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201 Brasil: o estado de uma nação

Amazônia Legal – Englobaos estados da macrorregiãoNorte (Acre, Amazonas,Amapá, Pará, Rondônia,Roraima e Tocantins), oestado do Mato Grosso(macrorregião Centro-Oeste)e parte do Maranhão, aoeste do meridiano de 44o

(macrorregião Nordeste). A Amazônia brasileirapassou a ser designadaAmazônia Legal por meio da Lei no 1.806 de06.01.1953. Essatransformação é fruto de umconceito político e não deum imperativo geográfico. O conceito é criado para finsde planejamento econômicoda região amazônica. Em1966, a Lei no 5.173 de27.10.1966 e,posteriormente, o Artigo 45da Lei Complementar no 31de 11.10.1977 ampliam oslimites da Amazônia Legal,chegando à sua forma atual.A área da Amazônia Legalcompreende uma superfícieaproximada de 5.217.423km2, o que corresponde acerca de 61% do territóriobrasileiro. Pertencem àAmazônia Legal mais de 2/3das fronteiras terrestres dopaís.

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aior país tropical do planeta em extensão territorial, o Brasil temgrandes possibilidades de se beneficiar da valorização de seupatrimônio natural, sobretudo o da Amazônia. Com fronteiras

geopolíticas estabelecidas no final dos anos 60, a Amazônia Legal corresponde a57,4% do território brasileiro. Ela envolve os estados da região Norte –caracterizados pela cobertura florestal, economia extrativista vegetal e mineral quevem se modernizando nas últimas décadas – e também amplas extensões decerrado nos estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, onde se expande oagronegócio de grãos e a pecuária

A Amazônia sul-americana equivale a 1/20 da superfície da Terra, 1/5 de toda aágua doce e 1/3 das florestas tropicais do globo (ver mapa 1). Em contrapartida,abriga apenas 3,5 milésimos da população mundial. Ela é um dos três grandeseldorados naturais contemporâneos e 63,4% de sua área estão sob soberaniabrasileira. O fato de a Amazônia sul-americana estar sob soberania de Estadosnacionais a distingue dos outros dois eldorados naturais, os Fundos Marinhos1 e aAntártida, que são espaços não-regulamentados juridicamente e partilhados entreas potências. Por essa razão, a Amazônia brasileira adquiriu um novo significado nocontexto da revalorização da natureza, tornando-se foco de interesses múltiplos econflitantes. Estes devem ser administrados para que se possa conceber eimplementar um novo modo de produção e de uso do seu patrimônio natural, capazde promover o desenvolvimento e garantir a soberania brasileira sobre a região.

1. AMAZÔNIA: COMO SE BENEFICIAR DA VALORIZAÇÃO DESSE PATRIMÔNIONATURAL?

A Amazônia é hoje uma questão nacional. Justamente por seu imensopatrimônio natural, pouco e inadequadamente aproveitado, ela é um desafio àciência nacional e mundial. É também um instrumento de pressão externa sobre oBrasil. Caso seja adequadamente utilizado, o patrimônio natural amazônico teráinfluência decisiva no futuro do país.

No último quarto do século XX, o Brasil conseguiu explorar oportunidades eenfrentar com sucesso os desafios para valorizar seu patrimônio natural, graças aouso do conhecimento científico e tecnológico. São bons exemplos a criação daEmbraer e o nascimento do pólo tecnológico de São José dos Campos, no Vale doParaíba do Sul, a produção de combustível a partir das lavouras de cana-de-açúcarnas áreas de Mata Atlântica e a expansão das lavouras de soja nos cerrados do

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Mato Grosso. O desenvolvimento tec-nológico e a necessidade crescente deenergia valorizaram os leitos marinhose permitiram a auto-suficiência nacio-nal na produção de petróleo, gerandoacordos para demarcação de áreassubmersas sujeitas à soberania nacio-nal e ampliando grandemente a exten-são do território brasileiro.

A grande questão que se coloca écomo utilizar esse patrimônio para pro-mover o crescimento econômico cominclusão social, sem destruir a natureza.

As novas tecnologias tendem a al-terar a noção de valor associada ao usode recursos naturais, mas seu desenvol-vimento nem sempre consegue acom-panhar a rapidez dos processos econô-micos e as práticas sociais. Assim, asavaliações que têm sido realizadas so-bre os benefícios da preservação da flo-resta tropical apontam para a necessi-dade de agir com prudência quanto aouso desse patrimônio para fins econô-micos imediatos em razão do valor fu-

turo de sua preservação (ver quadro 1).No caso da floresta amazônica, Seroada Motta e May (1992) reconhecemque os ganhos econômicos da introdu-ção da agropecuária subestimam asperdas provocadas, pois não levam emconta os benefícios resultantes da pre-servação da biodiversidade e dos ser-viços ambientais.

Embora reconhecendo restriçõesmetodológicas a estimativas de custoeconômico do desmatamento, suge-rem que o valor econômico da floresta,representado pela exploração da ma-deira, pelo ecoturismo e pelo carbono,seja incorporado ao longo do tempo,podendo vir a internalizar-se no pro-cesso produtivo local. Para isso, serianecessário criar mecanismos de merca-do, administração e monitoramento.Mas o problema básico é que esses be-nefícios potenciais da preservação nãoentram no cálculo econômico dos a-gentes que detêm, na prática, o poderde decidir, ou não, pela preservação.

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Pelo contrário, Eustáquio Reis (Reis eMargulis, 1991; Andersen e Reis, 1997)demonstra que até o final dos anos 80os ganhos do desflorestamento exce-diam os seus custos graças ao créditosubsidiado.

É preciso, portanto, implementarum novo modo de produzir baseadoem ciência, tecnologia e informação(C/T&I), capaz de promover o desen-

volvimento e a inclusão social sem de-gradar o patrimônio natural. Vale res-saltar que, tendo em vista o quadroatual do país e o tempo de maturaçãode tal mudança, é necessário pensarem diferentes níveis de tecnologia,desde as mais sofisticadas às maissimples técnicas, adaptadas às espe-cificidades setoriais, regiões e grupossociais.

Em The Great Transformation: The Political and Economic Origins of Our Time (A Grande

Transformação: as origens de nossa época, 1980), Karl Polanyi assinalava que a comercia-

lização da terra, do trabalho e do dinheiro, inexistente no mercantilismo, era pré-condição pa-

ra o surgimento da economia de mercado no século XIX, com a industrialização. Esta

subordinou a sociedade, de alguma forma, às suas exigências. A rigor, trabalho, terra e

dinheiro não são mercadorias, isto é, objetos produzidos para a venda no mercado. Apesar

disso, por processos que o autor definiu como ficção, foram organizados os mercados de

trabalho, terra e dinheiro, os quais foram depois submetidos à regulação dos governos para

serem protegidos da ação isolada do mercado geral.

Atualmente, novas mercadorias fictícias estão sendo criadas, como é o caso do ar, da

diversidade biológica e da água, gerando mercados que buscam ser institucionalizados. É o

que se verifica com a tentativa de implementar formas de governabilidade global sobre o

ambiente mediante o estabelecimento de regimes ambientais globais, caracterizados por

sistemas de normas e regras específicas estabelecidas em acordos multilaterais.

Entre os temas que atualmente são objeto de tentativas de regulação mundial destacam-se

a Convenção sobre Mudança Climática, a Convenção sobre Diversidade Biológica e, mais

recentemente, as iniciativas para regular o uso da água, como a realização em 2003 do 3o

Fórum Mundial da Água, também em Quioto, patrocinado pelas Nações Unidas.

QUADRO 1 – A mercantilização da natureza

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O “mercado do ar”

No centro de relevantes debates in-ternacionais, o “mercado do ar” estáintimamente ligado à busca de umanova matriz energética em âmbitoglobal. Um de seus princípios básicos éque se pode equilibrar os níveis decarbono jogados na atmosfera, queprovocam danos ambientais, compen-sando as emissões com a preservaçãode matas ou o plantio em novas áreas,pois as plantas capturam carbono do arno processo de fotossíntese e o arma-zenam. A regulação do “mercado doar” tem início com a Convenção sobreMudança Climática e seu principal ins-trumento é o Protocolo de Quioto. Elecriou a comercialização de créditos decarbono em nível global, como ummeio pelo qual as indústrias dos paísescentrais possam compensar suas ma-ciças emissões de carbono, resultantesda combustão do carvão e de deri-vados do petróleo. Para isso, podeminvestir na preservação ou no replantiode florestas em países periféricos paraabsorção do CO2. Esse processo échamado de Mecanismo de Desenvol-vimento Limpo (MDL), foi propostopelo Brasil e superou a proposta dosEstados Unidos de “adesão voluntária”dos países periféricos a esse Protocolo.

Segundo a Conferência de Quioto,os países centrais industrializados, res-ponsáveis históricos pela poluição,comprometem-se a reduzir um per-centual do total de suas emissões decarbono em 1990 (ver tabela 1). Asmetas são diferentes para cada país,com prazos entre 2008 e 2012, ebuscam alcançar uma diminuiçãoglobal de 5,2% das emissões de car-bono. O nó da questão é o enorme cus-to desse processo, que demanda dasindústrias mudanças radicais para se a-daptarem aos limites estabelecidos eadotarem tecnologias energéticas lim-

pas. A comercialização internacional decréditos de seqüestro ou de redução degases causadores de efeito estufa foi asolução encontrada para diminuir ocusto global do processo. Países ouempresas que conseguirem reduzir ovolume de emissão de gases acima dovalor estipulado como suas metas ob-terão créditos, que podem ser vendidospara outro país ou empresa que nãoconseguir.

Até agora, as opções mais aceitaspara o seqüestro de carbono são osprojetos de plantio de florestas, váriosjá instalados no Brasil. Estes são vincu-lados principalmente a interesses degrandes corporações petrolíferas, têmmediação do Banco Mundial (Bird) edo governo da França, e são imple-mentados por ONGs nacionais e inter-nacionais. São exemplos da im-plantação do “mercado de ar” naAmazônia: o replantio de florestas em10.000 ha em Juína, no norte de MatoGrosso, conduzido pela empresafrancesa Peugeot, em parceria com oOffice National des Forets Interna-tional e a ONG Pró-Natura; um projetopiloto para testes, na ilha do Bananal,em Tocantins, em área de 60.000 ha,da empresa de energia inglesa AESBarry, sediada em Barry no País deGales, em associação com uni-versidades brasileiras, estrangeiras ecom a Secretaria do Meio Ambiente deTocantins; e o financiamento, porparte do Prototype Carbon Found(PCF), de um projeto de biomassa paragerar energia à empresa Mil Ma-deireira, do Grupo Gethal, em Ita-coatiara (AM).

Não há dúvida de que bons negó-cios poderiam ser implementados coma mercantilização do ar e a transforma-ção do seqüestro do carbono em umamercadoria de uso generalizado. Mashá outra ordem de questões a consi-derar, tais como:

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Ordenamento

1 Estados Unidos da América 15287962 China (continental) 7615863 Federação Russa 3916644 Japão 3232815 Índia 2922656 Alemanha 2143867 Reino Unido 1549798 Canadá 1189579 Itália (incluindo San Marino) 11685910 República da Coréia 11654311 México 11571312 Arábia Saudita 10216813 França (incluindo Mônaco) 9891714 Austrália 9409415 Ucrânia 9355116 África do Sul 8932317 República Islâmica do Irã 8468918 Brasil 8393019 Polônia 8224520 Espanha 7722021 Indonésia 7357222 Turquia 6046823 Taiwan 5799124 Tailândia 5421625 República Popular Democrática da Coréia 5154426 Venezuela 43054

Total 5282011

Tabela 1 – Maiores emissões de carbono

• o risco social de o comércio do ar serdirigido exclusivamente pelos meca-nismos de mercado;

• a falta de ética em um mercadoque permitirá aos países ricos con-tinuarem poluindo mediante acompra de créditos em vez decumprir as metas de redução deemissão de carbono;

• o risco de privatização e internacio-nalização do território nacional pelacompra ou controle de grandes áreasde terra, principalmente pelo controledo uso do território no caso de in-clusão de florestas nativas no MDL; e

• as lacunas ainda existentes no co-nhecimento científico sobre o aque-cimento global.

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A biodiversidade ou “o mercado davida”

Já o “mercado da vida”, expresso naquestão da biodiversidade, é ainda maiscomplexo, por pelo menos duas razões.Primeiramente porque a diver-sidade davida é também um fenô-meno humano,pois tem localização geográfica eformas de apropriação particulares, quese manifestam de forma diferente emdistintas socie-dades.

A segunda razão decorre da própriaConvenção sobre Diversidade Bio-lógica, que dá mais atenção aos riscose às necessidades de preservação dabiodiversidade mundial do que aosbenefícios para os habitantes dosrespectivos ecossistemas. Embora aCúpula da Terra tenha afirmado odireito soberano dos Estados paraexplorar seus próprios recursos, aafirmação desse direito não foi acom-panhada do devido esclarecimentosobre os direitos de propriedade.

É fácil perceber a importância daAmazônia para o avanço da fronteirada ciência, que reside em grande partena biotecnologia. O avanço da pes-quisa experimental acontece in vitro,com técnicas sofisticadas, nos moder-nos laboratórios de universidades eempresas dos países centrais, princi-palmente nos Estados Unidos e na In-glaterra. Mas também se desenvolvempesquisas de campo (in situ), no cora-ção da floresta que contém as matrizesgenéticas, muitas das quais ainda nãose consegue reproduzir em laboratório.Por essa razão, as práticas sociais de-senvolvidas na Amazônia são condiçãocrucial da pesquisa in situ: são fontesde informação por seu saber local,facilitam o acesso às matrizes genéticase protegem a biodiversidade medianteformas diversificadas de sua utilização.

Entre os dois extremos de experimen-tação, em laboratório e nas pesquisas

de campo, há um hiato conceitual. Ateoria não tem conseguido acompanhara rapidez dos avanços experimentais.Para a ciência, a biodiversidade colocaum duplo desafio: o de descrever equantificar os estados e processos bio-lógicos, e o de atribuir um valor à natu-reza, que até agora era exterior à esferaeconômica. Daí os problemas inerentesà valoração ambiental.

Para a sociedade brasileira, a valori-zação dos recursos genéticos exige re-gras de controle sobre seu acesso, queainda estão em discussão no Brasil, alémda distribuição dos seus benefícios paraa população local. Por enquanto, oacesso à biodiversidade é livre, favorecea “biopirataria” e torna urgente a ne-cessidade da regulação desse mercado edo empenho em promover o seu apro-veitamento com tecnologias avançadas.Para tanto, a união dos países ama-zônicos é essencial.

O valor crescente da água

Ainda incipiente, começa a ganharcorpo o chamado “mercado da água”.Sua valorização reside na ameaça deescassez decorrente do forte cresci-mento do consumo, a tal ponto que aágua potável passou a ser considerada“ouro azul” e o principal recurso na-tural, capaz de igualar-se à importânciaque o petróleo teve no século XX, egerar conflitos e guerras no século XXI.

Como é sabido, a Bacia Amazônica éa maior do planeta, com um total de6.925.000 km2 de área, desde as nas-centes nos Andes até sua foz no Atlânti-co (ver gráfico 2). Abrange territórios desete países sul-americanos, mas 63% desua área estão localizadas no Brasil.Grande parte das cabeceiras dos for-madores do Amazonas situa-se fora dopaís, mas não há maiores tensões comos países vizinhos. Não existe o proble-ma de “explosão” demográfica, quer no

Países amazônicos ou daAmazônia – Correspondemà região que soma osdiferentes países quepossuem parte da florestaamazônica em seu território,chamada de AmazôniaContinental. Reúne Brasil,Bolívia, Peru, Equador,Colômbia, Venezuela,Republica da Guiana,Suriname e Guiana Francesa.

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Brasil, que passou a ter queda nas taxasde crescimento nas últimas décadas,quer na Amazônia, onde a imigraçãodiminuiu e o crescimento vegetativonão é relevante. Tampouco há na regiãodesperdício de água com a irrigação, àsemelhança do que ocorre no Brasilcomo um todo. Ressalte-se, porém, quejá existem problemas ambientais e desaneamento nas cidades, cujo rápidocrescimento nas últimas décadas nãofoi acompanhado pela implantação deinfra-estrutura necessária.

Um rápido crescimento do consumode água engarrafada tem se verificadono mundo nas últimas três décadas.Essa indústria já alcança uma taxaanual média de crescimento de 7% ecriou um mercado que já movimenta

entre US$ 20 e US$ 30 bilhões anual-mente. É, pois, prioritário o tratamentoda água como um bem social, mastambém como bem econômico, comregras do jogo bem estabelecidas, umavez que muitos países já convivem coma escassez de água (ver tabela 2 adian-te). O Canadá, por exemplo, assinouum contrato com a China para forneci-mento de água por 25 anos. A Turquiaconstruiu uma plataforma semelhanteàs de petróleo para o abastecimento denavios-tanque com água, que será, in-clusive, vendida a Israel. Se a água en-garrafada, segundo alguns, não ofere-cia vantagens de preço para a Ama-zônia, a exportação em navios-tanqueparece uma alternativa viável e inte-ressante.

