Vários mundo árabe
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Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes
1 SURPRESA: A TUNÍSIA ERA UMA DITADURA
Quando eu ingressei como redator na editoria de assuntos internacionais da Folha de S.Paulo, um colega veterano me ensinou como se fazia para definir quais, entre as centenas de notícias que recebíamos diariamente, seriam merecedoras de destaque no jornal do dia seguinte. "É só olhar os telegramas das agências e ver o que elas acham mais importante", sentenciou. Pragmático, ele adotava esse método como um meio seguro de evitar que o noticiário da Folha destoasse dos jornais concorrentes, os quais, por sua vez, se comportavam do mesmo modo. Na realidade, portanto, quem pautava a cobertura internacional da imprensa brasileira era um restrito grupo de três agência noticiosas -- Reuters, Associated Press e United Press International, todas afinadíssimas com as prioridades geopolíticas dos Estados Unidos.
Passadas mais de duas décadas, a cobertura internacional da mídia brasileira ainda se orienta por diretrizes estrangeiras. A única diferença é que agora as agências enfrentam a competição de outros fornecedores de informação, como a CNN e os serviços de empresas como a BBC e o New York Times, oferecidos pela internet. Mas o conteúdo é o mesmo. O resultado é que as informações internacionais que circulam pelo planeta, reproduzidas com mínimas variações em todos os continentes, são quase sempre aquelas que correspondem aos interesses de Washingon.
Quem confia nessa agenda está condenado uma visão parcial e distorcida, uma ignorância que só se revela quando ocorrem "surpresas" como a rebelião popular que derrubou o governo da Tunísia. De repente, o mundo tomou conhecimento de que a Tunísia -- um país totalmente integrado à ordem neoliberal e um dos destinos favoritos dos turistas europeus -- era governada há 23 anos por um ditador corrupto, odiado pelo seu povo. Como é que ninguém sabia disso?
A mídia silenciou sobre o despotismo na Tunísia porque se tratava de um regime servil aos interesses políticos e econômicos dos EUA. O ditador Ben Ali nunca foi repreendido por violações aos direitos humanos e, mesmo quando ordenou que suas forças repressivas abrissem fogo
contra manifestantes desarmados, matando dezenas de jovens, o presidente estadunidense Barack Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, permaneceram em silêncio. Não abriram a boca nem mesmo para tentar conter o massacre. Só se manifestaram depois que Ben Ali fugiu do país, como um rato, carregando na bagagem mais de uma tonelada de ouro. Mohamed Bouazizi ateou fogo em si mesmo na cidade de Sidi Bouzid (centro do país) quando policiais impediram que ele vendesse vegetais em uma banca de rua sem permissão.
O caso da Tunísia não é o único na região. No vizinho Egito, outro regime vassalo dos EUA, Hosni Mubarak governa ditatorialmente desde 1981. Suas prisões estão lotadas de opositores políticos e as eleições ocorrem em meio à fraude e à violência, o que garante ao governo quase todas as cadeiras parlamentares. Mas o que importa, para o "Ocidente", é o apoio da ditadura egípcia às posições estadunidenses no Oriente Médio, em especial sua conivência com o expansionismo israelense.
Por isso, a ausência de democracia em países como a Tunísia e o Egito nunca recebe a atenção da mídia convencional, ao contrário da condenação sistemática de regimes autoritários não-alinhados com os EUA, como o Irã e o Zimbábue. É sempre assim: dois pesos, duas medidas.
*Artigo publicado originalmente no Brasil de Fato. Igor Fuser é jornalista, doutorando em
Ciência Política na USP, professor na Faculdade Cásper Líbero e membro do Conselho Editorial
do Brasil de Fato.
Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes
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UMA PALAVRINHA SOBRE AS
LUTAS NO MUNDO ÁRABE
Hesitei um pouco em escrever sobre o que ocorre hoje no mundo árabe. Tudo é muito distante de nós e as informações precisam ser muito bem checadas para não dizermos besteiras. Mas há coisas que são gritantes. Mais do que nunca o estudo feito por Chomsky há décadas se faz absurdamente real. É incrível como a mídia, de repente, descobriu que havia ditadores no mundo árabe. Do nada, essa palavra começa a pipocar em todos os jornais e revistas. Até então, para os meios de comunicação, ditador mesmo era só o Fidel, em Cuba. No geral, lá para as bandas do mundo árabe, eram todos amigos dos Estados Unidos e como lembra Chomsky, quando são os “amigos” os que cometem crimes, o tom das denúncias muda de figura. Gente ruim era a turma dos palestinos, dada a violência gratuita. Mas os homens do poder dos países árabes “amigos” eram tudo gente boa, democrática, que ofereciam vida farta ao seu povo. Quem nunca viu na “vênus platinada” os documentários sobre a Arábia Saudita ou Dubai? Só belezas! Kadafi, por outro lado, sempre foi mostrado como um “terrorista”, a exemplo do velho Arafat. É que eles não estavam alinhados ao governo estadunidense, logo, todas as suas sujeiras sempre receberam muita luz. Como já disse, Chomsky mostrou isso muito bem no seu livro “Os guardiões da liberdade”.
