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Vencer a crise Estamos confrontados com uma crise colossal (porventura, a maior em Portugal nos últimos 100 anos) que as previsões económicas conhecidas tendem, ainda, a subavaliar. Com uma origem exógena à economia está a ter, ao paralisar o funcionamento desta, um enorme impacto económico que atinge de uma forma generalizada, mas assimétrica, os países e os diferentes sectores de actividade. Em Portugal, as previsões institucionais mais recentes apontam, em 2020, para uma quebra do PIB entre 6.8% e 8.0%, seguido de uma retoma relativamente vigorosa em 2021. Cenário que, hoje, tem de ser considerado especialmente optimista, seja pelo que se conhece relativamente aos primeiros meses do ano, seja pela forma como antecipam o regresso próximo a uma “normalidade” que não tem, de todo, em conta as disrupções, nomeadamente, comportamentais que a crise produziu. Existe, neste contexto, um consenso alargado sobre a necessidade de serem, adoptadas políticas públicas robustas para, primeiro, travar o colapso da economia e, de seguida, impulsionar a retoma e recuperação da mesma. Estas políticas têm de estar alicerçadas numa pluralidade de instrumentos, consubstanciando programas distintos com tempos de execução e objectivos diferenciados e levando sempre em consideração que o financiamento público tem limites repercutindo- se nas contas públicas dos países Por isso, aqueles têm de assentar numa avaliação rigorosa das necessidades – por países e por sectores mais duramente atingidos e assumir as formas que se revelem adequadas aos fins em vista. Desde logo, emerge a necessidade de romper com a ortodoxia financeira dominante e conceber formas inovadoras de apoio, matéria em que o consenso começa a esboroar-se, sobretudo, a nível dos países da União Europeia. Quanto aos tempos e aos objectivos referidos, importa considerar 3 fases distintas: 1ª Fase (curto prazo) Trata-se de conceber a nível nacional um Programa de Emergência (o Governo português chamou-lhe Programa de Estabilização Económica e Social) visando travar o colapso da economia, isto é, pondo esta de novo a funcionar e minimizando os números relativos ao encerramento de empresas e ao aumento do desemprego, acudindo, simultaneamente, às situações de maior urgência social. Este Programa terá sempre um impacto orçamental significativo porque não pode ter por base o crédito bancário e sustentar-se em meras garantias do Estado. O problema principal a enfrentar prende-se com a falta de liquidez das empresas, (total ou semi paralisadas) para suportarem pesados custos fixos e despesas anteriormente contratualizadas. Para ganhar a década Boletim Número 1 Maio de 2020 ENFRENTAR A CRISE

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Vencer a crise

Estamos confrontados com uma crise colossal(porventura, a maior em Portugal nos últimos100 anos) que as previsões económicasconhecidas tendem, ainda, a subavaliar. Comuma origem exógena à economia está a ter, aoparalisar o funcionamento desta, um enormeimpacto económico que atinge de uma formageneralizada, mas assimétrica, os países e osdiferentes sectores de actividade.

Em Portugal, as previsões institucionais maisrecentes apontam, em 2020, para uma quebrado PIB entre 6.8% e 8.0%, seguido de umaretoma relativamente vigorosa em 2021.Cenário que, hoje, tem de ser consideradoespecialmente optimista, seja pelo que seconhece relativamente aos primeiros meses doano, seja pela forma como antecipam oregresso próximo a uma “normalidade” quenão tem, de todo, em conta as disrupções,nomeadamente, comportamentais que a criseproduziu.

Existe, neste contexto, um consenso alargadosobre a necessidade de serem, adoptadaspolíticas públicas robustas para, primeiro,travar o colapso da economia e, de seguida,impulsionar a retoma e recuperação damesma. Estas políticas têm de estaralicerçadas numa pluralidade de instrumentos,consubstanciando programas distintos comtempos de execução e objectivos diferenciadose levando sempre em consideração que ofinanciamento público tem limites repercutindo-se nas contas públicas dos países

Por isso, aqueles têm de assentar numaavaliação rigorosa das necessidades – porpaíses e por sectores mais duramenteatingidos – e assumir as formas que serevelem adequadas aos fins em vista.

Desde logo, emerge a necessidade de rompercom a ortodoxia financeira dominante econceber formas inovadoras de apoio, matériaem que o consenso começa a esboroar-se,sobretudo, a nível dos países da UniãoEuropeia. Quanto aos tempos e aos objectivosreferidos, importa considerar 3 fases distintas:

1ª Fase (curto prazo) – Trata-se de concebera nível nacional um Programa de Emergência(o Governo português chamou-lhe Programade Estabilização Económica e Social) visandotravar o colapso da economia, isto é, pondoesta de novo a funcionar e minimizando osnúmeros relativos ao encerramento deempresas e ao aumento do desemprego,acudindo, simultaneamente, às situações demaior urgência social.

Este Programa terá sempre um impactoorçamental significativo porque não pode terpor base o crédito bancário e sustentar-se emmeras garantias do Estado.

O problema principal a enfrentar prende-secom a falta de liquidez das empresas, (total ousemi paralisadas) para suportarem pesadoscustos fixos e despesas anteriormentecontratualizadas.

Para ganhar a década

► Boletim Número 1

► Maio de 2020

ENFRENTAR A CRISE

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Mas, somar mais dívida à dívida passada éabrir caminho para o seu encerramento aprazo. Os apoios a fundo perdido são, nesteâmbito, essenciais assim como o alívio dospagamentos através do seu diferimento oususpensão (nomeadamente fiscais) e dereescalonamento do crédito concedido àsempresas.

2ª Fase (curto/médio prazo) – Deve basear-se num Programa financeiramente expressivode relançamento da economia, sendo o seuinstrumento essencial um novo FundoComunitário em preparação e objecto dediscussão no Conselho Europeu. Trata-se aquide garantir apoios, com uma extensãotemporal de 2-3 anos, de modo a assegurarcondições de retoma das economias, ou sejaque permitam a viabilidade das empresas numcontexto de quebra da procura e dereajustamentos da oferta.

A retoma económica confronta-se com umconjunto de problemas, de que destacamos:

a) redução da procura interna e externa,consequência das medidas que restringem amobilidade de pessoas e de serviços e daquebra de confiança, quer de consumidoresquer de empresas;

b) necessidade de adaptação às novascondições da procura, nomeadamente, aonível da relação com o consumidor final;

c) situações de ruptura nas cadeias defornecimento das empresas, em muitos casos,com aumento de preços de bens e serviçosintermédios;

d) tempos de amortização dos investimentosmais prolongados requerendo, igualmente,prazo de pagamento mais longos;

e) tendência para anular ou adiarinvestimentos previstos, procurandosalvaguardar riscos face a uma elevadaincerteza quanto ao futuro e numa situaçãomarcada por uma subutilização da capacidadeprodutiva disponível.

