O Tarot e a Viagem do Herói

A análise e abordagem das cartas de Tarô, neste trabalho, será mitológica, estabelecendo uma relação entre os mitos e a psicologia e as teorias de Jung. Diversos estudiosos do Tarô, entre eles Sharman-Burke e Greene (2008), autoras do Tarô Mitológico, sugerem que as cartas retratam os passos de uma jornada que é realizada pela figura da primeira carta dos Arcanos Maiores, de número 0, O Louco. Esta viagem é o principal tema dos mitos, contos de fadas e lendas e é tão antiga quanto a humanidade.

O herói não é apenas um personagem, mas uma figura arquetípica que representa o ser humano em busca do autoconhecimento, que Jung chama de individuação, o processo de auto-realização da personalidade. Assim, o herói, segundo Campbell (1997), é o ser humano que venceu suas limitações pessoais e alcançou formas mais elevadas de existência.

Esta experiência do herói não é somente masculina, Banzhaf (2003) acrescenta, pois tanto homens quanto mulheres devem percorrer todos os estágios da jornada. O herói masculino representa, mais do que gênero biológico, a energia masculina, que é impetuosa e selvagem, e o impulso inicial que inicia qualquer viagem.

De fato, há diversas personagens que também representam o papel de heroínas, como, por exemplo, a Cinderella dos contos de fadas, Psique da mitologia grega e a filha mais nova do rei Lear, na peça de Shakespeare. O fato de a maioria dos heróis serem do sexo masculino é simplesmente um reflexo da sociedade patriarcal, na qual a mulher dificilmente saía para explorar o mundo.

A viagem do herói, para Banzhaf (2003), só encontra sua plena expressão em forma de imagens, de forma completa, através dos 22 Arcanos Maiores do Tarô. O autor também considera que este caminho retrata a descida do herói do mundo solar, consciente, para o mundo lunar, subterrâneo e escuro do inconsciente, onde ele encontra algum bem de grande valor e volta à luz, transformado. As cartas de 1 a 9 retratam o mundo solar e as cartas de 10 a 18, a descida ao mundo lunar. As cartas 19 (O Sol), 20 (O Julgamento) e 21 (O Mundo) representam a volta à luz e o reencontro do Paraíso.

Analisando de forma junguiana, o processo de individuação também pode ser dividido em duas etapas, sendo a primeira metade da vida correspondente ao mundo solar, marcada por um auto desenvolvimento e crescimento exterior e a segunda metade, a descida à escuridão, quando o indivíduo se volta para o interior e encontra seu lado sombra e potenciais inexplorados do inconsciente.

Esta descida ao mundo subterrâneo foi inspirada, segundo Banzhaf (2003), no movimento do Sol e da Lua, da forma como o homem ancestral os percebia. Ou seja, para o ser humano primitivo, o movimento do Sol, que de dia a tudo iluminava, mas à noite desaparecia, mergulhando tudo em uma escuridão dominada pela Lua, significava que o astro descia ao mundo subterrâneo e reaparecia, no dia seguinte, do outro lado do céu.

Sharman-Burke e Greene (2008) afirmam que a jornada representa a vida de todos os seres humanos, que nascem, crescem, amadurecem e morrem, com todos os conflitos inerentes a cada fase. Porém, este ciclo não engloba apenas a vida como um todo, mas também todos os pequenos ciclos que ocorrem várias vezes durante a vida, pois toda experiência tem começo, meio e fim.

ACRESCENTAR OS TIPOS PSICOLÓGICOSEm cada indivíduo, há a predominância de um destes temperamentos e dificuldade para agir usando a função menos desenvolvida, a inferior, que é sempre oposta à principal. Assim, pessoas cuja função principal é o sentimento terão extrema dificuldade de agir usando a função inferior, racional, pois uma é oposta à outra.

Por isso, a viagem que o Tarot representa é arquetípica, como o são os personagens representados nos Arcanos Maiores, que simbolizam certas fases do desenvolvimento psicológico pelas quais todo homem ou mulher terá que passar no caminho da individuação.

O Herói Moderno

A jornada do herói, conforme afirma Campbell (2009), é universal. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é retratá-la através de situações e alegorias que remetam à contemporaneidade, realizando a transição para a linguagem atual destas imagens de origem antiga.

Ainda que se acredite que os mitos e as lendas ancestrais não tenham mais relevância para a sociedade moderna, afirma Henderson (apud JUNG, 1997), a psique humana reage a estes arquétipos e símbolos, que ecoam imagens do Inconsciente Coletivo e se manifestam de forma incontrolável, principalmente através de sonhos

Estabelecer uma ligação entre os mitos e os símbolos produzidos pelo inconsciente permite analisá-los tanto do ponto de vista psicológico quanto histórico.

