VARIÁVEIS FUNDAMENTAIS NO PROJETO...

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1 VARIÁVEIS FUNDAMENTAIS NO PROJETO ARQUITETÔNICO A Arquitetura como Lugar 1 Camila C. P. de Andrade* Guilherme Llantada** Juliano Darós Amboni*** Karine Lise Schäfer**** Leticia La Porta de Castro***** Lisete Assen de Oliveira****** Luciano Pereira Alves******* RESUMO A arquitetura como lugar aborda os fundamentos do projeto arquitetônico, os quais em conjunto e em suas inter-relações protagonizam características e qualidades espaciais para o sistema edificado em si, e, sobretudo, para seu contexto de realização, a cultura urbana da cidade contemporânea. Focaliza as variáveis fundamentais no projeto arquitetônico para diferentes contextos e escalas, que revelam tanto as soluções e qualificações funcionais, como as relações com a composição e a apropriação do espaço público urbano. Palavras-chave: Projeto Arquitetônico, Metodologia Projetual, Ensino. INTRODUÇÃO Este artigo expõe reflexões de sete professores na disciplina de Projeto Integrado que, no segundo semestre de 2012, ao contar com três turmas, exigiu reuniões para garantir a constante atenção ao equilíbrio e à coerência entre os professores e a abertura e disponibilidade para as diferenças individuais (alunos) e entre coletivos (turmas). O conteúdo das reuniões, o interesse e a vitalidade do grupo levaram a nossa participação na formação continuada de julho de 2013, com o objetivo de - ao compartilhar experiências e reflexões sobre questões contemporâneas da arquitetura urbana - identificar pautas coletivas, estratégias e instrumentos visando o aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem de Projeto Arquitetônico. 1 *Professora de Tecnologia. **Professor de Projeto Arquitetônico. ***Professor de Projeto Arquitetônico. ****Professora de Projeto Urbanístico.*****Professora de Projeto Arquitetônico. ******Professora de Projeto Urbanístico. *******Professor de Projeto Urbanístico e Infraestrutura Urbana, todos do Projeto Integrado do 7º período no Curso de Arquitetura e Urbanismo.

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VARIÁVEIS FUNDAMENTAIS NO PROJETO ARQUITETÔNICO

A Arquitetura como Lugar

1Camila C. P. de Andrade*

Guilherme Llantada**

Juliano Darós Amboni***

Karine Lise Schäfer****

Leticia La Porta de Castro*****

Lisete Assen de Oliveira******

Luciano Pereira Alves*******

RESUMO

A arquitetura como lugar aborda os fundamentos do projeto arquitetônico, os quais em conjunto e em suas inter-relações protagonizam características e qualidades espaciais para o sistema edificado em si, e, sobretudo, para seu contexto de realização, a cultura urbana da cidade contemporânea. Focaliza as variáveis fundamentais no projeto arquitetônico para diferentes contextos e escalas, que revelam tanto as soluções e qualificações funcionais, como as relações com a composição e a apropriação do espaço público urbano.

Palavras-chave: Projeto Arquitetônico, Metodologia Projetual, Ensino.

INTRODUÇÃO

Este artigo expõe reflexões de sete professores na disciplina de Projeto Integrado

que, no segundo semestre de 2012, ao contar com três turmas, exigiu reuniões para

garantir a constante atenção ao equilíbrio e à coerência entre os professores e a

abertura e disponibilidade para as diferenças individuais (alunos) e entre coletivos

(turmas). O conteúdo das reuniões, o interesse e a vitalidade do grupo levaram a

nossa participação na formação continuada de julho de 2013, com o objetivo de - ao

compartilhar experiências e reflexões sobre questões contemporâneas da

arquitetura urbana - identificar pautas coletivas, estratégias e instrumentos visando o

aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem de Projeto Arquitetônico.

1 *Professora de Tecnologia. **Professor de Projeto Arquitetônico. ***Professor de Projeto Arquitetônico. ****Professora

de Projeto Urbanístico.*****Professora de Projeto Arquitetônico. ******Professora de Projeto Urbanístico.

