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GRAVEL ISSN 1678-5975 Novembro - 2005 Nº 3 15-30 Porto Alegre Variabilidade das Dunas Frontais no Litoral Norte e Médio do Rio Grande do Sul, Brasil L. R. Calliari 1 ; P. S. Pereira 2 ; A. O. De Oliveira 2 & S. A. Figueiredo 2 1 Laboratório de Oceanografia Geológica – FURG ([email protected]); 2 Programa de Pós-graduação em Oceanografia Física, Química e Geológica – FURG. RESUMO A costa do estado do Rio Grande do Sul apresenta uma orientação geral nordeste-sudoeste. Mudanças de orientação neste padrão em relação ao vento predominante e a variabilidade das características morfodinâmicas das praias ao longo dessa costa submetida a um regime anemométrico variável a torna interessante para um estudo regional de processos sedimentares costeiros relacionados às características das dunas frontais. Com esse objetivo, a variabilidade regional das dunas frontais quanto as suas características fisiográficas e altura ao longo do litoral norte e médio foram analisadas utilizando um sistema de informações geográfico, onde dados de vento pré-existentes e monitoramento costeiro, o qual inclui perfis de praia, mapeamento dos sangradouros e reconhecimento recente da altura e padrões morfo-ecológicos das dunas frontais, foram agrupados. Os resultados mostram que orientação da costa em relação à direção do vento predominante é o fator mais relevante para a diferenciação na altura das dunas frontais. Diferentes padrões ocorrem ao norte e sul do Farol de Mostardas. Este padrão regional é fisicamente controlado e reflete mudanças de orientação da linha de costa em relação ao vento NE, o qual influencia a efetividade regional do processo de transporte eólico. A associação entre a orientação da linha de costa e a freqüência e intensidade do vento NE favorece o desenvolvimento de dunas mais altas no litoral norte próximo ao balneário de Imbé. Neste setor, o vento NE chegando obliquamente e soprando em direção ao continente favorece o transporte de areia para as dunas. No litoral médio onde o vento NE é paralelo ou oblíquo à costa soprando em direção ao oceano, dunas frontais são reduzidas ou inexistentes. A densidade da vegetação e a fisiografia das dunas apresentou variabilidade lateral e zonação ao longo dos setores de praia. Estágios mais vegetados e com dunas estabelecidas estão associadas ao litoral norte. No litoral médio, predominam os estágios mais erosivos. A largura da praia não está necessariamente positivamente relacionada à altura das dunas. Existem setores praiais largos onde inexistem dunas frontais e praias estreitas com dunas de altura elevada. Sangradouros são os principais responsáveis pela descontinuidade das dunas frontais no litoral norte e médio, não existindo uma relação entre a altura das dunas e a concentração dos sangradouros, mas sim alterações produzidas pela mudança na composição florística e na morfologia adjacente. ABSTRACT The Rio Grande do Sul (RS) coast display a general NE-SW orientation. Changes in coastline orientation along this main trend relatively to the predominant NE wind, and the beach morphodynamic variability extending over a coast under a changing wind regime make it a highly interesting area for a regional study of coastal sedimentary processes related to foredune characteristics. With this aim, the regional variability of the foredunes in relation to its physiographic and height along the northern and middle littoral were analyzed using a geographical information system, pre-existing wind data and coastal monitoring including beach profiles, washout distribution and a recent field observations of dune height and morpho-ecological characteristics, were grouped. The results show that coastline orientation related to the predominant NE wind is one of the most relevant factors for foredune height differentiation along the northern and middle sectors of the RS coastline. Different trends occur to the north and to the south of Mostardas Lighthouse. This regional trend is physically controlled, reflecting changes in coastline orientation regarding the NE wind which influence the regional effectiveness of eolian transport processes. The association of coastline orientation, frequency and intensity of the NE wind favor the development of higher dunes close to the Imbé balneary, at the northern littoral. In this sector, the NE wind approaching obliquely and blowing landward favor sand transport to the foredunes. At the middle littoral, where the NE wind is parallel or oblique blowing offshore foredunes are reduced or inexistent. Vegetation density and physiography changes laterally along the beach sectors. More vegetated stages with established dunes are associated with the northern littoral. In the middle littoral less vegetated stages with eroded dunes predominate. Dune height is not necessarily positive related with beach width. There are beach sectors with large beach width and low dune height as well as sectors with small beach width and high dunes. Foredune ridge gaps are mainly related to the presence of washouts. There is no relationship between dune height and washouts number but alterations in the adjacent physiography and floristic composition. Palavras chave: dunas frontais, fisiografia, litoral médio, litoral norte.

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GRAVEL ISSN 1678-5975 Novembro - 2005 Nº 3 15-30 Porto Alegre

Variabilidade das Dunas Frontais no Litoral Norte e Médio do Rio Grande do Sul, Brasil L. R. Calliari1; P. S. Pereira2; A. O. De Oliveira2 & S. A. Figueiredo2 1 Laboratório de Oceanografia Geológica – FURG ([email protected]); 2 Programa de Pós-graduação em Oceanografia Física, Química e Geológica – FURG.

