
uma feira diária na Rua Sete entre 1975 e 19769.
7 Documento localizado em pesquisa no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.
8 Chamamos atenção para a ambigüidade da expressão idiomática pintar o sete que pode assumir tanto o
significado de "provocar desordem " e "fazer bagunça" como o de "realizar alguma coisa com facilidade" e "comemorar intensamente", segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e o Dicionário Online de Português. Verbetes disponíveis respectivamente em : <https://www.priberam.pt/dlpo/pintar%20o%20sete> e <https://www.dicio.com.br/pintar-o-sete/>, com acesso em 31 jan. 2018. 9 Conforme comentário feito por Maria Elisabeth no grupo Memórias da rua Sete - Centro. Disponível em:
<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=931352263665836>. Acesso em 22 fev. 2018.
10
O gerente da Lanchonete Sete também reclamava da movimentação em frente ao seu comércio:
"Além de tudo, bicicletas e carrinhos de criança transformaram a rua Sete em jardim de infância para
os garotos da redondeza" (OLEARI, 1976, p.02). A Lanchonete Sete era reduto de adolescentes e
jovens na época e sua fama extrapolava o limite do centro da cidade. Inúmeros são os relatos que
identificam a lanchonete com ponto chique de lanches, sorvetes e paqueras, tanto para moradores do
centro, como para moradores de outros bairro da cidade. Angela Benezath conta que
ia todo domingo no Cine São Luiz na primeira sessão e só saía na última e depois ia para a Lanchonete Sete para lanchar. E todo domingo eu ia com um vestido novo que tia Izide costurava pra mim. Acho que tinha uns 12 anos. A gente ia sozinha, era uma turma grande e fazia muita bagunça
10.
O cronista Fernando Tatagiba trata da Lanchonete Sete como um lugar onde "aconteceram inúmeros
encontros e desencontros, beijos na fronte ou no horizonte, solitários encostados nos balcões, uma
mulher esperou alguém que não veio" (ELTON, 1999, p. 99).
A princípio, seria contraditório que justamente o gerente da lanchonete discordasse da interdição, já
que pedestrianização da rua poderia expandir seu comércio: com a rua interditada para veículos, os
clientes não precisariam se espremer na calçada estreita e nem disputar espaço com os automóveis.
Todavia, a presença de hippies, crianças e "desocupados" poderia comprometer a imagem elegante
que este e outros estabelecimentos da rua detinham.
Apesar destas reclamações, a primeira sugestão para transformação definitiva da Rua Sete em rua
de pedestres teria partido de um comerciante. Sem identificá-lo, o jornal A Gazeta apresenta sua
sugestão: "deveria fazer um calçadão no leito da rua Sete para embelezar a área" (OBRAS, 1976, p.
06). A sugestão foi acatada em abril do ano seguinte, quando o caráter de experiência na Rua Sete
de Setembro como rua de pedestres se encerra e a "A Rua 7 começa a virar o 1º calçadão da cidade"
(A RUA, 1977, p. 06).
Figura 4 - Rua de Pedestre em Experiência.
Fonte: Sandro Chiabai Paterlini. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=934616566672739 >. Acesso em: 18 dez. 2016.
10
Entrevista concedida à autora em 30 de janeiro de 2018.
11
Figura 5 - Calçadão da Rua Sete de Setembro em construção
Fonte: Jornal A Tribuna, 25 set. 2010, p.06.
Figura 6 - Calçadão da Rua Sete de Setembro.
Fonte: . Antonio Carlos Sessa. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1494472174108475>. Acesso 02 mar. 2018.
12
As obras do calçadão da Rua Sete foram concluídas em junho de 1977 e contemplaram a elevação
do piso e seu revestimento em pedra portuguesa com desenhos inspirados no calçadão de
Copacabana. Bancos e canteiros circulares em alvenaria foram construídos no centro da rua. As
dimensões e o formato dos bancos foram definidos para impedir sua utilização como camas por
moradores de rua11
.
Na reportagem que anunciou a inauguração do calçadão da Rua Sete são apontadas mudanças em
função do novo piso, do conforto oferecido ao consumidor.
Motos sobre a calçada, jardins suspensos, escada rolante, bancos, farmácias, armarinhos, cabeleireiro, boutiques em profusão, casas de roupas para crianças, armazéns de secos e molhados. O que mais necessita a Rua Sete para ser completa? A resposta, aguarda-se para muito em breve e. naturalmente, será dada pelas agências imobiliárias, que já estão cuidando de rever suas tabelas de preços para este que se tornou o ponto alto da cidade" (FRAGA, 1977, p. 01).