*******Professor de Projeto Urbanístico e Infraestrutura Urbana, todos do Projeto Integrado do 7º período no Curso de

Arquitetura e Urbanismo.

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Delimitamos alguns tópicos como capazes de nos permitir um percurso sobre a

arquitetura como lugar, suas variáveis e sua produção criativa, sobretudo para um

processo de fazer arquitetura contemporânea como uma produção sociocultural: (1)

Arquitetura, sociedade; (2) Complexidades atuais do processo criativo e dos avanços

tecnológicos; (3) Arquitetura segundo o desejo consciente da formação do lugar; (4)

Qualificação do repertório urbano-arquitetônico, a partir da contribuição da

“linguagem de padrões de Alexander” e (5) A composição arquitetônica de espaços

coletivos da contemporaneidade.

Cada um dos tópicos citados e tratados a seguir traz, em nosso entender, questões

complexas e não lineares, as quais em inter-relação entre si e com o contexto de

realização apresentam contradições, geram tensões e se atritam, exigindo uma

resposta na síntese projetual.

O texto aqui apresentado sintetiza o conjunto da apresentação e das questões que

foram debatidas, que, mais que uma discussão fechada, representou, para o grupo

ampliado no Curso, a confirmação da importância da continuidade desta discussão

neste nosso espaço acadêmico.

1 ARQUITETURA, SOCIEDADE E FORMAÇÃO PROFISSIONAL - ALGUMAS

DELIMITAÇÕES

A reflexão sobre a formação profissional do arquiteto-urbanista deve, tal qual a

arquitetura, estar histórica, social e fisicamente contextualizada. Nesta perspectiva

cabe reafirmá-la como um ofício, uma profissão, cujo perfil é dinâmico; social,

coletiva e individualmente construído. A sociedade organizada, as demandas

sociais, a categoria profissional, o conhecimento produzido e socializado e a própria

atuação profissional individual comprometida e criativa vão ao longo do tempo

revelando-se capazes de imprimir, identificar e transformar o papel profissional do

arquiteto. Cabe-nos retomar criticamente nosso contexto social e nosso

conhecimento, indagando sobre suas novas demandas e possibilidades para nossa

atividade-tronco, o projeto.

Analisando a sociedade e os modos de vida contemporâneos, Ascher (2005, p.22)

identifica três dinâmicas sócio-antropológicas, advindas do processo de

modernização: a individualização, a racionalização e a diferenciação social. Para

Ascher, a individualização é a representação do mundo não mais a partir do grupo,

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mas a partir do eu. A racionalização substitui a tradição do fazer repetido, pela razão

e pelo conhecimento científico e técnico; e a diferenciação social dá-se pela

diversificação das funções e principalmente pela divisão técnica e social do trabalho.

Neste processo, da modernidade, surge a utopia, o projeto e o planejamento. Para

Ascher, a sociedade contemporânea estaria na terceira modernidade com maior

racionalidade, mais diferenciação social e aprofundamento da individualidade.

Na arquitetura e nas cidades identificamos a intensificação da fragmentação e

segregação socioespacial com a supervalorização do individual e do individualismo.

No caso do Brasil, temos assim paisagens relativamente características e comuns,

com qualidades espaciais opostas que refletem por um lado diferentes níveis de

acessos para a população e, por outro, uma diversidade, no mercado, de valores

culturais e de significados para a arquitetura contemporânea.

Figura 1 - Foto apresentada pelo arquiteto Carlos Leite, que tem sido largamente utilizada como demonstração das contradições da cidade e da arquitetura contemporâneas

Fonte: http://www.stuchileite.com/index.html. Acesso em 02 de julho de 2013

No caso brasileiro, esse processo inicia-se em meados do século XX, quando

passamos a ser uma população eminentemente urbana.

