Viagem Incompleta .- A Experiência Brasileira -- Formação - Histórias

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Viagem Incompleta .- A Experiência Brasileira -- Formação - Histórias

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    S SumrioViagem Incompleta A Experincia Brasileira

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    Idias de Brasil 2Onde o Brasil? 3

    Idias de Brasil: formao e problemas (1817-1850) 15

  • 2 in : MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem Incompleta - A Experincia Brasileira.S.P.: Editora Senac So Paulo, 2000.

    Viagem Incompleta A Experincia Brasileira Formao: histrias Carlos Guilherme Mota

    IntroduoO despotismo de certo pas que conheo aucarado e mole; mas por isso mesmo perigoso, por tirartodo nervo aos espritos, e abastardar os coraes.

    Jos Bonifcio

    IIdias de Brasil, eis a temtica geral da obra que o leitor tem sob seus olhos.Trata-se, aqui, de indagar, ao longo dos estudos e ensaios elaborados por especialistas convi-dados, dos sentidos da histria do processo civilizador no Brasil. Procurando escapar dosmodismos da ps-modernidade perifrica e do convencionalismo, perquirem-se nestas pgi-nas alguns significados de nossa formao e existncia enquanto povo. De nossos modos depensar e fazer histria, enfim. Da, o tom dominante dos escritos, em que os autores, deorientaes intelectuais distintas, reconstroem processos e aspectos menos bvios do passa-do, ao mesmo tempo que discutem com as historiografias clssica e contempornea, exerci-tando a indagao interdisciplinar. Idias de Brasil, vasto campo interdisciplinar, como Chi-na, Espanha, Amazonas. Ou quo dessemelhante como a triste Bahia.A obra, planejada em dois volumes, abarca cinco sculos daquilo que se poderia denominarexperincia brasileira. Um longo processo, inacabado como tudo em histria, porm particu-larmente incompleto, se constatarmos que muito quase tudo, conforme a perspectiva ainda resta por fazer na Terra Brasilis, sobretudo no que se refere aos direitos e deveres dacidadania. Terra sobre a qual, num distante ano de 1986, um de seus poetas-cantores, Ant-nio Carlos Jobim, ao comentar o encerramento de um longo ciclo histrico-cultural iniciadocom a Semana de 22, conclui: No Brasil, o futuro j era.Os dois volumes, independentes, obedecem a um plano geral.O primeiro volume, sob ttulo geral de Formao: histrias, trata da gnese e consolidaode idias de Brasil, desde os prdromos, primeiras viagens e projetos de uma Nova Lusitnianos trpicos, at a articulao de uma ordem colonial escravista, alcanando, j no sculo

  • 3 XIX, o perodo da descolonizao e a formao de um Brasil mestio. Longo processo ponti-lhado por insurreies, independncia poltica e conflitos agudos, durante o qual se consoli-dou, na segunda metade do sculo, nos quadros do neocolonialismo, uma sociedade porassim dizer nacional. Uma sociedade em que se misturavam valores da velha ordem estamental-escravista com os novos valores da sociedade e classes emergente, que as obras emblemticasde Gilberto Freire e Caio Prado Jnior traduziriam exemplarmente.Os estudos e ensaios aqui includos procuram desvendar essas idias de Brasil, orientadas nosentido da busca de um novo padro social, de urbanizao e de insero na ordem interna-cional, bem como de uma moderna organizao institucional, poltica e cultural.O segundo volume dedicado praticamente ao longo sculo XX, sob o ttulo geral A grandetransao. Nele, so tratadas as experincias de implantao de idias republicanas e deconceitos contemporneos de cultura e de Estado, com nfase nas novas interpretaes hist-ricas, sociolgicas, literrias sobre nossas identidades. Desde o Brasil mestio dos intelec-tuais da Primeira Repblica at os impasses da esquerda nas ltimas quatro dcadas, passan-do pelos projetos da ditadura civil-militar que nos avassalou no perodo de 1964 a 1984,deixando seqelas estruturais e imensa dvida social, o leitor encontra nestas pginas elemen-tos para uma viso renovada da histria ou melhor, histrias dos embates, das produesintelectuais, impasses e resultados do que se poderia denominar pensamento brasileiro, nateoria e na prtica.

    IIOnde o Brasil?, perguntava num verso conhecido o poeta Carlos Drummond deAndrade.Os estudos aqui reunidos foram elaborados no apagar de luzes do sculo XX. Sculo de des-cobertas e inovaes, mas tambm de retrocessos e desencontros culturais, polticos, religio-sos e econmicos, que se encerra numa profunda crise mundial de valores. Estes textoscarregam o mal-estar de nosso tempo, o travo de nossa mal-ajambrada e improvvel civiliza-o que, falta de melhor qualificao, se imagina tropical. E pensando nas tarefas que nosaguardam na elaborao de nossa cidadania nacional e internacional no sculo XXI, trazemeles indagaes agnicas, dvidas antigas. Como nos inserimos, quase sempre sem sucesso,no mundo contemporneo? Na entrada de um novo sculo (e de um novo milnio, fato nodespiciendo para historiadores), qual o motivo dessa sensao de estranha inatualidade cultu-ral e poltica que atravessa nossa cultura? Sobre quais bases materiais e ticas construmosnossas auto-imagens coletivas e nossas utopias? Em suma, de que histrias/histrias/estriasest-se falando?

  • 4Numa viso atualizada, retoma-se aqui a experincia de Brasil em perspectiva, obra coletivade 1968, que, hoje, com mais de vinte reedies, marcou vrias geraes de historiadores,jornalistas, diplomatas, pesquisadores, estudantes e leitores em geral, por oferecer aborda-gens inovadoras da histria do Brasil.Agora, o objetivo se amplia. At porque a historiografia brasileira se atualizou bastante, comobras to estimulantes como as de Jos Murilo de Carvalho, Evaldo Cabral de Mello, Joo JosReis, Fernando A. Novais e tantos outros. Nos anos 70, a reedio ampliada de Os donos dopoder, do jurista e historiador Raymundo Faoro, a continuao e aprofundamento crtico dasobras de Florestan Fernandes e de Antnio Candido trs autores j consagrados que veriamsuas biografias intelectuais intensificadas e politizadas no ltimo quartel do sculo XX , entremuitos outros, sugerem uma revitalizao e ampliao notvel dos estudos histricos entrens, em busca da especificidade de nossa formao.Com efeito, a pesquisa histrica adquiriu novos contedos, incorporando as experincias edescobertas de historiadores mais maduros, como Manuel Correia de Andrade, FranciscoIglsias, Lus Henrique Dias Tavares, Ernani Silva Bruno, Maria Yedda Linhares, Jos HonrioRodrigues.Demais, a partir dos anos 50, tornaram-se fundamentais em nossa historiografia as produ-es de Stanley e Brbara Stein, Charles R. Boxer, Richard Morse, Warren Dean, Joseph Love,Richard Graham, John Wirth, Thomas Skidmore, Leslie Bethell, Frdric Mauro, JoaquimBarradas de Carvalho, para mencionarmos alguns intelectuais e pesquisadores de expresso.Impossvel deixar de registrar o papel crtico e solidrio que desempenharam na resistncia ltima ditadura.

    III

    Nesta viagem transecular, provocou-se evitar persistente viso linear e supostamente evolutivada chamada histria do Brasil. No se retroceder aqui, portanto, discusso de um Desco-brimento, apenas. A histria do Brasil propriamente, na perspectiva do organizador, somentese afirmaria no perodo da independncia, quando se esboa uma historiografia brasileira,delineando-se ento, com maior nitidez, os embates em busca de um projeto para a futuranao. No perodo em que se processou a colonizao portuguesa, diversas idias de Brasilso procuradas ou revisitadas pelos autores destes estudos. Mas no trabalhamos, vale grifar,com a equivocada Histria do Brasil Colonial, que alis no existe.

  • 5Nessa perspectiva, o Brasil passaria a existir somente aps 1817-1831, mais ou menos, numaconflituosa, lenta, complicada estruturao poltica,, social, ideolgica, econmica que aindaest por se esclarecer. Indicativa dessa situao a coexistncia de costumes, valores, econo-mias, instituies e normas que se referem, na atualidade, a dois Brasis, ou muito mais,sugerindo as dificuldades de convivncia ainda hoje como percebeu Marx para outra pocae contexto de estamentos pretritos com classes futuras nessa regio de pesada heranacolonial. No caso de nosso pas, de remanescentes oligarquias imperiais e da Primeira Repbli-ca, relacionando-se com novas fraes de classe j orientadas no sentido da construo deuma moderna sociedade capitalista, de contrato (ou, em menor escala, de uma ordem socia-lista e mesmo anarcossindicalista). Os desencontros de formaes de temporalidades todistintas tornaram-se dramticos, provocando a sensao de desmobilizao, de derrapagempermanente, de eterno recomeo. De inatualidade.Numa regio do planeta em que vrios passados irresolvidos ainda se fazem presentes, aatuao de filhos de remanescncias coloniais, inquisitoriais, filipinas, joaninas, imperiais,patriarcais e outras sugere o quanto resta ainda a se percorrer nesta Viagem incompleta. Emverdade, neste longo amanhecer a expresso de Celso Furtado da democracia contem-pornea, muitas vezes o historiador v-se obrigado a se transmudar em arquelogo cultural,tantas so as camadas histrico-culturais socavadas nesse bloco, opaco e compacto, a quechamamos, para simplificar, de sociedade brasileira.O momento atual, de crise internacional e nacional, torna-se particularmente propcio paratais reflexes. Crise que se esclarece na confluncia de duas ordens de acontecimentos, obvi-amente no dissociadas. A primeira, a dos acontecimentos que sinalizariam o colapso de umasrie de mecanismos explicativos da Histria Contempornea, dando a sensao de fim deciclo, de fim da histria, fim das ideologias. Com efeito, a queda do Muro de Berlim, asnovas experincias da China, a desagregao da Unio Sovitica, a unificao europia, asnovas tecnologias revolucionando as comunicaes e o renascimento de religiesfundamentalistas que abalaram os alicerces das interpretaes histricas que definiam e apri-sionavam os sentidos mais radicais da vida social, poltica, econmica e cultural contempor-nea, obrigando os pesquisadores a dar maior ateno aos estudos de histria para formularum conceito mais eficiente e efetivo de democracia. Nesse quadro, a hegemonia norte-ameri-cana e a globalizao obrigam-nos a outra considerao histrico-historiogrfica, inclusivepara se re-situar a trajetria do Brasil nessa nova era histrica, em que se revisita a prpriaidia de Amrica Latina. Hipteses de criao de centros de estudos avanados e de pesquisashistricas voltam a preocupar governantes responsveis e lideranas universitrias, a exem-plo do que ocorreu em outros pases em conjunturas de crise.