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Por tudo isto, os apoios devem ter uma fortecomponente de subsídio não reembolsável eos créditos a conceder devem ter um critériode pagamento flexível condicionado àobtenção de lucros pelas empresas.

É essencial, neste sentido, que o principalobjectivo dos apoios seja evitar a destruição docapital produtivo e o aumento do desemprego,travando a recessão e permitindo um novocrescimento económico sustentado.

3ª Fase (médio/longo prazo) – Trata-se aqui,sim, de estruturar um Programa para década(entre nós o chamado “Portugal 2030”)centrado em medidas estruturantes e nosfactores determinantes da competitividadefutura que a presente crise obriga a reavaliar.

Deve ser um programa de mudança sem serum programa de ruptura com o tecidoprodutivo existente. O défice de investimentopúblico e privado continua a marcar a nossaeconomia ao longo de quase duas décadas e éessencial inverter este ciclo, sendo que muitasdas previsões e projecções feitas antes dacrise do COVID-19 já não se revelam realistas.

O conteúdo deste Programa é determinantepara evitar que a nova década seja umadécada perdida.

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Os resultados mensais entretanto divulgados peloINE, seja dos índices de volume de negóciossectoriais, seja dos inquéritos de conjunturaqualitativos, sintetizados nos indicadores de confiançados consumidores e das empresas, referentes aperíodos mais recentes, refletem já de forma maisevidente a magnitude das quedas verificadas naeconomia.

O índice de volume de negócios do Comércio aRetalho registou um decréscimo de -21,6%, em Abril,depois de já ter sofrido em Março uma contracçãohomóloga de -5,6%. Decréscimo que afectou mais oretalho de produtos não alimentares, cujo decréscimohomólogo em Abril foi de -34,3%, por comparaçãocom -5% no retalho alimentar.

O índice de volume de negócios da Indústriareferente a Março apresentou um decréscimohomólogo de -8,7% e o dos Serviços também emMarço, registou uma quebra de -17%.

No caso dos índices de emprego, remunerações ehoras trabalhadas, no comércio a retalho as variaçõeshomólogas foram em Abril de -1,9%, -7,4% e -28,3%respectivamente (compara com variações em Marçode +1,8%, +2,9% e -1,2%).

No caso dos Serviços as variações dos mesmosíndices foram em Março, pela mesma ordem de+0,2%, +1,7% e -3,3% (1,7%, 5,9% e 3,9% emFevereiro).

No sector do turismo, dos mais afectados pelo efeitonegativo da pandemia, segundo o INE, em Abril,registou-se, ao nível dos estabelecimentos dealojamento turístico uma redução nas dormidas denão residentes de -98,3% (-59,2% no mês anterior), enas dormidas de residentes uma redução de 92,7%em Abril (-57,6% em Março).

Todos os dados quantitativos conhecidos - aindamuito incompletos sobre os efeitos da pandemiana actividade económica em Portugal - retratamum impacto muito negativo de uma criseeconómica sem precedentes na história daeconomia global, com tradução numa recessãomuito acentuada a nível nacional. Desde logo osdados do primeiro trimestre, já afectados,sobretudo com a segunda metade do mês deMarço, reflectem danos imediatos no nossomercado de trabalho, no mercado do produto e naprocura interna e externa. Ainda no primeirotrimestre o emprego reduziu-se na generalidadedos sectores e desacelerou fortemente nosServiços, sendo de destacar a redução de-2,5% no emprego do comércio. Em termosglobais, no primeiro trimestre a variação homólogano total do emprego foi de -0,3%.

No caso dos resultados das Contas Nacionaisdivulgados pelo INE, reflectem já no 1º trimestredo ano uma queda no PIB de -2,3% e na procurainterna de -1,1% (de -0,7%, no Consumo total, de-2,2% no consumo privado e de -2,5% noinvestimento). O contributo da procura interna parao crescimento do PIB (de -1,1 pontos percentuais –p.p.) foi negativo pela primeira vez desde o 3ºtrimestre de 2013.

O contributo da procura externa líquida para oaumento do PIB foi igualmente negativo, de-1,3 p.p., com as exportações a registarem umdecréscimo homólogo de -4,9%, superior aodecréscimo homólogo nas importações de -2%.Salienta-se o decréscimo de -9,6% nasexportações de serviços, para o qual a quebra noturismo terá contribuído de forma relevante.

Indicadores Estatísticos Nacionais: A Quebra da Actividade Económica

e dos Níveis de confiança

OS NÚMEROS

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O Indicador de Confiança dos consumidoresatingiu em Abril o valor mínimo desde Maio de 2013,tendo em Maio recuperado parcialmente dadiminuição abrupta no mês anterior.

Fonte: INE, extraído do Destaque “Inquéritos de Conjunturaàs Empresas e aos Consumidores Maio de 2020”

Fonte: Idem

Por outro lado o inquérito às empresas (tambémqualitativo) entretanto lançado pelo INE e Banco dePortugal, para melhor se poder aferir o impacto dapandemia no tecido empresarial, dá-nos igualmenteconta da profundidade das dificuldades que sevivem no terreno, ao longo de Abril e Maio, sejapelas quedas acentuadas no volume de negóciosreportados por uma grande maioria de empresas,seja pela redução muito significativa do número depessoas efectivamente a trabalhar nas empresas.

Ao longo das várias semanas de Abril e na primeiraquinzena de Maio a percentagem de empresas quereportaram decréscimos no seu volume de negóciososcilou entre 73% no início de Abril e 70% em Maio.Por outro lado, tratam-se de quebras muitoacentuadas: ao longo das diferentes semanas entre44% e 47% das empresas reportaram decréscimossuperiores a 50%.

Nos agrupamentos sectoriais o ramo do alojamentoe restauração é o que regista maior percentagem deempresas com quebras no volume de negócios (aolongo das semanas entre 86% e 90% das empresasreportaram decréscimos).

No sector dos transportes a percentagem deempresas com quebras oscila entre 78% e 82%.

No Comércio (por grosso e a retalho), nos OutrosServiços e também na Indústria e Energia asempresas que reportaram quebras no volume denegócios oscilam ao longo das semanas entre 68%e 73%.

