Vicente Greco Filho - Manual de Processo Penal

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Manual de Direito Processual Penal Vicente Greco Filho

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MANUAL DE PROCESSO PENAL Vicente Greco Filho Editora Saraiva, 4 ed. 1997.

VICENTE GRECO FILHO Professor Titular de Direito Penal e Professor Associado de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo. Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie. Professor da Faculdade de Direito de Sorocaba e Procurador de Justia de So Paulo, aposentado.

MANUAL DE PROCESSO PENAL

4. edio, ampliada e atualizada 1997 Editora Saraiva

ISBN 85-02-02325-X Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Greco Filho, Vicente, 1943 Manual de processo penal / Vicente Greco Filho. - 4. ed., ampl. e atual. - So Paulo : Saraiva, 1997. Bibliografia. 1. Processo penal 2. Processo penal - Brasil I. Ttulo. CDU-343.1 97-0322 ndice para catlogo sistemtico: 1. Processo penal : Direito Penal 343.1 Editora Saraiva, Avenida Marqus de So Vicente 1697 - CEP 01139-904 - Tel.: PABX (011) 861344 - Barra

Funda Caixa Postal 2362 - Telex:1126789 - Fax (031) 861-3308 - Fax Vendas: (011) 861-3268 - S. Paulo - SP Endereo Internet: http://wwwsaraiva.com.br APRESENTAO DA 4 EDIO

O Manual de processo penal chega sua 4.a edio, atualizada e ampliada em funo da Lei n. 9.099/95 e das modificaes realizadas no Cdigo at dezembro de 1996. Quanto a estas, de observar-se que foi abandonada a idia pelos rgos de produo legislativa, da elaborao e aprovao de um novo Cdigo por inteiro, optando-se, como est sendo feito com o Cdigo de Processo Civil e o Cdigo Penal, por modificaes setoriais e especficas, respeitada a estrutura do Cdigo vigente. Essa tcnica, que alis acompanha a tendncia universal de modernizao legislativa, atende circunstncia de que os parlamentos, tendo em vista principalmente suas funes polticas, no tm condies de discutir e aprovar cdigos integrais, cuja tramitao seria to demorada que, no caso de sua aprovao, ao serem editados j estariam velhos. Isso sem falar na inevitvel possibilidade da introduo de emendas assistemticas, que poderiam tornar o diploma uma colcha de retalhos. As alteraes paulatinas, porm, apresentam o inconveniente de tornar sobremaneira difcil manter o estudante, o profissional e a prpria obra sempre atualizada, mesmo porque, j para o correr de 1997, esto prognosticadas outras alteraes no Cdigo. Tal inconveniente, contudo, ser, sempre que possvel, superado pela publicao de novas edies com o mximo de agilidade, mas deve colocar o leitor em alerta no sentido de que mesmo a mais atualizada das obras pode, ao estar nas livrarias, encontrar-se em parte superada por nova lei editada contemporaneamente. Entretanto, essa dificuldade no poder ser inibidora da produo didtica e cientfica, ainda que consciente de que rapidamente poder encontra-se superada. Abril de 1997 V APRESENTAO DA 1. EDIO Uma palavra de explicao. Um depoimento. Minha carreira universitria desenvolveu-se na rea do processo civil. Das aulas resultaram o Direito processual civil brasileiro em trs volumes, editado pela mesma Saraiva, e algumas monografias. Todavia, minha formao foi, tambm, de processo penal. Meus primeiros trabalhos versaram sobre essa matria, como A justa causa no processo penal, As conquistas do direito de defesa no Projeto Frederico Marques e especialmente o livro Txicos - preveno e represso, hoje na 6.a edio, sem contar os comentrios Lei n. 5.726, no computados na srie. Esse estudo deveu-se, ainda, minha atividade profissional, de Promotor de Justia criminal em vrias comarcas do interior e varas criminais da Capital. Por outro lado, como membro da Comisso de Estudos Legislativos do Ministrio da Justia, tive a oportunidade de participar da reviso do Anteprojeto Frederico Marques de Cdigo de Processo Penal, perante o prprio autor. Nessa oportunidade, tive como companheiros de Comisso os juristas Cndido Rangel Dinamarco, Paulo Salvador Frontini, Antonio Marcelo da

Silva e Ewelson Soares Pinto, este ltimo, prematuramente falecido, talento especialssimo no campo do direito penal. Sob a presidncia do hoje Ministro Jos Carlos Moreira Alves, elaboramos, alm da reviso do Cdigo de Processo Penal, a reforma do natimorto Decreto-Lei n. 1.004/69, Cdigo Penal, a reviso do VII Projeto de Lei das Contravenes Penais do saudoso Prof. Salgado Martins, do Projeto de Lei de Execues Penais, do Cdigo de Menores e muitos outros, perdidos, qui, nos pores do Ministrio da Justia e que jamais vieram a pblico. Isto tudo sob a superviso do Prof. Alfredo Buzaid, prncipe dos processualistas brasileiros, injustiado em virtude de implicaes polticas, cujo trabalho na rea da reforma legislativa do Brasil moderno tem sido, no sei se propositalmente, esquecido. Se sua obra magna foi o Cdigo de Processo Civil, no menor importncia prtica tiveram a Lei Complementar n.14, que criou a figura das Regies Metropolitanas, o Decreto-Lei n. 1.075, que obrigou ao pagamento prvio de metade da indenizao real para obteno da imisso na posse liminar em aes de desapropriao, a Lei de Registros Pblicos etc. Alm dessa extraordinria experincia, a despeito de minha dedicao predominante ao processo civil, por ocasio da remessa ao Congresso Nacional do segundo Projeto de Cdigo de Processo Penal, hoje ainda parado no Senado, fui convidado pelo Ministrio Pblico de So Paulo a participar da comisso para oferecimento de emendas a serem encaminhadas a deputados e senadores. A comisso elaborou mais de 200 emendas com a respectiva justificativa, as quais foram, primeiro, levadas a outra comisso, desta vez da Confederao Nacional do Ministrio Pblico, com representantes dos Ministrios Pblicos dos demais Estados. Esse trabalho resultou em 193 emendas, muitas das quais acolhidas pela Cmara dos Deputados, e o restante reencaminhado ao Senado. Ainda, tive a oportunidade de ser escolhido para relat-las, como representante da Confederao Nacional das Associaes do Ministrio Pblico, perante a Comisso de Justia da Cmara dos Deputados, ento presidida pelo Deputado Bonifcio de Andrada, de Minas Gerais. Passado algum tempo, durante o qual o meu contato com o pro cesso penal limitou-se s aulas de Teoria Geral do Processo na Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo e a ciclos de conferncias isolados, como por exemplo na Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso do Sul, fui surpreendido com o convite de meu amigo Damsio Evangelista de Jesus para ministrar a matria integral de processo penal em seu curso preparatrio aos concursos da Magistratura e Ministrio Pblico. Depois de trs anos de curso sistemtico VIII intensivo, foi natural a nova ousadia de escrever um manual de processo penal, dada a lacuna que voltei a confirmar na literatura brasileira do setor. Essa lacuna, porm, explicvel. Por anos excessivamente longos o direito processual penal passou pela expectativa de reforma, a intimidar a doutrina. Quando se desencadeou, a partir de 1962, trabalho de grande reforma legislativa, o Cdigo de Processo Penal foi um dos diplomas que primeiro se pretendeu refazer. Inicialmente, foi encarregado o jurista Hlio Tornaghi de apresentar um anteprojeto, o qual, todavia, foi totalmente abandonado. Posteriormente, ficou encarregado da elaborao do projeto o Prof. Jos Frederico Marques, que o completou em meados de 1970, tendo sido submetido a reviso e discusso na Comisso de Estudos Legislativos do Ministrio da Justia acima referida. Em 1975 foi encaminhado ao Congresso Nacional projeto de Cdigo, tendo como relator, na Cmara dos Deputados, o Deputado Geraldo Freire. A Cmara aprovou cerca de 800 emendas, mas ao subir para o Senado o projeto foi retirado pelo Executivo. Em 1983 novo projeto foi encaminhado ao Congresso com modificaes que o compatibilizavam com uma nova parte geral do Cdigo Penal e com um Projeto de Lei de Execues Penais, j que essa parte era retirada do corpo do Cdigo de Processo Penal. A esse

projeto que foram apresentadas as emendas da Confederao Nacional das Associaes do Ministrio Pblico, conforme j referido, no havendo prognstico de exame no Senado, mesmo porque, aps a Constituio de 1988, nova reviso dever ser feita e, como se sabe, h outros projetos de maior prioridade. Todas essas circunstncias levaram a doutrina a retrair-se; da o nmero muito maior de obras no processo civil que no processo penal. Por isso a ousadia de escrever este manual, consciente de suas limitaes, mas consciente, tambm, de que, independentemente de aprovao de novo Cdigo, o processo penal brasileiro, sem prejuzo de excelentes obras existentes disposio dos interessados, necessita da contribuio, ainda que modesta, dos estudiosos do direito que a ele queiram dedicar-se, especialmente os que acreditam na unidade IX fundamental do direito processual e tm a certeza de que todos os seus ramos tm, reciprocamente, muito com que contribuir. Por essa razo, dada minha convico a respeito da unidade fundamental do direito processual, a parte de teoria geral do processo basicamente comum a meu Direito processual civil brasileiro, volume 1, parte inicial, mas tenho certeza de que o leitor ficar surpreso pela coerncia com que essa parte comum desgua serena e tranqilamente nas especialidades que o processo penal apresenta. Creio, ademais, na unidade essencial do Direito, da meus trabalhos interdisciplinares e, s vezes, incurses em reas como direito administrativo e, at, o financeiro. O leitor dir se vlida, ou no, a contribuio. Fevereiro de 1989

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NDICE

Apresentao da 4. edio ... ... .. ... .. ... ... .. ... ... .. ... V Apresentao da 1. edio... ... .. ... .. ... ... ... .. ... .. ... . VII INTRODUO 1. Teoria geral do processo .... ... .. ... .. ... .. ... ... 1 2. Uma viso poltica do processo ... ... .. ... .. ... . 4 Captulo 1 NOES GERAIS 3. O direito e a realizao de valores................... 7 4. O valor da pessoa humana como fundamento do direito .......... 11 5. O direito e o processo ......................... 14 6. Atividade legislativa, administrativa e jurisdicional: seu relacionamento .. ........21 7. Os direitos fundamentais da pessoa (evoluo histrica).................. 23

