Vencendo um desafio

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VENCENDO UM DESAFIO Edição Campinas – SP Edição da autora 2011 ISBN 978-85-912113-2-6 FERNANDA OLIVEIRA CAMARGO HERREROS Diagramação: Bruno Piato

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Mostra a importância do desejo, da prática e da perseverança para se conquistar um objetivo.

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VENCENDO UM DESAFIO

1ª EdiçãoCampinas – SP

Edição da autora2011

ISBN 978-85-912113-2-6

FERNANDA OLIVEIRA CAMARGO HERREROS

Dia

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Lucas não aguentava mais aquilo. Sentia vontade de berrar, de

xingar e de chorar, tudo ao mesmo tempo. Sentia muita raiva e, pior,

sabia que não podia culpar ninguém por isso porque a culpa era sua

mesmo.

É verdade que o João era um chato, um exibido e por isso tinha

raiva dele também. Por muitas vezes desejara que aquele menino

sumisse e nunca mais aparecesse no campo de futebol. Mas não tinha

jeito, todo dia o João estava lá para jogar no seu time e fazer seus

comentários sem graça.

O problema nem era tão grande assim, mas para Lucas parecia um

problemão. Lucas só conseguia chutar com o pé direito. Se viesse um

cruzamento, se a bola aparecesse na sua frente e o menino não

estivesse com o pé certo preparado, lá vinha furo. O menino se

atrapalhava todo, perdia a bola, chutava para fora ou pior, chutava o

chão. Já tinha até caído e se machucado num desses lances. Não tinha

jeito, seu pé esquerdo parecia não lhe obedecer. Ele sonhava em chutar

com os dois pés, fazer lindos cruzamentos, gols de canhota, mas seu pé

ou perdia a bola ou dava bicões ou chutava a grama.

Sentia vergonha quando isso acontecia e pedia desculpas aos

colegas do time. E ainda tinha que aguentar os gritos do João:

-Perna de pau! Furão! Abre o olho!

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Pensou em parar de jogar, parar de ir ao campinho. Mas gostava

tanto de futebol que não resistia quando seus amigos vinham convidá-

lo para uma partida.

Apesar de Lucas sentir-se muito mal e envergonhado de seu

desempenho como jogador, seus amigos pareciam nem ligar se ele

errava vez ou outra. A verdade é que aquele era um campinho de bairro

e todos que lá jogavam eram meninos das redondezas, que só queriam

se divertir. Ninguém era profissional, todo mundo cometia erros e tinha

seus defeitos.

Um corria pouco, outro nunca acertava o gol, outro pisava na bola.

Só João era o mais metido. Porque jogava bem, achava que podia

criticar a todos. Mas a molecada nem se importava e deixava o João

falar. Não se preocupavam com aqueles comentários maldosos porque

sabiam que ele implicava com todo mundo. Ele nunca era capaz de

elogiar ninguém. Sabiam que o problema era com o João e não com

eles. Para João, só ele mesmo era o bom, o craque.

Lucas sabia disso tudo também e quando reclamava do João para

os meninos, os outros sempre falavam:

- Não liga para ele, é um bobo. Pensa que é muito bom, acha que é

melhor que os outros. Aqui a gente vem para brincar. Ele fica tão

preocupado em xingar que nem se diverte. Você erra, eu erro, o João

erra. Todos nós erramos. Vamos jogar sem preocupações.

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aceitavam como ele era. Ele mesmo nem ligava quando seus amigos

perdiam um passe ou um gol, porque sabia que errar é normal. E ele

notava que todos sempre tentavam melhorar, tentavam mudar para

ver se acertavam. Então estava tudo certo, pensava, ele era capaz de

aceitar o erro dos outros jogadores de seu time.

Mas não estava tudo certo com o menino. Cada vez que não

conseguia chutar com a esquerda em um jogo, Lucas sentia-se um

fracasso. Podia ter feito um jogo lindo, ter feito ótimos passes e até

mesmo um gol, mas se errasse uma bola com o pé esquerdo, voltava

para casa se sentindo mal, derrotado, o pior perna de pau do mundo.

Não importava se seus amigos dissessem o contrário, se o elogiassem,

o problema era como ele se sentia por dentro.

Era como se houvesse uma vozinha na sua cabeça dizendo: “Você

não vai conseguir nunca chutar com os dois pés... Você é um perdedor,

mesmo. Nunca vai ser um bom jogador”.

Nessas ocasiões, Lucas pensava identificar nesses pensamentos

algumas frases de João e imaginava que de tanto ouvir o menino

xingá-lo, passara a acreditar no que ele dizia. Porém notava alguns

trechos que não eram vindos dos xingamentos do João e com o tempo

percebeu que eram pensamentos seus mesmo, pensamentos que se

repetiam na sua cabeça sempre que uma coisinha dava errado.

Pensamentos de que não podia fazer alguma coisa, de que não era

capaz, de que não conseguiria.

Lucas acreditava que todos os bons jogadores, os jogadores que

admirava, eram capazes de chutar com as duas pernas e faziam gols

com a esquerda e com a direita e convenceu-se que só seria um bom

jogador se pudesse usar as duas também. Mas esqueceu-se que cada

um é de um jeito e que havia jogadores profissionais que só marcavam

gol com um dos lados.