O sucesso na implantação da primeira rua de pedestres em Vitória difundiu esta ideia para a
implantação de outros calçadões na cidade durante o período.
O discurso para construção dos calçadões coincide com a preocupação da Prefeitura e do DETRAN-
ES em solucionar os constantes engarrafamentos no centro de Vitória em decorrência do aumento da
frota de veículos. Neste sentido, foram realizadas outras ações, tais como: ampliação no serviço de
transporte coletivo, com criação de linhas seletivas; modificações viárias; e criação de bolsões de
estacionamento pagos administrados pela Fundação de Estacionamento e Pontes (FUNDEP)12
.
Estas ações também faziam parte da campanha nacional para redução do uso de combustível,
suscitadas pela crise mundial do petróleo e pelos sucessivos aumentos no preço da gasolina a partir
de 1973.
A criação da primeira rua exclusiva para pedestres no Brasil se deu em 1972, durante a primeira
gestão de Jaime Lerner na Prefeitura de Curitiba. Assim como o gerente da Lanchonete Sete em
Vitória, os comerciantes curitibanos se mostraram reticentes à proposta de pedestrianização da Rua
XV de Novembro. Temendo que fossem acionados mandados de segurança, a intervenção urbana
começou após o fim do expediente nos tribunais em uma sexta-feira, dia 19 de maio de 1972, e durou
todo o final de semana. "No dia seguinte à inauguração, um dos comerciantes que encabeçavam um
abaixo-assinado contra o projeto apresentou-me um novo pedido: que as obras continuassem e
abrangessem mais regiões" (LERNER, 2011, p.96).
A rapidez na realização da obra se mostrou eficiente neste caso e tornou-se uma das características
defendidas por Lerner para projetos de "acupuntura urbana". "Na acupuntura, o importante é que a
picada seja rápida [...] [para] evitar que a inércia dos vendedores de complexidade, mesquinhez e da
política inviabilizasse momentos e obras fundamentais" (LERNER, 2011, p.96-98).
Portanto, podemos dizer que a ausência de participação nas tomadas de decisão seria intrínseca à
acupuntura defendia por Lerner, o que também acontecia em Vitória. Chrisógono Teixeira da Cruz,
11
Segundo Marília Custódio dos Santos em entrevista concedida à autora em 06 de março de 2018. 12
A FUNDEP foi criada através da Lei nº 2.194, de 22 de novembro de 1972, com estatuto aprovado pelo Decreto Municipal nº 5.299, de 12 de março de 1973 e teria sido criada com o objetivo principal de "afastar definitivamente os carros do centro da cidade" (FUNDEP, 1976, p.07).
13
prefeito de Vitória entre 1971 e 1975, afirma que "para humanizar a nossa cidade é necessário
medidas de renovação rápidas, mesmo que o povo se assuste ou deixe de aprovar" (VITÓRIA, 1975,
p.72). À esta afirmação, soma-se o depoimento de Marília Custódio dos Santos ao falar sobre a
construção do calçadão da Rua Sete "era mais decisão técnica. Não havia prática de demanda
popular"13
.
Em São Paulo, a implantação de várias ruas de pedestres em setembro de 1976 também causou
insegurança entre os comerciantes, que temiam perder seus clientes para aos recém-criados
shoppings centers. A interdição do tráfego de veículos foi resultado do projeto "Operação Centro",
elaborado durante a gestão do prefeito Olavo Setúbal, que incluía a restrição do uso do carro
particular e priorização do transporte público. Assim como em Curitiba, em São Paulo houveram
ameaças de impetração de mandados de segurança contra o que foi considerada uma decisão
"arbitária e abrupta". A proposta da "Operação Centro" teve início após o Seminário Internacional de
Revitalização de Áreas Centrais em 1975 em São Paulo. O Seminário foi realizado pela
Coordenadoria Geral do Planejamento (COGEP), com apoio do Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano de Curitiba (IPPUC) e tinha como objetivo convencer os técnicos da administração municipal
paulistana da necessidade da transformação de vias de circulação de veículos motorizados para
áreas exclusiva de pedestres, através da apresentação de casos similares em diversos países. A
participação no evento foi exclusiva aos técnicos da prefeitura e autoridades municipais, sendo
proibida a participação de jornalistas e demais interessados. Entre os convidados estava Jaime
Lerner, que apresentou o projeto para a Rua XV de Novembro em Curitiba (ABRAHÃO, 2008).