RESUMO A costa do estado do Rio Grande do Sul apresenta uma orientação geral nordeste-sudoeste.

Mudanças de orientação neste padrão em relação ao vento predominante e a variabilidade das características morfodinâmicas das praias ao longo dessa costa submetida a um regime anemométrico variável a torna interessante para um estudo regional de processos sedimentares costeiros relacionados às características das dunas frontais. Com esse objetivo, a variabilidade regional das dunas frontais quanto as suas características fisiográficas e altura ao longo do litoral norte e médio foram analisadas utilizando um sistema de informações geográfico, onde dados de vento pré-existentes e monitoramento costeiro, o qual inclui perfis de praia, mapeamento dos sangradouros e reconhecimento recente da altura e padrões morfo-ecológicos das dunas frontais, foram agrupados. Os resultados mostram que orientação da costa em relação à direção do vento predominante é o fator mais relevante para a diferenciação na altura das dunas frontais. Diferentes padrões ocorrem ao norte e sul do Farol de Mostardas. Este padrão regional é fisicamente controlado e reflete mudanças de orientação da linha de costa em relação ao vento NE, o qual influencia a efetividade regional do processo de transporte eólico. A associação entre a orientação da linha de costa e a freqüência e intensidade do vento NE favorece o desenvolvimento de dunas mais altas no litoral norte próximo ao balneário de Imbé. Neste setor, o vento NE chegando obliquamente e soprando em direção ao continente favorece o transporte de areia para as dunas. No litoral médio onde o vento NE é paralelo ou oblíquo à costa soprando em direção ao oceano, dunas frontais são reduzidas ou inexistentes. A densidade da vegetação e a fisiografia das dunas apresentou variabilidade lateral e zonação ao longo dos setores de praia. Estágios mais vegetados e com dunas estabelecidas estão associadas ao litoral norte. No litoral médio, predominam os estágios mais erosivos. A largura da praia não está necessariamente positivamente relacionada à altura das dunas. Existem setores praiais largos onde inexistem dunas frontais e praias estreitas com dunas de altura elevada. Sangradouros são os principais responsáveis pela descontinuidade das dunas frontais no litoral norte e médio, não existindo uma relação entre a altura das dunas e a concentração dos sangradouros, mas sim alterações produzidas pela mudança na composição florística e na morfologia adjacente.

ABSTRACT The Rio Grande do Sul (RS) coast display a general NE-SW orientation. Changes in coastline

orientation along this main trend relatively to the predominant NE wind, and the beach morphodynamic variability extending over a coast under a changing wind regime make it a highly interesting area for a regional study of coastal sedimentary processes related to foredune characteristics. With this aim, the regional variability of the foredunes in relation to its physiographic and height along the northern and middle littoral were analyzed using a geographical information system, pre-existing wind data and coastal monitoring including beach profiles, washout distribution and a recent field observations of dune height and morpho-ecological characteristics, were grouped. The results show that coastline orientation related to the predominant NE wind is one of the most relevant factors for foredune height differentiation along the northern and middle sectors of the RS coastline. Different trends occur to the north and to the south of Mostardas Lighthouse. This regional trend is physically controlled, reflecting changes in coastline orientation regarding the NE wind which influence the regional effectiveness of eolian transport processes. The association of coastline orientation, frequency and intensity of the NE wind favor the development of higher dunes close to the Imbé balneary, at the northern littoral. In this sector, the NE wind approaching obliquely and blowing landward favor sand transport to the foredunes. At the middle littoral, where the NE wind is parallel or oblique blowing offshore foredunes are reduced or inexistent. Vegetation density and physiography changes laterally along the beach sectors. More vegetated stages with established dunes are associated with the northern littoral. In the middle littoral less vegetated stages with eroded dunes predominate. Dune height is not necessarily positive related with beach width. There are beach sectors with large beach width and low dune height as well as sectors with small beach width and high dunes. Foredune ridge gaps are mainly related to the presence of washouts. There is no relationship between dune height and washouts number but alterations in the adjacent physiography and floristic composition.

Palavras chave: dunas frontais, fisiografia, litoral médio, litoral norte.

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Variabilidade das Dunas Frontais no Litoral Norte e Médio do Rio Grande do Sul, Brasil

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INTRODUÇÃO A costa do Rio Grande do Sul (RS) ao

longo de 610 km, apresenta uma orientação geral Nordeste-Sudoeste com praias arenosas retilíneas e continuas predominantemente dominadas por ondas. Superimposto nesta orientação geral, existem segmentos levemente côncavos e convexos alternados que se estendem desde os promontórios rochosos localizados em Torres até o Arroio Chuí na fronteira entre Brasil e Uruguai. Somente quatro irregularidades interrompem a costa gaúcha: o Arroio Chuí, a desembocadura da Lagoa dos Patos, a desembocadura da Laguna de Tramandaí e por último o rio Mampituba na fronteira entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

As dunas frontais, feições que ocorrem principalmente em praias dissipativas dominadas por ondas (CARTER et al., 1990), são definidas como cordões paralelos à linha de costa e formadas logo após o pós-praia quando sedimentos, preferencialmente de granulometria fina, são transportados pelo vento e depositados quando encontram algum tipo de barreira geralmente representada pela vegetação. De acordo com HESP (2002) as dunas frontais recebem uma variedade de classificações, entretanto duas são principais: dunas incipientes (ou embrionárias) e dunas estabelecidas, podendo estas variar em morfologia e estado ecológico (densidade e diversidade vegetal).