7.1. A antigidade greco-romana ................... 23 7.2. O cristianismo .. ...... ........................... 25 7.3. A Magna Carta e as Constituies de Federico II di Svevia ......... 27 7.4. Do contratualismo s declaraes de direitos ........ 30 7.5. A poca contempornea ........................... 31 7.6. Os direitos e garantias fundamentais na Constituio da Repblica .............. 33 XI 8. O processo como garantia ativa e passiva .................... 42 8.1. Aspectos gerais. Declarao de inconstitucionalidade Ministrio Pblico ......... 42 8.2. O direito constitucional de ao ...................... 49 8.3. A garantia do processo penal .......................... 53 8.4. A proibio da justia privada ......................... 58 9. As garantias constitucionais do processo ................... 59 9.1. Garantias gerais.......................................... 59 9.2. A garantia da coisa julgada ............................. 69 9.3. Os princpios constitucionais do processo penal ...... 72 9.4. Os princpios constitucionais do processo civil ..... 79 10. O direito processual penal: conceito e campo de atuao .... 82 11. O Cdigo de Processo Penal ................................ 84 12. Direito processual e organizao judiciria............... 85 Captulo 2 DISPOSIES PRELIMINARES 13. Da lei de processo penal no tempo e no espao .. .. ... .. 87 Captulo 3 DO INQURITO POLICIAL 14. Conceito, natureza e finalidade. Ajusta causa para a ao penal .. 91 15. Procedimento do inqurito ..... ... ... ... ... ... ... .. ... .. 93 16. Incomunicabilidade e indiciamento... .. ... ... .. ... ... . 95 17. Trancamento do inqurito..... ... ... ... ... ... ... .. 97 18. Alternativas do inqurito policial ao chegar a juzo: volta polcia, conflito de atribuies. Arquivamento ... .. 98 XII Captulo 4 DA AO PENAL 19. Aspectos gerais: conceito, condies. Condies de procedibilidade ................... 105 19.1. Conceito ............................................................ 105 19.2. Condies .......................................................... 107 19.3. Condies de procedibilidade .............................. 112

20. Classificaes da ao penal ....................................... 114 21. Caractersticas da ao pblica.................................... 119 22. Caractersticas da ao penal exclusivamente privada ... 120 23. Do exerccio do direito de queixa ................................ 125 24. Do Ministrio Pblico na ao penal privada ............... 128 25. Elementos da denncia ou queixa ................................ 129 26. Do recebimento da denncia ou queixa ...................... 131 Captulo 5 DA AO CIVIL 27. Da ao civil: espcies, oportunidade .... ........... ........... 133 Captulo 6 DA JURISDIO E DA COMPETNCIA 28. Jurisdio: conceito, atuao, princpios e limites ......... 137 29. Competncia: conceito e critrios determinadores, objetivos e funcionais ..... 140 30. Competncia internacional .......................................... 144 31. Competncia interna .................................................. 146 31.1. Introduo .......................................................... 146 31.2. Originria dos tribunais, por prerrogativa de funo ou hierrquica ... 147 31.3. Das justias especiais ................... 150 31.4. Da Justia Federal .............................................. 153 XIII 31.5. De foro ou de comarca ... .. ... ... .. ... .. . 155 31.6. De juzo ... ... ... .. ... .. ... ... .. ... .. .. .. 160 32. Da preveno e da perpetuatio jurisdictiones .... ... .. .. . 160 33. Da conexo e da continncia .... ... .. ... .. ... .. ... .. ..164 34. Meios de declarao da incompetncia .... ... .. .. ... ... ..167 35. Efeitos da declarao de incompetncia ... .. ... .. .. ... .. 168 Captulo 7 DAS QUESTES E PROCESSOS INCIDENTES 36. Introduo ...... ... ... .. ... ... .. ... ... ... .. .. .. 171

37. Das questes prejudiciais..... .. .. ... ... ... .. .. 171 38. Das excees.... ... ... ... .. .... .. ... .. ... .. ... ... 176 3 9. Do conflito de competncia .... .. ... ... .. ... .. . 180 40. Da restituio de coisas apreendidas .. ... ... .. 182 41. Das medidas assecuratrias: seqestro, especializao da hipoteca legal e arresto ...... 184 42. Do incidente de falsidade ..... ... ... .. ... .. ... 190 43. Da insanidade mental do acusado.... ... .. ... 192 Captulo 8 DA PROVA 44. Teoria geral da prova .. .. ... ... ... .. 195 44. 1. Introduo ...... ... ... ... ... .. ... ... 195 44.2. Conceito de prova... ... .. ... ... ... 196 44.3. Objeto da prova ... ... .. ... ... ... .. 197 44.4. Meios de prova. Meios ilcitos .... .. ... 199 44.5. nus da prova..... .... .. ... ... .. ... ... ... 201 44.5.1. Introduo...... ... .. ... ... ... .. ... ... .. 201 44.5.2. Esboo histrico e direito comparado .. .. 202 44.5.3. Teorias modernas sobre o nus da prova ... 203 44.5.4. nus subjetivo e nus objetivo .... ... ... .. 204 44.5.5. Sistema legal brasileiro .. .. .... .. ... ... . 205 XIV 44.6. Momentos da prova ........................................... 207 44.7. Presunes, indcios e mximas de experincia .... 208 44.8. A apreciao ou valorao da prova.................... 213 44.9. Poderes do juiz em relao prova..................... 216 45. Do exame de corpo de delito e outras percias .............. 217 45.1. Regras gerais .................................................... 217 45.2. Do exame de corpo de delito.............................. 221 45.3. Percias especiais .............................................. 224 46. Do interrogatrio do acusado ..................................... 225 47. Da confisso ............................................. 229 48. Das testemunhas e das perguntas ao ofendido.............. 231 49. Do reconhecimento de pessoas e coisas ....................... 236 50. Da acareao ....................................... 236 51. Dos documentos ..................................... 237 52. Da busca e apreenso............................ 238

Captulo 9 DOS SUJEITOS DO PROCESSO 53. Classificao ............................................................ 241 54. Do juiz ................................................................. 242 55. Do Ministrio Pblico ............................................... 246 56. Do acusado e seu defensor ......................................... 249 57. Do assistente ............................................................ 252 58. Dos auxiliares da justia ............................................ 256 58. l. Conceito .......................................................... 256 58.2. Dos serventurios e do oficial de justia .............. 257 58.3. Do perito, depositrio, administrador, intrprete e outros ........... 258 Captulo 10 DA PRISO E DA LIBERDADE PROVISRIA 59. Princpios e aspectos gerais ....... ......... ........ ......... ....... 261 XV 60. Da priso processual .......... ......... ....... .. 266 60.l.Da priso em flagrante............................ 266 60.2.Da priso temporria.............................. 271 60.3. Da priso preventiva.... .. .. .. .. .. .. .. . .. .. 274 60.4. Da priso por pronncia e por sentena condenatria recorrvel......... 278 6l.Da liberdade provisria............................... 279 6l. l. Aspectos gerais................................... 279 61.2. Da liberdade provisria sem fiana ... .. . 281 61.3.Dafiana......................................... 285 Captulo 11 DA CITAO E DAS INTIMAES (Da Revelia) 62. Da citao .... .. .. .. .. ... .. . ... 291 63.Das intimaes................................ 296 Captulo 12 DAS NULIDADES 64. Princpios gerais. Classificao .. .. ... . .. .. .. .. .. 299

65. Rol legal das nulidades ... .. . ... . .. .. .. .. .. .. .. 310 66. Smulas do Supremo Tribunal Federal sobre nulidades no processo penal .... 318 Captulo 13 DA SENTENA 67.Conceito,elementos................................... 325 68. Emendatio e mutatio libelli .. .. .. .. .. .. .. .. 327 69. Fundamentos e efeitos da sentena absolutria .... .. . 333 70. Fundamentos e contedo da sentena condenatria ... .. 337 7l. Da intimao da sentena............................... 339 72. Da coisa julgada penal ..... .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 352 XVI Captulo 14 DOS RECURSOS 73. Teoria geral dos recursos ...................................... 347 73.1. Conceito............................................................. 347 73.2. Pressupostos .................................................. 351 73.3. Princpios ...................................................... 360 73.4. Efeitos ................................................................ 362 73.5. Classificaes ..................................................... 364 74. Recurso no sentido estrito ............................................ 364 75. Apelao .............................................................. . 372 76. Protesto por novo jri .................................................. 378 77. Dos embargos ............................................................. 379 77.1. Embargos de declarao ..................................... 379 77.2. Embargos infringentes........................................ 380 77.3. Embargos de divergncia ................................... 380 78. Da carta testemunhvel................................................ 381 79. Dos recursos para os Tribunais Superiores.................. 382 79.1. Recurso ordinrio.............................................. 382 79.2. Recurso especial.................................................. 383 79.3. Recurso extraordinrio........................................ 390 Captulo 15

DO PROCEDIMENTO 80. Processo e procedimento. Classificao dos procedimentos. Da suspenso do processo....... 393 80. 1. Conceito s ..................................... 393 80.2. Princpios do processo e do procedimento ............ 394 80.3. Classificao dos procedimentos......................... 399 80.4. Da suspenso do processo .................................. 401 81. Procedimento comum dos crimes de recluso de competncia do juiz singular......... 405 82. Procedimento sumrio dos crimes de deteno............. 410 83. Procedimento dos crimes de competncia do jri.......... 412 83.1. Introduo. Sumrio de culpa. Impronncia, desclassificao, absolvio sumria, pronncia ... 412 XVII 83.2. Libelo, contrariedade. Desaforamento ... .. .. . .. ... 420 83.3. Providncias preparatrias de instalao do Tribunal do Jri............ 423 83.4. Procedimento da sesso plenria. Concentrao e incomunicabilidade.......... 424 83.5. Quesitos e efeitos da votao .. . .. .. .. .. . .. .. .. 431 84. Procedimentos especiais do Cdigo .... .. . .. .. .. . .. 436 84.l. Aspectos gerais................................... 436 84.2. Procedimento dos crimes de falncia ... . .. .. .... 437 84.3. Procedimento dos crimes de responsabilidade de funcionrios pblicos........ 440 84.4. Procedimento dos crimes contra a honra ... .. . .. .. 443 84.5. Procedimento dos crimes contra a propriedade imaterial........................ 446 84.6. Procedimento dos crimes de competncia originria dos tribunais.......... 448 84.7. O habeas corpus .................................. 449 84.8. Reviso criminal ................................. 456 85. Procedimentos especiais de leis especiais ................ 459 85.1. Procedimento dos crimes de abuso de autoridade ............. 459 85.2. Procedimento dos crimes de imprensa ............ 462 85.3. Procedimento dos crimes de trfico de entorpecentes ......... 463 85.4. Procedimento sumarssimo dos Juizados Especiais Criminais.................... 466 85.5. Outras disposies especiais ....................... 470 Captulo 16 DAS RELAES JURISDICIONAIS COM AUTORIDADE ESTRANGEIRA 86. Cartas rogatrias, homologao de sentena estrangeira, extradio............ 471 Smulas do Superior Tribunal de Justia. . . . . . . . . . . . . . . 473 ndice Alfabtico-Remissivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . 477 Bibliografia.............................................. 487