Homem e seus símbolos p. 106Explicarei adiante, com mais detalhes, porque acredito no significado psicológico deste esquematanto para o indivíduo, no seu esforço emencontrar e afirmar sua personalidade, quantopara a sociedade no seu todo, na sua necessidadesemelhante de estabelecer uma identidade coletiva.Mas uma outra características relevante nomito do herói vem fornecer-nos uma chave paraa sua compreensão. Em várias destas histórias afraqueza inicial do herói é contrabalançada peloaparecimento de poder osas figuras "tutelare s"— ou guardiães — que lhe permitem realizar astarefas sobr e-humanas que lhe seriam impossíveisde executar sozinho. Entre os heróisgregos, Teseu tinha como prote tor Posei don,deus do mar; Perseu tinha Aten éia; Aquilestinha como tutor Quiron, o sábio centauro.Estas personagens divinas são, na verdade,representações simbólicas da psique total, entidademaior e mais ampla que supre o ego daforça que lhe falta. Sua função específica lembraque é atribuição essencial do mito heróico desenvolverno indivíduo a consciência do ego— oconhecimento de suas próprias forç as e fraquezas— de maneira a deixá-lo preparado paraas difícei s tarefas que a vida lhe há de impor.Uma vez passado o teste inicial e entrando o indivíduona fase de maturidade da sua vida, o mitodo herói perde a relevância. A morte simbólicado herói assinala, por assim dizer, a conquistadaquel a maturi dade.Até aqui referi-me ao mito completo do herói,em que se descreve minuciosamente o ciclototal do seu nascimento até a sua morte. Mas éimportan te reconhecermos que em cada fasedeste ciclo a história do herói toma formas particulares,que se aplicam a determinado pontoalcançado pelo indivíduo no desenvolvimentoda sua consciência do ego e também aos problemasespecíficos com que se defronta a um dadomomento. Isto é, a imagem do herói evolui

de maneira a refletir cada estágio de evolução dapersonalidade humana.Este conceito pode

As alegorias presentes no Tarô representam principalmente conceitos abstratos, e são originárias, no Ocidente, principalmente da cultura greco-romana, que foi sua maior influência, afirma Frutiger (2001). O autor considera que, a partir do século XX, estas figuras antigas não são mais modelos ideais para utilizar alegoricamente, tendo sido substituídas por imagens de super-heróis e personagens de filmes e quadrinhos.

Eliade (1982) afirma que, na sociedade contemporânea dominada pelos meios de comunicação em massa, os heróis dos mitos, como Hércules e Perseu, não são mais modelos para o homem. Em seu lugar estão estes personagens, produtos da Indústria Cultural que, não à toa, são chamados de super heróis.

Estes heróis atuais possuem diversas características dos heróis mitológicos. Um exemplo é o Superman, que possui pais celestiais inalcançáveis, pois já morreram, e é criado por pais adotivos mortais, vivendo uma vida comum e de certa forma humilhante, escondendo seus fantásticos poderes de todos.

Este tipo de personagem, segundo o autor, dá ao homem moderno, que se sente diminuído, entediado e limitado, a chance de se espelhar. Assim como o super herói é um homem de aparência comum que na realidade é extraordinário, excepcional, realizando coisas impossíveis e emocionantes, o indivíduo sente que é possível que ele mesmo seja assim, distanciando-se de sua vida real.O contato com este tipo de “mito” moderno também proporciona ao espectador a chance de presenciar uma dicotomia eterna entre Bem e Mal, representados pelo super herói e pelo vilão, respectivamente. Além de ser reconfortante para a psique esta distinção bem definida entre luz e sombra, o indivíduo experimenta a sensação de estar assistindo a algo emocionante, perigoso e heróico, muito diferente de sua rotina maçante e repetitiva.

Na sociedade moderna, a narração oral dos mitos foi substituída pelos romances, que preservam a estrutura mítica, mantendo certos temas arquetípicos. Para Eliade (1982), portanto, o sucesso destes romances denota a necessidade de histórias mitológicas no mundo moderno. Os personagens possuem a psique e o comportamento do homem atual, mas realizam coisas fantásticas e impossíveis. A leitura destas histórias, que não são apenas literárias, mas estão presentes em todos os meios de comunicação, proporciona uma “saída do tempo” semelhante às histórias mitológicas, que transportam o homem para um tempo deslocado da história linear, de sua própria realidade, criando um mundo imaginário sujeito a suas próprias leis.

Pode-se concluir, portanto, que o pensamento mitológico e arquetípico persiste na sociedade moderna, e as imagens que fazem alegoria a estes temas ainda são compreendidas. Porém, os “mitos” mais relevantes atualmente, que movem e cativam multidões, são aqueles que ganharam novas roupagens, de forma que o homem moderno possa projetar-se mais facilmente nos personagens.

O objetivo, ao transportar para a linguagem contemporânea as imagens do Tarô, é tornar os significados dos Arcanos Maiores mais fáceis de serem entendidos mesmo por aqueles que não têm algum conhecimento de doutrinas esotéricas ou mitos.