VEJA - Vassoura Bruxa vs PT

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10/06/13 VEJA on-line veja.abril.com.br/210606/p_060.html 1/4 Assine Loja SAC Grupo Abril Abril Mídia Distribuição Gráfica Abril Educação Abril.com Revistas e sites ok Edição 1961 . 21 de junho de 2006 Índice Millôr Claudio de Moura Castro Diogo Mainardi André Petry Roberto Pompeu de Toledo Carta ao leitor Entrevista Cartas Radar Holofote Contexto Datas Veja.com Veja essa Gente VEJA Recomenda Os livros mais vendidos Brasil Terrorismo biológico Petistas são acusados de disseminar a praga que destruiu a lavoura de cacau no sul da Bahia Policarpo Junior Anderson Schneider Franco Timóteo, que conf essa o crime: o plano era minar a inf luência polít ica dos barões do cacau No dia 22 de maio de 1989, durante uma inspeção de rotina, um grupo de técnicos descobriu o primeiro foco de uma infecção devastadora conhecida como vassoura-de-bruxa numa plantação de cacau no sul da Bahia. A praga é mortal para os cacaueiros. Os técnicos, porém, se tranqüilizaram com a suposição de que se tratava apenas de um foco isolado. Engano. Em menos de três anos, de forma espantosamente veloz e estranhamente linear, a vassoura-de-bruxa destruiu as lavouras de cacau na região – e fez surgir um punhado de explicações para o fenômeno, inclusive a de que o Brasil poderia ter sido vítima de uma sabotagem agrícola por parte de países produtores de cacau da África, como Costa do Marfim e Gana. Reforçando, então, as suspeitas de sabotagem, técnicos encontraram ramos infectados com vassoura-de-bruxa amarrados em pés de cacau – algo que só poderia acontecer pela mão do homem, e nunca por ação da própria natureza. A Polícia Federal investigou a hipótese de sabotagem, mas, pouco depois, encerrou o trabalho sem chegar a uma conclusão. Agora, dezessete anos depois, surge a primeira testemunha ocular do caso. Ele conta que houve, sim, sabotagem, só que realizada por brasileiros. Em quatro entrevistas a VEJA, o técnico em administração Luiz Henrique Franco Timóteo, baiano, 54 anos, contou detalhes de como ele próprio, então ardoroso militante esquerdista do PDT, se juntou a outros cinco militantes do PT para conceber e executar a sabotagem. O grupo, que já atuava em greves e protestos organizados na década de 80 em Itabuna, a principal cidade da região cacaueira da Bahia, pretendia aplicar um golpe mortal nos barões do cacau, cujo vasto poder econômico se desdobrava numa incontrastável influência política na região. O grupo entendeu que a melhor forma de minar o domínio político da elite local seria por meio de um ataque à base de seu poder econômico – as fazendas de cacau. "O imperialismo dos coronéis era muito grande. Só se candidatava a vereador e prefeito quem eles queriam", diz Franco Timóteo. A idéia, diz ele, partiu de Geraldo Simões, figura de proa no PT em Itabuna que trabalhava como técnico da Ceplac, órgão do Ministério da Agricultura que cuida do cacau. Os outros quatro membros do grupo – Everaldo Anunciação, Wellington Duarte, Eliezer Correia e Jonas Nascimento – tinham perfil idêntico: eram todos membros do PT e todos trabalhavam na Ceplac. Roberto Setton

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Assine Loja SACGrupo Abril Abril Mídia Distribuição Gráfica Abril EducaçãoAbril.com Revistas e sites

ok

Edição 1961 . 21 de junho de 2006

Índice

Millôr

Claudio de MouraCastro

Diogo Mainardi

André Petry

Roberto Pompeu deToledo

Carta ao leitor

Entrevista

Cartas

Radar

Holofote

Contexto

Datas

Veja.com

Veja essa

Gente

VEJA Recomenda

Os livros maisvendidos

Brasil

Terrorismo biológico

Petistas são acusados de disseminar a pragaque destruiu a lavoura de cacau no sul da Bahia