XVIII INTRODUO

1. Teoria geral do processo Modernamente a cincia do direito processual tem recebido uma inspirao unificadora. Aps sculos de tratamento distinto, o direito processual civil e o direito processual penal passaram a receber tratamento cientfico unificado em seus institutos fundamentais, por meio da busca dos pontos comuns da atividade jurisdicional. Igual aproximao recebeu o chamado direito processual do trabalho e os ramos especiais do direito processual, ou seja, o direito processual penal militar e o direito processual eleitoral. A compreenso unitria do direito processual resultou, especialmente, da verificao de que o poder jurisdicional, como um dos poderes do Estado, nico, e sua estruturao bsica encontra-se ao nvel da Constituio Federal, de modo que resulta inevitvel a concluso de que h algo comum a toda atividade jurisdicional. Feita essa constatao, compete ao cientista do processo a identificao do que vlido para todos os ramos do direito processual e do que especfico, apontando, pois, os princpios e normas plurivalentes e os monovalentes. Esse labor no fcil, inclusive por razes histricas. Na fase primitiva do direito dos povos, os atos ilcitos no recebiam qualificao especfica civil ou penal e eram corrigidos ou reprimidos identicamente. Assim, no direito romano antigo o termo "iniuria" representava qualquer conduta contra o direito, sem preocupao de se separar a violao civil da penal. Por conseqncia, o 1 direito processual acompanhava essa indefinio, se que se pode dizer que existisse um direito processual, cuja autonomia somente muito mais tarde foi reconhecida. O Processo era, portanto, um s. As relaes jurdicas, porm, foram ficando cada vez mais complexas, agrupando-se as normas jurdicas com princpios prprios em sistemas prprios, tendo em vista a predominncia dos interesses, a repercusso social dos fatos e a posio do Estado ou dos detentores do poder perante eles. A cristalizao do direito em ramos principiologicamente distintos separou, tambm, o processo, porquanto este, instrumental em relao s normas de direito material, submetia-se s exigncias diferentes de cada um. Poder-se-ia, ento, argumentar que a reunificao do processo numa teoria geral seria um retrocesso, isto , um retorno s origens do direito. Tal, porm, no ocorre. A situao, hoje, completamente diferente. Aps o reconhecimento de que o direito processual no uma extenso ou prolongamento do direito material, mas uma cincia jurdica autnoma, exatamente a formulao de uma teoria geral reala essa autonomia e a sua dignidade por meio do reconhecimento de que, qualquer que seja o ramo do direito que se aplica no processo, h algo que no depende daquele e que, portanto, exclusiva e puramente processo. O isolamento deste campo de trabalho a tarefa do cientista do direito, e ainda no se chegou a um resultado definitivo, mais pelas peculiaridades do direito material aplicado do que em virtude das diferenas de princpios s de processo, se este pudesse ser considerado isoladamente. A reaproximao dos ramos do direito processual e a formulao de uma teoria geral trouxeram benefcios, mas tambm algumas deformaes que preciso observar. O direito processual civil, por razes que no vm ao caso agora discutir, apesar de muito interessantes, evoluiu cientificamente com maior rapidez que o direito processual penal, consagrando suas teorias, plasmando seus institutos, merecendo, inclusive, maior destaque bibliogrfico. Isto ocorreu, por exemplo, na formulao da teoria da ao, suas condies, os

pressupostos processuais, os princpios da competncia, a coisa julgada etc. A aproximao do processo civil ao processo penal enriqueceu este ltimo, obrigando meditao sobre temas anteriormente no 2 cogitados, como as condies da ao penal, a natureza jurdica dos provimentos jurisdicionais penais, a coisa julgada penal etc. Todavia, nem sempre as concluses foram proveitosas e adequadas. Em contrapartida, o processo civil recebeu uma nova viso publicstica que o auxilia a superar a tentadora subordinao de seus princpios ao direito privado que ordinariamente aplica. Por outro lado, h de se reconhecer que a teoria geral do processo civil foi desenvolvida a partir de um processo modelo: o da ao condenatria simples de cobrana ou de indenizao, entrando a teoria geral em crise diante de temas como os procedimentos especiais, a prpria execuo, o processo em que se aplicam direitos de ordem pblica ou outros, cuja peculiaridade repercute no processo de modo a exigir reestudo de seus temas fundamentais, aparentemente consagrados. Assim, por exemplo, nos processos de acidentes do trabalho, em virtude do interesse pblico envolvido, diferentes so os poderes do juiz, que pode, inclusive, em determinados casos, julgar ultra petita, havendo quem entenda, tambm, no se aplicar, no caso, o princpio da proibio da "reformatio in pejus" na apelao quando necessrio ajustar o julgamento, em favor do acidentado, ainda que este no tenha apelado. Estas consideraes pretendem, em suma, explicar as seguintes idias: l. No direito processual h uma parte comum a todos os ramos especiais do processo, que justifica a formulao de uma teoria geral. 2. necessria a continuao do labor cientfico da doutrina para a precisa determinao dos verdadeiros princpios gerais do processo, evitando a extenso de idias privativas de um determinado ramo a outro. 3. preciso reconhecer que o processo penal, como tratado tradicionalmente, ainda apresenta pontos crticos de soluo insatisfatria, com prejuzo do equilbrio das partes, da correta aplicao da ordem jurdica como um todo, do direito de defesa etc. Convm, finalmente, lembrar que o direito processual como cincia apresenta um desenvolvimento lgico bastante rigoroso, de modo que todos os seus institutos reciprocamente se implicam, no podendo o intrprete perder de vista essa circunstncia, que no encontrada em outros ramos do direito que guardam compartimentos estanques, inclusive principiologicamente distintos. Assim, nossa inteno 3 dar essa viso unitria intrnseca, recorrendo sempre aos princpios gerais para o correto entendimento dos institutos do processo, mesmo em suas partes especiais. 2. Uma viso poltica do processo costume descrever a evoluo do direito processual destacando o esforo da doutrina em demonstrar sua autonomia em relao ao direito material. Alis, o trabalho cientfico nesse sentido procurou, desde os tempos mais antigos, identificar o que havia de processual nos mecanismos de aplicao do direito primitivo. Na verdade, porm, somente a evoluo dos sculos separou as entidades, porque afora os casos de aplicao do Direito, dentro de uma estrutura privada, como o perodo da "ordo judiciorum privatorum" romano, os casos em que ao Poder Estatal no interessavam as pretenses particulares em debate ou em conflito, a atividade de aplicao do direito confundiase com a atividade administrativa do Poder Estatal, e era feita segundo o interesse dominante deste ltimo. A Histria isto nos mostra: at a Idade Moderna havia duas atitudes dos juzes, representantes sempre da Administrao: se a lide no interferia com as coisas do Soberano, a justia era concedida como vnia; se interferia, o juiz agia como seu agente. Nesses termos, e com essa situao, foroso concluir que, verdadeiramente, o processo autntico surgiu quando o Estado, proibindo a justia privada, avocou para si a aplicao do

Direito como algo de interesse pblico em si mesmo e, alm disso, estruturando o sistema de direitos e garantias individuais, interps os rgos jurisdicionais entre a administrao e os direitos dos cidados, tornando-se, ento, o Poder Judicirio um poder poltico, indispensvel ao equilbrio social e democrtico, e o processo um instrumento dotado de garantias para assegurlo, como nos itens seguintes se expor. Parece, por conseguinte, importantssima para a atual compreenso do processo essa viso poltica, destacando-se a funo que exerce no sistema de garantia de direitos subjetivos pblicos e privados, para depois estudar-se sua formulao tcnica. De incio, essa diferente metodologia pode oferecer alguma dificuldade de entendimento, mas depois, acredita-se, abrir novos 4 horizontes para a compreenso do direito processual vigente. No campo do processo penal, a conotao poltica dos institutos sempre foi mais presente, porque envolvido o direito em liberdade individual, e o que se deseja transportar tal viso para o processo como um todo, libertando-o, de vez, dos interesses particulares envolvidos.

CAPTULO I NOES GERAIS 3. O direito e a realizao de valores A histria das civilizaes tem demonstrado que a sociedade, em seus diversos graus de desenvolvimento, inclusive os mais primitivos, sempre esteve moldada segundo normas de conduta. Alis, poder-se-ia estudar cada civilizao do ponto de vista normativo, compreendendo suas caractersticas pelo conjunto de regras dentro do qual se desenvolveu a ao humana. Da j se ter dito que a prpria histria se apresenta com um complexo de ordenamentos normativos que se sucedem, se contrapem e se integram (1). O estudo das normas de conduta ensina, tambm, que, apesar de nascerem dos homens e para os homens, as regras sociais no podem ser dispensadas por eles, porque constituem condio essencial de convivncia, desde que se pressuponha o relacionamento entre dois indivduos, isto , desde que o homem no esteja absolutamente s. Na sociedade, as normas se adaptam, se modificam, crescem ou diminuem em nmero aparente, mas jamais desaparecem. Outra verdade histrica a de que as regras de conduta, escritas ou costumeiras, jamais so to numerosas a ponto de preverem todas 1. Norberto Bobbio, Teoria della norma giuridica, Torino, Giappichelli, 1958, p. 5. 7 as hipteses de comportamento humano, mas o direito, como soluo normativa, mesmo diante de fatos novos, apresenta definio para essas hipteses, porque tem como caractersticas a unidade e a totalidade. O direito, pois, no apenas direito escrito ou previamente consagrado, mas tambm o sistema integral de determinao da conduta humana, e, por isso mesmo, ontologicamente indivisvel. Pode didaticamente dividir-se em ramos ou espcies, mas na essncia uno. Investigando a raiz ou o porqu do complexo de normas de conduta, existente enquanto existe