  • 6 A segunda ordem de acontecimentos se refere produo intelectual em (e sobre) nosso pas.Com efeito, surpreendente o florescimento de novas frentes historiogrficas que, desde altima ditadura, vm revelando inquietude discreta porm malcontida em pginas e pginasde teses, estudos, ensaios, documentrios, CD-ROMs e artigos. Portanto, no mesmo passo emque a globalizao impe novos hbitos, atitudes e paradigmas para se pensar o presentecomo histria e aprofundar-se a crtica da cultura, agudiza-se a conscincia da necessidade dereconstruo histrico-cultural de nossas experincias coletivas e identidades. De nossos modosde viver e fazer a histria.Eis, portanto, nestes dois volumes, a resposta ao desafio que nos foi proposto pelos editores.Ao incorporarmos muitas das novas contribuies dessa historiografia que se consolida comtodas as inquietaes e impasses se nosso presente nesta obra, que enfeixa e mescla inter-pretaes clssicas e inditas sobre as ambguas identidades do Brasil aps 500 anos dehistria luso-brasileira e 180 anos de busca de vida independente, pensamos ter construdomais uma ponte para o futuro.O Brasil ou o conjunto de experincias coletivas a que generosa e espaosamente denomi-namos Brasil chega ao sculo XXI ostentando uma srie de indicadores sociais, econmi-cos e sobretudo culturais incluam-se aqui a sade, a educao e a habitao que nopermitem entend-lo como pas moderno. No se trata apenas de lugar-comum dizer-se,como nos anos 40-60, que o peso do passado colonial ainda est presente nos impedimentose resistncias aos esforos para se constituir a nova sociedade civil democrtica. Nesta terra,as estruturas poltico-administrativas, os quadros mentais e culturais aprimorados nos pero-dos imperial e republicano parecem reforar o peso conservador e especfico dessa histria,mais que oferecer elementos para o arranque em direo contemporaneidade. Porque, defato, no Brasil, estamos em dvida com a Histria Contempornea, como nos dizemreiteradamente os vigilantes professores Eric Hobsbawm, Alain Touraine, Ignacy Sachs, StanleyStein, entre outros.Tentar desvendar e traduzir em linguagem renovada os mecanismos que geram as mltiplasambigidades que confundem em nosso pas os espaos pblico e privado, medir a assustado-ra distncia entre o atraso e a modernidade (em vrias dimenses, desde os direitos mnimosde cidadania at educao superior, acesso s novas tecnologias, formas de participao soci-al em empresas urbanas e rurais, em sindicatos, na justia do trabalho, etc.), no pode pres-cindir da discusso renovada sobre nosso passado coletivo. Sem tais discusses e anlisestorna-se nvia a construo do futuro.

  • 7Dilacerados entre formas agudas de provincianismo retrgrado e de cosmopolitismo elitistaacendrado, nossa vocao latino-americanista, tambm no por acaso, demora a se afirmar.Sair desse impasse, nutrido por um dficit histrico estrutural, e procurar responder s de-mandas de nosso tempo, eis a tarefa a que se propem os pesquisadores, professores, diplo-matas, juristas e historiadores que comparecem nessa publicao.Tais estudiosos, escolhidos dentre geraes, teorias e instituies distintas, possuem experi-ncia reconhecida, o que permite esperar-se de seus trabalhos algum efeito duradouro nosestudos histricos entre ns. A j longnqua experincia do Brasil em perspectiva, livro coleti-vo da gnration qui monte como Frdric Mauro registrou na revista Annales, de Braudel publicado em 1968 por Paul Monteil e prefaciado pelo saudoso professor Joo Cruz Costa,permite supor no ser impossvel alcanarmos o objetivo nesta nova e desafiadora empreita-da. Qual seja a de auxiliar na renovao dos estudos histricos e na compreenso de nossocomplexo pas.

    IVNo primeiro volume, Formao: histrias, examinam-se algumas idias mais remotas de Bra-sil at a consolidao de uma sociedade por assim dizer nacional, mestia, j na passagemda monarquia repblica.Abre o volume estudo inquietante do professor Aziz AbSber. Procura ele estimular a reflexodo leitor sobre movimentos ancestrais de gentes no espao no qual viria a se formar o conjun-to a que hoje denomina-se sociedade brasileira. Ou seja, tenta-se por meio do referidoestudo rastrear as vicissitudes de grupos que, ao longo de milnios, se deslocaram para estesubcontinente, dando origem ao chamado gentio, isto , aos habitantes que, aqui, futuroespao brasileiro, foram descobertos pelos europeus e logo expostos pedagogia da sujei-o.Enfrentando a complexidade do tema, relativizam-se aqui, radicalmente, as questes de es-pao/tempo e de formao tnica das sociedades plurais dessas partes do planeta, sugerindo-se a abertura de uma abordagem propriamente geo-histrica e civilizacional, em busca deinsuspeitada e polmica histrica, numa trs longue dure. At porque a geografia humana ,certamente, a mais ancestral das disciplinas histricas.Nestes estudos, entretanto, no nos detivemos no tema das origens. Preferiu-se adotar anoo de gnese, na senda dos historiadores Jorge Couto, Istvn Jancs e de outros. Comoponto de partida comum, sugeriu-se aos autores acompanharem desde logo idias, hiptesese projetos de Brasil, termo a um s tempo vago e concreto, qual novo objeto para a velhaHistria das Mentalidades e das representaes mentais...

  • 8 Brasil, palavra com dimenso geogrfica, histrica, social, pinturesca e mitolgica, tornou-se com efeito tema de representaes mentais fortssimas, incorporando sons, cores e valoresa um s tempo carregados e animadores de um imaginrio especfico, relacionado a modos deser, pensar, agir. Especfico e, por assim dizer, fabricado, adensado e razoavelmente auto-referido a partir do primeiro quartel do sculo XIX. Nos quadros de neocolonialismo onde setorna impossvel distinguir causas de efeitos, visto que o colonialismo um sistema delinearam-se formas prprias de pensamento, que, com flutuaes de poca, polarizam eincandescem de tempos em tempos a sensibilidade de intrpretes, idelogos, explicadoresdo Brasil em busca de nossas razes, de nosso carter, e assim por diante.Como se constata, a histria estava no lugar, embora muitos personagens teimassem emviver fora de foco, temerosos do haitianismo que poderia incendiar as lavouras e as almas comas fagulhas da revoluo de Toussaint-Louverture. Velha histria, essa. Numa viso que alicena potica permite, o Haiti poderia ter sido aqui, regio colonial e neocolonial em que agrande lavoura e suas elites continuavam a requerer braos de escravos negros, no semresistncia e levantes. Tema que hoje persiste, nessas ambigidades e tenses mal-resolvidas(brancos quase negros, mulatos quase brancos), nas questes da propriedade, das relaesde trabalho e da utpica sociedade capitalista, de contrato (entre aspas), frouxamenteequacionadas.[Brasil, representao mental que, em contrapartida, atiaria a vigilncia e animaria a mor-dacidade dos crticos da cultura contempornea e das ideologias nacionais, desde Lima Barretoa Dante Moreira Leite, autor do provocativo Carter nacional brasileiro. Histria de uma ideo-logia.Onde o Brasil?. Idias de Brasil deitam suas razes no universo medieval anglo-saxnico,ganhando diminuto espao em Tordesilhas, tambm no Monte Brasil dos Aores, adquirindoento concretude no fino brasil de Duarte Pacheco Pereira, autor de Esmeraldo de SituOrbis, personagem renascentista e provvel achador (se que houve um) das terras daAmrica do Sul em 1498. Companheiro de viagem de Cabral em 1500, sua biografia ganhounova dimenso e sentido com a tese do professor Joaquim Barradas de Carvalho, que viveuexilado entre ns nos anos 60. Tese publicada em 1983 pela Fundao Calouste Gulbenkianem livro apresentado por Fernand braudel, da cole des Hautes tudes, e prefaciado porPierre Chaunu, da Sorbonne, sob o ttulo la recherche de la specificit de la renaissanceportugaise, merece ser revisitada no dealbar deste novo sculo.

  • 9Interessa notar, ainda, que a insero do Novo Mundo na geopoltica e economia da Modernidadeprovocaria elaboraes notveis, como testemunham as obras de religiosos e colonizadoresda Nova Lusitnia. Vises do Paraso foram alimentadas a cada passo, num intenso processode motivaes que Srgio Buarque de Holanda inventariou em obra clssica. Franceses, comoo protestante calvinista Jean de Lry, e holandeses, dentre os quais incluem-se o prncipe deNassau e o pintor Frans Post, tambm ajudariam a delinear o perfil do novo mundo, ao lado demodernos cientistas da natureza e outros observadores.Essa idia de Brasil, mais elaborada e localizada no espao, atormentaria no sculo XVII opoeta Gregrio de Matos Guerra na Bahia, quando lanou o verso contundente: Que me quero Brasil que me persegue?.Neste verso-pergunta que ainda ressoa no ar talvez resida o fulcro de nosso projeto coletivo,e a razo que move os autores destes estudos e ensaios. Estudar a histria mas tambmprocurar entender as maneiras pelas quais os homens percepcionavam a histria vivida,como props Vitorino Magalhes Godinho, o principal estudioso da expanso portuguesa,constitui outra das intenes destes captulos. Em 1970, preocupado com a situao colonialde nossos povos, advertia ele: nesse emaranhado de razes est o cerne das resistncias quehoje [portugueses e brasileiros] temos de vencer se no queremos apenas sobreviver comomuseus de resolutas eras mas sim afirmamo-nos pela capacidade de construir um mundo emperptua mudana....No arco do tempo, percorre-se neste primeiro volume desde as primeiras experincias daNova Lusitnia, revisitada superiormente por Evaldo Cabral de Mello, at a constituio, j nofim do sculo XIX, de um Brasil mestio, sob a lente da crtica de Roberto Ventura. Nopercurso de quatro sculos, examinam-se os diversos conceitos de povo, de colonizao edescolonizao, resistncia negra, de identidade, na interpretao dos escritos crticos deStuart B. Schwartz, Istvn Jancs e Joo Paulo Pimenta, de Kenneth Maxwell, Carlos Guilher-me Mota, Joo Jos Reis, Karen M. Lisboa, Francisco Alambert.Como se sabe, idias de Brasil afirmam-se j no sculo XVII, no perodo em que a colniaportuguesa esteve sob o domnio habsburgo (1580-1640), quando segmentos das elites quehabitavam estas partes passam a refletir sobre os significados de suas prprias experincias emodos de povoar o continente. Dir-se-ia que o Brasil comea a se descobrir Brasil. A corteportuguesa, ocupada com os problemas de sua sobrevivncia na Europa, descurou de suaao colonial durante a Unio Ibrica, permitindo a emergncia de outros interesses e visesno Mundo Novo. Note-se que a idia de Brasil do governante holands, o prncipe Maurcio deNassau, ampliava surpreendentemente a discusso sobre o que seria o Brasil, inaugurandopossibilidades outras para a definio de uma sociedade nova no mundo tropical.

  • 10Naquele sculo, mais notveis entretanto seriam a ao e o trabalho escrito do padre AntnioVieira, que dariam projeo e sentido ao Brasil nos quadros da Modernidade. Difcil imaginar aproduo, posteriormente, de uma obra como a do jesuta toscano Antonil, autor de Cultura eopulncia do Brasil por suas drogas e minas (1711), em que descreve com rigor a estrutura efuncionamento da aucarocracia, indicando sua natureza, significado e dimenso internacio-nal. Esses homens pensadores e de ao, ao lado do professor Lus dos Santos Vilhena, autorde Recopilao de notcias soteropolitanas e braslicas, escrita no fim do sculo XVIII emSalvador, homem ilustrado para quem no era das menores desgraas o viver em colnias,desenharam uma idia geral de Brasil mais ntida e, ao mesmo tempo, intensamente proble-mtica.Aps diversos conflitos, inconfidncias e conspiraes que marcaram o sculo XVIII, alm doimpacto da ao antijesutica severa do marqus de Pombal na colnia, alcana-se o sculoXIX com uma idia mais abrangente e universal do que pudesse vir a ser essa entidadeabstrata denominada Brasil. Nas linhas da Ilustrao europia, dos planos reacionrios daRestaurao ou dos projetos dos liberais anglo-saxnicos, o Brasil e a South America passa a ter seu lugar histrico bem localizado no sistema mundial de dependncias. De fato,a grande insurreio nordestina de 1817 a chamada Revoluo Pernambucana de 6 demaro daria o toque de despertar para uma srie de movimentos sociais de porte quesinalizaram o processo de descolonizao a que se assistiu na primeira metade do sculo XIX,culminando com a Revoluo Praieira (1848), ponto de inflexo no sculo XIX brasileiro.As lutas pela independncia, a despeito do carter regional ou mesmo local da maior partedelas, inscreveram-se em movimentos e vagas revolucionrias internacionais, todas possuin-do forte significado social, econmico e poltico, expresso na defesa da liberdade de comrcio,na limitao do poder absoluto dos reis, na abertura de frentes e formas inovadoras de infor-mao e instruo, e assim por diante.A identidade nacional passaria, desde ento, a ser tema constante nas pautas revolucionrias,aqui como alhures. A formao das almas, para utilizarmos a expresso do historiador JosMurilo de Carvalho, requereu a costura metdica do conceito de nacionalidade, num figurinoque pressupunha a sucesso de elites educadas que dele se alimentavam, ao mesmo tempoque o reproduziriam indefinidamente. Numa histria estrutural prefigurada, com pequenosajustes s novas necessidades, contextos e modas, dele se utilizaram s vezes como utopia,embora mais freqentemente como ideologia.

