Varela Pècurto - Voar sobre Coimbra

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VOAR SOBRE COIMBRA VARELA PÈCURTO FOTO DE PEDRO CALDEIRA

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Reportagem com o fotógrafo Varela Pècurto repetindo voos sobre a cidade de Coimbra distanciados 50 anos no tempo. Produção BDMP, Lda para as 24 horas Culturais de Coimbra

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VOAR SOBRE COIMBRA

VARELAPÈCURTO

FOTO

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Voar sobre Coimbra 50 anos depois

Nas décadas de 50 e 60 do século XX, Varela Pècurto, fotó-grafo, empreendeu fotografar Coimbra munido de uma má-quina fotográfica modelo Rolleicord. Cinquenta e três anos depois, a convite da BDMP, Pècurto – agora com 89 anos - voltou a voar, fotografando com a mesma câmara uma ci-dade (que é a mesma), traduzindo as alterações urbanísticas que mais de meio século sobrepôs às suas fotografias. Para as "24 horas culturais", a ideia de proceder à reposição da exposição "Voar sobre Coimbra... há meio século" encon-trou sintonia na realização de uma modesta homenagem a Varela Pècurto, um Homem que é um visionário dos tempos.

TEXTOS DE BRUNO VALEFOTOGRAFIA: VARELA PÈCURTO E PEDRO CALDEIRA

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Carteira profissional de Pècurto... mais de 70 anos ao serviço da fotografia

Assim inicia o terno texto de elogio a Pècurto que consta do catálogo da exposição "Voar sobre Coim-bra... há meio século" (2009), realização possível graças à doação, por parte do fotógrafo, de um enor-me espólio fotográfico à cidade de Coimbra e que hoje se encontra à guarda da Imagoteca Municipal. Um lote específico dessa doação é composto por uma série de negativos contendo vistas aéreas da cidade de Coimbra, capturadas nas décadas de 50 e 60 do século XX e onde o fotógrafo revela uma cidade muito diferente, em termos urbanísticos, da que conhecemos.

Lê-se, no catálogo, em texto da autoria de Varela Pècurto: " As minhas fotografias referem-se às décadas 50/60 e na maioria dos casos, em aeronaves pilotadas pelos doutores Viriato Namora, José Pimenta e o meu homónimo Varela, utilizando sempre o aeródromo de

Coimbra e que não é nem de Cernache, nem de Antanhol embora a maioria da sua área pertença a esta freguesia. É obrigação chamar-lhe o justo nome que tem: Bissaya Barreto. (...) no meu caso fotografei à vista, com a má-quina nas mãos e dando grande atenção ao momento do disparo para conseguir o enquadramento escolhido. Se a foto tiver de obedecer a um alinhamento, e o disparo não for no momento exacto, uma fracção de segundos depois já é tarde. Só resta dar a volta e tentar de novo. (...) Nas minhas fotografias, as áreas nuas que se avistam hoje estão urbanizadas, o que permite avaliar o crescimento da cidade. Aqui os visitantes mais idosos vão recuar no tempo enquanto os mais novos, curiosos, não demora-rão a fazer comparações com a cidade que hoje têm.".

Comparação facilitada agora, pelas fotos capturadas por Varela Pècurto em 20103, a pedido daBDMP num "antes e depois" com mais de 50 anos pelo meio.

"Varela Pècurto, fotógrafo generoso"

A BDMP agradece a todos quantos possibilitaram a realização deste trabalho:Voos: Eng. Pinheiro de Castro; Eng. Martinho (piloto primeiro voo); Coronel José Oliveira (piloto segun-do voo); Aeródromo Municipal Bissaya Barreto; Cedência imagens catálogo “Voar sobre Coimbra... há meio século”: Imagoteca Municipal de Coimbra; Dr.ª Ana Pedro; Dr. José Malaguerra; Dr.ª Maria José Miranda Revelação e digitalização: Arlindo Almeida Santos - Diaporama.Reposição da exposição: Dr.ª Carina Gomes, Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra; Dr. Joaquim Correia; Dr.ª Diana Meireles; Dr.ª Maria Antónia Lucas; Dr. Rui Paiva.