Agora, diante das mobilizações populares que questionaram vários destes governos sustentados há décadas pelo poder estadunidense, nas tramóias da ganância sobre o petróleo, a mídia começa a falar das sujeiras. Mas tudo muito rapidamente. A luz vai sendo colocada nas mobilizações e nas medidas imediatas que são tomadas para barrar os “banhos de sangue”. Diante dos fatos, o que mais se vê é o que diz o presidente dos Estados Unidos. “Obama exige que Mubarak renuncie”. Mas ora vá, que tem Obama a ver com isso? A Globo não explica muito bem. Por que motivo o presidente de uma nação vem querer cantar de galo em outra? Quais as ligações que unem esses seres?
Agora, a bola da vez é o Kadafi. Um homem que na década de 60 ousou falar de nacionalismo árabe, que afrontou os Estados Unidos e que deu outra dinâmica para a vida naquele espaço geográfico. Um homem que não se propôs a fazer na Líbia o socialismo sonhado por boa parte da esquerda, mas que tentou comandar seu país dentro da lógica da sua cultura e do seu desejo de ser livre. Outra dinâmica, muitas vezes incognoscível para nós, da cultura ocidental. Nos dias atuais, fala-se das suas excessivas ligações com países europeus e com multinacionais. Estava lá ele tentando manter seu país no jogo dos negócios mundiais. Coisa para analisarmos com mais cuidado.
Pois diante dos protestos que ocorrem agora em todo o país, no rastro de pólvora iniciado pelo povo tunisiano, Kadafi se vê ameaçado de invasão por tropas da Otan. E quem foi que deu essa idéia brilhante? Obama! De novo, o presidente de um país que invadiu o Iraque e matou quase sete milhões de pessoas, grande parte civis. Por que a mídia nunca reagiu com tanta veemência diante dos crimes dos EUA? Por que as gentes do Iraque não merecem o mesmo respeito que estão tendo agora o povo da Tunísia, do Egito, do Baheim? Em que o povo que luta desesperadamente pela liberdade no Iraque é diferente? Por que não vemos a mesma indignação nos olhos dos âncoras da TV quando os palestinos são massacrados diariamente? Por que as
tropas da Otan não param Israel? Que interesses estão em jogo neste tabuleiro árabe? Creio que mesmo com as poucas informações que temos pode-se fazer uma análise mínima. E a esquerda? Bem lembra Carlos Terán que a esquerda mais ortodoxa sempre se negou a ver como processo revolucionário o que aconteceu na Venezuela, na Bolívia. Por que agora esse povo se põe a saudar como “revolução, revolução” o que ocorre no mundo árabe? Sendo que, no geral, na verdade, praticamente nada está mudando, a não ser o nome dos governantes. Os projetos seguem sendo os mesmos.
Correndo o risco de ter de prestar contas à história eu me dou ao direito de observar melhor, com mais calma, estudando mais o modo de ser do mundo árabe, que é muito diferente do nosso. Mas sem nunca deixar de fazer as perguntas que precisam ser feitas. Nos anos 70 estive bastante ligada às propostas que vinham da Líbia, da Palestina, apoiando a luta daqueles que se levantavam para garantir soberania e outra forma de organizar a vida. Hoje, vejo com tristeza o desmonte de mais um reduto de resistência ao império estadunidense. Não tenho medo de usar a palavra revolução. Mas, espero que seja de fato, um processo de mudança o que está em curso.
A famosa democracia, tão proclamada pelos Estados Unidos quando é para fazer com que as coisas sejam do seu jeito, não é modelo para ninguém. Vide Afeganistão e Iraque, onde as tropas estadunidenses implantaram a “democracia”. Votar a cada quatro anos tampouco é democracia. Essa palavra tão desgastada pede adjetivos e pede participação real dos povos. Derrubar um homem é coisa possível. Derrubar um jeito de organizar a vida é outra coisa. Até agora, as lutas populares que estiveram em alta no mundo árabe derrubaram pessoas. O sistema se mantém incólume. O que espero, com profunda reverência revolucionária, é que esta mesma gente seja capaz de mudar as estruturas. De garantir a participação real e cotidiana, de criar o novo. Aí sim, temos revolução!
Elaine Tavares é jornalista (Brasil de fato)
“Os rumores sobre mim são falsos.
Não nasci numa manjedoura.
