Vários mundo árabe

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Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE Disciplina Atualidades Professora Fernanda Brum Lopes 1 SURPRESA: A TUNÍSIA ERA UMA DITADURA Quando eu ingressei como redator na editoria de assuntos internacionais da Folha de S.Paulo, um colega veterano me ensinou como se fazia para definir quais, entre as centenas de notícias que recebíamos diariamente, seriam merecedoras de destaque no jornal do dia seguinte. "É só olhar os telegramas das agências e ver o que elas acham mais importante", sentenciou. Pragmático, ele adotava esse método como um meio seguro de evitar que o noticiário da Folha destoasse dos jornais concorrentes, os quais, por sua vez, se comportavam do mesmo modo. Na realidade, portanto, quem pautava a cobertura internacional da imprensa brasileira era um restrito grupo de três agência noticiosas -- Reuters, Associated Press e United Press International, todas afinadíssimas com as prioridades geopolíticas dos Estados Unidos. Passadas mais de duas décadas, a cobertura internacional da mídia brasileira ainda se orienta por diretrizes estrangeiras. A única diferença é que agora as agências enfrentam a competição de outros fornecedores de informação, como a CNN e os serviços de empresas como a BBC e o New York Times, oferecidos pela internet. Mas o conteúdo é o mesmo. O resultado é que as informações internacionais que circulam pelo planeta, reproduzidas com mínimas variações em todos os continentes, são quase sempre aquelas que correspondem aos interesses de Washingon. Quem confia nessa agenda está condenado uma visão parcial e distorcida, uma ignorância que só se revela quando ocorrem "surpresas" como a rebelião popular que derrubou o governo da Tunísia. De repente, o mundo tomou conhecimento de que a Tunísia -- um país totalmente integrado à ordem neoliberal e um dos destinos favoritos dos turistas europeus -- era governada há 23 anos por um ditador corrupto, odiado pelo seu povo. Como é que ninguém sabia disso? A mídia silenciou sobre o despotismo na Tunísia porque se tratava de um regime servil aos interesses políticos e econômicos dos EUA. O ditador Ben Ali nunca foi repreendido por violações aos direitos humanos e, mesmo quando ordenou que suas forças repressivas abrissem fogo contra manifestantes desarmados, matando dezenas de jovens, o presidente estadunidense Barack Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, permaneceram em silêncio. Não abriram a boca nem mesmo para tentar conter o massacre. Só se manifestaram depois que Ben Ali fugiu do país, como um rato, carregando na bagagem mais de uma tonelada de ouro. Mohamed Bouazizi ateou fogo em si mesmo na cidade de Sidi Bouzid (centro do país) quando policiais impediram que ele vendesse vegetais em uma banca de rua sem permissão. O caso da Tunísia não é o único na região. No vizinho Egito, outro regime vassalo dos EUA, Hosni Mubarak governa ditatorialmente desde 1981. Suas prisões estão lotadas de opositores políticos e as eleições ocorrem em meio à fraude e à violência, o que garante ao governo quase todas as cadeiras parlamentares. Mas o que importa, para o "Ocidente", é o apoio da ditadura egípcia às posições estadunidenses no Oriente Médio, em especial sua conivência com o expansionismo israelense. Por isso, a ausência de democracia em países como a Tunísia e o Egito nunca recebe a atenção da mídia convencional, ao contrário da condenação sistemática de regimes autoritários não-alinhados com os EUA, como o Irã e o Zimbábue. É sempre assim: dois pesos, duas medidas. *Artigo publicado originalmente no Brasil de Fato . Igor Fuser é jornalista, doutorando em Ciência Política na USP, professor na Faculdade Cásper Líbero e membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato.

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Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes

1 SURPRESA: A TUNÍSIA ERA UMA DITADURA

Quando eu ingressei como redator na editoria de assuntos internacionais da Folha de S.Paulo, um colega veterano me ensinou como se fazia para definir quais, entre as centenas de notícias que recebíamos diariamente, seriam merecedoras de destaque no jornal do dia seguinte. "É só olhar os telegramas das agências e ver o que elas acham mais importante", sentenciou. Pragmático, ele adotava esse método como um meio seguro de evitar que o noticiário da Folha destoasse dos jornais concorrentes, os quais, por sua vez, se comportavam do mesmo modo. Na realidade, portanto, quem pautava a cobertura internacional da imprensa brasileira era um restrito grupo de três agência noticiosas -- Reuters, Associated Press e United Press International, todas afinadíssimas com as prioridades geopolíticas dos Estados Unidos.

Passadas mais de duas décadas, a cobertura internacional da mídia brasileira ainda se orienta por diretrizes estrangeiras. A única diferença é que agora as agências enfrentam a competição de outros fornecedores de informação, como a CNN e os serviços de empresas como a BBC e o New York Times, oferecidos pela internet. Mas o conteúdo é o mesmo. O resultado é que as informações internacionais que circulam pelo planeta, reproduzidas com mínimas variações em todos os continentes, são quase sempre aquelas que correspondem aos interesses de Washingon.

Quem confia nessa agenda está condenado uma visão parcial e distorcida, uma ignorância que só se revela quando ocorrem "surpresas" como a rebelião popular que derrubou o governo da Tunísia. De repente, o mundo tomou conhecimento de que a Tunísia -- um país totalmente integrado à ordem neoliberal e um dos destinos favoritos dos turistas europeus -- era governada há 23 anos por um ditador corrupto, odiado pelo seu povo. Como é que ninguém sabia disso?