Estudos com enfoque morfodinâmico e fisiográfico sobre as dunas costeiras no Rio Grande do Sul foram realizados por TOMAZELLI (1992) e SEELIGER (1992) os quais mostraram respectivamente no litoral norte e sul, a importância do potencial de transporte de areia na taxa de migração de dunas e a relação entre a fisiografia das mesmas e a orientação do vento predominante ao longo da costa.

Embora vários trabalhos já tenham definido as principais características morfodinâmicas das praias oceânicas no litoral norte e médio do RS (TOMAZELLI & VILLWOCK, 1992; TOLDO Jr. et al., 1993; CALLIARI & KLEIN, 1993 e 1995; PIVEL & CALLIARI, 1997; WESCHENFELDER et al., 1997; BARLETTA & CALLIARI, 1996 e 2003, De OLIVEIRA & CALLIARI, 2005), estudos enfocando a inter-relação praia-duna, a

semelhança dos realizados por SHORT & HESP (1982) na Austrália, são escassos a exceção do estudo desenvolvido por TABAJARA (2003) para as praias de Atlântida Sul e Mariápolis no litoral norte.

Outra feição característica na costa do Rio Grande do Sul são os “sangradouros”, cursos d'água de pequena escala que desempenham papel fundamental na drenagem da zona costeira e remobilização de sedimentos da área das dunas e região do estirâncio. PEREIRA Da SILVA (1998) e FIGUEIREDO (2002) num estudo quantitativo encontraram grandes concentrações de sangradouros ao longo da costa do Rio Grande do Sul e observaram que a dinâmica destas feições também é importante para entender a atual configuração das dunas frontais, por modificarem constantemente as mesmas em períodos com alta taxa pluviométrica. PEREIRA Da SILVA et al. (2003) e De OLIVEIRA et al. (2004) realizaram estudos de interação duna-praia-sangradouro e comprovaram a alteração na fisiografia das dunas por estes cursos d'água.

Trabalhos desenvolvidos por SVASEK & TERWINDT (1974, apud HESP, 2002), SHIDELER & SMITH (1984) e RASMUSSEN (1989, apud HESP, 2002) também demonstraram a importância da orientação da linha de costa em relação ao vento predominante no desenvolvimento de dunas frontais, quando diferentes orientações podem resultar em transporte obliquo em direção à costa, ou paralelo e oblíquo em direção ao oceano situações estas que, respectivamente, aumentam e diminuem o potencial para formação de dunas frontais. CALLIARI et al. (2002) referem-se que a diferenciação acentuada na continuidade e altura das dunas frontais existentes ao norte e sul do Farol de Mostardas poderia estar relacionada a efeitos semelhantes.

A proposta deste trabalho, é verificar a atual variabilidade regional das dunas frontais quanto as suas características fisiográficas e sua altura ao longo do litoral norte e médio do RS, relacionando-as com a orientação da linha de costa em relação ao vento predominante, com as características morfodinâmica das praias e a ocorrência e distribuição de sangradouros.

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MATERIAIS E MÉTODOS

A orientação da linha de costa em relação ao vento NE foi obtida por pequenos triângulos regularmente espaçados em 10 km, utilizando o software Arcview® sobre uma imagem de satélite Landsat TM 5. Trinta e nove (39) segmentos foram classificados em incrementos de 5 graus cada, de acordo com a sua orientação em relação ao vento NE. Valores positivos e negativos indicam potencial de transporte em direção à costa e para o oceano, respectivamente.

A altura das dunas frontais foi medida com uma régua topográfica a partir da base da duna a intervalos de 10 km. Os pontos de medição foram posicionados com o auxílio de um GPS Garmim® eTrex com precisão de 4 m. Paralelamente efetuo-se a descrição das dunas com base na densidade da cobertura vegetal e estado morfológico, com a finalidade de aplicar a classificação morfo-ecológica proposta por HESP (1988).

As discussões sobre freqüência, direção e intensidade do vento, utilizadas para consubstanciar o trabalho, foram obtidas de TOMAZELLI (1992) e do Atlas Eólico do Rio Grande do Sul (CAMARGO et al., 2002), criado a partir de medições realizadas através de anemômetros e dados de reanálise (NCAR), para um período representativo de quinze anos.