  • 11 VNessa histria ocorreram entretanto algumas poucas rupturas. A principal delas foi a da Inde-pendncia, no por acaso denominada Revoluo pelo historiador Caio Prado Jnior.Ao longo do processo de descolonizao, desde a insurreio de 1817 at a proclamao darepblica em 1889, plasmaram-se algumas matrizes de pensamento que definiriam as pautaspelas quais se regeriam a vida poltica, econmico-administrativa e a organizao da socieda-de ps-colonial. Idias de Brasil adquiririam nova dimenso histrica, cultural, geogrfica,social e poltica com o santista Jos Bonifcio, estadista da independncia, homem da Ilustra-o e fundador da poltica externa brasileira. Com ele, mas tambm com oponentes a seuprojeto de nao, como Cipriano Barata e o padre Diogo Antnio Feij (ex-deputados s cortesde Lisboa), ou o jornalista Evaristo da Veiga, um dos lderes do 7 de abril de 1831, nossaidentidade coletiva se delineava. Identidade a ser alcanada, imaginava Bonifcio, por meiode uma ao poltica mais abrangente e cosmopolita:

    Como o Brasil comeava a civilizar-se no sculo XIX, deve chamar e acolher todos os estrangeiros quelhe podem servir de mestres no ramo da instruo, e economia pblica: deve no querer ser original,mas imitador por ora, apropriando-se das outras naes o que convm melhor situao poltica, efsica.1

    O leitor notar que, nessa riqussima viagem histrica, cultural, poltica e social a que porvezes denominamos nossa formao, processo mais marcado por continuidades, do que porrupturas significativas, processo dramaticamente inacabado, privilegiaram-se certos momen-tos, contextos e situaes. At porque a tal idia de formao repontou em diferentes pero-dos e fases do longo processo de ocupao e usos sociais do espao que se foi definindo, tantodo ponto de vista geopoltico como lingstico-cultural, como Brasil. Tal foi o caso do PrimeiroReinado (1822-1831), do Perodo Regencial (1831-1840) ou da Repblica Nova (1930-1937).Conhecem-se melhor, hoje em dia, as mltiplas caractersticas, os variados modos de pensare as contraditrias diretivas histrico-culturais desses diferentes Brasis que se foram tor-nando Brasil. Sinalizaes e diretivas por vezes at antagnicas que, em casos raros, trans-formaram-se em teorias do Brasil, alimentando as linhas de fora de um (para dizer assim,na expresso andradina) pensamento brasileiro. Pensamento, ou formas de pensamento es-pecficas que um analista agudo como Michel Debrun autor de Conciliao e outras estrat-gias chegaria at a sistematizar em arqutipos. Todavia, o conjunto dessas teorias, articu-ladas numa possvel histria, pressupe um rastreamento rigoroso, o mapeamento das esco-las, tendncias, individualidades, que ainda est por fazer, cobrindo desde o campo poltico-econmico ao educacional e filosfico. Uma Histria do Pensamento Brasileiro, portanto, seriao convite a uma outra viagem, menos incompleta.

    1 Jos Bonifcio de Andrada e Silva,Projetos para o Brasil, organizao de

    Miriam Dolhnikoff (So Paulo:Companhia das Letras, 1998), p.173.

  • 12 Ao longo do percurso, alguns temas e problemas repontam e persistem. Quem era o povonessas partes do Novo Mundo, a gente da terra braziliense da naso? como se forma anao, encaixada no aparelho de Estado complexo e pesado, transplantado e remodeladodurante o perodo colonial? Qual o significado da descolonizao a que se assiste na passagemdo sculo XVIII ao XIX? Como se construiu esse Brasil mestio, com suas ideologias culturaise realidades tnicas? Como se cristalizaram as decantadas heranas coloniais, que seriamobjeto de crticas, histrias e atualizaes por parte dos redescobridores do Brasil nos anos30 (Freire, Buarque, Caio, Bonfim, Mrio, Milliet, Rubens Borba, Cmara Cascudo) e dos eco-nomistas, cientistas polticos, socilogos e historiadores dos anos 50 (Furtado, Candido, Faoro,Sodr, Jos Honrio, Florestan, Bastide)? O quadro se torna mais rico e complexo quando noslembramos do papel desempenhado pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) e porrevistas como Anhembi (de Paulo Duarte) e Revista Brasiliense (de Caio Prado Jnior) e,depois, pela Revista Civilizao Brasileira (de nio Silveira e Moacir Flix) e Tempo Brasileiro(de Eduardo Portela). de notar, entretanto, que, no sculo XX, os educadores-fundadores da Escola Nova centra-lizariam nos anos 30 uma notvel rede de intrpretes do Brasil, com figuras estelares comoAnsio Teixeira, o socilogo Fernando de Azevedo (um dos criadores da Universidade de SoPaulo), o gegrafo Delgado de Carvalho (cujos atlas e mapas desenhariam em nosso imagin-rio o lugar do espao brasileiro no mundo), o socilogo Gilberto Freire ( que inventaria umpovo mestio para a nova nao), o compositor e musiclogo Heitor Villa-Lobos (que uniria adimenso erudita produo popular, disseminando uma certa viso de Brasil por meio doscorais e cantos orfenicos), o urbanista Lcio Costa, responsvel por um novo conceito decidade, alm de Rodrigo Melo Franco de Andrade, na definio de um conceito nacional depatrimnio histrico. Nesse grupo, ao qual se associava Mrio de Andrade, inscreve-se afigura mpar de Carlos Drummond de Andrade, homem de ao e poesia. Fora dessa conste-lao, na esquerda, muitos intelectuais se afirmariam, como Astrojildo Pereira, Otvio Brandoe Mrio Pedrosa. Na direita, as idias fortes de Oliveira Viana marcariam o debate na primeirametade do sculo XX, provocando at mesmo a crtica de Gilberto Freire e Jos HonrioRodrigues.Tal conjunto de intelectuais, de quadrantes diversos, fixaria em definitivo a idia de Brasilcontemporneo. Nesse contexto, afirmou-se a noo de Cultura Brasileira, ou seja, de umaideologia que, com o passar do tempo, se consolidaria como a viga mestra de todo um sistemapoltico-cultural de longa durao.Neste mesmo passo, recorde-se que, ainda nos anos 50 uma terceira via j era procurada.Com a acelerao do processo histrico mundial da qual o Congresso de Bandung em 1955foi apenas um sinal , idias e projetos inovadores de Brasil se desenvolveram e expandiram.

  • 13 Em busca de uma poltica externa independente de Washington, setores da intelligentsia bra-sileira comeariam a se descobrir terceiro-mundistas.A essa altura, uma curiosa mitologia dos dois Brasis, a de Jacques Lambert, tambm sedifundiria nos meios acadmicos e polticos, inaugurando a viso dualista na Histria do Brasil,empobrecendo a interpretao euclidiana: o pas atrasado, pensavam Lambert e os dualistas,retardava a integrao do Brasil moderno na contemporaneidade. Sem maiores considera-es de ordem histrica ou civilizacional, capitalistas e neocapitalistas coordenaram entoesforos para romper com o atraso a partir de um esperado take off do capitalismo no Brasil:para isso, o economista norte-americano Walt Whitman Rostow circulava em vos rasantespela Amrica Latina ensinando as frmulas da redeno a empresrios e militares bisonhos.Nesse contexto, a CEPAL e as idias de Raul Prebisch eram sinnimos de modernidade.Transitava-se ento, na expresso do professor Antonio Candido, da conscincia amena deatraso para a conscincia de pas subdesenvolvido. Aos segmentos radicalizados das elitesurbanas progressistas apresentava-se ento a alternativa clssica que a Histria costumaapresentar aos povos: reforma ou revoluo. Ao lado das Ligas Camponesas, das lutas dapequena burguesia urbana por reformas de base, de uma educao democrtica e da implan-tao da cultura do subdesenvolvimento, encontrou-se uma frmula curiosa, quase umacontrapartida do realismo mgico da literatura latino-americana daquela poca. Com efeito,os idelogos do reformismo desenvolvimentista, somando seus esforos s lideranas intelec-tuais de esquerda, preocupadas com a superao do subdesenvolvimento a qualquer preo,fabricaram nos anos 60 as discutidas, e em geral bem aceitas, teorias da dependncia. Umaoutra idias de Brasil despontava, assim, nos horizontes da esquerda, nos quadros do capita-lismo associado e dependente. O problema, entretanto, como escreveria Florestan Fernandesem 1981 que no enfrentamos como e enquanto tal a questo da descolonizao...Se algumas dessas vises de Brasil desapareceram, outras porm prosperaram, transforman-do-se em projetos e polticas pblicas, fundamentando trs possibilidades histricas entoesboadas. A primeira, a de implantao de uma ordem republicana reformista-desenvolvimentista e modernizadora (no sentido dos anos 50-60), integrada ao novo capi-talismo ocidental; a segunda, de uma repblica socialista-sindicalista mobilizadora, condutorade um projeto amplo de reformas de base, com destacada participao do pas no planointernacional por meio de uma poltica externa independente; e, finalmente, a terceira, umahipottica repblica socialista de base popular operrio-camponesa, com adeso e apoio desetores da pequena burguesia progressista radicalizada.O golpe civil-militar de 1964, com as teorias da contra-revoluo preventiva, viria realinhar oBrasil nos quadros da Guerra Fria, revelando a natureza e o sentido profundos desta histria,condicionada por um modelo histrico-social de cunho fortemente autoritrio, com implica-es poltico-culturais de longa durao. Explicitava-se, dessa forma, o modelo autocrtico-

  • 14 burgus, principal personagem de nossa histria, desvendado nos anos 70 pelo professorFlorestan Fernandes em sua obra clssica A revoluo burguesa no Brasil, de inquietanteatualidade.

    VIPara concluir, convm evitar o tom finalista, pois, a despeito de certas determinaes dosprocessos de articulao dos sistemas coloniais da Histria Moderna, as possibilidades hist-ricas de cada poca se inscreviam e se inscrevem inescapavelmente nas estruturas de amplosconjuntos de variveis e sistemas de valores. De civilizaes enfim, para utilizarmos o velhoconceito , cujos cdigos mais profundos cumpre aos historiadores ir desvendando. Grandedesafio, este, a que muitos leitores e estudiosos, amantes da pesquisa inspirados no velhoLucien Febvre, por Johan Huizinga e outros mestres ainda se obstinam em cultivar, sob ortulo generoso, amarelecido pelo tempo, de Histria das Mentalidades.Finalmente, cinco sculos de Histria podem representar muito, considerada a Histria dascivilizaes americanas, sobretudo no que diz respeito experincia particular afro-luso-bra-sileira. Experincia de uma cultura j miscigenada na Pennsula Ibrica, que viria a predomi-nar nessas partes do globo, gerando interpretaes inditas, muito difundidas e discutveissobre a adaptabilidade dos portugueses nos trpicos , e que marcariam fundamentalmenteo pensamento no Brasil no sculo XX.Cinco sculos que permitem, na longue dure, indagar no sentido ou sentidos das Histriasplurais de nossas formaes histrico-ideolgicas, apontando para uma reviso profunda denossa historiografia. Seja na vertente dos encontros e desencontros de civilizaes autcto-nes e forneas, seja na reafirmao de uma histria dos de baixo, um outro horizonte seapresenta. Pois, na feitura dessa outra Histria, em contraposio histria dos brancos freiVicente do Salvador at Varnhagen e Pedro Calmon, comeam a surgir as sagas annimas dosndios, dos escravos negros e dos negros livres, dos ps descalos, das mulheres, dos ido-sos, das crianas, dos excludos em geral. E, para alm de todos, essa categoria imensa esilenciosa, nada obstante muito real: a dos sem-histria.Para terminar, quero me referir atualidade de incontveis formulaes que indicam a exis-tncia de conscincias crticas e muito agudas ao longo de toda nossa Histria. Ainda rebo-am no ar as palavras como as de frei Joaquim do Amor Divino, o Caneca, publicadas noTiphys Pernambucano a 15 de janeiro de 1824, poucos meses antes de sua priso efuzilamento:E quando teremos constituio feita pela Nao? Nunca, nunca, nunca. E que Imprio ento vem aser o Brasil? Imprio projetado, e no Imprio constitudo, e por isso nunca imprio. E um impriotal em que ordem deve ser colocado entre as potncias? Ser uma potncia de primeira ordem?Ser de segunda? Nem de uma, nem de outra ordem. Ser potncia nullius diocoeseos, porque athoje incgnita a ordem das potncias projetadas.

