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CADERNO PEDAGÓGICO ORALIDADES AFROPARANAENSES UNIDADE 2 VOZES DE MULHERES NEGRAS EM MOVIMENTO Lucia Helena Xavier CAPÍTULO 2 AS NARRATIVAS DAS MULHERES NEGRAS MEMÓRIAS, LUTAS E RESISTÊNCIA

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UNIDADE 2

VOZES DE

MULHERES NEGRAS

EM MOVIMENTO

Lucia Helena Xavier

CAPÍTULO 2AS NARRATIVAS DAS MULHERES NEGRAS

MEMÓRIAS, LUTAS E RESISTÊNCIA

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ORALIDADES AFROPARANAENSES

101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101010101055555555555555555555555555555555555555555555555555555555555555555555

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(...)Todas as mulheresdêem-nos licença.Mulheres negras,

Mães de santo,Mães criadeiras,Mães de tantos.

Santas mulheres,dêem-nos licença para falar

das Yalorixás... Yalodês...Grandes Damas da nossa sociedade

(...)

MEL; CANDIERO. Mulheres de axé. In.: Mulheres de axé. E-book. Curitiba, Editora Humaita, 2017.

Disponível em: https://issuu.com/humaita5/docs/mulheres_de_ax__.compressed.

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CADERNO PEDAGÓGICO

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Lucia Helena Xavier

Esta unidade temática foi elaborada a partir da poesia Alma das Ruas: uma crônica para a alma negra curitibana, que traz uma re!exão sobre a presença de negras e negros na sociedade paranaense. Essa obra nos faz pensar sobre os silêncios e a necessidade de olharmos para diferentes facetas da história do Paraná, para rompermos com uma visão unilateral que induz a construção de uma identidade paranaense, sob aspectos exclusivamente eurocêntricos. O texto revela episódios da vida de personalidades femininas negras que viveram no Paraná, evidenciando a contribuição dessas pessoas para a formação do Estado. Apresenta elementos da história e da cultura construídos a partir das matrizes africanas, possibilitando uma visão multiperspectivada dos fatos e uma abordagem intercultural da história do Paraná. O foco da unidade é visibilizar mulheres afroparanaenses que atuam nos movimentos sociais. Na escolha das mulheres negras que destacamos, não houve critérios que de(niam quais eram as mais ou menos importantes para o Paraná, é apenas um recorte. Não temos a pretensão de registrar as lutas individuais de todas as mulheres negras paranaenses, marcamos a história de algumas delas. Porém, temos a consciência de que assim como as que foram citadas, tantas outras tiveram intensa participação política na luta pela igualdade de gênero e raça. A partir desta produção, temos a intenção de contribuir com possibilidades de práticas pedagógicas que evidenciam a vida de sujeitos que compõe a história deste Estado e que são invisibilizados. Dessa forma, nossa abordagem dá ênfase às memórias, lutas e resistências de mulheres negras que enfrentaram o preconceito e a discriminação de gênero e raça. Nosso objetivo é destacar a participação de mulheres negras nos movimentos sociais e suas contribuições nas lutas pela igualdade racial e de gênero no Estado do Paraná. A proposta pedagógica sugerida aqui apresenta algumas possibilidades de práticas, elas não esgotam o tema e podem ser adaptadas de acordo com a necessidade e o interesse de professoras(es) e aluna(os). O disparador para o trabalho, parte da leitura da poesia Almas das Ruas, escrita por Mel e Candiero (REINEHR; SILVA, 2016).