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As oito fotografias que se publicam nas próximas páginas, todas de autoria de Varela Pècurto, distam, no tempo, entre si, mais de 50 anos. As publicadas a preto e branco são o resultado de vá-rios voos ao longo dos anos 50 e 60, sempre em períodos de verão, altura do ano em que, segundo o autor, as

condições de luz são as ideais para estes registos. As fotos a cores são o resultado de dois voos realizados muito recentemente: o primeiro, a 27 de novembro e o segundo, a 9 de dezembro. Portanto, em pleno outono, pela manhã, em dia de sol descoberto.As fotografias foram tiradas com a mesma máqui-na, uma Rolleicord, em filme. As de há 50 anos fo-ram originalmente reveladas para papel. As deste ano foram digitalizadas para ficheiro. Nenhuma sofreu aperfeiçoamento digital. Para a captura das imagens foram utilizados dois aviões (um Cherokee PA28 180 pilotado pelo Eng.

Martinho e um Cessna C172 pilotado pelo Coro-nel José Oliveira) o que levantou questões de natureza técnica: o trabalho de repetir os planos e enquadramentos é muito difícil de concretizar em voo de avião que, como é sabido, não se imo-biliza no ar para que o fotógrafo possa compor a fotografia. O desafio proposto era esse mesmo: repetir as fotografias de meio século antes com as mesmas condições. Sem helicóptero e sem máquinas digitais. O leitor deverá, agora, fazer um esforço e recuar a um tempo em que a fo-tografia, depois de filmada, era revelada. Assim fizemos: os filmes foram entregues para revela-ção e tivemos de aguardar uns dias para apreciar as fotografias. Também a película era limitada: nestes voos Varela Pècurto dispôs apenas de dois rolos em cada voo. As legendas das fotos "antigas" são da autoria de Varela Pècurto, tal como constam do catá-logo da exposição "Voar sobre Coimbra... há meio século".

Varela Pècurto fotografado a bordo do TIGER MOTH CS-AES, um dos primeiros aviões a aterrar em Coimbra.

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Uma das mais úteis ruas de Coimbra - a Rua de Aveiro - nasceu nesta encosta. A sua construção, dizia-se então, "é dinheiro mal gasto..."

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No primeiro plano está a Praça da República. À esquerda a Rua Alexandre Herculano. À direita a Avenida Sá da Bandeira. Subindo temos a sede da AAC, Teatro Académico de Gil Vicente e as cantinas. Continuando a subir, agora as Escadas Monumentais, es-tamos na Praça D. Dinis, já com estátua deste Rei. Das novas construções académicas falta a Faculdade de Ciências e as Matemáticas

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Era assim o Vale de Coselhas, antes das rodovias construídas e da criação do aprazível parque de lazer, do lado da popularmente chamada Casa do Sal, mas que, afinal, se intitula Praça Água de Maias. O Monte Formoso estava por construir.

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O espaço a nascente do Estádio está hoje ocupado por uma área conhecida por Solum, nome da empresa que ali iniciou as construções.

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Varela Pècurto fotografado por Pedro Caldeira em sua casa. Em cima da mesa a máquina Rolleicord com que fotografou os voos e umas dezenas de histórias em fotografia

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Para:Varela Pècurto

PortugalEm outubro tocou o telefone. Do outro lado uma voz de perceptível sotaque

alentejano anunciava: “ainda me sinto com energia para isso! Portanto a partir deste momento considerem-se à vontade para marcar a data”. Varela Pècurto, um nome

maior da história da fotografia portuguesa, acabava de assumir a empreitada de voltar aos céus e fotografar Coimbra.

Umas semanas antes, no correio, um espesso envelope A 4 des-pertou a atenção. Lá dentro, um catálogo de uma exposição de fo-tografia intitulada “Voar sobre Coimbra... há meio século” vi-nha acompanhado de uma carta manuscrita em letra antiga e em

português muito correto. O autor, Varela Pècurto, dava nota do acervo fotográfico doado à cidade de Coimbra e que, seis ou sete anos antes, havia motivado a realiza-ção de uma exposição de fotografias aé-reas da cidade, realizadas nas décadas de 50/60, um trabalho pioneiro no exercício da fotografia livre. O catálogo, logo ali, foi, por diversas vezes visualizado, maravi-lhados pelo contraste de uma cidade que já não reconhecemos e deslumbrados pela ousadia de Varela Pècurto. Com drones, satélites ou parapente, hoje é muito fácil repetir os gestos de Yann Arthus-Bertrand, o célebre fotógrafo francês que, nos idos anos 90 nos apresentou “A Terra vista do ar”, manifesto artístico ambientalista de uma beleza ímpar porque nos apresenta a visão de pássaro, a perspectiva alada que elimina distâncias e planos e arredonda a linha do infinito. Portanto, quanto mais o catálogo passava de mão em mão, mais Varela Pècurto nos atiçava: com que meios?