O Indicador de Confiança do Comércio e, emparticular o do Comércio a Retalho, depois deatingirem o mínimo histórico em Abril, tiveram emMaio uma muito ligeira recuperação, associada àsperspectivas futuras da actividade. Contudo, asopiniões dos empresários, “sobre o volume de vendasprolongaram em Maio o forte agravamento do mêsanterior, atingindo um novo mínimo da série”.

O indicador de clima económico, do INE, tendo porbase os inquéritos qualitativos às empresas, registouem Abril a maior redução da série face ao mêsanterior, a que correspondeu um novo mínimohistórico, tendo em Maio apresentado uma muitoligeira recuperação, provavelmente já associada aoperíodo de desconfinamento que entretanto teve inícioem Portugal.

Fonte: Idem

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Resultados preliminares do Barómetro PME Comércio e Serviços – Edição EspecialCovid19 – CCP

Inquérito realizado pela CCP entre 12 e 21 de Maio, ao qual responderam 52% empresas decomércio a retalho, 22% de restauração, 20% de serviços, 4% de comércio grossista e 2%de comércio e reparação automóvel

5

88,2%

5,3%4,3% 2,1%

Reduziu-se

Manteve-se

Aumentou

n.r.

Empresas segundo a variação homóloga

na faturação em Abril

8%3%

1%7%6%

12%17%

46%

0% 10% 20% 30% 40% 50%

n.r.Aumento entre 10% e 25%

Aumento <10%Redução <10%

Redução entre 10% e 25%Redução entre 26% e 50%Redução entre 51% e 75%

Redução > 75%

% no total de empresas

Empresas segundo a magnitude da variação homóloga na faturação em Abril

41,7%

53,5%

2,1% 2,7%

Reduziu-seManteve-se Aumentoun.r.

Empresas segundo a variação homóloga do

nº de pessoas em atividade, desde Março

30,4%

30,4%

20,3%

Empresas com pessoasem lay-off - algumas a100% algumas comredução de tempo detrabalhoEmpresas com pessoasem lay-off a 100%

Empresas com pessoasem lay-off com reduçãode tempo de trabalho

Das empresas com lay-off simplificado aprovado, até 21 de maio...

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Mais Alguns Números da Crise:

Sondagem, realizada entre os dias 8 e 10 de Maio pelo ISCTE e ICS (para o Expresso/SIC), revela que amaioria dos portugueses tem medo de regressar às ruas. Os inquiridos consideram arriscado (“muito” ou“algo”): andar de transportes públicos (89%); ir a um hospital ou centro de saúde (83%); ir a um café,pastelaria ou restaurante (81%); ir a um hipermercado ou centro comercial (79%); ir à praia (69%); ir a umbanco, aos correios ou a uma repartição pública (65%); ir a uma mercearia ou loja de comércio tradicional(59%). Consideram, também, que é muito cedo para abrir creches (72%) ou para retomar as aulaspresenciais no 11º e 12º anos (58%). Dizem, ainda, maioritariamente (57%), que “o pior ainda está paravir”.

A consultora PwC analisa o impacto da pandemia sobre os diferentes sectores de actividade concluindoque os sectores mais atingidos (impacto muito negativo) são: o alojamento (com uma queda do VAB em2020 situado no intervalo -36% e -54% ); restauração e similares (-32% a -52%); lazer e artes (-22% e -35%); transportes (-20% a -34%) e comércio de automóveis e motociclos (-18% a -32%).

Segundo números divulgados pelo Banco de Portugal, no mês de Abril, as operações de levantamento epagamento em cartão tiveram uma quebra acentuada relativamente ao mês homólogo de 2019, tendo oslevantamentos caído 32.8 milhões de euros (-40.3%) e os pagamentos de compras registado uma quebrade 52.8 milhões (-39.7%).

Os sectores mais atingidos nos pagamentos foram: o alojamento (-97%), a restauração (-85%), os serviçospessoais (-85%) e a saúde (-81%). No comércio, registaram-se disparidades significativas nos váriosramos de actividade, com as maiores quebras a registarem-se no vestuário (-99%), nos produtos novos (-53%) e nos combustíveis para veículos a motor (-49%).

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As Previsões da Comissão Europeia para 2020

As previsões de Primavera para 2020, divulgadasem Maio deste ano pela Comissão Europeia, sãoum exercício de contenção, no que se refere àdimensão possível da inevitável recessãoeconómica que vai atingir o conjunto dos países daU.E.. Assim, a previsão para estes aponta para umaquebra do PIB de -7.4% (-7.7% para a zona euro),em grande medida devido à quebra do consumoprivado e do investimento.

A Comissão prevê, contudo, que o período derecessão seja de curta duração com uma forterecuperação já em 2021 (a famosa recuperação em“V”), com um crescimento no próximo ano de 6.1%(6.3% para a zona euro), o que permitirá, no anosubsequente, concluir a recuperação dos númerosface a 2019.

* (European Economic Forcast, Spring 2020)

Para Portugal, a previsão ao contrário da doFMI divulgados em Abril (-8.0% de quebra doPIB, com mais 0.5 p.p. que a média da zonaeuro) coloca-nos numa posição menosgravosa do que a média europeia, com o PIB abaixar -6.8% em 2020 (o 5º desempenhomenos negativo da zona euro).

A melhor posição no «ranking» por parte donosso país resulta da uma previsão menosnegativa ao nível da procura interna, já que aC.E. prevê para Portugal uma quebraparticularmente acentuada das exportações (-14.1%), originando uma balança comercialfortemente negativa (pior só mesmo Chipre eMalta) com um défice de -7.1%.

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Estes números interrompem um ciclo de quatroanos de saldos positivos desta balança eprojectam-se na previsão de uma balançacorrente também ela a entrar em terrenonegativo (-0.6%).

Em matéria de investimento a maior quebraem Portugal ocorre nos equipamentos (-26.9%), enquanto a construção se mantémainda com valores marginalmente positivos(0.6%). Já no que se refere ao investimentopúblico os números apresentados paraPortugal, prolongam a tendência esperadapara nos situarmos na cauda da U.E. (pior só aGrécia e Chipre), e mesmo estes valoresafiguram-se razoavelmente optimistas, comuma previsão de que o seu montante atingiráem 2020 2.3% do PIB (3.1% para o conjuntoda zona euro).

Em matéria de saldo orçamental Portugalapresenta, também, uma evolução menosnegativa que a da zona euro com um défice de-6.5% que compara, nomeadamente, com ossaldos de Espanha de -10.1% e da Itália -11.1%. Para este saldo contribui, sobretudo, omenor aumento da despesa públicacomparativamente ao da média da zona euro.