  • 15 Idias de Brasil: formao e problemas (1817-1850)

    I

    Na primeira metade do sculo XIX, plasmam-se novas idias de Brasil no mundo luso-afro-brasileiro, na Europa, nas Amricas do Norte e do Sul. Sem unidade constitucional ou cultu-ral consolidada, sem ter resolvido, ou sequer equacionado, alguns de seus problemas bsi-cos, posto que no era uma nao, o Brasil emerge em 1822-1823 como entidade polticano cenrio internacional.

    Sufocado pelo clima poltico-ideolgico da Restaurao antibonapartista, mas j nocompasso das revolues liberais que varreriam o mundo a partir de 1820, o processo dedescolonizao no Brasil ganha alento at 1848, na mar montante da revoluo ocidental,com foco na repblica dos Estados Unidos e em algumas capitais europias. Desenredando-se das malhas da Santa Aliana, tem incio, naqueles anos decisivos, a longa caminhada donovo e malformado pas-continente na busca, marcada por avanos e recuos, de uma iden-tidade propriamente nacional.1

    Carregando um passado de trs sculos de escravido e pesada tradio clerical debase jesutica, os desafios da contemporaneidade se impunham s suas lideranas, primeiroilustradas, dentre elas Jos Bonifcio e irmos, e depois revolucionrias liberais, comoEvaristo da Veiga e Bernardo Pereira de Vasconcelos.

    Idias de Brazil se adensaram naquele perodo decisivo compreendido aproximada-mente entre 1817 e 1850, quando se consolidaram estruturas de dominao da sociedadeestamental-escravista e se adaptaram teorias sociais e culturais que embasariam o nascen-te modelo autocrtico-burgus. Modelo que definiria o padro civilizatrio consolidado aolongo do processo de formao econmico-social e poltico-cultural que marcaria os doissculos seguintes.2

    Delinearam-se ento, mais nitidamente, formas de sociabilidade, de sensibilidade edominao, de auto-explicao histrico-geogrfico-cultural, assim como ideologias e mo-dos de pensar que caracterizariam o perfil dessa entidade poltico-institucional abstratadenominada Brasil. Nao qual deveria corresponder, semelhana de outros Estadosnacionais, uma sociedade mais ou menos homognea, a sociedade brasileira. No proces-so, pontilhado de conflitos, insurreies, golpes e acomodaes, forjou-se a nacionalidadecomo categoria histrica e, no menos importante, como ideologia poltica e cultural.

    1 Para a discusso do conceito de naoe nacionalismo, ver Eric J. Hobsbawn,

    Naes e nacionalismo desde 1780.Programa, mito e realidade (Rio de

    Janeiro: Paz e Terra, 1990),especialmente o captulo A nao comonovidade: da revoluo ao liberalismo.

    2 Para uma compreenso desseprocesso, ver, de Florestan Fernandes,A revoluo burguesa no Brasil (Rio de

    Janeiro: Zahar, 1975) e Circuitofechado (So Paulo: Hucitec, 1976),

    especialmente o captulo 1, Asociedade escravista no Brasil. Ver

    tambm de Barbara e Stanley J. Stein,Colonial Heritage in Latin America

    (Nova York: Orxford University Press,1970), especialmente o captulo V

    (edio brasileira, pela Paz e Terra).Sobre essas outras idias de Brasil, o

    historiador Joo Jos dos Reis vemoferecendo interpretaes inovadorasdesde 1982, sobretudo a partir de seuestudo Rebelio escrava no Brasil. Vertambm a importante coletnea, J. J.Reis (org.), Escravido e inveno daliberdade. Estudos sobre o negro noBrasil (So Paulo: Brasiliense/CNPQ,

    1988).

  • 16A denominada Revoluo da Independncia foi o ponto de partida para a construo de

    um sistema ideolgico consistente, tendo como pilar a idia de nao, alimentada pela elabo-rao contnua de uma Histria nacional e, portanto, de uma historiografia que a cultivasse.Historiografia que se definiria e adensaria na vertente que vem de Abreu Lima, Constncio,Oliveira Lima, Capistrano, Caio Prado Junior (sobretudo em suas obras Evoluo poltica doBrasil e Formao do Brasil contemporneo), at o manual Histria do Brasil, de Otvio Tarqniode Souza em co-autoria com Srgio Buarque de Holanda, alcanando o estudo de NelsonWerneck Sodr, As razes da Independncia. E se desdobrando, mais recentemente, na obrade Honrio Rodrigues, Revoluo e contra-revoluo da Independncia.3

    Naquele contexto preciso, tinha incio a Histria do Brasil. Apuram-se, ento, algumasmatrizes e formas de pensamento, modos de ser e tipos de comportamento social e polticoque passariam a ser progressivamente identificados como nacionais. Ou seja, de produesnaturais e identificadoras da nao emergente, com seus modos de pensar, estilos de com-portamento, apropriao e usos do espao que tipificaram o sistema social especfico que seimplantou naqueles anos decisivos de formao do Brasil contemporneo.

    A vaga revolucionria liberal de 1820 o pano de fundo da Independncia poltica de1822-1823, que se desdobraria, completando-se, no bojo de outra vaga revolucionria inter-nacional, tambm liberal e nacional, a das revolues de 1830. Com efeito, 0 7 de abril de1831, quando Pedro I forado a abdicar, torna-se uma data revolucionria nessa periodizao,ao assinalar tambm uma mudana de mentalidade. Da conscincia amarga, individual, doviver em colonias, descrito na Bahia pelo professor Lus dos Santos Vilhena em 1801, o autorde Recopilao de notcias soteropolitanas e braslicas, ao sentimento coletivo de viver emnao independente, aps 1822, e sobretudo aps 1831, passou-se nessas partes da Amri-ca do Sul por experincia histrica de grande profundidade, suas reverberaes chegando aosnossos dias.

    De fato, as manifestaes envolviam coletividades maiores, com atuao da imprensa esurgimento de partidos ou faces. Quando o movimento liberal-nacional de 1831 eclodiu noRio de Janeiro, mobilizaram-se cerca de 600 cidados armados em 30 de maro. A data dainsurreio da tropa (comandada pelos irmos Lima e Silva) e da manifestao popular noCampo de Santana contra o monarca fora marcada para o dia 6 de abril e, na vspera daabdicao, entre meio-dia e trs horas da tarde tinham afludo ao Campo de Santana cercade duas mil pessoas. s cinco esse nmero dobrara.4

    3 A meu ver, a obra que representa aculminncia dessa linhagem,

    sintetizando a referida teoria da Histriado Brasil que tem origem na

    Independncia, de Manuel de OliveiraLima, Formao histrica da

    nacionalidade brasileira (Rio de Janeiro:Leitura, 1944), com prefcios de

    Gilberto Freire, M. Martinenche e JosVerssimo. Em Jos Honrio Rodrigues,

    Independncia: revoluo e contra-revoluo (Rio de Janeiro: FranciscoAlves, 1975), 5 vols., o leitor poder

    encontrar uma vasta gama deinformaes. Ver, do mesmo autor, na

    coletnea Ensaios livres, publicadapostumamente por Leda Boechat

    Rodrigues (So Paulo: Imaginrio,1991, prefcio de Carlos G. Mota), o

    estudo O parlamentarismo no Brasil eseu retorno.

    4 Ver a descrio dessesacontecimentos em Otvio Tarqnio de

    Souza, Evaristo da Veiga (BeloHorizonte/So Paulo: Itatiaia/Edusp,1988) pp. 94-5 (Coleo Histria dos

    Fundadores do Imprio do Brasil).

  • 17Naquela encruzilhada histrica, emergiram com vigor as temticas da independncia /

    dependncia, das formas de insero do Brasil no sistema internacional, do modelo polticoideal, da construo da sociedade civil particularmente no tocante questo dos escravos,dos ndios, do contrato de trabalho e da propriedade , do sistema educacional e, enfim, daidentidade cultural. Alguns princpios que deveriam reger a sociedade nacional a ser construdasurgiam explcitos nas mentes das principais lideranas reformistas ou revolucionrias, a co-mear pelo monarquista-constitucional Jos Bonifcio, crtico do escravismo:

    A sociedade civil tem por base primeira a justia, e por fim principal a felicidade doshomens. Mas que justia tem um homem para roubar a liberdade de outro homem, e o que pior, dos filhos deste homem, e dos filhos destes filhos?5

    Entretanto, naquela conjuntura, o que se consolidou foi um certo tipo de imaginrio e deconscincia propriamente nacional bem com uma determinada idia de Brasil marcadamenteconservadores, que o prprio patriarca j criticava: O despotismo de certo pas que conheo aucarado e mole; mas por isso mesmo perigoso, por tirar todo nervo aos espritos, eabastardar coraes.6

    A revoluo e a contra-revoluo da Independncia, se consideradas em seu resultadogeral, confluram num processo reformista, de acomodao entre as provncias e elites devariada extrao, os estamentos senhoriais e as classes comerciais, num processo que de-sembocaria na Conciliao de meados do sculo, garantidora da invivel paz do SegundoImprio e da ordem escravista. Se Jos Bonifcio julgava que, sem muito sangue, a demo-cracia brasileira que se possa estabelecer, nunca se estabelecer seno quando passar aristocracia republicana, ou governos dos sbios e honrados, seu antagonista o jornalistaEvaristo da Veiga, outra figura dominante no cenrio poltico e cultural da primeira metade dosculo XIX, definiria o ponto ideal desse processo:

    Nada de jacobinismo de qualquer cor que seja. Nada de excessos. A linha est traada a da Constituio. Tornar prtica a Constituio que existe sobre o papel deve ser o esforodos libeirais [...] do dia 7 de abril de 1831 comeou a nossa existncia nacional; o Brasil serdos Brasileiros, e livre [...] os homens sejam colocados dentro do quadro das doutrinas;sejam exemplos da regra e no a regra deles mesmos; ento que seremos livres e dignos derivalizar com os nossos conterrneos e primognitos da liberdade americana os cidadosdos Estados Unidos.7

    5 A propriedade foi sancionada para obem de todos, advertia mais adiante o

    deputado Jos Bonifcio de Andrada eSilva, em sua Representao Assemblia Geral Constituinte e

    Legislativa do Imprio do Brasil sobre aescravatura, em Projetos para o Brasil,

    organizao de Miriam Dolhnikoff (SoPaulo: Companhia das Letras, 1998), p.