Recursos em águapor habitante

2025

Inferiores a 1000m∆ - ano 23 125 36 1021Inferiores a 500m∆ - ano 15 53 26 312

Tabela 2 – Disponibilidade hídrica por habitante

População em milhões hab.

Número de paísesNúmero de países

1990

População em milhões hab.

Fonte: Segundo projeções demográficas médias das Nações Unidas(1995). Jean Margat. In: Eau,dévelopment économique et population. Revista Francesa de Geoeconomia.

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2. AMBIENTALISMO VERSUSDESENVOLVIMENTISMO: UM FALSODILEMA?

A Amazônia hoje não é mais a mes-ma da década de 60. Modelos desen-volvimentistas e ambientalistas se suce-deram rapidamente na região e ambosdeixaram profundas marcas na socie-dade e no território. O desenvolvimen-tismo extremado gerou profundos con-flitos. Por seu lado, o ambientalismopreservacionista hoje não consegue a-tender as demandas regionais, nacio-nais e globais. Esse impasse atesta afalsa dicotomia dessa polarização.

Foram perversos os efeitos sociais eambientais gerados pela aceleradaocupação da Amazônia estimulada pe-lo Programa de Integração Nacional,entre 1965 e 1985. Mas deve-se reco-nhecer que essa política deixou profun-das mudanças estruturais que hojecontribuem para o desenvolvimento daregião (ver quadro 2).

Elas abrangem, principalmente, asseguintes mudanças:• na conectividade, sobretudo com

redes de telecomunicações que per-mitiram estabelecer relações locais-globais na região;

• na economia, com destaque para oPólo Industrial de Manaus, implan-tado no meio da economia extra-tivista, e a exploração mineral;

• no povoamento, que foi deslocadodos rios para as estradas e que secaracterizou por uma intensa urba-nização; e

• na sociedade, não só em sua diversi-ficação como em sua organização, oque talvez possa ser considerada amais marcante mudança na região.Todavia, essas mudanças não foram

devidamente percebidas, ou o foramde forma diversa, segundo os interes-ses particulares de diferentes atoressociais.

No plano internacional, a Amazôniaassumiu importância estratégica emfunção de seu duplo patrimônio: o dasterras propriamente dito e o de seuimenso estoque de natureza, fonte devida e capital natural. Esse patrimôniodeveria ser preservado em benefício detodos, por razões ambientais, econô-micas e geopolíticas.

No plano nacional, a percepção do-minante da Amazônia ainda era deuma fronteira móvel de recursos, isto é,uma área para expansão da economia,na qual a soberania brasileira deve sergarantida. Mas enquanto a sociedadebrasileira via a região como um espaçopara o aproveitamento de novas opor-tunidades, a sociedade regional se or-ganizava para resistir à sua expropria-ção (Becker, 2001a).

A expressão desse antagonismo temcomo marco o ano de 1985. Por umlado, o nacional-desenvolvimentismoque, inaugurado na Era Vargas com aintervenção do Estado na economia eno território, teve como último grandeprojeto na Amazônia o Calha Norte2.Por outro lado, nesse mesmo ano, umnovo processo tem início com a criaçãodo Conselho Nacional dos Seringueiros,simbolizando um movimento de resis-tência das populações locais à expro-priação da terra. À crise do Estado e àresistência social, somou-se a pressãoambientalista internacional e nacionalpara configurar a Amazônia como umafronteira socioambiental entre 1985 e1996.

A região tornou-se emblemática doconflito entre a expansão econômica ea preservação ambiental e entrou nofoco da pressão internacional preser-vacionista. Esta evocou o direito deingerência no país, enquanto os gran-des bancos e os investidores internacio-nais, que haviam financiado as redesde integração nas décadas anteriores,retraíram-se. Nesse instante, a coope-

Preservacionismo –Corresponde à preocupaçãofundamental com apreservação de conjuntosrepresentativos dopatrimônio natural. O preservacionismo é aforma como nasceu o quemais modernamente édenominado ecologismo eambientalismo. Surgiu nofinal do século XIX nospaíses do Hemisfério Norte,particularmente nos EstadosUnidos – os parquesYellowstone, Yosemite,General Grant, Sequoia Parke Mount Rainier são algunsexemplos da luta pelapreservação do patrimônionatural. O preservacionismoinfluenciou fortemente oativismo ecológico durantepraticamente todo o séculoXX e somente nos últimosvinte anos perdeu terrenopara formulações maiscomplexas, queincorporaram à questãoambiental motivaçõessociais, políticas eeconômicas. Assim, maisrecentemente, a questãoambiental passou aincorporar noções maisprecisas de valoraçãoeconômica eprogressivamente substituiupreservacionismo porsustentabilidade ambiental(ver Relatório Brundtland, àpág. 226).

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ração internacional tornou-se um novoator relevante na região, por fornecerajuda financeira e técnica e estabelecerparcerias com movimentos sociais, pa-ra interferir na formulação e conduçãodas políticas regionais.

A influência da cooperação interna-cional se manifestou por meio dos vá-rios programas criados nesse período,entre os quais se destacam:

• Programa Piloto para Proteção dasFlorestas Tropicais Brasileiras (PP-G7)– é o maior programa ambientalimplementado em um só país.Negociado em Genebra em 1991, eformalmente lançado em 1993, ini-ciou suas operações em 1995. O PP-G7 é uma doação, sobretudo do G7e da União Européia, e é administra-do pelo Banco Mundial. Os investi-

QUADRO 2 – Mudanças estruturais na Amazônia

Conectividade - mudanças na arti-culação do território

Industrialização - mudanças naeconomia

Urbanização - mudanças no povoa-mento

Organização da sociedade civil -mudanças na sociedade

Malha socioambiental - mudançasna apropriação do território

Integração - mudanças no imaginário social

Novas realidadesMudança estrutural Impactos negativos

Acréscimo e diversificação da po-pulaçãoCasos de mobilidade ascendenteAcesso à informação

Urbanização e industrialização deManaus, Belém, São Luís, MarabáAumento da produção mineral e de bens de consumo durável Transnacionalização da CompanhiaVale do Rio Doce

Redução da primazia de Belém eManausRedes de circulação e informaçãoRetenção da expansão sobre a florestaMercado "verde"Base de iniciativas políticas e dagestão ambiental

Diversificação da estrutura socialFormação de sociedades locais(sub-regiões)Conscientização e aprendizadopolíticoOrganização das demandas em projetos com parceiros internos eexternos

Formação de um vetor tecno-ecológicoDemarcação de terras indígenasMultiplicação e consolidação deUnidades de Conservação e outrasiniciativas de gestão do meio ambiente (Pgai, PDA; ZEE)

Amazônia como uma região doBrasil

DesflorestamentoDesrespeito às diferenças sociais eecológicas

Grandes projetos favorecendo a"economia de enclave" Subsídios à grande empresaDesterritorializaçãoImpacto sobre o meio ambiente

Inchaço populacionalProblemas ambientaisSobrecarga da rede urbanaFavelasUrbanização sem base produtivaDesflorestamento e focos de calor

Conflitos sociais e ambientaisConectividade, mobilidade e urbanização

Conflitos de terra e de territoriali-dadeConflitos ambientais

Conflitos

Fonte: Becker, B. Amazônia: Mudanças Estruturais e Tendências na Passagem do Milênio. In: A Amazônia e seu Banco (2002).

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mentos previstos são de US$ 250milhões, incluindo a contrapartidabrasileira. Tem tido grande influên-cia na difusão do ambientalismo enas ações do Ministério do MeioAmbiente, cuja criação foi tambémuma resposta do Brasil às pressõesexternas.

• LBA – Large Scale BiosphereAtmosphere Experiment in theAmazon (Experimento de LargaEscala da Biosfera-Atmosfera naAmazônia). Concebido a partir de1993 e iniciado em 1998, buscacompreender as interações entre aAmazônia e o sistema biogeofísicoglobal da Terra e o impacto do usoda terra nessas interações. É finan-ciado sobretudo pela Agência Espa-cial Norte-Americana (Nasa) e emmenor escala pela ComunidadeEuropéia.

• Projeto Sipam-Sivam (Sistema Inte-grado de Proteção e Sistema Inte-grado de Vigilância da Amazônia) –procura demonstrar à comunidadeinternacional a capacidade brasileirade controlar seu território por inter-médio de uma base tecnológica mo-derna de informação, para desesti-mular ou impedir uma intervençãoexterna no território sob alegaçãoda necessidade de combate às dro-gas e de proteger o ambiente.Apesar desse pressuposto, foi finan-ciado por uma empresa norte-ame-ricana, a Raytheon, que venceu umaconcorrência bastante conflituosapor contar com empréstimos doEximbank correspondentes a 85%do financiamento.

• Probem – Programa Brasileiro deEcologia Molecular da Biodiversi-dade Amazônica – sustado por im-passes políticos, foi concebido paradar início à capacitação nacional empesquisa e desenvolvimento parauso da biodiversidade e criar redes

de pesquisadores e de empresasnacionais e estrangeiras. Dele restouo Centro de Biotecnologia da Ama-zônia (CBA), construído em Manaus,que só em 2004 começou a contra-tar pesquisadores.Outra importante manifestação

dessa influência foi a multiplicação deÁreas Protegidas. Estas incluem ademarcação das terras indígenas, quecorrespondem a 20,84% do territórioregional e sem dúvida são um marcona história do país, e as Unidades deConservação (UCs), que representam12,09% da área. São importantesreservas de estoques de natureza (vermapa 7 adiante). Além disso, destaca-se o crescente apoio a projetos comuni-tários alternativos, que geram diferen-tes formas de produção sustentávelcontando com parcerias diversas e que,em conjunto, conformam o que se con-vencionou denominar de modelo so-cioambiental.

Em face da necessidade de conter odesmatamento e os conflitos sociais,implantou-se, assim, o ambientalismo,que propunha uma ruptura radical como modelo histórico de uso do territóriono país. O objetivo era conter a expan-são da fronteira móvel, ou seja, a incor-poração contínua de terra e recursosnaturais para atividades econômicas.Inicialmente, tratava-se de uma políticaessencialmente preservacionista, quepraticamente não admitia o uso eco-nômico da natureza.

A partir de 1996, o lançamento doPrograma Brasil em Ação e daproposta de implantação dos EixosNacionais de Integração e Desen-volvimento – um painel da diversidadede problemas e potencialidadesregionais – torna-se um marco natrajetória regional. Nesse ano, natentativa de ampliar sua escala deatuação, os formuladores de políticassocioambientais propõem o Projeto

Unidades de Conservação(UCs) – São as áreasdestinadas à preservaçãoregulamentadas peloConselho Nacional deUnidade de Conservação(Snuc), coordenado peloIbama, que é o principalórgão executor da políticaambiental brasileira no nívelfederal. As UCs são divididasem dois grandes grupos:(i)as de proteção integral,que se destinamexclusivamente àconservação e pesquisa epodem ser os ParquesNacionais (Parnas), asReservas Biológicas (Rebios),as Reservas Ecológicas(Resecs), as EstaçõesEcológicas (Esecs) e osRefúgios da Vida Silvestre(RVS, áreas de proteçãointegral que podem ser depropriedade pública ouprivada); e (ii) as de usosustentável, nas quais épermitida a exploraçãoracional e controlada, quepodem ser Áreas deProteção Ambiental (Apas),Florestas Nacionais (Flonas),Áreas de Relevante InteresseEcológico (Aries) e ReservasExtrativistas (Resexs). Alémdessas categorias, existem asReservas Particulares doPatrimônio Natural (RPPNs,propriedades privadastransformadas em área deproteção por desejovoluntário do proprietário).No início de 2005, o Ministério do MeioAmbiente, por intermédiodo Ibama, administrava 256UCs, de todos os tipos,somando 45 milhões dehectares. Além dessas UCs,contabilizava a existência de364 Reservas Particulares doPatrimônio Natural e outros22 milhões de hectares deáreas de proteçãoadministradas pelosgovernos estaduais (dadosde área, ver site do IBAMA).

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dos Corredores Ecológicos ou deConservação. Estes são grandesextensões de terra formando ummosaico de unidades de conservação,terras indígenas e reservas florestaisprivadas definidas no âmbito do PP-G7. Um novo conflito se instala dentrodo governo com a proposta doscorredores de transporte elaboradapelo Ministério do Planejamento,Orçamento e Gestão e o projeto doscorredores de conservação defendidopelo Ministério do Meio Ambiente.

2.1. Mudanças na geografia e naeconomia da Amazônia

As mudanças ocorridas nas últimasdécadas transformaram a Amazônia.Esta deixou de ser apenas uma área defronteira a ser ocupada e conquistou ostatus de uma região propriamentedita, carente de programas e políticaspróprias. Essa perspectiva torna tam-bém patente que é falsa a polarizaçãoentre ambientalismo e desenvolvimen-tismo. O ambientalismo preservacionis-ta não gera riquezas, trabalho e renda,que são hoje a demanda de uma regiãocuja base de recursos naturais é a

esperança de seu desenvolvimento.Vale a pena destacar algumas mu-

danças essenciais ocorridas na Amazô-nia na década de 90, com o povoamen-to e o uso da terra:• Acelerado processo de urbanização,

que registrou as maiores taxas decrescimento no país (ver gráfico 3).Em 2000, 68,2% da população daregião Norte habitava núcleos urba-nos, podendo-se considerar a Ama-zônia como uma “floresta urbaniza-da” (Becker, 1995). A contínua urba-nização reduziu a primazia históricade Belém e Manaus, mas não fugiuao quadro nacional. São cidades in-chadas, incapazes de propiciar em-pregos ou ocupações adequados ede prover serviços básicos à popu-lação. São, enfim, redutos onde pro-lifera a economia informal.

• A redução da imigração e a intensi-ficação das migrações intra-regio-nais. Destacam-se três novos corre-dores de ocupação: o da rodoviaCuiabá-Santarém, o da estrada Por-to Velho-Manaus com a BR-174, queestabelece ligação desta cidade coma Venezuela, e o fluxo do baixoAmazonas para o Amapá.

Corredores Ecológicos oude Conservação –Corresponde a um dosprojetos financiados pelo PP-G7, que "propõe uma novaabordagem para a proteçãoda biodiversidade em setegrandes áreas de florestatropical (corredores ou bio-regiões), localizadas nasregiões de florestas daAmazônia e na MataAtlântica". Basicamente,trata-se de definir áreas deligação entre diferentesecossistemas, de forma aimpedir o isolamento dessessistemas e suas espécies.Estes corredores incluemáreas de biodiversidadeexcepcional e englobammuitas das áreas protegidasexistentes, incluindounidades de conservação(ver página ao lado)federais, estaduais emunicipais, reservasparticulares e terrasindígenas (ver site do MMA).

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• O processo de fragmentação territo-rial, com a multiplicação de novosmunicípios, incentivada pela Consti-tuição de 1988.Com respeito ao uso da terra, a emer-

gência de novos padrões se sobrepõeaos padrões tradicionais. Por um lado,persiste a reprodução do ciclo expansãoda pecuária / exploração da madeira /desflorestamento. Mas este não é feitomais de forma tão extensiva e concen-tra-se sobretudo nas áreas já povoadas eem frentes de expansão localizadas aolongo dos novos corredores de transpor-te. Em contrapartida, grandes inovaçõesse verificam na região. Uma delas é a in-trodução da agricultura capitalizada,acompanhada da agroindústria da soja.Os cerrados do Mato Grosso deixam deresponder isoladamente pela produçãoda soja, com a tendência de expansãoem direção aos estados do Tocantins,Maranhão e Rondônia, nos cerrados ecampos dos estados do Amazonas e Ro-raima, assim como em áreas desmata-das da região sudeste do estado do Pa-rá. É também relevante o que se verificaem torno de Marabá, com a melhoria dapecuária com métodos mais intensivosde criação (Margulis, 2003).

Ao lado dos modernos projetosagroindustriais e pecuários crescemtambém os projetos comunitários, jáem número superior a trezentos em-

preendimentos, impulsionados pelosdefensores do modelo socioambiental.A maioria dos projetos alternativos nãoconseguiu sucesso econômico, mas for-maram-se alguns embriões de arranjosprodutivos locais (ver a respeito o ca-pítulo Território e Nação. Ver quadro 3).Entre eles destaca-se um novo póloregional, o Pro-ambiente, situado narodovia Transamazônica, em área deantiga colonização. Este tem uma pro-posta original para fortalecer a produ-ção familiar associada à conservaçãoambiental. Vale a pena registrar queprodutores familiares, inclusive serin-gueiros e índios, tentam vender direta-mente seus produtos no balcão pormeio de econegócios.