Porquê? Quando e como? As ideias começa-ram a cravar-se e assim nasceu a primeira abordagem com o fotógrafo: via Facebook (sim!), por mensagem privada, solicitando um contacto. Veio o número de telefone e ligou-se, dizendo que recebemos a carta e o catálogo, que agradecemos as palavras, que o queríamos convidar a voltar a voar, fotografar Coimbra do céu, repetindo os mesmos cliques, sobre os mesmos planos, para que se publicasse um antes e depois da cidade. Do outro lado, Varela Pècurto agradeceu, mas declinou. Uma situação familiar obriga-o a estar permanentemente em casa e portanto, autorizaria a cedência das imagens do catálogo, mas as fotos con-temporâneas teríamos de ser nós a registar. Dois dias depois ligou: tinha ficado inquie-to com a ideia, queria fazer, mas primeiro haveríamos de nos conhecer.

A Coimbra de PècurtoMais do que o devido após a hora marcada, batemos à porta da casa de Varela Pècur-to. Uns latidos do lado de lá antecederam um rodar de chaves até que a porta se abriu francamente toda e Varela Pècurto anun-ciou as boas-vindas. Apresentámo-nos e mandou entrar. Fechou a porta, empurrou o cão e encaminhou-nos até à varanda de sua

casa. “Meus senhores aqui vos apresento a minha Coimbra”, disse. Do quarto andar, daquela casa, naquela rua alta, a varanda debruça-se sobre a cidade, com a colina universitária à distância de uma mão esquerda e o casario velho da bai-xa sobre a mão direita. À altura dos olhos, o rio, Santa Clara, os campos do Mondego para lá e para ali, o franzido suave dos ar-rabaldes que nos levam o olhar para lá do morro Dom Luís. Aquela varanda é um mi-radouro. Aquela varanda é refúgio de atira-dor furtivo. “Eu daqui (da varanda) às vezes divirto-me a contar quantos aviões vão no ar. E chego a contar catorze. Vejo pelo rasto, o vapor que é a humidade a condensar-se e dá para contar. E às vezes os cruzamentos das linhas dão figuras lindas, geométricas... Tenho uma lição de geometria em pleno céu! Isto é uma varanda espectacular! E pe-la rota que têm ponho-me a imaginar para onde é que vão...”.Dias mais tarde, noutra visita, Varela Pè-curto confessava ser a partir daquele bal-cão “que me sintonizo com a cidade. Passo aqui muito tempo. Já vi este casario em tons laranja, amarelo, azul, vermelho, confor-me a cor do sol. Eu quando vejo estes dias a passarem para a noite sinto-me num pla-netário! "Noutra visita foi também naquela varanda

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que conversámos sobre o Alentejo, sua terra mãe, e sobre a sua esposa, companheira de vida e a quem, por força de um complicado estado de saúde, dedica os dias e as noites num cuidado de missão, para lá do amor ou para justificar o peso do tempo que é dos dois. Foi naquela varanda que passou inúmeras noites de tempestade à espera do momento feliz em que a coincidência de um raio que se abatesse na torre da Univer-sidade fosse registado por ele, para sempre. A fotografia conseguiu-a às duas da manhã de uma noite de sábado carregada de re-lâmpagos. Quando a mostra “as pessoas costumam dizer que foi sorte... Nunca se diga a um fotógrafo que foi sorte. Porque para conseguir esta foto eu tinha que estar lá. E passei muitos anos, muitas noites à espera daquele momento”.Privar com Varela Pècurto é ter acesso às informações mais vívidas da história con-temporânea: para cada foto uma história, um personagem, o retrato de uma vida, o desenrolar das memórias onde não senti-mos qualquer ponta de saudade nem lai-vo de vaidade. Comunicador, sorridente, ágil, lúcido, correto, cortês... quando avisa “nunca venham a minha casa com pressa” entendemos o insulto que seria.Nas conversas com Pècurto cabe a história moderna, do mais tosco dos personagens aos maiores feitos da humanidade. Numa das deslocações efectuadas de carro, a caminho do aeródromo, falou-nos da sua máquina Hasselblad, igual à que seguiu a bordo da Apolo 11 para registar esse feito espacial de pousar o Homem na Lua e em como partes dessa máquina ficaram lá em cima, para sempre, de modo a que o peso correspondente a essas peças pudesse re-gressar à Terra sob a forma de pedras da