Finalmente, quanto à dívida pública aprevisão da C.E. aponta para um valor de131.6% do PIB no final do ano, ou seja umagravamento de 13.9 p.p. relativamente a 2019e, significativamente, abaixo dos números daGrécia (196.4%) e da Itália (158.9%).

Embora assumindo sempre o elevado grau deincerteza e a possibilidade de estas previsõesserem facilmente ultrapassadas pelo evoluirdos acontecimentos (da nossa parte temosconsiderado que previsões para a queda daeconomia em 2020 abaixo dos dois dígitos sãoaltamente improváveis), a Comissão Europeia,com os números apresentados, opta por umdiscurso cauteloso mas que se afigura, poragora, querer afastar os piores cenáriospossíveis e, com isso, retirar alguma pressão

sobre o clima em que se vem fazendo, nas instânciaseuropeias, o debate sobre as medidas de combate àcrise.

Em relação ao conjunto de previsões para o nosso país,as maiores reservas que as mesmas nos suscitamrecaem na evolução do PIB e, sobretudo, nocomportamento da procura interna, sendo,nomeadamente, relevante ter presente que ocomportamento do Produto condiciona, por si mesmo, osrácios do saldo orçamental e da dívida pública.

Os números do Governo para 2020

Finalmente o Governo apresentou aos partidos e aosparceiros sociais, os números das previsõesmacroeconómicas para 2020 emergentes da actualcrise do COVID-19 e que acompanharão a Propostade Orçamento Suplementar a apresentar naAssembleia da República.

São números próximos dos das previsões daComissão Europeia e dos quais destacamos:

• PIB (real): -7% (em relação a 2019)

• PIB (nominal): -6% (em relação a 2019)

• Procura Externa: -14% (em relação a 2019)

• Saldo Orçamental: -6.5% do PIB (ou seja, umdéfice de cerca de 13 mil milhões de euros)

• Dívida pública: 131.6% do PIB

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A dívida directa do Estado no final de 2019 erade 251 mil milhões de euros, sendo que, destemontante, 50 mil milhões estão inseridos noPrograma de Assistência Financeira da U.E.(FEEF e MEEF).

De Janeiro a Abril de 2020 o stock da dívidapública aumentou em cerca de 8 mil milhõesde euros (259 mil milhões). Neste período, asnovas emissões de dívida totalizaram 26 milmilhões, sendo 15 mil milhões em O.T., o quesignifica que foram amortizados perto de 18 milmilhões.

Portugal partiu para este ano com o benefíciode ter fechado 2019 com um saldo positivo noO.E., com um Orçamento para 2020igualmente com superavit e com alguma folgade gestão e tendo previsões de novasnecessidades de financiamento emdesaceleração.

As previsões no início do ano para 2020 deemissão de dívida apontavam para 46 milmilhões, em grande medida pressionadaspelas amortizações a fazer que totalizariam os37 mil milhões. Deste modo as necessidadeslíquidas de financiamento eram de pouco maisde 9 mil milhões de euros. Na emissão dedívida um montante de 16.7 mil milhões seriaobtido através de leilões de O.T..

Até meados de Maio, o IGCP tinha já realizado8 leilões de colocação de Obrigações doTesouro com taxas de colocação (“Yelds”) a 10anos que, em Abril, atingiram 1.19% parabaixarem para 0.85% em meados de Maio.

Naturalmente que com a crise do COVID-19estas necessidades de financiamento já nãosão realistas, em parte face a uma previsão dedéfice orçamental, que de acordo com aprevisão que o Governo irá apresentar sesituará nos 6.5% (valor que é idêntico ao daComissão Europeia e assenta numa reduçãodo PIB nacional bastante benigna), tendo,

aliás, o próprio Ministro das Finanças admitidoem entrevista recente, de forma realista, que areceita do Estado poderá vir a cair 10 milmilhões de euros e num momento em que nãofoi ainda divulgado o real impacto das medidasde apoio à crise do lado da despesa

Neste contexto, não é de afastar um adicionalnas necessidades de financiamento que estarápróximo dos 20 mil milhões de euros, o queimplicará um maior aumento da dívida públicanacional. Relembra-se que o rácio em relaçãoao PIB será, naturalmente, agravado pelaqueda deste último dependendo o valor dadívida, em grande parte, da dimensão darecessão económica. Não é, contudo, difícil deimaginar (e não estamos a considerar opossível efeito na dívida do pacote comunitárioem preparação) um número acima dos 140%,o que a suceder atira a nossa dívida para umvalor que ficará acima do máximo atingidodurante a anterior crise das dívidas soberanas,que foi de 132.9% em 2014.

Apesar disto, existem motivos para podermosadmitir que estes números possam não ter omesmo efeito nas finanças públicas do paísque tiveram na crise anterior. O indicador maisrelevante a monitorizar tem que ver com ocomportamento dos juros, cujo real encargodetermina a solvabilidade do país. Se estes semantiverem abaixo do crescimento nominal daeconomia não constituem em si mesmo, umproblema grave; mas, para isso, é necessário,acima de tudo, uma intervenção energética econtinuada do B.C.E. junto dos mercados oque neste momento não pode ser consideradoum dado adquirido. É o grau de confiança dosinvestidores nessa actuação do Banco queconstitui o factor mais determinante paraperspectivar a evolução futura dos juros.

Dívida Pública Portuguesa: Garantir a Sua Sustentabilidade

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O País entrou na última fase do plano dedesconfinamento e, neste quadro, o Governoprepara-se para rever algumas das medidasextraordinárias que foram sendo adoptadas,para responder à doença COVID-19, aomesmo tempo que, na Assembleia daRepública, se assiste à aprovação decorreções a medidas aprovadas pelo Governoou à aprovação de outras medidas, como aalteração ao regime excepcional para assituações de mora no pagamento das rendas,nomeadamente no arrendamento comercial.

Começando precisamente pela questão dasrendas comerciais, se é verdade que com a Lein.º 17/2020 publicada no passado dia 29 demaio, se conseguiu uma nova dilação para opagamento das rendas comerciais para asactividades comerciais sujeitas a encerramentoou suspensão de actividade (a partir de 1 deSetembro de 2020 e até, no máximo Junho de2021), a verdade é que esta solução éclaramente insuficiente, como a evolução dasactividades económicas já em funcionamentotêm vindo a demonstrar. Os vários sectoresestão muito longe de alcançar o volume denegócio pré crise, não se vendo como terãocapacidade para efectuar, já em Setembro, opagamento da renda e a prestação mensalrelativa a rendas vencidas.