Por sua vez, a cooperação inter-nacional também se altera. A tendênciados programas ambientais multilate-rais é transferir o seu comando para ogoverno brasileiro numa retirada estra-tégica dessa posição. O PP-G7, semi-imobilizado por três anos, pretenderetomar suas atividades inserindo-se napolítica governamental que prevê aretomada do crescimento econômico;por sua vez, a Nasa anuncia o términoda sua parceria com o LBA em 2005.

O novo rumo da cooperação inter-nacional é patente na atuação doBanco Mundial. Ele gradualmente estáabandonando a função de gestor do

QUADRO 3 – Pólos regionais por tipo de produção

Marabá 8 1.1 milhões Polpa de frutasRede Frutos do Cerrado (MA e TO) 12 1,2 milhão Polpas de frutasTransamazônica (PA) 6 900 mil Mel, óleos, palmito e pescadosEixo da BR-364 (RO) 7 1,1 milhão Mel, palmito de pupunha, doces e

outros derivados de frutas, polpa de frutas

Purus (AM) 1 80 mil Óleos, castanha e frutas desidratadas

Baixo Amazonas (PA) 3 900 mil Fibras vegetais,pescados, frutos, artesanato

Sul do Amapá (AP) 2 Castanha

Produtos principaisPólos Volume de recursosem US$ do PDA

Número demunicípios

Fonte: Projetos Demonstrativos e Desenvolvimento Sustentável nas Florestas Tropicais – PDA. GTZ/Banco Mundial/PPG7 (Maio de2000).

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PP-G7 e voltando à sua função debanco, para financiar projetos demanejo florestal e de sumidouros decarbono, de iniciativa de diversosgovernos estaduais.

O grande empresariado atua em vá-rias frentes: na produção de produtoscertificados, principalmente a madeiraresultante de manejo florestal – como éo caso da Mil Madeireira, em Itacoati-ara (AM) e da Cikel, no Pará; na moder-nização tecnológica do Pólo Industrialde Manaus; no aproveitamento de pro-dutos agrícolas como o dendê, passívelde ser utilizado como biodiesel; e, final-mente, na fruticultura, em vários locaisda região. Destaca-se também a presen-ça de pequenas e médias empresas dire-cionadas para aproveitamento industrialda biodiversidade. Mas é, sem dúvida, oagronegócio da soja o mais atraente pa-ra os empresários e fazendeiros, anteci-pado pela pecuária, que “amansa” a ter-ra para futuras plantações.

O ambientalismo prossegue no pro-jeto Arpa (Áreas Protegidas da Amazô-nia), iniciativa da World Wildlife Fund(WWF) e do Banco Mundial, encampadopelo presidente Fernando Henrique Car-doso em 1998 e iniciada em 2002, cujameta é triplicar as áreas protegidas emdez anos, sobretudo as de proteção in-tegral (285 mil km2 novas, mais 125 km2

já existentes, mas não implementadas) eem menor escala as de uso sus-tentávelcomunitário (90 mil km2). Quandoatingidas as metas do Arpa, estarãoprotegidos mais de 30% do territórioamazônico, parcela de dimensão equi-valente ao território da Espanha.

2.2. Tendências atuais: amodernização da agropecuária

É a parte sul da Amazônia Legal, re-presentada pelo Mato Grosso, queconstitui o domínio da lavoura tecnifi-cada. Esta reproduz, nesse estado, pa-

drões de modernização do uso da terrapautados pela tecnologia e difundidos,com sucesso, no meio rural brasileiro, apartir da agricultura mecanizada do Sule Sudeste.

Foi o predomínio de vegetação decerrado e não de florestas em MatoGrosso que facilitou a expansão dalavoura modernizada da soja nesseestado a partir de meados dos anos 70e a expansão da indústria de proces-samento de óleos vegetais na décadade 80. Esse processo marca a passagemde um período inicial, de rápido deslo-camento geográfico dessa lavoura, pa-ra o atual de consolidação e diversifica-ção de cultivos em Mato Grosso. Cabeobservar que esse estado deverá se con-solidar como o principal produtor desoja na Amazônia – e, talvez, no país –,com uma diferença significativa emrelação aos demais estados dessa re-gião (ver gráfico 4).

A evolução da área plantada, daprodução e da produtividade da sojana Amazônia Legal, na década de 90,revela mudanças importantes no pa-drão tradicional de ocupação da fron-teira agrícola amazônica. Este era pau-tado na rápida perda da produtividadeda agricultura, quando praticada emuma mesma área durante poucos anos,o que movia a fronteira sempre paradiante em busca de novas terras. Nessadécada, as áreas novas não foram asúnicas que registraram expressivosganhos de produtividade. Devido à in-corporação de novas tecnologias,índices expressivos de produtividadeforam registrados em áreas já conso-lidadas, que se firmam como centrosprodutores importantes. O mapa 2 evi-dencia essa mudança ao revelar quenem sempre as regiões médias que a-presentaram ganhos mais elevados emárea e produção, nesse período, sãoaquelas que alcançaram maiores índi-ces de produtividade.

Manejo florestal –Corresponde, segundo oInstituto Nacional dePesquisas da Amazônia(Inpa), à "parte da ciênciaflorestal que trata doconjunto de princípios,técnicas e normas quebuscam organizar as açõesnecessárias para ordenar osfatores de produção econtrolar a suaprodutividade e eficiênciapara alcançar objetivosdefinidos". Já o "manejoflorestal sustentável (MFS) éum sistema que combinaprodução com a preservaçãoe conservação de muitosoutros produtos não-madeireiros, serviçosambientais e as funçõesecológicas da floresta, semperder de vista as complexasinterações einterdependências comoutros usos do solo eparâmetros sócio-econômicos". No MFS, porexemplo, ao derrubar umaárvore para acomercialização de suamadeira, deve haverpreviamente o plantio deuma muda de sua espécie erespeito ao tempo de suamaturação para corte nofuturo. Além disso, ospesquisadores de campoestabelecem sua importânciapara preservação de outrasespécies vegetais e animais,sua incidência no meioambiente natural em áreasmensuradas etc. Osprodutos de MFS recebemcertificação de organizaçõesindependentes einternacionais, o quegarante sua comercializaçãono mercado externo.

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Também no cultivo do arroz observa-se um comportamento semelhante aoda soja, em evolução das áreas decultivo, produção e produtividade noperíodo 1990-2000. A associação entre oplantio do arroz na fronteira amazônicae a abertura de áreas para pastagemdeixa claro que as áreas de maiorprodutividade dessa lavoura estãosituadas onde o processo de produção jáse consolidou. Nas áreas de cultivorecente, ao contrário, predomina o usopassageiro da rizicultura para “amansar”o solo destinado à abertura de novospastos para pecuária (ver mapa 3).

O crescimento de alguns pólos deplantio de soja nas regiões de Santarém,Marabá e Redenção, no Pará, refletem aimplementação de políticas estaduais deincentivo a plantios comerciais fora dasáreas naturais de expansão dessa culturanos cerrados de Mato Grosso, Tocantinse de Balsas, no sul do Maranhão. Esta

última corresponde, inclusive, a umaexpansão de agricultores proveniente dooeste da Bahia.

O processo de consolidação e diver-sificação da lavoura tecnificada no cer-rado mato-grossense comporta, naatualidade, o cultivo modernizado domilho e, mais recentemente, do algo-dão. Tais atividades vêm alcançandoelevada produtividade e abrem novasperspectivas ao setor agroindustrialbrasileiro de conquista de mercadosdentro do país e no exterior.

Acompanhando a tecnificação daagricultura, a agroindústria se expan-diu a um ritmo superior à média na-cional. Esse processo sinaliza o surgi-mento de uma nova via de expansãoda industrialização em direção aointerior do país e nos conduz a umapercepção diferente das mudançasque estão ocorrendo na AmazôniaLegal, para além dos problemas

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sugeridos, de for-ma simplificada, pelodesflorestamento associado à imagemdo “Arco do Fogo”.

O acelerado crescimento da pro-dução e da produtividade do algodãoem Mato Grosso atesta o processo deafirmação da fronteira agrícola desseestado como um pólo nacional dedifusão de inovações no campo (vergráfico 5). A produtividade alcançadanesse estado tem atingido índices bas-tante superiores àqueles alcançadosem regiões nas quais o plantio do algo-dão era expressivo, como o Nordeste eSão Paulo.

Exigindo um investimento por hec-tare de lavoura três vezes maior do queo da soja, a rápida difusão da culturado algodão no Mato Grosso estimula aexistência de um mercado de máquinase insumos, além de uma infra-estruturade transporte e de comercialização,com alguma densidade. Isso mostraque o elevado custo de produção nessaregião é compensado pela alta produ-tividade alcançada por essa lavoura.

Desse modo, o crescimento da pro-dução do algodão em Mato Grossoocorreu, em grande parte, devido aoaumento da produtividade garantido

pela utilização de novas tecnologias emterras mais baratas que as de São Pauloe Paraná. Nesse sentido, além do mer-cado interno, a própria exportação doalgodão deverá aumentar estimuladapela produção mato-grossense.

No caso do algodão, a associaçãoque se verifica entre os índices de evo-lução da área plantada, da produção eda produtividade, nas diferentes me-sorregiões, indica que a cotoniculturaestá longe de ser uma cultura pioneira.Em termos de incorporação de áreas ede tecnologia, ela participa de um pro-cesso amplo de tecnificação e de diver-sificação das atividades econômicas emuma fronteira em consolidação.

A pecuária nos cerrados amazônicos

A expansão da lavoura tecnificadainterage, crescentemente, com umaoutra vertente, também inovadora, queé a modernização da atividade pecuá-ria. Ao contrário do perfil especulativoque a marcou na abertura da fronteira,a pecuária moderna na Amazônia é lu-crativa e produtiva. A modernização foimais acentuada em alguns municípiosda Amazônia Oriental, localizados no

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sudeste paraense – Redenção, Marabá,Paragominas e Conceição de Araguaia– e no norte e leste de Mato Grosso.Nessas, foi intensificada a lotação depastos e a melhoria na qualidade dorebanho, como mostra o mapa 4.

Na Amazônia Oriental, incluindo osudeste paraense e a porção este deMato Grosso, a especialização e a in-tensificação da pecuária têm se tor-nado formas promissoras de aumentaros lucros de pequenos e de grandesempreendimentos rurais. Alguns pecu-aristas estão investindo nas velhaspastagens, com a semeadura de forra-gens adaptadas e adubação, em buscade uma pecuária sustentável. Nessecontexto, deve-se notar que é a rendaadvinda da atividade madeireira quemuitas vezes gera o capital para arecuperação dessas pastagens degra-dadas.

A distribuição espacial das pasta-gens plantadas em meados dos anos90 revela a abrangência geográficadessa prática, tanto em áreas de cer-rado quanto de floresta derrubada. Adiminuição no total das áreas com pas-tagens nativas e o crescimento dasáreas com pastagens plantadas cons-tituem um traço marcante das grandesmudanças ocorridas no padrão de usoda terra, e é uma tendência verificadaem todo o país com o crescimento daatividade pecuária.

A recuperação das pastagens gerataxas de retorno entre 13% a 14%, emcontraposição às taxas muito baixasobtidas com a pecuária tradicional (R$ 100,00 ao ano). Esse alto retornotem gerado elevados investimentos namelhoria de pastos, a um custoaproximado de US$ 260 por hectare.Os novos pastos, porém, permitem

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uma densidade de 1 a 1,5 cabeça porhectare, contra 0,5 a 1,0 da pecuáriatradicional.

Nas áreas consolidadas de ocupaçãoda Amazônia, duas outras inovações seviabilizaram na década de 90: a pe-quena pecuária leiteira – com taxas deretorno de 12% – e a pecuária de corteem pastagens reformadas. Grandesempresas do Sul instalaram filiais noPará e em Rondônia para organizar aprodução e a distribuição do leite. Nosmunicípios do sudeste do Pará produz-se 1 milhão de litros de leite por dia.Tanto a pecuária leiteira quanto a decorte fortaleceram também o comérciode matrizes e bezerros.

A modernização do campo na Ama-zônia coloca em xeque algumas dascaracterísticas “tradicionais” da região,como a elevada concentração fundiária ea baixa densidade demográfica. Antesconsideradas intrínsecas à pecuáriaextensiva, dominante na região, elasagora se articulam a um processo deurbanização estimulado pela meca-nização do campo. Diferenciou-se, por-tanto, a estrutura produtiva e o espaçoregional. Soja, algodão e pecuária ge-ram riqueza no cerrado e áreas des-matadas do Pará e de Rondônia. Nasáreas florestais, é o extrativismo mineralque responde hoje por 75% do valor dasexportações do Pará, enquanto asexportações dos produtos da biodiver-sidade representam pouco mais de 15%,destacando-se a madeira e derivados,66% dos quais são consumidos noSudeste3. Também não se pode esquecera riqueza gerada pela indústria da ZonaFranca de Manaus, que se diversifica eaposta em tecnologia.

A incidência dos processos de mu-dança, contudo, não se faz de modohomogêneo no território. E, mais grave,a velocidade das mudanças induzidaspor uma produção modernizada quevisa alcançar mercados globais e não

apenas domésticos acentua a escalados conflitos regionais, trazendo desa-fios à ação do Estado.

3. QUE DESAFIOS A MODERNIZAÇÃOTRAZ PARA O ESTADO E ASOBERANIA?

Os desafios à ação do Estado de-correm do confronto que se estabeleceentre dois modos de uso do território,baseados em duas formas de pro-dução e organização sociopolítica dife-rentes. Cada um deles relaciona-se aum ecossistema – a floresta equatoriale o cerrado – e é influenciado pordecisões que se baseiam em benefíciostemporais distintos: o atual e opotencial.

Do lado atual, a expansão no cer-rado é comandada por grandesconglomerados internacionais, comoBunge, Cargill, ADM, entre outras, enacionais, como o Grupo Maggi. Suaprodução é baseada na pesquisa edesenvolvimento e utiliza uma logís-tica moderna, que interrelaciona otransporte intermodal com locais etecnologias de armazenagem, redesde informação e comunicação e cen-tros de consumo. Essa expansão gerauma forma específica de ordenamentodo território e cria áreas corpora-tivizadas nas quais o agronegócioavança em ritmo acelerado (Becker,2004a).

A demanda desse modo de produzirbusca expandir a produção e a logísti-ca, de forma a reduzir os custos detransporte para exportação. A busca desaídas pelo Norte implicou a cons-trução dos terminais portuários deItacoatiara (AM) e Santarém (PA), liga-dos ao porto de Itaqui (MA). O plane-jamento da logística do Grupo Maggi ébem revelador das dimensões a seremalcançadas pelo agronegócio na Ama-zônia (ver mapa 5).

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De outro lado, está o uso potencialdos recursos naturais e do território quedepende da implementação de novasformas de aproveitamento econômicodos ecossistemas amazônicos florestais.Hoje esse aproveitamento está alicerça-do em atividades extrativistas, em baixadensidade de população e pequena pro-dução. Não há conhecimento científicopleno dos ecossistemas amazônicos, de

seu potencial e de tecnologias adequa-das à utilização. Mas esse potencial deveser visto hoje na imensa escala da Ama-zônia sul-americana e demanda um mo-delo de uso capaz de gerar riqueza e tra-balho sem destruir a floresta.

A administração desse confronto éum grande desafio para o governo fe-deral. Ambos os usos, o atual e o futu-ro, são essenciais à economia e à socie-

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dade. A questão que se coloca é se éjustificável destruir o potencial de usofuturo, em nome do lucrativo uso a-tual, que tem grandes espaços para seexpandir no cerrado e nas áreas des-matadas. Além disso, a história do Bra-sil está plena de experiências desastro-sas baseadas em perspectivas de ga-nhos imediatos apoiados em monocul-turas orientadas para a exportação edependentes da oscilação dos merca-dos externos.

É preciso ter pressa. Enquanto o bi-nômio soja-boi se expande de formaordenada nas áreas de povoamentoconsolidado, três frentes de expansãodesordenada penetram na florestaamazônica e acarretam forte desflores-tamento, grilagem de terras públicas eviolência. Essas frentes se movem apartir do sudeste do Pará, em direção àchamada Terra do Meio, e do norte doMato Grosso, em direção à rodoviaCuiabá-Santarém e ao sul do estado doAmazonas. Para essa direção também

se orienta a terceira frente, que partede Rondônia. Nesse contexto, as áreasprotegidas tornam-se vulneráveis e me-nos capazes de barrar a expansão dafronteira móvel (ver mapa 6). O incre-mento do desmatamento é o melhorindicador desse processo, patente noeixo da rodovia Cuiabá-Santarém,grande corredor que atravessará oâmago da floresta.