A mídia silenciou sobre o despotismo na Tunísia porque se tratava de um regime servil aos interesses políticos e econômicos dos EUA. O ditador Ben Ali nunca foi repreendido por violações aos direitos humanos e, mesmo quando ordenou que suas forças repressivas abrissem fogo

contra manifestantes desarmados, matando dezenas de jovens, o presidente estadunidense Barack Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, permaneceram em silêncio. Não abriram a boca nem mesmo para tentar conter o massacre. Só se manifestaram depois que Ben Ali fugiu do país, como um rato, carregando na bagagem mais de uma tonelada de ouro. Mohamed Bouazizi ateou fogo em si mesmo na cidade de Sidi Bouzid (centro do país) quando policiais impediram que ele vendesse vegetais em uma banca de rua sem permissão.

O caso da Tunísia não é o único na região. No vizinho Egito, outro regime vassalo dos EUA, Hosni Mubarak governa ditatorialmente desde 1981. Suas prisões estão lotadas de opositores políticos e as eleições ocorrem em meio à fraude e à violência, o que garante ao governo quase todas as cadeiras parlamentares. Mas o que importa, para o "Ocidente", é o apoio da ditadura egípcia às posições estadunidenses no Oriente Médio, em especial sua conivência com o expansionismo israelense.

Por isso, a ausência de democracia em países como a Tunísia e o Egito nunca recebe a atenção da mídia convencional, ao contrário da condenação sistemática de regimes autoritários não-alinhados com os EUA, como o Irã e o Zimbábue. É sempre assim: dois pesos, duas medidas.

*Artigo publicado originalmente no Brasil de Fato. Igor Fuser é jornalista, doutorando em

Ciência Política na USP, professor na Faculdade Cásper Líbero e membro do Conselho Editorial

do Brasil de Fato.

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UMA PALAVRINHA SOBRE AS

LUTAS NO MUNDO ÁRABE

Hesitei um pouco em escrever sobre o que ocorre hoje no mundo árabe. Tudo é muito distante de nós e as informações precisam ser muito bem checadas para não dizermos besteiras. Mas há coisas que são gritantes. Mais do que nunca o estudo feito por Chomsky há décadas se faz absurdamente real. É incrível como a mídia, de repente, descobriu que havia ditadores no mundo árabe. Do nada, essa palavra começa a pipocar em todos os jornais e revistas. Até então, para os meios de comunicação, ditador mesmo era só o Fidel, em Cuba. No geral, lá para as bandas do mundo árabe, eram todos amigos dos Estados Unidos e como lembra Chomsky, quando são os “amigos” os que cometem crimes, o tom das denúncias muda de figura. Gente ruim era a turma dos palestinos, dada a violência gratuita. Mas os homens do poder dos países árabes “amigos” eram tudo gente boa, democrática, que ofereciam vida farta ao seu povo. Quem nunca viu na “vênus platinada” os documentários sobre a Arábia Saudita ou Dubai? Só belezas! Kadafi, por outro lado, sempre foi mostrado como um “terrorista”, a exemplo do velho Arafat. É que eles não estavam alinhados ao governo estadunidense, logo, todas as suas sujeiras sempre receberam muita luz. Como já disse, Chomsky mostrou isso muito bem no seu livro “Os guardiões da liberdade”.

Agora, diante das mobilizações populares que questionaram vários destes governos sustentados há décadas pelo poder estadunidense, nas tramóias da ganância sobre o petróleo, a mídia começa a falar das sujeiras. Mas tudo muito rapidamente. A luz vai sendo colocada nas mobilizações e nas medidas imediatas que são tomadas para barrar os “banhos de sangue”. Diante dos fatos, o que mais se vê é o que diz o presidente dos Estados Unidos. “Obama exige que Mubarak renuncie”. Mas ora vá, que tem Obama a ver com isso? A Globo não explica muito bem. Por que motivo o presidente de uma nação vem querer cantar de galo em outra? Quais as ligações que unem esses seres?

Agora, a bola da vez é o Kadafi. Um homem que na década de 60 ousou falar de nacionalismo árabe, que afrontou os Estados Unidos e que deu outra dinâmica para a vida naquele espaço geográfico. Um homem que não se propôs a fazer na Líbia o socialismo sonhado por boa parte da esquerda, mas que tentou comandar seu país dentro da lógica da sua cultura e do seu desejo de ser livre. Outra dinâmica, muitas vezes incognoscível para nós, da cultura ocidental. Nos dias atuais, fala-se das suas excessivas ligações com países europeus e com multinacionais. Estava lá ele tentando manter seu país no jogo dos negócios mundiais. Coisa para analisarmos com mais cuidado.

Pois diante dos protestos que ocorrem agora em todo o país, no rastro de pólvora iniciado pelo povo tunisiano, Kadafi se vê ameaçado de invasão por tropas da Otan. E quem foi que deu essa idéia brilhante? Obama! De novo, o presidente de um país que invadiu o Iraque e matou quase sete milhões de pessoas, grande parte civis. Por que a mídia nunca reagiu com tanta veemência diante dos crimes dos EUA? Por que as gentes do Iraque não merecem o mesmo respeito que estão tendo agora o povo da Tunísia, do Egito, do Baheim? Em que o povo que luta desesperadamente pela liberdade no Iraque é diferente? Por que não vemos a mesma indignação nos olhos dos âncoras da TV quando os palestinos são massacrados diariamente? Por que as

tropas da Otan não param Israel? Que interesses estão em jogo neste tabuleiro árabe? Creio que mesmo com as poucas informações que temos pode-se fazer uma análise mínima. E a esquerda? Bem lembra Carlos Terán que a esquerda mais ortodoxa sempre se negou a ver como processo revolucionário o que aconteceu na Venezuela, na Bolívia. Por que agora esse povo se põe a saudar como “revolução, revolução” o que ocorre no mundo árabe? Sendo que, no geral, na verdade, praticamente nada está mudando, a não ser o nome dos governantes. Os projetos seguem sendo os mesmos.