Essa passagem de país rural para país urbano foi vislumbrada e retratada na Arte

Moderna por autores reconhecidos, em especial por Tarsila do Amaral (Figura 2a e

2b) com destaque para o progresso, tendo a arquitetura e o espaço urbano como

decisivos protagonistas. A terceira modernidade, assinalada por Ascher como

iniciada na década de 70 do século XX, nos apresenta outro contexto, onde o

consumo predomina sobre a produção, brilhantemente revelado nas obras do artista

contemporâneo Vik Muniz (Figura 2c).

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Figura 2 - Arte Moderna de Tarsila do Amaral e Arte Contemporânea de Vik Muniz

(a) (b) (c)

(a)São Paulo, Tarsila do Amaral, 1924, (b) Operários, Tarsila do Amaral, 1933, (c) A paisagem da Baía da Guanabara com material reciclado de 1,3 toneladas de lixo, Vik Muniz Rio+20, 2012.

Vale indagar-se sobre como a arquitetura considerada historicamente como um bem

da cultura material, se comportará em nossa sociedade que paulatinamente passa

de uma sociedade da produção em massa para a sociedade de consumo de massa.

Com quais instrumentos de crítica e de método podem, os arquitetos e a academia,

desenvolver a profissão no seu sentido mais profundo e amplo? Por outro lado,

devemos também reconhecer que no Brasil, nos últimos 10 anos, ocorre o

delineamento de uma nova dinâmica social e econômica que sugere um novo

contexto (Figura 3). Este caracterizado pela ampliação da população com

capacidade de consumo e de reivindicação de serviços públicos e coletivos, pelo

aumento da perspectiva de vida, pela maior diversidade de modelos de vida e novas

expectativas que geram novos desafios e demandas profissionais.

Figura 3 - Gráfico da Pirâmide Social. Evolução das classes sociais em milhões

Fonte CPS/FGV. In: http://observatoriodesinais.com.br/ Acesso em 13 de julho de 2013

Como nossos processos de formação profissional compreendem e respondem ao

futuro profissional, cada vez mais aberto e em troca com os contextos globais? Que

processos podem fortalecer a consciência, o comprometimento, a liberdade e

capacidade criativa do estudante e do profissional? Quais métodos e instrumentos

de crítica e quais conceitos temos para projetar e especialmente para potencializar o

processo de ensino?

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2 COMPLEXIDADES ATUAIS DO PROCESSO CRIATIVO E DOS AVANÇOS

TECNOLÓGICOS

O processo de expansão das cidades pouco tem considerado a fragilidade do

ecossistema, evidenciando seu caráter predominantemente quantitativo, em

detrimento do aspecto qualitativo. As cidades atuais, e também durante as mais

diversas fases históricas, só podem refletir os valores, compromissos e as

resoluções da sociedade que abrigam. Portanto, o sucesso de uma cidade depende

de seus habitantes e do poder público, da prioridade que ambos dão à criação e

manutenção de um ambiente urbano e humano. (ROGERS, 2001. p.16)

A arquitetura, também responsável por esse processo de expansão, e

criação/recriação das cidades, impõe hoje a reflexão e a busca por um produto final

voltado para a sustentabilidade contemporânea, a qual nos leva necessariamente a

considerar, incluir, integrar e inter-relacionar nos conceitos arquitetônicos, os

fundamentos de conforto ambiental e as técnicas construtivas.

A arquitetura surgiu a partir das necessidades do ser humano por abrigo. Logo

tornou-se uma expressão fundamental da habitabilidade tecnológica e dos objetivos

sociais e espirituais. Atualmente, a rica complexidade da motivação humana que

gerou a arquitetura está sendo desmantelada, quase todas as construções são feitas

em busca do lucro, como fator determinante de sua forma, qualidade e desempenho.

Questionamo-nos: os edifícios então são simples mercadorias? Não! Eles

formam o pano de fundo de nossas vidas na cidade. Eles compõem as nossas

cidades. Eles conformam a silhueta da massa edificada, marcam a cidade,

conduzem à exploração do olhar, valorizam o cruzamento das ruas. O detalhe tem

efeito crucial na totalidade. O processo de projeto e o produto final devem conter a

síntese entre funcionalidade, espacialidade, conforto ambiental e tecnologia nas

diferentes escalas envolvidas e dentro de um determinado contexto ambiental,

cultural e socioeconômico.