Na verdade, eu nasci em Krypton
E fui enviado para salvar o planeta
Terra.” Barack Obama -
2008
Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes
3 LIÇÕES DAS MULTIDÕES ÁRABES
Emiliano José 10 de março de 2011 às
10:39h
Quando tínhamos todas as respostas, mudaram as perguntas. A frase foi recolhida de um muro de Quito por Eduardo Galeano, e está em seu saboroso Palavras Andantes, e tem o condão de nos colocar diante do mundo de hoje, do atual mundo, atualíssimo mundo, e suas revoluções. Tínhamos, queríamos ter, todas as respostas, especialmente nós, de esquerda, acostumados a alguma regras que os manuais nos ensinavam, e que agora vão sendo subvertidas pela realidade, dura e maravilhosa realidade dos povos em luta. As multidões não leram os nossos manuais. E as nossas regras, coitadas, tão perfeitas, perderam atualidade. Ou não? Quem sabe… A direita, também, e mais do que nós da esquerda, anda tonta. Desde que Fukuyama andou falando besteiras em tempo de sucesso do neoliberalismo. Se é verdade que a história não caminha para nenhum fim predeterminado e glorioso, como imaginávamos nós em tempos não tão remotos, também é absolutamente verdadeiro que a história não terminou, como imaginou Fukuyama no seu delírio e prostração diante do deus mercado. As insurreições dos países árabes revelam não apenas o admirável mundo novo das novas tecnologias, mas a vontade política das multidões a sacudir as nações, subverter ordens, suscitar novas perguntas, desafiar o pensamento revolucionário e democrático da humanidade. No pensamento ocidental, havia quase que uma sacralização da ordem árabe, de suas estruturas autoritárias, como se nada pudesse perturbá-la ou como se uma eventual perturbação político-social nunca pudesse ultrapassar a lógica interna de suas culturas, como se a democracia não pudesse contaminar aquele mundo. Entre nós havia até uma aceitação quase passiva de práticas profundamente desumanas e contrárias aos direitos humanos mais elementares, e cito o tratamento dado às mulheres. Não tenho ilusões sobre mudanças súbitas na concepção de vida árabe, porque as coisas nunca se dão assim. A cultura é bela e é resistente. Mas, as revoluções árabes nos permitem dizer com tranqüilidade que nada será como antes. No mundo árabe e no restante do mundo. É provável que alguns dos nossos à esquerda queiram refletir sobre a espontaneidade dos movimentos árabes e sobre as dúvidas que cercam o futuro. Já houve quem o fizesse. O essencial, no entanto, é que tais movimentos, e salve, salve a espontaneidade das multidões, revelam a sede profunda de democracia e de liberdade que se espraia pelo mundo. E essa sede é derivada não de uma conspiração proveniente dos centros hegemônicos do mundo, menos ainda dos EUA, que estavam afinados com muitos dos regimes árabes que caíram ou que estão claudicando neste momento. Não se trata apenas de reivindicações em torno de uma democracia formal. Não se trata apenas de eleições livres, embora elas sejam fundamentais. O que está em jogo nessa movimentação, que não é apenas árabe, é um desejo muito mais profundo de participação dos povos no destino de suas nações e
no destino do mundo. De um jeito ou de outro, os rios correm para o mar. De um jeito ou de outro, os povos do mundo, de modo particular os pobres do mundo, estão percebendo que o mundo só tem salvação por eles mesmos. Um olhar profundo e generoso sobre a humanidade só pode vir deles. É este o significado que deve ser acolhido não apenas pelos árabes, mas por todos os que imaginem uma Terra mais justa, mais acolhedora, mais respeitadora dos direitos humanos. Mais globalizada para todos. Não se queira tolher participações populares. É inútil. Há uma torrente globalizada, de uma sociedade em rede, de pobres que se articulam, de multidões que não se conformam mais em ficar à margem do destino do território onde vivem, em ficar à margem da história. Não se trata de uma profecia. Nem deve assustar ninguém. Trata-se de saudar esse novo momento na história, recolher os ares e lições desse novo admirável mundo novo, e compreender que a democracia não pode ser apenas a democracia de eleições. Tem que ser muito mais. Tem que admitir a participação direta dos povos. E com urgência. As labaredas árabes estão a nos ensinar. Ninguém pode dizer que não foi avisado. No caso brasileiro, é verdade aquilo que o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, Leonardo Avritzer, disse à CartaCapital de 2/3/2011, sobre o fato de a sociedade civil não ser nem tão apática quanto se supõe, nem tão alijada como se imagina. Sem dúvida alguma, como ele diz, tem aumentado a influência da sociedade civil na elaboração das políticas públicas. Cresceu a participação dos conselhos. Não há uma sociedade amorfa, como querem alguns desesperançados na política. E a participação da sociedade civil tende a crescer, o protagonismo do povo tende a se acentuar. As multidões se movimentam. No mundo e no Brasil. As lições do Oriente estão quentes. Os que governam, os que estão no Legislativo, no Executivo, no Judiciário não devem perder isso de vista. Não podem se isolar em seus gabinetes. Têm de escutar o clamor das multidões, mesmo quando o barulho não seja tão grande. Escutar a voz das ruas é um conselho sábio, e que vem de tempos imemoriais. Ainda para recorrer à entrevista do professor Avritzer, não custaria, por exemplo, ao Judiciário permitir a participação da sociedade civil na sabatina dos juízes indicados ao Supremo e até outros mecanismos que garantissem uma participação mais decisiva do povo na organização do poder judiciário. A reforma política, ora em andamento no Congresso Nacional, deveria levar em conta com muito carinho a questão da participação popular, quem sabe aperfeiçoando e radicalizando aspectos da participação direta da população. Cada vez mais, é necessário encarar essa participação como um aspecto essencial da democracia contemporânea. Ela pode oxigenar a vida democrática, torná-la mais de acordo com os tempos que vivemos, nos quais o protagonismo do povo cresce, o papel das multidões torna-se cada vez mais decisivo. Ignorar isso é pecado mortal. É trabalhar contra a democracia, que não pode ser mais apenas e tão somente o regime de eleições formais, tal e qual nos acostumamos. É preciso dar outros passos. Para assegurar, usemos uma palavra da moda, a sustentabilidade democrática.