    60. Sobre a questo social, ver asntese de seu pensamento em nossoestudo, includo em Loureno Dantas

    Mota (org.), Introduo ao Brasil. Umbanquete no trpico (So Paulo: Editora

    SENAC So Paulo, 1999). Ver tambmas snteses dos pensamentos de

    Nabuco, Euclides, Capistrano, Freire,Buarque, Caio, Faoro, Antonio Candido,

    Jos Honrio e Florestan, citados nopresente captulo.

    6 Ibid., p. 250, Avulsos.7 Jos Bonifcio, Todo governo emrevoluo s faz descontentes, emProjetos para o Brasil, cit., pp. 208-

    209,. As citaes de Evaristo acham-sena Aurora Fluminense, n. 276, de 9 de

    dezembro de 1829; n. 470, de 11 deabril de 1831; n. 477, de 27 de abril de

    1831, respectivamente. Ver OtvioTarqnio de Souza, captulos III, IV eV, em Evaristo da Veiga, cit. Como se

    sabe, de 1823 a 1841 ocorreram vriasdeportaes.

  • 18Em meio a intensa internacionalizao, conflitos, negociaes, aquarelas e sonetos, tra-

    tados descritivos e tratados urbansticos, alm de ensaios, faturas de pagamentos, exlios esensibilidades desencontradas, desenharam-se variadas idias de Brasil, que iriam caracteri-zar as formas de pensamento do que comumente, nos embates polticos sobretudo, se deno-minava nao.

    Com a descolonizao e a Independncia, o Brasil integrava-se no concerto das naes.As trs vagas revolucionrias europias de 1820, de 1830 (o sol de julho) e de 1848 (aprimavera dos povos) mudariam a fisionomia do mundo. Na vaga liberal de 1820, a primeirasublevao eclodiu na Alemanha, sobretudo nos meios universitrios, teve carterconstitucionalista e foi prontamente reprimida por Metternich. Na Espanha, militares de Cdiz,organizados para combater os colonos revolucionrios da Amrica espanhola, sublevam-seem janeiro de 1820 sob o comando do tenente-coronel Riego, obrigando o rei Fernando VII arestabelecer a Constituio de 1812. Em Npoles, em julho de 1820, os carbonrios, sob ocomando de Pepe, obrigaram o rei Ferdinando I a submeter-se a uma Constituio; em 1821,no Piemonte, o movimento carbonrio impe uma constituio, logo reprimidos todos pelasforas austracas, restabelecendo-se o poder absoluto. Na Frana, em fevereiro de 1820, oduque de Berry, sobrinho do rei, assassinado, e o movimento da Charbonnerie se estendea Saumur, Belfort, Thouars e Colmar. Tambm na Rssia, com a morte do czar Alexandre I,houve tentativa fracassada de se implantar um regime constitucional (insurreio decabrista,1825).

    A Europa absolutista do Ancien Rgime, representada por Metternich e o czar, atemoriza-da com esses movimentos liberais, aos quais se somam as revoltas nacionais na Grcia e nascolnias ibricas na Amrica, cr assistir a um compl jacobino, com foco em Paris.8

    Nesses embates entre revoluo e restaurao, o Brasil nasce alinhado com os movimen-tos contemporneos. A problemtica de nossa identidade, de nossa nacionalidade encon-tra sua raiz nessa determinada conjuntura histrica internacional e num contexto socioculturalespecfico. No procuramos aqui enunciar uma verdade histrica vlida para todos e queseria to absurda quanto imaginria, como adverte Marc Ferro. Quando muito, esboa-se umesforo para reconstruir algumas das determinaes desse passado tal como foi vivido epercebido por essa sociedade que comeava a se pensar brasileira. No por acaso o maisfecundo historiador brasileiro do sculo XX, Caio Prado Jnior, denominou esse perodo decisi-vo como sendo de Revoluo da Independncia, conceituao dialetizada e aprofundada poroutro importante estudioso do perodo, Jos Honrio Rodrigues, que definiu essa fase crucialde nossa histria como de revoluo e tambm de contra-revoluo.

    8 Cf. J. B. Duroselle, LEurope de1815 nos jours (Paris: Puf, 1964), pp.

    96-7. Ver tambm Ren Rmond, Osculo XIX (1815-1914) (So Paulo:

    cultrix, 1976), pp.34-6; Srgio Corrada Costa, Pedro I e Metternich (Rio de

    Janeiro: Editora A Noite, 1952).

  • 19Reside a o n histrico em que se enreda nossa ambgua contemporaneidade, ou melhor,

    a dessa formao histrico-cultural abarcada pela idia de Brasil. Idia fundadora ligada denacionalidade que remanesce no discurso historiogrfico-cultural nascente, e persiste emtemticas e vises ora exticas e pitorescas, ora rebrotando em anlises que consideram talformao tardia e desatualizada, ora alimentando projetos poltico-econmicos que em nossacultura surge como notavelmente promissora, e assim por diante. Naquele contexto, enra-zam-se os discursos reformista ilustrado, depois liberal, em seguida liberal-nacional, que irodesembocar na Questo nacional a partir da segunda metade do sculo XIX, j com registrojacobino no ltimo quartel do sculo. Discurso que se realimenta de tempos em tempos,perpassando os quase dois sculos de nossa independncia poltica. Tal n aperta quando seconstata que a idia de Brasil contemporneo (ou, na interpretao de Florestan Fernandes,a Idade Moderna do Brasil) cristalizara-se j encravada no sistema mundial de dependnciasda poca, com uma elite que se educara no fino trato com os interesses europeus aqui implan-tados. No pice desse processo, j na segunda metade do sculo, afirmar-se-iam algumas dasmelhores cabeas do pas, desde Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e o senador Souza Dantas, osdois ltimos conhecidos como os nossos ingleses.

    Em concluso, entende-se por que esse processo histrico-social que vinculou o destinoda nao emergente ao neocolonialismo provocou conseqncias de enorme monta para aestruturao e a evoluo do capitalismo dentro do pas, segundo Florestan Fernandes. Aessa estrutura neocolonial de predizveis e inevitveis conseqncias sociais, segundo ex-presso de Stanley e Barbara Stein, corresponderia um conjunto de formulaes que poderi-am ser enfeixadas sob o rtulo de pensamento liberal. Nos quadros desse novo colonialismocriado pelo imperialismo, essa ideologia por assim dizer liberal cumpriria papel importante aoabrandar as relaes de dominao do Ancien Rgime geradas no perodo colonial. O liberalis-mo, nessa perspectiva, no seria uma idia fora do lugar; ao contrrio, consolidou-se comoeficiente disfarce para ocultar a metamorfose dos laos de dependncia, para racionalizar apersistncia da escravido e das formas correlatas de dominao patrimonialista.9

    Numa viso do conjunto, importa notar que, nessa sociedade em que se reforou osenhoriato escravista e se entranhou a ideologia cultural do escravismo, criaram-se mecanis-mos e mores que definiriam e encaminhariam no plano propriamente poltico a longa histriade conflitos, sobretudo os do Perodo Regencial (1831-1840), com desdobramentos, concilia-es e reformas que se prolongariam por todo o sculo, com a vitria permanente da contra-revoluo preventiva e fortalecimento do Estado.9 Florestan Fernandes, Sociedade de

    classes e subdesenvolvimento (Rio deJaneiro: Zahar, 1968), pp. 10-4;

    Stanley e Barbara Stein, A heranacolonial da Amrica Latina (Rio de

    Janeiro: Paz e Terra, 1970), p.114.

  • 20

    No plano ideolgico, a formao dessa idia de Brasil teve desdobramentos mais comple-xos, com a vitria do pensamento conservador. Os estudos clssicos do historiador JacquesGodechot permitem compreender que, no plano ideolgico, o resultado foi, nessa perspectiva,o enraizamento histrico-social da doutrina e da ao conservadora da contra-revoluo fran-cesa ao longo de sculo XIX ou, quando menos, de suas vertentes ideolgicas mais brandas,de Siys a Chateaubriand e Madame de Stal, ou, quando mais avanadas, de BenjamimConstant. Da entender-se por que um liberal como Evaristo defensor da liberdade constitu-cional, do sistema representativo e da liberdade de imprensa proclamava no seu jornalAurora Fluminense: Faa tudo quanto preciso, mas evite a revoluo.

    A fora dessa ideologia mobilizadora da improvvel paz no Segundo Imprio foi suavi-zada, alm das boas maneiras do imperador-sbio Pedro II, pela ideologia regressista deliberais como Bernardo de Vasconcelos (Fui liberal), que seria combatida depois pela melhortradio historiogrfica por assim dizer radical, de Capistrano de Abreu a Florestan Fernandes.Linhagens de pensamento assemelhadas s que em Cuba desaguariam nas posies de Josmart e, no Peru, em Jos Carlos Maritegui, ou ainda, nos projetos dos tericos e educadoresda Revoluo Mexicana de 1910. E essa temtica torna-se atual nesta passagem de sculo, devez que aquela viso conservadora, travestida em teoria da Histria, sob nova linguagem,volta a enternecer a nova historiografia ps-moderna, esquecida talvez das duras recomenda-es poltico-sociais que o pitoresco Bragana escreveu para sua sucessora, a princesa Isabel,esposa do conde francs DEu, o vencedor da guerra contra o Paraguai.

    Tal idia conservadora de Brasil, fundadora do quadro poltico-ideolgico que seria domi-nante entre 18274 e 1889, instalou-se no Instituto Histrico Geogrfico Brasileiro, abrigou-senas teorias de Varnhagen e alimentou o substrato ideolgico da contra-revoluo vencedora.Fixava-se, nessa vertente e desse modo, o conceito de nao. No plano poltico-institucional, contra-revoluo vencedora correspondeu a metodologia da conciliao a partir de meadosdo sculo XIX, somente alterada com o movimento republicanista. Alterada, mas no apagadacompletamente, pois na histria das formas de pensamento, de tudo fica um pouco; em reasde passado colonial, fica muito.

    Com a guerra contra o Paraguai, a retomada do movimento republicanista, a abolio daescravatura, a Proclamao da Repblica e a represso a Canudos encerra-se uma certa visode Brasil: assiste-se ao tournant decisivo, com a descoberta de um outro Brasil pelorepublicanista radical Euclides da Cunha (1866-1909). Os sertes, obra publicada em 1902,

  • 21

    ao revelar indiretamente as mazelas da repblica, tambm procedia ao julgamento da monar-quia e do legado colonial, abrindo um novo perodo de crtica para a construo da novaHistria das Mentalidades no Brasil. Em nossa perspectiva, entretanto, o estudo insuplantadode Euclides, Da Independncia Repblica (esboo poltico), publicado em 1900 e includoem seu livro margem da Histria, pode ser considerado o sinalizador de uma nova era nosestudos histricos, por sintetizar todo o sculo XIX. Apesar de seu tempero comtiano (o maisrobusto pensador do sculo), a teoria da Histria do Brasil com sua correspondenteperiodizao condensada nessa sntese antolgica constitui a matriz da qual partiriam osestudos posteriores de Caio, Manuel Bonfim, Jos Honrio Rodrigues, Florestan e mesmoRaymundo Faoro (para citarmos alguns clssicos do pensamento radical no Brasil): Somos onico caso histrico de uma nacionalidade feita por uma teoria poltica [...].10

    Em sntese, uma consistente idia de Brasil se consolidara por volta dos anos 1840-50. Apartir de fora, porm com viva elaborao interna, plasmou-se, desde 1831 at 1850, umacerta ideologia do carter nacional brasileiro. E tambm de um certo modo de se contarnossa histria, pois nesse momento despontaram historiadores como Solano Constncio eAbreu e Lima, em cujos compndios se fabricava, se institua e se estabilizava, com sinaisdiferentes, uma outra viso nacional da Histria do Brasil, menos conservadora, europeizantee colonialista que a de Martius ou Varnhagen.11

    O pas tomava forma sob a preeminncia inglesa. Inserido naquele contexto econmico-cultural, a obra de John Armitage, no por acaso ingls, numa viso atualizada e crtica,indicava em 1836 o nascimento de uma nao, tendo por balizas cronolgicas 1808 e 1831.Como escrevia ele na introduo de seu livro: possvel que a histria contempornea pos-sa, em alguns casos, ser escrita com mais acerto por um estrangeiro.