Mas como alcançar a sustentabilidade de um projeto arquitetônico? Iniciando

na leitura e no entendimento do contexto no qual o edifício se insere e nas decisões

iniciais de projeto. Seguindo a análise na escala urbana, é necessário abordar

questões como: estruturas morfológicas compactas, adensamento populacional,

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transporte público, resíduos e reciclagem, energia, água, diversidade e pluralidade

socioeconômica, cultural e ambiental.

O edifício sustentável representa uma parcela do ambiente construído, devendo as

suas qualidades urbanas e ambientais também seguir em direção à sustentabilidade.

Assim, se o objetivo maior for reduzir o impacto ambiental das cidades e alcançar

melhor qualidade ambiental urbana, em um cenário ideal, a busca pela arquitetura

sustentável deve se dar em três escalas: a do edifício, a do desenho urbano e a do

planejamento urbano e regional.

O desenvolvimento da arquitetura e do ambiente construído em direção à

sustentabilidade ambiental, considerando benefícios socioeconômicos, implica uma

revisão do processo projetual convencional, em que métodos de pesquisa pré-

projeto remetem a uma interação maior entre pesquisa e proposição.

Neste contexto, é preciso “explorar” a tecnologia com o objetivo de tornar as cidades

sustentáveis. Não “explorar” a tecnologia em busca apenas do lucro (no comércio,

na arquitetura ou no planejamento urbano.). A tecnologia deve ser utilizada pelo

cidadão para beneficiar o próprio cidadão, deve buscar assegurar direitos humanos

universais e garantir abrigo, água, comida, saúde, educação, esperança e liberdade

para todos. (Rogers, 2001)

Para que possam contribuir de fato para o resultado arquitetônico e o melhor

desempenho do conjunto, tais adventos da tecnologia, quando apropriados, devem

fazer parte do desenvolvimento do projeto do edifício desde as suas primeiras

etapas de concepção, e não ser inseridos como “acessórios”.

Enfim, o processo de projeto da prática profissional para a arquitetura em prol da

sustentabilidade implica um trabalho de equipe no qual os arquitetos responsáveis

estejam familiarizados com as questões ambientais, ao mesmo tempo que os outros

especialistas possuam um vocabulário arquitetônico e um entendimento dos demais

aspectos do projeto, a fim de que a interação seja positiva e a síntese projetual se

realize com sucesso. A procura incessante pela cidade do futuro responde ao desejo

de progresso, de inovação e de uma melhoria na qualidade de vida.

1. Arquitetura segundo o desejo consciente da formação do lugar

No momento de banalização das reflexões intelectuais, principalmente, entre os

mais jovens, pensa-se na necessidade de resgate e provocação frente ao desejo

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(sonho): ponto de partida de qualquer pensamento. Todo arquiteto parte de um

desejo inicial para compor o lugar; dar forma ao espaço. Portanto, necessita ter a

consciência do ato de projetar, uma vez que esta ação é uma previsão de futuro.

Deve-se trilhar, brevemente, o "caminho" não retilíneo do ato de projetar e seus

objetivos, visando propor ao acadêmico um exercício ativo de projeto - sua formação

– bem como, reavivar a paixão tão necessária à profissão, baseada no prazer de

realização de um sonho: a satisfação do desejo inicial. A ideia é mesmo o tratamento

poético da arquitetura como fomentador do entusiasmo tão necessário ao ato de

projetar.

O arquiteto finlandês Pallasmaaa (2013) expõe: O dom exclusivamente humano da

imaginação está ameaçado pelo excesso de imagens atuais? Os mundos crescentes

da vida de fantasia e das imagens de devaneios substituem a imaginação genuína,

individual e autônoma, assim como a afeição humana?