O quadro do desmatamento se con-solida num novo patamar em razão daexpansão da exploração madeireira eda pecuária. O mero anúncio de obrasde infra-estrutura já provoca intensagrilagem de terras, imigração e violên-cia, mesmo quando essas obras nãosão realizadas. Nos últimos três anos, odesmatamento aumentou e se situoubem acima dos 20 mil km2 por ano.Apesar de estimativas diferentes sobretaxas de 2004, ainda sujeitas a vali-dação, todas apontam para a manu-tenção desse nível de devastação. Naregião da BR-163 foram maiores os ín-

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dices, revelando a aceleração do pro-cesso. Em alguns locais, a derrubada damata alcançou até 500% de crescimen-to em um ano, embora a porcentagem,nesse caso, deva ser relativizada, umavez que o aumento se deu em áreascom níveis muito baixos de devastação.

Assiste-se, assim, a um aparente pa-radoxo em áreas da Amazônia, resul-tante da tentativa de introduzir ummodelo ambientalista em confrontocom o modelo histórico da fronteiramóvel: hoje, é do conhecimento de to-dos os atores sociais a existência deuma questão ambiental reconhecidapor lei, mas o que caracteriza o com-portamento da maioria dos atores,nessas áreas, sobretudo os de maiorrenda, é a total desobediência civil.

3.1. Conflitos socioambientais

Os conflitos socioambientais resul-tam da distribuição desigual dasperdas e ganhos. Os ganhos geradospelas florestas intocadas, por exemplo,beneficiam coletividades, que podemser a comunidade local ou toda a socie-dade global; enquanto os custos (ouperdas monetárias potenciais) da pre-servação da floresta atingem os pro-prietários individuais. Sob outra pers-pectiva, uma obra de infra-estruturapode produzir ganhos macroeconômi-cos para o país como um todo, masperdas para a sociedade local. Os me-canismos de transferência de renda,que seriam uma forma de compensa-ção para estas distorções, são incipien-tes e as tentativas de criá-los enfrentamsérios entraves técnicos e políticos(Margulis, 2003).

Além da multiplicidade de fatoresque condicionam o processo de ocupa-ção do território, ente eles o tempo, aescala, as diferenças regionais e gran-de diversidade de agentes sociais comracionalidades diferentes e que em

épocas distintas promoveram a ocupa-ção da Amazônia, os conflitos socio-ambientais são potencializados ou faci-litados em decorrência dos seguintesfatores:• Fraca presença do Estado – Permite

que as disputas existentes entre osagentes sociais sejam confrontadosà margem da legislação vigente e doprocesso regulatório do Estado. O resultado é um aumento dos con-flitos fundiários, dos índices de vio-lência, a degradação ambiental, eproblemas de saúde e de educaçãopública, entre outros.

• Precária regularização fundiária – A desordem fundiária na Amazôniagera a sobreposição legal de territó-rios com usos inconciliáveis, permiteos processos de grilagem de terra edificultam a execução de qualquerplano de ordenamento territorial.De acordo com o Ministério do De-senvolvimento Agrário, existem naAmazônia Legal cerca de 700.000km2 de terras griladas.

• Fiscalização deficiente e gestãoineficaz – É também uma das fa-cetas da fraca presença do Estadona região. A fiscalização e a gestãode políticas públicas são prejudica-das por questões políticas e defi-ciências técnicas dos mecanismos,tornando inócuos muitos dos planosdefinidos para a região. Em relaçãoao desmatamento, há atualmentecrescente capacidade técnica domonitoramento preventivo em con-traste com a fraca capacidade decontrolá-lo e evitá-lo. De fato, as no-vas tecnologias de sensoriamentoremoto, aliadas a poderosos soft-wares de manipulação e gerencia-mento, tornam tecnicamente factí-vel o monitoramento das condiçõesestabelecidas nas políticas públicas.Ícones, neste sentido, são o Sistemade Informação e Proteção da Ama-

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zônia (Sipam) e o desenvolvimentode satélites de sensoriamento remo-to pelo Brasil (os satélites sino-bra-sileiros CBERS 1 e 2).

• Frágil articulação institucional –Políticas públicas mal articuladas econtraditórias são fortes potenciali-zadoras dos conflitos sócio-ambien-tais e podem estimular usos incon-ciliáveis e conflitos entre as destina-ções pretendidas para os territórios.É o que Smerald (2003) chama deplanejar em terra alheia. A falta dearticulação das políticas públicas po-de se manifestar nas contradiçõesentre as políticas de crédito e incen-tivos fiscais, a criação de unidadesde conservação e terras indígenas, aimplantação de infra-estruturas etc.Como fator complicador, existemainda as dificuldades de articulaçãoentre as esferas federal, estadual emunicipal e os planos da iniciativaprivada.

• Demanda internacional – A de-manda internacional por commodi-

ties, aliada a um câmbio favorável,tem estimulado a expansão da pe-cuária de corte e da soja. O volumede exportações de carne brasileiraaumentou mais de cinco vezes entre1997 e 2003. O Brasil já é o maiorexportador de carne bovina do mun-do. Nesse período, o mercado inter-no manteve-se estável. Enquantoisso, o rebanho brasileiro cresceu15% entre 1995 e 2002 e a partici-pação da Amazônia Legal no reba-nho brasileiro aumentou de 23%para 31% no mesmo período(Kaimowitz, 2004) (ver gráficos 6 e7). Assim, é possível concluir que aexportação contribuiu para a expan-são da pecuária na Amazônia. Omesmo vale para a soja. O cresci-mento da produção brasileira tem sebaseado no avanço das lavouraspelo cerrado e agora já atinge asáreas de floresta amazônica. Estecrescimento é estimulado pela altado produto no mercado interna-cional e pelo câmbio favorável.

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223 Brasil: o estado de uma nação

3.2. A logística do agronegócio e oterritório

A abertura ou construção de estra-das na Amazônia impulsionou imensastransformações espaciais, socioeconô-micas, políticas e ambientais. Perante asociedade brasileira e global, a facemais visível destas transformações é odesmatamento. Estudos demonstramque, entre 1978 e 1994, cerca de 75%do desflorestamento na Amazônia o-correu em uma faixa de 50 km de cadalado das rodovias pavimentadas (Presi-dência da República, 2004, ISA/Ipam,2001).

Substancial acervo de conhecimen-tos sobre a agroindústria da soja temsido produzido nos últimos anos, comdestaque para a contribuição da EscolaSuperior de Agricultura Luiz de Queiroz(Esalq/USP), do Geipot (Grupo Execu-tivo para a Integração da Política deTransportes, hoje extinto), do Minis-tério dos Transportes, do Ministério doPlanejamento, Orçamento e Gestão, doIpea e do BNDES. Tais estudos permi-tem detectar parte da logística que temsustentado a expansão da soja na Ama-zônia nas últimas décadas. Eles deta-lham o papel dos transportes e das ro-

dovias na competitividade do agrone-gócio, as mudanças na distribuição daprodução, os cenários de expansão echegam a indicar problemas sociais eambientais nela contidos4.

A construção de um sistema inter-ligado de transporte favoreceu a com-petitividade do agronegócio no merca-do internacional. Corredores de trans-porte intermodais conseguiram viabi-lizar a incorporação de mais de 20 mi-lhões de hectares situados no centro-norte. Na Amazônia Ocidental, o es-coamento da produção do noroeste doMato Grosso – de Cáceres a Campo No-vos dos Parecis – passou a ser feito pelaHidrovia do Madeira e pelo porto deItacoatiara, para o que contribuiu a pa-vimentação da BR 174, e pela Cuiabá-Santarém, cuja pavimentação e recupe-ração são a grande expectativa dos pro-dutores. Na Amazônia Oriental, a Es-trada de Ferro Carajás, a Ferrovia Norte-Sul e a desejada mas ainda não concre-tizada Hidrovia Araguaia-Tocantins reo-rientam o fluxo de commodities de Goi-ás, nordeste de Mato Grosso, Tocantinse sul do Maranhão. Em suma, redirecio-nam-se, em parte, os fluxos de expor-tação em busca de saídas pelo norte.Vale registrar que todas as empresas

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envolvidas no agronegócio da soja utili-zam o transporte intermodal rodoviá-rio-ferroviário-fluvial (Castro, 2003).

Ao ampliar significativamente a oferta de áreas agriculturáveis no Cen-tro-Norte, principalmente para grãos, osprojetos atraíram indústrias que pro-cessam produtos agropecuários, sobre-tudo a soja. Enfim, a partir de escalas deprodução muito superiores em novasáreas antes distantes, criaram-se condi-ções para agregar valor industrial.

As quatro maiores empresas queoperam no mercado da soja no Brasil(Bunge, ADM, Cargill e Coinbra) sãoresponsáveis por cerca de 44% da ofertade farelo e óleo bruto do país, atendemmais de 60% do mercado mundial dasoja e têm uma estratégia agressiva deaquisição de empresas. Num segundoplano, encontram-se as empresas na-cionais como a Caramuru, Maggi ecooperativa Comigo, entre outras.

Cerca de 30% da capacidade indus-trial de esmagamento da soja se localizahoje na região Centro-Oeste, de ondetambém são exportados os grãos. EmMato Grosso, em 2001, cinco plantasindustriais se localizavam em Ron-donópolis (ADM, Bunge) e Cuiabá(Bunge, Encomind, Olvepar, Sperafico),dentre as 21 localizadas no Centro-Oestesegundo a Associação Brasileira dasIndústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Oselevados níveis de produtividade e com-petitividade da soja em Mato Grosso(cerca de 18% acima da média nacional)estimularam o crescimento da produçãoe tendem a concentrar a atividadeindustrial nesse estado. A produção donorte de Mato Grosso em 2000 foi deaproximadamente 3,5 milhões de tone-ladas, com a previsão de alcançar 10milhões em cinco anos a partir do iníciodo corredor Centro-Norte. Em meadosdos anos 90 quase 81% (80,74%) da sojaproduzida era transportada por rodo-vias, tendo caído para 67% em 2000.

Para o transporte a ferrovia respondeupor 28% e 5% couberam às hidrovias, oque mostra o crescimento do transporteintermodal.

A privatização das ferrovias em1995 alterou significativamente a lo-gística do grão no país. A Ferronorteentrou em operação em 2000, massuas pretensões de expansão para onorte fracassaram. Já a E. F. Carajás, daCompanhia Vale do Rio Doce, vemapresentando volume de exportaçãocrescente. Ele subiu de 27 mil para 372mil toneladas entre 1992 e 1998 ealcançou, em 2001, um montante deUS$ 83,1 milhões. O crescimento foiresultado de investimentos em trechosda Ferrovia Norte-Sul e no Pólo Agrí-cola de Balsas. Esses aportes favore-ceram a logística integrada em quatromodais – ferroviário, hidroviário, rodo-viário e portuário – e a associação des-sa logística a um elo entre produtoresde soja, Ceval, Cargill e Eximcoop e osmercados consumidores. Tal logísticaresponde pelo escoamento da pro-dução do Maranhão, Piauí, Tocantins,Pará e parte do Mato Grosso.

Embora os portos de Santos (SP),Paranaguá (PR) e Vitória (ES) aindasejam dominantes, há uma nítida ten-dência de reorientação dos fluxos paraos portos localizados na Amazônia.Além da Ponta da Madeira (MA), Ita-coatiara (AM) e Santarém (PA) já emoperação, pressiona-se para a pavi-mentação das rodovias Cuiabá-Santa-rém e a de Goiás-Acre, melhoria da hi-drovia do Madeira e efetivação da To-cantins-Araguaia, com fortalecimentodos portos já existentes.

A logística passa, assim, a sustentar ageopolítica das grandes empresas, o quepermite reduzir os custos para exportar aprodução crescente. O volume de trans-porte de soja do norte de Mato Grossopela Cuiabá-Santarém, quando asfal-tada, está estimado em 3 milhões de

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toneladas, com uma economia anual deUS$ 60 milhões em relação à exportaçãopor Santos ou Paranaguá. E esse cálculonão leva em conta a economia geradapela redução de cinco dias no tempo deviagem dos navios em direção ao He-misfério Norte (Castro, 2003). A Hidroviado Madeira significou uma redução de35% no custo do transporte para o portode Roterdã, com base no custo do escoa-mento pelo porto de Paranaguá (Cai-xeta et alii, 1997).

Quanto à geopolítica das grandesempresas, vale a pena ressaltar que alogística não é o único elemento re-levante. Além de se beneficiarem damelhoria nos sistemas de movimen-tação de mercadorias, elas tambémrealizam um verdadeiro ordenamentoterritorial, que se apóia em uma rededensa e ramificada (ver quadro 4).

4. O APOIO E A INGERÊNCIAEXTERNAS AMEAÇAM A SOBERANIA?

No contexto da globalização, a geo-política se fortalece sob nova forma.Trata-se menos da necessidade de con-quistar territórios e mais da ênfase emmúltiplas formas de pressão parainfluenciar a tomada de decisão sobreo uso dos territórios dos Estados sobe-ranos. A imposição de agendas torna-se um instrumento chave para pres-sionar os Estados, associado à ajudafinanceira. Num contexto tão complexoé preciso distinguir a geopolítica eco-lógica da legítima consciência ecoló-gica e social antes da tomada dedecisões, particularmente na Amazô-nia, área na qual o país sofre as maisfortes tentativas externas de limitar suasoberania.

QUADRO 4 – Os territórios "corporativados" da soja

A questão central que aqui se coloca quanto à expansão da soja na Amazônia é comoenfrentar o processo de inserção da região no sistema logístico e nos territórios "corporativa-dos" dessas empresas. A essa questão central vinculam-se três outras: Quais os elementosestratégicos que sustentam os caminhos de ocupação do território pela soja? Quais as tendên-cias futuras de sua expansão territorial na região? Que estratégias implementar para adminis-trar essa expansão?

A produção da soja na Amazônia envolve redes complexas que integram inúmeras locali-dades, áreas e pontos, por meio de fluxos variados e multidirecionados que articulam as ativi-dades da própria empresa com outros grupos. Tal ordenamento constitui um sistema logístico.E sua manifestação espacial concreta são territórios organizados em cadeias produtivas e redespolíticas, com grande intensidade de relações, formando o que se poderia chamar de "ter-ritórios corporativados" (Franco da Silva, 2003; Becker, 2004a).

Uma questão ainda não devidamente analisada na literatura científica sobre o agronegócioda soja é quanto à estratégia dessas corporações para se apropriar da terra. As grandes corpo-rações multinacionais asseguram o controle da produção de commodities mediante investi-mentos crescentes na implantação da infra-estrutura de armazenamento nas áreas produtoras,como visto aqui, e nas relações de compra e venda sistemáticas com os produtores agrícolas.

Em outras palavras, ao que tudo indica, baseiam-se no sistema logístico. Elas não investemna compra de terras ou na produção de grãos, mas sim no controle da produção mediante ter-ceirização. Esse fato é de suma importância para a Amazônia, porque envolve a questãofundiária e as relações de trabalho, bem como seus corolários ambientais.

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Com a revolução científico-tecnoló-gica, surge uma nova forma de pro-dução, de organização social e política,baseada na informação e no conhe-cimento. Esta ocorre em paralelo à re-estruturação do sistema econômico(Castells, 1999). Sua essência é a velo-cidade acelerada e a inovação contí-nua, forças capazes de alterar os seto-res de tecnologia de produção civis emilitares, as relações sociais e de poder.Seus meios são redes transnacionais decirculação e comunicação que susten-tam fluxos financeiros, de comércio ede informação. Estes transcendem opoder dos Estados e suas fronteiras.Redes e fluxos que permitem, a um sótempo, unificar o mercado mundialenquanto diferenciam seletivamente osterritórios (Becker, 2001b).

Novas instituições são criadas paralidar com esta nova realidade. Elas de-mandam a participação dos governosem organizações internacionais queambicionam regular, em nível mundial,o comércio, a proteção ambiental e asquestões da cidadania. Em tese, taisinstituições buscam compartilhar a so-berania em matérias de interesse co-mum. Mas nesse compartilhamento opoder é desigual, as normas dependemdos interesses dos Estados mais pode-rosos e o contexto é de tensão e dispu-ta. De forma velada, cria-se a possibili-dade de intervenção em nome do bemcomum. São duas as formas pelas

quais as limitações à soberania podemse manifestar: adesão a acordos inter-nacionais e condições estabelecidas emfinanciamentos externos e na coope-ração internacional.