Estudos elaborados após o seminário concluíram que as ruas da área central de São Paulo estavam
ameaçadas pela aumento no número de veículos, pelo crescimento desordenado da cidade e pelo
aparecimento de novas centralidades urbanas. Destes estudos resultou a "Operação Centro",
divulgada como "uma ação cujo objetivo era 'tornar a cidade mais humana, através da recuperação,
valorização e enriquecimento dos locais públicos, edifícios e a própria paisagem da cidade"
(ABRAHÃO, 2008, p.40). Para tanto, além de proibir a circulação do automóvel na área central e criar
ruas de pedestres equipadas com bancos, telefones, floreiras, lixeiras, postes de iluminação e outros
mobiliários urbanos, a intervenção incluiu a reforma de praças, o restauro de construções e a criação
de "recantos infantis". Tais recantos "foram concebidos como um misto de praça pública e parque
infantil, numa concepção espacial que reforçava o caráter de espaço aberto com áreas de estar e de
brinquedos para atender a população do entorno" (ABRAHÃO, 2008, p.41).
A ação em São Paulo aponta o esforço da administração municipal em valorizar a rua como lugar de
encontro e de lazer, ponto "fundamental à retomada da escala humana das cidades" (ABRAHÃO,
2008, p.39). Ao mesmo tempo, buscava-se alterar o comportamento dos usuários do Centro,
justificada pela "necessidade de se resgatar os valores tradicionais - sociabilidade, civilidade e de
comunidade" (ABRAHÃO, 2008, p.58).
13
Segundo Marília Custódio dos Santos em entrevista concedida à autora em 06 de março de 2018.
14
Em Vitória, o discurso era similar. As mudanças no trânsito e a implantação da rua de pedestres eram
justificadas pela defesa da humanização da cidade, em contraposição ao aumento de veículos na
cidade e dentro das determinações do Governo Federal, como deixa claro o trecho abaixo.
O espaço é do homem e não do automóvel [...] Vale lembrar que o elenco de medidas vai ao encontro das últimas determinações do Governo Federal, no sentido de viabilizar a racionalização do combustível no País, evitando assim o racionamento (O INDISPENSÁVEL, 1977, p. 04)
UMA CIDADE MAIS HUMANA?
Nas ações de criação de ruas de lazer e de pedestres apresentadas neste trabalho encontramos a
defesa por uma abordagem que priorize o homem e o uso da rua dentro de "um plano de
humanização por achar ser ele [o homem] mais importante que as maiores obras de concreto
armado" (VITÓRIA, 1975, p.74), como afirmou ex-prefeito Chrisógono Teixeira da Cruz (1971-1975)
no relatório de sua gestão à frente da Prefeitura de Vitória.
Esta tendência não era nova e se aproxima das primeiras críticas contra a abstração e rigidez das
cidades funcionais propostas pelo movimento moderno. As cidades funcionais foram modelos
propostos e discutidos durante os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs),
especialmente o III CIAM - A cidade funcional. Deste congresso, realizado em 1933 a bordo de um
cruzeiro entre Marselha e Atenas, originou-se a Carta de Atenas que definiu as quatro funções-
chaves do urbanismo: habitar, trabalhar, recrear-se (nas horas livres), circular. À rua caberia apenas
esta última função, é "uma máquina de circular [...] urge criar tipos de ruas que sejam equipadas
como é equipada uma fábrica" (LE CORBUSIER, 1925 apud QUEIROZ, 2015).
Embora a Carta de Atenas defenda o uso da escala humana nos projetos urbanos, ela estaria
direcionada à modulação e padronização do homem no espaço. A expressão "humanização do
espaço", criada por Alfred Neumann e citada por Le Corbusier em o Modulor 2 (1955) relaciona-se
com a defesa pela criação de sistema de medidas universal que não fosse baseado em unidades
abstratas e ao mesmo tempo que não tivesse características regionais (NUDELMAN, 2011).
Apesar do livro de Corbusier partir de um mote humanista, desenvolvido com argumentos de ordem poética, acabou sendo rechaçado pelos críticos que enxergaram nele uma ferramenta tecnocrática, comprometida com um projeto abstrato e ideal de padronização do mundo. Para muitos, o Modulor tornou-se símbolo de uma racionalidade moderna desumana que deveria ser enfrentada em nome da diversidade dos corpos e dos processos criativos (MIYADA; GALLINA, 2012, online).