Merece referência a aprovação, no passadodia 28 de Maio, no Parlamento, de alteraçõesao regime de apoios aos sócios gerentes depme, reforçando esse apoio e com efeitosretroactivos. Esta aprovação, sendo positiva,não nos deve, no entanto, fazer perder de vistaum dado objectivo que a crise evidenciou.

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As Medidas de Política Nacional na Expectativa do Programa de Estabilização Económica e Social

Os pequenos empresários estão no nossosistema de protecção social completamente“desprotegidos” para fazer face acircunstâncias adversas como a queenfrentamos e esta situação deve mereceruma reflexão no futuro, tendo em conta,nomeadamente, o nível de descontos destaspessoas.

Justifica-se, num quadro de ausência ouquebra significativa de rendimentos, manterestes empresários fora de um qualquersistema de protecção, só porque sãoempresários? As contribuições pagas àsegurança social - pela empresa e por estesempresários como sócios gerentes - nãodeveriam ter um retorno semelhante ao queexiste para a generalidade dos cidadãos?Pensamos que sim.

Uma das medidas com maior projecção nocombate aos efeitos da pandemia foi semdúvida o Lay-off simplificado, mesmo que comalgumas insuficiências, em particular no que serefere ao conceito de retribuição paraapuramento do valor a considerar, e comatrasos nos pagamentos, os quais originaramacrescidos problemas de tesouraria àsempresas. A anunciada revisão deste regimedeve ser objecto de uma grande ponderação,pelos efeitos que pode ter no emprego. Sendo,obviamente, uma medida com um impactoorçamental elevado, também é verdade que oscustos do desemprego serão sem dúvida maiselevados. As orientações para a revisão desteregime devem apontar antes de mais para acorrecção de algumas das distorções do

AS POLÍTICAS

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regime ainda em vigor, nomeadamente não perderde vista as especificidades de cada sector quantoao seu modo (novo) de funcio- namento e, emespecial, que o impacto deste surto, do ponto devista económico, está longe de se esgotar nosmeses do confinamento.

No conjunto das medidas de apoio lançadas peloGoverno, merece especial crítica o encerramentoda única linha de crédito apropriável pelo sector docomércio e serviços (COVID-19: Apoio àActividade Económica). Com uma dotação inicialde 4 500 milhões de euros, esperava-se que estalinha de crédito, pela abrangência sectorial damesma, fosse reforçada tendo em conta osmontantes aprovados por Bruxelas, 13 mil milhões,para este tipo de financiamento.

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Desconhecem-se os motivos que levam oGoverno a não apostar no reforço desta medida,cujo custo para o Estado, sendo incerto, éseguramente menor que o custo de outrasmedidas adoptadas.

Neste momento, aguarda-se com algumaexpectativa o pacote de medidas que constituemo designado Plano de Estabilização Económicoe Social. Este plano terá que contemplar aindaalgumas das medidas já existentes, ainda querevistas, mas terá que contemplar, igualmente,medidas com maior extensão temporal e quecontribuam para reforçar a nossa competitividadee tornando as empresas mais resilientes a crisesde qualquer natureza.

Recomendações de Bruxelas para Portugal

O Conselho Europeu RECOMENDA que, em 2020 e 2021, Portugal tome medidas no sentido de:

1. Adotar, em consonância com a cláusula de derrogação geral, todas as medidas necessáriaspara combater eficazmente a pandemia, sustentar a economia e apoiar a recuperaçãosubsequente. Quando as condições económicas o permitirem, prosseguir políticas orçamentaisdestinadas a alcançar situações orçamentais prudentes a médio prazo e a garantir asustentabilidade da dívida pública, reforçando simultaneamente o investimento. Reforçar aresiliência do sistema de saúde e assegurar a igualdade de acesso a serviços de qualidade naárea da saúde e dos cuidados de longa duração.

2. 2. Apoiar o emprego e atribuir prioridade às medidas que visem preservar os postos detrabalho. Garantir uma proteção social suficiente e eficaz, bem como o apoio aos rendimentos.Apoiar a utilização das tecnologias digitais, a fim de assegurar a igualdade de acesso a umensino e formação de qualidade e reforçar a competitividade das empresas.

3. 3. Implementar medidas temporárias destinadas a proporcionar o acesso à liquidez por partedas empresas, em especial pequenas e médias empresas. Antecipar a realização de projetosde investimento público robustos e promover o investimento privado para estimular arecuperação económica. Focalizar o investimento na transição ecológica e digital, em especialna produção e utilização eficientes e não poluentes da energia, bem como nas infraestruturasferroviárias e na inovação.

4. 4. Aumentar a eficiência dos tribunais administrativos e fiscais.

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Apresentada a 27 de Maio, a proposta daComissão Europeia para um plano derecuperação para a Europa visa asseguraruma recuperação sustentável, equitativa,inclusiva e justa para todos os EstadosMembros, propondo a criação de um novoinstrumento, o “Next Generation EU”,integrado num orçamento de longo prazo daUE. A Comissão apresentou igualmente o seuprograma de trabalho adaptado para 2020,dando prioridade às acções consideradasnecessárias para impulsionar a recuperaçãoda Europa.

O “Next Generation EU” – que desafios, aonível do seu financiamento?

Os 750 mil milhões de euros do plano,juntamente com reforços orientados para oorçamento de longo prazo da UE para 2021-2027, propõem elevar o total do poderfinanceiro do orçamento da UE para 1,85biliões de euros.

Complementando os esforços nacionais, oorçamento da UE visa estimular umarecuperação socioeconómica justa, reparar erevitalizar o mercado único, garantir condiçõesde concorrência equitativas e apoiar osinvestimentos urgentes, nomeadamente astransições ecológica e digital, escolhidas comocerne da actuação comunitária durante opróximo Quadro Financeiro Plurianual.

O Next Generation UE pretende angariarfundos através de um novo limite máximo dosrecursos próprios, a título temporário, de2,00% do rendimento nacional bruto da UE,permitindo à Comissão contrair empréstimosno montante de 750 mil milhões de euros nosmercados financeiros.

Este financiamento adicional será canalizadoatravés de programas da UE e reembolsadodurante um longo período de tempo,abarcando vários orçamentos da UE, entre2028 e 2058.