4.1. Limitações aceitas porratificação de acordosinternacionais

Agendas internacionais constituemum dos mais importantes instrumentosde coerção no mundo contemporâneo.Elas definem o que será e o que nãoserá discutido, excluindo várias ques-tões de importância que permanecemà margem do debate. No caso do meioambiente, trata-se de estabelecer asregras de monitoramento global doambiente do planeta a partir de deci-sões dos governos em fóruns das na-ções (ver quadro 5). Mas a definição daagenda das reuniões é, na verdade, es-tabelecida pelos países centrais, resul-tando numa forma velada de coerção.São três os principais temas da agendainternacional sobre o meio ambiente:• Meio ambiente e desenvolvimento –

Esta foi a preocupação do RelatórioBrundtland (1983-87), denominado“Nosso Futuro Comum”, elaboradopor uma comissão independente apedido da Secretaria Geral das Na-ções Unidas. Ele define o conceitode desenvolvimento sustentável edefende a necessidade do estabele-

Relatório Brundtland –Trata-se de documentoelaborado pela ComissãoMundial Sobre MeioAmbiente e Desenvolvimentodas Nações Unidas, entãochefiada pela primeira-ministra da Noruega, GroHarlem Brundtland. Foipublicado em 1987 com otítulo Nosso Futuro Comum.Define a necessidade de umdesenvolvimentosustentável, ou seja, de umavanço econômico e socialque não esgote oucomprometa os recursosnaturais do planeta eviabilize sua continuidadepara as gerações futuras.

QUADRO 5 – Evolução da Agenda Socioambiental

Aquecimento da Atmosfera e Efeito EstufaConvenção de Viena 1985Protocolo de Montreal 1987Conferência de Londres 1989Convenção sobre Mudanças Climáticas 1992Protocolo de Quioto 2005

Convenção sobre Diversidade Biológica 1992Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais 1989

Levantamento efetuado por Bertha K. Becker

DataPrincipais Convenções e Acordos

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cimento de um sistema econômicointernacional mais equilibrado.

• Aquecimento da atmosfera (ca-mada de ozônio e efeito estufa) – Adescoberta da destruição da cama-da de ozônio da estratosfera foi oprimeiro evento do aquecimentoglobal a mobilizar de forma signifi-cativa a comunidade científica e osgovernos. Daí nasceu a Convençãopara a Proteção da Camada de Ozô-nio, que foi assinada em 1985 e deuorigem ao Protocolo de Montreal.Essa convenção procurou reduzir aprodução global da substância clo-ro-flúor-carbono, largamente usadana indústria e a principal causadorada destruição do ozônio da estratos-fera. Em 1992, durante a Conferên-cia das Nações Unidas no Rio deJaneiro (Eco-92), foi aprovada aConvenção Sobre Mudanças Climá-ticas, que deu origem ao Protocolode Quioto, que procura reduzir aemissão de gases que causam oaquecimento global.

• Biodiversidade – Também um itemde destaque da Eco-92, na qual foiaprovada a Convenção Sobre a Di-versidade Biológica. Esta define que

os países detentores de biodiversi-dade têm direitos sobre produtosdesenvolvidos a partir dela por ou-tros países. Ela deu origem ao Proto-colo de Cartagena, sobre questões debiossegurança, em particular da pro-dução e comercialização de seres eplantas geneticamente modificadas. A Conferência para o Ambiente Glo-

bal e Resposta Humana para o Desen-volvimento Sustentável (Tóquio, setem-bro de 1989) retomou os três temas.Em seguida, manifestações tomaramcorpo na Cúpula Mundial da Terrarealizada no Rio de Janeiro em 1992.Oficialmente chamada de Conferênciadas Nações Unidas para o Meio Am-biente e o Desenvolvimento (Cnumad)e conhecida por ECO-92, foi a maisimportante tentativa de promover odesenvolvimento e conter a destruiçãodo meio ambiente.

O conceito de desenvolvimento sus-tentável (Relatório Brundtland, 1987)foi amplamente difundido, incorpora-do pelas Nações Unidas e demais orga-nismos internacionais, do Banco Mun-dial à Unicef e com mais lentidão pelosgovernos. Mas não é um conceito claro.Ele foi endereçado sobretudo aos países

QUADRO 6 – Os avanços da ECO-92

Na ECO-92 foi aprovada por consenso a Agenda 21, um volumoso documento de 40 capí-tulos programáticos e mais de 300 páginas. Foram também adotadas uma Declaração dePrincípios Florestais, bem como a Convenção sobre Biodiversidade Biológica e a Convençãosobre Mudanças Climáticas. Como primeiro grande encontro global após a Guerra Fria, quereuniu a consciência e a geopolítica ecológicas, a ECO-92 resultou em alguns pontos positivos,como reafirmar a soberania dos Estados sobre seus recursos naturais. Na Convenção sobre aDiversidade Biológica, o texto associa a biodiversidade à biotecnologia e cria uma base jurídi-ca mínima para sua utilização, além de humanizar o tema, reconhecendo quanto é imperiosoconsiderar os problemas sociais envolvidos. E – o que é mais importante – a aprovação daAgenda 21 referendou o conceito de desenvolvimento sustentável, que passou a ser o marcode referência para a estratégia de desenvolvimento a longo prazo. Essas iniciativas promisso-ras, contudo, não escaparam da desigualdade do poder e do caráter de coerção que foramassumindo com o tempo, no contexto da mudança global liderada pelos EUA.

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periféricos, como tentativa de conter adisseminação do padrão de consumodos centros desenvolvidos em seusterritórios. Essa interpretação é visível aopropor a contenção do crescimentodemográfico dos países periféricos, naênfase colocada em alternativas dedesenvolvimento baseado em empre-endimentos de pequena escala, supos-tamente capazes de fixar a populaçãono campo, e certamente de impedir aemigração para os países do Norte.

Enquanto essa agenda permaneceetérea e de difícil assimilação, as con-venções se arrastam por infindáveisreuniões. Em cada uma delas, os paísesperiféricos precisam travar verdadeirasguerras contra pontos capciosos conti-dos nos complexos documentos trazi-dos a consideração. Tal situação expres-sa dois processos em curso:• a ambigüidade do discurso da busca

do bem coletivo pela sustentabilida-de, na medida em que as covençõesse transformam em fóruns globaisde regulação do mercado da nature-za, como colocado no início destecapítulo; e

• o interesse das potências em domi-nar esse mercado, num contextomarcado pelos esforços dos EstadosUnidos por polarizar as discussões edecisões.Como bem colocado por Hoffman

(2002), cresce assim a consciênciaquanto ao absurdo de se promover odesenvolvimento com retórica e atécom algum financiamento, mas aomesmo tempo levantar barreiras contraa importação de bens que os paísesperiféricos e emergentes conseguemproduzir com mais eficiência.

Um balanço da situação revela que aAmazônia tem servido de laboratóriopara o desenvolvimento de outros paí-ses, pois os custos da conservação sãonacionais enquanto os benefícios sãopara todos. Os avanços nas pesquisas e

na biotecnologia são cruciais para asse-gurar os benefícios da riqueza do patri-mônio natural para o Brasil.

Em foco, as comunidades indígenas

Uma das maiores preocupações deamplos setores do governo é a questãoindígena. Quando uma mesma etniapovoa os dois lados da fronteira, essasituação poderia no longo prazo justifi-car uma interferência internacional pa-ra declarar uma “zona neutra” e rela-tivizar a soberania dos dois países en-volvidos. A essa preocupação se soma àda presença das ONGs e sua influênciapolítica.

Há uma crescente conscientizaçãomundial e nacional quanto à necessi-dade de reconhecer os direitos de po-vos indígenas e tribais e de preservarseu rico patrimônio cultural. Emboratambém existam, certamente, interes-ses geopolíticos em utilizar essa cons-ciência como forma de limitar a sobe-rania dos Estados.

Um esforço positivo vem sendo feitopara aproximação e diálogo entre asForças Armadas e as nações indígenas.Na Conferência Mundial da OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT) contra oracismo, a discriminação racial, a xeno-fobia, a intolerância correlata e a discri-minação, realizada em Durban (Áfricado Sul) em 1989, foi aprovada aConvenção no 169 sobre Povos Indíge-nas e Tribais em países independentes.O Brasil ratificou a convenção por meiodo Decreto Legislativo no 143/02. Naocasião, o Instituto Socio-ambiental(ISA) apresentou um código de condutaentre índios e militares, que se trans-formou em uma medida governamentalformalizada no documento oficial dadelegação brasileira (ISA, 2004).

Apesar da ratificação dessa conven-ção, uma polêmica veio à tona com a as-sinatura do Decreto no 4.412, assinado

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pelo então presidente Fernando Henri-que Cardoso, em 2002. Ele dispõe sobrea atuação das Forças Armadas e da Polí-cia Federal em terras indígenas e forma-liza a liberdade de trânsito e acesso, pa-ra instalação e manutenção de unidadesmilitares e policiais, de equipamentos defiscalização e implantação de progra-mas e projetos de controle e proteçãoda fronteira. Instituições governamen-tais declararam a inconstitucionalidadedo decreto e algumas organizações indí-genas mais organizadas expressaram-sepor meio de múltiplos documentos.

Mas os diálogos prosseguiram coma criação do Conselho Nacional deCombate à Discriminação, em 2001, ecom os Diálogos de Manaus, em 2002e 2003. O Exército, por iniciativa do Co-mando Militar da Amazônia, demons-trou interesse em definir novas diretri-zes de relacionamento com os índios,acatando uma série de sugestões apre-sentadas pela Foirn (Federação das Or-ganizações Indígenas do Alto Rio Ne-gro), com relação à conduta de milita-res dentro de territórios indígenas. Os

Diálogos de Manaus deram origem àPortaria no 20, de 02/04/03, do Minis-tério da Defesa, que se tornou umagrande esperança para avançar na so-lução dos conflitos.

É, sem dúvida, necessária a presençadas Forças Armadas e da Polícia Federalnas fronteiras e nas Terras Indígenas,para garantir a soberania e a segurançanacional. Os índios, por sua vez, já têmassegurada a demarcação de suas ter-ras. As reivindicações que fazem são,em sua maioria, bastante aceitáveis. O avanço no diálogo é, desse modo, ocaminho certo.

4.2. Restrições aceitas depreservação do meio ambiente e dabiodiversidade

A ingerência externa é patente naAmazônia. Ela se manifesta por meioda intensa veiculação de opiniões namídia internacional, ajuda econômica eda cooperação de outros governos eorganizações, que influenciaram mu-danças na política regional a partir de

QUADRO 7 – Discursos, opiniões e tentativas de ingerência

Difundidos pela mídia internacional, discursos e opiniões sobre a floresta têm forte impacto etentam fundamentar a tese de uma ingerência externa na Amazônia. O Brasil aparece como vilãoambiental e questiona-se sua capacidade de manter uma Amazônia sustentável. A tentativa decriar uma soberania compartilhada na Amazônia, ou mesmo uma soberania global, é o cernedessa pressão, tal como visto em algumas declarações a seguir (Mendes, 2001):

“Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas externas, que vendamsuas riquezas, seus territórios e suas fábricas”. Margareth Tatcher, primeira-ministra britânica,1983;

“Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles, mas de todos nós”. AlGore, senador e vice-presidente dos Estados Unidos, 1989;

”O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia”. François Mitterrand,presidente da França, 1989;

“O Brasil deve delegar parte dos seus direitos sobre a Amazônia aos organismosinternacionais competentes”. Mikhail Gorbachev, presidente da então União Soviética, 1992;

”A Amazônia é um patrimônio da humanidade. A posse dessa imensa área pelos países(amazônicos) é meramente circunstancial”. Conselho Mundial de Igrejas Cristãs, Genebra,1992.

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meados da década de 80. Essas mu-danças acarretaram novos modos deposse e uso do território.

Pressões nacionais e principalmenteinternacionais, oficiais ou não, se inten-sificaram em meados da década de 80,quando as imagens das queimadas naAmazônia causaram grande impacto. Oano de 1989, por sua vez, foi um apo-geu nessas pressões, em razão da re-percussão mundial do assassinato do lí-der seringueiro Chico Mendes, ocorridoem dezembro de 1988. Sua morte a-crescentou uma dimensão social ao de-bate em torno do desmatamento na re-gião. Ela deu visibilidade à luta políticade outros segmentos sociais, como ospovos indígenas e comunidades ribeiri-nhas, que sobrevivem do uso dos recur-sos naturais renováveis e precisam de-fender seus territórios do avanço depecuaristas e madeireiras.

A partir de então, conservação am-biental e preservação da cultura indí-gena tornaram-se indissociáveis. A rei-vindicação de seringueiros e índios porter seus próprios territórios foi recon-textualizada, à luz da preocupaçãomundial em torno da conservação am-biental, que apoiou novas formas de le-gitimação do poder no interior doterritório nacional.

4.3. Restrições aceitas via ajudaeconômica

Os bancos multilaterais exercem pa-pel fundamental nas restrições aceitasde preservação do meio ambiente e dabiodiversidade. Mas a liderança nesseprocesso é do Banco Mundial.

O Banco Mundial foi a primeira insti-tuição internacional a estabelecer polí-ticas explícitas de limitações a riscosambientais nos projetos que financia. Apartir de 1987, planejou a criação deum Departamento do Meio Ambientepara estudos nessa área e decidiu do-

brar os fundos que destina a projetosflorestais “bem concebidos” do pontode vista ambiental. Também em respos-ta a pressões externas e internas, o Bra-sil toma uma série de medidas insti-tucionais que se sucedem rapidamente.Elas culminam com a criação do Ibama(Instituto Brasileiro do Meio Ambientee dos Recursos Naturais Renováveis),em 1989, do Ministério do Meio Am-biente, em 1993, e com a aceitação dedois programas de ajuda econômicaque constituem um marco na políticade preservação do meio ambiente e dabiodiversidade. Em ambos, é patente aliderança do Banco Mundial.

O Programa Nacional de Meio Am-biente (PNMA), de 1990/91, recebeucomo empréstimo US$ 17 milhões doBanco Mundial para execução de açõesque conduzissem a uma melhor gestãoambiental. A influência do PNMA tor-nou-se extremamente significativa namedida em que permitiu a contrataçãode grande número de técnicos, particu-larmente no Ministério do Meio Am-biente, que fortaleceram concepções eações para a preservação ambiental.

Já o Programa Piloto para Proteçãodas Florestas Tropicais Brasileiras (PP-G7), já abordado, tornou-se o mais im-portante instrumento de ingerêncianas atividades de preservação am-biental. O maior contribuinte do PP-G7é a Alemanha, com quase 50% dototal, seguida da União Européia (UE),do próprio Brasil – como contrapartida– e da Inglaterra. Em 1998, o totaldespendido foi de US$ 55,8 milhões,sem contar os aportes do Rain ForestTrust Fund (RFTF). Contando com novosrecursos e os do RFTF, o total em 2003ascendia a US$ 409,54 milhões. Segun-do o Banco, os devedores contribuíramou se comprometeram firmementecom essas doações, que correspondema um aumento de 38% em relação àproposta original. O Brasil também am-

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pliou sua participação. Mas o cresci-mento dos recursos se deve em grandeparte a ganhos de juros e ao câmbio,graças à valorização do euro em rela-ção ao dólar. A tabela 3 traz a partici-pação dos financiadores no total dosrecursos.

De fato, a partir de 1997, o desem-bolso para os projetos vem gradativa-mente decrescendo e, em 2003, repre-sentou menos da metade do total derecursos. Desse montante, grande par-te permanece sem investimento ou égasta com a própria estrutura burocrá-tica do Banco referente ao PP-G7.

Dentro das novas tendências que seconfiguram no PP-G7, em sua segundafase, ele seria denominado ProgramaBrasileiro de Proteção e Uso Sustentá-vel das Florestas Tropicais, revelando aintenção do Banco em passar a res-ponsabilidade do Programa para oBrasil.

4.4. O papel da cooperaçãointernacional

Por várias vezes, neste capítulo,afirmou-se que informação e conheci-mento científico e tecnológico situam-se no cerne do poder contemporâneo.Exemplo dessa afirmativa é o recenteincidente provocado pelos Estados Uni-dos quanto à inspeção rotineira da

Agência Internacional de Energia Atô-mica na empresa Indústrias Nuclearesdo Brasil, localizada em Rezende (RJ).Tendo o Brasil negado a vistoria dasultracentrífugas, uma tecnologia brasi-leira de enriquecimento do urânio, foicomparado pelo governo norte-ame-ricano ao “eixo do mal”. Aliás, o inci-dente congrega vários elementos quecompõem afrontas à soberania nacio-nal: além da disputa por segredos tec-nológicos, influência na opinião públi-ca mundial contra o Brasil e pressãovisando ao desgaste político da posiçãobrasileira nas negociações da Área deLivre Comércio das Américas (Alca).