Correndo o risco de ter de prestar contas à história eu me dou ao direito de observar melhor, com mais calma, estudando mais o modo de ser do mundo árabe, que é muito diferente do nosso. Mas sem nunca deixar de fazer as perguntas que precisam ser feitas. Nos anos 70 estive bastante ligada às propostas que vinham da Líbia, da Palestina, apoiando a luta daqueles que se levantavam para garantir soberania e outra forma de organizar a vida. Hoje, vejo com tristeza o desmonte de mais um reduto de resistência ao império estadunidense. Não tenho medo de usar a palavra revolução. Mas, espero que seja de fato, um processo de mudança o que está em curso.

A famosa democracia, tão proclamada pelos Estados Unidos quando é para fazer com que as coisas sejam do seu jeito, não é modelo para ninguém. Vide Afeganistão e Iraque, onde as tropas estadunidenses implantaram a “democracia”. Votar a cada quatro anos tampouco é democracia. Essa palavra tão desgastada pede adjetivos e pede participação real dos povos. Derrubar um homem é coisa possível. Derrubar um jeito de organizar a vida é outra coisa. Até agora, as lutas populares que estiveram em alta no mundo árabe derrubaram pessoas. O sistema se mantém incólume. O que espero, com profunda reverência revolucionária, é que esta mesma gente seja capaz de mudar as estruturas. De garantir a participação real e cotidiana, de criar o novo. Aí sim, temos revolução!

Elaine Tavares é jornalista (Brasil de fato)

“Os rumores sobre mim são falsos.

Não nasci numa manjedoura.

Na verdade, eu nasci em Krypton

E fui enviado para salvar o planeta

Terra.” Barack Obama -

2008

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3 LIÇÕES DAS MULTIDÕES ÁRABES

Emiliano José 10 de março de 2011 às

10:39h

Quando tínhamos todas as respostas, mudaram as perguntas. A frase foi recolhida de um muro de Quito por Eduardo Galeano, e está em seu saboroso Palavras Andantes, e tem o condão de nos colocar diante do mundo de hoje, do atual mundo, atualíssimo mundo, e suas revoluções. Tínhamos, queríamos ter, todas as respostas, especialmente nós, de esquerda, acostumados a alguma regras que os manuais nos ensinavam, e que agora vão sendo subvertidas pela realidade, dura e maravilhosa realidade dos povos em luta. As multidões não leram os nossos manuais. E as nossas regras, coitadas, tão perfeitas, perderam atualidade. Ou não? Quem sabe… A direita, também, e mais do que nós da esquerda, anda tonta. Desde que Fukuyama andou falando besteiras em tempo de sucesso do neoliberalismo. Se é verdade que a história não caminha para nenhum fim predeterminado e glorioso, como imaginávamos nós em tempos não tão remotos, também é absolutamente verdadeiro que a história não terminou, como imaginou Fukuyama no seu delírio e prostração diante do deus mercado. As insurreições dos países árabes revelam não apenas o admirável mundo novo das novas tecnologias, mas a vontade política das multidões a sacudir as nações, subverter ordens, suscitar novas perguntas, desafiar o pensamento revolucionário e democrático da humanidade. No pensamento ocidental, havia quase que uma sacralização da ordem árabe, de suas estruturas autoritárias, como se nada pudesse perturbá-la ou como se uma eventual perturbação político-social nunca pudesse ultrapassar a lógica interna de suas culturas, como se a democracia não pudesse contaminar aquele mundo. Entre nós havia até uma aceitação quase passiva de práticas profundamente desumanas e contrárias aos direitos humanos mais elementares, e cito o tratamento dado às mulheres. Não tenho ilusões sobre mudanças súbitas na concepção de vida árabe, porque as coisas nunca se dão assim. A cultura é bela e é resistente. Mas, as revoluções árabes nos permitem dizer com tranqüilidade que nada será como antes. No mundo árabe e no restante do mundo. É provável que alguns dos nossos à esquerda queiram refletir sobre a espontaneidade dos movimentos árabes e sobre as dúvidas que cercam o futuro. Já houve quem o fizesse. O essencial, no entanto, é que tais movimentos, e salve, salve a espontaneidade das multidões, revelam a sede profunda de democracia e de liberdade que se espraia pelo mundo. E essa sede é derivada não de uma conspiração proveniente dos centros hegemônicos do mundo, menos ainda dos EUA, que estavam afinados com muitos dos regimes árabes que caíram ou que estão claudicando neste momento. Não se trata apenas de reivindicações em torno de uma democracia formal. Não se trata apenas de eleições livres, embora elas sejam fundamentais. O que está em jogo nessa movimentação, que não é apenas árabe, é um desejo muito mais profundo de participação dos povos no destino de suas nações e