Lua, pedras essas que teve oportunidade de ver, mais tarde, em visita aos Estados Unidos da América: “Está a ver? Este dedo tocou numa pedra da Lua. Esta pedra só está na terra porque partes de uma máquina igual à que eu tenho ficaram na Lua. Quan-tas pessoas podem dizer o mesmo?” Ou quando ao serviço da RTP, nos tempos de actividade das FP-25, por ocasião de uma inauguração, optou por fazer um traba-lho de iluminação superior, utilizando dois iluminadores: “aquilo estava cheio, tudo à espera do ministro, eu a postos com o equi-pamento para começar a filmar. Quando chega o ministro eu ligo os iluminadores e um deles estoira com grande barulho e toda a gente, influenciada pelas notícias de explosões e terrorismo, fica em silêncio, de medo até que eu disse: Ó Sr. Ministro! Foi o flash que rebentou! E toda a gente, aliviada, se começou a rir.”

A sala vermelhaMestre Varela Pècurto, como reverencial-mente lhe chamam os seus mais sedentos admiradores, recebeu-nos, em sua casa, por quatro vezes. Em todas as visitas mostrou ser uma pessoa de paciência infinda. Com-binámos passar primeiro para combinar as-suntos relativos ao voo. Voltaríamos noutro dia para conversar um pouco mais. E ainda voltámos outro dia para repetir fotografias. Pècurto acedeu sempre, sem desconforto (imaginamos o que será um fotógrafo dei-xar-se fotografar). Entre fotos, perguntas, disparos de flashes, Pècurto não pára de desfiar histórias, socorrendo-se das suas fotografias. Recebeu-nos sempre numa sala que mantém em casa para esse propósito. Fotos pequenas, médias, grandes, a cores,

a preto e branco, ao monte ou em passpar-tout, em molduras, caídas por trás de livros também com fotografias suas, numeradas, sem número, sem data mas todas com um episódio curioso. Se se lembra sai da sala e traz mais filmes e slides e mais fotos, que coloca em cima de uma baixa mesa de már-more. Sabe a história de cada instante. Na pequena sala, de paredes vermelhas, vemos ainda recordações das muitas viagens que fez, quer em lazer, quer ao serviço da RTP. Ali debaixo de um móvel vimos, empilha-das, medalhas e condecorações. Abre uma porta de um grande armário e mais meda-lhas e recordações. Ao lado de um sofá, um busto (seu) em barro. Nesta sala e naquela varanda respondeu às nossas perguntas:

Como é que lhe nasceu o gosto pela fo-tografia?No Liceu, em Évora. A minha mãe dava-me uma semanada fraquinha e eu antevi que era possível aumentá-la fotografando os meus colegas a quem vendia as fotografias. Simultaneamente fazia o gosto ao dedo, porque cada dia que passava mais cimenta-va o gosto pela fotografia. Tanto assim que não completei os estudos e troquei uma possível licenciatura pela fotografia.

Quanto custou a sua primeira máquina?Quarenta e cinco escudos, uma Kodac e vi-nha com três rolos 4 x 6,5. Era uma máquina pequenina que surgiu antes da Exposição do Mundo Português e que era vendida com três rolos para a gente gastar!

E veio de Évora para Coimbra porquê?Mudei-me para Coimbra porque já tinhaaquirido os ensinamentos que considerei suficientes para me habilitar a servir o pú-