Na Amazônia, os interesses mun-diais em ciência e tecnologia exercempressões sob diferentes formas. A maiscomum é a oficial, explícita, constituídade parcerias entre comunidades cien-tíficas institucionalizadas pelos gover-nos dos parceiros, tanto em grandesprojetos multilaterais quanto em pro-jetos bilaterais. Outras iniciativas nãotêm cunho oficial e se traduzem emprojetos para proteção da natureza,mas que envolvem a participação depesquisadores. Incluem desde ações fi-nanciadas por agências de desenvolvi-mento e bancos estrangeiros, até doa-ções para projetos comunitários.

A pressão institucionalizada de co-munidades científicas tem ligação es-

Fonte2025

TotalComprometidos ou IndicadosPara o Rain Forest Trust

1990

Contratados

Alemanha 19.35 126.83 65.09 211.27União Européia 14.05 46.87 8.05 68.97Reino Unido 2.32 25.07 0.00 27.39EUA 6.25 3.95 5.10 15.30Holanda 4.88 3.25 - 8.14Japão 6.80 0.45 - 7.25Itália 3.85 0.00 - 3.85França - 1.44 - 1.44Canadá 0.74 - - 0.74Brasil - Governo - 30.38 9.61 39.99Brasil - Comunidades - 11.50 13.70 25.20Total 58.25 249.74 101.55 409.54

Tabela 3 – Orçamento do PP-G7 – Projetos

Fonte: PP-G7 Financial Report (2003) – World Bank.

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232Brasil: o estado de uma nação

treita com a cooperação internacional.É difícil obter informação e analisarpressões advindas dos projetos bi-laterais entre pesquisadores de insti-tuições nacionais e estrangeiras, devidoao seu grande número, diversidade detemas e fragmentação geográfica. Aoque tudo indica, a maioria dessas pres-sões está ligada a interesses legítimosdos pesquisadores.

Já os grandes projetos multilateraistêm o objetivo explícito de ampliar ainformação e o conhecimento sobre omeio ambiente amazônico para bene-fício do planeta. Mas são também ins-trumentos de influência dos parceirosinternacionais, que exercem pressõespor dois elementos associados: o finan-ciamento da pesquisa, extremamentesedutor num país que carece de recur-sos para esse fim, e a imposição da a-genda científica internacional na Ama-zônia, que é assegurada pela área depesquisa e o tema de cada projeto.

A cooperação científica

Dois grandes projetos multilateraisse destacam: o PP-G7 e o LBA (LargeScale Biosphere Atmosphere Experi-ment in the Amazon). Em ambos, ape-sar da multilateralidade, a liderança édos Estados Unidos. O PP-G7 incluiuem seus múltiplos componentes o Sub-programa de Ciência e Tecnologia comdois projetos, o de Centros de Ciência(CC) e os Projetos de Pesquisa Dirigida(PPD) que, posteriormente, foram inte-grados (Becker, 2001b). O objetivo ini-cial do Subprograma era promover ageração e disseminação de conheci-mentos científicos e tecnológicos rele-vantes para a conservação e o desen-volvimento na região amazônica.

O Subprograma de Ciência e Tecno-logia foi coordenado pela SecretariaTécnica do Ministério da Ciência eTecnologia e teve parceria com a Finan-

ciadora de Estudos e Projetos (Finep).Ele foi um dos projetos que mais rapi-damente executou as atividades previs-tas e utilizou os recursos alocados. Em1997, verbas suplementares foramcomprometidas pelos doadores e, em1998, o governo brasileiro alocou re-cursos extras, excedendo muito acontrapartida prevista.

O objetivo dos investimentos nosCentros de Ciência foi o fortalecimentoinstitucional, com a melhoria de infra-estrutura e do planejamento estraté-gico em duas instituições, o InstitutoNacional de Pesquisas da Amazônia(Inpa) e o Museu Paraense EmílioGoeldi (Mpeg). Em 1999 o projeto foiconsiderado concluído.

Os Centros de Ciência foram bem-sucedidos e permitiram ampliar o nú-mero de seus doutores, sua produção eparcerias, levando-os a alcançar um pa-drão científico de nível internacional.Mas os Projetos de Pesquisa Dirigidanão tiveram o mesmo êxito. Entre osmotivos do insucesso a eles atribuídosdestacaram-se a falta de inovação e deintegração com os objetivos do PP-G7 ea necessidade de maior consideraçãoem cada um. Enfim, o principal proble-ma com os Projetos de Pesquisa Diri-gida foi não terem sido dirigidos deacordo com a agenda do PP-G7, o quese tornou uma reclamação contínuados doadores.

Em face dos problemas apontados,da mudança no contexto global e nosinteresses dos doadores e do BancoMundial, é definida em 2001 uma novaestratégia para o PP-G7, com vistas àsua segunda fase. A nova estratégia re-conhece as grandes mudanças promo-vidas nas políticas brasileiras relacio-nadas com as florestas e tem dois pon-tos básicos. Em primeiro lugar, reduz aênfase preservacionista e reconhece aimportância do desenvolvimento daspopulações que vivem na floresta.

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233 Brasil: o estado de uma nação

A partir desse novo enfoque, propõeque o sucesso do Programa não deveriaser medido apenas pela redução dataxa de desmatamento, mas tambémpela ampliação de sua escala de atua-ção e de sua influência nas políticaspúblicas. Em segundo lugar, enfatiza adescentralização e passa a envolver nãoapenas as ONGs, mas também os esta-dos, municípios e o setor privado.

Não há como negar que o PP-G7contribuiu para a ciência e tecnologiaregional, sobretudo para o fortaleci-mento dos Centros de Ciência. Mas oscritérios de financiamento não condi-zem com a implantação de uma estra-tégia articulada de ciência e tecnologiana Amazônia. Por um lado, cessou ofinanciamento dos Centros de Ciênciae, por outro, várias fontes financiamum mesmo projeto seguidamente, se-gundo interesses específicos dos doa-dores que nem sempre correspondemàs prioridades regionais. A definiçãodas prioridades regionais de pesquisa,por sua vez, é prejudicada pela multi-plicidade de demandas provenientesde diferentes segmentos de governos,de instituições e dos grandes progra-mas regionais.

O segundo grande projeto multilate-ral de cooperação internacional, o LBA,foi iniciado só recentemente. O LBA con-solida o processo de globalização dapesquisa na Amazônia. O mais flagranteelemento desse processo é o programasobre mudanças globais no meio am-biente (Global Environmental Change)comandado pelo Conselho Internacionalde Uniões Científicas (InternationalCouncil of Scientific Unions - Icsu). Esseprograma enfatiza pesquisas sobre omeio ambiente e a biodiversidade, maspassou depois a incorporar também adimensão humana.

Pesquisas conduzidas em âmbitoglobal por meio de parcerias consti-tuem, sem dúvida, uma inovação ne-

cessária ao avanço no conhecimentosobre o planeta. Mas duas questões de-vem ser colocadas, do ponto de vistados interesses nacionais, em razão daorigem dos financiamentos e da impo-sição dos temas: a fragmentação daspesquisas é maior em virtude da abran-gência regional e de temas pesquisadose os pesquisadores envolvidos nessasparcerias são engajados em projetosglobais, nem sempre coincidentes comos respectivos interesses nacionais.

Enfim, a cooperação internacional éhoje imprescindível para o desenvolvi-mento da ciência e da tecnologia naAmazônia, como acontece, aliás, emmuitos outros países. No Brasil, porém,adquiriu autonomia excessiva, em vir-tude de deficiências na negociação so-bre as prioridades e as condições de fi-nanciamento. É indispensável, portan-to, compatibilizar a estratégia de parti-cipação da comunidade científica inter-nacional com o desenvolvimento deprojetos também de interesse do Brasile de suas instituições.

As pressões internas e externas dasONGs

A interconexão das arenas políticasdo Brasil e internacional e dos diferen-tes aspectos que envolvem a soberanianacional tem sua manifestação maisclara nas organizações não-governa-mentais (ONGs). Na Amazônia, asONGs estão presentes em todas asformas de restrições e pressõesassinaladas. Na maioria das vezes,trabalham em conjunto com outrosatores sociais, particularmente asorganizações religiosas.

Elas constituem a forma não-oficialde acesso à informação e trabalhamem projetos elaborados “de baixo paracima”. Assim, atuam diretamente coma população e exercem forte influênciapolítica. No entanto, a maior parte

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234Brasil: o estado de uma nação

delas não costuma divulgar infor-mações sobre seus parceiros e sobre aorigem dos recursos que recebem. Àsemelhança da comunidade científicaestrangeira, alcançaram autonomiaexcessiva na região.

As ONGs caracterizam-se por suaorganização em redes transnacionais.Sua existência está condicionada àcooperação internacional na medidaem que são independentes do Estado,atuam na contramão do mercado enão são instituições filantrópicas. Sãoparcerias voltadas para dilemas glo-bais, que se interligam, formando uma“rede de redes”. As articulaçõesdominantes podem ser vistas na ori-gem dos financiamentos recebidos. Poreste critério, Alemanha, Holanda e Es-tados Unidos são os países que exer-cem maior influência, pois controlamisoladamente mais de 40% dosrecursos movimentados por 102 ONGsanalisadas em 1991 (Fernandes, R.C. eCarneiro, P.,1991). Seguem-se Inglater-ra, Canadá, França e Suíça, cujo contro-le financeiro situa-se entre 20% e 30%.O predomínio de agências pro-testantes é indiscutível. Elas têmgrande importância orçamentária paraquase a metade das ONGs – 45% daamostra de 102 organizações –, en-quanto as agências católicas têmimportância apenas para 25% delas.

As organizações não-governamen-tais são versáteis e capazes de agir comagilidade não permitida pela rigidez damáquina do Estado, com quem podeou não realizar parcerias. Sua existên-cia está vinculada à cooperação inter-nacional, da qual são agentes impor-tantes no apoio à proteção ao meioambiente e à defesa das populaçõesexcluídas. Nessa função, assumemindependência em relação ao Estado etêm acesso privilegiado à informaçãosobre a natureza amazônica e o saberlocal.

Na Amazônia, elas encontraram umterreno propício para proliferar. Contri-buíram para isso os conflitos de terra ede território que eclodiram nas décadasde 70 e 80 e geraram fortes movimen-tos organizados das populações locais,a ausência do Estado (enfraquecido pe-la crise econômica dos anos 80) e as di-ficuldades de controle em tão extensaregião. São elementos importantes pa-ra o crescimento dessas organizaçõesna região:• A resistência de populações tradi-

cionais à expropriação de seus ter-ritórios e identidades. A expressãomaior dessa resistência foi ChicoMendes, líder dos seringueiros. Nãomenos importantes foram as reivin-dicações de índios, ribeirinhos e deex-colonos que se radicaram naregião.

• O esgotamento do nacional-desen-volvimentismo e a crise do Estadobrasileiro. O ano de 1985 foi ummarco nesse processo, com o últimogrande projeto associado à doutrinado Desenvolvimento e Segurança, oProjeto Calha Norte e a criação doConselho Nacional dos Seringueiros,símbolo da resistência social.

• A pressão ambientalista nacional einternacional contra o uso preda-tório da natureza e por um novopadrão de desenvolvimento susten-tável, novo e poderoso agente demudanças por meio da cooperaçãointernacional financeira e técnica,presente em todos os projetos ambi-entalistas.

• A resposta do governo brasileiro aessas pressões mediante aceitaçãode projetos e programas em parce-ria com atores internacionais, a cria-ção do Ministério do Meio Ambiente(1993) e de uma política ambiental.É difícil saber o número de ONGs

que atuam na Amazônia. No Vale doRio Acre é forte a organização dos pro-

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dutores familiares e dos estados e pre-dominam redes de parcerias locais/glo-bais. Essas suplantam as escalas regio-nal e nacional. Em áreas de povoa-mento já consolidado, como em Ron-dônia (Projeto Reca5) onde foi intensa acolonização oficial, as redes de par-cerias são bem distribuídas em todas asescalas geográficas. Em áreas florestaisinterioranas, como no Amapá, domi-nam parcerias estaduais-locais (Becker,2002).

Embora empunhem a bandeira daproteção ambiental ou do desenvolvi-mento sustentável, as ONGs não for-mam um todo homogêneo. Ao con-trário, diferem quanto a seu objetivo,modo de atuação e transparência. Umimportante elemento de diferenciaçãoestá em serem ou não instituições depesquisa, mas essa classificação não ésatisfatória do ponto de vista dasoberania.

Sem dispor de documentação quepermita uma classificação adequada, épossível utilizar como critério o grau deinterferência externa na definição e im-plementação de suas agendas no Bra-sil. Por esse critério, distinguem-se cin-co grupos:• ONGs com abrangência global, cujas

agendas são definidas pelos paísescentrais, constituindo verdadeirassucursais que atuam no Brasil.

• ONGs que têm fortes laços com oexterior, mas cujas agendas não sãodefinidas fora do Brasil e, por isso,contemplam interesses regionais.

• ONGs antigas, gestadas no Brasil nobojo da Igreja Católica e de organi-zações estudantis no âmbito da rea-ção ao regime militar.

• ONGs voltadas para grupos específi-cos, sobretudo indígenas, com atua-ção menos abrangente.

• ONGs de várias dimensões, disper-sas em múltiplos projetos de abran-gência local ou regional.

Alguns pesquisadores julgam queseria útil distinguir as agências euro-péias e canadenses – como CCFD, CME,Desenvolvimento e Paz, Oxfam e Icco –,mais independentes de seus governos eligadas ao ativismo sindical de seus paí-ses, das agências norte-americanas,fundamentalmente ligadas à políticaexterna do governo dos Estados Unidos(Landim, 1993).

Nos anos recentes, as ONGs trans-formaram-se em espaços de expressãode identidades locais fortes, represen-tação política das populações desfavo-recidas e expressão local de interessesinternacionais. Hoje, elas buscam novasformas de atuação para se conciliarcom as realidades do mercado. Boaparte de seus recursos é proveniente daprestação de serviços, são reconhecidaspelo Estado e pelas empresas privadas,e representam um interlocutor impor-tante na definição de políticas públicas(Bouclet, 2003).

Exemplo significativo da influênciadas ONGs nas políticas públicas é for-necido pelo projeto do governo detransformar a rodovia Cuiabá-Santa-rém em um modelo de estrada indu-tora de desenvolvimento sustentável.As pesquisas que se propõem a viabi-lizar esse projeto estão a cargo do Ipame do ISA, que receberam US$ 1,5milhão do consórcio da Usaid esta-belecido para esse fim, e do Ipam, querecebeu mais 1 milhão de euros daUnião Européia. Além dessas verbas, aUnião Européia ofereceu outros 6milhões de euros para o Ministério doMeio Ambiente, com a mesma finali-dade. Enquanto isso, os pesquisadoresbrasileiros não podem contribuir porabsoluta carência de recursos. A vulne-rabilidade do Brasil é patente nestecaso, pois o setor privado participarádos custos da pavimentação da ro-dovia, mas o financiamento das pes-quisas virá de doações estrangeiras.

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236Brasil: o estado de uma nação

Há, portanto, o risco de que o projetocomo um todo não leve em conta osinteresses nacionais.

4.5. Restrições ao uso do território ereativação das fronteiras políticas

As restrições à autonomia do Estadobrasileiro quanto ao uso presente efuturo do território amazônico se con-solidam na multiplicação de vários ti-pos e de grandes extensões de áreasprotegidas, dentre as quais destacam-se as terras indígenas e as unidades deconservação (UCs), bem como os pro-jetos comunitários alternativos, já cita-dos anteriormente (ver gráfico 8).

As áreas indígenas só adquirem ex-pressão efetiva após sua delimitação edemarcação, de acordo com as deter-minações do Estatuto do Índio (Lei nº6001, de 10/12/1973). Este está sendorevisto pelo Congresso Nacional paraadaptar-se às normas constitucionais.Embora se reconheça a dificuldade em

definir com precisão os limites de umaárea indígena, o governo brasileiro ren-deu-se às pressões internacionais e àoferta de financiamento, lançandomão de coordenadas geográficas e li-nhas virtuais, na demarcação e homo-logação de muitas e extensas áreasindígenas. A imprecisão dos limites fa-vorece invasões de grupos econômicose a eclosão de conflitos. As tabelas 4 e5 apresentam dados a respeito das ter-ras indígenas na região Norte.

As populações indígenas consti-tuem, hoje, atores fundamentais no ce-nário político regional. Elas têm au-mentado progressivamente sua popu-lação, sua autonomia e seu poder denegociação frente ao Estado e aos gru-pos econômicos. Pesam a seu favor asua organização, a Funai e o apoio fi-nanceiro e técnico de ONGs e de insti-tuições estrangeiras, sobretudo as ale-mãs KFW e a GTZ.