VOZES DE MULHERES NEGRAS EM MOVIMENTO

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ORALIDADES AFROPARANAENSES

(…)Quanta dor nos gerou

esta maldita escravidãoE a Santa Inquisição

nas terras dos pinheiraisFogueira de vaidades

Invisibilizando o negro paranaense

(...)No silêncio da brancura

dos tempos imemoriais…Negra era a cor da nega

(...)Ancestrais são invocadosMemórias desenterradas

O que está invisível aparece(…)

Um “Brasil diferente” começa a surgir

Sentir … algumas histórias cruéisAcontecidas bem aqui

no centro da cidadeQue nega suas incomodas

ancestralidadesComo o caso da escravizada liberta

BrígidaA curandeira de 1798

(...)Como a escrava Ignácia

Que tirou a vida do próprio (lho

para não vê-lo escravizado(…)

O caso de Maria AguedáMulher negra livre

Que em 1804 enfrentoua “elite e a milícia curitibana”

(...)Muitas águas ainda vão jorrar neste

chafarizMaria vai ao morro com sua lata d'águaCheia de histórias

negras em sua alma …(...)

“Santa Maria Bueno”Negra escravizada,

alforriada, embranquecida(…)

O mulato Zacarias de Goes e VasconcelosE a sua primeira dama

a afrodescendente Ana Carolina

(...)Da engenheira negra brilhante

Enedina Alves MarquesQue na Serra do Mar

esculpiu um poema na rocha(...)

Da professora Maria Nicolas,mulher negra rica

boa de briga, pintora, poetaEscritora … A Alma das Ruas

(…)O que será que aconteceucom a bela mulher negra

que teve um (lho do barão?E com esse (lho afrodescendente?

Quantas negras e negros guerreiros paranaenses …

(…)

TRECHOS DO POEMA "ALMA DAS RUAS: UMA CRÔNICA PARA A ALMA NEGRA CURITIBANA"

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CADERNO PEDAGÓGICO

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NEGRA É A COR DA NEGA A partir da leitura do verso Negra é a cor da nega, proponha que suas(eus) alunas(os) procurem diferentes signi(cados para a palavra nega. A partir dos signi(cados encontrados, realize um debate em sala de aula sobre esta expressão. Destaque a que grupo de pessoas este verso se refere e qual o sentido dessa expressão na poesia. Sugerimos alguns sites, que podem ser utilizados pelas(os) alunas(os) para auxiliar a discussão: • https://www.dicionarioinformal.com.br/nego/ • https://www.geledes.org.br/nega-explica-porque-o-meme-nego-e-racista/ Para subsidiar a conversa em sala de aula, indicamos o artigo de Santos (2010), que faz uma análise das palavras nego, nega e neguinha. Resumindo suas considerações, podemos a(rmar que essas palavras adquirem um signi(cado especí(co na época da escravização, quando eram usadas como uma forma de desonrar o escravizado. Dentro do contexto de linguagem, “ser negro era não ser humano e ser um animal fétido, utilizado para trabalhar sem remuneração e estar sujeito a castigos” (SANTOS, 2010, p. 2348). O autor explica que o sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto. De fato, há tantas signi(cações possíveis quanto contextos possíveis. Logo, a ideologia do contexto, no registro de linguagem usada durante a escravização, “ser negro” era ser semanticamente inferior (SANTOS, 2010, p. 2349). Em outro contexto, a palavra “nega”, pode expressar carinho, mas, esse signi(cante, usado fora de uma relação de intimidade, pode não ser aceito e levar a uma conotação negativa. A identidade da palavra pode ser dada de acordo com o contexto, mas não se pode desprezar a história dela, porque como diz Bakhtin (1997), ela é um fenômeno ideológico, traz uma carga ideológica, uma historiogra(a. Logo, mesmo sendo usada de forma positiva, em um contexto formal pode ocasionar uma avaliação negativa do seu enunciador.

ANCESTRALIDADE

Analisando outro trecho da poesia Almas das Ruas (REINEHR; SILVA, 2016), comente com suas(eus) alunas(os) a importância deste valor civilizatório africano, presente na sociedade brasileira.