no destino do mundo. De um jeito ou de outro, os rios correm para o mar. De um jeito ou de outro, os povos do mundo, de modo particular os pobres do mundo, estão percebendo que o mundo só tem salvação por eles mesmos. Um olhar profundo e generoso sobre a humanidade só pode vir deles. É este o significado que deve ser acolhido não apenas pelos árabes, mas por todos os que imaginem uma Terra mais justa, mais acolhedora, mais respeitadora dos direitos humanos. Mais globalizada para todos. Não se queira tolher participações populares. É inútil. Há uma torrente globalizada, de uma sociedade em rede, de pobres que se articulam, de multidões que não se conformam mais em ficar à margem do destino do território onde vivem, em ficar à margem da história. Não se trata de uma profecia. Nem deve assustar ninguém. Trata-se de saudar esse novo momento na história, recolher os ares e lições desse novo admirável mundo novo, e compreender que a democracia não pode ser apenas a democracia de eleições. Tem que ser muito mais. Tem que admitir a participação direta dos povos. E com urgência. As labaredas árabes estão a nos ensinar. Ninguém pode dizer que não foi avisado. No caso brasileiro, é verdade aquilo que o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, Leonardo Avritzer, disse à CartaCapital de 2/3/2011, sobre o fato de a sociedade civil não ser nem tão apática quanto se supõe, nem tão alijada como se imagina. Sem dúvida alguma, como ele diz, tem aumentado a influência da sociedade civil na elaboração das políticas públicas. Cresceu a participação dos conselhos. Não há uma sociedade amorfa, como querem alguns desesperançados na política. E a participação da sociedade civil tende a crescer, o protagonismo do povo tende a se acentuar. As multidões se movimentam. No mundo e no Brasil. As lições do Oriente estão quentes. Os que governam, os que estão no Legislativo, no Executivo, no Judiciário não devem perder isso de vista. Não podem se isolar em seus gabinetes. Têm de escutar o clamor das multidões, mesmo quando o barulho não seja tão grande. Escutar a voz das ruas é um conselho sábio, e que vem de tempos imemoriais. Ainda para recorrer à entrevista do professor Avritzer, não custaria, por exemplo, ao Judiciário permitir a participação da sociedade civil na sabatina dos juízes indicados ao Supremo e até outros mecanismos que garantissem uma participação mais decisiva do povo na organização do poder judiciário. A reforma política, ora em andamento no Congresso Nacional, deveria levar em conta com muito carinho a questão da participação popular, quem sabe aperfeiçoando e radicalizando aspectos da participação direta da população. Cada vez mais, é necessário encarar essa participação como um aspecto essencial da democracia contemporânea. Ela pode oxigenar a vida democrática, torná-la mais de acordo com os tempos que vivemos, nos quais o protagonismo do povo cresce, o papel das multidões torna-se cada vez mais decisivo. Ignorar isso é pecado mortal. É trabalhar contra a democracia, que não pode ser mais apenas e tão somente o regime de eleições formais, tal e qual nos acostumamos. É preciso dar outros passos. Para assegurar, usemos uma palavra da moda, a sustentabilidade democrática.

*jornalista, escritor, deputado federal. [email protected] www.emilianojose.com.br

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KADHAFI DISCURSA, CULPA AL-QAEDA

E AMEAÇA COMPANHIAS

PETROLEIRAS

Ditador prometeu combater "até o último homem e a

última mulher"

O dirigente líbio Muamar Kadhafi voltou a discursar nesta quarta-feira, durante uma cerimônia pública em Trípoli, quando negou que existam rebeliões em seu país, acusou a Al-Qaeda pelos distúrbios e descartou deixar o poder, uma vez que não possui "poder de verdade". Ele também ameaçou que haverá milhares de mortos em caso de intervenção estrangeira em seu país.

Mas pediu que a ONU envie uma missão de verificação a seu país e prometeu: "Combateremos até o último homem e a última mulher". Kadhafi afirmou que o objetivo da Al-Qaeda é controlar a terra da Líbia e seu petróleo. "Células adormecidas da Al-Qaeda, seus elementos, se infiltraram gradualmente... Eles acreditam que o mundo é deles, lutam em qualquer lugar, os serviços de inteligência os conhecem pelo nome", acusou o líder líbio a uma atenta audiência.

"Começou de repente na cidade de Al-Baida... As células adormecidas receberam ordens de atacar o batalhão... e roubaram as armas das delegacias", contou Kadhafi. "As mulheres fugiram... havia balas para todo lado. Foi a mesma situação em Benghazi", afirmou, referindo-se à cidade do leste sob controle das forças rebeldes. "Não há demonstrações pacíficas na Líbia. Se houvesse, por que os estrangeiros estão fugindo, as embaixadas estão fechando em Trípoli, funcionários de companhias petroleiras estão fugindo do deserto?", questionou.

A respeito da indústria do petróleo, afirmou que as companhias petroleiras estão amedrontadas e a produção parou. "A produção de petróleo está em seu menor nível", afirmou. "A conspiração se tornou clara", disse ainda. O líder líbio ameaçou substituir as companhias petroleiras ocidentais que operam em seu país por sociedades da Índia e China. "Morreremos todos para defender o petróleo, e aqueles que ameaçarem nosso petróleo devem compreender isso", afirmou em seu discurso em Trípoli. "Estamos dispostos a fazer vir companhias indianas ou chineas no lugar das

firmas ocidentais", acrescentou. Kadhafi também disse que a produção petroleira do país se encontra em seu nível mais baixo por causa da saída dos funcionários estrangeiros das companhias petroleiras depois do início da rebelião.

Kadhafi alegou ainda que o povo da cidade de Benghazi, que teve um papel-chave na rebelião, pediu ajuda ao governo para "se livrar das gangues". A cerimônia foi transmitida logo depois que os rebeldes informaram que haviam repelido um ataque das forças de Kadhafi na cidade de Brega na véspera, com testemunhas reportando dois civis mortos. O evento foi para marcar o aniversário do lançamento dos Comitês do Povo, de acordo com o locutor da TV estatal.

Lendo um texto preparado, o discurso Kadhafi foi várias vezes interrompido por aplausos dos partidários do dirigente. Kadhafi criticou as informações sobre as demissões de oficiais superiores de seu regime, incluindo chefes militares e embaixadores. "As renúncias lá fora, as declarações de dentro (da Líbia)... não acreditem nelas", afirmou. "No que diz respeito à Líbia... nada aconteceu... e é estranho que o mundo receba notícias de correspondentes e TVs que não estão presentes na Líbia. Eles não querem notícias verdadeiras da Líbia", enfatizou. "Não existem prisioneiros políticos na Líbia", acrescentou.