Para a caracterização morfométrica das praias e a ocorrência e distribuição espacial dos sangradouros, utilizou-se dados de quinze anos de monitoramento costeiro efetuado pelo Laboratório de Oceanografia Geológica (LOG/FURG). A largura da praia, foi calculada em função da média da distância entre a base da duna e a linha d'água de todos os perfis. A quantificação dos sangradouros foi feita de 10 em 10 km, obtendo-se a média para cada trecho. RESULTADOS

Altura das dunas e a orientação da linha de costa em relação ao vento NE

No setor norte (Fig. 1) compreendido entre Torres e o Farol Berta (localizado ligeiramente ao sul de Dunas Altas), nota-se um aumento gradativo de norte para o sul da

orientação da linha de costa em relação ao vento predominante NE, sendo o valor máximo encontrado entre as praias de Cidreira e Farol do Berta. A orientação cresce desde valores de 5° a 9° em Torres, quase paralelos em relação ao NE, até 30° a 34° obliquamente positivos na região do Farol do Berta, indicando que o vento NE sopra em direção ao continente. Da mesma forma, a altura das dunas frontais neste setor aumenta gradativamente de norte para sul. As maiores dunas ocorrem no balneário de Dunas Altas, localizado nas proximidades do Farol do Berta, trecho onde a orientação da linha de costa em relação ao vento NE atinge valores mais elevados. Neste local, a altura das dunas varia entre 6 e 8 m, alcançando em determinados locais alturas superiores a 8 m. Próximo a Torres na localidade de Itapeva, ocorrem dunas mais baixas com alturas da ordem de 2 a 3 m.

O litoral médio desde o Farol do Berta até a costa de São José do Norte (240 km), além de apresentar setores paralelos e obliquamente positivos em direção ao vento NE como no litoral norte, apresenta também segmentos com extensões consideráveis onde a orientação da linha de costa dispõe-se obliquamente negativa ao vento NE, ou seja, o vento sopra para o mar (Fig. 2).

Após o Farol do Berta onde as dunas alcançam altura superior a 8 m, a orientação da costa dispõe-se mais paralelamente ao vento. Neste trecho, existe uma redução considerável na altura das dunas as quais decaem para 1 m em um intervalo de 30 km. Após esse trecho, as dunas voltam a aumentar atingindo novamente 8 m de altura para depois decair progressivamente até o Farol de Mostardas onde não existe formação de dunas frontais, mas sim de planícies arenosas. A partir deste trecho em direção ao sul a costa apresenta predominantemente orientações paralelas e obliquamente negativas com valores de -1 a -5° nas adjacências do Farol de Mostardas, -11 a -15° próximos à região do Estreito onde também existe a formação de planícies arenosas. No final do litoral médio, em São José do Norte, uma mudança na orientação da linha de costa novamente a torna obliquamente positiva em relação ao vento NE.

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Figura 1. Orientação da linha de costa em relação ao vento NE, altura das dunas frontais e espécies

vegetais dominantes no litoral norte.

Figura 2. Orientação da linha de costa em relação ao vento NE, altura das dunas frontais e espécies

vegetais dominantes no litoral médio.

Freqüência e intensidade dos ventos

A partir da análise de uma série temporal de 13 anos (1970-1982) obtidas em 3 estações meteorológicas localizadas em Torres, Imbé e Rio Grande, TOMAZELLI (1992) caracterizou a freqüência percentual (direção e

velocidade) do regime anemométrico. Os dados mostraram que o vento NE é o mais freqüente nas três estações as quais apresentam como ventos de segunda predominância para Torres, Imbé e Rio Grande respectivamente os ventos de Sul (S), Oeste (O) e sudoeste (SW). KRUSCHE et al. (2003) calculando as normais

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climatológicas provisórias para Rio Grande entre 1991 e 2000 encontraram também o vento NE como predominante, tendo, porém determinado o SE como vento secundário.

Segundo TOMAZELLI (1992), a freqüência anual do vento NE para Torres e Rio Grande é similar, alcançando respectivamente, valores de 24,1 e 22,3%, com Rio Grande apresentando maior variabilidade na direção a qual segundo o autor retrata a posição mais meridional e geomorfologicamente mais plana das estações analisadas. Em Imbé, a freqüência anual do vento NE é maior atingindo 41,4%, sendo máximas na primavera e verão alcançando 53,2% em dezembro. Cálculos do potencial de deriva de areia pelo vento realizados pelo mesmo autor com base no trabalho de

FRYBERGER (1979) indicaram que o regime de ventos da costa do RS pode ser caracterizado como de alta energia sendo que o percentual de ventos com capacidade para transporte de areia decresce de Imbé (25,1%) para Torres (12,7%) e daí para Rio Grande (7%), cálculos esses efetuados com base na intensidade mínima de 5 m/s para transporte da areia local pelo vento.

De acordo com o diagrama da rosa dos ventos do Atlas Eólico do Rio Grande do Sul (CAMARGO et al., 2002), as estações mais ao norte apresentam ventos nordeste-leste com maior freqüência e intensidade. De Mostardas para o Sul a freqüência e intensidade dos ventos de NE são reduzidas notando-se um aumento regional das componentes de SE e S (Fig. 3).