(...)Ancestrais são invocadosMemórias desenterradas

O que está invisível aparece

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ORALIDADES AFROPARANAENSES

A ancestralidade também é um elemento constante na cultura africana e funda-se no respeito às experiências dos mais velhos, na comunicação que pode existir entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, espíritos e entidades sobrenaturais. Os ancestrais fazem a ligação entre o mundo visível e o invisível, colaborando com a comunidade, orientando suas ações. A preservação da memória dos antepassados não leva somente a olhar o passado, mas também a estabelecer diálogos com ele, absorvendo a sabedoria dos ancestrais, que abrirão caminhos para novos tempos. (ROCHA, 2009)

Ao valorizar e visibilizar a presença negra neste Estado, a poesia mostra as ações e experiências vividas daqueles que vieram antes, demonstra preocupação com a preservação de uma memória capaz de promover uma identidade negra paranaense. Nossa proposta é trazer as memórias e a ancestralidade dessas personagens, que possibilitem a relação entre passado/presente. Schmidt (2011, p. 83-84) em seu texto O signi#cado do passado na aprendizagem e na formação da consciência histórica de jovens alunos, aponta que:

Tomar o passado como ponto de partida de aprendizagem histórica pressupõe uma ida ao passado por meio dos vestígios que dele encontramos no presente, pois esses vestígios fornecem a ponte para adentrarmos ao passado nele mesmo. [...] Nessa perspectiva ir ao passado pode ser considerado uma atividade de construção de pontes, a partir de fragmentos do passado que existem em um determinado presente e que tenha continuidade com partes do passado que sejam objetos de interesse, mas estariam desconectados do presente.

O CASO BRÍGIDA

Consta em um dos Autos da Inquisição, registrado na cidade de Curitiba, no ano de 1798, que Brígida, uma escravizada liberta, especializou-se em tratamentos de doenças, usando ervas. Algum usuário, não contente com os resultados, denunciou-a anonimamente, como bruxa. Foi investigada e condenada pela Inquisição pelos seus atos, foi condenada à prisão perpétua. Conseguiram provar sua inocência e ela foi absolvida. Porém, por ter mais de sessenta anos e ser pobre,

até sua morte.

O CASO IGNÁCIA

A escravizada Ignácia casou-se com um homem livre em Santa Catarina. Quando seu senhor tomou conhecimento de que estava grávida, negou sua venda ao marido. Fugiu para Curitiba. Quando a criança já estava com 5 anos, foi descoberta e voltou para o cativeiro. Para não ver

o estrangulou. Respondeu ao processo crime e foi condenada à morte. Sua execução deu-se no ano de 1871, no Paço Municipal, por decapitação a machado.

Disponível em http://historias-parana.blogspot.com/2013/12/historias-do-parana-historias-de.html

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CADERNO PEDAGÓGICO

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Nesse sentido, indicamos os estudos de caso das personalidades Brígida e Ignácia, para oportunizar às(aos) alunas(os) o diálogo entre passado/presente das condições de vida de mulheres negras paranaenses. Com base nessas histórias, é possível levantar alguns questionamentos sobre a trajetória de mulheres negras no Paraná. As(os) alunas(os) podem identi(car: a época em que elas viveram, lugar ocupado por elas na sociedade paranaense, em que situação elas são mencionadas, motivos que as levaram a entrar em con!ito com a lei, as punições recebidas. Baseado nessas informações, torna-se viável re!etir em sala de aula sobre os fatores que foram determinantes para a punição recebida e se o que elas (zeram pode ser entendido como um ato de resistência à escravização. Os dois casos explicitam violências a que escravizadas e libertas estavam sujeitas. Outras mulheres são citadas na poesia. As(os) alunas(os) podem identi(cá-las e realizar uma pesquisa biográ(ca sobre elas. A partir delas, alguns questionamentos podem ser feitos:• Que lugar elas ocuparam na sociedade? • Eram escravizadas? • Elas podem representar exemplo de resistência para outras mulheres negras? Pela proposta apresentada, nesse momento é possível estabelecer um diálogo entre o passado e o presente. Outras questões podem ser levantadas:• Vivemos em uma sociedade racista e sexista?• Como notamos isso a partir das histórias apresentadas? Para estabelecer paralelos entre a história das mulheres negras que viveram no passado e as da atualidade, sugerimos a análise de alguns dados estatísticos. Dados que mostrem a situação das mulheres negras em relação à educação, mercado de trabalho, violência e saúde são bem expressivos. A partir deles, é possível questionar com as/os alunas/os se existe vulnerabilidade social das negras no Brasil e quais os motivos. Entre as pesquisas que podem subsidiar esta análise sugerimos:

• Atlas da Violência/2017;• Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça/2015;• Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geogra(a e Estatística (IBGE)/2017;• Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil/2013;

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ORALIDADES AFROPARANAENSES

Nestas publicações, é possível constatar que a intersecção de raça e gênero faz com que mulheres negras (que representam cerca de 25% da população brasileira) estejam submetidas a condições especí(cas de exclusão social que as impedem de usufruir plenamente de seus direitos. É importante destacar que a história das mulheres negras brasileiras não é apenas de exclusão. Elas também foram protagonistas e sujeitos de suas histórias. Muitas delas lutaram e ainda lutam para romper as barreiras das desigualdades presentes na sociedade.

FEMINISMO NEGRO O racismo estrutural da sociedade brasileira, construído historicamente, se manifesta das mais diversas formas: na falta de representatividade de homens e mulheres negras nos espaços públicos, na exclusão, pobreza, exposição à violência e falta de acesso a políticas públicas. Este racismo é resultado da dominação colonial moderna, onde se desenvolvem justi(cativas que expliquem o uso de mão de obra escravizada de africanos e seus descendentes com base em características físicas e “morais” que estabelecem padrões considerados normais e adequados para os europeus e padrões inferiorizantes para os não europeus (PETRUCELLI, 2013, p. 18). O projeto de dominação colonial foi tão e(caz, que continua presente na sociedade brasileira. Impregnou de tal forma a cultura brasileira, que ainda hoje se faz necessário ações que desconstruam preconceitos e estereótipos criados para estabelecer relações de poder baseadas em uma superioridade branca, masculina e europeia. Nessa perspectiva, desde o período colonial, criou-se uma visão estereotipada da mulher negra. Ora consideradas como mulheres “mais fogosas” e vistas como meros objetos sexuais, ora como excelentes trabalhadoras braçais. A necessidade de lutar contra o racismo e o sexismo que impõem barreiras que di(cultam o acesso ao pleno exercício da cidadania, motivou grupos de mulheres negras a se organizarem nos movimentos sociais para exigir que seus direitos fossem respeitados, denunciar a situação de opressão e exploração presentes no país. Desde então, muitas vozes dentro do movimento feminista e do movimento negro, buscam analisar os efeitos que o preconceito racial e de gênero causam nas trajetórias de vida das mulheres negras. Surge nos movimentos sociais, o que se denomina feminismo negro. As ativistas do feminismo negro denunciam as opressões de gênero, raça e classe e buscam instrumentos que propiciem às mulheres negras a superação das desigualdades provocadas por essas opressões.