"Quando os Comitês do Povo determinam algo, se torna lei e é implementada para todos os líbios. Ninguém pode declarar guerra ou paz a menos que os Comitês do Povo assim decidam", afirmou ainda. "Muamar não tem poder de verdade para renunciar a ele".

Intervenção

Kadhafi pediu que a comunidade internacional que estabeleça uma comissão de verificação para confirmar se há mesmos mais de mil mortos nas mãos de suas forças. "Pedimos ao mundo, às Nações Unidas, que enviem uma equipe de verificação para investigar". Ele afirmou nesta quarta-feira que haverá milhares de mortos em caso de intervenção estrangeira em seu país.

(FONTE:Isto É)

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OCIDENTE CONSIDERA INTERVIR NA LÍBIA; EUA

ENVIAM TROPAS

O exército americano posiciona forças

navais e aéreas em torno do país

Do Portal Terra

O exército americano posiciona forças navais e aéreas em torno da Líbia, informou o Pentágono nesta segunda-feira, no momento em que potências ocidentais analisam a possibilidade de uma intervenção militar contra o regime do coronel Muammar Kadafi.

Segundo o porta-voz do Pentágono, coronel Dave Lapan, o exército americano está estudando "vários planos de contingência". "Como parte disso, estamos reposicionando forças, para que ofereçam essa flexibilidade uma vez que as decisões forem tomadas", declarou o porta-voz à imprensa.

A mobilização de "forças navais e aéreas" daria ao presidente americano Barack Obama um leque de possibilidades diante da crise, disse Lapan, sem especificar que navios ou aviões receberam a ordem de se reposicionar, nem que possíveis ações estariam sendo consideradas.

Depois da repressão da oposição pelas forças leais a Kadafi, os líderes europeus e americanos estão planejando impor uma zona de proteção aérea sobre a Líbia, para impedir que o líder líbio bombardeie seus inimigos.

Líbios enfrentam repressão e desafiam Kadafi Impulsionada pela derrocada dos presidentes da Tunísia e do Egito, a população da Líbia iniciou protestos contra o líder Muammar Kadafi, que comanda o país desde 1969. As manifestações começaram a tomar vulto no dia 17 de fevereiro, e, em poucos dias, ao menos a capital Trípoli e as cidades de Benghazi e Tobruk já haviam se tornado palco de confrontos entre manifestantes e o exército.

Os relatos vindos do país não são precisos, mas tudo leva a crer que a onda de protestos nas ruas líbias já é bem mais violenta do que as que derrubaram o tunisiano Ben Ali e o egípcio Mubarak. A população tem enfrentado uma dura repressão das forças armadas comandas por Kadafi. Há informações de que Força Aérea

líbia teria bombardeado grupos de manifestantes em Trípoli. Estima-se que centenas de pessoas, entre manifestantes e policiais, tenham morrido.

Além da repressão, o governo líbio reagiu através dos pronunciamentos de Saif al-Islam , filho de Kadafi, que foi à TV acusar os protestos de um complô para dividir a Líbia, e do próprio Kadafi, que, também pela televisão, esbravejou durante mais de uma hora, xingando os contestadores de suas quatro décadas de governo centralizado e ameaçando-os de morte.

Além do clamor das ruas, a pressão política também cresce contra o coronel Kadafi. Internamente, um ministro líbio renunciou e pediu que as Forças Armadas se unissem à população. Vários embaixadores líbios também pediram renúncia ou, ao menos, teceram duras críticas à repressão. Além disso, o Conselho de Segurança das Nações Unidas fez reuniões emergenciais, nas quais responsabilizou Kadafi pelas mortes e indicou que a chacina na Líbia pode configurar um crime contra a humanidade.

(FONTE:Isto É)

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“REVOLUÇÃO ÁRABE” ANUNCIA NOVAS TRAGÉDIAS

A grande incógnita é saber qual força política vai

liderar o processo de mudanças, se grupos nacionalistas ou islâmicos.

Por José Arbex Jr.

A revolução árabe” começou a ser deflagrada em 17 de dezembro, por um singular mas trágico incidente: Mohammed Bouazizi, 25 anos, vendedor ambulante de hortaliças, ao ter as suas mercadorias apreendidas pela polícia (cena, aliás, bastante comum em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais brasileiras), foi levado ao desespero e imolou-se em fogo, na localidade de Sidi Buzid (perto de Túnis). O auto sacrifício incendiou o país: manifestações de revolta na capital, cidades e vilarejos derrubaram o ditador Zine Ben Ali (no poder desde novembro de 1987), expulso finalmente da Tunísia em 14 de janeiro. Foi o sinal para que grandiosas manifestações eclodissem sem aviso na Argélia, na Jordânia, no Iêmen e, sobretudo, no Egito. Centenas de milhares de jovens, trabalhadores e trabalhadoras, donas de casa, intelectuais, artistas e pequenos comerciantes saíram às ruas contra odiosas ditaduras e monarquias. Em 1 de fevereiro, no Cairo, Alexandria e outras cidades, pelo menos 1 milhão exigiram a renúncia imediata de Hosni Mubarak, há três décadas um servo fiel das determinações da Casa Branca. O espectro da revolta sacode o Oriente Médio e o norte da África e cria imensas indagações sobre os novos cenários geopolítico, econômico e financeiro do mundo contemporâneo.