As críticas contra a abstração e rigidez das cidades funcionais tiveram lugar dentro dos próprios
CIAMs, a partir do VIII CIAM - O coração da cidade, realizado em 1951 em Hoddesdon, Inglaterra. A
discussão priorizou o "elemento humano, na associação humana, que resulta do interesse em
retomar a cidade existente como foco de atenção" (SOSA, 2008, p.105), tal qual indica a
publicação do Congresso elaborada por Sigfried Giedion, "Summary of needs at The Core":
1 Que deve haver somente um Núcleo central em cada cidade;
2 Que o Núcleo é um artefato – uma coisa feita pelo homem;
15
3 Que o Núcleo deve ser seguro do trânsito – onde os pedestres possam caminhar e mover-se livremente;
4 Que os carros deve chegar e estacionar na periferia do Núcleo, mas não atravessá-lo;
5 Que propaganda comercial descontrolada – como aparece no Núcleo de muitas cidades de hoje – deve ser organizada e controlada;
6 Que elementos variados (moviles) podem fazer uma importante contribuição à animação do Núcleo, e a base arquitetural deve ser planejada para permitir a inclusão desses elementos;
7 Que ao planejar o Núcleo o arquiteto deve usar médios contemporâneos de expressão e – quando seja possível – deve trabalhar em cooperação com pintores e escultores (GIEDION, 1952 apud SOSA, 2008, p.102, grifos nossos).
Posteriormente, o Manifesto de Doorn, publicado em 1954 por integrantes do CIAM, também tece
críticas à concepção de cidade funcionalista e fundamenta-se "na necessidade de enfatizar o caráter
de espaço urbano como gerador de relações humanas" (SOSA, 2008, p. 98). O Team 10, criado para
organização do X CIAM realizado em 1956 em Dubrovnik, Croácia, também se posicionava contra à
concepção de cidades funcionais e defendia a necessidade de discutir a humanização doas cidades.
A intenção fundamental dos jovens era questionar a validade dos princípios universais a partir da noção de que o homem se organiza em comunidades, que desenvolve a necessidade de se diferenciar, se identificar com o local onde habita, criar vínculos sociais e aprender o espaço a partir de seus próprios valores culturais (SOSA, 2008, p104).
Soma-se às críticas fomentadas dentro do próprio movimento, as críticas publicadas por Jane Jacobs
em 1961, na constatação de que as cidades encontram-se em erosão em função do excesso de
automóveis nas cidades, causa e conseqüência de projetos urbanos modernos (JACOBS, 2003).
Entre as táticas apresentadas pela autora para reverter o quadro estão a redução do número de
automóveis da rua, a ampliação de calçadas e o incentivo ao uso da rua - sugestões muito próximas
às ações apresentadas neste artigo.
Entretanto, é preciso lembrar que tais ações - rua de lazer e rua de pedestres - foram realizadas em
um contexto de tensão política e econômica no país. À primeira vista, parece contraditório que estas
ações tenham sido promovidas pelo justamente pelo governo ditatorial. Apenas à primeira vista, pois
"se por um lado o espaço público foi esvaziado do debate político oposicionista, por outro o governo
procurou preenchê-lo com outras práticas culturais" (PAZIN, 2014, p.193), como as descritas neste
artigo.
Tais práticas procuraram, portanto, divulgar e reforçar os sistema de valores moldados pelas
instituições militares e dar legitimidade ao regime. Ou seja, era preciso dimensionar a população
dentro de um modelo pré-estabelecido. Era preciso disciplinar os corpos para silenciá-los. A
constatação de ausência de participação popular na decisão sobre estas ações faz reverberar estas
afirmação e evidencia que é preciso diferenciar o incentivo às práticas esportivas e artísticas pelas
ruas de lazer ou a criação de novos lugares de encontros nas cidades de um movimento para
promoção de uma verdadeira autonomia da população brasileira.
16
REFERÊNCIAS
ABRAHÃO, Sérgio Luís.Espaço público: do urbano ao político. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008.
A MENSAGEM, do exmo. sr. Prefeito Municipal. Revista Vida Capichaba. Vitória. 15 jan. 1927, p.21.
AS NOSSAS poucas praças (e abandonadas). A Gazeta. Caderno Dois. Vitória, 01 mai. 1977, p.01.
A RUA 7 começa a virar 1º calçadão da cidade. A Gazeta. Vitória, 16 abr. 1977, p. 06.
CAMPOS JÚNIIOR, Carlos Teixeira de. A história da construção e das transformações da cidade. Vitória: Cultural - ES, 2005.
CID, Duílio Henrique Kuster. Revolução de caranguejos: políticas para o teatro no Espírito Santo durante a Ditadura Militar. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2013.