Com Eng. Martinho, revendo pormenores do voo de 27 de novembro

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Eduardo Francisco Varela Pècurto nasceu em 1925, na localidade de Ervedal do Alentejo, concelho de Avis. Apaixonado pela fotografia desde os tempos de liceu em Évora, desde cedo começou a dar uso do seu talento. Com o tempo foi aperfeiçoando a sua técnica e depressa percebeu que que-ria ser fotógrafo de profissão.Em 1950, aos 23 anos, mudou-se para a cidade de Coimbra, onde foi convi-dado para dirigir a Secção Fotográfica da Livraria Atlântida. Ocupou ainda o cargo de sócio-gerente da casa Hilda, no Largo da Portagem durante 50 anos. Varela Pècurto foi repórter de imagem na delegação da Rádio Televisão Portuguesa durante mais de 20 anos, numa experiência através da qual aproveitou para reforçar o seu ar-quivo fotográfico. Trabalhou ainda pa-ra a imprensa escrita em Lisboa, Porto e Coimbra, nos jornais “O Século”, “Diário de Noticias”, “1º Janeiro”, “Jor-nal de Noticias”, “Comércio do Porto”, “Diário de Coimbra”, “Despertar” e alguns jornais desportivos. Atualmen-te é Presidente da Assembleia-geral do “Clube da Comunicação Social” e fez parte do conselho artístico d“O Movimento Artístico de Coimbra”.O fotógrafo participou em dezenas de concursos nacionais e internacionais, onde conquistou inúmeros prémios e homenagens. Começou por concorrer para “Salões de Artes Fotográficas”, estreando-se em Innsbruck, na Áustria e, em 1954, foi distinguido com o título Excellence por decisão do congresso de Barcelona da Féderation Interna-cional de L’Art Photographique, num

tributo aos seus trabalhos e técnica no domínio da arte fotográfica. Em 2005 recebeu a Medalha de Mérito Cultural e um diploma de honra do Clube da Comunicação Social de Coimbra, pelo serviço prestado à cidade. Reuniu ao longo da vida várias cole-ções fotográficas, muitas doadas pelo próprio a diversas instituições. Ao lon-go de várias décadas desenvolveu um importante levantamento patrimonial, criando um espólio focado em temas como a etnografia, aspetos urbanos, reportagens e atividades económico--sociais. As suas fotografias integram inúmeras exposições em Portugal, e além-fronteiras, e o seu talento foi reconhecido através de diversos certames internacionais. Apresentou mostras um pouco por todo o mundo, da Dinamarca a Espanha, passando pelo Chile, Cuba, Austrália, Marrocos, África do Sul e antiga União Soviética. O seu contributo para o desenvolvi-mento da fotografia nacional é inegá-vel e torna Varela Pècurto num nome incontornável no panorama das artes fotográficas em Portugal.

Uma vida cheia e em que sempre se divertiu

"NÃO PASSEI PARA O DIGITAL MAS RECONHE-ÇO A PROFUN-DA EVOLUÇÃO QUE PROVO-COU NA FOTO-GRAFIA"

TERESA BORGES

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blico e então saí de Évora para Coimbra. Quando vim para Coimbra já tinha um pos-to de trabalho garantido, vim dirigir uma secção recém criada, na altura, na Livraria Editora Atlântida. Aí estive um ano e depois passei para a Hilda onde estive 50 anos.

Como nasceu a sua relação com a im-prensa e a RTP?Comecei a aceitar serviço de jornais. De-pois os jornais já não eram só de Lisboa, também eram do Porto. Trabalhava já com os grandes diários quando somei um grupo de jornais desportivos. E quando começou a ser assim eu tive de formar uma equipa que me auxiliasse e com a qual eu dividia os trabalhos. Os mais simples iam para os menos experientes. E os que eram de maior responsabilidade ficava eu, ou os mais cre-denciados dos meus empregados que che-garam a ser 10... A loja de que eu era sócio, que abriu como tabacaria, acabou por ser um local de encontro e de grande actividade fotográfica na cidade. A constituição dessa equipa é que me permitiu trabalhar para a RTP, porque tinha alturas de ausência muito prolongada. Não era aquela coisa de ir fazer um jogo de basquetebol, ou uma conferência e regressar ao estabelecimento. A televisão não... mandava-me, às vezes, até para longe. Para o Norte, para Espanha...

Doou muita fotografia a muitos conce-lhos portugueses...Sim, sim. 21!

E isso só se explica com uma vida muito intensa...Só em Coimbra estão para cima de 10 mil fotografias.

De onde vem essa vontade para fotogra-far tanto?Eu só não dormia com a máquina fotográ-fica, porque a minha mulher tinha ciúmes dela. A máquina ia para onde eu fosse. No final da atividade que me levava a qualquer local eu acrescentava-lhe sempre uma base fotográfica pessoal, para mim. Assim juntei coisas... até em sítios às vezes onde nunca tinham visto trabalhar um fotógrafo nes-sa zona. Devassei muito o interior do país, especialmente o distrito de Coimbra. Fui a muitos locais em serras, nascentes, casca-tinhas que, para se alcançarem, tinha de se conquistar o terreno à vegetação e que era difícil de ultrapassar. Juntei muitas coisas interessantes e que, de alguma maneira, nunca tinham sido fotografadas.