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CADERNO PEDAGÓGICO

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O movimento de Mulheres Negras surge dentro do Movimento Negro Uni(cado com Maria Beatriz do Nascimento, da Universidade Federal Fluminense, que em 1972 criou a Semana da Cultura Negra, reunindo diversas universidades para discutir o dia a dia de mulheres negras no país. A partir daí, multiplicam-se diferentes movimentos que visam a representatividade política e a visibilidade de mulheres negras. Diversas intelectuais, entre elas, Sueli Carneiro e Yereza Santos, Lélia Gonzalez, entre outras, desde a década de 80, demonstram a realidade vivenciada pela mulher negra e apontam caminhos para a superação de desigualdades. Segundo Ribeiro (1995), em 1988, as mulheres negras deram um impulso na construção de sua organização, com (sionomia própria e caráter nacional visando intensi(car as re!exões e ações para o combate as opressões racial e de gênero com a realização do I Encontro Nacional de Mulheres Negras (ENMN). Na década de 1990, esse movimento amplia suas ações. Militantes marcam presença em diferentes coletivos e participam de processos de articulação e intervenção na sociedade, em nível mundial. Atualmente, diferentes ativistas negras, intelectuais ou não, tem utilizado as plataformas digitais para narrar histórias sobre a presença do racismo e do machismo em suas vidas: são blogs, sites, twitter, canais de youtube e páginas de facebook que formam uma rede de informações e compartilhamentos que tem auxiliado a modi(cação do cenário das relações raciais no ambiente virtual, mas também fora dele. (MALTA; OLIVEIRA, 2016) O feminismo negro não constitui um grupo unitário, existem diversas concepções políticas e metodologias de trabalho. Podemos a(rmar que é composto por mulheres de diferentes setores (originárias de movimentos como negro, sindical, popular, partidário) e articula-se o movimento negro e feminista à medida que estes incorporem e apoiem a luta de mulheres negras mantendo sua especi(cidade. As bandeiras de luta, para além da necessidade da conquista de melhores condições de vida e cidadania, expressam a garantia de educação antirracista e antissexista, o desenvolvimento de programas de combate a violência sexista e racial e ainda a implantação de ações no serviço público de saúde. São múltiplos os grupos que atuam na promoção da igualdade de gênero e raça e no enfrentamento ao racismo. No Paraná, podemos citar a Rede de Mulheres Negras -PR, o Movimento Negro Uni(cado, a Marcha do Orgulho Crespo, entre outros. Sugira uma pesquisa às(aos) suas(eus) alunas(os) para constatar quais são as defesas e lutas destes grupos. Sites que podem ser consultados: • http://rmnpr.org.br/• http://mnu.org.br/• www.facebook.com/marchadoorgulhocrespocuritiba/ Continuando o trabalho, sugerimos que algumas mulheres que integram estes movimentos sejam convidadas para ser entrevistadas pelas/os estudantes.

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ORALIDADES AFROPARANAENSES

Almira Maria Maciel Pedagoga que atuou em espaços sindicais e no movimento negro no enfrentamento ao racismo e na melhoria da qualidade da educação. Trabalha com educação das relações étnico-raciais, desde 1988. Realizou a pesquisa

anunciadas na imprensa curitibana do século XIX. Foi uma das idealizadoras e coordenadoras dos Encontros de Educadores e Educadoras Negros do Paraná e do Fórum Paranaense de Educação das Relações Étnico-Raciais do Paraná. Representou a Prefeitura Municipal de Curitiba no Fórum Nacional de Educação das Relações Étnico-Raciais realizado pelo MEC.

Alaerte Leandro Martins Enfermeira, com experiência na área de Saúde Pública, atua principalmente nos seguintes temas: mortalidade materna, saúde da mulher, mortalidade de mulheres negras, saúde de mulheres negras e enfermagem.

Heliana Hemetério Historiadora que iniciou sua vida na militância social em 1986, quando se engajou politicamente com o movimento negro. Inclui na sua pauta de defesa questões raciais e de gênero.

Dalzira Maria Aparecida É pesquisadora na área de Tecnologia,

Relações Raciais com foco nas Mulheres Negras e no Candomblé. É Iyalorixá do Candomblé. Atua no enfrentamento à intolerância religiosa e na garantia de direitos para mulheres negras. Doutoranda da UFPR, na linha de pesquisa: Educação, Diversidade, Diferença e Desigualdade Social.

Nará Souza de Oliveira Professora de português e literaturas de língua portuguesa. Fez parte do Grupo de Trabalho Clóvis Moura, grupo que localizou, mapeou e apontou políticas públicas para as Comunidades Remanescentes de Quilombos no Estado do Paraná, de 2007 a 2010. Foi diretora do primeiro Colégio Estadual Quilombola do Paraná, o Colégio Estadual Quilombola Diogo Ramos, em Adrianópolis. Integrou o Grupo de União e Consciência Negra e fundou o Instituto Rainha Nzinga em Piraquara.