À primeira vista, o grandioso tsunami árabe é inexplicável. Assume a aparência de um evento fortuito, que tenderá a desaparecer com a mesma rapidez com que eclodiu. Nada poderia ser mais equivocado. Se o sacrifício de um jovem ambulante é capaz de incendiar uma região inteira do planeta, isso se deve a determinações profundas, inconscientes, muitas vezes invisíveis, mas que se combinam de forma explosiva e imprevisível em determinados momentos históricos. Ninguém controla ou domestica a história, diria grande revolucionária polonesa Rosa Luxemburgo, cujas análises sobre a Revolução Russa oferecem a chave para entender o que acontece hoje no Oriente Médio. Quem diria, até o final de novembro de 2001, que, em menos de quinze dias, uma multidão enfurecida, incluindo senhoras de classe média, muito bem vestidas, saquearia supermercados e bancos em Buenos Aires, e expulsaria os inquilinos eleitos da Casa Rosada? Ou

quem afirmaria, em outubro de 1989, que em 9 de novembro cairia o Muro de Berlim? Os manifestantes árabes, principalmente os jovens, não reclamam apenas reformas econômicas. Manifestam uma revolta incontrolável contra regimes que, durante décadas, oprimiram, torturaram, perseguiram, assassinaram os seus opositores, além de terem devotado uma submissão canina a um sistema imperialista que construiu um imenso edifício de preconceito, ódio e segregação ao mundo árabe e islâmico.

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Direitos Humanos, Oriente Médio

SOMOS TODOS EGÍPCIOS, SOMOS

TODOS IRANIANOS, SOMOS…

Fogo e Sangue em Teerã - foto Efe

Como de hábito, devemos reagir com solidariedade e ansiedade (paternal,

no meu caso) quando multidões de jovens saem às ruas pedindo

democracia e o fim de ditaduras odiosas. No relativismo das coisas, Hosni

Mubarak era um ditador suave, um opressor de segunda classe na sua categoria de gente. O desfecho até agora (sic) no Egito foi relativamente

pacífico (cerca de 300 mortos) e existem promessas de uma transição

democrática. Somente para ficar nas vizinhanças, há ditadores não apenas

piores, mas que também não vacilariam em massacrar em escala pavorosa. Nem estamos falando o que poderiam fazer os chineses com

um desafio frontal. Nunca se esqueçam da Praça da Paz Celestial, em

Pequim, em junho de 1989.

Mubarak era moderado e pró-ocidental. Uma das formas de entender

este atributo é que suas barbaridades eram circunscritas. O octogenário

autocrata era monitorado pelos americanos. Hipocrisia ocidental tem

estas vantagens, embora, é verdade, nem sempre tenha funcionado com alguns aliados. Mas funcionou no Egito, onde também houve o fator

crucial do cálculo do Exército de não massacrar os manifestantes diante

dos olhos do mundo. E o que vem pela frente no resto da região, em

países em que a imprensa livre nem pode acompanhar a repressão, como no Irã?

A Tunísia do destronado ditador Ben Ali inspirou o Egito e o Egito reinspirou os jovens do Movimento Verde no Irã. Eles voltaram às ruas de

Teerã e outras cidades iranianas esta semana, numa mobilização acima

das expectativas, a maior desde que o regime do aiatolá Khamenei e do

presidente Mahmoud Ahmadinejad esmagou os protestos contra as eleições fraudulentas de junho de 2009. Desta vez, os protestos não são

apenas contra a fraude eleitoral, mas a fraude que é a ditadura deste

aiatolá. Sayed Ali Khamenei é alvo direto dos protestos. Bacana escutar o

slogan rimado “Ben Ali, Mubarak, agora é sua vez, Sayed Ali”. O Egito de Mubarak tinha um Parlamento-fantoche, o do Irã de Khamenei tem

deputados bandoleiros pedindo a execução dos dois principais líderes de

oposição.

De volta às ruas. Os manifestantes egípcios ensinaram uma lição: é

preciso ocupar o espaço físico, a praça. Não é possível voltar para casa.

Protesto para derrubar uma ditadura não tem horário comercial. Mas os opressores iranianos também aprenderam lições: não é possível deixar os

manifestantes ocuparem a praça. Os ativistas iranianos tomaram nota e

seus manuais de agitação agora recomendam mobilizações ágeis e

esparsas antes de tentar chegar numa praça. E aqui repito os sentimentos de solidariedade e ansiedade. A revolta no Irã poderá ser muito sangrenta

se persistir. Evidentemente, não vou prever se a ditadura iraniana poderá

cair em 18 dias (como no Egito), 18 semanas ou 18 meses (espero que não

leve 18 anos).

O objetivo imediato dos manifestantes foi alcançado: após 14 meses de

silêncio, a oposição mostrou que está viva e desmascarou a farsa orwelliana do regime Khamenei-Ahmadinejad, que saudou a queda de

Mubarak como um “despertar islâmico” e um brado de liberdade. O

regime de Teerã obviamente nega a seu povo esta liberdade e os

manifestantes no Irã querem apressar o crepúsculo desta ditadura islâmica.

Em contraste a 2009, quando o governo Obama foi reticente para

encorajar os protestos contra o regime dos aiatolás, desta vez existe uma postura mais incisiva. Vale lembrar que o apoio ocidental a manifestantes

iranianos pode ser contraprodutivo diante da propaganda do regime

islâmico de que o “grande Satã” e seus “aliados sionistas” estão

fomentando a rebelião. Mas depois dos acontecimentos na Tunísia e Egito, onde caíram regimes pró-ocidentais, seria esquisito americanos e

ocidentais não denunciarem com determinação o que está acontecendo

no Irã e não deixarem claro a hipocrisia de Khamenei e Ahmadinejad.

Mas, de volta às ansiedades. Você estimula protestos contra uma ditadura

odiosa e se os manifestantes são massacrados? Na insurreição

anticomunista de Budapeste, em 1956, os ocidentais deixaram na mão os

manifestantes, que tinham escutado palavras de encorajamento (eram tempos do rádio e não Internet). Há 20 anos, o governo do primeiro

presidente Bush estimulou e depois se distanciou da sublevação contra a

ditadura de Saddam Hussein.

