Verdade Mentira Nietzsche

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Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, Friedrich Nietzsche, 1873. (tradução Rubens Rodrigues Torres Filho) Parte I 1. Em um minuto de algum canto do universo, certos animais inteligentes inventaram, naquele que “foi o minuto mais soberbo e mentiroso da ‘história universal’”, o conhecimento. Qual a finalidade do intelecto humano dentro da natureza? Não há nada neste intelecto missão que o conduzisse além da vida humana. Pelo contrário, há somente o humano, mas seu possuidor acredita-se o centro, o sol, deste mundo. O filósofo, talvez o mais orgulhoso dentre os homens, acredita pensar ver por todos os lados todos os olhos que agem e pensam no universo. 2. O intelecto foi concebido como meio auxiliar aos “mais infelizes, delicados e perecíveis dos” seres, para firmá-los nesse minuto de existência. A altivez associada ao conhecimento e ao sentir não passa duma nuvem de cegueira pousada sobre os olhos e sentidos dos homens, engana-os sobre o valor da existência, ao trazer em si a mais lisonjeiras das estimativas de valor sobre o próprio conhecer. 3. Os homens estão imersos em ilusões, imagens de sonhos, seu apenas resvala às tontas pela superfície das coisas e vê “formas”, sua sensação não conduz em parte alguma à verdade, mas contenta-se em receber estímulos e como que dedilhar um teclado às costas das coisas. O homem, à noite, deixa que o sonho lhe minta

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Sobre verdade e mentira no sentido extramoral, Friedrich Nietzsche, 1873.(traduo Rubens Rodrigues Torres Filho)

Parte I

1. Em um minuto de algum canto do universo, certos animais inteligentes inventaram, naquele que foi o minuto mais soberbo e mentiroso da histria universal, o conhecimento.Qual a finalidade do intelecto humano dentro da natureza? No h nada neste intelecto misso que o conduzisse alm da vida humana. Pelo contrrio, h somente o humano, mas seu possuidor acredita-se o centro, o sol, deste mundo. O filsofo, talvez o mais orgulhoso dentre os homens, acredita pensar ver por todos os lados todos os olhos que agem e pensam no universo.

2. O intelecto foi concebido como meio auxiliar aos mais infelizes, delicados e perecveis dos seres, para firm-los nesse minuto de existncia. A altivez associada ao conhecimento e ao sentir no passa duma nuvem de cegueira pousada sobre os olhos e sentidos dos homens, engana-os sobre o valor da existncia, ao trazer em si a mais lisonjeiras das estimativas de valor sobre o prprio conhecer.

3. Os homens esto imersos em iluses, imagens de sonhos, seu apenas resvala s tontas pela superfcie das coisas e v formas, sua sensao no conduz em parte alguma verdade, mas contenta-se em receber estmulos e como que dedilhar um teclado s costas das coisas. O homem, noite, deixa que o sonho lhe mintaPergunta que Nietzsche coloca: Se o homem pouco sabe sobre si mesmo, afinal a natureza cala quase tudo a ele, o homem repousa na indiferena do seu no saber, e como que pendente em sonhos sobre o dorso de um tigre. De onde neste mundo viria, nessa constelao, o impulso verdade?!

4. Enquanto o indivduo, em contraposio a outros indivduos, quer conservar-se, ele usa o intelecto, em um estado natural das coisas, no mais das vezes somente para o disfarce: mas, porque o homem, ao mesmo tempo por necessidade e tdio, quer existir socialmente e em rebanho, ele precisa de um acordo de paz e se esfora para que pelo menos a mxima guerra de todos contra todos desaparea de seu mundo.Esse tratado de paz traz consigo algo que parece ser o primeiro passo para alcanar aquele enigmtico impulso verdade. Agora, com efeito, fixado aquilo que doravante deve ser verdade, isto , descoberta uma designao uniformemente vlida e obrigatria das coisas, e a legislao da linguagem d tambm as primeiras leis da verdade: pois surge aqui pela primeira vez o contraste entre verdade e mentira.O mentiroso usa as designaes vlidas, as palavras, para fazer aparecer o no efetivo como efetivo. Faz mau uso das convenes por meio de trocas arbitrrias ou mesmo inverses dos nomes. A sociedade o exclura se ele o fizer de modo egosta e de resto prejudicial.Os homens no procuram tanto evitar ser enganados quanto ser prejudicados pelo engano: o que odeiam, mesmo nesse nvel, no fundo no a iluso, mas as consequncias nocivas, hostis, de certas espcies de iluses. tambm em um sentido restrito semelhante que o homem que somente a verdade: deseja as consequncias da verdade que so agradveis e conservam a vida; diante do conhecimento puro sem consequncias, ele indiferente; diante das verdade talvez perniciosas e destrutivas, ele tem disposio at mesmo hostil.O que se passas com todas as convenes da linguagem? So frutos do conhecimento, do senso de verdade: as designaes e as coisas se recobrem? a linguagem a expresso adequada de todas as realidades?

5. O que uma palavra? A figurao de um estmulo nervoso de sons.