*jornalista, escritor, deputado federal. [email protected] www.emilianojose.com.br
Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes
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KADHAFI DISCURSA, CULPA AL-QAEDA
E AMEAÇA COMPANHIAS
PETROLEIRAS
Ditador prometeu combater "até o último homem e a
última mulher"
O dirigente líbio Muamar Kadhafi voltou a discursar nesta quarta-feira, durante uma cerimônia pública em Trípoli, quando negou que existam rebeliões em seu país, acusou a Al-Qaeda pelos distúrbios e descartou deixar o poder, uma vez que não possui "poder de verdade". Ele também ameaçou que haverá milhares de mortos em caso de intervenção estrangeira em seu país.
Mas pediu que a ONU envie uma missão de verificação a seu país e prometeu: "Combateremos até o último homem e a última mulher". Kadhafi afirmou que o objetivo da Al-Qaeda é controlar a terra da Líbia e seu petróleo. "Células adormecidas da Al-Qaeda, seus elementos, se infiltraram gradualmente... Eles acreditam que o mundo é deles, lutam em qualquer lugar, os serviços de inteligência os conhecem pelo nome", acusou o líder líbio a uma atenta audiência.
"Começou de repente na cidade de Al-Baida... As células adormecidas receberam ordens de atacar o batalhão... e roubaram as armas das delegacias", contou Kadhafi. "As mulheres fugiram... havia balas para todo lado. Foi a mesma situação em Benghazi", afirmou, referindo-se à cidade do leste sob controle das forças rebeldes. "Não há demonstrações pacíficas na Líbia. Se houvesse, por que os estrangeiros estão fugindo, as embaixadas estão fechando em Trípoli, funcionários de companhias petroleiras estão fugindo do deserto?", questionou.
A respeito da indústria do petróleo, afirmou que as companhias petroleiras estão amedrontadas e a produção parou. "A produção de petróleo está em seu menor nível", afirmou. "A conspiração se tornou clara", disse ainda. O líder líbio ameaçou substituir as companhias petroleiras ocidentais que operam em seu país por sociedades da Índia e China. "Morreremos todos para defender o petróleo, e aqueles que ameaçarem nosso petróleo devem compreender isso", afirmou em seu discurso em Trípoli. "Estamos dispostos a fazer vir companhias indianas ou chineas no lugar das
firmas ocidentais", acrescentou. Kadhafi também disse que a produção petroleira do país se encontra em seu nível mais baixo por causa da saída dos funcionários estrangeiros das companhias petroleiras depois do início da rebelião.
Kadhafi alegou ainda que o povo da cidade de Benghazi, que teve um papel-chave na rebelião, pediu ajuda ao governo para "se livrar das gangues". A cerimônia foi transmitida logo depois que os rebeldes informaram que haviam repelido um ataque das forças de Kadhafi na cidade de Brega na véspera, com testemunhas reportando dois civis mortos. O evento foi para marcar o aniversário do lançamento dos Comitês do Povo, de acordo com o locutor da TV estatal.
Lendo um texto preparado, o discurso Kadhafi foi várias vezes interrompido por aplausos dos partidários do dirigente. Kadhafi criticou as informações sobre as demissões de oficiais superiores de seu regime, incluindo chefes militares e embaixadores. "As renúncias lá fora, as declarações de dentro (da Líbia)... não acreditem nelas", afirmou. "No que diz respeito à Líbia... nada aconteceu... e é estranho que o mundo receba notícias de correspondentes e TVs que não estão presentes na Líbia. Eles não querem notícias verdadeiras da Líbia", enfatizou. "Não existem prisioneiros políticos na Líbia", acrescentou.
"Quando os Comitês do Povo determinam algo, se torna lei e é implementada para todos os líbios. Ninguém pode declarar guerra ou paz a menos que os Comitês do Povo assim decidam", afirmou ainda. "Muamar não tem poder de verdade para renunciar a ele".
Intervenção
Kadhafi pediu que a comunidade internacional que estabeleça uma comissão de verificação para confirmar se há mesmos mais de mil mortos nas mãos de suas forças. "Pedimos ao mundo, às Nações Unidas, que enviem uma equipe de verificação para investigar". Ele afirmou nesta quarta-feira que haverá milhares de mortos em caso de intervenção estrangeira em seu país.
(FONTE:Isto É)
Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes
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OCIDENTE CONSIDERA INTERVIR NA LÍBIA; EUA
ENVIAM TROPAS
O exército americano posiciona forças
navais e aéreas em torno do país
Do Portal Terra
O exército americano posiciona forças navais e aéreas em torno da Líbia, informou o Pentágono nesta segunda-feira, no momento em que potências ocidentais analisam a possibilidade de uma intervenção militar contra o regime do coronel Muammar Kadafi.
Segundo o porta-voz do Pentágono, coronel Dave Lapan, o exército americano está estudando "vários planos de contingência". "Como parte disso, estamos reposicionando forças, para que ofereçam essa flexibilidade uma vez que as decisões forem tomadas", declarou o porta-voz à imprensa.
A mobilização de "forças navais e aéreas" daria ao presidente americano Barack Obama um leque de possibilidades diante da crise, disse Lapan, sem especificar que navios ou aviões receberam a ordem de se reposicionar, nem que possíveis ações estariam sendo consideradas.
Depois da repressão da oposição pelas forças leais a Kadafi, os líderes europeus e americanos estão planejando impor uma zona de proteção aérea sobre a Líbia, para impedir que o líder líbio bombardeie seus inimigos.