Policarpo Junior

Anderson Schneider

Franco Timóteo, que confessa o crime: o plano era minar a inf luência

política dos barões do cacau

No dia 22 de maio de 1989, durante uma inspeção de rotina, umgrupo de técnicos descobriu o primeiro foco de uma infecçãodevastadora conhecida como vassoura-de-bruxa numaplantação de cacau no sul da Bahia. A praga é mortal para oscacaueiros. Os técnicos, porém, se tranqüilizaram com asuposição de que se tratava apenas de um foco isolado. Engano.Em menos de três anos, de forma espantosamente veloz eestranhamente linear, a vassoura-de-bruxa destruiu as lavourasde cacau na região – e fez surgir um punhado de explicaçõespara o fenômeno, inclusive a de que o Brasil poderia ter sidovítima de uma sabotagem agrícola por parte de paísesprodutores de cacau da África, como Costa do Marfim e Gana.Reforçando, então, as suspeitas de sabotagem, técnicosencontraram ramos infectados com vassoura-de-bruxaamarrados em pés de cacau – algo que só poderia acontecer

pela mão do homem, e nunca por ação da própria natureza. APolícia Federal investigou a hipótese de sabotagem, mas, poucodepois, encerrou o trabalho sem chegar a uma conclusão. Agora,dezessete anos depois, surge a primeira testemunha ocular docaso. Ele conta que houve, sim, sabotagem, só que realizada porbrasileiros.

Em quatro entrevistas a VEJA, o técnico em administração LuizHenrique Franco Timóteo, baiano, 54 anos, contou detalhes decomo ele próprio, então ardoroso militante esquerdista do PDT,se juntou a outros cinco militantes do PT para conceber eexecutar a sabotagem. O grupo, que já atuava em greves eprotestos organizados na década de 80 em Itabuna, a principalcidade da região cacaueira da Bahia, pretendia aplicar um golpemortal nos barões do cacau, cujo vasto poder econômico sedesdobrava numa incontrastável influência política na região. Ogrupo entendeu que a melhor forma de minar o domínio políticoda elite local seria por meio de um ataque à base de seu podereconômico – as fazendas de cacau. "O imperialismo dos coronéisera muito grande. Só se candidatava a vereador e prefeito quemeles queriam", diz Franco Timóteo. A idéia, diz ele, partiu deGeraldo Simões, figura de proa no PT em Itabuna que trabalhavacomo técnico da Ceplac, órgão do Ministério da Agricultura quecuida do cacau. Os outros quatro membros do grupo – EveraldoAnunciação, Wellington Duarte, Eliezer Correia e JonasNascimento – tinham perfil idêntico: eram todos membros do PTe todos trabalhavam na Ceplac.

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Roberto Setton

O fazendeiro Ozéas Gomes, que viu seu negócio murchar

com a praga: "Fiquei com muita raiva"

Franco Timóteo conta que, bem ao estilo festivo da esquerda, aprimeira reunião em que o assunto foi discutido aconteceu numbar em Itabuna – o Caçuá, que não existe mais. JonasNascimento explicou que a idéia era atingir o poder econômicodos barões do cacau. Geraldo Simões sugeriu que a vassoura-de-bruxa fosse trazida do Norte do país, onde a praga era – eainda é – endêmica. Franco Timóteo, que já morara no Pará em1976, foi escolhido para transportar os ramos infectados. "Entãoeu disse: 'Olha, eu conheço, sei como pegar a praga, mas temum controle grande nas divisas dos estados'." Era fim de 1987,início de 1988. Apesar do risco de ser descoberto no caminho,Franco Timóteo foi escalado para fazer uma primeira viagem atéPorto Velho, em Rondônia. Foi de ônibus, a partir de Ilhéus. "EmRondônia, qualquer fazenda tem vassoura-de-bruxa. Nessaprimeira viagem, peguei uns quarenta, cinqüenta ramos. Coloquei

num saco plástico e botei no bagageiro do ônibus. Se alguémpegasse, eu abandonava tudo." Nos quatro anos seguintes,repetiria a viagem sete ou oito vezes, com intervalos de quatroa seis meses entre uma e outra. "Mas nas outras viagens trouxeos ramos infectados num saco de arroz umedecido. Era melhor.Nunca me pegaram."