Lucas percebia que tinha amigos muito bacanas e que o

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Assim que percebeu que a razão de sua tristeza não estava nas

críticas do João e sim no seu próprio jeito de pensar, decidiu mudar.

Queria acabar com aquilo. Não queria mais ficar se cobrando daquela

maneira, sofrendo por sua própria implicância. Queria se sentir feliz de

novo jogando. Tinha duas opções: ou mudava seu modo de pensar e

aceitava suas falhas, ou se convencia de que podia, sim, chutar com as

duas pernas.

Decidiu pela segunda opção: ia tentar ao máximo provar para si

mesmo que era capaz de se superar, de vencer um desafio, de fazer

aquilo que era tão difícil para ele: chutar com a esquerda.

Para isso, sabia que ia ter que se esforçar. Não bastava só querer,

porque querer ele já queria fazia tempo e o gol de canhota não saía.

Precisava de algo que o ajudasse.

Pesquisou como os jogadores faziam, como era a rotina dos

craques. Leu e assistiu reportagens com seus ídolos e descobriu que

eles treinavam bastante entre os jogos. Treinavam vários dias na

semana, repetiam várias vezes os movimentos e os chutes a gol, até

que aquilo ficasse bem feito. E mesmo quando já estavam bons e

acostumados com os lances, continuavam treinando.

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Soube que alguns atletas faziam algo bem engraçado e diferente,

tentavam sempre se imaginar jogando e na sua imaginação faziam os

lances que desejavam, o gol que sonhavam. Era uma prática não só de

jogadores de futebol, mas de alguns corredores, de alguns nadadores:

pensavam na prova ou no jogo antes do mesmo acontecer e nesse

pensamento faziam de conta que já estavam lá competindo e tendo um

ótimo desempenho.

Lucas resolveu fazer tudo isso. Toda tarde ia para o campo de

futebol, às vezes sozinho, às vezes com amigos e treinava e treinava...

Mesmo quando os outros iam embora, ficava mais um pouquinho e

chutava a gol, várias vezes, sempre com a esquerda.

No começo errava a bola, caía, chutava fraco ou para fora, mas

com o passar dos dias sua habilidade foi melhorando e melhorando.

Aos poucos foi tendo mais confiança e domínio e embora ainda não

chutasse tão bem quanto com a direita, já não dava mais vexame com

a canhota.

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Toda noite, deitado na cama, antes de dormir, imaginava-se no

campinho, sozinho, chutando a bola com a esquerda e fazendo gol.

Foi se tornando tão bom naquela imaginação que, com o tempo,

passou a se perceber no campo de futebol em dia de jogo. Então podia

ver não só a bola a seus pés, mas também percebia o barulho da

torcida, o gramado verde, a cor do uniforme dos adversários.

Imaginava as jogadas ensaiadas de seu time, ele recebendo e dando

passes perfeitos com as duas pernas e no final sempre recebia um

cruzamento e fazia um gol com a perna esquerda. Via então a rede

balançar com a bola, ouvia o grito da galera, sentia o vento no rosto

quando corria para comemorar com os colegas do time e percebia os

abraços que eles lhe davam. Parecia tão real aquele pensamento que

ele sentia-se muito feliz e ia dormir satisfeito consigo mesmo.

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Certo tempo após o inicio de seus treinos, seu time marcou um

jogo com o time de um outro bairro. Lucas manteve seus treinos com a

esquerda e decidiu imaginar como queria que aquele jogo acontecesse.

Imaginou com bastantes detalhes, colocando no time adversário as

cores do uniforme que sabia que iriam enfrentar e viu na sua cabeça

todos os lances que queria fazer.

O grande dia chegou e o jogo foi bem disputado. Todos queriam

vencer e o time adversário era muito bom também, tanto que fez o

primeiro gol. Mas, certa hora, Lucas recebeu um cruzamento e chutou

com força para o gol. Foi tudo tão rápido e automático que nem teve

tempo para pensar ou se preparar, quando percebeu tinha usado o pé

esquerdo. Chutou com a perna esquerda e marcou seu tão desejado

gol. Ficou muito alegre e comemorou exatamente como na sua

imaginação. Viu a bola na rede, sentiu o vento no rosto da corrida para

o abraço e ouviu o grito da torcida. Ouviu até mesmo uma coisa

inesperada:

-Parabéns, Lucas. Que golaço! – disse João.

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Nesse dia, os times empataram. O grupo de Lucas não ganhou

como o menino costumava imaginar antes de dormir, mas vocês

pensam que ele ficou triste por isso? De maneira alguma, ele saiu do

jogo muito feliz, por ter feito uma boa partida e por ter conseguido se

superar. Ele provou para si mesmo que era capaz de chutar bem com a

esquerda e entendeu que, se tinha sido capaz de superar aquele

obstáculo, sempre poderia superar os outros que viriam. Bastava

querer, acreditar que podia e se empenhar para conseguir tudo que

desejasse. Treino, esforço e imaginação foram lições preciosas de que

ele lembraria por toda vida.

Agora, ele confiava em si e sabia ser capaz de melhorar sempre.

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