sociedade, constata-se que tem ele por finalidade a garantia da subsistncia de certos valores, certos bens, considerados como necessrios, teis ou convenientes, e, portanto, merecedores de proteo. O contedo da norma jurdica, portanto, um valor que recebe tutela contra o descumprimento, atravs da parte da norma chamada sano. As sanes podem ser especficas ou compensatrias. So especficas quando o direito est capacitado a fazer ou dar o bem que voluntariamente no foi concretizado pelo indivduo que descumpriu a regra jurdica; so compensatrias quando, diante da impossibilidade material ou moral de substituir o bem no alcanado voluntariamente, estabelecem compensao em favor do prejudicado. O mecanismo de bens e valores tutelados pelas sanes existe porque ao homem interessa a apropriao desses bens, que no so ilimitados. Decorre, da, a necessidade de sua regulamentao para a permanncia harmnica da convivncia social, porque esta em si mesma tambm considerada um bem, ou, pelo menos, humanamente inevitvel. Explica Francesco Carnelutti (2) que, se interesse uma situao favorvel satisfao de uma necessidade; se as necessidades so ilimitadas; se so, todavia, limitados os bens, isto , a poro do mundo exterior apta a satisfaz-las, correlata noo de interesse e de bens a noo de conflito de interesses. H conflito entre dois interesses quando a situao favorvel para a satisfao de uma necessidade exclui a situao favorvel para a satisfao de uma necessidade diversa. 2. Francesco Carnelutti. Sistema del diritto processuale civile, Padova. 1936, v. 7, p. 3. 8 Carnelutti v, na base da ordem jurdica, o conflito de interesses a exigir a regulamentao das diversas expectativas humanas sobre um mesmo bem. Note-se, porm, que o termo "conflito" tem gerado interpretaes divergentes na doutrina, levando a concluses muitas vezes improfcuas. Com efeito, imaginar ou definir conflito de interesses como divergncia concreta, luta, debate em ato, restringir demais a atuao do direito e, como veremos adiante, do processo, tornando inexplicveis fenmenos como, por exemplo, o da jurisdio voluntria e o prprio processo penal. Parece mais adequado, portanto, falar em "convergncia de interesses" sobre os bens, sendo o direito o instrumento de regulamentao dessas convergncias, consideradas pelas normas jurdicas como necessariamente existentes, gerando conflitos, reais ou hipotticos, virtuais. O direito, portanto, no existe somente para resolver os conflitos de pessoas ou entre pessoas, mas tambm para evitar que ocorram, prevenindo-os. Na verdade, pois, o conflito de interesses, e no de pessoas. Por outro lado, preciso observar que, diante da simples hiptese de conflito, o direito previamente limita ou define o que cabe a cada um, tratando-se o conflito de uma divergncia entre a atuao dos sujeitos e a vontade da lei. O direito, por conseguinte, no depende do conflito entre pessoas, mas exatamente existe para evit-los, atribuindo a cada um a sua parcela de participao nos bens naturais e sociais. importante lembrar, tambm, que, ao regulamentar a satisfao dos interesses, o direito leva em considerao no s os interesses dos indivduos A ou B, mas tambm os interesses coletivos e, ainda, os interesses que transcendem as necessidades individuais e so focalizados como imposies da sociedade, como pretenso de valores superiores vontade individual, sobre os quais as pessoas no tm disponibilidade, consubstanciados no termo "interesse pblico". O interesse convergente sobre os bens, portanto, pode ser: a. individual, quando afeta uma pessoa; b. coletivo, quando afeta um grupo de pessoas, representando a soma dos interesses individuais; c. pblico, quando transcende, inclusive, a soma dos interesses individuais e afeta a sociedade como um todo, em seus objetivos bsicos. 9

O direito disciplina todos esses interesses que se contrapem, s vezes se superpem, se contradizem, se interdizem, se interferem, se influenciam. O vrtice de interesses, ademais, se incrementa em virtude de conflitos entre suas diversas categorias. Assim, por exemplo, perante determinado fato, podem convergir um ou diversos interesses individuais, um interesse coletivo e, tambm, o interesse pblico. Cabe ao direito, portanto, sua disciplina, determinando, em cada caso, qual deve prevalecer, qual deve ser satisfeito. O critrio de escolha decorre do valor que pretende o direito ver prevalecer. Alis, impossvel compreender-se o direito com abstrao de seus valores constitutivos, como afirma Miguel Reale (3), devendo, porm, evitar-se dois extremos: de um lado, o dos que pretendem, a todo transe, atingir um conceito de direito livre de qualquer nota axiolgica, projetando a idia de justia fora do processo da juridicidade positiva (Stammler e Del Vecchio); e, de outro lado, o dos que identificam positividade jurdica e justia, indivduo e sociedade (Hegel, Gentile, Binding). No possvel, portanto, estabelecer um conceito puramente formal de direito, ou seja, o de um direito que exista, independentemente de fundamento, s porque foi editado, e, tambm, impossvel, no extremo oposto, um direito que se confunda com a prpria idia de justia absoluta. O direito tem por fim a realizao da justia, que, ademais, o justifica. Mas, em determinado momento histrico, pode a realidade positiva deixar de atender ao valor da justia que deve ser concretizada pela realidade jurdica. Alis, a justia tambm um conceito histrico, isto , depende das circunstncias socioculturais e, inclusive, da perspectiva subjetiva necessariamente condicionada de cada pessoa que analisa o direito positivo. O direito pode ser analisado sob quatro atitudes relativamente aos valores: l. a primeira refere-se realidade jurdica, isto , ao direito positivo, aos valores, considerando o direito como fato cultural. esta 3. Miguel Reale, Filu.rnfin cin direitn, So Paulo, Saraiva, 1972, p. 615. 10 a atitude essencial da cincia do direito, que o examina como um dado, referindo-o, porm, ao valor que pretende realizar ou que deveria realizar; 2. a segunda a atitude valorativa, que considera o direito como um valor de cultura, analisando-lhe os pressupostos; esta a atitude essencial da filosofia do direito; 3. a terceira a atitude superadora dos valores, que considera o direito de forma transcendente; a atitude da filosofia religiosa do direito; 4. finalmente, a quarta a do estudo do direito como um fato social, atitude no valorativa, que prpria da sociologia do direito (4). A atitude do jurista, portanto, diante do direito, a primeira, encarando-o como , e no como deve ser. Os valores que o integram sero analisados como um de seus elementos junto com a norma e o fato, referidos todos a um momento histrico-cultural. No se abstrair, portanto, da realidade positiva, porquanto o estudo da idia do direito ou do direito ideal em si mesmo escapa, como vimos, do campo da cincia do direito. Estas observaes preliminares so importantes em virtude de duas tendncias igualmente inadequadas que devem ser evitadas: a de tirar do direito positivo seu contedo ou referncia axiolgica ou a de desprezar a realidade normativa ou ftica, dando ao direito o contedo que deveria ter ou que gostaramos que tivesse. O perigo aumenta quando o direito define os direitos individuais, ou liberdades pblicas, matria em que tem grande importncia a concepo filosfica e moral do homem e da sociedade. Ela influir na interpretao do direito positivo, mas no poder, evidentemente, alter-lo. 4. O valor da pessoa humana como fundamento do direito O contedo valorativo do direito, como vimos, especialmente no que se refere aos direitos

individuais, importantssimo, porque 4. Gustav Radbruch, Filosofia do direito, So Paulo, Saraiva, 1937, p. 13. 11 interfere, inclusive, na aceitao da existncia do direito natural ou de um direito inerente pessoa humana. Todas as consagraes constitucionais dos direitos individuais supem a existncia de alguns direitos bsicos da pessoa humana, os quais pairam, inclusive, acima do Estado, porquanto este tem como um de seus fins principais a garantia desses direitos. Tal concepo, porm, tem sido objeto de crticas tanto pelos positivistas quanto pelos que sustentam o direito puramente formal. Os primeiros porque no admitem no direito nenhuma estimativa de valor, ou o direito natural, e os outros, porque afirmam no existir direitos fora ou acima do Estado ou da ordem jurdica estabelecida, j que os direitos individuais seriam apenas os garantidos por um ordenamento constitucional em dado momento histrico e em dado lugar. Ambas as posies, porm, so extremadas e unilaterais, e, portanto, inaceitveis. O direito talvez cronologicamente coincida com o homem e a sociedade, mas no pode ser entendido seno em funo da realizao de valores, no centro dos quais se encontra o valor da pessoa humana. Alis, toda ordem jurdica no teria sentido se no tivesse por fim ou contedo a realizao desses valores. Logicamente, portanto, o valor da pessoa humana antecede o prprio direito positivo, condiciona-o e d-lhe razo de existir. Mesmo os defensores do formalismo jurdico, como Stammler e Del Vecchio, no conseguiram concepo puramente formal da realidade jurdica, porquanto admitiram, como bases do direito, princpios ou mximas que, no fundo, so princpios ticos. Stammler (5), por exemplo, apesar de seu formalismo, acaba enunciando princpios de um direito justo, cedendo, pois, aos conceitos ticos, que so os seguintes: l. Princpios de respeito: a. uma vontade no deve nunca ficar merc do arbtrio do outro; b. toda exigncia jurdica dever ser de tal forma que o obrigado seja visto como o prximo, isto , como um semelhante. 5. Rudolf Stammler, Filosofia del derecho, Madrid, 1930, p. 257 e s. 12 2. Princpios de solidariedade: a. um indivduo juridicamente vinculado no deve nunca ser excludo da comunidade pela arbitrariedade de outro; b. todo poder de disposio outorgado pelo direito s poder excluir os demais de tal modo que, no excludo, se veja o prximo, um semelhante. Stammler tenta ainda afirmar que os princpios do direito justo teriam apenas a significao de "pensamentos metdicos" que ajudem a escolher, entre normas jurdicas concretas que se ofeream como decisivas e que apaream no curso histrico, a norma justa. Todavia, inegvel que o critrio valorativo e suprajurdico, a demonstrar a existncia de algo que o direito deve preservar e que se encontra acima da realidade jurdica e histrica. Esse valor supremo o valor da pessoa humana, em funo do qual todo o direito gravita e que constitui sua prpria razo de ser. Mesmo os chamados direitos sociais existem para a proteo do homem como indivduo, e, ainda que aparentemente, em dado momento histrico, se abdiquem de prerrogativas individuais imediatas, o direito somente ser justo se nessa abdicao se encontrar o propsito de

preservao de bem jurdico-social mais amplo que venha a repercutir no homem como indivduo. A restrio de direitos individuais, portanto, tem sentido e contedo quando a prevalncia da vontade de um indivduo pode representar a destruio ou perigo de destruio de outras vontades individuais legtimas. certo que a concepo filosfica de determinada sociedade e, portanto, de determinado direito pode influir na maior ou menor dosagem de faculdades individuais, mesmo porque pode variar a prpria concepo que se faa da pessoa humana, seu destino, suas necessidades, sua essncia espiritual ou material etc. Da, ento, para fazermos obra jurdica, devemos analisar no atual sistema constitucional brasileiro as garantias e direitos fundamentais como previstos no direito positivo, sem esquecer, porm, sua referncia aos valores que tendem a realizar, os quais, por outro lado, no so estudados como realidades autnomas, porque, neste caso, a obra no seria mais jurdica, e sim filosfica. 13 5. O direito e o processo Simultaneamente ao nascimento do direito, que tem por fim a soluo justa dos conflitos ou convergncias de interesses, surgem os mecanismos, previstos pelo prprio direito, de efetivao das solues por ele dispostas. Costuma-se dividir o sistema de efetivao de direitos em trs fases distintas: a autotutela, a autocomposio e a jurisdio. Na primeira, em virtude da inexistncia de um Estado suf'icientemente forte para superar as vontades individuais, os litgios eram solucionados pelas prprias foras, imperando a lei do mais forte. Na segunda, as partes abririam mo de seu interesse ou de parte dele, de forma que, atravs de concesses recprocas, seria possvel chegar soluo dos conflitos. Na terceira, prpria de um estado de direito, o Estado manteria rgos distintos e independentes, desvinculados e livres da vontade das partes, os quais, imparcialmente, deteriam o poder de dizer o direito e constranger o inconformado e submeter-se vontade da lei. Essas trs fases, que podemos aceitar como logicamente existentes, no existiram em termos cronolgicos, isto , no so fases histricas propriamente ditas, mas princpios lgicos e de justia que se digladiaram em todos os momentos histricos e ainda hoje se digladiam, prevalecendo ora um, ora outro, em determinada poca. Com efeito, se estudarmos as sociedades mais primitivas, as sociedades tribais, j veremos a autoridade do chefe, do "pater familias", do cacique etc. dizendo o direito e aplicando sanes. E mesmo nas sociedades em que certos litgios eram resolvidos atravs do desforo fsico, as lias eram supervisionadas pela autoridade, e seu resultado garantido por esta. Por outro lado, a autocomposio jamais existiu como fase histrica, porque jamais o homem foi to altrusta a ponto de erigir como regra a renncia, a abdicao, a transigncia. Isto, alis, no aconteceu nem nas sociedades religiosas. O que vemos, por conseguinte, a existncia de dois sistemas ou duas fases a respeito da efetivao do direito: um em que no so previamente garantidos os direitos individuais, no sentido de que uma sentena justa no decorre do sistema, mas das contingncias da fora, da eventual bondade ou transigncia do chefe; outro em que o sistema cercado de garantias previamente estabelecidas, de modo que a aplicao do direito se faa de maneira formalmente igual para 14 todos, prevalecendo o imprio da lei, e no o da vontade individual. A lei prevalece, ainda que contra a vontade do detentor do poder, o qual tambm a ela se submete. No primeiro sistema, na verdade, a crise ou deficincia no era exatamente do mecanismo de aplicao ou efetivao do direito, mas do prprio direito, mutvel segundo a vontade do chefe, contra o qual no era oponvel direito individual. importante observar, neste passo, que o