Líbios enfrentam repressão e desafiam Kadafi Impulsionada pela derrocada dos presidentes da Tunísia e do Egito, a população da Líbia iniciou protestos contra o líder Muammar Kadafi, que comanda o país desde 1969. As manifestações começaram a tomar vulto no dia 17 de fevereiro, e, em poucos dias, ao menos a capital Trípoli e as cidades de Benghazi e Tobruk já haviam se tornado palco de confrontos entre manifestantes e o exército.
Os relatos vindos do país não são precisos, mas tudo leva a crer que a onda de protestos nas ruas líbias já é bem mais violenta do que as que derrubaram o tunisiano Ben Ali e o egípcio Mubarak. A população tem enfrentado uma dura repressão das forças armadas comandas por Kadafi. Há informações de que Força Aérea
líbia teria bombardeado grupos de manifestantes em Trípoli. Estima-se que centenas de pessoas, entre manifestantes e policiais, tenham morrido.
Além da repressão, o governo líbio reagiu através dos pronunciamentos de Saif al-Islam , filho de Kadafi, que foi à TV acusar os protestos de um complô para dividir a Líbia, e do próprio Kadafi, que, também pela televisão, esbravejou durante mais de uma hora, xingando os contestadores de suas quatro décadas de governo centralizado e ameaçando-os de morte.
Além do clamor das ruas, a pressão política também cresce contra o coronel Kadafi. Internamente, um ministro líbio renunciou e pediu que as Forças Armadas se unissem à população. Vários embaixadores líbios também pediram renúncia ou, ao menos, teceram duras críticas à repressão. Além disso, o Conselho de Segurança das Nações Unidas fez reuniões emergenciais, nas quais responsabilizou Kadafi pelas mortes e indicou que a chacina na Líbia pode configurar um crime contra a humanidade.
(FONTE:Isto É)
Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes
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“REVOLUÇÃO ÁRABE” ANUNCIA NOVAS TRAGÉDIAS
A grande incógnita é saber qual força política vai
liderar o processo de mudanças, se grupos nacionalistas ou islâmicos.
Por José Arbex Jr.
A revolução árabe” começou a ser deflagrada em 17 de dezembro, por um singular mas trágico incidente: Mohammed Bouazizi, 25 anos, vendedor ambulante de hortaliças, ao ter as suas mercadorias apreendidas pela polícia (cena, aliás, bastante comum em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais brasileiras), foi levado ao desespero e imolou-se em fogo, na localidade de Sidi Buzid (perto de Túnis). O auto sacrifício incendiou o país: manifestações de revolta na capital, cidades e vilarejos derrubaram o ditador Zine Ben Ali (no poder desde novembro de 1987), expulso finalmente da Tunísia em 14 de janeiro. Foi o sinal para que grandiosas manifestações eclodissem sem aviso na Argélia, na Jordânia, no Iêmen e, sobretudo, no Egito. Centenas de milhares de jovens, trabalhadores e trabalhadoras, donas de casa, intelectuais, artistas e pequenos comerciantes saíram às ruas contra odiosas ditaduras e monarquias. Em 1 de fevereiro, no Cairo, Alexandria e outras cidades, pelo menos 1 milhão exigiram a renúncia imediata de Hosni Mubarak, há três décadas um servo fiel das determinações da Casa Branca. O espectro da revolta sacode o Oriente Médio e o norte da África e cria imensas indagações sobre os novos cenários geopolítico, econômico e financeiro do mundo contemporâneo.
À primeira vista, o grandioso tsunami árabe é inexplicável. Assume a aparência de um evento fortuito, que tenderá a desaparecer com a mesma rapidez com que eclodiu. Nada poderia ser mais equivocado. Se o sacrifício de um jovem ambulante é capaz de incendiar uma região inteira do planeta, isso se deve a determinações profundas, inconscientes, muitas vezes invisíveis, mas que se combinam de forma explosiva e imprevisível em determinados momentos históricos. Ninguém controla ou domestica a história, diria grande revolucionária polonesa Rosa Luxemburgo, cujas análises sobre a Revolução Russa oferecem a chave para entender o que acontece hoje no Oriente Médio. Quem diria, até o final de novembro de 2001, que, em menos de quinze dias, uma multidão enfurecida, incluindo senhoras de classe média, muito bem vestidas, saquearia supermercados e bancos em Buenos Aires, e expulsaria os inquilinos eleitos da Casa Rosada? Ou
quem afirmaria, em outubro de 1989, que em 9 de novembro cairia o Muro de Berlim? Os manifestantes árabes, principalmente os jovens, não reclamam apenas reformas econômicas. Manifestam uma revolta incontrolável contra regimes que, durante décadas, oprimiram, torturaram, perseguiram, assassinaram os seus opositores, além de terem devotado uma submissão canina a um sistema imperialista que construiu um imenso edifício de preconceito, ódio e segregação ao mundo árabe e islâmico.
Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes
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Direitos Humanos, Oriente Médio
SOMOS TODOS EGÍPCIOS, SOMOS
TODOS IRANIANOS, SOMOS…
Fogo e Sangue em Teerã - foto Efe
Como de hábito, devemos reagir com solidariedade e ansiedade (paternal,
no meu caso) quando multidões de jovens saem às ruas pedindo
democracia e o fim de ditaduras odiosas. No relativismo das coisas, Hosni
Mubarak era um ditador suave, um opressor de segunda classe na sua categoria de gente. O desfecho até agora (sic) no Egito foi relativamente
pacífico (cerca de 300 mortos) e existem promessas de uma transição
democrática. Somente para ficar nas vizinhanças, há ditadores não apenas
piores, mas que também não vacilariam em massacrar em escala pavorosa. Nem estamos falando o que poderiam fazer os chineses com
um desafio frontal. Nunca se esqueçam da Praça da Paz Celestial, em
Pequim, em junho de 1989.
Mubarak era moderado e pró-ocidental. Uma das formas de entender
este atributo é que suas barbaridades eram circunscritas. O octogenário
autocrata era monitorado pelos americanos. Hipocrisia ocidental tem
estas vantagens, embora, é verdade, nem sempre tenha funcionado com alguns aliados. Mas funcionou no Egito, onde também houve o fator
crucial do cálculo do Exército de não massacrar os manifestantes diante
dos olhos do mundo. E o que vem pela frente no resto da região, em
países em que a imprensa livre nem pode acompanhar a repressão, como no Irã?
A Tunísia do destronado ditador Ben Ali inspirou o Egito e o Egito reinspirou os jovens do Movimento Verde no Irã. Eles voltaram às ruas de
Teerã e outras cidades iranianas esta semana, numa mobilização acima
das expectativas, a maior desde que o regime do aiatolá Khamenei e do
presidente Mahmoud Ahmadinejad esmagou os protestos contra as eleições fraudulentas de junho de 2009. Desta vez, os protestos não são
apenas contra a fraude eleitoral, mas a fraude que é a ditadura deste
aiatolá. Sayed Ali Khamenei é alvo direto dos protestos. Bacana escutar o
slogan rimado “Ben Ali, Mubarak, agora é sua vez, Sayed Ali”. O Egito de Mubarak tinha um Parlamento-fantoche, o do Irã de Khamenei tem
deputados bandoleiros pedindo a execução dos dois principais líderes de
oposição.
De volta às ruas. Os manifestantes egípcios ensinaram uma lição: é
preciso ocupar o espaço físico, a praça. Não é possível voltar para casa.
Protesto para derrubar uma ditadura não tem horário comercial. Mas os opressores iranianos também aprenderam lições: não é possível deixar os
manifestantes ocuparem a praça. Os ativistas iranianos tomaram nota e
seus manuais de agitação agora recomendam mobilizações ágeis e
esparsas antes de tentar chegar numa praça. E aqui repito os sentimentos de solidariedade e ansiedade. A revolta no Irã poderá ser muito sangrenta
se persistir. Evidentemente, não vou prever se a ditadura iraniana poderá
cair em 18 dias (como no Egito), 18 semanas ou 18 meses (espero que não
leve 18 anos).
O objetivo imediato dos manifestantes foi alcançado: após 14 meses de
silêncio, a oposição mostrou que está viva e desmascarou a farsa orwelliana do regime Khamenei-Ahmadinejad, que saudou a queda de
Mubarak como um “despertar islâmico” e um brado de liberdade. O
regime de Teerã obviamente nega a seu povo esta liberdade e os
manifestantes no Irã querem apressar o crepúsculo desta ditadura islâmica.
Em contraste a 2009, quando o governo Obama foi reticente para
encorajar os protestos contra o regime dos aiatolás, desta vez existe uma postura mais incisiva. Vale lembrar que o apoio ocidental a manifestantes
iranianos pode ser contraprodutivo diante da propaganda do regime
islâmico de que o “grande Satã” e seus “aliados sionistas” estão
fomentando a rebelião. Mas depois dos acontecimentos na Tunísia e Egito, onde caíram regimes pró-ocidentais, seria esquisito americanos e
ocidentais não denunciarem com determinação o que está acontecendo
no Irã e não deixarem claro a hipocrisia de Khamenei e Ahmadinejad.
Mas, de volta às ansiedades. Você estimula protestos contra uma ditadura
odiosa e se os manifestantes são massacrados? Na insurreição
anticomunista de Budapeste, em 1956, os ocidentais deixaram na mão os
manifestantes, que tinham escutado palavras de encorajamento (eram tempos do rádio e não Internet). Há 20 anos, o governo do primeiro
presidente Bush estimulou e depois se distanciou da sublevação contra a
ditadura de Saddam Hussein.
Mas a história dá umas voltas curiosas. Saddam Hussein era um ditador
que não vacilava em matar os cidadãos do seu país em larga escala para
ficar no poder. Justo perguntar se os xiitas e os curdos se livrariam do genocídio sem a intervenção militar americana do segundo presidente
Bush? Talvez apenas sofrendo um genocídio. Não dá para comparar o
custo humano da ocupação americana com o que Saddam fez com o seu
povo na era anterior. Foi muito pior.