Franco Timóteo conta que, quando voltava para Itabuna,entregava o material ao pessoal encarregado de distribuir apraga pelas plantações. A primeira fazenda escolhida para aoperação criminosa chamava-se Conjunto Santana, ficava emUruçuca e pertencia a Francisco Lima Filho, então presidentelocal da União Democrática Ruralista (UDR) e partidário dacandidatura presidencial de Ronaldo Caiado. Membro de umatradicional família cacaueira, Chico Lima, como é conhecido,tinha o perfil ideal para os sabotadores: era grande produtor eadversário político. "Chico Lima era questão de honra para nós",diz Franco Timóteo. Foi justamente na fazenda de Chico Limaque foi encontrado o primeiro foco de vassoura-de-bruxa, em 22de maio de 1989 – e a imagem dos técnicos, no exato momentoem que detectam a praga, ficou registrada numa fita de vídeo àqual VEJA teve acesso. Como medida profilática os técnicosdecidiram incinerar todos os pés de cacau da fazenda. ChicoLima ficou arruinado. Hoje, arrenda as terras que lhe restam evive dos lucros de uma distribuidora de bebidas. Informado porVEJA da confissão de Franco Timóteo, ele lembrou que semprese falou de sabotagem – mas de estrangeiros – e mostrou-sechocado. "Isso é um crime muito grande, rapaz. Os responsáveistêm de pagar", disse.

Os ataques às fazendas, todas situadas ao longo da BR-101,aconteciam sempre nos fins de semana, quando diminui o númerode funcionários. O grupo tinha o cuidado de usar um carro comlogotipo da Ceplac para criar um álibi: se eles fossemdescobertos por alguém, diriam que estavam fazendo umtrabalho de campo. "A gente chegava, entrava, amarrava o ramoinfectado no pé de cacau e ia embora. O vento se encarregavado resto", conta Franco Timóteo. Para dar mais verossimilhançaa uma suposta disseminação natural da vassoura-de-bruxa, ogrupo tentou infectar pés de cacau numa lavoura mantida pelaprópria Ceplac. Não deu certo, devido à presença de um vigia, eo grupo acabou esquecendo, no atropelo da fuga, um saco comramos infectados sobre a mesa do escritório da Ceplac. Aoperação criminosa, por eles apelidada de "Cruzeiro do Sul",desenrolou-se por menos de quatro anos – de 1989 a 1992. "Noinício de 1992, parou. Geraldo Simões disse que a praga estavase propagando de forma assustadora. Não precisava mais."

Haroldo Abrantes/Ag. A Tarde Beto Barata/AE

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Anderson Schneider

Francisco Lima, ex-presidente da UDR,

Geraldo Simões: ascensão

política depois da sabotagem

Everaldo Anunciação: cargo

no governo federal

Os sabotadores nunca foram pegos, mas deixaram muitas pistas."Encontramos provas de que houve sabotagem em váriasfazendas", conta Carlos Viana, que trabalhava como diretor daCeplac quando a praga começou a se disseminar. Ele se lembrado saco plástico esquecido sobre a mesa do escritório da Ceplacnuma das lavouras – e isso o levou, inclusive, a acionar a PolíciaFederal para investigar a hipótese de sabotagem. "Uma coisa euposso garantir: os focos não foram acidentais", diz Viana, quedeixou o órgão e tem hoje uma indústria de óleo vegetal. Umrelatório técnico e oficial, elaborado pela Ceplac logo no iníciodas investigações, chegou a considerar a hipótese de queprodutores do Norte do país teriam levado a vassoura-de-bruxapara as plantações da Bahia – mas movidos por "curiosidade ouignorância". O relatório afirma que a chegada à Bahia daCrinipellis perniciosa, nome científico do fungo causador davassoura-de-bruxa, "não pode ser atribuída a agentes naturaisde disseminação". VEJA consultou Lucília Marcelino, pesquisadorada Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, em Brasília, parasaber se a história contada por Franco Timóteo seria viável."Sob o ponto de vista técnico, sim", diz ela.