As unidades de conservação (verglossário na seção 2 deste capítulo,

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pág. 210) são áreas delimitadas paraproteger amostras significativas dosdiferentes ecossistemas do país, parafins científicos, culturais e recreativos,definidos por dispositivos legais (vermapa 7).

É um traço comum às áreas prote-gidas manter relações estreitas com aUnião, por meio da Funai e do Ibama.Entre as UCs destacam-se as reservasextrativistas, fruto da luta dos serin-gueiros contra a expansão dos fazen-deiros de gado e dos projetos de colo-nização do Incra. Apoiado pela IgrejaCatólica e pelos sindicatos rurais, oprojeto foi incorporado pelo PP-G7 emquatro reservas extrativistas amazô-nicas e hoje conta com uma variadarede de parceiros internacionais. Em1994, o governo criou nove reservasextrativistas, das quais oito na Amazô-nia e uma em Santa Catarina. Atual-mente, há 18 reservas extrativistas naAmazônia.

Assim como a demarcação de terrasindígenas, a concessão de terras pelogoverno federal às populações cabo-clas através das reservas extrativistas é

um marco histórico, num país histo-ricamente marcado pelo latifúndio. Ummodelo original de gestão foi tambémconcebido para as reservas extrativistasbaseado na estreita relação entre a so-ciedade e o Estado. Combina o poderda União, como proprietária das terrase responsável pelas reservas extra-tivistas, com o da comunidade. Esta sefaz representar por associações de mo-radores, responsáveis pelos contratosde uso, e por grupos de famílias, encar-regados da gestão econômica e dosrecursos. Certamente este modelo éum dos experimentos que mais pre-serva a biodiversidade, embora o extra-tivismo seja uma fraca base econômicapara a sustentação da população. Hoje,intensifica-se o movimento para agre-gar valor à extração do látex de serin-gueira, da castanha, de frutos e mesmoda madeira pelo manejo florestal.

Há também iniciativas conservacio-nistas que não partiram da base. Exem-plo de experimentos que se realizam apartir diretamente de interesses cientí-ficos e preservacionistas é o ProjetoMamirauá, localizado na Várzea do

Brasil 851.487.670 87.726.700 10,30 734.131Região Norte 385.332.730 72.985.705 18,94 213.445

Tabela 4 – Participação dos parques e terras indígenas homologados eregistrados no total da área e população indígena, no país e regiãoNorte, 2000

População IndígenaParticipação (%)Área Total (ha)

Parques e terras indígenas

Área Total (ha)

Fonte: IBGE e Funai.Obs.:Dados de parques e terras indígenas referem-se a 2003. Dados de população indígena referem-se a 2000.

Amazonas 113.391Pará 37.681Roraima 28.128Rondônia 10.683Tocantins 10.581Acre 8.009Amapá 4.972Total 213.445

Tabela 5 – População indígena residente nos estados da região Norte,2000

Fonte: IBGE e Funai.

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Médio Vale do Solimões. Trata-se de área com extraordinária riqueza em águas, em cujo entorno ocorre a maiorreserva mundial de floresta inundada,hábitat de muitas espécies raras.

Uma audaciosa proposta de unida-de de conservação, concebida “de cimapara baixo” em 1996, é a dos Corre-dores Ecológicos ou de Conservação,que correspondem a uma revolução noplanejamento em conservação.

A reativação e a defesa dasfronteiras políticas

As relações transfronteiriças são a-tualmente um tema prioritário para oBrasil, particularmente na Amazônia.Fronteiras são zonas de instabilidade efoco potencial de conflitos gerados pe-las populações locais ou por pressõesexternas. A multiplicidade de atores ede redes técnicas e políticas que nelas

atuam representam, assim, desafiosconcretos à soberania dos Estados.

Tais desafios são particularmente in-quietantes na fronteira amazônica, amais extensa do país, distante docentro de poder nacional e de difícilacesso. Todos são empecilhos impor-tantes ao seu controle, sobretudoquando novos atores econômicos, so-ciais e políticos, com interesses diver-sos, em grande parte ilegais, nela en-contram terreno fértil para atuar.

Uma grande concentração de exten-sas Áreas Protegidas ao longo das fron-teiras, muitas vezes com a sobrepo-siçãode terras indígenas e unidades deconservação, agrega novos problemaspara o controle fronteiriço e para a de-fesa nacional. Este fato gera conflitosentre três jurisdições que se justapõemno território: a de estados, a de muni-cípios e a federal. Essa sobreposição éditada pela legislação que regula as

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áreas protegidas. Um expressivo nú-mero de municípios tem seu territóriosubmetido ao poder da União e/ou dosgovernos estaduais, por meio da legis-lação ambiental dominante. Esse con-flito, contudo, não incide uniforme-mente na região, conforme mostra atabela 6 (Figueiredo, 1998).

A tabela evidencia as desigualdades,com destaque para os estados de Ro-raima, Amazonas e Acre, nos quaismais de 70% dos municípios encon-tram-se sob áreas de legislação espe-cial. Estas foram estendidas, em mea-dos da década de 90, ao Amapá eRondônia. A similaridade nos períodosda demarcação de terras indígenas e deunidades de conservação na Amazôniarevela o crescimento da vertente am-bientalista.

Em 2002, a distribuição espacial dasterras indígenas e unidades de conser-vação no território amazônico desenhaum grande arco de proteção legal aolongo da fronteira política nacional,que parte de Rondônia, passa peloAcre, Amazonas, Roraima, Pará e al-cança o Amapá. Essa nova e imensamalha territorial torna-se, assim, umaquestão de importância interna e exter-na, de enorme valor estratégico nasrelações do Brasil com a América Latinae o mundo (ver mapa 7).

Com efeito, algumas das terras indí-genas delimitadas na Amazônia brasi-leira, tais como as dos Yanomami, emRoraima e Amazonas, e as dos Tikuna,no Amazonas, envolvem territóriostransfronteiriços na Venezuela, Colôm-bia e Peru, o que empresta à questãoindígena um sentido não apenas na-cional, mas sul-americano e mundial,quanto ao patrimônio ambiental ecultural. A Amazônia torna-se, assim,sujeita não só a pressões resultantes datensão característica das relações esta-belecidas no interior da federação bra-sileira, como de poderosas pressõespolíticas e econômicas internacionaisem favor da conservação do meioambiente.

A consolidação da soberania brasi-leira nas fronteiras internacionais da Amazônia é, portanto, desafiada tam-bém por restrições à decisão sobre o usodo território. Nas fronteiras internacio-nais, tais restrições são decorrência defatores externos, como o tráfico de dro-gas, convulsões políticas nos países vi-zinhos, nos quais é crescente a presençamilitar dos Estados Unidos e também daUnião Européia. Há ainda os fatores econflitos internos, provocados pelajustaposição de ordens administrativas,pela extensão de áreas protegidas ex-cluídas do circuito produtivo e pelas

Amazonas 62 50 80,6Pará 128 47 36,7Rondônia 40 25 62,5Acre 22 16 72,7Roraima 8 8 100,0Amapá 15 10 66,6Maranhão* 109 20 18,3Tocantins 123 20 16,3Mato grosso 117 43 36,7Amazônia Legal 624 244 39,1

Tabela 6 – Municípios com áreas federais e/ou estaduais de legislaçãoespecial – Amazônia Legal, 1996

Participação de municí-pios com áreas de legis-

lação especial/total(b/a) (%)

Municípios com terrasindígenas e/ou unidades

de conservação 1996(b)

Número de municípios1995

(a)

Fonte: Anuário Estatístico do Brasil (1995) e Arquivo Gráfico de Áreas Especiais (atualizado entre abril/maio de 1996) –IBGE/DGC/Detre (arquivo atualizado em dezembro de 1995).

Unidades da Federação

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muitas áreas sob autonomia dos gruposindígenas (ver mapa 8).

As Forças Armadas têm um papelfundamental no controle das frontei-ras. Seus instrumentos mais importan-tes para isso são o Projeto Sipam/Sivam, recém-desmembrado, e o Pro-grama Calha Norte, que apesar desuas dificuldades tem sido em grandeparte responsável pela presença cons-

tante do Estado brasileiro na Ama-zônia Setentrional. O papel do CalhaNorte foi, recentemente, resgatadocom nova abordagem (PCN, 2001).Também importante é a iniciativa paraintegração da Amazônia sul-ame-ricana, assim como as operaçõesconjuntas da Polícia Federal e da Re-ceita Federal no controle das fron-teiras.

5. O QUE É PRECISO PARAALCANÇAR UM NOVO PADRÃO DEDESENVOLVIMENTO?

A despeito de ter contribuído paraincutir em todos os grupos sociais aimportância do cuidado com o meioambiente na Amazônia, e para produzira legislação necessária, o ambienta-lismo não solucionou o problema do

desflorestamento nem promoveu o usoadequado da floresta. Após quasequinze anos de dominância dessa es-tratégia, cabe avaliar o saldo de seudesempenho. Sua luta pela criação eexpansão de áreas protegidas teve pa-pel importante na proteção da floresta,mas a exclusão do circuito produtivonão é garantia de que não serão des-respeitadas com o avanço da fronteira

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241 Brasil: o estado de uma nação

agropecuária. As terras indígenas, porsua vez, têm maior poder de resistênciaà expansão da fronteira, segundo pes-quisa recente. Mas o baixo índice desucesso econômico de projetos alter-nativos, devido a carências gerenciais,técnicas e de comercialização, salvoexceções, também não dá margem paraotimismo. Quanto aos sumidouros decarbono que hoje se implantam, ao quetudo indica, trata-se de um mercado deescambo, sem pagamento algum.

As dificuldades do ambientalismodevem-se à sua incapacidade de geraremprego e renda, ou melhorar sua dis-tribuição. Nesse sentido, não conse-guiu dotar a Amazônia de meios paraatender às demandas da sociedade re-gional ou para enfrentar as novas in-vestidas de apropriação de seus recur-sos. Se o desenvolvimentismo foi per-verso e seu antídoto não foi capaz desolucionar os grandes conflitos regio-nais, o que fazer? Todos os segmentosda população regional ouvidos direta-mente em campo demandam – em pri-meiro lugar – a presença do Estado e –em segundo – o zoneamento ecoló-gico-econômico como soluções possí-veis para os atuais conflitos.

Ciente dessa situação, o governovem adotando diversas iniciativas, en-tre as quais se destacam:• Plano Amazônia Sustentável (PAS) –

Esse plano insere a variável ambientalnas políticas públicas setoriais paracompatibilizar crescimento econômi-co, inclusão social e conservação am-biental. Tem como meta uma Ama-zônia moderna e ambientalmenteprotegida, tendo sido abandonada apostura preservacionista. Ele enfatizaa intersecção da ciência e da tecnolo-gia com a base de recursos naturaiscomo eixo central de uma novaestratégia para o desenvolvimentoregional. São cinco os componentesdo PAS: (i) produção sustentável com

tecnologia inovadora; (ii) inclusãosocial; (iii) gestão ambiental e ordena-mento do território; (iv) infra-estrutu-ra para o desenvolvimento; e (v) novopadrão de financiamento. Além disso,incorpora uma estratégia espacialbaseada na fragmentação de cadaregião.O calcanhar-de-Aquiles do PAS é ainfra-estrutura para o desenvolvi-mento, que reaviva velhos conflitosde interesses entre os “desenvolvi-mentistas”, grupo que inclui os pro-dutores de soja, e os “ambientalis-tas”, estes em parceria com os pro-dutores familiares. Esse conflito ge-ra resistências e é responsável pelademora na sua implementação.

• Plano de Ação para a Prevenção eControle do Desmatamento – Oobjetivo deste plano é promover aredução das taxas de desmatamentona Amazônia por meio de ações in-tegradas. São elas o ordenamentoterritorial e fundiário, o monitora-mento e controle, o fomento a ativi-dades produtivas sustentáveis e a-ções de infra-estrutura, com parce-rias entre governo, sociedade civil esetor privado. A expectativa é redu-zir os índices de desmatamento equeimadas, de grilagem de terraspúblicas e de exploração ilegal demadeira. Para tanto, propõe aumen-tar a adoção de práticas sustentá-veis e ampliar a capacidade institu-cional de adotar medidas de preven-ção. Sintonizado com o PAS, o planojá está sendo implementado.

• Plano da Estrada BR-163 Susten-tável – A pavimentação da BR-163(rodovia Cuiabá-Santarém), abertana década de 70, tornou-se o focoda guerra entre desenvolvimentistase ambientalistas e é emblemática docontexto atual da Amazônia. Em fa-ce das pressões dos dois grupos, ogoverno federal decidiu criar um no-

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vo modelo para a construção de es-tradas na região. Ele parte do pres-suposto de que não é a existência daestrada que necessariamente provo-ca o desflorestamento e a expulsãodos produtores familiares, mas omodo pelo qual ela é planejada.Foram estabelecidas, como medidasprévias, a regularização fundiária, acargo do Incra, ações emergenciais,consultas à sociedade e audiênciaspúblicas. Também foi realizado umzoneamento econômico-ecológico

de todo o estado do Pará, que serácomplementado por outro, daAgência de Desenvolvimento daAmazônia, para uma área de 200km2 em torno da rodovia. Simulta-neamente, porém, o novo modeloenfrenta o desafio de uma enormegrilagem de terras públicas, feitacom uso de tecnologia de satélites eacompanhada da exploração desor-denada da madeira, além de umaofensiva agressiva dos fazendeiros(ver mapa 9).

• Política Nacional de Desenvolvi-mento Regional – Seu princípio bási-co é incorporar uma visão nacionalna formulação de políticas regio-nais. Para isso, são identificadas regiões ou partes de regiões que re-querem tratamento diferenciado.Ele se ajusta com perfeição à Ama-zônia, onde as condições históricas,

geográficas, econômicas e culturaiscontribuíram para a geração de es-paços regionais diversos, que co-bram novas formas de atuação doEstado.Essas iniciativas são importantes,

mas há dificuldade em implementá-lasem razão dos conflitos de interesses eescassez de recursos. Isso faz com que

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elas sejam impotentes para responderàs necessidades com a velocidade ne-cessária. É preciso remover os obstá-culos para conseguir implementar es-ses planos mais rapidamente e darprioridade máxima à recuperação docontrole do Estado brasileiro sobre oque se passa na região. Algumas estra-tégias são sugeridas a seguir.

5.1. Fortalecimento institucional,Estado e soberania

Os objetivos centrais da ação inter-nacional sobre a Amazônia convergempara a obtenção de informações sobrea natureza amazônica (particularmentea biodiversidade e o saber local) e amobilização política de grupos sociais.Há uma nítida e crescente tendência deutilizar a cooperação internacional –financeira, técnica e de pesquisa – eseu poder de agenda (imposição dostemas que consideram prioritários)para influir nas políticas públicas naregião.

Em parte, isso se deve ao processode politização da natureza. Nesse sen-tido, essas ações não têm como objetoespecífico a Amazônia, apenas a utili-zam para pressionar o governo brasi-leiro em negociações relativas à inte-gração econômica continental ou emsegmentos sensíveis do desenvolvi-mento científico e tecnológico, porexemplo.

É fato que o Brasil tem enfrentadocom desenvoltura e sucesso as impo-sições da agenda internacional e asformas veladas de coerção quanto àAmazônia. A veracidade dessa afirma-tiva é clara quando se comparam asformas de intervenção na AméricaCentral e na faixa sul-americana do Pa-cífico. Enquanto nessas áreas a inter-venção é militar, no Brasil as inter-venções se fazem por meio da coope-ração internacional. Para isso, tem peso

a maneira adequada com que o Estadovem lidando quanto à intervenção mi-litar no território amazônico. Essa ade-quação se dá tanto na atuação em fó-runs globais quanto no encaminha-mento de projetos a executar, com des-taque para o Sipam e para a integraçãoda Amazônia sul-americana, que for-talecem o Tratado de Cooperação Ama-zônica e o Mercosul.

O ponto frágil da soberania sobre aAmazônia está na interseção entre osaspectos internos e externos da ques-tão. No Brasil, e em particular na Ama-zônia, as instituições internacionais deajuda econômica e técnica têm encon-trado um espaço de manobra amplo osuficiente para formar parcerias com osagentes locais. Essa dinâmica é favo-recida pela incapacidade do Estado ematender às diferentes reivindicações so-ciais e gera recortes territoriais que es-capam à decisão nacional sobre seuuso. Assim, é por meio da interferêncianas políticas públicas e na ação diretajunto a segmentos da sociedade localque o Estado vai perdendo o controlesobre o que se passa no território ama-zônico. Em outras palavras, a perda desoberania é a contrapartida da fracapresença do Estado. Trata-se, portan-to, de assegurar a atuação do estadode direito na Amazônia. Não por acaso,a demanda da sociedade pela presençado Estado refere-se a uma definiçãoclara das regras e à estabilidade dessasregras. Além da presença do Estado, aprincipal reivindicação regional é aimplantação do zoneamento econô-mico-ecológico, para definir com cla-reza os usos do território. Algumas su-gestões a respeito:• Substituir a política de ocupação da

Amazônia por uma política de con-solidação do desenvolvimento, umavez que a região já possui uma di-nâmica própria e tem grandes ne-cessidades econômicas e sociais.