Eu adoraria se esta teoria do dominó (de ditaduras caindo lá no Oriente
Médio) funcionasse com um ditador como Bashar Assad, na Síria. Está aí
um regime ainda mais tenebroso do que o de Mubarak. Nao é cliente americano, mas é secular. Basta ver o que fez o papai Hafez, de quem
Bashar herdou o poder. Um dos maiores crimes contra a humanidade
praticados no Oriente Médio moderno aconteceu em 1982 quando o
regime Assad esmagou uma rebelião na cidade de Hama. Morreram entre 10 mil e 25 mil pessoas, inclusive mulheres e crianças. Os rebeldes não
eram jovens bacanas, ao estilo destes do Cairo ou Teerã. A rebelião era
obra da filial síria da Irmandade Muçulmana, que há 30 anos não fingia
tanta moderação, como agora no Egito.
E aqui temos outra dilema de solidariedade. Revoltas contra tiranias
podem acabar com um belo final, em um fracasso sangrento ou em uma
outra tirania.
(Fonte: VEJA)
Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes
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Redes Sociais
O TWITTER SÓ NÃO FAZ
REVOLUÇÃO. MAS
AJUDA
Uso de redes sociais, blogs e celulares em
levantes populares como os ocorridos no
Egito e Tunísia mostra que essas tecnologias
podem ajudar a coordenar manifestações
contra ditaduras, avessas à liberdade de
informação Jadyr Pavão Júnior e Rafael Sbarai
Manifestantes utilizam telefone celular durante protestos na Tunísia (Fred
Dufour/AFP)
Nas últimas semanas, o mundo assistiu apreensivo e esperançoso ao sopro de inconformismo que fez balançarem duas ditaduras velhas de
décadas. É uma situação tão rara no mundo árabe quanto a passagem do
cometa Halley pela vizinhança da Terra. A soma de insatisfações –
incluindo a ausência de liberdade de expressão – fez com que milhares de pessoas marchassem em protesto pelas ruas de Egito e Tunísia, de onde o
ditador Zein al-Abidine Ben Ali foi catapultado. Nos dois casos,
manifestantes contaram com a ajuda, em graus a serem precisados, de
componentes cada vez mais comuns em situações desse tipo: a internet e o telefone celular. Na Tunísia, ativistas utilizaram Twitter e Facebook para
organizar protestos. No Egito, blogs e também as redes sociais. Os
episódios reaquecem o debate sobre qual é, afinal, o potencial dessas
tecnologias quando o assunto é ativismo político, e opõem dois grupos de analistas: os "ciber-utópicos", que acham que blogs e celulares tudo
podem, e os "ciber-céticos", que pensam o oposto. Vale adiantar: como é
de sua natureza, os radicais radicalizam, e o potencial do ativismo via
tecnologia está em um ponto entre os extremos.
A turma dos ciber-utópicos fez seu début em junho de 2009, depois que
os iranianos saíram às ruas para protestar contra a eleição fraudulenta
que reconduziu Mahmoud Ahmadinejad à presidência do país controlado pela ditadura dos aiatolás. O assunto foi o mais comentado do ano no
Twitter, superando até a morte do astro pop Michael Jackson, o que levou
os utópicos a cunhar a expressão "Revolução do Twitter" e a apostar que
essa ferramenta seria responsável por revoluções. O trecho de um
editorial do respeitado jornal americano Washington Post captou o clima
(otimista) da época: "O imediatismo dos tweets foi emocionante, com um fluxo de atualizações com fotos e vídeos que mostrou um retrato de crise
no país. O que estamos vendo é a chama tremulante da liberdade." Um
assessor do ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush chegou a
sugerir que o Twitter fosse indicado ao prêmio Nobel da Paz pelo papel na crise. O governo de Teerã, contudo, não caiu: reprimiu os protestos e
bloqueou serviços de internet. O episódio deixou a impressão de que a
turma dos ciber-utópicos sobrecarregara de expectativas as asas do
Twitter, fazendo do microblog a panaceia antiditaduras.
A resposta dos ciber-céticos veio na mesma intensidade, em sentido
oposto. O primeiro contra-ataque foi comandado pelo pesquisador iraniano Hamid Tehrani, que tentou colocar os fatos ocorridos no Irã em
sua real dimensão. "Houve uma sobrevalorização do Twitter. O país
contou com menos de 1.000 usuários ativos. O maior volume de
informações propagadas no microblog veio do Ocidente, de pessoas que não estavam no local. Quando alguém comentou que havia 700.000
pessoas protestando em frente a uma mesquita, descobriu-se que apenas
cerca de 7.000 pessoas compareceram", escreveu.
Se os ciber-utópicos haviam jogado a internet e o celular nas alturas,
coube ao jornalista e escritor canadense Malcolm Gladwell colocá-los
abaixo do chão, em artigo publicado pela revista New Yorker e entitulado
"A revolução não será tuitada". O americano se apoiou em duas teorias clássicas. A primeira defende que o "ativismo de alto risco", aquele em
que o indivíduo coloca a própria vida em risco, só é possível quando os
participantes mantêm vínculos pessoais fortes – ou seja, depende de tête-
à-tête. As redes seriam o inverso disso e só possibilitam vínculos frouxos – daí, a facilidade com que, sentadas na praia, com o notebook no colo,
tantas pessoas aderem a abaixo-assinados em favor da independência do
Tibete. Além disso, diz Gladwell, as redes, por natureza, conferem a todos
os integrantes igual poder e nenhuma hierarquia – e organização e liderança são fundamentais ao ativismo político, prova a história.