A sabotagem produziu um desastre econômico. Derrubou aprodução nacional para menos da metade, desempregou cercade 200.000 trabalhadores e fez com que o Brasil, então osegundo maior produtor mundial de cacau, virasse importador dafruta. Um estudo da Universidade Estadual de Campinas,elaborado em 2002, estima que a devastação do cacau na Bahiaprovocou, nos últimos quinze anos, um prejuízo que pode chegarà astronômica cifra de 10 bilhões de dólares. Mas, namesquinharia política dos sabotadores, o plano foi um sucesso.Em 1992, no primeiro pleito depois da devastação, GeraldoSimões elegeu-se prefeito de Itabuna pelo PT – e presenteou osquatro companheiros de sabotagem com cargos em sua gestão.Everaldo Anunciação foi nomeado secretário da Agricultura –cargo que deixaria dois anos depois, sendo substituído por JonasNascimento, o outro petista sabotador. Wellington Duarte,também membro do grupo da sabotagem, ficou como chefe-de-gabinete do prefeito. E Eliezer Correia ganhou o cargo desecretário de Administração e Finanças. Como não pertencia aoPT, Franco Timóteo não ganhou cargo algum na prefeitura. Em1994, com o recrudescimento de suspeitas de que a vassoura-de-bruxa fora uma sabotagem, ele resolveu deixar Itabuna emudar-se para Rondônia. O prefeito lhe deu um cheque de250.000 cruzeiros reais (o equivalente a 800 reais hoje) para

ajudar nas despesas da viagem – paga, para variar, com dinheiropúblico. A operação consta da contabilidade da prefeitura, emque está registrada sob o número 2 467, e informa que obeneficiário era mesmo Franco Timóteo, mas, providencialmente,não há processo descrevendo o motivo do pagamento. "Éestranho. Se havia algum processo, sumiu", diz o atual prefeito,

Fernando Gomes, do PFL.

Nos últimos anos, Franco Timóteotem sido assaltado pelo remorsodo crime que cometeu. Um dosatingidos era seu parente.Silvano Franco Pinheiro, seuprimo, tinha uma empresa deexportação de semente de cacauque chegou a faturar 30 milhõesde dólares por ano. "Perdi tudo",conta Pinheiro, que, há seis anos,ouviu a confissão de FrancoTimóteo. "Falei para ele sumir dacidade porque seria morto", contao primo. Para expiar sua culpa,Franco Timóteo também fez suaconfissão para outro fazendeiro,Ozéas Gomes, que chegou aproduzir 80.000 arrobas de cacaue empregar 1.400 funcionários –

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Francisco Lima, ex-presidente da UDR,

foi a primeira vítima: de barão a

vendedor de cerveja

e empregar 1.400 funcionários –e hoje mantém ainda um padrãoconfortável de vida, mas empregaapenas 100 funcionários, A produção caiu para 15.000 arrobas."Quando ouvi a história, fiquei com muita raiva. Mas, depois, eleexplicou que não tinha idéia da dimensão do que fazia..." No fimdo ano passado, Franco Timóteo confessou-se ao senador CésarBorges, do PFL baiano e plantador de cacau. "A história dele temmuitos pontos de veracidade diante do que a gente sempresuspeitou ter acontecido", diz o senador. O governador PauloSouto, cujos familiares perderam tudo devido à vassoura-de-bruxa, também ouviu uma confissão de Franco Timóteo. Osenador e o governador, porém, decidiram ficar em silêncio,segundo eles para evitar a acusação de exploração política.

Os acusados desmentem categoricamente qualquer envolvimentona sabotagem e dizem até que nem sequer conhecem FrancoTimóteo. "Nunca vi esse louco", diz Geraldo Simões, que, nogoverno Lula, ganhou a presidência da Companhia das Docas daBahia, da qual se afastou agora para concorrer a deputadofederal pelo PT. "Essa história toda é fantasiosa", diz EliezerCorreia, que continua cuidando de cacau e hoje é chefe deplanejamento da Ceplac, em Itabuna. "É um absurdo", dizWellington Duarte, que, no atual governo, foi promovido a umdos chefões da Ceplac em Brasília. Everaldo Anunciação, que foinomeado para o cargo de vice-diretor da Ceplac, diz que nãoliga o nome à pessoa. Jonas Nascimento – demitido a bem doserviço público na década de 90, voltou numa funçãocomissionada, em 2003, no Centro de Extensão da Ceplac emItabuna – é o único que admite conhecer Franco Timóteo, masnega a história. Talvez seja o único a contar um pedaço daverdade. Ouvido por VEJA, o publicitário Ithamar Reis Duarte, ex-

secretário de Meio Ambiente na gestão do petista GeraldoSimões, conta que essa turma toda – Franco Timóteo e ospetistas – é de velhos conhecidos. "Era um grupo que se reuniasempre para planejar ações", diz ele, que participou de algunsencontros. "Fazíamos reuniões até no meu escritório. Se alguémnegar isso, estará mentindo."

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