VEJA-IvesOta

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 Abril.com Mais sites Abril Grupo Abril Abril Mídia Distribuição Gráfica Crime Inferno na Vila Carrão O menino Yves Yoshiaki Ota, de 8 anos, filho de um comerciante da Zona Leste de São Paulo, foi seqüestrado no início de 29 de agosto, quando brincava com seu primo no sobrado modesto onde morava, na Vila Carrão. Enquanto os pais do garoto trabalhavam, Sílvio da Costa Batista, um desempregado que entrega encomendas e tem uma condenação por roubo, invadiu a casa fazendo-se passar por funcionário de uma floricultura. Pegou o menino, colocou-o num carro velho e o levou dali. Na segunda-feira da semana passada, depois da prisão de Sílvio e de dois policiais militares também acusados de participar do crime, a polícia encontrou Yves. Com dois tiros no rosto, ele estava enterrado sob o piso de cimento do quarto de Sílvio, embaixo de um berço. O menino foi assassinado algumas horas depois de ter sido seqüestrado. Yves era de uma família de comerciantes que estava subindo na vida. Viviam num padrão de classe média baixa até inaugurar na Zona Leste, há dois anos, um novo tipo de loja. Nela, de brinquedo a utensílio doméstico, tudo é vendido a 1,99 real. Hoje o casal tem doze lojas na periferia de São Paulo, na Grande São Paulo e no interior, que empregam 150 pessoas. Com uma filha de 12 anos, ainda moram num imóvel alugado, mas é por pouco tempo. Já está quase pronto o apartamento de quatro quartos adquirido pela família. O pai de Yves, Massataka Ota, nasceu na província de Okinawa, no Japão, e a mãe, Iolanda Keiko Ota, é nissei. Na garagem do sobrado, um belo Mustang 95 destoa dos carros da vizinhança, de classe média baixa, típica daquela região da Zona Leste. A família Ota está a milhões de reais de distância do tradicional alvo dos seqüestros milionários com patrimônio para grandes resgates , mas os seqüestradores também se enquadram no perfil da categoria são mais pobres, menos preparados. Onde mora o perigo O cativeiro de Yves era a própria moradia que S lvio dividia com a mulher e a enteada, de 2 anos e meio. O Foto: Album de familia  Foto: Lili Martins/Folha Imagem Massataka, no enterro do filho Yves (ao lado, no teatrinho  da escola): "Mamãe, eu te amo" Página 1 de 4 Veja 17/09/97 03/07/11 http://veja.abril.com.br/170997/p_038.html

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Crime 

Inferno na Vila Carrão

O menino Yves Yoshiaki Ota, de 8 anos, filho de um comerciante daZona Leste de São Paulo, foi seqüestrado no início de 29 de agosto,quando brincava com seu primo no sobrado modesto onde morava, naVila Carrão. Enquanto os pais do garoto trabalhavam, Sílvio da Costa

Batista, um desempregado que entrega encomendas e tem umacondenação por roubo, invadiu a casa fazendo-se passar porfuncionário de uma floricultura. Pegou o menino, colocou-o numcarro velho e o levou dali. Na segunda-feira da semana passada,depois da prisão de Sílvio e de dois policiais militares tambémacusados de participar do crime, a polícia encontrou Yves. Com doistiros no rosto, ele estava enterrado sob o piso de cimento do quarto deSílvio, embaixo de um berço. O menino foi assassinado algumashoras depois de ter sido seqüestrado.

Yves era de uma família de comerciantes que estava subindo na vida.

Viviam num padrão de classe média baixa até inaugurar na ZonaLeste, há dois anos, um novo tipo de loja. Nela, de brinquedo autensílio doméstico, tudo é vendido a 1,99 real. Hoje o casal tem dozelojas na periferia de São Paulo, na Grande São Paulo e no interior,que empregam 150 pessoas. Com uma filha de 12 anos, ainda moramnum imóvel alugado, mas é por pouco tempo. Já está quase pronto oapartamento de quatro quartos adquirido pela família. O pai de Yves,Massataka Ota, nasceu na província de Okinawa, no Japão, e a mãe,Iolanda Keiko Ota, é nissei. Na garagem do sobrado, um beloMustang 95 destoa dos carros da vizinhança, de classe média baixa,típica daquela região da Zona Leste. A família Ota está a milhões de

reais de distância do tradicional alvo dos seqüestros milionárioscom patrimônio para grandes resgates , mas os seqüestradorestambém se enquadram no perfil da categoria são mais pobres,menos preparados.

Onde mora o perigo O cativeiro de Yves era a própria moradiaque S lvio dividia com a mulher e a enteada, de 2 anos e meio. O

Foto: Album de familia

 Foto: Lili Martins/Folha Imagem 

Massataka, no enterro do filhoYves (ao lado, no teatrinho 

 da escola): "Mamãe, eu te amo"

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local é um cortiço, e o seqüestro poderia ter sido denunciado porqualquer um dos vizinhos que residem no quarto ao lado ou no andarde cima coisa típica de quem não é do ramo. A idéia de seqüestrarYves partiu de um dos seguranças da rua comercial do bairro de SãoMiguel onde Massataka tem uma de suas lojas. O soldado Paulo deTarso Dantas, de 34 anos, que fazia ali seu bico para engordar em 500reais o orçamento doméstico, conhecia detalhes da rotina deMassataka, um de seus clientes. Freqüentava até as festas de fim deano oferecidas pelo comerciante a seus funcionários. Dantas percebeu

que Massataka enriquecia. O policial nega o envolvimento no crime,mas são fartos os indícios contra ele.