grande problema do direito ou do processo no foi jamais o das relaes entre indivduos, mas especialmente o da relao entre o indivduo e os detentores do poder, ou o Estado. Entre dois indivduos sempre foi possvel a superposio de rbitro escolhido ou autoridade judicante, mas entre o prprio Estado e o indivduo somente em poca mais recente se institucionalizou a idia da garantia dos direitos e o respectivo sistema para efetiv-la. Alis, quando se exigiu a existncia de direitos oponveis contra o chefe, ou contra o Estado, imediatamente se exigiu o mecanismo processual para respeit-los. Direito e processo, portanto, caminham juntos, de modo que este instrumento daquele e, alis, se dignifica na razo direta em que aquele se manifesta como buscando a estabilidade e a justia. Indaga-se, de fato, se o processo se insere no prprio mecanismo de criao do direito ou se a sentena simplesmente aplica o direito previamente estabelecido. O problema da criao do direito mediante a sentena judicial se encontra no centro da metodologia jurdica, disse-o Philipp Heck. Na verdade, o problema bastante complexo, no campo da prpria filosofia do direito. O mesmo autor coloca o problema especialmente no campo das lacunas da lei, que devem ser supridas pelo juiz, apresentando trs formas tericas para solucion-las: l. as lacunas da lei poderiam ser superadas mediante a livre estimao do juiz, atravs da criao plenamente livre da norma jurdica para o caso concreto; 2. a segunda alternativa seria a da negativa de toda a pretenso no sustentada por um preceito legal expresso, de forma que os 6. Philipp Heck, El problema de la creacin del derecho, Barcelona, 1961. 15 interesses nessas condies se considerariam interesses que o legislador no quis proteger; 3. a terceira seria a da complementao coerente da norma, isto , o juiz estaria autorizado a completar ou suprimir as normas insuficientes e dar s imprecisas a determinao de que carecem, no segundo as prprias valoraes, mas de acordo com os ideais e interesses vitais que informam todo o sistema legal. O problema, contudo, no se limita ao aspecto das lacunas da lei, mas a toda a aplicao do direito, porquanto mesmo na aplicao de norma expressa, clara e precisa a contribuio pessoal do juiz deve ser analisada e apreciada para que possamos determinar qual o grau de participao da sentena na criao do direito. Como sabemos, no que se refere s lacunas, nosso sistema jurdico um sistema fechado, isto , sem espaos a jurdicos, porque o prprio direito estabelece os mecanismos de integrao; da se dizer que a lei pode ter lacunas, mas no o direito. Dispe o art. 4. da Lei de Introduo ao Cdigo Civil, que serve de norma de aplicao geral das normas jurdicas no direito brasileiro: "Quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princpios gerais de direito". E o art. 126 do Cdigo de Processo Civil: "O juiz no se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe- aplicar as normas legais; no as havendo, recorrer analogia, aos costumes e aos princpios gerais de direito" (7). No que se refere relao entre o direito e o processo propriamente dito, como se sabe, a doutrina se divide em dois grandes ramos: os defensores da conceituao unitria e os da conceituao dualista do ordenamento jurdico. A primeira concebe o direito como nascendo no processo, isto , o direito somente se concretiza com a ao individualizadora da sentena, dependendo sua prpria existncia 7. Sobre n art. 126 do Cdigo de Processo Civil interessante lembrar que a redao primitiva do Cdigo dava a entender que o juiz poderia aplicar alternativamente as normas legais ou os

outros mecanismos de integrao, afastando, pois, a vinculao do juiz lei. Tal redao, porm, que alis contrariava toda a tradio jurdica brasileira a respeito, foi corrigida antes que o Cdigo entrasse em vigor, pela Lei n. 5.925, de 01 -10- 1973. 16 da atividade do juiz. A segunda separa as atividades judiciria e legislativa, de modo que, no plano legislativo, so produzidos preceitos que se aplicam automaticamente diante da ocorrncia de um fato juridicamente relevante, sendo que a funo jurisdicional se limita a reconhecer essa vontade concreta do ordenamento jurdico e propiciar sua atuao prtica. A concepo unitria do direito teve origem na posio de Windscheid, na famosa polmica que travou com Muther, e vai encontrar seu embasamento filosfico em Kelsen, com repercusso em filsofos do direito atuais, como Recasns Siches, que entende a sentena judicial estabelecendo a ponte entre a generalidade da norma e a particularidade do caso concreto controvertido. O fato, porm, e aqui est a concepo dualista, que o direito existe independentemente da atividade do intrprete, seja o juiz, seja o particular, porque encontra, j, uma norma concreta e consumada. A atividade judicial, portanto, apenas reconhece o direito j concretizado, e, ainda que a deciso se baseie em fatores sociolgicos ou teleolgicos, no houve mais que o reconhecimento de que o direito preceituava concretamente daquela maneira. Como discorre Cndido Rangel Dinamarco, "no cabe ao intrprete estabelecer um ainda inexistente contato entre o fato e a norma, nem dar a esta o significado que ditaram seus sentimentos pessoais. Quando ele intervm, j encontra uma realidade consumada (o fato em sua relao lgica com a hiptese da norma geral, o significado desta e, enfim, a norma concreta que `brotou' do encontro do fato com a norma). E o seu dever o de ser fiel a essa realidade, referindo-a sem distores histricas (quanto ao fato) ou axiolgicas (quanto ao valor expresso na norma). Da resulta que h concretizao da norma, isto , a sua aplicao ao caso concreto, no s independentemente da iseno do intrprete, mas tambm independentemente da opinio dos prprios sujeitos da relao jurdica e do seu comportamento (controvrsias, satisfao voluntria etc.)" (8).

8. Cndido Rangel Dinamarco, Reflexes sobre direito e processo, Arquivo do Ministrio da Justia, 117: 108. Sob o aspecto de filosofia do direito referido, ver Lus Recasns Siches, Tratado, general de filosofia do direito, Porra, 1965, p. 315, e Miguel Reale, Filosofia do direito, cit., Cap. XLIV. 17 Em decorrncia disso e sob outro ngulo, entende-se que a sentena libera a coao estatal, uma vez reconhecida a norma regente do caso concreto; mas o direito, para sua existncia, no depende da efetivao da coao. A caracterstica do direito a coercibilidade, isto , a previso da sano, da coao como ameaa, e no a coercitividade, que vincularia a prpria formao do direito sua violao e imposio e ao uso da fora. O direito j pronto e acabado quando normativa uma conduta em relao qual se comina uma sano, vigente (existente logicamente na ordem jurdica) e eficaz (correspondente a um complexo social ou a relaes intersubjetivas), e no momento em que ocorre o fato fundante de uma relao jurdica. Conclui-se, portanto, e este dado importantssimo para o tema que desenvolvemos, que o prprio juiz est vinculado lei e ao sistema de garantias, de forma que no se trata apenas de transposio de uma ditadura do rei para o Judicirio, mas da institucionalizao de um sistema em que as garantias atuem contra todos, inclusive contra o juiz, que dever manter-se fiel norma de conduta preestabelecida. A questo de grande atualidade.

Um Poder Judicirio autnomo e eficiente indispensvel vivncia democrtica. Sua funo a de manter a ordem jurdica, corrigindo a ilegalidade e assegurando o estado de direito. Sua atuao no poltica, no sentido de participao em programas de governo ou propostas de evoluo social em determinada direo. Seu mister a tutela da liberdade no contexto do regramento jurdico que baliza a liberdade de uns em confronto com a liberdade dos outros. Em momentos de agitao social, porm, esse conceito bsico tende a entrar em crise. O sistema legal institudo torna-se insatisfatrio. Os reclamos da sociedade, trazidos pelas pretenses individuais, parece que no mais se adaptam aos limites da legalidade estrita. O Poder Judicirio, ento, sente-se pressionado vivenciando o conflito e, em vez de se manter nos limites do cumprimento da ordem jurdica, em nmero cada vez mais crescente de decises, passa a criar um direito novo. O fenmeno no novo nem de um s pas. l8 Calamandrei, numa conferncia proferida em Bari em maro de 1955, disse: "H tempos de rpida transformao em que o juiz deve ter a coragem de ser o precursor, o antecessor, o incitador", mas afirmou, tambm, que "h tempos de estabilidade social em que o juiz deve limitar-se a secundar o legislador, sendo seu fiel sequaz, acompanhando-o passo a passo". Reconhecem Federico Mancini e Pio Marconi, relatores do tema "O juiz e a poltica" (9), as dificuldades dessa colocao, porque Calamandrei, no fundo, indicava o perigo dos rompimentos que no sejam seguidos da decomposio, o perigo de uma atividade do Poder Judicirio que tenha tendncia de ser permanentemente inovativa e sublinhava a necessidade de que, uma vez alcanadas novas fronteiras, o Poder Judicirio se alinhe ao legislador. Mauro Cappelletti, respondendo aos relatores, reconheceu a procedncia da pontuao de Calamandrei, mas afirmou a persistncia do estado de crise na sociedade atual, de vazio de poder, em que inevitvel que se manifeste uma criatividade dos juzes e um certo grau de politizao da justia. Infelizmente parece-nos que estamos presenciando um componente desagregador, que agrava a crise e altamente comprometedor da dignidade do papel que o Poder Judicirio deve exercer no estado democrtico, colocando em risco o relacionamento dos poderes e, em especial, a posio do Poder Judicirio nesse relacionamento. Em primeiro lugar, os avanos justificveis nas decises judiciais so aqueles resultantes de definidas presses sociais e decorrentes tambm de consagrados componentes axiolgicos. A possvel fora criativa da jurisprudncia cinge-se complementao da norma quando o nico componente faltante a sua formulao, porque os elementos sociais e valorativos j esto clara e insistentemente colocados. Veja o que ocorreu com o reconhecimento dos direitos da concubina, apenas para citar um exemplo. J sustentamos em outra oportunidade (10) no ser a jurisprudncia fonte do direito, no sentido de que a funo do juiz declarativa de 9. Una costituzione per governare - La grande riforma proposta dai socialisti, Quaderni di Mondo Operaio, Marsilio Ed., n. 13, set. 1981. 10. A analogia como fonte do direito penal, Justitia, v. 51. 19 uma ordem jurdica preestabelecida pelas normas legais, de modo que a interpretao, mesmo a criativa ou progressista, no mais do que a revelao do que a lei, em sentido amplo, quis para aquele caso, para aquela situao (11). No se deseja o apego a um positivismo tacanho e legalista, gramatical, literal e comodista. Admitem-se na interpretao os elementos sociolgicos, axiolgicos, teleolgicos etc., como