Essas são reflexões necessárias para o entendimento da arquitetura e do lugar que

se deseja “criar”. Entende-se que a formação do objeto arquitetônico passa pela

leitura do que se deseja. Esse desejo, visto como fruto de uma reflexão consciente

para, então, ser expresso no desenho. Dessa forma, o desenho, como expressão do

desejo de projeto, irá legitimar o projeto e proporcionar a execução concreta da

ideia.

Figura 4 - Croqui (desenho) representando a ideia de lugar

Importantes métodos de projeto são: por "estrutura-guia" e pelo "desejo", método

aqui defendido. O primeiro método - estrutura-guia - é mais seguro e confortável.

Porém, mais suscetível ao fracasso e fadado a não permitir a real criação de um

“Lugar” que proporcione apropriações intensas. Isso porque, por estrutura-guia, um

projeto pode ser apenas o resultado de uma combinação de fatores ou uma junção

despretensiosa de características. Ou, ainda, a soma de uso e função para se ter,

Fonte: Acervo Juliano Darós

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como resultado, alguma arquitetura. Esse método pode levar a banalizações de

projeto, por reproduções mal refletidas ou até mesmo por espelhamentos sem

justificativas. É a alienação do lugar e a possível criação de "não-lugares".

No segundo método - pelo desejo - primeiro cria-se a arquitetura, dessa forma, tem-

se um lugar. Pensa-se na apropriação desse lugar, para então, em um segundo

momento, configurar os fatores necessários para a realização do desejo inicial.

Para a formação do lugar, a arquitetura tem que causar sensações e dar identidade.

Formar lugares que ficam na memória e que registram sons, aromas, imagens, etc.,

para sempre no imaginário do usuário. Os lugares devem ser criados

conscientemente. As sensações devem estar previstas em projeto e surgem por

meio do desejo inicial, esse é o trabalho do arquiteto.

A identificação rápida dos lugares também deve ser uma estratégia de projeto.

Entender a cidade - Ouro Preto - MG, facilmente reconhecida em imagens, e Bilbao,

na Espanha, reconhecida pela leitura do ícone de arquitetura do Museu Guggenheim

- são estratégias projetuais. É importante a reflexão das vontades e consequências

envolvidas no projeto, principalmente em relação às possíveis apropriações dos

usuários. Cabe a discussão sobre o destaque e a imposição, manifestando a relação

de poder entre arquitetura e usuário, ou sobre a subordinação da arquitetura em

relação ao usuário na conformação do lugar.

Na formação do lugar devem-se considerar dois aspectos fundamentais: a

configuração física e as respostas ao entorno. A configuração física é a manipulação

de aspectos construtivos no espaço, propondo a modelação para novas relações já

citadas. Porém, ainda muito importante, é a necessidade que a arquitetura tem de

"conversar" com o entorno. Seja de modo a se abstrair na paisagem, ou a se

destacar, como no mesmo Museu Guggenheim, de Bilbao. Do mesmo modo, essa

intervenção se dá de maneira consciente. O desejo de abstração ou de destaque é

algo que surge no primeiro momento de manifestação do projeto.

Cabe ao arquiteto fazer as devidas requalificações espaciais. Ele pode gerar uma

nova caracterização e criar o novo lugar. O arquiteto é o manipulador do espaço.

Faz o manuseio e a organização do espaço. Daí a responsabilidade perante a

atividade. Daí a necessidade de consciência, reflexão e entendimento do desejo

como fomentador do projeto.

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Diante da realidade, para a manipulação espacial desejada, têm-se as diversas

regulamentações e normas que regem a atividade de projeto, como atividade

profissional. Essas servem para balizar o trabalho, porém, não podem limitar o ato

da criação. Faz-se necessário o exercício constante de reflexão para aprimoramento

do desenho, como linguagem e expressão, perante as ponderações normativas.

Em suma, como atividade projetual, pode-se elencar uma tríade: (1) Desejo:

expresso no desenho leve e livre; (2) Projeto Formal: como representação

necessária para a execução da ideia do desejo; (3) Lugar: sendo o resultado

concreto, executado, com a possibilidade de ser apropriado.