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CADERNO PEDAGÓGICO

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A construção da identidade paranaense oculta a presença da população negra como uma das matrizes que constituem a formação étnica do Estado. Esta unidade temática apresenta-se como uma iniciativa para romper esta barreira. Ainda há um longo caminho a ser percorrido para atingir este objetivo. A poesia que motivou este trabalho, indica afroparanaenses que não podem ser esquecidos na História do Paraná. Acreditamos que suas trajetórias tenham que ser apresentadas tanto pelos seus feitos individuais, quanto contextualizados a partir de seu pertencimento e de um lugar destinado a eles de subalternidade, resistência e superação. Nesse contexto, ao propor práticas pedagógicas que tenham como protagonistas ativistas negras paranaenses, é fundamental que hajam re!exões sobre as construções históricas que estabeleceram o lugar social das mulheres negras na sociedade brasileira, bem como suas lutas pela cidadania. As militantes escolhidas para compor esta unidade temática trazem a oportunidade de debater o tema em sala de aula em uma perspectiva contemporânea, ao mesmo tempo que dá voz, sem intermediários, a grupos especí(cos da sociedade paranaense em suas estratégias de luta pela cidadania.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAZEREDO, Sandra. Teorizando sobre Gênero e Relações Raciais. Estudos Feministas. Rio de Janeiro. Tomo 5. n. especial. 1994.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e #loso#a da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997.

CARNEIRO, Sueli. Gênero e Raça. In: BRUSCHINI, Cristina; UNBEHAUM, Sandra G. (orgs). Gênero, Democracia e Sociedade. São Paulo: FCC: ed. 34, 2002. p. 167-193.

MALTA, Renata Barreto; OLIVEIRA, Laila Yaíse Batista. Enegrecendo as redes: o ativismo de mulheres negras no espaço virtual. Revista Gênero. Niterói. v. 16. n. 2. p. 55 – 69. 1.sem. 2016.

PETRUCCELLI, José Luís; SABOIA, Ana Lucia. Características Étnico-raciais da População: Classi(cações e identidades. Estudos e análises. Informação Demográ(ca e socioeconômica. Número 2. Rio de Janeiro: IBGE. 2013.

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ORALIDADES AFROPARANAENSES

REINEHR, Melissa; SILVA, Adegmar J. Oralidades Afroparanaenses: fragmentos da presença negra na história do Paraná. Curitiba, Editora Humaitá, 2016.

RIBEIRO, Matilde. Mulheres negras brasileiras, de Bertioga a Beijing. Revista de Estudos Feministas, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 446-57, 1995. Dossiê Mulheres Negras.

ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. A pedagogia da tradição: as dimensões do ensinar e do aprender no cotidiano das comunidades afro-brasileiras. Paidéia revista, curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências Humanas, Sociais. e da Saúde, Univ. FUMEC. Belo Horizonte Ano 8 n.11 p. 31-52 jul./dez. 2011.

SILVA, Mariza Ramos. Vulnerabilidade e invisibilidade: um olhar sobre as mulheres negras no município de Matinhos/Paraná. In: PINHEL, André M; SANTOS, Welington Oliveira (orgs) Novos estudos afro-brasileiros: trabalhos (nais de graduação. Curitiba: UFPR. NEAB, 2014.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora. O signi#cado do passado na aprendizagem e na formação da consciência histórica de jovens alunos. In: CAINELLI, Marlene & SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Educação Histórica: teoria e pesquisa. Ijuí: Ed. Unijuí. 2011.

SITES: ATLAS DA VIOLÊNCIA 2017Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/2/atlas-2017

RETRATO DAS DESIGUALDADE DE GÊNERO E RAÇA 2015Disponível em: http://www.mdh.gov.br/biblioteca/igualdade-racial/retrato-das-desigualdades-de-genero-e-raca-ipea-4a-edicao/view

PNAD CONTÍNUA 2017Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf

DOSSIÊ MULHERES NEGRAS 2013Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3039/1/Livro-Dossi%C3%AA_mulheres_negras-retrato_das_condi%C3%A7%C3%B5es_de_vida_das_mulheres_negras_no_Brasil