    Curioso tal comentrio, quando se observa que aquela por muitos considerada a primeirahistria nacional tenha sido escrita justamente por ele, um ingls; e o mtodo de se escre-ver nossa histria, definido por um alemo, von Martius, em seu imperativo e categricoComo se deve escrever a histria do Brasil.12

    Nessa altura, tambm no mundo jurdico, dando novo contorno ao Estado e normas sociedade nacional, comeavam a avultar as figuras de Cairu, de Antnio Carlos de Andrada,Jos Clemente Pereira, Alves Branco, Carneiro de Campos e, sobretudo, de Bernardo Pereirade Vasconcelos, o principal autor do Cdigo Criminal de 1830.13

    10 Lia-se, nas principais cidades do Brasil.No Rio de Janeiro, sede da monarquia

    tropical, em 1821, o Dirio do Rio de Janeiroanunciava a venda de livros em oito lojas.

    Havia intensa atividade de leiloeiros (emgeral, ingleses), o principal dos quais era

    Jorge Dodsworth, correspondente comercialde Hiplito Jos da Costa, com escritrio narua da Alfndega, que anunciava a chegada

    de nmeros do Correio Brasiliense em naviosque vinham de Liverpool. Aps 1822 e a

    Constituinte, o nmero de leitoresaumentou. Em 1823, Evaristo vendia em sua

    loja de livros, por exemplo, o Cours depolitique constitutionelle, em 8 volumes, de

    Constant, e vrias obras de Bentham.Evaristo (pseudnimo arcdico, de poeta

    alis medocre: Alcino) era leitor, alm deConstant e Bentham, de Ricardo, Say,

    Sismondi, Foy, Blackstone. Em 1827, elevendia obras de Say, Sismondi, Ganilh,

    Broussais, Racine e Voltaire, e livros sobreos Estados Unidos e sobre o Mxico. Para

    uma viso mais ampla do tema, ver MarisaLajolo e Regina Zilberman, A formao daleitura no Brasil (So Paulo: `tica, 1996).11 O estudo mais recente e crtico sobre

    essa viso o de Karen M. Lisboa, A NovaAtlntida de Spix e Martius: natureza e

    civilizao na Viagem pelo Brasil (1817-1820) (So Paulo: Hucitec/Fapesp, 1997).

    Uma nova edio de margem da Histria,prefaciada por Miguel Reale, foi publicada

    pela Livraria Martins Fontes em 1999(Coleo Temas Brasileiros).

    12 John Armitage, Histria do Brasil (SoPaulo/Belo Horizonte: Itatiaia/Edusp, 1981).Com nota de Eugnio Egas, em que discute

    a autoria da obra, da traduo, e comenta avida de Armitage. O conhecido texto de CarlFriedrich Phillip von Martius foi publicado na

    RHIGB, Rio de Janeiro, janeiro de 1845,n.24.

    13 Cf. Pedro Dutra, Literatura jurdica noImprio (Rio de Janeiro: Topbooks, 1992),

    prefcio de Miguel Reale; ver especialmentecaptulo V, Dos cursos jurdicos ao Cdigo

    Comercial, 1827-1850.14 Para a compreenso do perodo, ver

    Immanuel Wallerstein, The modern world-system III. The second era of great

    expansion of the capitalist world-economy,1730-1840s (Nova York: Academic Press,

    1989). E tambm Alan Manchester, BritishPre-eminence in Brasil (Nova York: OctagonBooks, 1964); traduo em portugus, Jos

    Almada, A Aliana inglesa. Subsdios paraseu estudo 2 volumas (Lisboa: Imprensa

  • 22II

    A nova imagem de Brasil toma vulto e se adensa na confluncia de dois processos distin-tos. O primeiro, de internacionalizao abrupta do mundo luso-brasileiro, ocorrido a partir de1807-1808, quando se deu a famosa inverso colonial. A metrpole portuguesa, invadida portropas de Napoleo Bonaparte, assistira transmigrao da famlia real, da corte portuguesae do numeroso contingente de altos e mdios funcionrios para o Rio de Janeiro, escoltadospela armada inglesa. Foi um impacto tremendo, estancando-se o lento processo de emancipa-o que se delineara desde o ltimo quartel do sculo anterior.

    A tutela da Inglaterra, potncia em fase de acelerada revoluo industrial, de afirmaona poltica europia e mundial e de construo de seu imprio informal garantiria, no somen-te a preeminncia de seus interesses ao longo do perodo da formao nacional como, aps1815, e j no contexto da Restaurao, a monitorao e auditoria da vigilante e conservadoraSanta Aliana nos negcios brasileiros.14

    A Inglaterra exercia assim um duplo papel: era inovadora no tocante a relaes de produ-o (contra o trfico e o regime escravista) mas, ao mesmo tempo, funcionava como pea-chave desse brao diplomtico da contra-revoluo europia. Tais ambigidades estaro nabase da formao de uma certa linhagem de intelectuais prestigiosos e anglicizados, a um stempo antiescravistas e conservadores, dentre eles Machado e Nabuco, com reverberaesna obra de Gilberto Freire. Nabuquismo, alis, seria um designativo desse tipo de comporta-mento ideolgico e poltico-cultural, uma certa maneira esteticizada de olhar o mundo socialbrasileiro, a partir da varanda.

    Assim colocado entre dois fogos, o Brasil, onde j vinham se manifestando sentimentos epropostas de autonomizao desde o sculo anterior, mudou abruptamente de status, seinternacionalizando e ocupando lugar de destaque no Atlntico Sul. Apesar das controvrsiassobre o ritmo do processo de emancipao em curso, sobretudo no tocante abolio daescravatura, a chegada dos Braganas e sua corte trouxe novos elementos para a discussodos projetos de emancipao. A presena de viajantes, comerciantes, cientistas (ou naturalis-tas, na expresso da poca), espies, aventureiros e artistas estrangeiros com freqnciaexercendo combinadamente mais de um desses papis d conta dessa internacionalizaoque agrava o teor pr-revolucionrio de vida e acelera os acontecimentos que abrem a fasebrilhante de fundao da Histria propriamente nacional.

  • 23No transcorrer desse processo de internacionalizao que se adensa o sentido e se

    define o momentum de nossa fundao. Entretanto, nesta caracterizao de uma identidadepropriamente nacional, quando se forjam as matrizes de pensamento referidas por Marc Fer-ro, torna-se imperioso no se confundirem as diferentes temporalidades, tempo do mito etempo da histria, notadamente quando se trata do problema das origens.15

    O segundo processo, menos conjuntural, o de descolonizao em que se enredara oImprio portugus, processo aprofundado a partir da insurreio nordestina de 1817. Nessaperspectiva, a chamada Revoluo Pernambucana de 6 de maro constitui, diversamente dopeso que comumente se atribui s conjuraes do sculo anterior, o ponto de no-retorno e deacelerao do processo de descolonizao que conduziu Independncia e abdicao dePedro I em 1831, quando se consolidou o Estado nacional. Nesse processo, com os desdobra-mentos no perodo regencial, forjaram-se as matrizes histrico-institucionais e culturais doBrasil contemporneo.16

    Examinado na longa durao, tal processo j se vislumbrava na crise abrangente doantigo sistema colonial, iniciada na ltima quadra do sculo anterior. Crise perceptvel, comose sabe, em vrios nveis e dimenses, e que atingiu o mundo luso-brasileiro quando neleainda tentavam suas elites ilustradas superar o descompasso histrico detectado anterior-mente pelo marqus de Pombal, atraso nunca recuperado. No por acaso trechos da obra doabade Raynal (1713-1796), a Histoire philosophique et politique des tablissements et ducommerce des europens dans les deux Indes, publicados em 1770, eram sabidos de cor emMinas Gerais por inconfidentes. O abade Raynal indicava a desproporo nas relaes entremetrpole e colnia, em favor desta, apontando caminhos para que os portugueses quemoram no Brasil ousem libertar-se de sua tirania:

    Talvez os prprios preconceitos dos quais esto imbudos, por uma educao viciosa e monsti-ca, sejam muito antigos em seus espritos para serem arrancados. A luz parece estar reservada sgeraes seguintes. Pode-se apressar esta revoluo determinando os grandes proprietrios a educarseus filhos na Europa, reformando e aperfeioando a instituio pblica em Portugal [...] possvelacostumar os jovens a estimar sua razo ou a desprez-la, fazer uso dela ou negligenci-la [...] Ahistria dessa colnia no ser mais sua stira.17

    A descolonizao, processo no qual se afirmaram novas lideranas nativistas, ocorreriaentretanto no sentido da integrao do complexo luso-brasileiro ao novo sistema mundial dedependncias: ensaiou-se primeiramente o equilbrio paritrio sob a frmula de Reino Unidode Portugal, com o Brasil e o Algarve (1815), logo abalado pelos eventos de 1817 na ex-colnia e na metrpole e j engolfado na crise mundial que conduziu vaga Revoluo de1820.

    15 Marc Ferro, A manipulao dahistria no ensino e nos meios de

    comunicao (So Paulo: Ibrasa, 1983),pp.13,290 e 292.

    16 A primeira anlise crtica desseprocesso foi efetuada por Caio Prado

    Jnior, em 1933, em seu clssicoEvoluo poltica do Brasil e outros

    estudos.17 O livro nono, denominado O

    estabelecimento dos portugueses noBrasil, foi publicado em portugus, noRio de Janeiro, Arquivo Nacional/UnB,

    1998. Ver pp. 144-155. As vicissitudese a crise no sistema colonial foram

    analisadas por Charles R. Boxer emRelaes raciais no Imprio colonial

    portugus 1415-1825 (Porto:Afrontamento, 1988) (1.ed., em 1963,

    pela Oxford University Press) e Oimprio martimo portugus (1415-1825) (Lisboa: Edies 70, s.d.) (o

    original, em ingls, de 1969);Fernando Novais, O Brasil nos

    quadros do antigo sistema colonial, emC. G. Mota (org.), Brasil em Perspectiva

    (So Paulo: Difel, 1968), e Portugal eBrasil na crise do antigo sistema

    colonial (1777-1808) (2. Ed., SoPaulo: Hucitec, 1983). Para o estudo dealgumas razes histricas do nativismo,veja-se Evaldo Cabral de Mello, Rubro

    veio: o imaginrio da revoluopernambucana (2. Ed. Revista e

    aumentada. Rio de Janeiro: Topbooks,1997), sobretudo os captulos

    Inventrio da memria e A culturahistrica do nativismo.

  • 24

    Da turbulncia desse perodo, e seus rebatimentos no mundo luso-brasileiro, nos dconta um viajante-comerciante como o francs L. F. Tollenare, que aqui esteve naqueles anos,descrevendo esse contexto especfico com riqueza de detalhes. Suas apreenses conservado-ras, banhadas na ideologia da Restaurao, aumentavam quando vislumbrava o perigo deuma ecloso revolucionria de vulto no Brasil (mais um pouco e teramos visto aqui os sans-culottes). Ao ressaltar a acirrada competio por mercado nos portos brasileiros, travadaentre comerciantes franceses e ingleses, deixava ele entrever por que estes ltimos quasesempre levavam vantagem ao oferecer produtos industrializados e servios a preo menor,pontas de lana que eram da Revoluo Industrial. Como se nota, vivia-se, tambm no Brasil,o dealbar de uma disputa de potncias europias por mercados mundiais e zonas de influn-cia em partilhas que iriam se estender at as primeiras dcadas do sculo XX.