Figura 3. Freqüência e intensidade dos ventos no litoral norte e médio, de acordo com CAMARGO

et al. (2002). Cobertura Vegetal

Ao longo do litoral norte as espécies Panicum racemosum e Senecio crassiflorus são dominantes nas dunas frontais, mas nas proximidades de Dunas Altas somente a primeira espécie ocorre (Fig. 1). Panicum

racemosum é uma gramínea perene, que coloniza os cordões primários do sistema de dunas no Rio Grande do Sul apresentando maior vigor de florescimento e crescimento durante a primavera, período em que o vento NE ficam mais intensos produzindo maior acumulação de areia e, portanto, maior entrada de nutrientes

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(COSTA et al., 1991). Como resultado ocorre melhor desenvolvimento desta espécie devido ao melhor substrato para sua sustentação, impedindo que outras espécies se desenvolvam nas dunas (PFADENHAUER, 1978), e ao mesmo tempo gerando plantas maiores e aumentando a densidade o que possibilita uma maior deposição de areia e o aumento horizontal e vertical das dunas.

Nota-se mudança no padrão da vegetação nas proximidades dos sangradouros com predominância de Spartina cilliata, Paspalum vaginatum e algumas vezes Androtrichum trigynum ambas tolerantes a maior umidade.

No litoral médio (Fig. 2) ocorrem trechos em que Panicum racemosum e Spartina ciliata, Panicum racemosum e Senecio crassiflorus, e Panicum racemosum e Juncus acutus são às espécies dominantes nas dunas frontais.

Classificação morfo-ecológica das dunas

A morfologia de dunas frontais depende de vários fatores, incluindo suprimento sedimentar, densidade e tipo de vegetação, taxas de acresção e erosão eólica, a morfologia inicial

das dunas embrionárias, e a freqüência e intensidade das ondas e ventos (SHORT & HESP, 1982; HESP, 1988). Além destes fatores, aspectos ambientais regionais também são importantes para compreender a geomorfologia local, o que determina uma maior variação na morfologia das dunas e dificulta a utilização de um único esquema classificatório. Existem vários esquemas classificatórios de dunas costeiras como o de CARTER (1988), SAUNDERS & DAVIDSON-ARNOTT (1990 apud HESP, 2002), ARENS & WIERSMA (1994) e o de HESP (1988) utilizado neste trabalho e baseado nas características morfológicas e ecológicas das dunas.

Segundo HESP (1988) as dunas seguem um modelo evolutivo de médio a longo termo divididos em cinco estágios, que pode ser aplicado a costas progradantes, estáveis ou em erosão (Fig. 4). Os estágios extremos compreendem o estágio 1 caracterizado por dunas com topografia simples, lateralmente contínuas e bem vegetadas (90-100%), e o estágio 5 onde grande parte das dunas frontais foram removidas por ação dos ventos e/ou ondas, permanecendo apenas montículos remanescentes e segmentos dos cordões.

Figura 4. Morfologia das dunas frontais: estágio bem vegetado e estável (1) a altamente erosivo (5), segundo HESP (2000).

A maior parte das dunas do litoral norte

(50%) encontram-se no estágio 2 similar ao estágio 1, porém caracterizado pela menor cobertura vegetal (75-90%), variação lateral na densidade vegetal (alternância de locais com e sem vegetação, formando canais ou aberturas ao

longo do cordão) e presença de escarpas erosivas na base das dunas (Fig. 5A e B). No estágio 3 que é o mais freqüente nas dunas frontais costeiras (HESP, 1988) ocorre uma topografia do tipo hummock caracterizada por uma morfologia fragmentada, irregular,

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assimétrica, com formas monticulares e menor cobertura vegetal (45-75%), o que favorece a formação de pequenos a médios blowouts. Ao

total 40% das dunas no litoral norte foram classificadas no estágio 3 (Fig. 5C) e 10% no estágio 1 (Fig. 5D).

Figura 5. Classificação das dunas no litoral norte: (A) e (B) estágio 2, (C) estágio 3 e (D) estágio 1.

No litoral médio 70% das dunas

encontram-se no estágio 4 (Fig. 6C e D) caracterizado por cordões parcialmente vegetados (20-45%) e uma maior variabilidade topográfica em relação ao estágio 3, com médios a grandes blowouts além de planícies de areia e bacias de deflação. O restante da área foi classificado nos estágios 2 (Fig. 6A), estágio 3 e por um estágio mais erosivo não contemplado no modelo de HESP (1988) e caracterizado por planícies arenosas com ausência de dunas (Fig. 6B). Morfodinâmica Praial

A aplicação dos métodos descritos por

SHORT & HESP (1982) e WRIGHT & SHORT (1984) para caracterizar as praias do Rio Grande do Sul quanto ao estágio morfodinâmico, mostrou que no litoral norte e médio predominam os estágios intermediários seguidos pelos dissipativos. O

agrupamento destes dados e a utilização de ferramentas estatísticas multivariadas, a fim de detalhar estágios intermediários com mobilidade variada foram realizados por PEREIRA et al. (no prelo).