DALMASIO, Dora. Fluminensinho: uma escola de vida. Vitória: Pro Texto Comunicação e Cultura, 2008.
DETRAN estudará com PMV criação de áreas de lazer na Cidade. A Gazeta. Vitória. 01 jun. 1976, p.06.
ELTON, Elmo. Logradouros antigos de Vitória. Vitória: EDUFES, 1999.
HENRIQUES, Milson. "Britz". In: VITÓRA, Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Cultura. Escritos de Vitória: bares, botequins, etc. Vitória: Prefeitura Municipal, 1995.
FRAGA, Maura. "Rua Sete: a província suspira ante a sua Via Veneto". A Gazeta. Caderno Dois. Vitória, 19 jun. 1977, p. 01.
FUNDEP quer afastar carros do centro até 1977. A Gazeta. Vitória, 16 jun. 1976, p. 07.
GEHL, Jan. Cidade para pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013 [2010].
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1961].
LERNER, Jaime. Acupuntura urbana. Rio de Janeiro: Record, 2011 [2003].
LYDON, Mike; GARCIA, Anthony. Tactical Urbanism: short-term action for long-term change. Washington: Island Press, 2015.
MACHADO, Leandro. "Nos anos 70 fechamento de ruas do centro gerou discórdia em São Paulo". Folha de São Paulo. São Paulo, 30 ago. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/08/1675514-nos-anos-70-fechamento-de-ruas-do-centro-gerou-discordia-em-sao-paulo.shtml>. Acesso em 24 jan. 2018.
MANZI, Ariadne Giacomazzi Mattei. Grandes projetos urbanos na cidade de Curitiba: impactos e externalidades. Dissertação (Mestrado em Gestão Urbana) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, 2008.
MAZZEI, Victor Reis. Jornal O Diário: a censura e o papel da publicidade nos anos de chumbo (1968-1974). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2011.
MIYADA, Paulo; GALLINA, Paulo. "Escala humana em elipse: Denise Adams e Fernando Pião". Drops, São Paulo, ano 12, n. 053.06, Vitruvius, fev. 2012. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.053/4243>. Acesso em: 16 mar. 2018.
NUDELMAN, Jorge. "Modulor 2 - La pesada carga de la perfección: Le Corbusier en Serralta y Clémot, y en Dieste". Arquitextos, São Paulo, año 12, n. 138.03, Vitruvius, nov. 2011 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.138/4116>. Acesso em: 16 mar. 2018
OBRAS e veículos danificam calçadas no centro de Vitória. A Gazeta. Vitória, 11 de setembro de 1976, p. 06.
O EXERCÍCIO da criatividade. A Gazeta. Caderno Dois. Vitória, 13 jul. 1976, p.01.
O INDISPENSÁVEL levantamento. A Gazeta. Vitória, 19 jan. 1977, p. 04.
OLEARI, Oswaldo. "Novamente, a rua sete". A Gazeta. Vitória, 06 abr. 1976, p.02.
17
OS PERIGOS do lazer. A Gazeta. Vitória. 02 jun. 1976, p.04.
PELLERANO, Mariângela. "O que fazer nas férias?" A Gazeta. Caderno Dois. Vitória, 09 jul. 1976, p.01.
PLAN Safe Streets for children's play. The New York Times. Nova Iorque, 07 mai. 1909.
PAZIN, Nailze Pereira de Azevedo. Esporte para Todos (EPT): a reinvenção da alegria brasileira (1971-1985). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2014.
QUEIROZ, Igor Gonçalves. Labirinto, brinquedo, brincadeira: o uso da cidade pela criança como crítica ao ideário moderno. Trabalho Final (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.
ROTEIRO. A Gazeta. Caderno Dois. Vitória, 04 jan. 1977, p.11.
RUA 7 de Setembro: o dia do lazer. A Gazeta, 11 jul. 1976, p. 07.
RUAS de lazer, só paliativo. Folha de São Paulo. São Paulo, 29 mai. 1979, p.15.
SILVEIRA, Cristiane. Cultura política versus política cultural: os limites da política pública de animação da cidade em confronto com o campo das artes visuais na Curitiba Lernista (1971 - 1983). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2016.
SOSA, Marisol Rodríguez. A Guanabara de Doxiadis e a Havana e Sert: Ekistics e Urban Design, novas direções na ruptura do CIAM. Tese (Doutorado em Urbanismo) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008.
VITÓRIA, Prefeitura Municipal. Relatório 71/74. Vitória: PMV, 1975.
7 HORAS, os carros fora do centro. O Estado de São Paulo. São Paulo, 04 set. 1976, p. 20.