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A fim de alcançar este objetivo de forma justae equitativa, a Comissão propõe alguns novosrecursos próprios. Além disso, a fim dedisponibilizar os fundos o mais rapidamentepossível para responder às necessidades maisprementes, a Comissão propõe alterar o actualquadro financeiro plurianual 2014-2020, a fimde disponibilizar um montante adicional de11,5 mil milhões de euros para financiamentojá em 2020.

Um novo plano...para investir em quepilares?

Os fundos recolhidos para o Next GenerationEU serão investidos em três pilares:

Apoiar os Estados-membros, cominvestimentos e reformas: um novoMecanismo de Recuperação e Resiliência de560 mil milhões de euros permitirá concederapoio financeiro a investimentos e reformas,incluindo no que respeita às transições -ecológica e digital e à resiliência daseconomias nacionais, interligando-as com asprioridades da UE. Este mecanismo seráintegrado no Semestre Europeu, dotado de ummecanismo de subvenções no valor máximode 310 mil milhões de euros e poderáconceder até 250 mil milhões de euros emempréstimos. O apoio será disponibilizado atodos os Estados-Membros, mas concentrar-se-á nos mais afectados e onde asnecessidades de resiliência mais se fazemsentir.

Ao abrigo da nova Iniciativa REACT-EU,conceder-se-ão, até 2022, 55 mil milhões deeuros adicionais dos actuais programas dapolítica de coesão, com base na gravidade dosefeitos socioeconómicos da crise, incluindo onível de desemprego dos jovens e aprosperidade relativa dos Estados-Membros.

PLANO DE RECUPERAÇÃO PARA A EUROPA – FINALMENTE, “A HORA DA EUROPA”?

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Relançar a economia da UE através dosincentivos aos investimentos privados: umnovo Instrumento de Apoio à Solvabilidademobilizará recursos privados para apoiarurgentemente empresas europeias viáveis nossectores, regiões e países mais afetados,podendo estar operacional a partir de 2020com um orçamento de 31 mil milhões de eurose o objetivo de desbloquear 300 mil milhões deeuros de apoio à solvabilidade das empresasde todos os sectores, bem como de aspreparar para um futuro mais limpo, digital eresiliente.

Aprender com as lições da crise: um novoprograma de saúde, o EU4Health, parareforçar a segurança sanitária e prever futurascrises sanitárias, com um orçamento de 9,4 milmilhões de euros.

A Comissão visa, igualmente, reforçar outrosinstrumentos especiais para tornar oorçamento da UE mais flexível e conferir-lhemaior capacidade de resposta.

Mas este plano encerra oportunidades parao comércio e os serviços?

A análise económica que acompanha o planoaborda o impacto nos diversos sectores,considerando que a recuperação será maisrápida nos sectores retalhista e grossista doque noutros sectores, com base numaesperada “procura robusta” (o que nãocorresponde, até ver, ao que tem sidoverificado pelas empresas).

De qualquer forma, como o plano prevê oreforço de verbas em muitos programas,incluindo ao nível da Transição Justa (emparticular, para as PME) da coesão e dadigitalização, é expectável que o comércio e osserviços possam vir a beneficiar deste reforço.Importará, neste domínio, que os governosatendam à importância que os serviços emgeral deverão assumir na definição dasestratégias políticas para a recuperação, nãocedendo às expectáveis pressões da indústriapara que lhe seja atribuído o grosso dos apoioscriados. Importará, também, que a definiçãodos novos programas (a nível nacional) sejafeita em articulação com os parceiros sociais eas associações empresariais, visando que osapoios sejam adequados às reaisnecessidades e cheguem às empresas o maisrapidamente possível.

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E que desafios se colocam a nível político?

Desde logo, o plano proposto terá de passar peloParlamento Europeu e ainda pelo ConselhoEuropeu, onde a unanimidade se tem afiguradocrescentemente difícil em muitas matérias,sobretudo as que revestem maior impactofinanceiro. Mas sabendo-se que o Parlamento teminstado os Estados-Membros a serem maisambiciosos relativamente ao próximo orçamentocomunitário, incluindo no tocante à política decoesão, desafios que saíram reforçados pelosimpactos socioeconómicos da pandemia,podemos afirmar que o principal desafio seráalcançar-se um acordo político rápido sobre oNext Generation EU e o orçamento global da UEpara 2021-2027 ao nível do Conselho Europeu.

Sabemos, contudo, que se para a Comissão epara os países que receberam positivamente aproposta (nomeadamente os do Sul da Europa,incluindo Portugal), esta deveria ser aprovadadesejavelmente até Julho, outros países maiscépticos e resistentes vieram já considerar aproposta como um primeiro passo paranegociação, reclamando tempo para reflexão eponderação sobre os impactos futuros de umasolução que visa apostar predominantemente nassubvenções (não reembolsáveis) em vez datradicional aposta na figura dos empréstimos.Entre estes, têm-se feito ouvir os denominadospaíses “frugais” – Áustria, Dinamarca, PaísesBaixos e Suécia – defendendo preferencialmentemedidas assentes no recurso ao endividamento.

Outra questão, que se afigura fundamental parapaíses como Portugal, diz respeito à importânciaconcedida no plano à política de coesão, tambémela muito questionada pelos países mais a norte:a Comissão pretende ajustar as suas propostasrelativas aos programas desta política, por formaa reforçar os apoios a investimentos na fase darecuperação, incluindo apoios às PME, aodesenvolvimento de competências e ao emprego,em particular dos jovens, prioridades quepartilhamos.

A confirmarem-se os números previstos, Portugalpoderá vir a beneficiar de cerca de 26 mil milhõesde euros, uma parte significativa a fundo perdido,no âmbito deste Plano.

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1. DO COVID -19 À PARALISAÇÃO DAECONOMIA E DA SOCIEDADE

A pandemia Covid 19 teve no centro umcoronavírus desconhecido para a maioriaesmagadora dos Estados, mas cuja rapidezde propagação se revelou exponencial a partirda sua implantação na província chinesa deHubei – partindo da metrópolegeograficamente central de Wuhan.