A Figura 7 compara a altura das dunas frontais com a largura média das praias monitoradas nos litorais norte e médio. Nota-se que não existe um padrão definido que relacione altura de dunas com a largura média das praias uma vez que dunas mais altas estão associadas tanto com praias estreitas como com largas. Comparando as praias de Capão da Canoa, Imbé e Tramandaí, todas no litoral norte, a primeira apresenta a maior largura de praia, entretanto a menor altura de dunas, situação inversa encontrada para Imbé que possui uma largura média de praia reduzida, mas com dunas mais altas. Todas as praias são consideradas intermediárias com

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Figura 6. Classificação das dunas no litoral médio: (A) estágio 2, (B) planícies arenosas, (C) e (D)

estágio 4.

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Altura da duna Largura média da praia

Figura 7. Altura das dunas frontais versus largura média da praia no litoral norte e médio do RS.

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moderada a alta mobilidade (PEREIRA et al., no prelo). No litoral médio, as praias do Farol do Estreito com largura média de aproximadamente 120 m, apresentam dunas de altura reduzida que não ultrapassam 0,5 m. Nos balneários de São Simão e daí até Lagamarzinho a diminuição da altura das dunas é acompanhada pela redução na largura média da praia. Distribuição dos sangradouros

No litoral do RS, existem vários tipos

de sangradouros, que podem ser classificados em permanentes por não depender das condições sazonais em que as taxas pluviométricas são maiores, os sangradouros efêmeros que

dependem da ação imediata das taxas pluviométricas e permanecem no sistema praial enquanto as condições são favoráveis, e os sangradouros intermitentes que estão presentes na praia somente em certas épocas do ano e relacionados ao nível do lençol freático (PEREIRA Da SILVA, 1998).

A Figura 8 mostra a concentração de sangradouros no litoral norte a cada 10 km. Nota-se trechos em que a concentração de sangradouros chega a 35/10 km indicando a existência de uma feição a cada 280 m. A média geral corresponde a 16,9 sangradouros por 10 km, ou seja, aproximadamente 2/km.

Figura 8. Ocorrência e distribuição dos sangradouros no litoral norte do RS a cada 10 km.

No litoral médio (Fig. 9) os

sangradouros apresentam uma média inferior a 1/km além de trechos sem ocorrência dos mesmos. Os maiores valores encontrados foram de 20 sangradouros/10 km, ou seja, uma ocorrência a cada 500 m. A média geral é de 8 sangradouros/10 km, ou seja, aproximadamente 1/km. As áreas sem sangradouros estão localizadas após o Farol de Mostardas próximo a barra da Lagoa do Peixe, e na região do Estreito onde as concentrações foram de 1 sangradouro/10 km.

A geologia e geomorfologia local controlam a distribuição lateral dos sangradouros. Assim, nota-se no litoral norte uma maior ocorrência de sangradouros de dimensões maiores em relação ao litoral médio uma vez que pequenas lagoas costeiras localizadas próximas à praia transbordam e rompem o cordão de dunas frontais durante períodos com alta precipitação pluviométrica.

De acordo com dados de 1991 a 2001 obtidos pelo Laboratório de Oceanografia Geológica (LOG/FURG), os valores máximos e

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mínimos dos sangradouros no litoral médio ocorreram nas estações de inverno e verão, respectivamente. Estas variações estão relacionadas com a precipitação e evaporação, onde no inverno devido às altas taxas pluviométricas o número de sangradouros

aumenta rapidamente, chegando a ocorrer 4/km. No verão, quando as taxas pluviométricas diminuem e a evaporação é maior, o número de sangradouros é reduzido.

Figura 9. Ocorrência e distribuição dos sangradouros no litoral médio do RS a cada 10 km.

Discussão

Embora o transporte eólico em

ambientes costeiros seja controlado por vários fatores, como freqüência e intensidade dos ventos (HSU, 1987 apud HESP, 2002; WAL & MCMANUS, 1993 apud HESP, 2002), a pista de vento (NORDSTROM & JACKSON, 1993; SHERMAN & BAUER, 1993), densidade e tipo de vegetação (BUCKLEY, 1987; HESP, 1988), teor de umidade (SHERMAN et al., 1998), suprimento sedimentar adequado (CARTER et al., 1990) e estágio praial (SHORT & HESP, 1982), a orientação da linha de costa em relação ao vento predominante NE é o fator mais relevante para a diferenciação das dunas frontais ao longo da área estudada. Neste sentido, as proximidades do Farol de Mostardas representam um marco diferencial para o desenvolvimento de dunas frontais ao longo do litoral norte e médio do RS. De uma maneira geral ao sul do Farol o potencial para desenvolver dunas frontais é mínimo ocorrendo

o contrário para a área localizada ao norte do mesmo.