Mas a história dá umas voltas curiosas. Saddam Hussein era um ditador

que não vacilava em matar os cidadãos do seu país em larga escala para

ficar no poder. Justo perguntar se os xiitas e os curdos se livrariam do genocídio sem a intervenção militar americana do segundo presidente

Bush? Talvez apenas sofrendo um genocídio. Não dá para comparar o

custo humano da ocupação americana com o que Saddam fez com o seu

povo na era anterior. Foi muito pior.

Eu adoraria se esta teoria do dominó (de ditaduras caindo lá no Oriente

Médio) funcionasse com um ditador como Bashar Assad, na Síria. Está aí

um regime ainda mais tenebroso do que o de Mubarak. Nao é cliente americano, mas é secular. Basta ver o que fez o papai Hafez, de quem

Bashar herdou o poder. Um dos maiores crimes contra a humanidade

praticados no Oriente Médio moderno aconteceu em 1982 quando o

regime Assad esmagou uma rebelião na cidade de Hama. Morreram entre 10 mil e 25 mil pessoas, inclusive mulheres e crianças. Os rebeldes não

eram jovens bacanas, ao estilo destes do Cairo ou Teerã. A rebelião era

obra da filial síria da Irmandade Muçulmana, que há 30 anos não fingia

tanta moderação, como agora no Egito.

E aqui temos outra dilema de solidariedade. Revoltas contra tiranias

podem acabar com um belo final, em um fracasso sangrento ou em uma

outra tirania.

(Fonte: VEJA)

Page 8: Vários mundo árabe

Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes

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Redes Sociais

O TWITTER SÓ NÃO FAZ

REVOLUÇÃO. MAS

AJUDA

Uso de redes sociais, blogs e celulares em

levantes populares como os ocorridos no

Egito e Tunísia mostra que essas tecnologias

podem ajudar a coordenar manifestações

contra ditaduras, avessas à liberdade de

informação Jadyr Pavão Júnior e Rafael Sbarai

Manifestantes utilizam telefone celular durante protestos na Tunísia (Fred

Dufour/AFP)

Nas últimas semanas, o mundo assistiu apreensivo e esperançoso ao sopro de inconformismo que fez balançarem duas ditaduras velhas de

décadas. É uma situação tão rara no mundo árabe quanto a passagem do

cometa Halley pela vizinhança da Terra. A soma de insatisfações –

incluindo a ausência de liberdade de expressão – fez com que milhares de pessoas marchassem em protesto pelas ruas de Egito e Tunísia, de onde o

ditador Zein al-Abidine Ben Ali foi catapultado. Nos dois casos,

manifestantes contaram com a ajuda, em graus a serem precisados, de

componentes cada vez mais comuns em situações desse tipo: a internet e o telefone celular. Na Tunísia, ativistas utilizaram Twitter e Facebook para

organizar protestos. No Egito, blogs e também as redes sociais. Os

episódios reaquecem o debate sobre qual é, afinal, o potencial dessas

tecnologias quando o assunto é ativismo político, e opõem dois grupos de analistas: os "ciber-utópicos", que acham que blogs e celulares tudo

podem, e os "ciber-céticos", que pensam o oposto. Vale adiantar: como é

de sua natureza, os radicais radicalizam, e o potencial do ativismo via

tecnologia está em um ponto entre os extremos.

A turma dos ciber-utópicos fez seu début em junho de 2009, depois que

os iranianos saíram às ruas para protestar contra a eleição fraudulenta

que reconduziu Mahmoud Ahmadinejad à presidência do país controlado pela ditadura dos aiatolás. O assunto foi o mais comentado do ano no

Twitter, superando até a morte do astro pop Michael Jackson, o que levou

os utópicos a cunhar a expressão "Revolução do Twitter" e a apostar que

essa ferramenta seria responsável por revoluções. O trecho de um

editorial do respeitado jornal americano Washington Post captou o clima

(otimista) da época: "O imediatismo dos tweets foi emocionante, com um fluxo de atualizações com fotos e vídeos que mostrou um retrato de crise

no país. O que estamos vendo é a chama tremulante da liberdade." Um

assessor do ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush chegou a

sugerir que o Twitter fosse indicado ao prêmio Nobel da Paz pelo papel na crise. O governo de Teerã, contudo, não caiu: reprimiu os protestos e

bloqueou serviços de internet. O episódio deixou a impressão de que a

turma dos ciber-utópicos sobrecarregara de expectativas as asas do

Twitter, fazendo do microblog a panaceia antiditaduras.

A resposta dos ciber-céticos veio na mesma intensidade, em sentido

oposto. O primeiro contra-ataque foi comandado pelo pesquisador iraniano Hamid Tehrani, que tentou colocar os fatos ocorridos no Irã em

sua real dimensão. "Houve uma sobrevalorização do Twitter. O país

contou com menos de 1.000 usuários ativos. O maior volume de

informações propagadas no microblog veio do Ocidente, de pessoas que não estavam no local. Quando alguém comentou que havia 700.000

pessoas protestando em frente a uma mesquita, descobriu-se que apenas

cerca de 7.000 pessoas compareceram", escreveu.

Se os ciber-utópicos haviam jogado a internet e o celular nas alturas,

coube ao jornalista e escritor canadense Malcolm Gladwell colocá-los

abaixo do chão, em artigo publicado pela revista New Yorker e entitulado

"A revolução não será tuitada". O americano se apoiou em duas teorias clássicas. A primeira defende que o "ativismo de alto risco", aquele em

que o indivíduo coloca a própria vida em risco, só é possível quando os

participantes mantêm vínculos pessoais fortes – ou seja, depende de tête-

à-tête. As redes seriam o inverso disso e só possibilitam vínculos frouxos – daí, a facilidade com que, sentadas na praia, com o notebook no colo,

tantas pessoas aderem a abaixo-assinados em favor da independência do

Tibete. Além disso, diz Gladwell, as redes, por natureza, conferem a todos

os integrantes igual poder e nenhuma hierarquia – e organização e liderança são fundamentais ao ativismo político, prova a história.