Face aos riscos de uma propagação nointerior dos Estados, que pudesse até levar aocolapso dos serviços nacionais de saúde osGovernos de muito países optaram pelaimplementação de medidas obrigatórias deredução drástica da mobilidade externa einterna, de cancelamento de atividade deindustrias e de serviços que envolvessemajuntamentos de pessoas e /ou uma interaçãocontinuada com clientes e do confinamentodas populações nos seus espaçosresidenciais familiares

Esta opção não levou à paralisação aindamaior da atividade corrente graças áoportunidade que constituiu para uma rápidadifusão de soluções digitais assentes nainternet e no ciberespaço que permitiram ageneralização do teletrabalho individual, - dasteleconferências, do teletrabalho em grupo ,da telescola e das compras por comércioeletrónico e da marcação prévia de serviçospor via digital . E em casos com expressãomuito mais restrita assistiu-se se -se seigualmente à experimentação de outrastecnologias que integram o Novo SistemaTécnico Económico em formação – desde ouso drones e veículos robóticos móveis -quer no transporte ao domicilio de comprasrealizadas por via digital, quer namonitorização dos movimentos das pessoas ,quer no apoio á prestação de serviços aosclientes

E ,em particular , esta pandemia tornou todosconscientes da importância de uma novacategoria de prestadores de serviços- emmuitos caso gratuita - as plataformas digitaisglobais que utilizam um modelo de negócioradicalmente novo.

2.AS PLATAFORMAS DIGITAIS GLOBAISREVOLUCIONANDO A PRESTAÇÃO DESERVIÇOS

Todos sabemos que há muito tempo queexistem plataformas físicas que estabelecemrelações entre consumidores e entidades queoferecem bens e serviços. O que astecnologias de informação vieram permitir -revolucionando a natureza das plataformas -foi o não ser preciso dispor de infraestruturas eativos físicos próprios para realizar a interaçãoentre esse dois tipos de atores. Emboratenham surgido em múltiplas formas, asplataformas digitais que operam nociberespaço, partilham de um ecossistemacom uma mesma estrutura de base incluindoquarto tipos de entidades/atores:

Os proprietários da plataforma (owners) - quecontrolam a propriedade intelectual e agovernação das plataformas e, nos casosvertentes, geraram os algoritmos que as fazemfuncionar; os fornecedores (providers) queservem de interface entre as plataformas e osutilizadores; os produtores (producers) quecriam as ofertas de conteúdos e de serviços,enquanto os consumidores (consumers)utilizam estas ofertas.

Num livro publicado em 2016 estabelecia-se adiferença fundamental entre dois modelos deorganização de negócios - os negócios empipelines versus os negócios emplataforma. Nos negócios em pipeline, acriação de valor ocorre através do controlosobre uma série linear de atividades - no

OS DESAFIOS

O COVID-19, OS SERVIÇOS E O SEU FUTURO

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modelo clássico de cadeia de valor - na qualInputs que surgem num dos extremos dacadeia passam por um conjunto de passos queos transformam num produto acabado (bem ouserviço) que vale mais do que os inputs. Se,por exemplo, pensarmos no negócio desmartphones e tablets da Apple deparamo-noscom um típico negócio em pipeline. Mas, secombinarmos este negócio com a App Storeda Apple - ou seja, o mercado que liga quemdesenvolve as aplicações com os detentoresdo smartphones que as utilizam, estamos numtípico negócio em plataforma. O caso da Applemostra que as empresas não têm que ser, emalternativa, negócio em pipeline versusnegócio em plataforma, podendo combinarambos. Geoffrey G.Parker, Marshall VanAlstyne e Sangeet Paul Choudary - “PlatformRevolution: How Networked Markets Aretransforming the Economy and How to makeThem Work for You“ - Edição: W.W.Morton, 28Março 2016.

Mas, se combinarmos este negócio com a AppStore da Apple - ou seja, o mercado que ligaquem desenvolve as aplicações com osdetentores do smartphones que as utilizam,estamos num típico negócio em plataforma. Ocaso da Apple mostra que as empresas nãotêm que ser, em alternativa, negócio empipeline versus negócio em plataforma,podendo combinar ambos. Geoffrey G.Parker,Marshall Van Alstyne e Sangeet PaulChoudary - “Platform Revolution: HowNetworked Markets Are transforming theEconomy and How to make Them Work forYou“ - Edição: W.W.Morton, 28 Março 2016.

De acordo com os autores a evolução de umnegócio em pipeline para um negócio emplataforma envolve três ruturas principais nosmodelos de negócio:

a) Do controlo direto sobre recursos parauma orquestração de recursos.

Num negócio em pipeline considera-se que asempresas ganham vantagem competitivaatravés do controlo de ativos escassos,valiosos e, se possível, inimitáveis. Ativos quepodem ser tangíveis e intangíveis - comopropriedade intelectual. Ao passo que numnegócio em plataforma os ativos difíceis decopiar são, por um lado, a comunidade e osrecursos que os seus membros possuem ecom que contribuem - sejam eles automóveis

(ex: Uber), quartos para alugar (Airbnb) ou ideiase informação para partilhar. Ou seja, o principalativo num negócio em plataforma é a rede deprodutores e de consumidores que organiza e oprincipal fator é o algoritmo que permite formaressa rede.

b) De uma otimização interna para umainteração externa.

Num negócio em pipeline as empresasorganizam o trabalho interno e os recursos queadquirem, criando valor através da otimização deum conjunto de fases de produção: enquantonuma empresa em plataforma a criação de valorresulta da facilitação de interações entreprodutores e consumidores, ambos externos àempresa. A ênfase passa pois de dirigir com rigorprocessos internos à empresa, ou por elacontrolados, para persuadir mais participantes aligar-se à plataforma.

c) Do foco no valor para o cliente no foco novalor para o ecossistema.

Num negócio em pipeline procura-se maximizar ovalor - ao longo do ciclo de vida - deconsumidores individuais de produtos e serviços,que se localizam no final de um processo linear.Num negócio em plataforma, o objetivo émaximizar o valor total de um ecos sistemaatravés de um processo, circular, iterativo emovido por feedbacks (o que pode implicar anecessidade de subsidiar um certo tipos deconsumidor, a fim de poder atrair outros tipos deconsumidores).

Um espaço digital global como este permite àsempresas que lideram os seus diversossegmentos (search engines & advertising, à cloudcomputing, à big data & analytics, aos socialmedia, às aplicações web & mobile, àsplataformas de e-commerce, etc.) dispor devolumes de vendas elevadíssimos, com elevadasrendibilidades e com a especificidade de geraremefeitos de rede poderosíssimos, pelos quais osutilizadores se tornam, gratuitamente, atores daprópria atratividade e da expansão dacomunidade de utilizadores das plataformas. E nocentro do modelo de negócio das plataformasdigitais globais está o acesso à “ pegada digital”de cada um dos seus utilizadores permitindonomeadamente antecipar a procura e organizaruma oferta diversificada de serviços, de modomuito mais personalizado, , prestando à partidaum serviço gratuito específico como meio decaptar mais utilizadores.