Era mais respeitada a profissão de fotó-grafo nessa altura?

Posso dizer que era, porque neste país a palavra democracia acaba por camuf lar coisas que não têm nada com a democra-cia. Eu até fico pasmado quando leio nas notícias que determinado grupo agrediu um operador de televisão. Quando nós tra-balhávamos... Evidentemente eu estava so-zinho em campo, só havia a RTP, não havia as outras estações, mas nós éramos não só respeitados mas também muito estimados. Quando íamos a uma aldeia havia pessoas que até faziam questão de oferecer queijos ou chouriços, licores, vinhos, coisas assim. E até na rua, nas grandes cidades, não ha-via problema nenhum em estacionar num passeio, porque a polícia ali não mexia, não adiantava. Éramos muito considerados.

Eram tempos em que a tecnologia não era acessível... era caro ser-se fotógrafo?Mais caro que hoje. Comparando o digital com o analógico... nós metíamos um rolo na máquina no máximo com 36 poses. Hoje não. Hoje mete a memória na máquina e tira quantas vezes 36. Hoje é que existe o hábito de clicar seguido, seguido, para depois esco-lher uma fotografia. E antigamente não, tí-nhamos de poupar. E eu era muito poupado. Uma vez, num jogo da Académica contra o Benfica, havia um fotógrafo que vinha sem-pre fotografar o Benfica. No jogo, lá estava eu, também. Ele já ia com três rolos gastos, com 36 poses, que eu estava com olho nele, e eu ainda ia na sexta fotografia [risos].

Como é que nasceu a ideia de querer fo-tografar a cidade de Coimbra a partir do céu?Isso tem uma explicação muito simples. Eu

quando cheguei a Coimbra fiz o mesmo que fiz em Évora: não concebo que uma pessoa viva numa cidade e não conheça a cidade onde vive. E então procurei conhecê-la à superfície, debaixo do solo e pelo ar. Aliás isso foi também motivado pelo facto dos meus colegas, que existiam em Coimbra... Foi contra a passividade, a apatia pelas coi-sas diferentes do trivial, do dia a dia. E uma das coisas que eu constatei foi a ausência de fotografias áereas. Naturalmente que agarrei a ideia de fazê-las porque isso cer-tamente me traria um ascendente na pro-fissão. Quando decidi definitivamente ser fotógrafo prometi a mim mesmo fazer algo mais. Senão era mais um nome anónimo. E assim a pouco e pouco fui-me destacando. Aconteceu-me o mesmo quando comecei a enviar fotografias para salões. Aqui em Coimbra nenhum fotógrafo concorria a salões internacionais de arte fotográfica. E eu constatei que se o fizesse podia ter al-gum êxito. Felizmente o fiz e consegui ser muito feliz nos concursos a que fui. Havia salões em que o prémio era a sua admissão. Eram de tal forma difíceis de entrar que a sua admissão era o prémio máximo a dar ao concorrente.

E como arranjou os meios, o avião?Eu vi crescer o Aeródromo de Coimbra e relacionava-me com todos os indivíduos que faziam parte do Aeródromo... um dos pilotos, conhecia-o intimamente: era mé-dico e chefe do turismo da Câmara que era o Dr. Pimenta. Depois eu também fazia ser-viços para a Fundação Bissaya Barreto e um dos colaboradores que era o Dr. Viriato Na-mora, também era piloto e voei muito com ele. E assim sucessivamente fui conhecendo pessoas ligadas à aviação.

E foi fácil montar as operações de voo?Sabe... quem passa pela Universidade de Coimbra sabe o que é um estudante em Coimbra. É um indivíduo desprendido e que toma atitudes que aos outros parecem estranhas, mas que no meio académico são absolutamente naturais. Eu dava-me bem com esta gente toda. Em Coimbra nunca ti-ve problemas de executar a minha profissão inteiramente livre e à vontade. Até no tempo antes do 25 de abril.