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• Reconhecer a diversidade econômi-ca social e cultural, pois o povo,componente essencial da soberania,não é um todo homogêneo, emboraconstitua uma unidade.

• Suprir as carências básicas da popu-lação, que variam segundo os gru-pos sociais, bem como nas zonas ru-rais, nas cidades e nas sub-regiões. Éimportante destacar que a Amazô-nia já alcançou o perfil urbanizadodo restante do Brasil: 70% de suapopulação vive em núcleos urba-nos, muitos deles sem a menor in-fra-estrutura, e os movimentos so-ciais são mais intensos nas cidades.Essa situação sugere uma estratégiade consolidação das cidades que,afinal, são também os centros decomando das relações regionais.

• Renegociar a distribuição dos custosda proteção ambiental. Se é verdadeque as limitações aceitas e as pres-sões para proteger o meio ambientesão para o benefício da humani-dade, então os custos dessa prote-ção devem ser partilhados entre to-dos, de forma a evitar que os prejuí-zos nacionais anulem a ajuda eco-nômica recebida.

• Estabelecer mecanismos de contro-le sobre a atuação das ONGs. Porexemplo, registro de sua presença,das ações que realizam e apresen-tação de relatórios aos órgãos com-petentes dos governos estaduais efederais, dependendo do âmbito desua ação.

• Reforçar a presença das Forças Ar-madas nas fronteiras e enfatizar adiferença entre unidades de conser-vação e terras indígenas. As unida-des de conservação são uma formade restrição ao uso do território,mas podem ser vistas também peloângulo positivo do exercício da so-berania, pois contribuem para asse-gurar o domínio do Estado sobre as

florestas e a terra. Quanto às terrasindígenas, colocam os índios comoatores na vivificação das fronteiras.Mas é preciso retomar o encargo deserviços de saúde e educação outransferi-los de forma institucionali-zada para algumas ONGs. Deve-se,ainda, criar normas claras para o usodos recursos existentes em suas ter-ras, com sua participação. Essas me-didas poderiam fortalecer a pre-sença do Estado e evitar exploraçõesilegais nessas terras. Vale lembrarque a demarcação das reservas erauma reivindicação essencial dos gru-pos indígenas, mas hoje sua novademanda é por desenvolvimento.

• No caso das fronteiras políticas, so-brepõem-se três malhas territoriaisoficiais: a malha administrativa (deestados e municípios), a malha am-biental das áreas protegidas e a fai-xa de fronteiras. Ao que tudo indica,a regulamentação da faixa de fron-teiras seria um instrumento essen-cial de ordenamento do territóriopara estabelecer normas de uso daterra e dos recursos naturais. Umaforma simples de assegurar a pre-sença de instituições governamen-tais é seu reforço nas cidades gê-meas de fronteira, nas quais já exis-tem bases de relações e integraçãocontinental.

• O reconhecimento de que terras eflorestas são bens públicos e trunfosdo poder do Estado indica que oaproveitamento da fantástica biodi-versidade amazônica é urgente parao bem da população amazônica ebrasileira.Enfim, a cooperação internacional

sob variadas formas é um instrumentode coerção velada. Mas o diálogo, adiplomacia e, particularmente, o forta-lecimento dos canais com a sociedadecivil podem transformar a coerçãovelada em instrumento de mudança.

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A sinergia a partir de estratégiasconcertadas das instituições públicasé, para tanto, essencial. Nesse sentidocabe lembrar o papel do Exércitodemocrático que, historicamente, foidas raras instituições a manter sintoniacom a face interna da soberania,preservando sua aproximação com ascomunidades indígenas e importanteação social.

5. 2. Estratégia espacial

A estratégia espacial implica o reco-nhecimento de que a Amazônia já pos-sui uma dinâmica própria e diversifi-cada. A regionalização pode contribuirpara acelerar e maximizar as ações dopoder público. Resultado de interaçõescomplexas entre sociedade e natureza,

as regiões e sub-regiões constituemsociedades locais com identidades edemandas específicas (ver mapa 10).Atender essas necessidades permite aoEstado estar presente sem pulverizarrecursos e estabelecer parcerias diver-sas. E conseguir parceiros ajuda a inte-grar as políticas públicas em uma baseterritorial e superar o convencional tra-tamento setorizado. Assim, aumenta-se a sinergia e a velocidade no tempode execução das decisões políticas. Ofato de a Amazônia já ser uma regiãourbanizada exige uma política atentade consolidação das cidades. Elas sãoum dos maiores problemas ambientaisda região onde justamente são maisintensos os movimentos sociais, e sãotambém os centros de comando dasrelações regionais.

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Três grandes macrorregiões podemser identificadas na Amazônia, cadauma delas contendo várias sub-regiões:

Povoamento Consolidado – É a ma-crorregião que registra a maior com-plexidade, com grande diversidade deocupações, atividades e características,também chamada de Arco do Fogo ouArco do Desmatamento. Ela se estendedesde a embocadura do Amazonas,leste e sudeste do Pará, Tocantins, Ma-to Grosso, Rondônia e sul do Acre. É umgrande cinturão que contorna a hiléia,assim denominado por ter sido alvo dedesmatamento e queimadas, que aindapersistem numa estreita faixa entre ocerrado e as densas áreas florestais.Hoje, contudo, essa denominação não éapropriada, pois é nessa área que seconcentram o cerne das atividades pro-dutivas, as maiores densidades demo-gráficas, as principais estradas, as me-trópoles, cidades médias e pequenas,tanto no cerrado quanto nas áreas des-matadas. Esse arco inclui as metrópolesde Belém e São Luís e as capitais esta-duais Cuiabá, Palmas, Porto Velho e RioBranco. Nele há uma pecuária que semoderniza com a reforma de pastagense melhoria do rebanho (Margulis,2003), expansão da produção leiteira einício da indústria de couros, além dagrande área do agronegócio da soja.Também inclui o empreendimento deCarajás, que deixa de ser um enclavepor pagar royalties que são importantesrecursos para o desenvolvimento demunicípios vizinhos, como Canaã doCarajás. Somente no extremo norte docinturão, no contato com as florestas,as queimadas sinalizam o avanço dafronteira móvel. Trata-se, na verdade,de uma macrorregião de povoamentoconsolidado já integrada ao tecido pro-dutivo nacional. Ela indica a obsoles-cência da Amazônia Legal, construçãogeopolítica que foi sobrepujada pelaprática social.

Amazônia Ocidental – No extremooposto, a Amazônia Ocidental é aindaa macrorregião mais preservada. Cons-tituída pelos estados do Amazonas, Ro-raima e parte do Acre, ela permaneceuà margem da abertura de estradas noProjeto de Integração Nacional. Alémdisso, a concentração da populaçãonas capitais, sobretudo em Manaus,devido à Zona Franca, foi um fator quefavoreceu sua conservação. Extensõesflorestais e volumosas massas de águado rio Solimões caracterizam essa áreana qual se sobrepõem terras indígenase unidades de conservação e há eleva-da proporção de grupos indígenas e debases militares.

Amazônia Oriental – Entre esses doisextremos, situa-se a Amazônia Orien-tal, que corresponde atualmente aocentro, sul e oeste do Pará. É a macror-região mais vulnerável. Dotada degrandes massas florestais e terras indí-genas, é também aquela que será afe-tada pelos Eixos de Integração e Desen-volvimento: a rodovia Cuiabá-Santa-rém (BR-163) e a Porto Velho-Manaus,que cortarão não mais a borda, mas oâmago da floresta.

A estratégia regional deve aindacontemplar o reconhecimento de que aAmazônia hoje deve ser pensada emuma nova escala, a da Amazônia sul-americana. O resgate do Tratado deCooperação Amazônica, atual Organi-zação do Tratado de Cooperação Ama-zônica (Otca), que possui secretariapermanente instalada em Brasília, écrucial para fortalecer o desenvolvi-mento e a soberania na região. A inte-gração amazônica sul-americana podeconstituir um contraponto à Alca, for-talecer a voz dos países em conjuntono cenário internacional, permitir a ela-boração de projetos em parceria e con-ter a expansão da presença militar ex-terna, já atuante desde a AméricaCentral até o Chile, ao longo da fa-

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chada do Pacífico. A integração conti-nental também é favorecida pela Ini-ciativa de Integração Sul-Americana(Iirsa), que pretende promover a articu-lação da base territorial não apenas pormeio do transporte intermodal, mastambém da internet. Entre os grandessistemas delineados para a Amazônia,destacam-se o eixo intermodal entreBelém e portos do Peru e do Equador, ea ligação rodoviária de Rio Branco (Acre) e Ilo (Peru) (ver mapa Rede Mul-timodal de Transportes, ao final do ca-pítulo Território e Nação, à pág. 195).

5.3. Investimento maciço em ciênciae tecnologia

Investimento em tecnologia é vital,por uma dupla razão. Primeiramente,para fortalecer um pensamento autô-nomo que enfrente o poder da agendada cooperação internacional e favoreçaum diálogo não assimétrico, que aten-da aos interesses da sociedade regionale brasileira. E também porque cabe àciência e tecnologia um papel centralna concepção de novos modos de pro-dução para o patrimônio natural daAmazônia, capaz de promover o cresci-mento econômico com inclusão sociale conservação (ver tabela 7).

A única forma de ação que pareceser capaz de impedir a destruição dafloresta é atribuir-lhe valor econômicopara que possa competir com ascommodities e a exploração madeireira

convencional. E tal valorização significautilizar o conhecimento científico e tec-nológico para aproveitamento econô-mico imediato da biodiversidade.

São três as premissas básicas dessaproposta: (Becker, 2004b):• O uso e a gestão do conhecimento

científico-tecnológico e a inovaçãoconstituem um (ou o) propulsor fun-damental do desenvolvimento, peloresgate do déficit em pesquisa e de-senvolvimento e uma aliança amplaentre a universidade e a empresa.Elas devem ter suas missões bemdefinidas: a universidade como lo-cus da geração de conhecimento, deformação de competências e de umpensamento autônomo para refle-xão sobre o país, e a empresa comolocus da inovação. A Amazônia é ca-rente nesse campo, como atestamos dados do gráfico 9.

• Uma agenda construtiva e em prazourgente é necessária para fortalecera ciência, tecnologia e a informáticana Amazônia, e contribuir para oseu desenvolvimento. Ao Ministérioda Ciência e Tecnologia cabe papelcentral na indução desse processo.

• O reconhecimento das diferençasintra-regionais e das instituições dosetor já instaladas na região é con-dição para o sucesso da política emciência, tecnologia e informática.Vale a pena destacar algumas

lacunas que contribuíram para criar umgrande fosso de separação entre a

Bolsas 60.301.674,84 1.944.522.695,05 3,0 97,0Fomento 19.673.657,26 267.659.372,73 6,8 93,2Editais FNDCT 59.388.306,77 1.093.312.186,08 5,2 94,8Investimento Total 151.854.306,63 3.360.118.211,97 4,3 95,7

Tabela 7 – Brasil e Amazônia Legal – investimentos em C&T, 2000-2003

Brasil – excetoAmazônia LegalAmazônia LegalAmazônia Legal

% do Investimento Total

Brasil – excetoAmazônia Legal

Fonte: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Fundos Setoriais – Estados Amazônia Legal.

Valor do investimento (R$)

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Amazônia e as demais regiões do país,em matéria de ciência e tecnologia:• A falta de indução do Ministério da

Ciência e Tecnologia, até recente-mente, e a inércia das instituições depesquisa e mesmo da maioria dasuniversidades, habituadas a umacultura de investigação de inven-tário, e a currículos defasados emrelação a questões regionais rele-vantes. Isso também se traduz numacarência de lideranças científicas enuma agenda ultrapassada de ciên-cia e tecnologia.

• A natureza dos projetos conduzidosem meados da década de 90, queprivilegiaram pesquisas na fronteirada ciência ambiental, apoiadas peloPP-G7 e LBA, completamente estra-nhos à tradição regional de pesquisade inventário, e envolvendo poucospesquisadores do Instituto Nacionalde Pesquisas da Amazônia e do Mu-seu Paraense Emílio Goeldi. Somen-te em 2004 é que dois novos proje-tos voltaram-se para as prioridadesregionais: a Rede Geoma, com focona dinâmica do povoamento e o or-

denamento do território por meioda modelagem ambiental, e oPPBio, que busca a bioprospecção eos a-cervos de dados e coleções.

• A pequena escala de iniciativas lo-cais promovidas pelo setor privado,instituições de ensino superior, go-vernos estaduais e prefeituras, assimcomo instituições de pesquisa eONGs (ver gráfico 9). Mas, emboraesses novos atores sejam expressivosem números, em termos de escalade atuação não se comparam aosinvestimentos feitos pelo Ministérioda Ciência e Tecnologia na Univer-sidade Federal do Pará, que é amaior em termos de docentes, alu-nos e pesquisa.Tais constatações alertam para a

necessidade de reconhecer as diferen-ças internas da Amazônia para cons-truir um modelo de aproveitamentoeconômico baseado na ciência e natecnologia. Os estados do Mato Grossoe do Amazonas têm um padrão seme-lhante, em que a esfera privada e apreocupação técnica têm um papelmaior. Já o Pará tem maior diversidade

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de atores e de temas, e o currículo daUniversidade Federal do Pará é bas-tante rico nas áreas das ciências bioló-gicas e naturais, básicas para a região.

O foco da estratégia de desenvol-vimento científico e tecnológico para aAmazônia deve estar voltado para aconstituição de cadeias tecnoproduti-vas baseadas na biodiversidade, dadasas possibilidades que seu aproveita-mento apresenta para gerar riqueza einclusão social sem destruir a natureza.Esse aproveitamento pode disseminar-se por toda a região e envolver as co-munidades que habitam as extensõesflorestais e as fronteiras políticas.

Os desafios a enfrentar não são tri-viais, sobretudo os de ordem institu-cional. Trata-se de implementar cadeiasprodutivas associadas a cadeias de co-nhecimento, a partir do âmago da flo-resta. Deve-se aprender e melhorar astécnicas das populações locais, agregarvalor aos produtos de extrativismo, de-senvolver a certificação dos produtos einteragir com centros de biotecnologiaavançada. Cadeias organizadas na mo-derna concepção de arranjos institu-cionais coletivos, que reúnem pesqui-sadores e empresas, a exemplo do quefazem países como a França, a Austráliae os Estados Unidos. A efetiva aplicaçãoda Lei da Inovação poderá facilitar aimplementação dessa estratégia.

As dificuldades são grandes, masnão insuperáveis. O Brasil já demons-trou que é capaz de promover impor-tantes revoluções científico-tecnológi-cas, tais como a que gerou a Embraer,propiciou a exploração do petróleo emáguas profundas, viabilizou a transfor-mação da cana-de-açúcar em combus-tível e permitiu o extraordinário cresci-mento da agricultura nos cerrados. É hora de realizar uma outra revolução,desta vez para a floresta amazônica.

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NOTAS

1 São todas as áreas oceânicas excluídas das jurisdições de cada país. Sua regulamentação nasce da Convençãodas Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (1982), que o Brasil assinou e ratificou. Em seu Artigo 186, aConvenção definiu a criação de uma Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos, que deu origem a leis einstituições internacionais para regular o uso comum dessas áreas. A partir da Convenção, os Fundos Marinhosdeixaram de ser áreas livres, mas um patrimônio da humanidade e, portanto, de todos os países, que deve seradministrado a partir de regras comuns.

2 Elaborado em 1985, durante o governo de José Sarney, no contexto de promover a ocupação dos maioresvazios da Amazônia, tinha o seu foco no desenvolvimento e na integração. Incorporou também a preocupaçãocom a segurança das fronteiras com Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa, e proteçãodas riquezas naturais.

3 Segundo Alfredo Homma (informação oral).

4 Baseado em Caixeta Filho et alii (1998); Martins, Caixeta Filho (2000); Costa (2000); Nazario (2000); Battisti eMartins (2001).

5 Sigla para Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado. Projeto social, econômico e ambientalmentealternativo iniciado por uma associação de pequenos agrossilvicultores, que surgiu em 1987, na cidade deNova Califórnia, na divisa dos estados do Acre e Rondônia. Implantado em 1989, ocupa uma área de 1.800hectares para exploração de cupuaçu, palmito de pupunha e castanha.