A altura de 2 a 4 m das dunas na porção mais setentrional da área estudada (Fig. 10A e B), deve-se à constância da orientação paralela à obliquamente positiva da linha de costa em relação ao vento NE, o qual apresenta menor freqüência de vento e potencial de deriva de sedimentos, conforme indicado por dados de TOMAZELLI (1992) e corroborado por dados mais recentes do Atlas Eólico do Rio Grande do Sul (CAMARGO et al., 2002). O aumento gradativo da altura das dunas em direção ao sul, fica evidenciado pelo aumento da obliqüidade positiva da linha de costa em relação ao NE, favorecendo o transporte eólico em direção as dunas. Condições mais propícias para o desenvolvimento das dunas frontais resultam da associação entre a orientação da linha de costa com a maior freqüência e potencial de deriva de sedimentos situação essa ocorrente entre Cidreira e Dunas Altas (Fig. 10C e D). Contrariamente, setores imediatamente ao sul do

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Farol de Mostardas e da região do Estreito apesar do vento NE ser mais freqüente apresentam dunas reduzidas com altura de 0,5 a 1,0 m ou mesmo são desprovidas destas feições devido à orientação da linha de costa estar disposta obliquamente negativa em relação ao vento NE o qual sopra em direção ao oceano

(Fig. 10E e F). A importância da orientação da linha de costa é reforçada pelo aumento gradativo das dunas nas proximidades de São José do Norte onde o vento novamente apresenta componente em direção à costa aumentando a altura das dunas para valores entre 2 e 2,5 m.

Figura 10. Fisiografia das dunas frontais ao longo da costa do RS.

Os fatores relacionados à orientação da

linha de costa e intensidade do vento, condicionam variabilidade lateral, na zonação e densidade da cobertura vegetal das dunas

frontais. No litoral norte, entre Torres e Cidreira, ocorre associação de Panicum racemosum e Senecio crassiflorus sem zonação definida, com aumento gradativo na densidade destas espécies.

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No setor com as maiores dunas, próximo ao Farol do Berta, existe maior densidade e uma zonação definida com Panicum racemosum predominando. Tais características parecem estar relacionadas ao aumento do suprimento sedimentar e nutrientes em direção sul, favorecendo a maior distribuição e florescimento de Panicum racemosum e inibindo assim o desenvolvimento de outras espécies tais como Senecio crassiflorus no setor frontal da duna, a qual não sendo adaptada a grande aporte de areia encontra condições de desenvolvimento na crista da duna onde o aporte é mais reduzido.

O litoral médio caracteriza-se pela baixa densidade da cobertura vegetal, ausência de zonação e maior número de espécies como Panicum racemosum, Spartina ciliata, Senecio crassiflorus, Hydrocotyle bonarienses e Juncus acutus. Este padrão está relacionado ao baixo e aleatório aporte sedimentar para as dunas frontais, reduzindo a entrada de areia e nutrientes, diminuindo o florescimento e desenvolvimento, além de aumentar a competição das espécies, como observado por CORDAZZO & SEELIGER (1987) e COSTA et al. (1991) para as dunas ao sul de Rio Grande. Segundo WATKINSON et al. (1979), a competição das espécies devido à baixa quantidade de nutrientes causa diminuição da densidade e maior mortalidade das espécies.

As características da cobertura vegetal e fisiografia das dunas frontais permitem a sua classificação a partir do modelo morfo-ecológico de HESP (1988). Entre Torres e Cidreira as dunas se enquadram nos estágios 2 e 3 com alta a moderada cobertura vegetal e formação de pequenos a médios blowouts. Próximo ao Farol do Berta a alta densidade de Panicum racemosum favorece a ocorrência de um cordão dunar homogêneo característico do estágio 1. No litoral médio predomina o estágio 4, com moderada a baixa cobertura vegetal e formação de médios a grandes blowouts, aparecendo também planícies arenosas e bacias de deflação que caracterizariam o estágio 5 ou a ausência de um cordão de dunas e a formação de uma planície arenosa.

A relação entre o potencial para desenvolvimento de dunas frontais em praias oceânicas foi discutido por SHORT & HESP (1982), os quais observaram que em determinados setores da costa Australiana,

existia uma relação entre as características morfodinâmicas das praias e a altura das dunas frontais. Dunas mais expressivas são formadas em litorais com baixa declividade, sob o domínio de condições dissipativas onde a ampla largura da praia e a contínua emersão de barras submersas favorecem, respectivamente, a remobilização pelo vento e o suprimento de sedimento pelo mar. Praias intermediárias com menor energia de ondas e uma topografia irregular propicia a formação de dunas com dimensões menores quando comparadas a praias dissipativas, e em praias reflectivas a quantidade de areia transportada pelo vento e o tamanho das dunas diminuem, porque apresentam um potencial mínimo para o seu desenvolvimento.