    Em 1817, o sistema luso-brasileiro trepida nos dois lados do Atlntico. Com efeito, olevante nacionalista de Gomes Freire de Andrade em Portugal naquele ano, bem como agrande insurreio do Nordeste brasileiro, sugerem a profundidade da crise que antecede eanuncia a revoluo liberal de 1820 em Portugal e a independncia nacional do Brasil em1822. Indcios de encontros em Londres de Gomes Freire e do lder brasileiro Domingos JosMartins (alm do venezuelano Miranda, ex-combatente na Revoluo Francesa) so eloqen-tes o bastante para sinalizar as articulaes atlnticas naquela conjuntura pr-revolucionria.Articulaes que tero alis desdobramentos significativos, pois alguns revolucionrios derro-tados e feitos prisioneiros em 1817, gente com timo currculo e proveniente de diferentesregies da ex-colnia, trs anos depois sairo diretamente do crcere baiano (o clebre Ateneu,de onde acompanhavam os acontecimentos do mundo e estudavam) j eleitos deputadospara representar o Brasil nas Cortes Constituintes em Lisboa. O Ateneu, remanescncia de1817, ter sido o primeiro embrio de uma escola de pensamento propriamente nacional dealtssima qualidade, tendo os revolucionrios presos chegado a discutir at mesmo o conceitode classe social, para analisarem o momento vivido.18

    Aos deputados brasileiros s Cortes Liberais Constituintes de Lisboa ter sido de extremavalia a passagem pela escola revolucionria de 1817, completada, aps a derrota, nas aulasinformais no crcere de Salvador. Foi uma experincia pr-nacional. Ao reunir, presos, algunsrepresentantes de provncias distintas, propiciou-lhes o primeiro desafio de uma possvel uni-dade, e o sentido indito de ruptura. Do mesmo modo, no podero ser compreendidas astrajetrias de personagens que avultaro na histria do Imprio, como Antnio Carlos ouMuniz Tavares, sem a anlise daquele ponto de partida.

    18 Tal discusso aparece em Umepisdio da histria da Revoluo de

    1817 na Provncia de Pernambuco,passado entre os prezos dEstado nacadea da Bahia, que analisamos em

    Novos usos de velhas palavras: anoo de classe, no captulo As

    formas de pensamento revolucionrias,em Nordeste 1817. Estruturas e

    argumentos (So Paulo: Perspectiva,1972). Ver tambm de Istvn Jancs,

    Na Bahia, contra o Imprio. Histria doensaio de sedio de 1798 (So Paulo:

    Hucitec/ Edufba, 1996); e CarlosGuilherme Mota, Atitudes de inovao

    no Brasil (Lisboa: Horizonte, 1970),prefcio de Vitorino Magalhes Godinho.

  • 25 No decorrer da Revoluo de 1820, no calor dos debates das Cortes Constituintes emLisboa momento decisivo na definio de nossa vaga nacionalidade e demarcao dediferenas , vrios de nossos deputados sairiam fugidos, sob vaias e at pedradas, sendoobrigados a se exilar, rechaados ao defender os interesses da ex-colnia. A se localiza aprimeira ruptura sria, em que se explicitaram as contradies efetivas entre metrpole ecolnia, mascaradas pela soluo de compromisso do Reino Unido.

    Esse episdio se insere no rastilho internacional do despertar das nacionalidades, nosdois lados do Atlntico. Na Constituinte portuguesa se discutiam a representao, a cidadania,o fim do sistema colonial, esclarecendo-se a ambgua conscincia nacional nascente, quandose constatou, que, definitivamente, no ramos portugueses.

    Freqentemente abafado ou apagado pela historiografia, esse acontecimento acelera aviragem mental que j se vinha processando: transita-se ento, no Brasil, de formas de cons-cincia nativista, difusas e vincadas por localismos, para uma conscincia mais ampla, de pasindependente.19 Ou para um novo amlgama, para usarmos um termo-chave, caro ao mine-ralogista Jos Bonifcio.

    Nao, ptria, patriota, Constituio, independncia passam a ter um valor, paraalm de simblico, prtico, nunca antes experimentado nestas partes.20 Naquele contexto,possua um significado muito especfico, alis percebido por Mazzini, o defensor da unidadeitaliana, ao definir essa hora do advento das naes, entidades imaginrias em que se amal-gamavam valores, smbolos, sensibilidades, usos e costumes prprios, que comporiam o quese denominava civilizao.

    Nos principais centros urbanos brasileiros, aprofundava-se a sensao de abertura para omundo, de transformao histrica. Afinal, estvamos compaginados, alinhados com a Grcia,a Itlia e a Blgica, num momento em que tambm a Polnia, a Hungria e a Irlanda buscavamafirmar-se enquanto naes. Demais, as rotas comerciais mantinham contatos, fora do mun-do luso-brasileiro, com portos como Barcelona, Baltimore, Bordeaux, Marselha, Liverpool.

    A noo revolucionria de ptria soava com timbre mais radical e persistente nas ex-colnias, o patriotismo passava a se nutrir da pesquisa, reflexo e da reconstruo do passadocultural, histrico e lingstico. Da no surpreender que os libertadores expresso queadquiriu significado prprio, a partir sobretudo da ao de Bolvar, na Amrica espanhola fossem, em larga medida, intelectuais de slida formao, como Jos Bonifcio, CiprianoBarata ou Frei Caneca ou, na Amrica do Norte, os founding fathers Benjamin Franklin, ThomasJefferson e Adams se alinhassem com a intelectualidade mais culta de seu tempo. A poca de reconstruo histrica, de pesquisa: o prprio Patriarca um estudioso de Cames, cultorda lngua nacional e tradutor (inclusive de escritos de Humboldt).

    19 Vrios estudos vm aprofundando oconhecimento desse perodo. Alm dos livros

    clssicos de Fernando Piteira Santos,Geografia e economia da Revoluo de 1820

    (Lisboa: Europa/Amrica, 1961); de JosHonrio Rodrigues, A Assemblia

    Constituinte de 1823 (Petrpolis: Vozes,1974); de Vicente Barretto, A ideologia

    liberal no processo da Independncia doBrasil, 1789-1824 (Braslia: Cmara dos

    Deputados, 1973); de Jos Murilo deCarvalho, A construo da ordem (Rio de

    Janeiro: Campus, 1980); de Manuel Correiade Andrade (org.), Confederao do Equador

    (Recife: Fundao Joaquim Nabuco/Massangana, 1988); e de A. Russel-Wood

    (ed.), From Colony to Nation. Essays on theIndependence of Brazil (Baltimore: J.

    Hopkins Univ. Press, 1973); citem-se, dentreoutros, Fernando A. Novais e Carlos

    Guilherme Mota, A independncia poltica doBrasil (So Paulo: Hucitec, 1996); Jos

    Honrio Rodrigues, Independncia:Revoluo e contra-revoluo, vol.4, sobre

    A liderana nacional (Rio de Janeiro:Livraria Francisco Alves, 1975-1976); Maria

    de Lourdes Viana Lyra, A utopia do poderosoimprio (Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994);

    Demtrio Magnoli, O corpo da ptria.Imaginao geogrfica e poltica externa do

    Brasil 1808-1912 (So Paulo: Moderna/Unesp, 1997); Mrcia Regina Berbel, A

    nao como artefato. Deputados do Brasilnas Cortes portuguesas, 1821-22 (So

    Paulo: Hucitec, 1999); Ceclia Helena deSalles Oliveira, A astcia liberal, relaes de

    mercados e projetos polticos no Rio deJaneiro, 1820-1824 (Bragana Paulista:Edusp/cone Editora, 1999); Iara L. C.

    Souza, Ptria Coroada. O Brasil como corpopoltico autnomo, 1780-1831 (So Paulo:

    Unesp, 1999); e Richard Graham,Clientelismo e poltica no Brasil do sculo

    XIX (Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997).20 Ver, a propsito, a importante anlise deRoderick J. Barman, Brazil. The Forging of a

    Nation 1798-1852 (Stanford: StanfordUniversity Press, 1988), em que examina asmatrizes da nao e a formal configurao

    da Nao-Estado. A curva do processo estudada passo a passo, desde a crise do

    sistema colonial at meados do sculo.Nessecontexto que se descobre a prpria Cartade Pero Vaz de Caminha (1817), em que sed conta do achamento de Cabral em 1500:

    busca-se e define-se uma origem para oBrasil. Nasce uma histria.

  • 26

    quela altura, num contexto de fundao, fraes da elite colonial acreditam na possibi-lidade de se poder acertar o passo da nascente Histria do Brasil com a Histria das Naes.Em contrapartida, se adquiria a certeza de que o mundo acompanhava as transformaesoperadas no Brasil e na Amrica do Sul, e vice-versa. Feri Caneca, em seu pequeno jornal TifisPernambucano, acompanhava os acontecimentos do Mxico e do Peru. Na Inglaterra, o Cor-reio Braziliense, de Hiplito Jos da Costa, examinava passo a passo a vida brasileira, e daFrana e dos Estados Unidos chegavam repercusses das aes emancipadoras. Como estu-dou Jacques Godechot, em Paris, noticiavam acontecimentos do Brasil o Journal des Dbats, oJournal du Commerce, dentre outros, e, na provncia, o Journal de Toulouse, que publicoudurante quatro meses notcias do Brasil em que todos os seus nmeros. J na edio de 1 dejunho de 1817, domingo, o rgo parisiense dos ultras, La Quotidienne, a primeira pginainteira dedicada ao Brasil: enxergou na insurreio, com muita propriedade, a seqnciaamericana da revoluo que havia transformado a Europa, e portanto colocava franceses ebrasileiros em guarda contra seus progressos. A 5 de junho, compara-se 1817 a 1793, omomento em que a Revoluo Francesa se aprofundou:

    As proclamaes do governo provisrio [de Pernambuco] no contm seno repeties do estilode 1793 a respeito do monstro infernal da realeza. Os chefes do tumulto so todos homens despre-zveis, verdadeiros anarquistas; o mais conhecido deles Martinez [Domingos Jos Martins], falidofraudulento. Ele no tem o talento nem a reputao necessria para desempenhar o papel de umchefe de governo. 21

    O desafio mais complexo, do ponto de vista metodolgico, reside todavia na definio dematrizes de pensamento. Como detectar uma nova forma de pensamento, uma reflexo ouum texto que revele no a influncia estrangeira imediata, mas uma certa continuidade detradies mentais consolidadas? Ou detectar aquelas formas que no so portuguesas, o que mais difcil, visto que muitas formas de pensamento revolucionrias no Brasil tambm ocor-reram durante a Revoluo de 1820. Nesse ngulo, notam-se em vrios autores formulaesque parecem genunas e inovadoras, inclusive em lideranas como Vergueiro, Feij e JosBonifcio, em que pese o fato de ter, este ltimo, permanecido preso ideologia da Ilustra-o.22

    21 Jacques Godechot, A independnciado Brasil e a revoluo do Ocidente,

    em Carlos Guilherme Mota (org.), 1822:Dimenses, cit., pp. 33-4.

    22 As trajetrias desses personagens,de Cipriano Barata, Lino Coutinho e

    outros esto sendo analisadas em nossolivro Idia de Brasil. Sociedade,

    educao, cultura e mentalidades(1817-1850) (em preparo).

  • 27Apesar de muitas importaes de idias e teorias, havia algo original nas falas e teorizaes

    dos nacionais, em que se vislumbram vertentes de pensamento que se afirmariam ao longoda nascente Histria do Brasil, ou seja, de uma nova maneira de abordar o mundo. Umconjunto de grandes crticos e grandes personagens surgiram naquele momento, expressoda nova configurao social mais urbana e da nova mentalidade reformista, que sofrer avan-os e regressos nos anos 30 e 40.