Levante a levante, contudo, os argumentos dos ciber-céticos são

enfraquecidos pela realidade. Ditaduras como Bielorrússia, Moldávia e Tailândia, além de Egito e Tunísia, já conheceram o impacto que a

tecnologia pode emprestar à oposição. No caso da Tunísia, universitários

lançaram mão de Twitter e Facebook para organizar protestos. O estopim

foi a morte de Mohamed Bouazizi, vendedor ambulante que teve sua mercadoria apreendida pela polícia e, desesperado, ateou fogo ao próprio

corpo na pequena cidade de Sidi Bouzid. A população local protestou.

Para atrair simpatizantes, ativistas compartilharam com concidadãos, via

rede, documentos vazados pelo site WikiLeaks que mostravam casos de corrupção no governo. Um dado eloquente: um em cada cinco tunisianos

está cadastrado no Facebook. Ou seja: ao contrário do Irã, não há razão

para duvidar da informação de que a população teve acesso à agitação

virtual.

O fato de os céticos estarem errados significa, necessariamente, que os

utópicos estão certos? Não. No caso da Tunísia, o movimento antigoverno de fato contou com ajuda das redes. Mas, ao chegar às ruas, ganhou sua

própria dinâmica, atingindo a capital, Tunis, e só derrubou o ditador Ben

Ali após quase um mês de pancadaria no "mundo real". "É questionável a

tese de que as redes já têm um papel determinante em uma revolução", afirma o espanhol Enrique Dans, professor de sistemas de informação da

IE Business School. "Mas é fato que elas atuam na coordenação de

informações e, assim, assumem relevância nessas situações." Não por

acaso, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, defende que a liberdade de informação, em geral, e o acesso à internet, em particular,

são elementos definidores do destino de cidadãos de todo o mundo –

especialmente daqueles que vivem sob o jugo de ditaduras.

Page 9: Vários mundo árabe

Coletânea de textos sobre a CRISE NO MUNDO ÁRABE – Disciplina Atualidades – Professora Fernanda Brum Lopes

Outro defensor da ideia de que blogs, redes e afins podem atuar como

propagadores de informação, Clay Shirky, professor de novas mídias da

Universidade de Nova York, aposta que essas ferramentas podem provocar não apenas vendavais contra ditaduras, mas também brisas para

democracias. O caso exemplar seria a eleição espanhola que se seguiu aos

atentados terroristas de 2004. No dia 11 de março, bombas explodiram

em trens de Madri, matando cerca de 200 pessoas. O então primeiro-ministro José María Aznar veio a público e atribuiu a ação ao grupo

separatista basco ETA, que há décadas desafia Madri. Alguém desconfiou

da versão. Segundo Shirky, o torpedo contra Aznar partiu de uma

mensagem de texto (SMS) que circulou inicialmente entre cinco pessoas e dizia que, com a história, Aznar fazia um cálculo político. A poucos dias da

eleição, ele tentava desviar a atenção pública da real mandante dos

ataques, a Al Qaeda, que se voltara contra a Espanha porque o país

participava militarmente da ocupação do Iraque. A mensagem teria sido replicada à exaustão entre eleitores. No dia 14 de março, José Luis

Rodriguez Zapatero, que até então não era favorito na eleição, saiu

vitorioso das urnas. A Espanha iniciou a retirada do Iraque naquele

mesmo ano.

Ditadores nas redes – A força da tecnologia não foi percebida apenas

pelos opositores e democratas. Ditadores a conhecem. Às vezes, eles tentam usá-la em benefício próprio. Outras, esmagá-la. Nesta semana, os

serviços de internet e telefonia móvel foram suspensos no Egito, horas

antes de uma manifestação de opositores prevista para acontecer em

várias cidades do país. Foi a expressão do que o ministro egípcio do Interior, Habib al Adly, definira como "medidas drásticas e decisivas" para

conter os protestos. Às vésperas de cair, o ditador tunisiano teria tentado

impor o mesmo tipo de controle sobre as comunicações - tardiamente,

contudo. Teerã levou o bloqueio de serviços a cabo em 2009. Ahmadinejad mostrou também seu lado ardiloso: determinou o

desbloqueio do Facebook por um período determinado com o objetivo de

identificar dissidentes. Recentemente, um tribunal do país condenou

Hossein Derakhshan, um dos primeiros blogueiros locais, a mais de 19 anos de prisão por "cooperação com países hostis, propaganda política e

insulto a figuras religiosas". Derakhshan ficou conhecido por publicar na

rede instruções sobre como iniciar um blog no idioma farsi, dando início à

explosão de blogs na língua oficial do Irã.

Em outros casos, os governos promovem contra-ataques pelas redes.

Fazem perceber que permanece atual o famoso alerta do político

americano Hiram Johnson, segundo o qual, na guerra (ainda que virtual), a verdade é a primeira vítima. Na Moldávia, em 2009, funcionários do

governo criaram perfis falsos no Twitter com a missão de espalhar boatos

e provocar instabilidade no país. O objetivo era justificar medidas de força

por parte do governo comunista. "O fato de que há governos ditatoriais tentando cercear a liberdade de expressão da população demonstra que

as plataformas digitais têm sua importância no embate político", avalia

Adriana Amaral, professora do programa de pós-graduação em ciências da

comunicação na Unisinos. A revolução pode não ser tuitada, como previu Malcolm Gladwell, no sentido de que um Twitter só não faz a revolução.

Mas as que acontecerem no século XXI, é certo, passarão pelo Twitter e

similares.

(FONTE: VEJA)

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