Preso no dia 5 de setembro num telefone público de onde fazia aligação para Massataka, Sílvio confessou o crime e delatou Dantas,seu amigo de longa data, e outro segurança de São Miguel, o tambémsoldado da PM Sérgio Eduardo Pereira de Souza. Sílvio não deixoude confessar seus crimes, auto-incriminando-se, e é isso que dácredibilidade a seu depoimento. Para a corregedoria da PM, não hádúvida: os policiais estão mesmo envolvidos no seqüestro. Presos, oprocesso de expulsão da corporação já foi iniciado. "O perigo moravaao lado do comerciante todo o tempo e ele não sabia", diz o delegadoMaurício Guimarães Soares, titular da Delegacia Especializada Anti-Seqüestro de São Paulo, que esclareceu o crime. A arma usada porSílvio durante o seqüestro é uma pistola automática Imbel de calibre380 que pertence ao policial Dantas, bem como um silenciadorencontrado próximo ao berço, na casa onde Yves foi morto.

Segundo Sílvio, foi dessa arma que saíram os tiros que mataramYves. Sílvio e Dantas são tão amigos que, quando a mulher do rapazficou grávida, Dantas foi convidado a batizar o bebê, mascomplicações espontâneas interromperam a gravidez. Segundo apolícia, não foi a primeira vez que Dantas usou Sílvio para atacar ocomerciante. Há um mês, um motociclista usando capacete assaltou oencarregado de suas lojas, na frente de sua casa. O encarregado estavaali para deixar a féria do dia. "A moto e a estatura do ladrão são asmesmas do Sílvio", disse Massataka, que testemunhou o assalto.

Quando voltou à casa para fazer o seqüestro, Sílvio logo mostrou queestava bem informado a respeito da família. "Quem é o filho doMassa?", perguntou, citando o nome pelo qual o comerciante éconhecido entre amigos e parentes. Yves ergueu o braço e foiagarrado. O único adulto que se encontrava na casa era a empregada,

Foto: Regina Agrella/Folha Imagem 

Sílvio, o seqüestradorconfesso, depois de

espancado e os policiaisDantas (acima) e Pereira: a

sangue frio Fotos: Rubens Cavallari/ Folha Imagem

 

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que foi amarrada. Com inteligência acima da média, o menino Yvesaprendeu a jogar xadrez com 7 anos de idade e ensinou ao pai, aquem vencia com facilidade. Estava na 2ª série e era o primeiro alunode sua classe. Num bilhete encontrado por sua mãe na semanapassada, ele escreveu: "Mamãe querida, eu te adoro e te amo porquevocê me criou em todos esses dias e nesses anos". Foi a inteligênciaque, por ironia, o levou à morte. Segundo Sílvio, mal chegando aocativeiro, o menino reconheceu o policial Dantas, que decidiu matá-lo. No seu depoimento, Sílvio diz que o militar deu o primeiro tiro e

ele, o segundo. Ambos no rosto.

A cova foi feita em local acima de qualquer suspeita embaixo doberço da enteada de Sílvio. No dia seguinte, os seqüestradorescomeçaram a telefonar para os pais e prometiam o impossível:colocar o menino na linha na véspera do pagamento do resgate. Oprimeiro pedido foi de 800.000 dólares e o último de 80.000.Massataka e a esposa, Iolanda, viviam um inferno. "Andávamos demãos dadas pela sala, rezando", contou Iolanda. "Só dormia à custade remédio e, quando estava acordado, ia para a avenida olhar oscarros na esperança de que um deles parasse e meu filho descesse",

afirmou Massataka. Uma das pessoas a quem ele pediu ajuda foi opolicial Dantas, que fazia a ronda nas favelas de São Miguel, onde eraconhecido pela valentia. Era um tipo parecido com o Rambo da favelaNaval. O homicídio só foi descoberto três dias depois de sua prisão.Ao vasculhar a casa de Sílvio, os policiais estranharam o cimentonovo e quebraram o piso. O corpo do menino foi encontrado emadiantado estado de decomposição.

Violentado e espancado Este é o quinto seqüestro do ano em SãoPaulo no qual a vítima é de família de classe média ou classe médiaalta. "Há uma tendência de crescimento de seqüestro com esse perfil",

diz o delegado Guimarães Soares, da Delegacia Anti-Seqüestro. Amigração sócio-econômica do seqüestro explica-se: as famílias maisricas estão se protegendo mais. Andam de carro blindado e possuemguarda-costas bem treinados. O Rio de Janeiro segue recordista emseqüestro, mas ali esse crime está diminuindo. Em 1994 houve noEstado 82 casos. Em 1995 foram 109 e, em 1996, 73. Neste ano onúmero até agora é de apenas 38. Em São Paulo foram seis em 1994,nove em 1995, doze em 1996 e neste ano já chegou a quinze.

Na quinta-feira passada, quando os jornais ainda estampavammanchetes nas quais o pai de Yves aparecia, no auge do desespero,

clamando por pena de morte, ele deu entrevista para dizer que essetipo de punição não traria seu filho de volta e, portanto, não era maisdesejado. Ele reclama por justiça social. "Precisamos de mais escolase empregos para acabar com essa miséria que empurra muita gentepara a criminalidade", desabafou. Colocado numa cela comum, Sílvioescapou por pouco da pena capital, decretada pelo código de ética dosencarcerados: na cadeia, crime contra criança é punido com a morte.Por duas vezes, uma chusma de presos avançou sobre ele. Sílvio foiviolentado e espancado até ser resgatado por policiais, que o levarampara uma cela com menos presos. O delegado Guimarães Soares disseque será "difícil garantir a vida desse vagabundo". Ninguém precisa

sentir pena de um bandido que matou uma criança de 8 anos. Mas,com essa postura, o delegado já está dando sinal verde para mais umcrime.

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