2. Qualificação do repertório urbano-arquitetônico, a partir da contribuição da

“linguagem de padrões de Alexander”

Em contrapartida às exigências que as questões contemporâneas fazem sobre os

espaços urbanos e arquitetônicos, traz-se para o debate a atemporalidade das

construções humanas e seu papel fundamental na qualificação espacial dos

territórios antropizados. Adotam-se como referência os padrões de Alexander (1977)

- “Uma Linguagem de Padrões” 2-, apresentando-se seu pensamento como uma

possível metodologia de referenciais indicativos na abordagem de um tema ou

“problema” urbano-arquitetônico a ser investigado.

Os arranjos ambientais abrangem da maior à menor escala, sem tratar de obras

específicas, mas sim de sensações espaciais. A qualidade do espaço construído, na

visão de Alexander, relaciona-se intimamente com padrões reconhecidos

inconscientemente, sem que se saiba determinar especificamente nem onde e nem

como ela está presente, o que o autor chama de “qualidade sem nome”. O assunto

da qualidade serve como um aporte filosófico à teoria dos padrões, descrito em uma

publicação anterior intitulada: “Modo Intemporal de Construir”.

Transportando-se o tema para o Atelier de Projeto, percebe-se que durante o

processo de desenvolvimento dos trabalhos, alguns alunos sentem-se desorientados

no lançamento do partido arquitetônico e nas fundamentações conceituais,

buscando nas referências tipológicas os subsídios que possam ser transportados

para seu projeto, num processo claro de atopia arquitetônica. Geralmente a evolução

2 Uma Linguagem de Padrões - A Pattern Language / Autor: Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; Max Jacobson; Ingrid Fiksdahl King; Shlomo Angel Editora: Bookman (2013). Porto Alegre RS. Original (1977 – USA);

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do trabalho sofre entraves determinantes pela falta de consistência na argumentação

conceitual.

Que colaboração poderia exercer a teoria de Alexander neste processo construtivo

da solução do problema urbano-arquitetônico? Didaticamente, os padrões espaciais

tratados como arquétipos não apresentam soluções prontas e estanques, mas sim,

desenham fragmentos de intervenções em formato de rede, onde cada pequena

solução se liga à outra, formando uma “teia”, que a princípio não é um todo, mas um

caminho, um indicativo dos passos que devem ser tomados a partir de um universo

infinito de possibilidades.

Cabe ressaltar a importância que Alexander dedica às relações humanas como

processo interativo com o ambiente construído, contrapondo-o a uma visão

determinista ou unidirecional. “Padrões”, traduzido do inglês Pattern, pode ser

entendido também como Parâmetros de Projeto ou ainda, Princípios de Projeto.

Neste caso cabe salientar que se trata de uma formação de linguagem arquitetônica

e não de uma única via de acesso ao acerto projetual. A aplicação da metodologia

por diferentes grupos não se traduz necessariamente em soluções semelhantes,

pois a relação não é linear. Pode acontecer uma riqueza enorme de conexões com

infinitas variáveis, resultando em projetos que têm a mesma essência e qualidade,

porém com formas distintas.

Outra questão chave é o cunho “local” do projeto. Clima e cultura como elementos

definidores de características peculiares de determinado ambiente e construtores

físicos de sua identidade. É premissa neste método que o projetista seja nutrido por

circunstâncias locais específicas e estas interfiram fortemente nos resultados

espaciais alcançados. De uma forma pioneira, “Uma Linguagem de Padrões”

organiza os diferentes dados relacionados ao ser humano e ao ambiente, a fim de

proporcionar soluções projetuais que procuram conectar de maneira sistêmica o

comportamento humano a elementos arquitetônicos.