    Sabem os historiadores que nem tudo, no mundo das palavras, das representaes visu-ais, das aes pode ser reduzido a determinaes sociolgicas de classe social. Naquele per-odo, como em qualquer outro, no houve movimentos puros de classe, ou puras lingua-gens de classe, adverte o historiador James Epstein, acompanhando a posio de EricHobsbawm. Vale notar que Marx, tambm historiador, dispensava particular ateno a essesperodos de transio em que, apesar da acelerao dos acontecimentos, coexistiram e secombinaram historicamente estamentos pretritos e classes futuras. Ao analisar o perodoque nos interessa, numa Inglaterra tambm convulsionada, o professor Epstein indica comoas noes de Estado, cidadania, revoluo, repblica, internacionalismo, histria, etc. eramutilizadas, revelando nessa abordagem uma outra Inglaterra. Fica-se sabendo, por exem-plo, que setores do mundo do trabalho ingls, em ebulio desde o incio da Revoluo Indus-trial, acompanhavam a Amrica meridional em seu movimento de libertao com discursos,vivas e brindes em tavernas e portos... Com efeito, em 1822, havia na Inglaterra mais aten-o ao que acontecia nessas partes do Atlntico Sul, onde se articulava o imprio Informal,do que o leitor seria levado a imaginar. Afinal, idias de Brasil fervilhavam no somente nogabinete-biblioteca de Robert Southey, o grande historiador e expert nesta terra, em que alisnunca aportou.23

    Nessa perspectiva, a histria da expanso europia adquire novo sentido luz da histriadas mentalidades. O capitalismo comercial vive no Atlntico redefinies significativas, encon-trando-se nessas plagas antenas tericas nativas, receptoras do Liberalismo. Um dos agentesmais visveis e citados foi Jos Maria Lisboa, o futuro visconde de Cairu, que tambm escreveuuma histria do perodo: ele dentre outros intelectuais, comerciantes, homens de Estadoamoldariam, a seu modo, as novas idias ao lugar. Mas a civilizao ocidental no se es-praiou, notava Florestan Fernandes, como as guas de um rio que transborda. Ao saltar deseu leito, ela se corrompeu, se transformou e por vezes se enriqueceu, convertendo-se numavariante do que deveria ser luz dos modelos originais.24

    23 Cf. estudo de James A. Epstein,Radical Expression. Political Language,Ritual, and Symbol in England, 1790-

    1850 (Oxford: Oxford University Press,1994).

    24 Florestan Fernandes, Sociedade declasses e subdesenvolvimento, cit., p.

    14.

  • 28 III

    Naqueles anos de acelerao histrica, se intensificou a dinmica da vida cotidiana, ad-quirindo nova dimenso a desprezada histria dos costumes. A cidade passa a contar: ao suldo equador, no s a nova capital do Imprio pulsa e chama a ateno do mundo, como osantigos centros, Salvador e Recife, ganham nova respirao.

    A histria do meio ambiente se amplia com uma pliade de naturalistas europeus ligadosa museus e centros de pesquisa, e a tradio da geo-histria ganha novo impulso nessesprimeiros momentos do neocolonialismo. O tempo como que encurta, tornando-se noomais precisa e palpvel, com o aprimoramento das tcnicas nuticas e das informaes, de-pois com o vapor. Sobressaem-se nesse panorama os eficientes, meticulosos almirantes ingle-ses da South American Station, em conexo direta com os principais polticos do parlamentoingls, chegando a constituir uma escola de excelente formao, com mtodos, normas,ritos, projetos, tendo produzido documentao fundamental para o conhecimento do Atlnticoe do Pacfico naquele perodo.25

    Ao contrrio da noo de tempo, a de espao se expande, adquirindo outras dimensesnas mentes das pessoas. A geografia torna-se mais precisa, mais cientfica, nessa poca emque o governo central queria conhecer, mapear, controlar o novo territrio americano. Asdenominadas Corografias, em particular, inauguram uma tradio de estudos geo-histricos ,que se afirmam com Aires do Casal e Daniel Pedro Mller, indo desembocar no fim do sculo ese prolongando no sculo XX, em interpretaes como as de Slvio Romero, Euclides, GilbertoFreire, Manuel Diegues Jnior. Linhagem da qual o citado Caio Prado Jnior, Manuel Correia deAndrade e Aziz AbSber fazem parte, atualizadora de uma compreenso de Brasil que deitasuas razes no perodo da Independncia. Do mesmo modo, no estaria indissociada do proje-to que Jos Bonifcio elaborou para a Constituinte de 1823 a criao do Servio de Proteoao ndio (1910) pelo coronel Cndido Rondon. Na perspectiva da Histria das Mentalidades, e,portanto, da longa durao, refaz-se assim o dilogo plurissecular entre o presente e o passa-do, a Histria e a Historiografia, a Geografia e a Histria.

    Redescobrem-se temas relacionados com o peso da natureza nesse novo imaginrio.Imaginrio em trans-formao, j agora brasileiro. Boa parcela das lideranas que fizeram aindependncia e arquitetaram a nao tinha formao ligada s cincias naturais e aplicadas,conheceram outras terras e centros de pesquisa. Mas no foi somente nesse segmento queocorreram atitudes de inovao. O novo imaginrio se alimenta do impacto da transfernciada corte e do prolongado choque cultural provocado por centenas de reinis que jamais havi-am pisado em territrio americano. Ao descobrir o Novo Mundo sem fronteiras, deslocaramposies de mando, provocaram desconfortos, reacenderam antagonismos,

    25 Sobre a potncia hegemnica nosmares, a Inglaterra, uma srie de

    estudos tomam boa parte de nossaateno. H livros mais antigos, como

    os de Robert Southey, The BritishAdmirals (Londres, 1833-48) e de

    Esther Meynell, Letters of the EnglishSeamen, 1587-1808 (Londres, 1910). E

    uma srie de estudos mais recentes,inclusive relativos citada South

    American Station, como o de AntonyPreston, The History of the Royal Navy

    (1983), Peter Kemp, History of RoyalNavy (Nova York, 1969), Geoffrey

    Green, The Royal Navy and Anglo-Jewry1740-1820 (Londres, 1989), William

    Ward, The Royal Navy and Slavers(Nova York, 1969), Raymond Howell,The Royal Navy and the Slave Trade

    (Londres, 1987), Christopher Lloyd, TheNavy and the Slave Trade (Londres,

    1968), Michael A. Lewis, The Navy inTransition 1814-1864 (Londres, 1965),

    Brian Lavery, Nelsons Navy (1989),Geoffrey Marcus, The Age of Nelson1793-1815 e The Royal Navy (Nova

    York, 1971). Para uma reflexo maisatual sobre produo literria e

    imperialismo, ver o excelente livro deMary Louise Pratt, Imperial Eyes, de

    1992, de Stanford, publicado emportugus em 1999.politizaram o

    debate.

  • 29 A natureza, a temperatura, os sabores, os cheiros mostravam-se diferentes, agrestes,adocicados. Outros, enfim. Descobria-se que a decantada adaptao aos trpicos no sedaria assim to facilmente. Com a escravido, aprofundara-se o teor violento da vida, parausarmos a expresso de John Huizinga. Sem passado nem futuro, distante da Europa desar-ranjada pelas revolues e por Napoleo, esses reinis vivem num mundo colonial convulsio-nado e atravessado pela insegurana. Mundo precrio, tenso, dramtico, cheio de molstiasdesconhecidas, marcado por violncias ancestrais que a fuga da corte apenas agudizava.Alm da vergonha nacional configurada pela fuga dos Braganas vergonha que transbordadramaticamente em diversas memrias e cartas dramticas , imps-se outra, a da tutelainglesa, pouco edificante em termos de brio nacional do poderoso imprio.

    Nos trpicos, bem consideradas as coisas, h muito tempo boa parcela da elite ilustradae liberal j no era portuguesa. Tal fato fora sentido na pele pelo prprio Jos Bonifcio, umadas personalidades mais prestigiosas do mundo portugus, ao no ser convidado a vir partici-par do ministrio de Joo VI no Brasil, pelo simples argumento, nunca explicitado, de que erabrasileiro. Como ele ter notado de acordo com seu principal bigrafo, Otvio Tarqunio deSouza que, ao retornar tardiamente ao Brasil em 1819, seus hbitos, valores e sotaqueslusitanos (sou portugus castio) logo teriam de se adaptar aos modos e modas da ex-colnia tropical. Sua reconverso terra natal se processou muito rapidamente, e com raiva,de tal forma que chegaria a escrever com ironia extremada:

    O Brasil uma terra de igualdade. Igualdade no exerccio dos direitos, igualdade nas pretenseslegais, igualdade perante a justia, igualdade nos impostos, igualdade no modo de adquirir, possuir etransmitir a propriedade. No h pois interesses, e privilgios de indivduos e de classes [...]26

    Em verdade, o pacto consensual Brasil Portugal j vinha se rompendo, e a questosocial atenazava a conscincia das elites nativas esclarecidas. Quando Jos Bonifcio retornaraao Brasil, a terra j entrara no perigoso rodamoinho que ameaa levar o Pas ao vrtice daRevoluo, como temia o comerciante ingls John Luccok, em suas Notas sobre o Rio deJaneiro e partes meridionais do Brasil.27

    Como se enfatizou, o movimento de 1817 fora a primeira e mais radical revoluoanticolonialista no mundo luso-afro-brasileiro. Liderada por setores da burguesia comercialnativa, porm internacionalizada, do clero e da administrao, essas novas elites dirigentesemergiam na cena poltica tendo como expoentes o radical Frei Caneca e o inquieto irmo deJos Bonifcio, o advogado Antnio Carlos. A revoluo trouxe um forte sentido de ruptura efundao republicanista, verdadeira antecmara do movimento de Independncia de 22, abrindoo ciclo de movimentos liberias-constitucionais e nacionais. Movimentos que

    26 Cf. Projetos para o Brasil, cit., p.189.27 Cf. Prefcio, Notas sobre o Rio deJaneiro e partes meridionais do Brasil

    (2. Ed., So Paulo: Martins, 1951).

  • 30

    teriam desdobramentos e seqncia em Recife em 1821-22, depois na Confederao do Equador(1824), na expulso de Pedro I em 1831 e na revoluo Praieira (1848). Sempre evocada, aRevoluo de 1817, republicanista, movimento em que se colocou a questo da emancipaodos escravos, permaneceria referencial e paradigmtica no processo mais amplo de formaodo Estado nacional. Processo marcado por movimentos insurrecionais que ocupariam toda aprimeira metade do sculo XIX, desde as revoltas escravas de 1826 e, a mais notvel, dosMals (Bahia, 1835), a Sabinada (Bahia, 1837-38), a Cabanagem (Par, 1835-40), a Balaiada(Maranho, 1838-41), at a Liberal (So Paulo-Minas, 1842), a Revoluo Farroupilha (RioGrande do Sul, 1835-45) e a Revoluo Praieira (1848). Interessa aqui frisar que, direta ouindiretamente, muitas lideranas ou idelogos do Imprio participaram ou tiveram ancestraiscom um p em 1817, a exemplo de Abreu e Lima (o autor de O socialismo, 1855), de Jos deAlencar, da famlia Andrada e Silva. Na revoluo nordestina de 1817 prefiguram-se tambmas dificuldades que o Brasil viria a ter, poucos anos depois, em relao metrpole portugue-sa aps a Revoluo de 1820, liberal e ao mesmo tempo recolonizadora.

    Aqui, entretanto, revela-se o buslis. Quando comea essa Histria, a Histria do Brasil ?Numa abordagem mais ampla, a historiografia mais recente vem cultivando a interpretaodo processo de descolonizao desde suas origens na Inconfidncia Mineira (1789, ou talvezmesmo na Inconfidncia de Curvelo, em 1777), at a expulso do imperador Pedro I (1831),quando o pas j dera passos decisivos na consolidao de uma custosa emancipao poltica.Prefere-se todavia uma outra perspectiva, acompanhando a formao dessa ideologia valedizer, de projetos centrada na construo da nao independente aps a gr