alis sempre ressaltou a Lei de Introduo ao Cdigo Civil. Mas exige-se que a "ruptura", se assim podemos chamar a situao, se faa como decorrncia, como desdobramento do que o povo, nica fonte do poder, quis e quer com a edio e vigncia da norma. Se, porm, como temos visto, o magistrado, alegando uma independncia que no tem, abandona a ordem jurdica para decidir segundo os preceitos normativos que tem em seu ntimo, ele passa a praticar um ato de autoritarismo e contribui para a perigosa descrena no mais precioso dos bens jurdicos: o espao de liberdade pblica reservado a cada um pelo direito. O repto de Cesare Beccaria no teve outro significado. Cada juiz tem suas convices pessoais, e isto inevitvel pela prpria condio da natureza humana, mas elas no podem sobrepujar o imprio da lei e o contedo da misso a ele constitucionalmente reservada. A independncia do magistrado a de aplicar o direito, observadas as condies sociais e axiolgicas, e no a de repudi-lo, porque essa atitude autoritria e antidemocrtica. Precisas so as palavras de Vincenzo Balzano sobre a funo do magistrado: "O juiz diretamente investido pela Constituio em seu poder de fazer justia, sem subordinao que no seja a da lei e sem interposies ou vontade que o intermedeie, nem sob a forma de mediao nem sob a forma atributiva do poder. A atividade judiciria se personaliza exatamente em cada magistrado que, no ato de julgar, no se anula no aparato institucional da funo, mas age como titular originrio do poder" (12). 11. V., tambm, nosso Interveno de terceiros, So Paulo, Saraiva, 1987. 12. Vincenzo Balzano, Una costituzione per governare - La grande riforma proposta dai socialisti, Quaderni di Mondo Operaio, Marsilio Ed., n.13. set. 198l. 20 assim que, para bem julgar, o magistrado precisa ter a viso csmica da realidade jurdica e tambm a da realidade cultural. No basta a informao, porque necessria formao. E esta, sem prejuzo daquela, exige cultura humanstica e uma viso global da humanidade. Dispensa maiores comentrios a importncia do Poder Judicirio como instituio e do magistrado como pessoa na defesa das liberdades democrticas. 6. Atividade legislativa, administrativa e jurisdicional: seu relacionamento Trs so as atividades fundamentais do Estado: a legislativa, a executiva ou administrativa e a jurisdicional. Por intermdio da primeira so estabelecidas as normas gerais de conduta que, desde logo, passam concretamente a reger a atividade humana, distribuindo e definindo os direitos de cada um e os do prprio Estado. Esse conjunto de normas, seus mecanismos de integrao, seus princpios, formam a ordem jurdica. Assim, a atividade legislativa consiste, basicamente, na elaborao de normas gerais de conduta, de previso genrica de hipteses com a respectiva conseqncia. De regra, a atividade legislativa concentra-se nos rgos do Poder Legislativo, salvo as excees de competncia anmala para legislar, previstas na Constituio Federal. O ramo do direito que regula a atividade legislativa o prprio direito constitucional, por meio das normas de processo legislativo onde se define a iniciativa das leis, sua votao, sano, promulgao, bem como seus diversos tipos. A atividade legislativa se exerce, afora as normas constitucionais, pela elaborao de leis complementares, leis ordinrias, leis delegadas, medidas provisrias, decretos legislativos e resolues, quando com fora de lei (CF, art. 59). Dada sua generalidade, e mesmo forma de atuao, a atividade legislativa distingue-se, de maneira relativamente fcil, das atividades administrativa e jurisdicional. J no to simples a separao entre atividade administrativa e jurisdicional, porque ambas tm por objeto a aplicao do direito e referem-se a hipteses concretas. Alis, como j se disse, houve poca em que ambas se confundiam, cabendo, pois, maior reflexo para separ-las.

21 Entende-se, modernamente, em especial em virtude do ensinamento do mestre Chiovenda, que a administrao uma atividade primria, espontnea, que aplica o direito por iniciativa prpria, tendo em vista os interesses da prpria administrao. J a atividade jurisdicional atividade secundria, inerte, somente atua quando provocada e se substitui atividade das partes, impedidas que esto de exercer seus direitos coativamente pelas prprias mos. Este carter de substitutividade constitui a nota distintiva da jurisdio. Uma das conquistas no direito moderno e que se revela como verdadeira garantia do estado de direito a da proibio da justia privada ou da chamada "justia pelas prprias mos". Veremos que desde a poca da Magna Carta j o Estado propiciava rgos judicantes para que as partes deles se servissem para a efetivao da justia. No prprio direito romano, da fase da "ordo judiciorum privatorum", isto , da justia como atividade privada, antes da queda de Roma, evoluiu-se para a justia estatal, a justia pblica. A instituio definitiva, porm, da proibio da autotutela dos tempos modernos, de forma que, atualmente, constitui crime a atuao pessoal, ainda que, objetivamente, o indivduo tenha razo. Estabelece, alis, o art. 345 do Cdigo Penal, que define o crime de "exerccio arbitrrio das prprias razes": "Fazer justia pelas prprias mos, para satisfazer pretenso, embora legtima, salvo quando a lei o permite. Pena: deteno, de quinze dias a um ms, ou multa de vinte centavos a cinco cruzeiros, alm da pena correspondente violncia". fcil de entender que, se fosse admitida a justia privada, estaramos no imprio da insegurana e arbtrio. De fato, quele que tem uma pretenso, quando atua concretamente para satisfaz-la, no importa a declarao da existncia ou inexistncia de seu direito, mas somente a submisso da vontade do outro sua vontade. O monoplio da justia decorre dos princpios adotados pelo sistema constitucional brasileiro, sofrendo algumas excees previstas em lei e que so justificadas pelas circunstncias. A exceo mais ampla a da auto-executoriedade (13) dos atos administrativos, sendo 13. Consiste a auto-executoriedade na faculdade que tem a Administrao de tomar decises unilaterais executrias c de concretizar diretamente o seu objeto, lanando mo da fora pblica contra o particular, independentemente de prvio pronunciamento jurisdicional (v. Jos Cretella Jr., Tratado de direito administrativo. So Paulo, Forense, v. 2, p. 64). 22 de outra parte comumente citadas a autorizao para o desforo imediato no caso de esbulho da posse (CC, art. 502), o direito de reteno de bens (CC, arts. 516, 1.199 e outros) e o direito de greve (CF, art. 9.). Estes, e mais alguns especialssimos, so os casos previstos em lei que excluem o crime do art. 345 do Cdigo Penal. No campo penal, por outro lado, em nenhuma hiptese se admite a autotutela. Mesmo a legtima defesa no caso de autotutela. Age em legtima defesa quem repele injusta agresso, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, usando moderadamente dos meios necessrios. Quem detm o poder punitivo penal sempre o Estado, da no ser possvel conceber, em hiptese alguma, que o indivduo, ao repelir a agresso injusta, esteja exercendo esse poder punitivo. O direito admite a legtima defesa, consagrando a conduta "secundum jus" como uma forma de proteo especial da inviolabilidade dos direitos atacados por agresso injusta, mas no como substitutivo da atividade punitiva do Estado. Este, por sua vez, tambm, no direito penal, no pode exercer, jamais, a autotutela. Nenhuma pena pode ser aplicada sem o devido processo legal: "nulla poena sine judicio". Somente ao Judicirio cabe a aplicao das sanes penais. A proibio da autotutela, porm, no campo dos direitos civis, no quer dizer que o direito no encoraje a conciliao, a autocomposio, quando os direitos das partes so disponveis, isto ,

as partes tm capacidade e poder de transigir. Alis, o novo Cdigo de Processo Civil acentuou a figura da conciliao, do juzo arbitral, da transao etc., mas, ante a resistncia das partes, a invaso do patrimnio jurdico de outrem s se faz mediante ordem judicial. 7. Os direitos fundamentais da pessoa (evoluo histrica) 7.1. A antigidade greco-romana Aps as escolas de Herclito, a eletica e a pitagrica, em que as leis humanas se confundiam com o princpio do Cosmo, coube aos sofistas, com seu esprito crtico, trazer as indagaes a respeito das leis humanas para o campo da vontade do homem, na forma em que se realiza na experincia. Deixou-se, ento, a procura de um princpio 23 universal e desenvolveu-se a anlise do mundo das normas de conduta como ele se apresenta. Scrates, nascido na escola sofista, foi o mestre da razo. Com isto afastou-se dos sofistas, porque via nas leis um fundamento racional, e no arbitrrio. Erigiu como dogma racional a obedincia s leis, ainda que injustas, porque o bom cidado deve mesmo obedecer s leis e nunca induzir outros a desobedecerem quelas necessrias para garantia do Estado, o que indispensvel convivncia. O homem em face do Estado j visto com individualidade, mas a concepo de vida grega foi eminentemente poltica, intelectual e filosfica, de modo que no se indagou a respeito de direitos do homem como indivduo contra o Estado. Plato, discpulo de Scrates e que ensinou na forma de dilogos, concebeu o mundo das idias como a verdadeira realidade, do qual o mundo dos sentidos, imperfeito, seria um mero reflexo. Aps desenhar, na Repblica, o mundo ideal, em que governariam os sbios, reconhece, no dilogo "As leis", as deficincias do mundo emprico. Revela, neste ltimo, um grande respeito personalidade humana, circunscrita, porm, sempre aos homens livres, ao passo que na Repblica predominara o Estado ideal. No dilogo "O poltico", Plato concebe um governante tambm sujeito s leis do Estado, sujeio necessria para que o Estado no caia na anarquia. Posteriormente, Aristteles, pai da Lgica e expoente do pensamento grego, tambm fundamenta o direito em princpios ticos, em que o supremo bem a Felicidade decorrente da justia, qual dedicou estudo minucioso. Apesar de aceitar a escravido, admite uma justia entre o Estado e o indivduo, chamada justia distributiva, consagrada na frmula: cada um deve receber honras e bens segundo seus mritos. O homem, ser poltico, s poderia viver dentro do Estado, mas neste seriam admitidas formas intermedirias como as famlias, tribos e aldeias. Preocupou-se, tambm, Aristteles com a aplicao das leis, prevendo a eqidade como instrumento corretivo da rigidez da justia. Fez a distino entre os poderes ou funes do Estado: Legislativo, Executivo e Judicirio. A concepo filosfica grega, todavia, evidente que historicamente condicionada, no concebeu sistema de garantias dos indivduos contra o Estado ou os governantes porque a violao da 24 personalidade do cidado merecia a reprovao da polis, por fora de um julgamento tico e poltico, e no juridicamente institucionalizado. Se o esprito grego foi filosfico, o gnio romano foi jurdico. Os juristas romanos tinham formao filosfica e conheciam os pensadores gregos, mas sua preocupao foi eminentemente prtica. Reconheceram a possibilidade de divergncia entre o justo e o lcito: nem tudo que lcito honesto, consagraram seus juristas. Conceberam trs estratos de ordem jurdica: o "jus naturale", racional e perptuo, superior ao