No processo de atelier, os alunos buscam constantemente apoiar-se em “verdades

arquitetônicas dialéticas”, onde há sempre o certo e o errado, o bom projeto e o ruim,

o gosto ou não do professor. Porém, a visão de Alexander apresenta-se como uma

ferramenta de grande valor na construção de repertório urbano-arquitetônico. Define

ambiências, relaciona privacidades, determina territorialidade, não como limites

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espaciais definidos pelos objetos arquitetônicos, mas como sensações de vivências

que estes objetos transmitem.

Na busca de uma pedagogia para a autonomia do aluno, cabe ao professor oferecer

caminhos e direções, onde este atua como mediador entre o conteúdo “arquitetura”

e o processo “aluno” nas suas descobertas, conduzindo a investigação em bases

teóricas e filosóficas que auxiliam o aluno a pensar o problema antes de procurar

uma solução pronta e acertada. Desta forma, acredita-se que o uso da metodologia

da rede de “Padrões” pode oferecer uma qualificação no repertório urbano-

arquitetônico dos alunos de graduação em Arquitetura e Urbanismo, auxiliando-os a

compreender as íntimas relações existentes entre homem e ambiente construído

através dos diferentes tempos e culturas.

3. A composição arquitetônica de espaços coletivos da contemporaneidade.

A pretensão de que a globalização uniformiza o mundo e a produção cultural é um

mito, segundo Canclini (2003). Não há evidência empírica de que a globalização

achate a diversidade ou decomponha a ordem social, sendo que a vida urbana

consiste ainda em movimentos cotidianos, socialização e produção de espaços

coletivos. Contudo, é inegável que a revolução tecnológica digital possibilitou um

sistema de comunicações transnacionais, como a “cidade-rede”. Da mesma forma se

modificou a concepção e produção da arquitetura, que vem absorvendo o impacto

destas inovações digitais. Ainda segundo Canclini, filmes, jogos, música e

arquitetura são produtos simbólicos globais que determinam a dimensão icônica,

fluida e migrante que marca a forma globalizada de produzir o tempo e o espaço.

Qual o papel e quais as características, limites e possibilidades que a arquitetura

contemporânea desempenha nestes “novos” lugares?

Primeiramente, para refletirmos sobre quais seriam estes “novos” lugares, cabe

pensarmos sobre os movimentos cotidianos, a socialização e produção de espaços

coletivos. Neste contexto percebemos que sistemas complexos de circulação, redes

e fluxos coexistem com os espaços cotidianos, estabelecendo a simultaneidade e a

heterogeneidade da experiência urbana contemporânea. Assim como na escala do

objeto arquitetônico, onde segundo Giedion (1958) há necessidade de a arquitetura

recuperar o sentido espacial comunitário, o sentido coletivo que as edificações

possuíam anteriormente. Quais os lugares da cidade e da arquitetura

contemporânea que possibilitam interconexões e trocas? Cabe à arquitetura dar

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forma a estes lugares, dotando-os de uma flexibilidade até então pouco empregada,

uma fluidez ou natureza capaz de moldar-se às exigências de um espaço dinâmico e

mutante. Os lugares da arquitetura contemporânea que promovem as condições de

interconectividade e troca apresentam características de espaços multifuncionais e

midiáticos, em que a mobilidade, a conectividade física e virtual, a justaposição, a

segurança e a simultaneidade e convivência da heterogeneidade em suas

propriedades intrínsecas está totalmente voltada e aberta à cidade. Propõem-se

também a refletir como são estruturados arquitetonicamente estes espaços em

termos de tipologia e morfologia. Arquitetura e cidade passam a estabelecer a

relação entre objeto arquitetônico e lugar; a relação estreita entre o entorno e a

arquitetura e a consequente reconstrução da paisagem urbana, com limites sutis

entre forma, espaço e contexto, que admite maior flexibilidade e espaços urbanos

cuja harmonia está na coexistência de diversidades e antagonismos.