Na tentativa de estabelecer uma relação direta entre o aumento em altura das dunas com o aumento da largura da praia e vice versa, nota-se que esta não se aplica integralmente ao litoral norte e médio do RS. Na maior parte da área, esta relação é inversa observando-se dunas mais altas em setores que apresentam a praia mais estreita como verificado em Imbé, e dunas menores com largura de praia mais larga como em Capão da Canoa, Xangri-lá, Pinhal e Farol do Estreito (Fig. 7). Especula-se aqui que a direção do vento em relação à orientação da linha de costa possa induzir maior e menor largura de praia em setores onde o vento NE sopre respectivamente em direção ao oceano ou em direção ao continente. Dessa forma ventos em direção ao continente poderiam amplificar a altura de dunas influenciando na menor largura da praia. Já ventos em direção ao oceano, aumentariam a largura da praia diminuindo, entretanto, a altura das dunas. Embora de caráter especulativo tal consideração talvez possa encontrar fundamento mais específico na região do Estreito, onde ventos de NE apresentam máximos componentes em direção ao oceano e maior largura de praia (Fig. 11).

Praias intermediárias com mobilidade moderada a alta onde o setor de Dunas Altas está inserido, apresentam máximas variações na largura de praia. Entretanto a ação contínua e intensa do vento NE característica deste setor (TOMAZELLI, 1992) propicia durante períodos de verão a exposição de uma maior faixa de praia com areia seca contribuindo para maior potencial de deriva cujo destino final é armazenado na duna e fixado pela vegetação

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abundante contribuindo para o crescimento vertical da duna.

A continuidade do cordão de dunas frontais, é altamente influenciada pela ocorrência e distribuição dos sangradouros, sendo estes os principais responsáveis pela sua segmentação. Sob esse enfoque setores que apresentam dunas contínuas e vegetadas com Panicum racemosum e Senecio crassiflorus sofrem segmentação e alteração na composição florística em função destes cursos d'água. Alterações causadas pelos sangradouros caracterizam-se pelo estabelecimento de

meandros que quebram a continuidade dos cordões gerando uma topografia irregular vegetada por Spartina ciliata e Paspalum vaginatum. Assim, no litoral norte a maior causa da segmentação do cordão dunar está relacionada à maior presença de sangradouros comparativamente ao litoral médio. Entretanto, neste último a segmentação está também associada à presença de blowouts os quais são mais freqüentes característica essa do estágio 4 da classificação morfo-ecológica de HESP (1988).

Figura 11. Linhas de fluxo do vento paralelamente (A) e obliquamente em direção ao oceano (B) em

período com vento NE. CONCLUSÕES

A orientação da linha de costa em relação ao vento predominante NE é o fator mais relevante para a diferenciação na altura das dunas frontais ao longo do litoral norte e médio do RS. Diferentes padrões ocorrem ao norte e sul do Farol de Mostardas. Este padrão regional é fisicamente controlado e reflete um aumento progressivo do ângulo de orientação da linha de costa em relação ao vento NE, o qual influencia a efetividade regional do processo de transporte eólico. A associação entre a orientação da linha de costa e a freqüência e intensidade do vento NE favorece o desenvolvimento de dunas mais altas no litoral norte, principalmente próximo a Imbé. Exatamente neste trecho o vento NE soprando obliquamente e em direção ao continente favorece o transporte de areia do pós-praia para as dunas. No litoral médio onde a componente do vento é paralela à costa ou obliqua em direção ao oceano, dunas são

reduzidas ou inexistentes. Nas áreas próximas à Rio Grande, como é o caso de São José do Norte, o caráter mais variável dos ventos, com menor intensidade e freqüência do setor NE reduz o transporte de areia e conseqüentemente o desenvolvimento das dunas.

A densidade da vegetação e conseqüentemente a fisiografia das dunas apresentou variabilidade lateral e zonação ao longo dos setores de praia. Alta densidade e zonação mais pronunciada no litoral norte esta associada a locais com dunas maiores e conseqüentemente com maior potencial de deriva de areia em direção ao continente. A ausência de zonação no litoral médio está provavelmente associada ao menor potencial de deriva o qual favorece a ocorrência de mais espécies na face marinha da duna frontal.

A classificação morfo-ecológica de HESP (1988) é aplicável às dunas frontais dos setores estudados. Existe uma variabilidade lateral com os estágios mais vegetados e com

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dunas estabelecidas associadas ao litoral norte. No litoral médio, predominam os estágios mais erosivos.

A largura da praia não está necessariamente positivamente relacionada à altura da duna. Existem setores praias largos onde inexistem dunas frontais e praias estreitas com dunas de altura elevada.

Sangradouros são os principais responsáveis pela descontinuidade das dunas frontais no litoral norte e médio, não existindo uma relação entre a altura das dunas e a concentração dos sangradouros. As alterações produzidas pelos mesmos, relacionam-se a mudança na composição florística e na morfologia adjacente com formação de topografia irregular fixada por Spartina ciliata e Paspalum vaginatum.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo suporte financeiro, ao Laboratório de Oceanografia Geológica (LOG/FURG) e ao mestrando Renato Espírito Santo pelo auxílio nas saídas de campo. Agradecemos também ao oceanógrafo Rodrigo Torres pelas discussões e sugestões relacionadas à utilização do sistema de informação geográfico para análise dos dados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ARENS, S. M. & WIERSMA, J. 1994. The

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