arbtrio humano; o "jus gentium", inicialmente considerado o direito dos estrangeiros, mas posteriormente identificado como o elemento comum dos diversos direitos positivos; e o "jus civile", reservado aos cidados, formal e solene, regulador das relaes individuais. A superioridade e racionalidade do "jus naturale", que no admitia, por exemplo, a escravido, no tinha a fora de retirar a validade do "jus gentium" que a admitia. Como explica Del Vecchio, "o simples reconhecimento de que o direito positivo contrrio ao direito natural no basta de per si para o abolir, mas determina uma tendncia para a sua reforma ou modificao, tambm no momento da aplicao judicial da lei mediante a aequitas"(14). A preocupao romana, contudo, foi o relacionamento interindividual, alcanando, como se sabe, o processo romano alto grau de evoluo ainda hoje admirado. Em suas trs fases (das aes da lei, o perodo formulrio e o da "cognitio extra ordinem") foi aprimorando a aplicao do direito, mas em nenhum momento o mecanismo judicial se estruturou no sentido de garantir a pessoa contra a vontade do imperador. 7.2. O cristianismo Inegavelmente foi a doutrina crist que mais valorizou a pessoa humana, definindo o homem como criado imagem e semelhana de Deus. Atravs dessa concepo, estabelecendo um vnculo entre o indivduo e a divindade, superou-se a concepo do Estado como nica unidade perfeita, de forma que o homem-cidado foi substitudo

14. Giorgio Del Vecchio, Lies de filosofia do direito, Coimbra, 1959, v. 1, p. 69. 25 pelo homem-pessoa. Imediatamente, sentiu-se tal influncia na mitigao das penalidades atrozes, no respeito ao indivduo como pessoa e em outros campos. Todavia, atingindo Roma em pleno imprio e assistindo sua decadncia, teve de adaptar-se s condies da poca, e atuou mais como fator suasrio conscincia do soberano que como nova estrutura social, a partir do imperador Constantino. A primeira das grandes escolas crists, a Patrstica, da qual Santo Agostinho o maior representante, concebeu o Estado terreno como profundamente imperfeito e somente justificado como transio para o Estado divino, a "Civitas Dei". O direito natural era, por outro lado, manifestao pura da vontade de Deus, qual os direitos terrenos deveriam submeter-se. A segunda grande escola, a Escolstica, com Santo Toms de Aquino, afasta-se da concepo pessimista da realidade humana, buscando, semelhana de Aristteles, no homem, a natureza associativa e a potencialidade da constituio de um Estado justo e aceitvel. Da Santo Toms prever trs categorias de leis: a "lex aeterna", decorrente da prpria razo divina, perceptvel atravs de suas manifestaes; a "lex naturalis", consistente nas regras determinadas pela participao da criatura racional na lei eterna; e, finalmente, a "lex humana", consistente na aplicao da "lex naturalis" em casos concretos. Para Santo Toms, o Estado, como produto natural necessrio, uma imagem do reino divino, mas deve ser respeitado, inclusive quando, em determinado momento, a lex humana violar a "lex naturalis". A insubmisso s ser possvel se aquela violar a "lex aeterna". Por esse motivo, pode o Papa, representante do poder divino, punir o soberano, dispensando os sditos do dever de obedincia quando o Estado contrariar a Igreja. Esta concepo, que teve grande importncia na Idade Mdia, contudo, somente atuou nas grandes violaes dos chamados direitos humanos quando se colocou em jogo a prpria integridade da Igreja ou o respeito a seus ditames. No serviu, porm, para institucionalizar os direitos da personalidade contra o Estado. Outro aspecto importantssimo da doutrina crist o de que todo poder deriva de Deus e nele devem ser estabelecidos seus limites ou formas de atuao, e, se se valorizou a pessoa

humana, todavia no se instrumentalizou o mecanismo concreto de sua proteo. 26 A supremacia da Igreja sobre o Estado, entretanto, entrou em discusso, especialmente em virtude dos pensadores ingleses, que, distantes do Papa, passaram a conceber os dois poderes, espiritual e temporal, como paralelos, e no o segundo como submetido ao primeiro, o que determinou, posteriormente, a ecloso da reforma religiosa. Concomitantemente, desenvolvia-se na Inglaterra, e em outras dominaes europias, uma tradio de garantias do indivduo, como veremos, que propiciou o surgimento da doutrina contratualista, a qual inverteu a fonte e origem do poder, de Deus para os prprios homens. 7.3. A Magna Carta e as Constituies de Federico II di Svevia A Magna Carta tem sido referida como o marco decisivo entre o sistema de arbtrio real e a nova era das garantias individuais. preciso, porm, analis-la no que se refere ao seu contedo como documento histrico, condicionado s circunstncias da poca, e como documento consagrador de um princpio modernamente acatado como indispensvel pela civilizao ocidental. Como descreve Andr Maurois (15), quando os bares obrigaram Joo Sem Terra, em 1215, a firmar a Carta, as modernas idias de liberdade nem sequer tinham sido formadas. "Liberdades", alis, significavam "privilgios" para os bares, tais como o de no pagarem ao rei taxas extraordinrias sem votao prvia deles prprios, o de escolherem os prprios oficiais ou o de manterem uma corte de justia. A idia de direitos individuais, portanto, ainda no se formara no sentido de hoje, de direitos iguais para todos e que contra todos podem ser contrapostos. A Carta valeu, porm, por uma felicidade de redao, para que as geraes posteriores lessem o texto como fixador de princpios mais gerais, de obedincia legalidade, da existncia de direitos da comunidade que o prprio rei deve respeitar. certo, tambm, que mesmo antes da Magna Carta j a justia era distribuda com certas garantias, como certo, ademais, que mesmo 15. Andr Maurois, Histria da Inglaterra, Rio de Janeiro, Pongetti, 1959, p. 98 e s. 27 posteriormente foi esquecida, como por exemplo sob os reis Tudors, e descumprida, apesar de jurada, como sob o reinado de Henrique III. J no tempo de Henrique I, antes de Joo Sem Terra, este, no dia da coroao, outorgara uma Carta que prometeu cumprir, e se desenvolveu a instituio do jri, composto de pessoas do local, convocadas para apreciar a matria de fato nos processos criminais, o que representava garantia de justia. O crime passou a ser considerado um atentado paz real e foi avocado para as cortes oficiais, primitivamente presididas pelo "sheriff" e, posteriormente, pelos juzes vindos da Corte Real, assistidos pelos jris locais. Dada a seriedade do julgamento, particulares passaram a pedir para usar do jri real para a soluo de suas pendncias, o que foi admitido mediante pagamento. O jri, na verdade, representou enorme evoluo em relao ao sistema das ordlias ou juzos divinos, pelo fogo ou pela gua, j inadequados conscincia da poca, de forma que todo indivduo passou a preferir ser julgado por ele, porque composto de vizinhos que apreciavam a informao de testemunhas. O jri, porm, anterior Magna Carta. Desde 1166, a cada ano, em data fixa, partiam juzes da corte, precedidos de um writ (mandado) ao sheriff para que este convocasse determinado nmero de pessoas significativas na cidade, presidindo, tais juzes, essa assemblia e o jri nomeado pela assemblia entre os homens livres. Cabia ao jri, inclusive, a acusao dos suspeitos de crimes, passando posteriormente a funo de acusador ao grande jri, mais

numeroso, e a funo de julgador sobre a verdade da acusao ao pequeno jri, aumentando as garantias dos acusados (16). Quando, em 1215, os bares, relembrando a Carta de Henrique I, enviaram a Joo Sem Terra a "diffidatio" e o obrigaram, sob a fora as armas, a assinar a Magna Carta, tal situao no mudou, mesmo porque no era dirigida s garantias do homem da comunidade. Valeu como a definio de princpio da monarquia limitada, sem repercusso, porm, na poca, s massas. Tanto que no foi traduzida para o ingls antes do sculo XVI. 16. A. Maurois, Histria da Inglaterra, cit., p. 90. 28 Modernamente, porm, a sensibilidade jurdica aprecia seus princpios como fundamentais para as garantias do indivduo. Entre eles destacam-se o princpio do habeas corpus e o do jri, consagrados no seguinte texto: "Nenhum homem livre ser encarcerado ou exilado, ou de qualquer forma destrudo, a no ser pelo julgamento legal dos seus pares e por lei do pas". Do mesmo texto se extrai, tambm, a exigncia do devido processo legal, due process of law, e a da legalidade. Viu-se, tambm, nela o princpio da legalidade dos tributos e o respeito aos direitos adquiridos. No continente europeu, porm, no decorrer do sculo XIII, maior influncia teve a concepo de Estado e de organizao jurdica de Federico II de Svevia. Este soberano, partindo do reino da Siclia e projetando-se para a Itlia, imps, por meio das "Constituies de Melfi", um conjunto de leis que todos eram obrigados a respeitar, independentemente das condies sociais, da religio que praticavam e dos privilgios que os nobres ainda tinham. As Constituies de Melfi consagravam os seguintes princpios mais importantes: 1 ) a justia s poderia ser administrada por tribunais constitudos por magistrados escolhidos pelo rei, no se admitindo tribunais especiais para nobres e outros para cidados comuns; 2) a cidade no poderia eleger magistrados que no tinham sido aceitos pelo soberano, e os crimes, especialmente os de sangue, deveriam ser punidos com a morte, fosse o culpado nobre ou plebeu. Essas disposies revelavam que Federico II desejava uma igualdade jurdica entre os sditos, igualdade que somente poderia ser garantida pelo soberano que exercia o poder, quer sobre os nobres, quer sobre os demais. Seu contedo, portanto, foi muito mais penetrante do que a Magna Carta, no s porque aquela era uma carta de privilgios dos nobres em face de Joo Sem Terra, mas, tambm, talvez at por causa disso, distante da comunidade como um todo. No se deseja afirmar que as Constituies de Melfi de Federico II de Svevia tenham produzido a conseqncia prtica por elas preconizada, no que se refere igualdade jurdica, mas certamente desencadearam as tendncias que eclodiram nos sculos XVII e XVIII, como adiante ser exposto. 29 No plano efetivo, sem dvida, as Constituies de Melfi foram mais significativas do que a Magna Carta, que ficou latente por vrios sculos (17). 7.4. Do contratualismo s declaraes de direitos Firmada a Magna Carta, procurou Joo Sem Terra livrar-se dela, solicitando a suspenso de seu cumprimento ao Papa, e vrios sculos se passaram antes que seus princpios fossem respeitados. Para que tal ocorresse, foi decisiva a influncia do contratualismo. Marclio de Pdua e Occam, nos sculos XIII e XIV, consagrando a orientao dos gibelinos, redefinem a origem do poder e da sociedade. Para eles, o Estado deriva da vontade dos homens, nica substncia de toda a vida social e histrica (18). Inicialmente, essa concepo teve por fim estabelecer reao contra o poder papal, mas,