Teve alguma fotografia censurada.Tive. Tinha fotografias censuradas na montra. Ia lá a PIDE dizer-me para eu as tirar. Diziam-me assim: "O Sr. Diretor pe-dia o favor de retirar aquela fotografia da montra."Está-se a ver que aquilo não era a pedir favor nenhum. Era uma ordem, não é? E eu tinha de as tirar senão ia abaixo.

"NUNCA SE DIGA A UM FOTÓGRA-FO QUE FOI SOR-TE. PORQUE PA-RA CONSEGUIR AQUELA FOTO EU TINHA QUE ESTAR LÁ."

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E eram fotografias de que género?Por exemplo, numa altura em que come-çou a haver umas atividades mais intensas, antes do 25 de abril, assaltaram um banco na Figueira da Foz. O assaltante fugiu aqui para Coimbra, tomou uma avioneta no ae-ródromo e fugiu para o Algarve. E eles [a polícia] andavam à busca dele aqui e ele já estava no Algarve. As fotografias que eu fiz... claro que não fotografei o assalto, por-que só se soube dele depois de efetuado, mas [os ladrões] cortaram as ligações te-lefónicas da Figueira para o resto do país e a Figueira ficou completamente isolada. A maioria dos cabos que foram cortados pas-sava sob as pontes de Maiorca. E eu fui lá ao sítio onde os cabos foram cortados e foto-grafei. Simplesmente, mais nada. E depois pus na montra. E não calcula o corropio de gente que foi à montra para ver aquilo. Até que apareceu alguém lá de cima da PIDE e obrigou-me a tirar. Mas tive falhanços, não pense que isto é só louros. Quando cá veio o General Humberto Delgado eu fui contra-tado para tirar uma fotografia do Astória para a Portagem, revelar logo para entregar a fotografia à organização que tinha trazido cá o General. E eu fui lá à janela, fotografei, vim a correr, comecei a revelar e o chassis que eu tinha escolhido para revelar mais rápido a fotografia estava furado. O resulta-do foi que essa fotografia ficou totalmente

velada, inútil! Passado um pedaço aparece o senhor que me tinha feito a encomenda à procura da fotografia. E eu disse “lamento muito, isto é um fracasso extraordinário na minha vida. É que a chapa estragou-se.” E o homem não queria acreditar. Tive sérias dificuldades em que ele acreditasse, mas ele lá se foi embora. Passado aí uma hora aparece um indivíduo que eu não conhecia a perguntar pela fotografia: “Olhe eu vi-o lá na janela do Astória a fotografar o povo que estava à espera do General. Eu queria comprar uma dessas fotos”. Este indivíduo era da PIDE, claro está. À distância destes 63 anos em que vive em Coimbra como vê esta cidade?Apesar de ter crescido, esta cidade con-

serva uma particularidade que me é muito grata: é uma cidade, grande, onde parece que vivemos numa pequena cidade sem, contudo, deixar de ter alguns indícios de cidades enormes! Conheço muita gente, o que não aconteceria se vivesse em Lisboa ou no Porto, e aqui eu conheço milhentas pessoas... parece que estou numa cidade mais pequena, o que não acontece. A cidade tem avançado de maneira explosiva. Foi a cidade que escolhi para viver. E a situação mais marcante, pessoal, para mim, se eu tivesse de escolher um momento marcante de entre o leque variado de acontecimen-tos que tive na minha vida, foi a Câmara Municipal ter-me outorgado a Medalha de Mérito Cultural. Resume aquilo que eu sei, culturalmente falando, está ligado àquilo que eu aprendi quando cá cheguei e estu-dei, de tudo, relacionado com Coimbra e está ligado à minha atividade profissional, que levou o nome de Coimbra aos cantos do mundo. Isto não tenha dúvida! Tanto a nível pessoal como a nível coletivo, eu e outros nomes integrados no “Grupo Câmara” que enviava remessas coletivas para os salões de vários países do mundo. Quando os ca-tálogos se publicavam lá estava: Portugal, Coimbra. Isto tem tanta importância que eu chego a receber, ainda não há muito tempo, uma carta endereçada para “Varela Pècur-to, Portugal”. E chegou cá!"

"EU NÃO CONCEBO QUE UMA PESSOA VIVA NUMA CIDA-DE E NÃO CONHE-ÇA A CIDADE ON-DE VIVE"

Com Coronel José Oliveira no segundo voo, a 9 de dezembro