Em resposta a estas questões percebe-se uma transformação das ordens

tipológicas. O conceito de tipo adquire características de pluralismo, relativismo e

multiculturalismo, em que a forma estabelece predomínio sobre a função, e as

mudanças de uso, a renovação, a reutilização, a reformulação e a recuperação

passam a ser conceitos base. Estes novos tipos marcam este momento de

desenvolvimento da arquitetura onde ocorrem mudanças estruturais e técnicas, de

escala e de uso, onde diferentes tipos se confundem para produzir novos. Alguns

exemplos são as tipologias da “Era LED”, tipologias dinâmicas, orgânicas e que

funcionam como organismos, assim como as soluções morfologia de caráter

universal.

Paradoxalmente, diante desta linguagem arquitetônica de interatividade, cabe

questionar como fica o conceito de lugar. Não seriam estes modelos de não lugares?

Retomando o conceito inicial, de que a vida urbana consiste ainda em movimentos

cotidianos, socialização e produção de espaços coletivos, percebe-se que o que

define os lugares permanece sendo a percepção e a experiência do mundo pelo

corpo humano; a qualidade do espaço que se materializa pela forma, textura, cor, luz

natural, objetos e valores simbólicos; a relação destes com a história e a memória; e

a adequação ao ambiente, à paisagem e ao entorno (Montaner, 2012). Segundo

Moneo (1978), se a arquitetura deseja recuperar sua relação com o público, deve

trabalhar sobre as convenções que fundamentam a memória coletiva. Esta postura

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de projeto na criação dos espaços busca espacializar e materializar os atributos que

contribuem para a apropriação dos espaços, afinal “os espaços onde se desenvolve

a vida são antes de tudo lugares” (Heidegger, 1951). São objetos arquitetônicos

relacionados entre si e contextualizados com a cidade. Projetos em que a arquitetura

vem em resposta às novas demandas da cidade contemporânea e da situação

socioeconômica da população. A arquitetura que, depois de estabelecida, gera

novas apropriações por parte de seus usuários, demonstrando o quanto é importante

na dinâmica das ações urbanas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os debates acerca do “projeto” reforçam o comprometimento que o profissional deve

ter com a relação entre arquitetura e urbano, visto como o contexto de inserção do

objeto arquitetônico, de modo que um vem a qualificar e valorizar o outro, por meio

de uma relação intrínseca que é ponderada no lançamento da ideia de projeto e no

estudo e entendimento de suas interferências, nas mais variadas escalas, que vão

da cidade ao edifício.

A complexidade do ato projetual na contemporaneidade demanda a interpretação de

novos programas, novas relações entre objeto arquitetônico e lugar e,

necessariamente, novas soluções. Nesse contexto, o desejo consciente de formação

do lugar desempenha papel fundamental e o estudo e aprofundamento dos

repertórios urbano-arquitetônicos apresenta realidades distintas, paradoxais e

contraditórias, reforçando a complexidade e o engajamento com o “Lugar” que o

objeto arquitetônico deve ter.

A metodologia de ensino do projeto pode partir da expressão do “Desejo” e da

“Vontade” do aluno, guiado pela condição da realidade apresentada pelos

professores - como intermediadores do conhecimento - mas que, sobretudo, deve

necessariamente mostrar a concretude do desejo como “Lugar” capaz de incorporar

e induzir a rica apropriação, a diversidade de usos, atividades, pessoas,

principalmente nos espaços de uso coletivo.

Mostra-se de grande valia o contínuo debate das práticas pedagógicas dos temas

que envolvem o ensino do projeto urbano-arquitetônico, na possibilidade de

fomentar, reinventar e aprimorar técnicas, metodologias, tecnologias e repertórios

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projetuais a fim de procurar-se a otimização da relação entre objeto arquitetônico e

contexto de inserção.

REFERÊNCIAS

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CANCLINI, Nestor García. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003.

GIEDION, Sigfried. Arquitetura e Comunidade, 1958. In: Modernidade superada – Arquitetura, arte e pensamento no século XX. 2 ed. São Paulo: Gustavo Gili, 2012.

MONTANER, Josep Maria. Tipo e estrutura. Eclosão e crise do conceito de tipologia arquitetônica. In: ______ Modernidade superada – Arquitetura, arte e pensamento no século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001.

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