posteriormente, serviu de fundamento para a compreenso de que, se o Estado deriva da vontade contratual dos homens, estes, tambm por sua vontade, podero desfaz-lo, e se o quiserem podero reconstru-lo em novas bases, com a garantia de liberdade contra o prprio Estado. O campo estava preparado, portanto, para o surgimento da Reforma, cujo princpio fundamental foi a liberdade de conscincia, de Rousseau, do enciclopedismo e da Revoluo Francesa. Nos Estados Unidos, decorrente da experincia inglesa, estava preparado o esprito para as declaraes de direitos de Virgnia, Nova Jersey e Carolina do Norte. A Revoluo Francesa e a Independncia Americana, atravs de declaraes formais de direitos, consagravam, ento, a experincia inglesa da Magna Carta e do Habeas Corpus Act de 1679, especialmente quanto conscincia de que direitos somente tm consistncia se acompanhados dos instrumentos processuais para a sua proteo e efetivao. Discorre Pontes de Miranda a respeito: "As liberdades tm de ser exercidas. Da o trplice problema: o da conceituao cientfica (enunciado); o da assegurao (e. g. incluso

17. La Costituzione italiana, a cura di Renato Fabietti, Ed. Mursia,1985, p.17 e s. 18. Cabral de Moncada, Filosofia do direito e do Estado, So Paulo, Saraiva, 1950, v. 1, p. 87. 30 na Declarao de Direitos); o das garantias. A felicidade dos ingleses foi terem conseguido as trs, de modo a completarem cedo a evoluo poltica ( 1215-1679). E t-las exigido antes dos outros povos europeus - o que lhes permitiu desenvolverem-se mais, e com maior rapidez. A garantia do "habeas corpus" confirma o senso prtico dos ingleses e ainda hoje o melhor remdio da liberdade e o nico suficiente" (19). Da mesma poca e de igual inspirao contratualista o livro de Beccaria, Dos delitos e das penas, de 1764, verdadeiro repto contra a desumanidade das penas, mas na verdade mais do que isso, porque fixador do princpio da legalidade do direito penal e da limitao do arbtrio de qualquer autoridade, inclusive a judicial. Do "grande pequeno livro", como o denominou Faustin Helie, se extrai, na verdade, o grande ensinamento de que alm da previso formal dos crimes e das penas essencial a existncia de mecanismo controlador da autoridade, isto , de um processo cercado de garantias para que se efetive a justia estabelecida previamente pela norma legal (20). 7.5. A poca contempornea Das declaraes formais de direitos, passou-se sua incorporao nos textos constitucionais, inicialmente como prembulo, e, s vezes, como captulo autnomo. Nossa primeira constituio escrita, a Constituio Imperial, j continha declarao de direitos e garantias, o que foi repetido e atualizado nas cartas posteriores. No cabe, aqui, discutir se as declaraes de direitos pairam acima das leis e textos constitucionais ou se representam, apenas, um programa poltico de determinado momento de evoluo legal. O fato que tm fora na medida em que os textos constitucionais erigiram seus ditames como princpios informadores e de validade de toda ordem jurdica racional, e valem na medida em que essa mesma ordem jurdica est preparada para torn-las efetivas. 19. Pontes de Miranda, Histria e prtica do "habeas corpus", Borsoi, 1962, p. 58. 20. V. Basileu Garcia, Instituies de direito penal, So Paulo, Max Limonad, 1975, v. 1, p. 43 e s.

31 Hoje, no h povo civilizado que negue uma carta de direitos e respectivo mecanismo de efetivao, o que, todavia, ainda no significa uma garantia de justia concreta, porquanto esses direitos podem variar ao sabor do pensamento poltico ou filosfico informador de determinado Estado. Para exemplificar, examinando a recente Constituio portuguesa (Lei constitucional n. 1/82), verifica-se que marcante, tambm, a preocupao de garantia dos direitos individuais, especialmente, em face do Estado. No art. 9.o est consignado o dever do prprio Estado de garantir "os direitos e liberdades fundamentais"; no art.18, a fora jurdica dos direitos: "Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias so directamente aplicveis e vinculam as entidades pblicas e privadas"; no art. 20, o "acesso ao direito e aos tribunais": "Todos tm direito informao e proteo jurdica, nos termos da lei. A todos assegurado o acesso aos tribunais para a defesa de seus direitos, no podendo a justia ser denegada por insuficincia de meios econmicos"; no art. 21, o direito de resistncia: "Todos tm direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela fora qualquer agresso, quando no seja possvel recorrer autoridade pblica"; e, alm de outros direitos individuais, no art. 210, a fora das decises dos tribunais: "As decises dos tribunais so fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei. As decises dos tribunais so obrigatrias para todas as entidades pblicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades. A lei regula os termos da execuo das decises dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanes a aplicar aos responsveis pela sua inexecuo". Apesar de todas as declaraes, da consagrao das liberdades, da institucionalizao das garantias, ainda assim passou e passa o mundo por vicissitudes nesse campo, como a experincia comunista ou a nazista. Interessante exemplo dessa afirmao a Constituio chinesa de 4 de dezembro de 1982, em que so garantidas as liberdades de palavra, de correspondncia, de imprensa, de associao, as liberdades individuais, o habeas corpus e outras, mas que devem ser usadas para criar uma atmosfera poltica em que coexistam o "centralismo e a democracia, a disciplina e a liberdade, a fim de favorecer a consolidao da liderana do partido e a ditadura do proletariado". 32 No foi em vo, portanto, aps a Segunda Guerra Mundial, a reiterao e atualizao dos princpios pela Carta das Naes Unidas, na qual Recasns Siches (21) v uma preocupao quase obsessiva pela proteo dos direitos e liberdades fundamentais do homem, reconsagrados na Declarao Universal dos Direitos do Homem, proclamada solenemente na Assemblia Geral de IO de dezembro de 1948. A preocupao a respeito do tema, contudo, ainda no terminou, e, alis, perdurar enquanto o homem for homem, tanto que se encontra em estudos na Secretaria Geral da Organizao das Naes Unidas (ONU) proposta de declarao universal dos direitos processuais do homem, a fim de que, concretamente, sejam instrumentalizados os meios de efetivao dos direitos individuais. Dadas as peculiaridades processuais de cada pas, acreditamos ser difcil a pormenorizao excessiva prevista no projeto primitivo, o qual desce a detalhes como o sistema de recursos, a capacidade postulatria etc. Todavia, a preocupao vlida e acreditamos vivel e til a formalizao de princpios bsicos do processo, nico instrumento adequado verdadeira efetivao dos direitos. 7.6. Os direitos e garantias fundamentais na Constituio da Repblica Mantendo a tradio das cartas anteriores, a Constituio Federal destaca, em captulo autnomo, os direitos e garantias fundamentais. A consagrao no texto constitucional importante porque, dada a hierarquia das normas legais, faz com que tais disposies se

sobreponham, quer ao legislador ordinrio, quer ao administrador pblico. Poderemos classificar, sem preocupao de rigor cientfico, os direitos e garantias em trs espcies: 1. direitos materiais; 2. garantias formais; 3. garantias instrumentais. Antes de analisarmos essa classificao, convm lembrar que exclumos, desde logo, por no pertencer a este trabalho, o tema 21. Lus Recasns Siches, Tratado general de filosofia del derecho, cit., p. 554 33 relativo aos direitos polticos e aos direitos sociais, sua efetivao e exerccio, bem como aos direitos relativos estrutura do Estado, como, por exemplo, o direito ao regime republicano. Limitamo-nos ao estudo dos direitos individuais como relacionados no art. 5. da Constituio Federal. Consideram-se direitos materiais aqueles diretamente outorgados pelo texto constitucional, o qual define, tambm, o seu contedo. Pode, eventualmente, certa delimitao ou regulamentao ser remetida legislao ordinria, a qual, todavia, no poder desvirtuar o direito constitucionalmente garantido. Consideram-se garantias formais aquelas que, sem definir o contedo do direito, asseguram a ordem jurdica, os princpios da juridicidade, evitando o arbtrio, balizando a distribuio dos direitos em geral. Consideram-se garantias instrumentais ou processuais as disposies que visam assegurar a efetividade dos direitos materiais e das garantias normais, cercando, por sua vez, sua aplicao de garantias. Como exemplos de direitos materiais teramos o da liberdade de conscincia, o do sigilo de correspondncia, o da livre manifestao do pensamento, o do livre exerccio de qualquer trabalho e outros. Garantias formais so o princpio da legalidade ("Ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei"), o da isonomia ou igualdade ("Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade"). Garantias instrumentais ou processuais so as do processo, como a da ampla defesa, a instruo contraditria etc. Estas ltimas so completadas pelas disposies que do eficcia s decises judiciais, como as que cominam pena de interveno no Estado ou Municpio pelo descumprimento, e as garantias da magistratura. So tambm garantias instrumentais os prprios meios de provocao da atividade judicial: habeas corpus, mandado de segurana, de injuno, habeas data etc. Difcil , s vezes, distinguir-se o direito das garantias, e, dentro destas, as que sejam um direito em si mesmas e as que so instrumentos para sua efetivao. Todavia, a classificao tem apenas uma finalidade explicativa, desejando salientar que hoje devem estar 34 indissociavelmente juntos os direitos, os meios de sua instrumentalizao e as garantias de eficincia desses meios. Finalmente, necessrio referir, conforme define o prprio texto constitucional, que a especificao dos direitos e garantias expressos na Constituio no exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princpios que ela adota (art. 5., 2.). O conjunto de direitos individuais forma o patrimnio jurdico do indivduo, o qual completado por todos os demais direitos subjetivos que a pessoa adquire dentro da ordem jurdica. Os direitos subjetivos constitucionais servem de