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O surto epidémico de vírus Covid 19 tem vindo aalterar uma realidade que dávamos porgarantida. A epidemia fez com que em poucosdias a generalidade das empresas fossemobrigadas a alterar o seu modelo defuncionamento e de negócio, obrigando a que,por um lado, muitos colaboradoresdesempenhassem as suas funções em trabalhoremoto, a partir da sua própria casa, e, por outrolado, muitas empresas de comércio e serviços,bem como profissionais independentes,mudassem os seus canais de comunicação comos clientes e de venda, aderindo ao comércioonline e a plataformas de promoção dos seusbens e serviços, como o Facebook, Instagram eo Twitter, e a toda uma série de novasferramentas de trabalho e de comunicação,acelerando a sua inserção na economia digital ecriando novas necessidades e oportunidades denegócio.

De acordo com a Autoridade Nacional deComunicações (Anacom), na semana entre 11 e17 de Maio o tráfego de dados aumentou doispontos percentuais em relação à semana de 4 a10 de Maio, referindo a Anacom um aumento em50% de tráfego de dados relativamente aotráfego registado antes da pandemia.

Este aumento de entradas de empresas noscanais digitais leva a que seja necessário umaumento do investimento em cibersegurança,cloud computing e na velocidade de transmissãode dados através da rede de internet, de forma aassegurar as condições de funcionamento e desegurança em rede. Dadas as necessidadesdecorrentes da situação actual, e atendendo aofacto de que as necessidades futuras serão cadavez mais exigentes, sobretudo devido ànecessidade de assegurar a leitura de dados emtempo real, é necessária a criação de uma redede 5G, de forma a garantir que Portugal semantenha numa posição competitiva quepermita a atração de IDE para a nossaeconomia.

O 5G possibilita um enorme incremento navelocidade de processamento de dados, menorlatência e um aumento no número de

equipamentos ligados entre si, possibilitandoactividades que com as actuais redes emfuncionamento não são possíveis. “A conduçãoautónoma ou a telemedicina são doisexemplos que podem vir a mudar a nossavida”, garante Eliseu Macedo, especialista doInstituto de Telecomunicações da Universidadede Aveiro. “Um segundo faz toda a diferençanuma cirurgia à distância ou na segurançarodoviária. Com uma velocidade mais rápida,será mais fácil concretizar estaspossibilidades”.

No entanto, no que à criação de uma rede de5G diz respeito, Portugal tem um atrasosignificativo em relação a alguns países daUnião Europeia com os quais competimosdirectamente para a captação de IDE, como aIrlanda, Espanha, Polónia, Hungria ouRoménia, que já iniciaram a suaimplementação.

Cobertura da rede 5G na Europa, em Maio de 2020

Fonte: Nperf.com.pt

A Estratégia Nacional para o 5G: um desafio que a crise vai reforçar

No dia 7 de Fevereiro deste ano o Governoanunciou a criação de um plano para a criaçãoda rede 5G em Portugal, definindo as linhasestratégicas para criar uma rede de 5G comcobertura a nível nacional até 2025, sendo naocasião referido que a criação da rede eracritica para assegurar o “desenvolvimento ecompetitividade” da economia portuguesa.

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Foi também anunciado que a Anacom iria fazerum leilão de frequências de 5G em Abril, deforma a capacitar as operadoras para odesenvolvimento do 5G. De forma a aumentar avelocidade de implementação da rede a nívelnacional, a Anacom decidiu que a infraestrutura acriar seria partilhada pelas três operadorasnacionais (NOS, Meo e Vodafone) em roamingnacional, o que significa que um utilizador deuma determinada rede pode usar a rede de outraoperadora em locais onde essa rede tenhamelhor cobertura de rede.

No entanto, devido ao surto epidémico e aoconfinamento, a Anacom anunciou, em 19 deMarço, a suspensão da consulta pública sobre oprojecto de regulamento do leilão para atribuiçãode licenças de 5G.

Segundo a Anacom, o processo de consultapública foi parado devido à Lei N.º 1-A/2020 de19 de Março, que introduziu medidas para contero surto epidémico, como a suspensão dos prazosdos procedimentos administrativos (o que incluias consultas públicas).

Outro facto que contribuiu para o atraso nocronograma de atribuição das licenças para o 5Gprende-se com o facto do processo de migraçãoda TDT para outros canais (e que é necessáriopor a TDT usar essas frequências, sendonecessária a sua migração para a rede 5G usaressas frequências) ter sido igualmenteinterrompido devido à pandemia, estandoprevisto o reinicio do processo de migração entremeados de Junho e princípio de Julho eprevendo-se a sua conclusão em Novembro ouDezembro deste ano, segundo o CEO da Altice,Alexandre Fonseca.

Apesar de ser possível recuperar o atraso nacriação de uma rede de 5G relativamente aospaíses com os quais Portugal compete nacaptação de IDE, graças à partilha da rede entreas três operadoras, o facto de ainda não haverprevisão para o reinício dos trabalhos daconsulta pública sobre o projecto de regulamentodo leilão para atribuição de licenças de 5G e doprocesso de migração de frequências da TDT iráprovocar um atraso do plano do Governo, queprevê a cobertura 5 G em duas cidadesnacionais e a cobertura nacional até 90% até aofinal de 2025, o que irá reforçar o nosso atrasopara outros países, que já se encontram na fasede implementação da rede 5G e que járetomaram os trabalhos, como a Espanha

Por outro lado, verifica-se que a rede a serinstalada em Portugal não corresponde à rede5G+, que permite velocidades entre 1 a 2Gbps,mas uma rede sub6 5G (ou mid band) e umarede 5G Low Band.

As vantagens destas redes residem no facto deserem mais rápidas que as redes actuais de 4G,para além de serem mais eficientes que a redede 5G+ em relação a ultrapassar obstáculosfísicos e terem maior alcance de cobertura derede, permitindo cobrir mais regiões com rede5G.

No caso da rede 5G Low Band, as velocidadesnão permitem suportar inovações como osveículos autónomos ou cirurgias à distância,sendo na prática um pouco superior em termosde velocidade à rede de 4G.

Apesar do atraso verificado na implementação darede 5G, devemos acima de tudo dar passosseguros, que permitam assegurar a instalação deuma rede que dê garantias de todos os pontosde vista.

Ficha Técnica

Vencer a crise para ganhar a década

Textos produzidos com a colaboração de:

Ana Vieira

Helena Leal

Hugo Oliveira

Isabel Francisco

José António Cortez

José Manuel Félix Ribeiro A informação utilizada reporta a 31 de Maio de 2020Comentários e sugestões para: [email protected]