Levante a levante, contudo, os argumentos dos ciber-céticos são
enfraquecidos pela realidade. Ditaduras como Bielorrússia, Moldávia e Tailândia, além de Egito e Tunísia, já conheceram o impacto que a
tecnologia pode emprestar à oposição. No caso da Tunísia, universitários
lançaram mão de Twitter e Facebook para organizar protestos. O estopim
foi a morte de Mohamed Bouazizi, vendedor ambulante que teve sua mercadoria apreendida pela polícia e, desesperado, ateou fogo ao próprio
corpo na pequena cidade de Sidi Bouzid. A população local protestou.
Para atrair simpatizantes, ativistas compartilharam com concidadãos, via
rede, documentos vazados pelo site WikiLeaks que mostravam casos de corrupção no governo. Um dado eloquente: um em cada cinco tunisianos
está cadastrado no Facebook. Ou seja: ao contrário do Irã, não há razão
para duvidar da informação de que a população teve acesso à agitação
virtual.
O fato de os céticos estarem errados significa, necessariamente, que os
utópicos estão certos? Não. No caso da Tunísia, o movimento antigoverno de fato contou com ajuda das redes. Mas, ao chegar às ruas, ganhou sua
própria dinâmica, atingindo a capital, Tunis, e só derrubou o ditador Ben
Ali após quase um mês de pancadaria no "mundo real". "É questionável a
tese de que as redes já têm um papel determinante em uma revolução", afirma o espanhol Enrique Dans, professor de sistemas de informação da
IE Business School. "Mas é fato que elas atuam na coordenação de
informações e, assim, assumem relevância nessas situações." Não por
acaso, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, defende que a liberdade de informação, em geral, e o acesso à internet, em particular,
são elementos definidores do destino de cidadãos de todo o mundo –
especialmente daqueles que vivem sob o jugo de ditaduras.
Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes
Outro defensor da ideia de que blogs, redes e afins podem atuar como
propagadores de informação, Clay Shirky, professor de novas mídias da
Universidade de Nova York, aposta que essas ferramentas podem provocar não apenas vendavais contra ditaduras, mas também brisas para
democracias. O caso exemplar seria a eleição espanhola que se seguiu aos
atentados terroristas de 2004. No dia 11 de março, bombas explodiram
em trens de Madri, matando cerca de 200 pessoas. O então primeiro-ministro José María Aznar veio a público e atribuiu a ação ao grupo
separatista basco ETA, que há décadas desafia Madri. Alguém desconfiou
da versão. Segundo Shirky, o torpedo contra Aznar partiu de uma
mensagem de texto (SMS) que circulou inicialmente entre cinco pessoas e dizia que, com a história, Aznar fazia um cálculo político. A poucos dias da
eleição, ele tentava desviar a atenção pública da real mandante dos
ataques, a Al Qaeda, que se voltara contra a Espanha porque o país
participava militarmente da ocupação do Iraque. A mensagem teria sido replicada à exaustão entre eleitores. No dia 14 de março, José Luis
Rodriguez Zapatero, que até então não era favorito na eleição, saiu
vitorioso das urnas. A Espanha iniciou a retirada do Iraque naquele
mesmo ano.
Ditadores nas redes – A força da tecnologia não foi percebida apenas
pelos opositores e democratas. Ditadores a conhecem. Às vezes, eles tentam usá-la em benefício próprio. Outras, esmagá-la. Nesta semana, os
serviços de internet e telefonia móvel foram suspensos no Egito, horas
antes de uma manifestação de opositores prevista para acontecer em
várias cidades do país. Foi a expressão do que o ministro egípcio do Interior, Habib al Adly, definira como "medidas drásticas e decisivas" para
conter os protestos. Às vésperas de cair, o ditador tunisiano teria tentado
impor o mesmo tipo de controle sobre as comunicações - tardiamente,
contudo. Teerã levou o bloqueio de serviços a cabo em 2009. Ahmadinejad mostrou também seu lado ardiloso: determinou o
desbloqueio do Facebook por um período determinado com o objetivo de
identificar dissidentes. Recentemente, um tribunal do país condenou
Hossein Derakhshan, um dos primeiros blogueiros locais, a mais de 19 anos de prisão por "cooperação com países hostis, propaganda política e
insulto a figuras religiosas". Derakhshan ficou conhecido por publicar na
rede instruções sobre como iniciar um blog no idioma farsi, dando início à
explosão de blogs na língua oficial do Irã.
Em outros casos, os governos promovem contra-ataques pelas redes.
Fazem perceber que permanece atual o famoso alerta do político
americano Hiram Johnson, segundo o qual, na guerra (ainda que virtual), a verdade é a primeira vítima. Na Moldávia, em 2009, funcionários do
governo criaram perfis falsos no Twitter com a missão de espalhar boatos
e provocar instabilidade no país. O objetivo era justificar medidas de força
por parte do governo comunista. "O fato de que há governos ditatoriais tentando cercear a liberdade de expressão da população demonstra que
as plataformas digitais têm sua importância no embate político", avalia
Adriana Amaral, professora do programa de pós-graduação em ciências da
comunicação na Unisinos. A revolução pode não ser tuitada, como previu Malcolm Gladwell, no sentido de que um Twitter só não faz a revolução.
Mas as que acontecerem no século XXI, é certo, passarão pelo Twitter e
similares.
(FONTE: VEJA)
Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes