Victor Hugo Beñák de Abreu
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A PRESENÇA DO NEGRO E DA ÁFRICA NAS APOSTILAS DE GEOGRAFIA DA
REDE POSITIVO
Victor Hugo Beñák de Abreu
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-Raciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre.
Professor Mário Luiz de Souza, Doutor
Rio de Janeiro Maio de 2016
A PRESENÇA DO NEGRO E DA ÁFRICA NAS APOSTILAS DE GEOGRAFIA DA
REDE POSITIVO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-Raciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre.
Victor Hugo Beñák de Abreu
Aprovada por:
________________________________________________________
Presidente, Prof. Mário Luiz de Souza, Doutor (Orientador)
________________________________________________________
Prof.ª Tânia Mara Pedroso Müller, Pós-Doutora
_________________________________________________________
Prof.ª Mariana Araújo Lamego, Doutora - (UERJ - Departamento de
Geografia)
Rio de Janeiro Maio de 2016
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AGRADECIMENTOS
A caminhada até a defesa do mestrado foi intensa. Ao longo dos processos de pesquisa
e escrita ocorreram diversas transformações em meu cotidiano, desde minha adaptação ao
Colégio Pedro II, passando pelo nascimento de meu filho Leonardo Mendes Beñák e, até o
momento da defesa da dissertação, estamos esperando uma linda princesa que está prestes a
nascer. Assim, agradeço a Deus, o Grande Arquiteto do Universo, por permitir alcançar esta
etapa e por ter colocado pessoas maravilhosas ao longo dessa caminhada.
Agradeço à minha esposa, Lidiane Mendes da Silva, que se dedicou exclusivamente,
nestes últimos dois anos, em criar um ambiente favorável e agradável para que eu pudesse
concluir meus objetivos.
Agradeço aos meus pais, Lucy Santos de Abreu e José Carlos Beñák de Abreu, pela
abdicação material ao longo dos anos e os esforços para que pudessem deixar como principais
heranças disciplina e conhecimento.
Agradeço à minha irmã, Cíntia Beñák de Abreu, pelas diversas trocas que tivemos ao
longo de nossos anos de trabalho juntos e gostaria de dizer o quanto sinto sua falta em meu
dia a dia. Agradeço ao meu cunhado e amigo Eduardo Brito e ao meu afilhado Carlos Eduardo
pelos incentivos constantes.
Agradeço, em especial, ao meu Orientador o Professor Doutor Mário Luiz de Souza
pela dedicação e pelo empenho. Sempre gentil e prestativo foi um grande incentivador e
inspirador para a conclusão deste trabalho.
Agradeço a todos os professores do Programa de Relações Étnico-Raciais do CEFET,
em especial, as Professoras Doutoras Tânia Mara Pedroso Müller e Mariana Lamego pelas
aulas maravilhosas e inspiradoras e que me encaminharam até aqui.
Agradeço aos meus amigos de turma, em especial, as amigas Michelle Botelho e Gisele
Ferreira pelas diversas conversas e incentivos e ao amigo Paulo Antônio pelas trocas
constantes de informações.
Agradeço ao meu amigo Walker Antero pela ajuda em diversos momentos desta
pesquisa.
Agradeço aos amigos do Colégio Pedro II pelos incentivos, em especial, ao Professor
Nilo Sérgio, ao amigo Leandro Almeida e aos companheiros do Departamento de Geografia.
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RESUMO
A PRESENÇA DO NEGRO E DA ÁFRICA NAS APOSTILAS DE GEOGRAFIA DA
REDE POSITIVO
Victor Hugo Beñák de Abreu
Orientador: Professor Mário Luiz de Souza, Doutor
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-Raciais, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre.
A presente pesquisa tem como objetivo verificar a presença do Negro e do Continente Africano nas Apostilas de Geografia da Rede Positivo de Ensino, em específico, no segmento Ensino Médio, tanto no aspecto quantitativo quanto na abordagem dessa temática. Este trabalho teve como fonte de pesquisa 12 (doze) apostilas do Sistema Positivo de Ensino (SPE), específicas da disciplina geografia. Todos os materiais correspondem ao segmento Ensino Médio, do 1º (primeiro) ano ao 3º (terceiro) ano. Sendo 4 (quatro) volumes para cada ano (ou série, como o SPE denomina) e um volume para cada bimestre. A metodologia é composta por duas etapas: sendo a primeira quantitativa e a outra qualitativa. Na primeira etapa, portanto, realizamos um levantamento dos conteúdos presentes nas fontes. Posteriormente, criamos categorias gerais com o objetivo de encaixar os temas ou assuntos inseridos nos SAE da Rede Positivo. Reconhecemos seis categorias: (1ª) Astronomia e Cartografia, (2ª) Atividades econômicas e relações comerciais (3ª) Ciência Geográfica e seus conceitos (4ª) Elementos Naturais, recursos minerais e produção de energia (5ª) Dinâmica populacional, movimentos migratórios e Urbanização e (6ª) Questões políticas. Os dados empíricos levantados serviram de base para a construção de apontamentos qualitativos sobre a presença ou não da África e dos negros no Brasil no SAE da Rede Positivo e de que forma estão sendo inseridos ou disponibilizados para o trabalho em sala de aula. A análise qualitativa foi fundamentada em conceitos e categorias, dentre eles: raça, ideologia, ideologia racista, hegemonia e contra-hegemonia. Dos resultados obtidos com as análises do material apostilado, vimos que das doze apostilas, nenhuma inseriu as palavras negros ou negras em seus textos. Dessa maneira, foi constatado um silenciamento sobre os negros e uma subrepresentatividade do continente africano nas páginas do SAE Positivo. Esse silenciamento que reforça e valoriza os valores brancos como universais e a negação dos valores não-ocidentais, determinando quais racionalidades devem ser inseridas no processo educacional.
Palavras-chave: Relações Raciais; Sistema Apostilado de Ensino; Continente Africano
Rio de Janeiro Maio de 2016
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ABSTRACT
THE PRESENCE OF BLACK AFRICA AND THE GEOGRAPHY OF WORKING MATERIALS OF POSITIVE NET
Victor Hugo Beñák de Abreu Advisor: Professor Mário Luiz de Souza, Doutor
Abstract of dissertation submitted to Programa de Pós-graduação em Relações Étnico-Raciais - Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca CEFET/RJ as partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master.
This research aims to verify the presence of the Negro and the African continent in the Geography Handouts for teaching in Positivo Chain of Schools, in particular, in high school segment, both in quantitative terms and in the approach to this theme. This work has a source of research twelve (12) handouts used in Teaching Positive System (SPE), specific for the geography discipline. All materials correspond to the high school segment, from the first (1st) year to the third (3rd) year, comprised of four (4) volumes for each year (or series, called as PES) and a volume for each term. The methodology consists of two stages: the first being the quantitative and the latter qualitative. In the first step, therefore, we conducted a survey of the contents presented in the sources. Subsequently, we created general categories in order to fit the subjects or subjects taught in the SAE of Positivo Chain of schools. We recognized six categories: (1st) Astronomy and Cartography (2nd) economic activities and trade relations (3rd) Geographic Science and concepts (4th) Natural Elements, mineral resources and energy production (5th) Population dynamics, migration and urbanization and (6th) political issues. The collected empirical data were the basis for the construction of qualitative notes on the presence or absence of Africa and blacks in Brazil in the SAE for the Positivo Chain of Schools and how they are being inserted or available for work in the classroom. The qualitative analysis was based on concepts and categories, including race, ideology, racist ideology, hegemony and counter-hegemony. From the results obtained from the analysis of handout material, we saw that the twelve handouts, none entered the black or dark words in their texts. Thus, it was found one silencing about black and underrepresentation of the African continent in the SAE Plus pages. This is the silencing that reinforces and enhances the white as universal values and the denial of non-Western values, determining which rationales should be included in the educational process. Keywords: Race Relations; Apostilled system of education; African continent
Rio de Janeiro May, 2016
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 1
CAPÍTULO I – IDEOLOGIA E RACISMO .................................................................................. 4
I.1 Ideologia e representação social ........................................................................................... 4
I.2 Raça como instrumento analítico ......................................................................................... 11
I.3 Ideologia Racista ................................................................................................................. 19
I.3.1 Uma análise sobre a atuação de Ideologias Racistas no mundo e no Brasil ................. 19
I.4 Racismo no Brasil ............................................................................................................... 24
I.4.1 O Racismo no Brasil: uma breve análise do período entre o final do século XIX e início
do XX .................................................................................................................................... 24
I.4.2 As transformações a partir de 1930 e a construção do "mito da democracia racial" .... 32
CAPÍTULO II - EDUCAÇÃO, GEOGRAFIA E IDEOLOGIA ..................................................... 38
II.1 Educação, hegemonia e contra-hegemonia ....................................................................... 38
II.2 A importância da Educação contra o Racismo ................................................................... 45
II.2.1 A Geografia escolar e a Lei 10.639/03 ......................................................................... 52
II.2.2 A geografia e a questão racial ...................................................................................... 59
CAPÍTULO III - LIVRO DIDÁTICO, APOSTILA E IDEOLOGIA ............................................... 67
III.1 Ideologia e poder: o papel do Livro didático e da apostila na sala de aula ......................... 67
III.2 As contribuições do livro didático e da geografia na construção da identidade nacional .... 70
III. 3 Livro didático e a questão racial: um diálogo com a colonialidade do poder e do saber ... 76
CAPÍTULO IV - ANÁLISE DAS APOSTILAS E RESULTADOS OBTIDOS ............................. 86
IV.1 O que compreendemos por apostila ................................................................................. 86
IV.2 As semelhanças e as diferenças entre os Livros didáticos e as Apostilas ......................... 89
IV.3 A preparação do solo para o recebimento das sementes dos Sistemas de Apostilados de
Ensino: algumas transformações no acesso aos Institutos de Ensino Superior. ....................... 91
IV.4 Descrição do Grupo Positivo e do Sistema Positivo de Ensino ........................................ 94
viii
IV.4.1 Da expansão dos sistemas de ensino em direção à rede pública de educação .......... 95
IV.4.2 Da escala de abrangência do Sistema Educacional Positivo ...................................... 98
IV.5 Sobre o objeto da pesquisa ............................................................................................. 100
IV.6 Da análise metodológica das Apostilas ........................................................................... 105
IV.7 Dos resultados da pesquisa quantitativa e das análises qualitativas dos dados .............. 107
CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 127
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 130
APÊNDICE I - QUANTITATIVO DE MENÇÕES AOS CONTINENTES ................................. 137
ANEXO I - PROGRAMAÇÃO DE CONTEÚDOS PARA O ENSINO MÉDIO ......................... 138
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LISTA DE FIGURAS
Gráfico IV.1 - Participação dos continentes ao longo dos textos ............................................ 110
Gráfico IV.2 - Porcentagem de apresentações dos continentes - América Regionalizada ...... 111
Gráfico IV.3 - Referências ao continente americano - Apostilas da Segunda Série ................ 112
Gráfico IV.4 - Referências ao continente americano - Apostilas da Terceira Série ................. 112
Gráfico IV.5 - Temas com maiores menções ao continente africano ...................................... 113
Gráfico IV.6 - Menções ao continente africano - 2ª série x Por unidade de Trabalho.............. 116
Gráfico IV.7 - Continentes por Tema - 1ª série ....................................................................... 119
Gráfico IV.8 - Menções ao continente africano - 1ª série x Por unidade de trabalho ............... 120
Gráfico IV.9 - Menções ao continente africano - 3ª série x Por unidade de trabalho ............... 123
x
LISTA DE TABELAS
Tabela IV.1- Relação entre Assuntos abordados x Categorias em todas as apostilas ............ 105
Tabela IV.2 - Categorias temáticas principais e distribuição das unidades de trabalho pelas
séries ..................................................................................................................................... 108
Tabela IV.3 - Categorias x Distribuição das unidades de trabalho na 1ª série – EM ............... 108
Tabela IV.4 - Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 2ª série - EM ............... 109
Tabela IV.5 - Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 3ª série - EM ............... 109
Tabela IV.6 - Unidades de trabalho com maior quantidade de menções ao continente africano
............................................................................................................................................... 114
1
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como objetivo verificar a presença do Negro e do Continente
Africano nas Apostilas de Geografia da Rede Positivo de Ensino, em específico, no segmento
Ensino Médio, tanto no aspecto quantitativo quanto na abordagem dessa temática. Alinhado a
esse objetivo geral, elencamos os objetivos específicos que nortearão nossa dissertação: a)
Identificar a difusão de aspectos da ideologia racista através dos textos dispostos nos Sistemas
Apostilados de Ensino (SAE) e as possíveis visões de mundo construídas; b) Compreender,
em que medida, as políticas educacionais direcionadas para a população negra e o campo de
suas reivindicações têm sido atendida pelos SAEs de geografia; c) Entender como as relações
raciais são (re)produzidas nos SAEs. A escolha pelo segmento [Ensino Médio] se dá por dois
motivos: primeiro, pelo fato de ser o último ciclo do ensino básico e de passagem em direção
ao mercado de trabalho, onde as práticas sociais se tornam mais intensas. Segundo, é o
segmento que detenho maior experiência como docente e em que mais atuei em sala de aula
com materiais apostilados ou Sistemas de Ensino1.
A motivação para a realização deste trabalho surgiu com a minha experiência docente
em escolas particulares e públicas onde foram adotados, por algumas instituições, os Sistemas
Apostilados de Ensino (SAE). A adoção de apostilas pelas instituições em que trabalhei
ocorreu de maneira vertical, imposta pela direção da escola. Estas que enxergavam nas
apostilas uma solução para a manutenção dos alunos na instituição e a possibilidade de
desenvolvimento de propagandas para a entrada de novos alunos. Tais instituições de ensino,
que adotaram os sistemas apostilados enquanto eu lecionava, sofriam com a saída de alunos e
buscavam uma transformação da visão de "escola tradicional" para "escolas cursos" voltadas
para o vestibular. Assim, esse "ar de modernidade" que apostila levava para as escolas, na
verdade, não coincidia com o meu olhar sobre o material apostilado, no qual, por intermédio de
minha prática docente, identifiquei alguns problemas teóricos e pedagógicos. Não que os livros
usados anteriormente não tivessem problemas, mas as apostilas não estavam em um nível
mais avançado ou de "modernidade" como se propunham.
Outros fatores motivadores para esta pesquisa foram as "imagens" estereotipadas que
os alunos explanavam ao trabalharmos os assuntos relevantes ao continente africano e a
história dos negros no Brasil. Essa perspectiva foi aprofundada a partir dos conteúdos
trabalhados nas aulas ministradas no Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-
Raciais (PPRER), em específico, da Prof.ª Pós-Doutora Tânia Mara Pedroso Müller sobre: A
1"Os SAEs são oriundos de empresas privadas com fins lucrativos que atuam vendendo produtos e serviços educacionais por meio
de modelo de franquias para as escolas privadas e do modelo de parcerias para escolas públicas. Essas empresas - pelo menos as maiores e com maior atuação no mercado educacional brasileiro - têm como característica comum terem sido originadas dos antigos cursos pré-vestibulares e elaborarem material didático conhecido como apostila" (BEGO, 2013 apud BEGO; TERRAZAN, 2015. p. 62)
2
imagem do negro no Livro Didático, onde os diversos debates me orientaram em resgatar
minhas inquietações em relação aos Sistemas Apostilados de Ensino e as relações raciais
existentes nos conteúdos. Tais inquietações iniciaram-se após concluir uma especialização, no
ano de 2006, em Educação brasileira e diversidade étnicorracial no qual, ao longo de minha
prática docente, me permitiu um novo olhar sobre os SAE e as relações raciais no Brasil.
Sendo assim, a ausência de conteúdos expondo questões raciais em escala nacional, as
abordagens ou silenciamentos sobre o continente africano e dos negros no Brasil nos SAE
estimularam o desenvolvimento deste trabalho.
A função ideológica que as apostilas assumem na formulação ou construção de visões
de mundo (que serão ministradas em sala de aula) vai ao encontro do objetivo desta pesquisa
ao verificar a presença do Negro e do Continente Africano nas Apostilas, pois a forma que
estes assuntos são abordados nas páginas faculta diversas interpretações que podem
encaminhar para uma reprodução do racismo no espaço escolar e no Brasil. O silenciamento
desses temas pelos SAE também direcionam para a manutenção das relações raciais
assimétricas existentes, marcada pelo favorecimento dos brancos. BENTO (2002) Entretanto,
as abordagens dos conteúdos referentes aos Negros e ao Continente Africano possam, ao
invés de reproduzirem uma sociedade racista, encaminhar o desenvolvimento de lutas
antirracistas no âmbito escolar. Estes materiais ganham relevância quando apreendemos a
escala de abrangência das metodologias de ensino propostas, ou seja, grande número de
escolas e alunos que utilizam-se dos SAE da Rede Positivo de Ensino. Tais metodologias
difundidas pelos apostilamentos, na verdade, são propostas ideológicas de trabalho escolar
que envolvem um conjunto de práticas pedagógicas, administrativas e de marketing que
acabam por condicionar o trabalho executado pelas escolas e os profissionais que ali
trabalham. Estes materiais centralizam as práticas, encaminham os planejamentos e engessam
os conteúdos que devem ser ministrados. Desta maneira a presente pesquisa visa contribuir
para a ampliação do debate e fornecer subsídios para a reflexão de como a formação escolar
pode ser produtora ou reprodutora de ideologias racistas, através da conformação de
conteúdos e como é que podem reforçar o preconceito e a discriminação racial, seja pela visão
que passam sobre o negro,seja pela ausência de uma abordagem que se possa se contrapor
aos estigmas que se estabeleceram em nossa sociedade sobre a população negra e sobre a
África. Assim sendo, a presente pesquisa se alinha com os estudos que buscam enriquecer a
construção de conhecimentos sobre como a educação escolar pode ser inserida na luta política
contra o racismo no nosso país.
Seguindo os objetivos expostos, essa dissertação está dividida em quatro seções
centrais. No capítulo um, partindo do princípio de que o racismo é uma ideologia, que ao se
materializar na sociedade gera as mais diversas consequências, apresentamos os principais
3
aspectos teóricos que embasaram a nossa dissertação, em especial, categorias e conceitos
como: ideologia, ideologia racista, raça e racismo no Brasil.
No capítulo dois trabalhamos o papel fundamental da educação escolar como um
espaço para se combater os estigmas presentes na sociedade brasileira com relação à
população, partindo do princípio de que a sala de aula também é um espaço de difusão e
legitimação de uma hegemonia e/ou de contra-hegemonia. Assim, refletimos sobre a Geografia
escolar e a Lei 10.639/03 destacando suas contribuições no reposicionamento do negro nas
relações raciais no mundo da educação. No capítulo três nos dedicamos a debater a
importância dos materiais escolares, em específico, os livros didáticos e as apostilas, como
referenciais de estudo e como difusores de ideologias, funcionando como um "veículo portador
de sistema de valores". BITTENCOURT (2013) Desse modo apontamos as contribuições do
livro didático de geografia na construção da identidade nacional brasileira, além de
desenvolvermos um diálogo entre o livro didático e a presença de uma colonialidade do poder
e do saber. No capítulo quatro apresentamos os aspectos metodológicos que nortearam a
nossa pesquisa e o levantamento dos dados e a análise oriunda do trabalho sobre as nossas
fontes.
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CAPÍTULO I – Ideologia e Racismo
I.1 Ideologia e representação social
Com crescimento das indústrias culturais, a ampliação dos meios de telecomunicações
e a expansão das diversas formas de mídia, o conceito de ideologia ganhou mais visibilidade,
pois a consciência das massas passou a ser moldada de forma mais incisiva e "a verdade é
que em nossas sociedades tudo está "impregnado de ideologia", quer a percebemos, quer
não". (MÉSZÁROS, 2004).
Segundo István Mészáros, a ideologia propagada pela classe dominante, tem uma
ampla mordomia, pois já controla efetivamente as instituições culturais e políticas da sociedade
portanto, pode usar e abusar abertamente da "linguagem" sem correr o risco de ser
publicamente desmascarada. (MÉSZÁROS, 2004)
CHAUÍ (2013) reforça a posição de István Mészáros ao afirmar que "o campo da
ideologia é o campo do imaginário, não só no sentido da irrealidade ou fantasia, mas no
conjunto coerente e sistemático de imagens ou representações" tidas como capazes de
explicar e justificar a realidade concreta. Tanto CHAUÍ (2013) quanto MÉSZÁROS (2004)
identificam que a classe dominante é capaz de propagar ideias capazes de manipular as
massas, desenvolvendo uma explicação parcial da realidade, construindo um imaginário capaz
de manipular e perpetuar o domínio da classe dominante sobre os subordinados, por
intermédio do poder, centrado no controle das principais instituições e da mídia.
Mas o que seria a ideologia? Como muitos autores se dedicam a debater esse tema, a
ideologia é uma categoria que, de acordo com o pensador utilizado, pode gerar interpretações
das mais diversas sobre as suas características, impactos e importância para o entendimento
de uma sociedade e da ação do homem sobre essa. Diante disso, destacamos que nesse
subitem, não iremos esgotar ou fazer um debate extenso sobre as diferenças interpretações
sobre esse tema, mas destacar a visão de ideologia que serve como elemento teórico para o
nosso trabalho.
Começaremos a nossa exposição demonstrando uma posição muito presente no
pensamento marxista sobre a ideologia, gerada a partir de uma determinada leitura das obras
de Marx, como vemos na definição apresentada pela filósofa Marilena Chauí (2013):
"A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros de uma sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar, o que devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um conjunto de ideias ou representações com teor explicativo (ela pretende dizer o que é realidade) e prático ou de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças
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sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuí-las à divisão da sociedade em classes, determinada pelas divisões na esfera da produção econômica. Pelo contrário, a função da ideologia é ocultar a divisão social das classes, a exploração econômica, a dominação política e a exclusão cultural oferecendo aos membros da sociedade o sentimento de uma mesma identidade social, fundada em referenciais unificadores como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Justiça, a Igualdade, a Nação." (CHAUÍ, 2013, pág 117-118)
CHAUÍ (2013) reforça os argumentos acima, quando coloca que:
"Por meio da ideologia, são montados um imaginário e uma lógica da identificação social com a função precisa de ocultar a divisão social, ignorar a contradição, escamotear a exploração e a exclusão, dissimular a dominação e esconder a presença do particular, enquanto particular, dando-lhe a aparência do universal. A ideologia é o exercício da dominação social e política por meio das ideias. Não é um ideário, mas o conjunto de ideias da classe dominante de uma sociedade e que não se apresenta como tal, e sim oculta essa particularidade, apresentando-se como se valesse para todas as classes sociais." (Chauí, 2013 pág. 126)
Podemos perceber, na fala de CHAUÍ (2013), o processo de "naturalização" e
sedimentação de ideologias dominantes, tornando a exploração das classes mais abastadas
justificadas e perpetuando essa exploração. A construção de um imaginário e uma lógica por
meio da ideologia acarreta um processo de naturalização das desigualdades, estas que são
encaminhadas em direção ao campo do que é "de direito", consentindo de forma "legal" a
sociedade segregadora. CHAUÍ (2013) aponta que nesse processo a figura do Estado se torna
importante na manutenção dos privilégios das classes dominantes e, de alguma maneira, cria
uma "homogeneidade, perante a lei, de todos os cidadãos". Isto é, produz uma sensação de
representação para as diversas classes sociais, através das instituições e ações estatais, e
transfere para os "maus homens ou homens injustos" o fardo da desigualdade social existente,
como podemos perceber nas palavras de CHAUÍ (2013):
"O imaginário ideológico responde a essa necessidade. Por um lado, fornece aos membros da sociedade dividida e separada do poder a imagem da indivisão (isto é, uma sociedade unificada pela unidade estatal, e esta como expressão ou síntese da vida social) e, por outro, elabora para a classe que detém o poder não uma imagem de si e do social que faça do poder uma dimensão que distingue a sociedade e o Estado, mas que faça desse Estado um representante homogêneo e eficaz da sociedade no seu todo. A ideia de que o Estado representa toda a sociedade e de que todos os cidadãos estão representados nele é uma das grandes forças para legitimar a dominação dos dominantes. (CHAUÍ, 2013. p. 130)
A figura do Estado é direcionada, em especial, pela elite econômica e reforça, através
de políticas específicas para as classes mais abastadas, essa segragação social. Porém, é por
intermédio desse mesmo Estado que os cidadãos sentem-se representados e vislumbram uma
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centralização e o desenvolvimento de um imaginário de universalidade de direitos. Nesse
sentido, "a operação ideológica passa por dois ocultamentos: o da divisão social e o do
exercício do poder por uma classe social sobre a outra." CHAUÍ (2013)
A divisão social do trabalho separou os proprietários dos não proprietários, dando aos
primeiros poder sobre os segundos, criando uma exploração política e econômica de uma
classe sobre a outra. A autora reforça a importância do controle do Estado por parte das
classes dominantes e da produção de ideologias quando diz: "(...) a classe que explora
economicamente só poderá manter seus privilégios se dominar politicamente e, portanto, se
dispuser de instrumentos para essa dominação. Esses instrumentos são dois: o Estado e a
ideologia." Portanto, podemos identificar, segundo CHAUÍ (1980) e como salientado
anteriormente, o "Estado aparece como a realização do interesse geral mas, na realidade ele é
a forma pela qual os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade ganham a
aparência de interesse geral". CHAUÍ (1980)
"O Estado é uma comunidade ilusória. Isto não quer dizer que seja falso, mas sim que ele aparece como comunidade porque é assim percebido pelos sujeitos sociais. Estes precisam dessa figura uni ficada e unificadora para conseguirem tolerar a existência das divisões sociais, escondendo que tais divisões permanecem através do Estado. O Estado é a expressão política da sociedade civil enquanto dividida em classes. Não é, como imaginava Hegel, a superação das contradições, mas a vitória de uma parte da sociedade sobre as outras." (CHAUÍ, 1980. p. 27)
O grande papel coercetivo do Estado é garantido pelas leis e através de seus aparelhos
de repressão. Estas leis são direcionadas para regular e manter os privilégios das classes
dominantes, sendo assim, as leis aparecem como instrumento legal de dominação, mas não
como violência, e sim, como aparato legal. "A lei é direito para o dominante e dever para o
dominado" CHAUÍ (1980).
"(...) se o Estado e o Direito fossem percebidos nessa sua realidade real, isto é, como instrumentos para o exercício consentido da violência, evidentemente ambos não seriam respeitados e os dominados se revoltariam. A função da ideologia consiste em impedir essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legítimo, isto é, como justo e bom. Assim, a ideologia substitui a realidade do Estado pela idéia do Estado – ou seja, a dominação de uma classe é substituída pela idéia de interesse geral encarnado pelo Estado. E substitui a realidade do Direito pela idéia do Direito – ou seja, a dominação de uma classe por meio das leis é substituída pela representação ou idéias dessas leis como legítimas, justas, boas e válidas para todos." (CHAUÍ, 1980. p. 35)
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Seguindo as leituras sobre as visões de ideologia, o tipo de abordagem realizada por
Chauí tem o mérito de demonstrar que uma das principais funções da ideologia é a "operação
para fazer com que o ponto de vista particular da classe que exerce a dominação apareça para
todos os sujeitos sociais e políticos como universal, e não como interesse particular de uma
classe determinada." Contudo, KONDER (2001) defende que esse tipo de abordagem acaba
gerando uma visão muito estruturalista e mecanicista da ideologia, restringindo e retirando uma
riqueza do processo de complexidade e contradição sobre as formas de ideologias e as
disputas das propostas ideológicas na sociedade. Nessa mesma linha, HALL sustenta que
esse tipo de abordagem, mesmo trazendo referências teóricas importantes para o debate da
ideologia, acaba por reduzir essa temática: "especificamente às manifestações do pensamento
burguês e, sobretudo, às características negativas e distorcidas deste." (HALL, 2003).
Ainda no campo marxista, GRAMSCI traz uma ampliação do conceito de ideologia.
Como boa parte dos pensadores que se debruçam sobre esse tema, GRAMSCI aponta o poder
da ideologia na sociedade:
(...) "ideologia", poderemos dizer, desde que se dê ao termo "ideologia" o significado mais alto de uma concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas." (GRAMSCI, 1978 p. 16)
Embora haja, no discurso ideológico, um processo que pretenda universalizar o
imaginário construído pela classe dominante, GRAMSCI (2000) crê na existência de uma
diversidade de ideologias que derivam de diferentes classes, ou seja, que em cada classe pode
haver ideologia capaz de manter ou perpetuar "dominadores" e "dominados", mas também
podem levar a um processo contra-hegemônico. Como cita HALL (2003): "Gramsci não
defende a idéia da incorporação total de um grupo na ideologia de outro. Para ele vários
sistemas e correntes de pensamento filosófico coexistem".
O conceito de ideologia em GRAMSCI (1978) é um pouco mais simples na articulação
das palavras do que CHAUÍ (2013), entretanto, não menos importante:
A definição de ideologia em GRAMSCI (1978) permite pensar de forma diferente de
CHAUÍ (2013) ao admitir uma análise para além de um "reducionismo" ou "economismo"2,
visão esta que influencia a definição e apreciação do conceito de ideologia por parte da autora.
Gramsci acredita na existência de diversas contra-ideologias e que o predomínio da
ideologia dos setores dominantes não se dá de forma automática, bastando uma modificação
na área econômica. Para esse pensador italiano, só podemos entender esse predomínio, nas
sociedades urbanas industriais, onde haja uma sociedade civil forte e estabelecida, através do
2 Estes termos são utilizados por Hall com o intuito de demonstrar que: "(...) a abordagem reduz toda formação social no nível do
econômico, e concebe todos os outros tipos de relação social como algo direta e imediatamente "correspondente" ao econômico enquanto "determinante em última instância" " (HALL, 2003 pág. 303)
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processo de hegemonia, como sustenta Hall: "O conceito de ideologia de Gramsci está
intimamente ligado ao conceito de hegemonia que representa a capacidade da classe
dominante em dirigir e dominar, intelectual e moralmente, a outra classe." (FREITAG, 1986
apud SOUZA, 2006 pág. 228).
Para Gramsci “é na sociedade civil que se trava a batalha pela hegemonia"
SEMERARO (1999). Segundo SEMERARO (1999), para GRAMSCI, a sociedade civil:
"(...) compreende os organismos privados e voluntários, como os partidos, as diversas organizações sociais, os meios de comunicação, as escolas, as igrejas, as empresas, etc - se caracteriza pela elaboração e difusão das ideologias e dos valores simbólicos que visam a "direção"." (SEMERARO, 1999. p. 74)
A sociedade civil apresenta uma importância na derterminação dos rumos da economia,
além de ser produtora e propagadora de ideologias e de forças concretas de unificação da
sociedade. Por isso, Gramsci "considera a sociedade civil não apenas o espaço das iniciativas
econômicas, mas também a manifestação das forças ideológicas e culturais.” SEMERARO
(1999) Sendo assim, as escolas, inseridas na visão de Gramsci como pertencentes à
sociedade civil, apresentam um papel fundamental na construção de contra-ideologias ou
manutenção das ideologias vigentes, com isso, podemos perceber a importância dos discursos
existentes nos livros ou nas apostilas, os mesmos podem ser emancipadores e libertários ou
perpetuadores de ideologias dominantes, e as escolas e os professores apresentam um papel
fundamental.
Outra definição de ideologia que escapa desse reducionismo econômico, apresentado
na visão e leitura de ideologia de CHAUÍ (2013), é a de Stuart Hall:
"Por ideologia eu compreendo os referenciais mentais- linguagens, conceitos, categorias, conjuntos de imagens do pensamento e sistemas de representação - que as diferentes classes e grupos sociais empregam para dar sentido, definir, decifrar e tornar inteligível a forma como funciona a sociedade." (HALL, 2003 pág. 250)
Dentro de uma análise menos reducionista ou economista, Stuart Hall, alinhado com a
proposta de GRAMSCI, entende ideologia a partir de sistemas de representação, em que os
referenciais mentais são "formas pelas quais as idéias diferentes tomam conta das mentes das
massas e, por esse intermédio, se tornam um "força material" e passam a agregar ou unir,
mantendo um domínio e liderança sobre a sociedade". HALL (2003) Para Hall o estudo da
Teoria da ideologia "nos ajuda a analisar como um conjunto particular de idéias passa a
dominar o pensamento social de um bloco" HALL (2003). A teoria da ideologia, também, está
relacionada aos conceitos e linguagens do pensamento prático que determinam uma forma de
9
poder, cria consciência e novas concepções de mundo, além de conduzir as massas em uma
ação contra o sistema dominante.
Para HALL (2003) "Marx empregou com frequência o termo "ideologia" para se referir
especificamente às manifestações do pensamento burguês e, sobretudo, às características
negativas e distorcidas deste." Se posicionando contra a visão reducionista que alguns
imputam ao conceito de ideologia trabalhado por Marx, HALL (2003) defende que esse "nunca
desenvolveu qualquer explicação geral sobre o funcionamento das idéias sociais, que seja
comparada à sua obra teórica sobre as formas e relações capitalista de produção" e, confessa
que o problema da ideologia no marxismo começou quando esse conceito foi considerado
como teorização completa. HALL (2003), na citação abaixo, faz uma análise do conceito de
ideologia hoje, e o compara com o disseminado nas obras de Marx, esta leitura de Marx, que
apresenta grande influencia nas obras sobre ideologia de CHAUÍ (2013):
"Em nossa época — como pode ser comprovado pela definição acima — o termo "ideologia" adquiriu um sentido mais amplo, descritivo e menos sistemático do que nos textos marxistas clássicos. Hoje e utilizado para denominar todas as formas organizadas de pensamento social. Isso abre espaço para "distorções" de grau e natureza. Certamente, o termo se refere ao domínio do pensamento pratico e lógico (a forma, afinal, pela qual a maioria das idéias pode se prender nas mentes das massas e levá-las a agir), e não simplesmente a "sistemas de pensamento" bem-elaborados e internamente consistentes. Quero dizer com isso tanto os conhecimentos práticos quanto os teóricos que nos possibilitam "fazer uma idéia" da sociedade, em cujas categorias e discursos "vivenciamos" e "experimentamos" nosso posicionamento objetivo nas relações sociais." (HALL, 2003. p. 268)
Como é possível perceber na leitura acima, tanto para HALL (2003) quanto para
GRAMSCI (1978) não existe um único pensamento ideológico dominante ou "ideologia
dominante unificada e coerente que permeie tudo" HALL (2003), e sim, uma guerra de
posições3.
Em outras palavras, Hall concorda que a sedimentação de ideologias dominantes e o
processo de "naturalização" dessas ideologias no cotidiano e nas práticas sociais as tornam,
muitas vezes, inquestionáveis por grande parte da sociedade. As ideologias criam uma
hierarquização "natural", estratificando a sociedade de forma econômica, racial ou cultural,
desenvolvendo um pensamento de que os membros de uma sociedade formam uma
engrenagem e que cada um possui uma função, e todo cidadão trabalha em benefício de algo
em comum a todos. Entretanto, HALL (2003) questiona essa posição de ideias dominantes
incontestáveis, distorcidas e condena a ideia sobre o 'juízo fraco das massas', ou seja, levanta
3 Em seu livro, Da Diáspora: identidades e mediações culturais, Stuart Hall (2003) faz uma análise do conceito de hegemonia de
Gramsci, referindo-se ao processo de expansão, manutenção e de luta pela hegemonia, no qual pode ocorrer a partir de duas formas- através da " 'guerra de manobras', em que tudo se condensa em uma única frente e em um único momento de luta e há uma única ruptura estratégica na "defesa dos inimigos" que, uma vez alcançada, possibilita às novas forças "invadir e obter uma vitória (estratégica) definitiva", Em segundo lugar, existe a "guerra de posições", que deve ser conduzida de forma demorada, envolvendo várias frentes de luta; onde raramente se consegue abrir um único caminho que garanta a vitória definitiva na guerra."
10
o questionamento sobre a incapacidade das massas de apreender sobre a cooptação de
ideologias dominantes e somente nós, de sabedoria superior, seríamos capazes de
identificarmos essas distorções.
De maneira geral, HALL (2003) acredita que as massas são capazes de identificar as
ideologias e a exploração do capital dentro de uma determinada característica. Como podemos
verificar abaixo:
"As "distorções" abrem imediatamente a questão da razão de algumas pessoas — aquelas que vivenciam suas relações com suas condições de existência através das categorias de uma ideologia distorcida — não serem capazes de reconhecer essa distorção, enquanto nos, com nossa sabedoria superior ou armados de conceitos adequadamente formados, o somos." (HALL, 2003. p .274)
Para HALL (2003) quando "deixamos as falsas ideias" e abrimos nossa mente para o
real, é nesse momento, provavelmente, a concepção mais ideológica de todas, ficamos
seguros, pois os sistemas de representação parecessem não nos dominar e "quando
perdemos de vista o fato de que o sentido é uma produção de nossos sistemas de
representação, caímos não na Natureza, mas na ilusão naturalista: o cume (ou a profundidade)
da ideologia."
Podemos perceber essa dominação das ideias das massas no livro "Pele negra,
máscaras brancas" de Frantz Fanon, onde ressalta que os jovens antilhanos, em sua maioria,
só se reconheciam como negros a partir do momento em que chegavam à França. Pois, nas
Antilhas, esses mesmos jovens negros, não identificam as relações raciais e sociais de forma
clara e não percebendo as distorções entre a elite branca e a massa, esta formada
principalmente por negros. Sendo assim, ao realizarmos uma leitura do termo negro, levando
em consideração a proposta de HALL (2003), que "aborda as distintas cadeias de significantes
para o termo "negro", percebemos, que o mesmo termo [negro], não apresenta uma
correspondência fixa", variando o lugar e o território, o mesmo termo, carrega conotações bem
distintas, como podemos perceber no fragmento abaixo:
"O sistema caribenho era organizado pelas finas estruturas de classificação dos discursos coloniais de raça, organizadas em uma escala ascendente até o termo máximo "branco" - este último sempre fora do alcance, o termo impossível, "ausente", cuja presença-ausência estruturava toda a cadeia. Na luta ferrenha por um lugar e uma posição, que caracterizava as sociedades dependentes, cada grau da escala possui uma profunda importância. Em contrapartida, o sistema inglês era organizado em torno de uma dicotomia mais simples, mais apropriada à ordem colonizadora: "branco/não-branco". O significado não é um reflexo transparente do mundo na linguagem, mas surge das diferenças entre os termos e categorias, os sistemas de referência, que classificam o mundo e fazem com que ele seja apropriado desta forma pelo pensamento social e o senso comum." (HALL, 2003 .pág. 188)
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Podemos notar que os diversos espaços são estruturados por sistemas ideológicos e
produzem em suas representações, significados por meio de seus diversos "significantes".
Esses significados, sedimentados como "cômodos", são embutidos no senso comum criando
classificações e hierarquizações na sociedade, e essas diferenciações podem ser absorvidas
como "naturais". Assim, "Algumas vezes experimentamos a ideologia como se ela emanasse
livre e espontaneamente de dentro de nós, como se fôssemos sujeitos livres, funcionando por
conta própria". (HALL, 2003) "Mas na verdade, somos condicionados pelos discursos
ideológicos que nos aguardam desde o nosso nascimento direcionando o nosso lugar." (HALL,
2003)
I.2 Raça como instrumento analítico
Esta parte do trabalho visa contribuir para o debate sobre a categoria de raça, mas não
dentro de um viés biológico e sim, como um instrumento analítico de validade sociológica e
histórica, influenciando no entendimento de como alguns indivíduos são excluídos, enquanto
outros apresentam uma facilidade de acesso e vantagens nas relações de poder.
Segundo o professor e pesquisador Kabengele Munanga "a palavra raça deriva do
italiano razza, que por sua vez veio do latim ratio, que significa sorte, categoria, espécie."
MUNANGA (2010) O conceito de raça foi utilizado, inicialmente, pela zoologia e botânica como
critério para classificação das espécies e depois passou para classificar os seres humanos:
"No latim medieval, o conceito de raça passou a designar a descendência, a linhagem, ou seja, um grupo de pessoa que têm um ancestral comum e que, ipso facto, possuem algumas características físicas em comum. Em 1684, o francês François Bernier emprega o termo no sentido moderno da palavra, para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente contrastados, denominados raças. Nos séculos XVI-XVII, o conceito de raça passa efetivamente a atuar nas relações entre classes sociais da França da época, pois utilizado pela nobreza local que si identificava com os Francos, de origem germânica em oposição aos Gauleses, população local identificada com a Plebe. Não apenas os Francos se consideravam como uma raça distinta dos Gauleses, mais do que isso, eles se consideravam dotados de sangue ―puro‖, insinuando suas habilidades especiais e aptidões naturais para dirigir, administrar e dominar os Gauleses, que segundo pensavam, podiam até ser escravizados. Percebe-se como o conceito de raças ―puras‖ foi transportado da Botânica e da Zoologia para legitimar as relações de dominação e de sujeição entre classes sociais (Nobreza e Plebe), sem que houvessem diferenças morfo-biológicas notáveis entre os indivíduos pertencentes a ambas as classes." (MUNANGA, 2010 pág. 1)
Podemos perceber, nas palavras de MUNANGA (2010), que o conceito de raça passa a
ser empregado como linhagem ou descendência e, posteriormente, é utilizado para classificar
a diversidade humana criando um processo de hierarquização racial e de dominação. Para o
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autor: "os conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o
pensamento. Mas, infelizmente desembocaram numa operação de hierarquização que
pavimentou o caminho do racialismo." MUNANGA (2010) Antes de aprofundarmos as
consequências desse racialismo que é utilizado de maneira a hierarquizar e a dominar, cabe
destacar que o processo de classificação é normal, e que faz parte da natureza humana
diferenciar, classificar, organizar.
"Em qualquer operação de classificação, é preciso primeiramente estabelecer alguns critérios objetivos com base na diferença e semelhança. No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor d’água entre as chamadas raças. Por isso, que a espécie humana ficou dividida em três raças estancas que resistem até hoje no imaginário coletiva e na terminologia científica: raça branca, negra e amarela."(MUNANGA, 2010 pág. 2)
É a concentração de melanina que define a cor da pele, dos olhos, cabelos, sendo 1%
do nosso gene responsável por esse patrimônio genético. No século XIX outros critérios
morfológicos foram utilizados como forma de classificação e hierarquização das raças:
"(...) a forma do nariz, dos lábios, do queixo, do formato do crânio, o angulo facial, etc. para aperfeiçoar a classificação. O crânio alongado, dito dolicocéfalo, por exemplo, era tido como característica dos brancos ―nórdicos‖, enquanto o crânio arredondado, braquicéfalo, era considerado como característica física dos negros e amarelos. Porém, em 1912, o antropólogo Franz Boas observara nos Estados Unidos que o crânio dos filhos de imigrados não brancos, por definição braquicéfalos, apresentavam tendência em alongar-se." (MUNANGA, 2010 pág. 3)
Segundo SCHWARCZ (1993) "o termo raça é introduzido na literatura mais
especializada em inícios do século XIX, por Georges Cuvier, inaugurando a existência de
heranças físicas permanentes entre os vários grupos humanos (STOCKING, 1968. p.28 apud
SCHWARCZ, 1993. p. 47). Em seu livro: "O Espetáculo das raças", (1993), Lilia Moritz
Schwarcz, desenvolve uma análise do termo raça ao longo do século XIX, o que possibilitou a
identificação de duas vertentes científicas que utilizavam o conceito de raça de maneira
diferente, sendo elas: os cientistas monogenistas (vinculados mais aos estudos etnológicos) e
os poligenistas (cientistas direcionados pela antropologia cultural). Os monogenistas, vertente
preponderante até meados do século XIX, "acreditavam que a humanidade era una. "O
homem, segundo essa versão, teria se originado de uma fonte comum" SCHWARCZ (1993),
ou seja, todas as raças tinham uma origem em comum, entretanto, algumas estavam mais
evoluídas, enquanto outras raças estariam em maior estado de degeneração. Portanto,
SCHWARCZ (1993) identifica que "nesse tipo de argumentação vinha embutida, por outro lado,
13
a noção de virtualidade, pois a origem uniforme garantiria um desenvolvimento (mais ou
menos) retardado, mas de toda forma semelhante." SCHWARCZ (1993)
Inicialmente, a vertente monogenista, não acreditava em um processo de evolução das
raças, visto que esta vertente foi influenciada, principalmente, pela Igreja e contestada, pela
vertente poligenista, com uma análise de raça, mais científica e biológica. Como podemos
perceber nesta explicação sobre o poligenismo, em que a autora SCHWARCZ (1993), destaca
as variações de análise desta vertente.
"A versão poligenista permitiria, por outro lado, o fortalecimento de uma interpretação biológica na análise dos comportamentos humanos, que passam a ser crescentemente encarados como resultado imediato de leis biológicas e naturais. Esse tipo de viés foi encorajado sobretudo pelo nascimento simultâneo da frenologia e da antropometria, teorias que passavam a interpretar a capacidade humana tomando em conta o tamanho e proporção do cérebro dos diferentes povos." (SCHWARCZ, 1993. p. 48)
Com o desenvolvimento das ideias de evolucionismo de Charles Darwin, junto à
divulgação de seu livro: "A origem das espécies", em 1859, o embate entre os monogenistas e
poligenistas amenizou-se. SCHWARCZ (1993) Entretanto, a obra de Darwin passou a ser
utilizada como proposta para análises e justificativas do comportamento humano que segundo
SCHWARCZ (1993) "conceitos como "competição", "seleção do mais forte", "evolução" e
"hereditariedade" passavam a ser aplicados aos mais variados ramos do conhecimento."
Conforme analisado por SCHWARCZ (1993), Francis Galton em 1883, baseando-se em
ideias de darwinismo social cria o termo eugenia4, onde buscava comprovar, através de
estudos estatísticos e genealógicos, que a capacidade humana era função da hereditariedade
e não da educação. Das vertentes monogenistas e poligenistas surgiram duas escolas que
nortearam as ciências relacionadas aos estudos etnológicos e a antropologia cultural, sendo
aqueles ligados a corrente ou escola denominada de "evolucionistas sociais" e estes ao
"darwinismo social", definidas segundo SCHWARCZ (1993) como:
"Segundo os evolucionistas sociais, os homens seriam "desiguais" entre si, ou melhor, hierarquicamente desiguais, em seu desenvolvimento global. Já para os darwinistas sociais, a humanidade estaria dividida em espécies para sempre marcadas pela "diferença", e em raças cujo potencial seria ontologicamente diverso. De um lado, congregados em torno das sociedades de etnologia, estariam os etnólogos sociais (também chamados de evolucionistas sociais ou antropólogos culturais), adeptos do monogenismo e da visão unitária da humanidade. De outro, filiados a centros de antropologia, pesquisadores darwinistas sociais, fiéis ao modelo poligenista e à noção de que os homens estariam divididos em espécies essencialmente diversas." (SCHWARCZ ,1993. p. 62)
4 "Transformada em um movimento científico e social vigoroso a partir dos anos de 1880, a eugenia cumpria metas diversas. Com
ciência, ela supunha uma nova compreensão das leis da hereditariedade humana, cuja aplicação visava a produção de "nascimentos desejáveis e controlados"; enquanto movimento social, preocupava-se em promover casamentos entre determinados grupos e- talvez o mais importante - desencorajar certas uniões consideradas nocivas à sociedade." (SCHWARCZ, 1993. p. 60)
14
A leitura científica do termo raça no século XIX foi influenciada pelo conceito de
evolução das espécies de Charles Darwin. O conceito de evolução das espécies era baseado
em um processo de seleção natural, através da manutenção dos animais mais fortes ou mais
resistentes e por intermédio da transmissão de seus genes aos seus herdeiros, assim
constituiriam uma raça forte e resistente. As correntes científicas relacionadas aos estudos
populacionais passaram a se apropriar do conceito darwinista, que segundo SCHWARCZ
(1993), o utilizaram de forma errônea, permitindo desenvolver um processo de diferenciação e
explicação das desigualdades sociais e econômicas existentes entre as nações, gerando uma
distorção ideológica.
Se à luz do Iluminismo, os homens passaram a "ser iguais", como explicar as diferenças
sociais existentes naquele período? O conceito de raça, somado ao determinismo geográfico,
implantado na conjuntura em questão, auxiliaram na construção ideológica, ocultando os reais
motivos de atraso e avanço das nações. "Para os darwinistas sociais, o progresso estaria
restrito às sociedades "puras", livres de um processo de miscigenação, deixando a evolução de
ser entendida como obrigatória." SCHWARCZ (1993) As nações mais desenvolvidas eram
formadas por "raças puras", segundo as correntes evolucionistas do século XIX, em especial a
raça branca, não miscigenada, o que explicava o elevado nível de desenvolvimento
socioeconômico, imputando a raça à característica ideológica de ser o agente da superioridade
de uma civilização sobre o mundo.
Esta abordagem acabou relacionando o atraso das nações, em especial as ocidentais,
pautado no processo de degeneração das raças. Este processo de degeneração foi vista pelos
evolucionistas como caminho para a explicação das diferenças sociais entre as nações,
causada, segundo alguns cientistas do século XIX, pelo processo de miscigenação.
Regressando nas questões relacionadas à ideologia, podemos perceber como existiam
diversas lacunas e como houve a criação de um imaginário para as massas depositando os
desdobramentos da concentração de capital, produzida pela separação ou divisão social do
trabalho entre proprietários e não proprietários, nas diferenças físicas, raciais e, sobretudo na
miscigenação e no processo de degeneração. Assim, houve uma relação das aptidões
psicológicas e intelectuais à manutenção das raças puras e não degeneradas, promovendo um
imaginário e permitindo explicações, por meios de ideias deterministas, evolucionistas e
darwinistas da sociedade, e não por meio de leituras marxistas que permitem visualizar a
evolução e concentração do capital pelas classes dominantes.
O conceito de raça, baseado em uma análise biológica que levava a uma visão de raças
superiores e raças inferiores, permitiu uma distorção ideológica que sustenta uma
diferenciação dos seres humanos através de uma perspectiva de progresso, com base em uma
percepção racial da sociedade, utilizando-se de conceitos evolucionistas sociais, darwinistas
sociais e deterministas, induzindo o pensamento racial brasileiro, que mais à frente iremos nos
15
aprofundar. De antemão, podemos dizer que essa noção do conceito de raça relacionado à
questões biológicas de diferenciação e a hierarquização, promoveram o surgimento de
correntes no Brasil que incentivaram o processo de branqueamento da população, com a
entrada de diversos migrantes, em especial, italianos.
Já no século XX, com o desenvolvimento e aprofundamento nos estudos sobre as
heranças genéticas descobriu-se que um indivíduo de mesma raça pode ter patrimônio
genético mais distante do que de pertencentes a raças diferentes.
"Sendo assim, os cientistas "chegaram a conclusão que raça não é uma realidade biológica, mas sim apenas um conceito aliás cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em raças estancas. Ou seja, biológica e cientificamente, as raças não existem." (MUNANGA, 2010 pág. 3)
MUNANGA (2010) diz que mesmo o conceito de raça não existindo, "não significa dizer
que todos os indivíduos são geneticamente semelhantes." Assim, "Os patrimônios genéticos
são diferentes, mas essas diferenças não são suficientes para classificá-las em raças,
sobretudo, em raças puras estanques." MUNANGA (2010) De maneira geral, podemos
perceber nas palavras de MUNANGA (2010) a confirmação da existência de diferenciações
genéticas entre os seres humanos, contudo, a porcentagem que se refere as diferenças de cor
da pele, cabelo, etc é ínfima demonstrando que o fenótipo é apenas um variante genético,
contanto, sem relação com capacidades intelectuais ou psicológicas, comprovado pelas
pesquisas científicas sobre o genôma5 humano.
O problema da raça no sentido biológico está ligado às relações existentes entre a raça
e suas qualidades psicológicas ou aptidões, ou seja, quando relacionamos um indivíduo da
raça branca como mais inteligente, bonito, honestos e, indivíduos da raça negra, como mais
preguiçosos, menos honestos, menos inteligentes, "(...) a raciologia tinha um conteúdo mais
doutrinário do que científico, pois seu discurso serviu mais para justificar e legitimar os
sistemas de dominação racial do que como explicação da variabilidade humana." (MUNANGA,
2010). Segundo HALL (2006) "A raça é uma categoria discursiva e não uma categoria
biológica." A raça funciona como categoria organizadora, utilizando aspectos físicos - cor da
pele, textura do cabelo, entre outras para diferenciar socialmente um grupo de outro. Mesmo a
categoria raça não apresentado caráter científico "não afeta como a lógica racial e os quadros
de referência raciais são articulados e acionados, assim como não anula suas consequências."
(DONALD E RATTANSI, 1992, p. 1 apud HALL, 2006, p. 63) Isso significa que, mesmo o
conceito de raça perdendo esse significante biológico, ainda permanece como hierarquizante,
definindo relações de poder assimétricas, como podemos perceber nas palavras IANNI (2004):
5 De forma simples, podemos dizer que genoma é o código genético do ser humano, ou seja, o conjunto dos genes humanos. No
material genético podemos obter todas as informações para o desenvolvimento e funcionamento do organismo do ser humano. Este código genético está presente em cada uma das células humanas. (Toda Biologia.com, disponível em: http://www.todabiologia.com/genetica/genoma.htm. Acesso em 05 de Maio de 2015.)
16
"A ―raça‖ não é uma condição biológica como a etnia, mas uma condição social, psicossocial e cultural, criada, reiterada e desenvolvida na trama das relações sociais, envolvendo jogos de forças sociais e progressos de dominação e apropriação. Racionalizar uns e outros, pela classificação e hierarquização, revela-se inclusive uma técnica política, garantindo a articulação sistêmica em que se fundam as estruturas de poder. Racializar ou estigmatizar o ―outro‖ e os ―outros‖ é também politizar as relações cotidianas, recorrentes, em locais de trabalho, estudo e entretenimento; bloqueando relações, possibilidades de participação, inibindo aspirações, mutilando práxis humana, acentuando a alienação de uns e outros, indivíduos e coletividades. Sob todos os aspectos, a ―raça‖ é sempre ―racialização‖, trama de relações no contraponto e nas tensões ―identidade‖, ―alteridade‖, ―diversidade‖, compreendendo integração e fragmentação, hierarquização e alienação." (IANNI, 2004. p. 23)
Na citação acima, IANNI (2004) define raça como sendo uma "(...) condição social,
psicossocial e cultural, criada, reiterada e desenvolvida na trama das relações sociais (...)",
este trecho nos permite pensar a identificação do indivíduo à raça, isto é, se raça é
desenvolvida nas tramas das relações sociais, as características físicas como definição das
mesmas - como marcas simbólicas6 - não são consideradas suficientes para determinar uma
raça, há nessa relação um sentimento de pertencimento e de identificação do sujeito. Por
intermédio da citação acima, também podemos perceber que IANNI (2004) destaca que a
racialização pode agir em concomitância com o desenvolvimento de estigmas, sendo assim, o
fragmento nos permite compreender como a categoria raça pode ser manipulada para uma
visão ideológica direcionando ou orientando relações de poder assimétricas, levando em
consideração características físicas que se transformam também em sociais, assim,
bloqueando o acesso de determinados grupos ou pessoas e ampliando as disparidades.
Vemos então, com base nas palavras de IANNI (2004) o conceito de raça como uma categoria
de análise da sociedade, utilizada de forma a classificar e desenvolver relações assimétricas
de poder, justificadas através de ideologias racistas, estas baseadas de forma parcial ou total7
na própria ciência, construindo uma explicação parcial da realidade. Sob essa lógica as
ideologias racistas são capazes de desenvolver, no imaginário da população, uma visão de
mundo que irá se manifestar em diversos setores (nas artes, na educação, nas relações
sociais, entre outros) em que a categoria raça será a base estrutural para justificar as relações
desiguais. Mesmo o conceito de raça deixando de ser analisado sobre o viés biológico, pode
assim mesmo, nessa distorção ideológica, ser utilizado de forma a hierarquizar as relações
sociais.
6 Hall, 2006. p. 64
7 Em seu livro O espetáculo das raças, SCHWARCZ (1993) aborda que a apropriação parcial das ideias científicas estrangeiras foi
fundamental para justificar a criação de ideologias racistas no Brasil, de modo a estigmatizar o negro na criação da nação brasileira.
17
Stuart Hall reforça essa abordagem da raça como categoria analítica e constructo
ideológico quando diz que: " 'Raça' é uma construção política e social. É a categoria discursiva
em torno da qual se organiza um sistema de poder socioeconômico, de exploração e exclusão
- ou seja, o racismo." HALL (2003)
Para HALL (2006) a categoria raça está inserida no processo de exclusão e dominação,
na qual, a classificação baseada em traços físicos, relacionados às aptidões intelectuais,
psicológicas, entre outras, é hierarquizante, geradora de assimetrias sociais e (re)produtora de
ideologias racistas. Contudo, a visão de raça no sentido biológico foi sendo alterada ao longo
dos últimos anos, em específico, a partir da segunda metade do século XX e "tem sido
substituída por definições culturais as quais possibilitam que a raça desempenhe um papel
importante nos discursos sobre nação e identidade nacional." HALL (2006) Com essa
aproximação do conceito de raça em relação à cultura, passamos a ter o alinhamento de "raça"
com nacionalidade, patriotismo e nacionalismo, substituindo as correntes biológicas vinculadas
aos estigmas de inferioridade e superioridade, apresentando a nação como unificada,
homogênea em sua branquitude.8
O desenvolvimento de comunidades imaginadas9, definidas com a criação de um
nacionalismo, se faz necessário um processo de homogeneização, negando os "outros" e
reproduzindo ideologias dominantes. No caso do Brasil, veremos mais a frente, como esse
processo de desenvolvimento do nacionalismo, alterando a visão de raça no sentido biológico
por uma visão cultural, baseando-se em autores como Gilberto Freyre, criou um dos piores
racismos do mundo, um "racismo à brasileira", capaz de envolver grande parte da população
em um mito da democracia racial. Entretanto, deixaremos esse debate avançar quando
falarmos de racismo no Brasil.
Na mesma linha, abordada até aqui, também temos GUIMARÃES (2003), no qual
percebeu que a definição de raça depende da visão que é utilizada, e que a categoria
apresenta dois sentidos analíticos: um reivindicado pela biologia genética e outro pela
sociologia. Entretanto, o autor destaca que "a construção de raça baseada em traços
fisionômicos, de fenótipo ou de genótipo, é algo que não tem o menor respaldo científico."
Guimarães reforça quando diz que:
"(...) as raças são, cientificamente, uma construção social e devem ser estudadas por um ramo próprio da sociologia ou das ciências sociais, que trata das identidades sociais. Estamos, assim, no campo da cultura, e da cultura simbólica. Podemos dizer que as ―raças‖ são efeitos de discursos;" (Guimarães, 2003, p. 96)
8Gilroy, 1992.p. 87 apud Hall, 2006. p. 64
9 Ver Benedict Anderson, Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo, 2008.
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Como foi exposto, existe um eixo em comum entre os autores inseridos nesta parte do
trabalho, todos concordam que a noção de raça, no sentido biológico, não pode ser encarada
como apropriada para o conceito e que precisamos enxergá-la como uma construção social e
política. Por que política? A "questão racial revela, de forma particularmente evidente,
nuançada e estridente, como funciona a fábrica da sociedade, compreendendo identidade e
alteridade, diversidade e desigualdade, cooperação e hierarquização, dominação e alienação."
IANNI (2004) Se racializar é dividir, separar, fragmentar, classificar também o é, hierarquizar.
IANNI (2004) Sendo assim, o processo de racialização implementado em determinadas
sociedades, é segregador e capaz de relacionar marcas em estigmas e produzindo
manifestações discriminatórias e:
"(...) geralmente fazem parte de técnicas de preservação de interesses e privilégios, elas podem ser tomadas, ao nível interpretativo, como elementos que impedem ou dificultam a instauração ou expansão das relações democráticas, obstruindo a circulação de pessoas, segundo a sua competência ou qualificação." (IANNI, 1987 p. 332)
Quando a categoria "raça" está assentada em algum signo ou traço, os indivíduos em
causa são identificados, classificados, hierarquizado, priorizado e subalternizados e
transformam essas características em estigma, manifestando o racismo, a xenofobia,
preconceito. Como podemos identificar nas palavras de IANNI (2004):
"Aos poucos, o traço, a característica ou a marca fenotípica transfigura-se em estigma. Estigma esse que se insere e se impregna nos comportamentos e subjetividades, formas de sociabilidade e jogos de forças sociais, como se fosse ―natural‖, dado, inquestionável, reiterando-se recorrentemente em diferentes níveis das relações sociais, desde a vizinhança aos locais de trabalho, da escola à igreja, do entretenimento ao esporte, das atividades lúdicas às estruturas de poder . Note-se que o estigma não atinge apenas aqueles que pertencem a ―outras‖ etnias, já que atinge também a mulher, o operário, o camponês, os adeptos de outras religiões, o comunista. Trata-se de elaboração psicossocial e cultural com a qual a ―marca‖ transfigura-se em ―estigma‖, expresso em algum signo, emblema, estereótipo, com o qual se assinala, demarca, descreve, qualifica, desqualifica, delimita ou subordina o ―outro‖ e a ―outra‖, indivíduo ou coletivo. Este é um aspecto fundamental da ideologia racial: o estigmatizado, aberta ou veladamente, é levado a ver-se e a movimentar-se como estigmatizado, estranho, exótico, estrangeiro, alheio ao ―nós‖, ameaça; a despeito de saber que se trata de uma mentira." (Ianni, 2004. p. 23)
A ideologia para HALL (2003) são representações, conceitos, categorias utilizadas
pelas diferentes classes para justificar e dar sentido a maneira como funciona a sociedade,
com isso, podemos perceber que as ideologias racistas, reproduzidas pelas classes
dominantes através de seus intelectuais, podem "racializar" com o objetivo de manter as
estruturas dominantes de poder, desenvolvendo estigmas, onde segundo IANNI (2004)
"desqualifica, delimita ou subordina o outro e a outra, indivíduo ou coletivo". Sendo assim,
19
quando os traços físicos apresentam significantes que levam ao estigma, podemos perceber
que são as ideologias racistas atuando no processo de subalternização do outro, esse "outro"
que se encontra fora do padrão, que no Brasil, esse padrão pode ser lido e visto como
"branquitude". Mesmo que a categoria raça, em uma análise biológica tenha se tornado
obsoleta para delimitação das relações de poder na sociedade, esses estigmas permanecem
no seio da sociedade como parâmetros para relações sociais assimétricas. Veremos no
próximo tópico, como essas relações raciais são modeladas por discursos ideológicos racistas
em nossa sociedade.
I.3 Ideologia Racista
I.3.1 Uma análise sobre a atuação de Ideologias Racistas no mundo e no Brasil
As ideologias, segundo CHAUÍ (1980), apresentam razões determinadas para surgirem,
sendo assim, podemos identificar uma dessas razões através do aparecimento do conceito de
"raça" na Europa, que brota para distinguir nativos e estrangeiros, conhecidos e estranhos,
como ressalta IANNI (1996):
"A raça, como a classe e a nação, foi um conceito desenvolvido primeiramente na Europa para ajudar a interpretação de novas relações sociais. Todas três devem ser olhadas como modos de categorização que foram sendo cada vez mais utilizados à medida que um maior número de europeus se apercebeu da existência de um crescente número de pessoas ultramarinas que pareciam ser diferentes deles. E porque o seu continente atravessou em primeiro lugar o processo de industrialização e era muito mais poderoso que os outros, os europeus impuseram inconscientemente as suas categorias sociais aos povos que em muitos casos agora as adotaram como suas." (IANNI,1996. p. 8)
O conceito inicial de raça na Europa, como destacado por IANNI (1996), está muito
próximo da construção de uma "identidade racial" baseada na ideia de alteridade, ou seja, o
europeu se identifica como tal a partir de uma oposição, que vem de fora do continente, o que
acaba por reforça as identidades legitimadoras10 ou a formação de uma "identidade ocidental
europeia". Para IANNI (1996) o processo de globalização acelera e intensifica os movimentos
populacionais e, com isso, agravam-se e generalizam-se xenofobias, etnicismos, preconceitos,
intolerâncias, autoritarismos, anti-semitismos, racismos e fundamentalismos. A grande
variedade de identidades, nações, nacionalidades, diversidades no mundo gera um processo
de integração e fragmentação, dentre os quais sobressaem os problemas raciais.
10 Segundo Manuel Castlles, identidades legitimadoras são introduzidas pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de
expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais. (CASTLLES, 1999. p. 25)
20
Segundo IANNI (1996) a questão racial ultrapassou os limites da escala nacional e
envolve uma escala de análise mais ampla, abrangendo problemas raciais através de uma
análise global, possibilitada pela intensificação do processo de globalização dos últimos anos.
Como coloca o autor:
"Sim, a questão racial deixou de ser apenas ou principalmente nacional, transbordando muitíssimo as fronteiras geográficas, sociais, políticas e culturais das nações, em todo o mundo. Ainda que prevaleçam muitas das suas características nacionais, surgiram outras de âmbito regional e mundial. Mais do que isso, as suas características nacionais mudam de significado, na medida em estão sendo crescentemente influenciadas pelas relações, processos e estruturas que se desenvolvem em escala mundial." (IANNI,1996. p. 8)
A intensificação dos fluxos materiais e imateriais possibilitado nos últimos anos do
século XX e no começo do século XXI engendrou diversas modificações, ampliando a escala
de análise dos problemas relacionados às questões raciais, pois, questões relacionadas à
nacionalidade "mal resolvidas" fermentaram a desagregação e estimularam a formação de
movimentos ou construções ideológicas que reforçam o racismo, a xenofobia,
fundamentalismos, etc. Não se coloca aqui o enfraquecimento do Estado Nação, que para
Milton Santos este não ocorreu e é mais uma visão da globalização como fábula11. Entretanto,
mesmo com a fragmentação ocasionada em parte pelo processo de globalização, o surgimento
de novas identidades, em especial, com o fim da bipolaridade e o surgimento de movimentos
étnicos, acabou por reforçar, mesmo com a ampliação da economia em escala global, uma
"tendência psicológica das pessoas olharem para algumas coisas com as quais elas possam
se identificar, uma espécie de refúgio da globalização." (HOBSBAWN, 1995. p.7 apud IANNI,
1996. p. 15)
A fragmentação ocasionada pelo processo de globalização reforça a formação de
identidades e localismos, e estes avigoram movimentos de xenofobia e racismos, como
podemos perceber nas palavras de CASTTELS (1999).
"Quando o mundo se torna grande demais para ser controlado, os atores sociais passam a ter como objetivo fazê-lo retornar ao tamanho compatível com o que podem conceber. Quando as redes dissolvem o tempo e o espaço, as pessoas se agarram a espaços físicos, recorrendo à sua memória histórica. Quando o sustentáculo patriarcal da personalidade desmorona, as pessoas passam a reafirmar o valor transcendental da família e da comunidade como sendo a vontade de Deus." (CASTTELS, 1999. p. 85)
11 Em seu livro: "Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal", Milton Santos destaca três visões
sobre a globalização: uma como fábula (como querem que olhemos esse processo), outra como perversidade e a terceira, por uma outra globalização: ele destaca que "Não é que o Estado se ausente ou se torne menor. Ele apenas se omite quanto aos interesses das populações e se torna mais forte, mais ágil, mais presente, ao serviço da economia dominante." (SANTOS, 2008. p.66)
21
Para CASTTELS (1999) "Deus, a família e a nação fornecem códigos inquebrantáveis
em torno dos quais uma contra-ofensiva a cultura da realidade virtual." Portanto, nas palavras
de CASTTELS (1999) identificamos um apoio de identidades reforçadas com base num
localismo, marginalizando o outro, àquele que não segue os padrões criando e perpetuado
conforme a "memória" o mantém. Sendo assim, "esse é o contexto em que se reabre o debate
sobre a identidade e alteridade, ou diversidade onde alguns buscam a identidade pretérita ou
imaginária, a caminho da nostalgia, outros a identidade futura, possível ou imaginária" IANNI
(1996), transformando a "identificação" em tempos de globalização em algo fluido, episódico e
fugaz.
A categoria raça é utilizada como base das tramas das relações sociais, "nas quais
emergem traços fenótipos ou marcas étnicas, como signos de semelhanças, diferenças,
polarizações ou propriamente oposições." IANNI (1996) Essas tramas sociais são alimentadas
por elementos do passado e de elementos presentes, incorporando, recriando ou modificando
o padrão das relações raciais, (re)produzindo o racismo quando essas relações são baseadas
em disputas de poder e processos de hierarquizações. Para IANNI (1996) o racismo é
produzido quando as características étnicas ou os traços fenótipos são transformados em
estigmas e a formação de ideologias raciais, enraizam-se nessa complexa teia de relações
sociais, envolvendo estilos de vida ou visões de mundo.
A construção de visões de mundo nas relações sociais pode desenvolver confrontos
através de desigualdades ou contradições que se revelam a matéria prima de xenofobias,
preconceitos, intolerâncias, como sugerido por IANNI (1996). Portanto, tanto para IANNI (1996)
quanto para GRAMSCI (1978) as ideologias funcionam como visões de mundo e que podem
ser refletidas em diversos segmentos da sociedade, como nas artes, nas leis e ao mesmo
tempo, essas visões de mundo direcionam a coletividade a "forma de pensar e de agir". Em
tempos de globalização, essas ideologias se reforçam com a questão racial, atribuindo valores
embutidos de relações de poder, cristalizando ou naturalizando as desigualdades raciais ou
sociais. Como reforça as palavras de IANNI (1996):
"Sob certos aspectos, as ideologias podem ser sínteses do complexo jogo das relações por meio das quais encontram, acomodam, confrontam e tensionam diversidades e desigualdades, ou estilos de vida e visões de mundo. As ideologias taquigrafam, reiteram, naturalizam ou cristalizam identidades e antinomias, ou diversidades e antagonismos. O racismo pode ser um elemento básico, frequentemente essencial, da "identidade" com a qual se apresenta o indivíduo, grupo, coletividade ou povo. Uma parte importante da identidade do branco europeu, ou do branco norte-americano, depende da sua afirmação de superioridade em face de "outros", tais como africanos, asiáticos, latino-americanos ou outros." (IANNI, 1996. p. 19)
Ao relacionarmos as colocações de IANNI (1996) com as definições sobre o conceito de
ideologia em GRAMSCI e HALL identificamos a formação de visões de mundo, no período
22
atual, que criam e recriam representações, que acabam legitimando as relações sociais
desiguais, que podem ser vistas, também, por intermédio de relações raciais assimétricas.
Estas que hierarquizam e perpetuam visões das elites dominantes, em suas classes ou não, e
que acabam se amparando em suas representações para justificarem a desigualdade social,
racial, preconceitos, xenofobismos. Tais representações, acabam perpetuando representações
que reforçam relações desiguais a partir da reprodução ideológica. Com isso, podemos
entender que as ideologias racistas estão na base das relações sociais, tais relações são
injustas, desiguais, competitivas, o que produz o "preconceito como uma técnica política de
poder." IANNI (2004).
Para IANNI (2004) a sociedade é uma "fábrica de intolerâncias" capaz de produzir e
reproduzir estigmas, exacerbando interesses políticos específicos de uma classe, casta ou
grupo racial. Essas intolerâncias são legitimadas pela construção de ideologias racistas que se
reproduzem, naturalizam e sedimentam-se no senso comum da sociedade, encarando o
preconceito, a discriminação e o racismo como algo inerente ao desenvolvimento social, ou
seja, reproduzindo uma subalternização do outro com o objetivo de perpetuação do poder
dominante.
Segundo MUNANGA (2012) "discriminação propriamente dita é negação da igualdade
de tratamento aos diferentes transformada em ação concreta ou comportamento observável". A
construção de visões de mundo, voltadas para promover ou facilitar o ajustamento e o
predomínio dos brancos às situações sociais, direcionam as práticas no dia a dia,
transformando-se de apenas ideologia racista em uma atitude discriminatória ou racista.
MUNANGA (2012) destaca alguns exemplos de discriminação, ou seja, quando as ideologias
racistas saem da teoria e do pensamento e revelam-se em uma prática a negar o tratamento
igual ao outro: negar a hospedagem a uma pessoa negra num hotel, recusar um emprego a
uma mulher, se recusar a alugar uma casa a um homossexual, etc.
No Brasil, essas atitudes discriminatórias não são vistas pela maioria como
discriminatória ou racista. Muitos vêem que racismo se dá apenas da forma como houve na
África do Sul através do apartheid com a existência de um racismo institucionalizado. O
racismo no Brasil baseou-se em ideologias construídas e reproduzidas, em especial, nos
séculos XIX e XX com o desenvolvimento de um país moderno, no qual a raça tinha um papel
fundamental. Um conjunto de ideologias racistas, baseadas nas ciências e na literatura da
época, insistiam na reprodução de um racismo científico e, já na primeira metade do século XX,
com a "valorização do mestiço" pelas leituras de Gilberto Freyre, desenvolve-se uma visão de
país multicultural e miscigenado, um verdadeiro paraíso racial. Não entraremos em detalhes,
nesse momento do trabalho, como se construiu o racismo no Brasil, mais a frente iremos
abordar de forma mais clara e elucidativa.
23
Conforme descrito por MUNANGA (2012), discriminação é a negação da igualdade de
tratamento, contudo, essa negação é uma criação ideológica, política e cultural desenvolvida,
mantida e reproduzida pela formação e sedimentação de ideologias racistas que tendem a
favorecer uma determinada classe ou coletivo. Esses coletivos ou classes dominantes
defendem interesses econômicos e possibilitam a perpetuação, através do controle das
instituições, de uma ideologia do branqueamento e desvalorização do negro, subalternizando-o
por intermédio de políticas de favorecimento da imagem do branco como referência e não a
imagem do negro, "a ideologia do negro e do mulato será expressão social da outra, nos
termos em que a relação de dominação-subordinação é posta e delimitada pela ideologia racial
do branco." IANNI (1987).
"A ideologia racial dos que discriminam, dos que mandam, os quais podem ser "brancos" ou outros, sintetiza e dinamiza a intolerância, a xenofobia, o etnocismo, o preconceito ou o racismo. É a ideologia racial que articula e desenvolve a gama de manifestações, signos, símbolos ou emblemas com os quais indivíduos e coletividades "explicam", "justificam", "racionalizam", "naturalizam" ou "ideologizam" desigualdades, tensões e conflitos raciais. O racista fundamenta em argumentos que parecem consistentes e convincentes a sua "taxionomia" e "hierarquização", distinguindo, delimitando, segregando ou estranhando o "outro": negro, árabe, judeu, índio, chinês, oriental e assim por diante." (IANNI, 2004. p. 24)
Como mencionado na citação acima por IANNI (2004) "é a ideologia racial que articula e
desenvolve a gama de manifestações", produzindo representações no imaginário da sociedade
capazes de direcionar a maioria em prol de interesses particulares, criando símbolos com
significados e significantes que variam em tempo e espaço, difundindo relações sociais e
raciais de subalternização do outro. A "ideologia racial" ao se tornar um conjunto de ideologias
racistas, designa "técnicas de estigmatização recorrente e reiterada em diferentes formulas e
verbalizações, desenvolvendo a metamorfose da marca em estigma." IANNI (2004) Essas
ideologias racistas são transmitidas por diversas gerações através dos meios de comunicação,
instituições escolares, indústria cultural, instituições religiosas, partidos políticos impedindo ou
dificultando a expansão das relações democráticas. IANNI (1987)
"Em síntese, a discriminação, as barreiras, os estereótipos organizados em ideologias raciais, operam como componentes ativos recorrentes num sistema societário que, de conformidade com a estrutura de dominação vigente, deve ser preservado. Muitas vezes, as distinções entre grupos que se definem como racialmente diversos e desiguais exprimem, em geral de modo mistificado, relações reais de dominação-subordinação." (IANNI, Raças e classes sociais no Brasil. p. 337)
É a construção de ideologias racistas que permitiram o desenvolvimento de
representações subalternizadas dos negros na sociedade, essas representações direcionam as
24
leituras da sociedade e possibilita a formalização de explicações sobre a posição e o papel do
negro na sociedade. Por intermédio dessas representações que se fundem no imaginário da
sociedade estão somados os diversos obstáculos criados para a manutenção de uma ideologia
do branco, respaldada no controle das instituições, na formulação de leis voltadas para o
benefício desta elite, na produção de uma ciência com base epistemológica eurocentrada com
forte tendência ao processo de racialização e hierarquização com objetivo de manter as atuais
relações assimétricas de poder. É por intermédio dessas ideologias que realizamos uma
interpretação e a construção de uma visão de mundo que se reflete nas leis, na cultura, na
educação, e acaba por reproduzir uma desigualdade racial e a produção de discriminação e
atitudes racistas.
Com isso, faz-se necessário analisarmos como ocorreu a construção das ideologias
racistas no Brasil e como a importação de conceitos científicos possibilitou a formulação de
uma base que justificava a exploração e manutenção de relações de poder baseadas em uma
análise racial.
I.4 Racismo no Brasil
I.4.1 O Racismo no Brasil: uma breve análise do período entre o final do século XIX e
início do XX
Com o surgimento de um país "moderno" e republicano, final do século XIX e início do
século XX, muitos intelectuais brasileiros, como Euclides da Cunha, Silvio Romero e Raimundo
Nina Rodrigues passam a importar ideias estrangeiras, estas totalmente deterministas. Esses
autores construíram ou ajudaram a desenvolver uma noção de nacionalidade, fundamentada
em um solo epistemológico com os parâmetros raça e meio. Para Ortiz (1994) "a questão racial
tal como foi colocada pelos precursores das Ciências Sociais no Brasil adquire na verdade um
contorno claramente racista."
Algumas teorias influenciaram a inteligentsia brasileira: "o positivismo de Comte, o
evolucionismo de Spencer e o darwinismo social." ORTIZ (1994) Segundo SCHWARCZ (1993)
é importante refletir sobre a originalidade do pensamento racial brasileiro, pois acabou
utilizando-se do que se adaptavam as necessidades da pesquisa científica e descartando o
que de certa forma era "problemático para a construção de um argumento racial no país".
Segundo ORTIZ (1994) "o evolucionismo se propunha a encontrar um nexo entre as
diferentes sociedades humanas (...) aceitando como postulado que o "simples" evolui
naturalmente para o mais "complexo" sociedades ocidentais". ORTIZ (1994) Essa teoria da
evolução social justificou as diferenças econômicas, culturais e sociais existentes entre os
25
países no final do século XIX e início do século XX,e como já citamos foi utilizada como base
de ideologias racistas capazes de analisar o europeu como centro da humanidade, o mais
evoluído, a referência na cultura e, os "outros" como em processo de evolução ou sem
condições intelectuais e morais para isso. O evolucionismo social sublinhou-se a noção de
evolução humana, onde as raças não estavam cristalizadas no tempo e sim, havia uma
referência una entre elas, mas que algumas raças se encontravam mais è frente no processo
evolutivo, em especial, as raças europeias. SCHWARCZ (1993)
Para ORTIZ (1994) "pode-se dizer que o evolucionismo em parte legitima
ideologicamente a posição hegemônica do mundo ocidental." Embora a teoria evolucionista
possa explicar de maneira geral o "atraso" civilizatório brasileiro, somente ela não bastava. No
Brasil, algumas peculiaridades o diferenciam do continente europeu, e os parâmetros raça e
meio foram acrescentados na construção de uma identidade12 nacional brasileira.
O determinismo geográfico se propunha em analisar o desenvolvimento da sociedade a
partir de fatores como clima, umidade, fertilidade da terra, etc. Mas, se o Brasil apresenta todas
essas características naturais, por que não "evoluímos"? Segundo Buckle (apud ORTIZ, 1994,
p. 17): "a resposta, pueril, mas convincente para o momento, era simples: por causa dos ventos
alísios". Para Ortiz (1994) "o resultado dessa interpretação é: onde a natureza suplanta o
homem, a cultura europeia tem dificuldades em se enraizar, o que determinaria o estágio ainda
bárbaro em que permanece o conjunto da população brasileira." O meio era responsável em
determinar as limitações sociais e econômicas de um povo ou região, mas no caso do Brasil,
somente essas limitações produzidas pelo meio não justificavam nosso atraso. Sendo assim, o
conceito de raça passa a moldar as justificativas de atraso em conjunto com o determinismo
geográfico.
Um dos autores que relacionou o "atraso" do Brasil frente às características do meio foi
Euclides da Cunha. Segundo ORTIZ (1994) Euclides da Cunha faz uma análise do nordestino
e procura descobrir os defeitos e as vicissitudes do homem brasileiro, identificando sua força
[dos nordestinos] a partir de uma visão determinista. O autor, Euclides da Cunha, em destaque
na obra de ORTIZ (1994) ressalta que: "o nordestino só é forte na medida em que se insere
num meio inóspito ao florescimento da civilização européia", assim, na visão euclidiana a
mestiçagem enfraquecia o indivíduo e implicava a perda de identidade. Mas no caso dos
sertanejos, Euclides da Cunha, considerou que só esse mestiço se adaptaria a tal região
inóspita.
12Segundo o dicionário de Sociologia, identidade coletiva é a “aptidão de uma coletividade para reconhecer-se como grupo;
qualificação do princípio de coesão assim interiorizado (identidade étnica, identidade local, identidade profissional); recurso que daí decorre para a vida em sociedade e a ação coletiva.” A criação de identidades ocorre por intermédio do processo de diferenciação, como citado no próprio dicionário: “Em relação ao exterior do grupo, a construção de uma identidade coletiva implica um movimento de diferenciação, a partir do qual se afirma a autonomia coletiva.
26
O autor de "Os Sertões", Euclides da Cunha, segundo BECHELLI (2009) desenvolve
uma relação direta entre clima e características inatas ao mestiço, utilizando-se dos conceitos
raça e meio [determinismo geográfico] como determinantes ou peculiares aos mestiços, como
podemos ver abaixo:
"Dentro do quadro de formação da ―raça histórica‖ brasileira, ele faz uma relação importante entre o clima e a sua influência no comportamento humano, ilustrando a ação do clima como agente na mudança do comportamento. Assim, o escritor via que a nova ―raça histórica‖ brasileira, além de moldada pela mistura racial, ainda seria bastante influenciada pela ação climática." (BECHELLI, 2009. p. 231)
Segundo MUNANGA (2008), Euclides da Cunha via o mestiço como "desequilibrado,
um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens e sem a atitude intelectual dos
ancestrais superiores." Para Euclides da Cunha "a mestiçagem entre raças superiores e
inferiores apaga as qualidades das primeiras e faz reaparecer as das últimas." MUNANGA
(2008)
Outra visão determinista geográfica parte do autor Thomas Buckle que segundo
SCHWARCZ (1993), condenava o Brasil sem mesmo nunca ter vindo aqui, pois, devido às
grandes extensões de formações vegetais, já estaria fadado ao fracasso, em comparação a
civilização inglesa onde a natureza local não é tão abundante.
Entretanto, para aqueles que abraçavam essas ideologias deterministas, somente o
determinismo climático ou geográfico não era suficiente para explicar a condição brasileira. A
problemática raça irá nortear o pensamento nacional, repetindo a mesma função política e
ideológica presentes em outras nações: "ela é vista como a base fundamental de toda a
história, de toda política, de toda estrutura social, de toda a vida estética e moral das nações."
(Ortiz, 1994). Essas teorias científicas voltadas para um evolucionismo social, darwinismo
social e o determinismo geográfico passam a balizar a construção do Brasil e de seu povo, a
formação de uma nação. Portanto, o fim da escravidão ou lei como a do Ventre Livre e do
sexagenário passam a estimular a produção de ideologias capazes de perpetuarem as
relações de poder, sendo assim, a raça passa a nortear essas novas relações.
Durante o período que se seguiu à escravidão no Brasil, tivemos um número de
africanos, como relata ANDREWS (1998) entre nove a doze vezes maiores que aquele
exportado para os Estados Unidos e no momento de suas respectivas independências,
constituindo que a proporção de escravos no Brasil era mais que o dobro de escravos em
comparação com a população norte-americana.
Para TEXEIRA (2006), durante o período colonial, a sociedade viveu com o racismo e a
discriminação sem maiores problemas, como podemos identificar na citação abaixo.
27
"No começo, a cor ou raça dos negros estava associada ao escravo, que detinha um lugar determinado no sistema colonial. Durante este período, a sociedade conviveu com o racismo e a discriminação sem maiores problemas porque o escravo não era visto enquanto cidadão dotado de direitos. Seu lugar estava determinado por nascimento. Com o fim da escravidão e o advento da República muda também a visão do negro na sociedade. É a partir daí que o racismo ganha novos contornos que podem permanecer até os dias de hoje." (TEIXEIRA, 2006. p. 264)
Em uma conjuntura caracterizada pelo enfraquecimento e final da escravidão, e pela
formação de um novo projeto político no país, "as teorias raciais se apresentavam como
modelo teórico viável na justificação do complicado jogo de interesses que se montava."
SCHWARCZ (1993). O desenvolvimento de políticas imigratórias estimulou a conservação de
uma hierarquia social extremamente rígida, onde as relações raciais passam a ser colocadas
de forma a perpetuar relações de poder assimétricas entre brancos e negros.
O Brasil passa ser visto como um país que possui uma população formada por três
raças: o branco, o negro e o índio, entretanto, o branco é visto como superior já, "o negro e o
índio são identificados como entraves ao processo civilizatório" ORTIZ (1994).
"Na medida em que a civilização européia não pode ser transplantada integralmente para o solo brasileiro (vimos que o meio ambiente é diferente do europeu), na medida em que no Brasil duas outras raças consideradas inferiores contribuem para a evolução da história brasileira, torna-se necessário encontrar um ponto de equilíbrio." (Ortiz, 1994. p. 20)
O índio não era visto como problema, pois estava predestinado à desaparecer, já o
negro, era encarado como um real problema após a abolição e para a construção de uma
identidade nacional e para o desenvolvimento do país.
Como criar uma identidade nacional em um país marcado pela presença de raças
inferiores? O mestiço é fruto da relação entre raças desiguais e transmissor de uma herança
biológica defeituosa como: "a apatia, a imprevidência, o desequilíbrio moral e intelectual e a
inconsistência seriam qualidades naturais do elemento brasileiro." ORTIZ (1994)Essa
hegemonia da raça branca sobre os negros e índios, favoreceu a política de branqueamento da
população brasileira, que passou a ser estimulada em prol da construção de um Estado
nacional no futuro. Como cita Ortiz (1994) "é nessa cadeia da evolução social que poderão ser
eliminados os estigmas das ´raças inferiores', o que politicamente coloca a construção de um
Estado nacional como meta e não como realidade presente."
Nessa disputas de ideias, predominou aquela que via na miscigenação, buscando o
branqueamento, a solução para o Brasil. Os setores da intelectualidade, no final do século XIX,
que abraçavam a questão raça como fator predominante para o futuro da nação brasileira,
estabeleceram uma adaptação da teoria racial oriunda da Europa à realidade brasileira. Nessa
adaptação, se reconhecia o negro como um entrave, mas passaram a pregar a miscigenação,
28
buscando o branqueamento da população, como forma de dentro de um período de tempo
eliminar o elemento negro da sociedade brasileira. Sob essa lógica, a miscigenação deixou de
ser um mal, e sim, a solução para o fim do presença do negro que impedia a realização do
desenvolvimento do país.
Analisando esse período da construção da identidade nacional, podemos constatar uma
série de ideias vindas de fora, entretanto, algumas delas, aproveitadas em parte, conforme as
necessidades dos autores, como podemos ver em ORTIZ (1994).
"Aceita-se primeiramente uma teoria "estrangeira" na medida em que ela possui algo em comum com outras teorias já utilizadas - no caso, a problemática do meio ambiente. No entanto, parte dessa teoria é ignorada, uma vez que entra em contradição com problemas que lhe são externos - a questão racial brasileira." (Ortiz, 1994. p . 32)
Para realizar a construção da identidade nacional brasileira, os intelectuais utilizaram os
parâmetros raça e meio, adaptaram ideias estrangeiras as suas teorias e implantaram o mito
das três raças, contudo, o mestiço e o negro, eram considerados indolentes, apáticos e
representavam o negativo, isto é, o Brasil estava fadado ao fracasso.
Esse possível fracasso no processo de formação da nação ou do povo foi colocado por
alguns autores do final do século XIX e início do século XX, como por exemplo, Silvio Romero.
Romero não defendia a construção de uma teoria racial para privilegiar a superioridade das
elites, mas era contraditório em suas análises raciais, colocando o negro como fundamental na
história brasileira, entretanto, o branco era o agente principal da cultura. Colocava o negro
como superior ao índio, mas destacava que o negro produzia uma influência negativa para a
formação da nação. Segundo BECHELLI (2009), Romero defendeu em seus estudos a
mestiçagem, e, tal mistura racial poderia formar algo novo, Silvio Romero via na mestiçagem a
formação do povo, mas, ao mesmo tempo, acreditava no processo de branqueamento com a
manutenção dos genes da "raça branca portuguesa" com uma análise da raça através de um
viés biológico e darwinismo social, essa miscigenação era para Romero inevitável e poderia
eliminar o sangue negro. Como reforça BECHELLI (2009):
"Para Romero, o conceito de raça faz parte da estrutura central de seu pensamento, da sua forma de ver e entender a sociedade brasileira. Ele interpretava a raça como um passo importante para a compreensão do ser humano, de suas qualidades e defeitos. Compreender a noção de raça era poder compreender as razões que moviam as sociedades. Nessa perspectiva, era essencial entender a evolução do povo brasileiro através da sua formação racial. O Brasil era visto por ele como um povo produzido pela mistura de três raças, a branca, a negra e a índia. Isoladamente, nenhuma dessas três raças podia simbolizar o que era o Brasil, mas juntas, através da miscigenação, poderiam gerar algo novo, um novo povo, o povo brasileiro. Era a mestiçagem a chave para a compreensão do que era realmente o Brasil." (BECHELLI, 2009. p. 62)
29
Para Silvio Romero o negro só é válido quando se mistura com o branco gerando o
mestiço, o negro isolado não é levado tanto em conta, uma vez que ele junto com o índio
compõe a "raça inferior". BECHELLI (2009)
BECHELLI (2009) reforça a visão da leitura de Silvio Romero sobre a mestiçagem,
quando diz que:
"Mais do que tudo, a mestiçagem aparece aqui [nas obras de Silvio Romero] como parte de um processo, como uma massa em formação para atingir um objetivo maior. O povo brasileiro, a nação brasileira, por assim dizer, são vistos como algo em formação, que ainda não existe ou está acabado. É um produto que está se formando. Dentro desse processo, ele elege o português que, sendo representante de uma raça superior, poderia assim conduzir e dar as diretrizes para o país." (BECHELLI, 2009. p. 63)
A mestiçagem, para Silvio Romero, era a vitória do branco rumo à transição necessária
para a formação da nação brasileira, este branco que se miscigenou ao negro e ao índio para
se adaptar às características climáticas e superá-las, determinou a formação de um novo povo,
mestiço, mas em processo de transformação ou em formação onde prevaleceriam os
caracteres dos brancos. Já os negros e os índios eram utilizados como fonte de explicações
para o atraso brasileiro, portanto, a mestiçagem na visão de Silvio Romero, destacada por
BECHELLI (2009), jamais foi visto como algo negativo, mas fundamental para a formação do
Brasil. "Era a mestiçagem que ajudava a caracterizar o país e dar-lhe identidade."
Silvio Romero acredita no processo de branqueamento da população através da
manutenção ou predominância biológica e cultural branca e o desaparecimento dos elementos
não-brancos, como afirma MUNANGA (2008):
"(...) Sílvio Romero coloca a crucial questão de saber se a população brasileira, oriunda do cruzamento entre as três raças (branca, negra e índia) tão distintas, poderia fornecer ao País uma feição própria, original. Acreditava no nascimento de um povo tipicamente brasileiro, que resultaria da mestiçagem entre essas três raças e cujo processo de formação estava ainda em curso. Mas, desse processo de mestiçagem, do qual resultará a dissolução da diversidade racial e cultural e a homogeneização da sociedade brasileira, dar-se-ia a predominância biológica e cultural branca e o desaparecimento dos elementos não-brancos." (MUNANGA, 2008. p. 49)
Conforme analisado por MUNANGA (2008) no livro: "Rediscutindo a mestiçagem no
Brasil", João Batista Lacerda acreditava que negros, índios e mestiços desapareceriam dentro
de um século, enquanto Silvio Romero confiava no desaparecimento dos traços não-brancos
entre três a quatro séculos.
30
Um pouco diferente de Silvio Romero, "o autor Raimundo Nina Rodrigues desacreditava
na tese desenvolvida, segundo a qual era possível desenvolver o Brasil a partir da fusão da
cultura branca com as contribuições negras e índias." MUNANGA (2008)
Para Nina Rodrigues os negros e os índios eram "espécies incapazes". O autor Nina
Rodrigues não propôs a formação de uma unidade homogênea através do branqueamento,
mas a institucionalização e a legalização da heterogeneidade, por intermédio de uma figura
jurídica denominada responsabilidade penal atenuada. MUNANGA (2008) Como podemos ver
em MUNANGA (2008):
"Sendo dadas as desigualdades entre as raças, seriam necessárias modificações na responsabilidade penal. A regra do contrato na sociedade brasileira, que considera todos os indivíduos iguais perante a lei, que é uma medida de defesa social, converte-se em pura repressão: índios, negros e mestiços não têm a mesma consciência do direito e do dever que a raça branca civilizadora porque ainda não atingiram o nível de desenvolvimento psíquico, seja para discernir seus atos, seja para exercer o livre-arbítrio." (MUNANGA, 2008. p. 51)
Conforme descrita acima, Nina Rodrigues estabelecia uma visão do mestiço atribuindo-
o características inatas, que deveriam ser levadas em conta pelos legisladores e autoridades
policiais. "Consequentemente, aos negros e aos índios deveria ser atribuída uma
responsabilidade penal atenuada e aplicado um código penal diferente daquele da raça
branca." MUNANGA (2008)
Segundo MUNANGA (2008) Nina Rodrigues, acreditava na degradação do cruzamento
das raças e, os colonizadores, foram os responsáveis por esse processo, pois os portugueses
eram vistos por Nina Rodrigues como gente da pior espécie, atrasados e arredios da civilização
europeia. Essa degradação das raças, segundo Nina Rodrigues, estava ligada também, "ao
insucesso do processo de catequese, ao calor excessivo do clima à riqueza do solo."
MUNANGA (2008)
Para Nina Rodrigues o processo de branqueamento ocorreria de forma diferenciada,
sendo o sul do Brasil formado por uma maioria de brancos e o norte, devido ao clima quente
servindo de barreira para expansão do branco. Portanto, Nina Rodrigues via na mestiçagem
brasileira não um processo de branqueamento, como destacava Silvio Romero, e sim, um
enegrecimento da população. Tanto Silvio Romero quanto Euclides da Cunha, citado em partes
anteriores do texto, acreditavam na inferioridade do mestiço e, a mistura das raças não levaria
a sobreposição da raça negra pela branca, ao contrário, a mestiçagem iria criar uma nova
"espécie inferior" até ao próprio negro. MUNANGA (2008)
No processo de criação da nação ou formação do "povo" brasileiro, no final do século
XIX e início do XX, havia outros autores com vozes discordantes das doutrinas racistas da
época. Um deles, segundo MUNANGA (2008), foi Manuel Bonfim. Para Bonfim o atraso
brasileiro não estava ligado à mestiçagem e sim, aos problemas herdados da era colonial,
31
desenvolvendo uma mentalidade de enriquecimento repentino, a ausência de tradição
científica, o arraigado conservadorismo político e a ausência de organização social. MUNANGA
(2008) Manuel Bonfim, conforme analisado por MUNANGA (2008), "criticou a política
populacional brasileira, por haver abandonado os ex-escravizados, depois da abolição. Bonfim
recomendava o aumento do ensino e a diversificação da economia como saída."
Outro autor discordante das ideias racistas foi Edgar Roquete Pinto. Este foi
influenciado pela obra de Euclides da Cunha, "refutava a teoria da degenerescência dos
mestiços de Euclides da Cunha" MUNANGA (2008), identificava que o negro e os mestiços se
tivessem recebido uma educação apropriada, seriam capazes de grande processo. Roquete
Pinto não creditava os problemas brasileiros à diversidade racial, "o problema residia na
educação de todos, claros e escuros." MUNANGA (2008)
Autores como Roquete Pinto e Manuel Bonfim, do mesmo período de Raimundo Nina
Rodrigues, Euclides da Cunha e Silvio Romero possuíam visões diferentes sobre o "atraso"
brasileiro e em relação ao processo de mestiçagem no Brasil. Para Roquete Pinto e Manuel
Bonfim a construção da identidade nacional não estaria na raça. As ideologias racistas foram
vitoriosas e funcionaram como base para a construção da identidade nacional até a primeira
metade do século XX, de forma mais específica até a década de 1930, quando entra em cena
Gilberto Freyre com o Livro Casa Grande e Senzala e transforma a visão negativa sobre o
mestiço e os negros e constrói uma imagem totalmente diferente sobre a mestiçagem no Brasil,
no entanto, não menos racista.
O ideal do branqueamento seria uma "utopia futura"13 para a sociedade brasileira.
Segundo SCHWARCZ (1993) João Batista Lacerda foi convidado a participar do I Congresso
Internacional das Raças, em Julho de 1911 e uma das teses apresentados pelo autor foi a de
que: "o Brasil mestiço de hoje tem no branqueamento em um século sua perspectiva, saída e
solução" (LACERDA, 1911 Apud SCHWARCZ, 1993. p. 11) Em uma análise sobre João Batista
Lacerda, SCHWARCZ (1993) destaca que segundo o autor, o "país era descrito como uma
nação composta por raças miscigenadas, porém em transição", desenvolvendo uma sensação
de que, em um determinado período, o povo brasileiro, passaria por um processo de
branqueamento. Percebemos nas palavras de SCHWARCZ (1993) uma visão poligenista nas
posições de Lacerda, onde justifica, com bases científicas da época, o processo de
branqueamento da população fortalecendo a visão do negro e dos índios como atrasados e
obstáculos à formação de uma identidade nacional. Para SCHWARCZ (1993) "Lacerda,
poligenista convicto, acreditava na existência de vários centros de criação humana, mas
continuava supondo que a evolução era única em direção à civilização." Sendo assim, João
Batista Lacerda, ao desenvolver seus estudos sobre os Botocudos, "descobria o exemplo
13 Termo utilizado por ORTIZ, 1994.
32
máximo de inferioridade humana, e apontava no branqueamento a grande perspectiva nacional
diante do inevitável fenômeno de depuração das raças." SCHWARCZ (1993)
SCHWARCZ (1993) ressalta o ideal de branqueamento proposto por Lacerda.
"No Congresso Internacional das Raças (1911), por exemplo, o discurso proferido por Lacerda soava sobretudo como um alento. Uma esperança no branqueamento, uma certeza irrestrita nas conclusões da ciência evolutiva, a crença em suas projeções populacionais, que, contrariando os censos demográficos, previam um país cada vez mais branco. É sempre a imagem do cientista que, confiante em suas bases teóricas, se desprende da realidade imediata para dialogar com os modelos e doutrinas que adota." (SCHWARCZ ,1993. p.94)
Como podemos observar, esse processo de miscigenação baseado no branqueamento
reforçou na sociedade o racismo em relação aos negros, visto que se estabeleceu uma
distorção ideológica no qual à população negra era imputada uma série de estigmas ligadas a
fatores intelectuais e morais não apenas inferiores ao negro como um perigo a sociedade.
I.4.2 As transformações a partir de 1930 e a construção do "mito da democracia racial"
Os parâmetros raça e meio nortearam o desenvolvimento da nacionalidade até os anos
de 1930, a partir desse período há uma transformação no território brasileiro com o processo
de modernização por intermédio das indústrias e da urbanização. Foi a partir de 1930,
principalmente com o Estado Novo (1937-45) e a Segunda República (1945-64), que o Brasil
ganhou definitivamente um "povo", ou seja, inventou para si uma tradição e uma origem.
MAGALHÃES (2002) Os parâmetros de raça e meio, já não são suficientes para explicar e
contemplar a formação da identidade nacional brasileira, com isso, o conceito de raça (no
sentido biológico e evolucionista), em que colocava os negros como inferior e o mestiço como
uma mistura negativa, é substituído pelo parâmetro cultura.
"A idéia fundamental da nova nação é a de que não existem raças humanas, com diferentes qualidades civilizatórias inatas, mas sim diferentes culturas. O Brasil passa a ser pensar a si mesmo como uma civilização híbrida, miscigenada, não apenas europeia, mas produto do cruzamento entre brancos, negros e índios." (MAGALHÃES, 2002. p.117).
Com a industrialização a partir de 1930 e a lei de 2/314 de Vargas, favorecendo a
contratação de trabalhadores brasileiros, o mestiço e o negro foram incorporados ao mercado
14 "Na Constituição de julho de 1934, o parágrafo 6 do artigo 121 determinava que restrições deveriam ser impostas à entrada de
imigrantes com o objetivo de garantir a “integração étnica e capacidade física e civil do imigrante”. Essas restrições estipulavam o limite anual, para cada nacionalidade, de dois por cento do número total dos respectivos membros já fixados no Brasil nos cinqüenta anos anteriores à aprovação da lei. Ficou ainda proibida, de acordo com parágrafo seguinte do mesmo artigo, a concentração de imigrantes em qualquer parte do território brasileiro." (GERALDO, 2009. p. 176)
33
de trabalho em grande quantidade. Essas medidas possibilitaram um grande fluxo de
trabalhadores pelo território brasileiro com migrações internas voltadas, principalmente, para os
centros urbanos do Sudeste.
Magalhães (2002) identifica algumas medidas tomadas pelo período republicano:
"(...)1) o reconhecimento da escravidão como um sistema inumano e aviltante (ao contrário da justificativa monarquista, escravista, da escravidão como tempo da colonização cultural dos negros e índios (...) 2) o reconhecimento da dívida cultural que a nação brasileira tem em relação aos negros(...)3) a idéia de que em quanto povo, os brasileiros "ultrapassam" os elementos formadores da nação." (MAGALHÃES, 2002. p. 120)
Com esses parâmetros desenvolvidos pelo período republicano, a transformação de
raça em termo cultural é reforçada por Gilberto Freyre em seu livro Casa Grande e Senzala
mencionando que "todo brasileiro mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma e no corpo a
sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro." (FREYRE, 2003. apud
MAGALHÃES, 2002. p. 121)
Quando todos os brasileiros passam a ter uma herança negra, branca ou indígena,
integrando-os de forma unívoca nacionalmente, passam a ter dificuldades na definição de
quem é negro no Brasil. ORTIZ (1994) chama atenção para "a construção de uma identidade
mestiça que deixa ainda mais difícil o discernimento entre as fronteiras de cor." Neste
momento, o mito das três raças é reforçado de maneira positiva, o que antes fadava o Brasil ao
fracasso, agora, é uma característica prosaica, e que cria uma ilusão de que todos são iguais e
apresentam um passado em comum, e encobre os conflitos raciais, possibilitando a todos se
"reconhecerem como nacionais". ORTIZ (1994)
Segundo MUNANGA (2008) a grande contribuição de Gilberto Freyre foi ter mostrado
que índios, negros e brancos tiveram contribuições positivas na cultura brasileira, sendo a
mestiçagem, que antes era vista por Nina Rodrigues, Silvio Romero, João Batista Lacerda,
Euclides da Cunha e outros como dano irreparável ao Brasil, para Freyre era uma imensa
vantagem. Como analisa MUNANGA (2008):
"Freyre consolida o mito originário da sociedade brasileira configurada num triângulo cujos vértices são as raças negra, branca e índia. Foi assim, que surgiram as misturas. As três raças trouxeram também suas heranças culturais paralelamente aos cruzamentos raciais, o que deu origem a uma outra mestiçagem no campo cultural. Da idéia dessa dupla mistura, brotou lentamente o mito de democracia racial; "somos uma democracia porque a mistura gerou um povo sem barreira, sem preconceito."" (MUNANGA, 2008. p. 77)
A identidade nacional brasileira, a partir da década de 1930, foi construída sob o mito da
democracia racial, ou seja, a sociedade brasileira é marcada por uma sensação de convivência
34
pacífica,"sem racismo", "segregação", "preconceito" e que todos vivem de maneira harmoniosa.
ANDREWS (1998) destaca na citação abaixo que Gilberto Freyre foi um dos principais autores
brasileiros e um dos responsáveis pela criação do mito da democracia que se perpetuou nas
relações sociais, levando a uma reprodução e amplificação da segregação dos afro-brasileiros,
através da construção de ideologias racistas capazes de manter uma sensação de falta de
obstáculos para a ascensão dos negros, desenvolvendo no imaginário a ideia de uma nação
igual, sem conflitos e com as mesmas oportunidades, bastando o "cidadão brasileiro" ir à luta,
ele conseguiria alcançar suas metas profissionais, econômicas e outras.
"Em vários livros e artigos publicados entre as décadas de 1930 e 1970, Freyre foi convincente no desenvolvimento do tema de um ―Novo Mundo nos trópicos‖, do Brasil como uma terra quase (não totalmente, mas quase) isenta de preconceito racial, e que poderia servir de exemplo parao resto do mundo resolver seus problemas raciais. Ele encontrou as raízes desse ―Novo Mundo‖ na experiência colonial do Brasil, e sobretudo em sua experiência supostamente benigna com a escravidão. Enfatizando os níveis relativamente baixos de preconceito racial entre os colonos portugueses no Brasil, e a escassez de mulheres européias na colônia, Freyre argumentou que o Brasil proporcionou o ambiente ideal para a mistura racial entre os senhores europeus e as escravas africanas. A ampla miscigenação ―dissolveu‖ qualquer vestígio de preconceito racial que os portugueses poderiam ter trazido de Europa, ao mesmo produzindo uma grande população de raça miscigenada. O resultado foi ―uma das mais harmoniosas uniões da cultura com a natureza e de uma cultura com outra que as terras deste hemisfério jamais conheceram‖. E quando o Brasil passou para os séculos XIX e XX, esta ―união harmoniosa‖ de negros com brancos formou a base da ―democratização ampla‖ da sociedade brasileira, e sua inexorável ―marcha para a democracia social‖." (ANDREWS,1998. p 28).
Ao mencionar alguns pontos principais das ideias de Gilberto Freyre, ANDREWS (1998)
identifica uma das maiores formas de controle racial e social do mundo, um “Racismo à
brasileira”. ANDREWS (1998) identifica também, que a visão do Racismo à brasileira ainda se
reproduz entre as classes dominantes, desenvolvendo uma cortina de fumaça e difícil de ser
dissipada para que possamos enxergar os detalhes desse forte controle racial. Como reforça
GONÇALVES (2006):
"Criado por elites brancas e laboriosamente inscrito no imaginário social, com a contribuição de eminentes cientistas sociais, o mito da democracia racial que se supõe existir no Brasil foi, provavelmente, um dos mais poderosos mecanismos de dominação ideológica já produzidos no mundo. Apesar de toda a crítica que a ele foi feita, permanece irresistivelmente atual. Por meio dele, ressalta-se o caráter miscigenador da sociedade brasileira: um povo mestiço, misturado, aberto aos contatos inter-raciais. Em uma palavra: pluriétnico." (GONÇALVES, 2006, p. 67).
Segundo MAGALHÃES (2001) com o fim da negação da categoria raça como
característica biológica e evolucionista, das políticas (direitos), culturais e sociais entre os
negros e os brancos ou descendentes de europeus, incorporou-se a numa única matriz híbrida,
35
em termos biológicos, culturais, sociais e políticos é o que MAGALHÃES (2001) denomina de
"Democracia Racial brasileira". Para MAGALHÃES (2001) Freyre foi o responsável pela difusão
do mito da democracia racial nas ciências sociais e os artistas modernistas e regionalistas nas
artes, desenvolvendo uma "solução" para a questão racial no Brasil.
O domínio luso-brasileiro sobre a cultura não é visto como hegemônico possibilitando
uma valorização da mestiçagem, permitindo assim a inserção do negro e do índio na formação
da nação brasileira, portanto, segundo MAGALHÃES (2001), a "estratégia nunca foi de
segregação dos negros e mestiços, mas de criação de um "transformismo" e de um
"embraquecimento" incorporando mestiços bem sucedidos ao grupo dominante." Esse
processo fica claro na abordagem de Oracy Nogueira sobre uma das formas ideológicas e
materiais do racismo brasileiro que ele denominou como preconceito racial de marca e
preconceito racial de origem.
Segundo NOGUEIRA (2006) o preconceito racial no Brasil é determinado como um
preconceito de marca e não de origem como nos Estados Unidos da América. Para
NOGUEIRA (2006) quando o preconceito de raça é vinculado à aparência, isto é, "quando
toma por pretexto para suas manifestações os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os
gestos, o sotaque, diz se que é de marca".
Ao analisar as diferenças entre o preconceito de marca e de origem, NOGUEIRA (2006)
destaca que no Brasil, a ideologia racial é ao mesmo tempo assimilacionista e
miscigenacionista. NOGUEIRA (2006) aponta que há uma forte expectativa para que o negro
desapareça, pelo sucessivo cruzamento com o branco e a noção geral é de que o
branqueamento da população será a melhor solução.
A ideologia assimilacionista deixa em aberto a importância do negro na constituição da
nação brasileira, desenvolve-se um "silêncio" sobre suas representações na sociedade,
permitindo assim, uma reprodução da ideologia do branco e a manutenção de relações
assimétricas de poder. É um processo de aculturação onde NOGUEIRA (2006), "espera-se que
indivíduo de outra origem, abandone, progressivamente, sua herança cultural, em proveito da
"cultura nacional". Sob esse prisma, a miscigenação, inserida na ideologia da democracia
racial, deixou de ser um caminho para acabar com o problema do negro para o futuro da
sociedade brasileira, e virou a marca de um país sem conflitos raciais. Bastante difundida pelos
livros didáticos, literários e pela mídia, durante muito tempo vigorou o discurso único do Brasil
como paraíso racial, sem conflitos e com uma relação de tratamento e de igualdade não
encontrada em lugar nenhum do planeta. Como podemos identificar nas palavras abaixo.
"Não obstante acobertar uma forma velada de preconceito, a ideologia brasileira de relações inter-raciais, como parte do ethos nacional, envolve uma valorização ostensiva do igualitarismo racial, constituindo um ponto de referência para a condenação pública de manifestações ostensivas e intencionais de preconceito, bem como para o protesto de elementos de cor contra as preterições de que se sentem vítimas. Além disso, dado o orgulho
36
nacional pela situação de convivência pacífica, sem conflito, entre os elementos de diferente procedência étnica que integram a população, as manifestações ostensivas e intencionais de preconceito assumem o caráter de atentado contra um valor social que conta com o consenso de quase toda a sociedade brasileira, sendo por isso evitadas". (NOGUEIRA, 2006. P. 298)
Existe no Brasil uma ideologia do branqueamento denunciada por NOGUEIRA (2006),
onde ressalta que quando um mulato ou "preto "sobe" socialmente, ele se desinteressa pela
sorte de seus companheiros de cor, chegando a negar a existência de preconceito." Cabe aqui,
levantarmos uma questão importante, a ideologia racista produzida e reproduzida pelos
instrumentos da sociedade civil, como escolas, partidos, igrejas, difundem uma sensação de
que uma melhor redistribuição da renda no Brasil poderia solucionar os possíveis problemas
raciais existentes. Esta perspectiva de análise nos remete ao conceito de ideologia de CHAUÍ
(2013) onde há um reducionismo econômico criticado por HALL (2003), no qual a autora
determina à questão econômica como uma última instância de análise e de solução.
Ficou evidente com o tempo, que a elite se apropria de um negro com elevado status
social e o coloca como exemplo ou referência para outros negros, negando assim a existência
de obstáculos para se alcançar um status na sociedade. Entretanto, não podemos confundir
obtenção de status social com o "fim do racismo" no Brasil
O mito da democracia racial brasileira começa a ser “dissolvido” segundo ANDREWS
(1998) através do autor Florestan Fernandes em uma pesquisa solicitada pela UNESCO na
década de 1950, onde atacavam o “mito” da democracia racial, revelando a realidade da
desigualdade e da discriminação racial no Brasil. SOUZA (2006) reforça que além de Florestan
Fernandes, citado anteriormente, os autores Guerreiro Ramos (1950, 1957) e Abdias
Nascimento (1982) tinham como finalidade o desmascaramento da democracia racial brasileira,
"mas alguns estudiosos serão acusados de americanizar as relações raciais brasileiras e
praticando um racismo às avessas." SOUZA (2006)
"O mito da democracia racial se desgastou com o fortalecimento do movimento negro, já no fim da ditadura militar, com denúncias sobre racismo e discriminação racial, e a acusação do mito como ideologia que impedia a ação anti-racista e a busca por uma identidade racial positiva" (MAGALHÃES, 2002 p.160).
E MAGALHÃES (2002) reforça o desgaste do mito da democracia racial na década de
1970 quando diz:
"(...) a democracia racial que se implantara no país nos anos 1930, seja como ideal de relações não-discriminatórias e não segregacionistas, seja como pacto político de participação das massas urbanas, seja como integração dos negros à nação, tal democracia pressupunha o papel subordinado de práticas religiosas de origem africana e o caráter sincrético da contribuição dos negros
37
à cultura nacional: não havia lugar para direitos a identidade ou singularidade. Mas, em meados dos 1970 era a reivindicação de tal identidade e singularidade que começava a ser atendida pelo Estado brasileiro, ao menos, no terreno da cultura." (MAGALHÃES, 2002. p. 161)
Um dos grandes problemas na sociedade é subrepresentatividade dos negros. Não
existem políticas, para a inserção dos negros, em massa. Por isso, que o mito da democracia
racial, é um "mito". Ele não cumpriu o que prometia. Houve a construção de uma ideologia
racial unindo a ideia raça a cultura e desenvolvendo, no Brasil, o chamado 'paraíso racial'. Este
"paraíso Racial" cria a sensação de permitir uma ascensão de "qualquer raça", por intermédio
de seus próprios esforços e de forma mais equitativa. MAGALHÃES (2002)
Houve, portanto, uma transformação do pensamento racial brasileiro com o surgimento
da República, a imagem do mestiço indolente, apático, atrasado é transformada em uma
"representação" ou contribuição enorme para a formação da sociedade brasileira. Não
somente os mestiços, mas também os negros. A formulação de ideologias racistas, a partir da
década de 1930 no Brasil, passam a influenciar as artes, as leis, criando uma concepção de
mundo nos brasileiros capaz de ocultar as diferenças raciais e tornar universal a sensação de
igualdade no Brasil. A utilização de exemplos de Racismo institucionalizados como nos
Estados Unidos e na África do Sul, possibilitaram o reforço da ideia de Brasil como Paraíso
Racial. Entretanto, vivemos em um país com uma da piores formas de estigmatização do outro
no mundo, capaz de "ocultar a divisão social, ignorar a contradição, escamotear a exploração e
a exclusão, dissimular a dominação e esconder a presença do particular, enquanto particular,
dando-lhe a aparência do universal." CHAUÍ (2013)
Como demonstramos no transcorre desse capítulo, a ideologia racista, busca através da
imputação de aspectos morais, intelectuais e culturais, relacionados à raça, estabelecer uma
diferenciação entre os seres no qual uns detém as condições para ocupar os melhores cargos
e serem os condutores da sociedade rumo ao progresso, enquanto outros estão fadados as
ocupações menos valorizadas e podem ser um perigo para qualquer processo civilizatório ou a
vida na sociedade dentro de parâmetros éticos de sociabilidade. Nesse processo, os estigmas
imputados a população negra tem, em termos de distorção ideológica, a função de legitimar tal
visão e tornar a exclusão social e econômica sofrida pelos negros, como também o preconceito
a discriminação que se abate sobre esses, independente da sua classe social, como algo
natural.
Mas como também demonstramos, nesse processo não há nada de natural. Tal
processo é fruto de uma construção social, regido por determinados interesses, no qual houve
o envolvimento de intelectuais, que munidos de uma determinada visão de ciência e progresso,
estabeleceram uma forma de abordagem dessa questão que depois foi difundida na sociedade,
através de meios de comunicação, escolas e outros aparelhos “privados” de hegemonia, além
38
da ação do Estado. Então foi um processo resultante de atores políticos e difundidos na
sociedade das mais diferentes formas.
Capítulo II - Educação, geografia e ideologia
II.1 - Educação, hegemonia e contra-hegemonia
A educação pode atuar na produção e reprodução do pensamento dominante,
corroborando com a manutenção das estruturas assimétricas de poder entre as classes sociais
ou na produção de novas concepções/visões de mundo (leituras do mundo) que não
dissimulem as relações de poder assimétricas e que sejam capazes de desenvolver
pensamentos e práticas contra-hegemônicas.
Para seguirmos nessa abordagem, faz-se necessário retornamos aos assuntos tratados
no capítulo anterior, onde destacamos a concepção de GRAMSCI (1978) sobre ideologia e seu
poder sobre a sociedade. Segundo o autor, o conceito de ideologia está ligado "a uma visão de
mundo, que se manifesta na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as
manifestações de vida individuais e coletivas." Vimos, também, que GRAMSCI (1978) crê na
existência de ideologias dominantes produzidas, principalmente, pela Sociedade Civil. Os
conceitos de ideologia e hegemonia em GRAMSCI (1978) estão ligados, pois, para ele,
"hegemonia é a capacidade da classe dominante em dirigir e dominar, intelectual e
moralmente, a outra classe." SOUZA (2006) O conceito de hegemonia de Gramsci, segundo
MODESTO (2014), se "antepõe à ideia de dominação". Para Gramsci, conforme MODESTO
(2014), "o conceito de hegemonia remete à ideia de direção, sendo vista como um complexo
sistema de relações e mediações, ou seja, uma completa capacidade de direção."
"(...) hegemonia é, ao mesmo tempo, direção ideológico-política da sociedade civil e combinação de força e consenso para obter o controle social. Os grupos sociais adquirem legitimidade nas interpretações promovidas por Gramsci. Uma classe ou grupo pode exercer seu domínio sobre o conjunto social porque não apenas é capaz de impor esse domínio, mas também de fazer os demais grupos sociais aceitarem-no como legítimo." (ACANDA, 2006 apud MODESTO, 2014. p. 84)
O conceito de hegemonia em Gramsci, portanto, relaciona o domínio das classes
dominantes sobre os dominados quando consegue dar a direção moral e intelectual da
39
sociedade, passando a agir como classe dirigente. Sendo assim, a Sociedade Civil15 é o
principal componente para a produção da hegemonia, pois é nela que se "difundem as
representações ideológicas" que se quer legitimar e obter o consenso na sociedade, como
consta nesse trecho do Caderno do Cárceres:
"A relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como ocorre no caso dos grupos sociais fundamentais, mas é "mediatizada", em diversos graus, por todo o tecido social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente os "funcionários". Seria possível medir a "organicidade" dos diversos estratos intelectuais, sua conexão mais ou menos estreita com um grupo social fundamental, fixando uma gradação das funções e das superestruturas de baixo para cima (da base estrutural para o alto). Por enquanto, podem-se fixar dois grandes "planos" superestruturais: o que pode ser chamado de "sociedade civil" (isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como "privados") e o da "sociedade política ou Estado", planos que correspondem respectivamente, à função de "hegemonia" que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de "domínio direto" ou de comando, que se expressa no Estado e no governo "jurídico". Estas funções são precisamente organizativas e conectivas. Os intelectuais são os "prepostos" do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) Do consenso "espontâneo" dado pelas grandes massas da população à orientação pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce "historicamente" do prestígio (e, portanto, da confiança) obtido pelo grupo dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de coerção estatal que assegura "legalmente" a disciplina dos grupos que não "consentem", nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais desaparece o consenso espontâneo." (GRAMSCI, 2000. p. 21)
Os intelectuais, "em diversos graus da sociedade", atuam na construção de um
consenso "espontâneo". Este é estimulado pelo processo de "mediatização" que acaba por
induzir à maneira como se deve enxergar o mundo. Portanto, a forma de ler o mundo perpassa
pela visão desenvolvida pelos intelectuais que atribuem valores e significados ao que deve ser
valorizado ou não. Esse juízo de valor é possibilitado pela mediação do prestígio e da
confiança depositada pela sociedade nos intelectuais. Quando o consenso deixa de ser
espontâneo, a Sociedade Política adentra como uma forma de "assegurar legalmente a
disciplina" daqueles grupos que não estão em comunhão com o projeto global, determinado
pelas classes dirigentes. A hegemonia das classes dirigentes ocorre não somente na política,
mas, sobretudo, em relação ao controle sobre a cultura, e assim, o desenvolvimento de uma
contra-hegemonia se dá com a criação de uma contra-cultura.
"Na Sociedade Civil as classes procuram ganhar aliados pra seus projetos através da
direção e do consenso." MORAES (2010) A classe dominante mantém um controle sobre os
meios de produção e de repressão, "mas principalmente pela capacidade de produzir e
15"Definida por GRAMSCI como arena da luta de classes, a sociedade civil é um âmbito de múltiplas relações de poder e
contradições, lugar de disputa de sentidos entre forças e grupos sociais, "esfera pluralista de organizações, de sujeitos coletivos, em luta ou em aliança entre si, [...] o espaço da luta pelo consenso, pela direção político-ideológica" (COUTINHO, 2000, p.18 apud MORAES, 2010. p. 58)
40
organizar o consenso, a direção política, intelectual e moral dessa sociedade." (ACANDA, 2006
apud MODESTO, 2014. p. 84).
Seguindo nesse sentido MODESTO (2014) define hegemonia em Gramsci como a
"habilidade do grupo dominante em não tentar impedir as manifestações dessa diversidade, e
sim, cooptá-las para seu projeto global de construção da trama social." Já, hegemonia em
Gramsci segundo o MORAES (2010), "pressupõe a conquista do consenso e da liderança
cultural e político-ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre outras."
Os dois autores, MORAES (2010) e MODESTO (2014), realizam uma leitura do
conceito de hegemonia em Gramsci como o domínio e o direcionamento de uma classe sobre
a outra com o intuito de legitimar e universalizar seus interesses específicos como vontade
coletiva. A hegemonia é construída de forma lenta e gradual e o direcionamento que é dado
pela classe dominante, segundo MORAES (2010), não depende somente de força material e
sim, deve ser alcançado por intermédio de estratégias de argumentação e persuasão,
modificando valores e mentalidades.
E, nesse sentido, a escola entra com um papel importante na produção de discursos e
sentidos para legitimar o poder da classe dominante sobre os dominados. A burguesia,
portanto, segundo MODESTO (2014), se vê obrigada a desenvolver consensos e, a escola16,
em nossa visão, é uma das formas de se determinar a direção e os rumos do que deve ser
idealizado sobre algo. Assim, as escolas são fundamentais como propagadoras de ideologias
que acabam direcionando "o pensar" a partir de uma "pedagogia da classe dominante".
"O processo de hegemonia inclui, então, disputa pelo monopólio dos órgãos formadores de consenso, como imprensa, partidos políticos, sindicatos, Parlamento etc, "de modo que uma só força modele a opinião e, portanto, a vontade política nacional, desagregando os que discordam numa nuvem de poeira individual e inorgânica."" (GRAMSCI, 2000. p. 265 apud MORAES, 2010. p. 67)
A criação de intelectuais por parte das classes é uma forma de se apropriar e cooptar
aqueles que são contra o pensamento hegemônico. Portanto, essa visão da educação como
respaldo para a reprodução hegemônica está baseada em Gramsci tendo como princípio
norteador a relação das classes sociais e a produção dos seus intelectuais.
GRAMSCI (2000) vê nos intelectuais o papel de condutores ou direcionadores da
produção do consenso "espontâneo". Sendo estes intelectuais não necessariamente
estudiosos, por exemplo, um empresário pode ser visto como um intelectual, pois passa a ter
suas determinações seguidas e se torna uma pessoa que serve de referência para outros e
16 "Gramsci considera os aparelhos privados de hegemonia como sendo aqueles portadores materiais da visão do mundo em
disputa, em luta pela hegemonia que agregam novos "aparelhos hegemônicos" que são gerados pela luta das massas (como sindicatos, os partidos, os jornais de opinião, etc), como também, os velhos "aparelhos ideológicos de Estado", herdados pelo capitalismo, tornaram-se algo "privado", passando a fazer parte da sociedade civil em seu sentido moderno (é o caso das Igrejas e, até mesmo, do sistema escolar). (MODESTO, 2014. p. 87)
41
acaba por orientar valores, ideias, posturas. Contudo, a escola, os partidos políticos e a Igreja
são os principais locais de produção desses intelectuais e de legitimação do poder das classes
dominantes por intermédio da construção de um consenso "espontâneo".
O professor, como um intelectual, é referência para seus educandos. Ele tem prestígio e
a confiança dos mesmos no processo de educar. Essas referências facilitam a construção de
leituras do mundo que o docente irá passar aos seus alunos.
Nos últimos anos, o papel da família no processo de educar foi reduzido com a
"hipertrofia da escola17". Assim, SAVIANI (2011) destaca que "a forma de educação dominante
no ocidente é a escolar." Desse modo, o papel do professor como referência ganha peso na
construção de influências que auxiliem na leitura de mundo que o educando irá se apropriar.No
entanto, podemos questionar quais leituras de mundo serão orientadas pelo professor.Nesse
sentido, o conceito de hegemonia em APPLE (1982) é fundamental para entendermos esse
levantamento entre educação como um ato político consciente ou não.
"(...) a hegemonia não se refere a um amontoado de significados que residem em nível abstrato em algum canto no "topo de nossa mente." Refere-se, antes, a um conjunto organizado de significados e práticas, ao sistema central, efetivo e dominante de significados, valores e ações que são vividos. Precisa ser compreendida a um nível diferente da "mera opinião" ou "manipulação" (APPLE, 1982. p. 14)
O professor na figura de um intelectual acaba por difundir ideologias que auxiliam no
processo de manutenção da hegemonia das classes dirigentes ou estimulam a criação de
novos olhares e leituras que o aluno aprende a fazer do mundo. Esse papel de incentivar o
educando a apreender que diversas vozes são silenciadas vai depender da visão de mundo
desse educador e da sua própria formação de professor, pois suas leituras, se influenciadas
por ideologias das classes dirigentes, acabam por dissimular as lutas e os conflitos na busca
da redução das relações sociais assimétricas de poder. Como APPLE (1982) destaca em seus
estudos, um dos maiores problemas dos educadores e seres políticos está em: "(...) apreender
formas de compreensão do modo como os tipos de recursos e símbolos culturais, selecionados
e organizados pelas escolas, estão dialeticamente relacionados com os tipos de consciência
normativa e conceitual "exigidos" por uma sociedade estratificada." (APPLE,1982. p.10)
O reconhecimento de que uma sociedade estratificada produz símbolos culturais é
fundamental para o professor compreender sua função diante do magistério e perceber que as
escolas "produzem e reproduzem formas de consciência que permitem a manutenção do
controle social sem que grupos dominantes tenham de recorrer a mecanismos declarados de
dominação". APPLE (1982) No entanto, esse autor admite que reconhecer esses símbolos não
é tarefa fácil, mesmo para os docentes. Segundo APPLE (1982) "a educação não é um
17 Termo utilizado por SAVIANI (sem data) para se referir ao crescimento da escola em número de alunos e ao mesmo tempo de
sua antecipação ao inserir em seus muros alunos cada vez mais jovens, além de ampliar o tempo de escolaridade.
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empreendimento neutro, que, pela própria natureza da instituição, o educador estava
implicado, de modo consciente ou não, num ato político." Em outras palavras, por mais que
pareça um paradoxo, nem sempre o docente percebe o poder de manutenção ou de
transformação que o processo educacional detém, em termos políticos.
Essa relação entre educação, ato político e professor, assume maior forma quando
estabelecemos uma análise desse tripé a partir do eixo entre hegemonia e a educação escolar.
APPLE (1982) parte dos estudos de Raymond Williams sobre o conceito de hegemonia em
Gramsci, para demonstrar o quanto a sala de aula, serve como um dos espaços para
construção de uma visão de mundo que se quer hegemônica. Conforme analisado por APPLE
(1982), Raymond Williams aponta a hegemonia como alguma coisa que é "verdadeiramente
total, não é fraca como a ideologia, mas sim, satura a sociedade a um tal ponto que acaba por
constituir o limite do senso comum para a maioria das pessoas que se acham sob seu
domínio." Hegemonia, portanto, na leitura de Raymond Williams "(...) todo um corpo de práticas
e expectativas; nossas tarefas, nossa compreensão comum do homem e de seu mundo. É um
conjunto de significados e valores que, à medida que são experienciados como práticas,
apresentam-se como se confirmando reciprocamente." (WILLIAMS, Raymond apud APPLE,
1982. p. 15)
As instituições educacionais servem como ferramentas para o processo de
incorporação de significados orientados pela cultura dominante, atuando nesse processo de
construção de uma hegemonia. Raymond Williams chama de tradição seletiva "a forma em
que, de todo um campo possível de passado e presente, escolhem-se como importantes
determinados significados e práticas, ao passo que outros são negligenciados." Seguindo essa
abordagem teórica, APPLE (1982) sustenta que a escola não é neutra, muito menos a prática
docente, pois "essa reivindicação ignora o fato de que o conhecimento que se introduz na
escola é uma escolha de um universo muito mais vasto de conhecimento e princípios sociais
possíveis." Assim, APPLE (1982) afirma que:
"Valores sociais e econômicos, portanto, já estão engastados no projeto das instituições em que trabalhamos, no "corpus formal do conhecimento escolar" que preservamos em nossos currículos, nas nossas maneiras de ensinar, e em nossos princípios, padrões e formas de avaliação. Uma vez que esses valores agora agem através de nós, quase sempre inconscientemente, a questão não está em como se manter acima da escolha. Está, antes, em quais são os valores que se devem, fundamentalmente escolher."(APPLE, 1982. p. 19)
Para APPLE (1982), portanto, vivemos sobre um conjunto de ideologias, que por
intermédio da construção de significados, passam a se incorporarem em nossos valores. O
predomínio de valores e princípios incorporados pela sociedade a partir das classes
dominantes ocorre de forma incisiva e direciona a um processo hegemônico e, ao mesmo
tempo, desenvolve uma aceitação dos "dominados" que encaram como "natural" ou agem de
43
forma inconsciente. A escola, segundo APPLE (1982), é um dos principais locais para o
desenvolvimento desse consenso "espontâneo" sobre os valores difundidos pelas classes
dirigentes. E para APPLE (1982), quando através da escola a sociedade enxerga a existência
da hegemonia das classes dirigentes, acaba na verdade, não sobrepondo os valores
difundidos, mas escolhendo apenas o caminho a seguir.
A visão do professor direcionada sobre um determinado assunto em sala de aula acaba
por nortear as primeiras leituras que o educando irá obter sobre um determinado tema, e,
dependendo da forma em que for ministrado o conteúdo, pode-se obter uma manutenção de
uma ordem hegemônica que reproduz relações sociais e raciais assimétricas ou a formação de
uma leitura de mundo, por meio dos conteúdos, que seja transformadora, libertadora.
Mas, será que o sistema educacional está vedado somente a reproduzir a "pedagogia
dominante"? Dentro da Sociedade Civil existem diversos conflitos, portanto, não existindo um
consenso sobre uma dominação da classe dominante, isto é, existem aqueles que não são
reprodutores do pensamento hegemônico e não são cooptados pelo projeto global e acabam
por produzir novas visões, que a partir das leituras sobre Gramsci são denominadas de contra-
hegemônicas. Isto é, se a sociedade civil é uma arena de lutas que reproduz as ideias das
classes dominantes, esta mesma arena de lutas é capaz de enfraquecer os consensos
firmados.
Nos estudos de MORAES (2010), no texto: "Comunicação, hegemonia e contra-
hegemonia: a contribuição teórica de Gramsci", o autor destaca o papel da mídia em reduzir o
fluxo de ideias contestadoras da ordem vigente, esvaziando as análises críticas e expressões
de dissensos. Para o autor, existem poucas vozes no debate e, as que existem (geralmente,
uma pequena parcela da população é quem controla os meios de comunicações enquanto a
maioria é consumidor das informações), são condicionadas em não alterar ou afetar os
interesses econômicos, corporativos ou políticos vigentes. As informações difundidas na mídia
acabam ganhando uma função social de "informar a coletividade" e a sensação de um filtro
realizado pelos jornalistas com o intuito de informar somente o que é de relevância para todos.
No entanto, o autor contesta essa ideologia baseada no processo de informar a todos e indica
que a mídia acaba por orientar as funções e papéis na sociedade.
Existe uma série de ideologias que diariamente criam e recriam leituras do mundo que
direcionam ao pensamento denominado de hegemônico. A contra-hegemonia está relacionada
à construção de formas diferenciadas das leituras que fazemos do mundo e das relações de
poder existentes, ou seja, a contra-hegemonia está baseada no desenvolvimento de novas
possibilidades, do múltiplo, da diversidade e não em uma visão única e universal da sociedade
pautada em visões das classes dirigentes. Assim, na contra-hegemonia tem-se a busca pelas
diversas vozes e existências na sociedade, não se limitando à cultura hegemônica.
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Dessa maneira, MORAES (2010) aponta um dos desafios do pensamento contra-
hegemônico:
"Um dos desafios centrais do pensamento contra-hegemônico consiste em alargar a visibilidade pública de enfoques ideológicos que contribuam para a reorganização de repertórios, princípios, e variáveis de identificação e coesão, com vistas à alteração gradual e permanente das relações de poder." (MORAES, 2010. p.73)
Embora MORAES (2010) tenha um foco na comunicação concentrada nas mãos de
poucos e clama por uma desconcentração ou reorientação do controle dessas fontes
divulgadoras das informações, a escola, em nosso entender, também necessita de uma nova
roupagem, uma busca por uma "visibilidade pública de enfoques ideológicos para a construção
de novos repertórios ou conteúdos". A hegemonia, portanto, não é uma construção monolítica
e, sim, o resultado de uma "relação de forças entre blocos de classes em dado contexto
histórico e, a contra-hegemonia institui o contraditório, findando com a ideia de uníssono e
universal" como apontam as ideologias desenvolvidas pelas classes dominantes e legitimadas
pelos aparelhos privados de hegemonia, como as escolas.
A educação é uma peça fundamental na construção de uma visão crítica da sociedade,
pode atuar como reprodutora das ideologias dominantes ou como ferramenta na construção de
novos modelos e de ruptura das relações de poder hegemônicas. O silenciamento de grupos
subalternos é uma das formas encontradas pela educação escolar de dissimular essas
relações assimétricas de poder e desenvolver a ideia de que todos estão caminhando em uma
única direção e, o Estado é o organizador desse processo. No entanto, é através de uma
educação libertadora que novas forças ou as silenciadas pelas classes dominantes ascendem
no cenário e reorientam as relações sociais e de poder existentes.
A educação não é determinada de maneira absoluta pela sociedade como
apontam algumas correntes pedagógicas, como a Crítico-reprodutivista. Para esta concepção a
educação escolar é moldada conforme os interesses das classes dominantes e, desse modo, é
reprodutora das relações de poder assimétricas. Como um todo, a "Educação é sim
determinada pela sociedade, mas que essa determinação é relativa e na forma de ação
recíproca - o que significa que o determinado também reage sobre o determinante." SAVIANI
(2011) Esta corrente pedagógica, que acredita em um processo dialógico entre a determinação
da educação pelas classes dirigentes e a mesma educação como libertadora das concepções
dominantes, é denominada por SAVIANI (2011) de histórico-crítico.
SAVIANI (2011) ao se referir a Pedagogia Histórico-Crítica aponta que tal concepção
surgiu a partir da escola, em específico, das práticas dos educadores. Dessa maneira, o
processo educacional ganha o sentido de que "(...) é preciso se posicionar diante de
contradições e desenredar a educação de visões ambíguas, para perceber claramente qual é a
45
direção que cabe imprimir à questão educacional." SAVIANI (2011) Assim, o professor, fazendo
parte de um processo que é ao mesmo direcionador e orientador de leituras que o educando
poderá construir do mundo, deve buscar os diversos lados das histórias, as vozes silenciadas
ou abafadas, as lutas subtraídas em suma, as diversas existências.
Podemos afirmar que o sistema educacional apresenta um papel fundamental na
manutenção das relações de poder assimétricas na sociedade ao tentar construir uma coesão,
uma ideia de unidade, dissimulando a segregação social, racial e espacial e potencializando a
produção do consenso.
II.2 - A importância da Educação contra o Racismo
Nosso objetivo nesta etapa do trabalho não é abordar de forma detalhada educadores e
correntes pedagógicas que influenciaram a educação brasileira, e sim, desenvolver um diálogo
entre a educação e as relações raciais no Brasil e atentar para a influência que a educação
apresenta no combate ao racismo não só no interior da escola, mas na transformação das
relações assimétricas de poder na estrutura racial da sociedade brasileira.
Em seu livro, "Afro-brasileiros, cotas e ação afirmativa: razões históricas", SISS (2003)
faz uma releitura do sistema educacional brasileiro, ao colocar como objeto de análise a
participação do negro neste processo. Segundo SISS (2003) no período Imperial brasileiro, a
Constituição de 1834 implementava o ensino primário gratuito aos cidadãos, no entanto, o
governo priorizava o acesso aos cursos superiores e ao Colégio Pedro II, que era "a principal
via de encaminhamento às faculdades e local de formação dos quadros do governo." A
exclusão de uma imensa maioria do processo educacional básico e superior possibilitava a
formação de um grupo seleto de pessoas, brancas, que sabiam ler e escrever e que votavam e
determinavam as diretrizes políticas. Ainda sobre SISS (2003), para ele, "O ensino básico não
se situava no horizonte das prioridades das classes dirigentes desse regime, que, na prática,
ignoravam a existência de brancos pobres e de africanos e de seus descendentes
escravizados ou livres." Portanto, as análises feitas por SISS (2003) sobre o acesso dos negros
aos bancos escolares no período Imperial no Brasil, destacam mais "os debates que
realizações" subrepresentando o negro no processo educacional.
Segundo ASSIS (2003) e MUNANGA (2008) o negro, com o fim da abolição, passa a
ser visto como um diferente capaz de disputar com os brancos os espaços de poder existentes
na sociedade. Sendo assim, o desenvolvimento de práticas racistas torna-se uma forma de
impedir o acesso em massa de negros aos espaços de decisão e de produção intelectual.
Já no período Republicano criam-se novos olhares sobre o Brasil, "dando início à
construção de um país moderno com discussões sobre federalismo, democracia e educação."
SISS (2003) No entanto, os negros permanecem em menor número nos bancos escolares.
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"No período que vai do início do século XX até a implantação do Estado Novo e no contexto de uma ideologia dita liberal então vigente, a educação irá se constituir numa das principais demandas dos afro-brasileiros. Era ela concebida como o único canal possível de integração à sociedade e de ascensão social." (SISS, 2003. p. 38)
A Frente Negra Brasileira estimulava através de canais como a mídia escrita,
direcionada aos negros, "a necessidade dos pais colocarem seus filhos nas escolas, também,
de que os próprios pais a frequentassem, inclusive à noite." SISS (2003) Essa era vista pelo
movimento na época como uma forma de alcançar uma ascensão social. Já na década de
1930 com a construção de um "Brasil moderno", há uma reconfiguração da identidade nacional
(como já levantado aqui, em capítulo anterior), onde Gilberto Freyre, segundo SISS (2003),
direciona a mestiçagem biológica vista como negativa para o país em direção a um viés
cultural, ou seja, "a mestiçagem é percebida como sendo altamente positiva, completando
"definitivamente os contornos de uma identidade que há muito vinha sendo desenhada."
"A se creditar em Freyre, através da mestiçagem a sociedade brasileira constitui-se como sincrética; portanto, as portas da igualdade de realização econômica, social e política estão abertas aos diversos grupos raciais exatamente por não existir aqui discriminação que tenha por base a raça ou cor. Por consequência, as desigualdades raciais são mantidas fora da arena política, local por excelência da resolução de conflitos." (SISS, 2003. p. 51)
É, portanto, junto com a construção de um "paraíso racial brasileiro" que o processo
educacional é colocado como facultado a todos. E esse acesso colocado como aberto a todos
e fácil acesso, é na verdade, formado por diversos obstáculos que se iniciam nas estruturas
precárias que a maior parte dos estudantes negros encontra nas escolas SISS (2003), somado
as clivagens sociais e espaciais que dificultam a mobilidade tanto vertical (socialmente), quanto
horizontal pelo espaço e ao processo de discriminação e racismo que acabam por dificultar à
maioria dos negros a inserção no ensino básico de qualidade.
Nas décadas de 1940 e 1950 os negros continuaram sendo inseridos de forma lenta no
processo educacional, como vemos nos dados abaixo.
"(...) em 1940, os brancos tinham uma possibilidade 3,8 vezes maior que os não-brancos de completar a escola primária, 9,6 vezes maior de completar a escola secundária e 13,7 vezes maior de receber um grau universitário. Em 1950, as possibilidades passam a ser de 3,5 vezes maior na escola primária, 11,7 vezes maior na escola secundária e 22,7 vezes maior no nível superior." (HASENBALG,1979. p.186 apud SOUZA, 2006. p.246)
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Dando um salto no tempo, em 1999, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE, segundo SOUZA (2006), declarou em uma pesquisa18 que "a taxa de analfabetismo para
brancos é de 8,4%; para os negros é de 21,6% e para os pardos é de 20,7%", evidenciado as
diferenças de acesso e de condições de estruturas escolares vivenciadas ou não pelos negros
e pardos (Acreditamos que os pardos somam-se aos negros). Dessa maneira cria-se uma
imagem do negro que para SOUZA (2006) é revelada como "negro sem instrução"
desenvolvendo este estereótipo reproduzido como sendo inerente à raça ou a cor de pele, no
caso do Brasil, servindo para legitimar a ideologia racista reinante.
Utilizando dados mais recentes, apenas para fins de ilustração das disparidades
existentes no acesso, manutenção e qualificação dos negros em relação aos brancos, na
Síntese de Indicadores Sociais - uma análise das condições de vida da População Brasileira -
2009, produzida pelo IBGE, destaca-se que a população jovem de 18 a 24 anos de idade com
11 anos de estudo é considerada como essencial para avaliar a eficácia do sistema
educacional de um país. De maneira geral, foi constatado que no Brasil os jovens apresentam
uma escolaridade baixa, apenas 36,8%, muito embora, segundo o IBGE tenha dobrado em
relação ao ano de 1998. Ou seja, existem poucos jovens com um nível de escolaridade que
alcance 11 anos de estudos no país, mas, quando esses dados caminham para uma análise a
partir da cor ou "raça" os brancos apresentavam 40,7% enquanto pretos e pardos 33,3%.
No entanto, embora uma análise da escolaridade a partir da raça ainda demonstre que
os negros em relação aos brancos apresentam estatísticas inferiores, nos últimos anos,
segundo SOARES et al (2007), os indicadores sociais entre os anos de 1995 a 2005
apresentaram uma redução considerável, apontando um crescente acesso de negros aos
diversos segmentos da educação brasileira. Para SOARES et al (2007)a taxa líquida de
matrícula é o fator mais importante como ferramenta de análise da educação, pois ele relaciona
a porcentagem de meninos e meninas frequentando a escola no nível adequado. Ou seja, sem
a distorção entre a idade do aluno e sua série ou ano.
Segundo SOARES et al (2007) os níveis de acesso à creche e a pré-escola vêm
aumentando consideravelmente e os diferenciais entre brancos e negros neste segmento, são
bastante pequenos. Já, na faixa etária entre 7 a 10 anos, no primeiro ciclo do ensino
fundamental, aumentou o número de alunos neste segmento, passando de uma taxa de
matrícula líquida de 76,1% de negros no ano de 1994/95 para 92,4% em 2005, os brancos se
encontram com 96%. No segundo ciclo do ensino fundamental, a taxa líquida de matrícula de
alunos negros e negras de 11 a 14 anos é de 68%. Isto significa, segundo SOARES et al
(2007) "que muitos desistiram ou se encontram ainda no primeiro ciclo do ensino fundamental,
enfrentando repetência e com poucas perspectivas de atingirem um nível de escolaridade mais
elevado."
18 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - 1998.
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No Ensino Médio, conforme SOARES et al (2007), dois entre três jovens negros já
desistiram da escola sem ingressar no Ensino Médio ou se encontram em defasagem com o
ensino. Já em relação aos jovens brancos, dois entre três jovens estão no nível adequado, a
caminho da conclusão do ensino médio. Mesmo assim, embora os brancos ainda tenham uma
estatística mais favorável, nos últimos anos - entre 1995 a 2005, conforme os estudos de
SOARES et al (2007) - os negros saíram de uma taxa de matrícula líquida no Ensino Médio de
12,1% para 36,2%.
SOARES et al (2007) aponta que a probabilidade de um branco chegar ao ensino
superior é de 19,0% e de um negro 6,6%. Embora a taxa referente aos negros seja inferior a
dos brancos, nos últimos anos (1999 - 2005), saiu de 2,5 para 6,6%, ou seja, um crescimento
considerável se olharmos que em anos anteriores, de 1995 a 1998, passou de 2,0% [em 1995]
para apenas 2,1% [em 1998].
Nos últimos anos as estatísticas de acesso de estudantes negros e negras, em
especial, nos primeiros ciclos de ensino básico praticamente se universalizaram (não estamos
levando em conta a qualidade desse acesso). Houve também uma ampliação do acesso aos
níveis médio e superior de escolaridade, no entanto, as disparidades entre negros e brancos
ainda existem, em menor grau, recuaram e as taxas líquidas de matrícula vêm caindo para os
dois ciclos do nível fundamental.
É bem verdade que o mito da democracia racial, ideologia racial vigente até a metade
do século XX, favoreceu a manutenção desse fosso entre negros e brancos no acesso e
sustentação nos bancos escolares. Portanto, a raça como um instrumento no sentido biológico
desapareceu, mas como controle político e ideológico, ainda permanece como forma de
clivagem social.
Esse pequeno recorte histórico demonstra o quanto o benefício que o processo da
educação escolar pode trazer para a população negra, só recentemente teve um maior
incremento. Contudo, não basta o acesso da população negra a escola e a universidade para
que a educação se transforme em algo proveitoso socialmente para esse segmento. O poder
de transformação que a educação detém, só surtirá o efeito esperado se a população negra
tiver acesso a uma educação escolar de qualidade e que possa responder as suas
necessidades.
SISS (2003) ressalva que: "a educação ocupa um lugar histórico e fundamental nos
processos de construção e de implementação de cidadania plena dos diferentes grupos raciais
ou étnicos brasileiros". SISS (2003) Para o autor, a educação é uma ferramenta de
estratificação social capaz de possibilitar processos de mobilidade vertical ascendente. Nesse
caso, a verticalização social não é capaz de eliminar as práticas racistas na estrutura da
sociedade, no entanto, permitiria a criação de referências para os estudantes negros, por
exemplo.
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As escolas que encontramos hoje, ainda apresentam conteúdos que acabam por
reforçar estereótipos criados em relação à população negra, práticas docentes que intensificam
as desigualdades raciais na escola, com profissionais pouco preparados para rever seus
conteúdos e práticas, além, de uma educação voltada para o mercado de trabalho e não para
possibilitar o desenvolvimento de mentes que sejam capazes de reconhecerem o silenciamento
de diversas lutas pelas classes dominantes. Dessa forma, SOUZA (2006) vê a escola como:
"A escola, em tese, deveria ser um lugar onde a igualdade de oportunidades fosse plenamente exercida. No entanto, a escola brasileira tem privilegiado as propostas curriculares que reproduzem a ideologia da classe dominante e, consequentemente, negligencia as necessidades do aluno negro que é a parte mais prejudicada da população escolar." (SOUZA, 2006. p.250)
De maneira geral, a educação brasileira esteve pouco receptiva a entrada de negros em
massa, em especial, nas instituições de qualidade do país e nos cursos superiores mais
concorridos. Nesse sentido, a educação que poderia apresentar-se como uma forma de luta
anti-racismo, acaba por reproduzir tendências raciais assimétricas da sociedade.
"O Racismo é a mais pura dominação de um grupo étnico que se coloca em lugar de
suposta superioridade sobre outro grupo étnico, que se situa em uma posição de suposta
inferioridade." STREY (2011) Mas, como a educação pode atuar em um movimento anti-
racismo? A educação é um dos caminhos para a eliminação do racismo no país. Nesse
sentido, a educação funciona como uma forma de denúncia das relações raciais desiguais
existentes não somente na escola e no ensino básico, mas como levanta STREY (2011), nos
Institutos de Ensino Superior do país ou como em casos de negros que são condenados pelos
seus aspectos físicos nos tribunais de "justiça". Assim, a educação pode atuar como uma forma
de quebrar o silêncio do racismo à moda brasileira desmitificando a democracia racial existente
que ainda se propaga pelas salas de aula, pelos conteúdos ministrados, currículos, etc.
A Educação antirracista, segundo MUNANGA (2008/2010), tem a obrigação de
"reconhecer a diversidade cultural" e, a partir dela, haverá uma proteção das culturas
minoritárias. Ou seja, a educação precisa reconhecer as diversas existências no âmbito escolar
e trabalhar os mais variados assuntos ou conteúdos, não somente um padrão monocultural. A
hierarquização dos conteúdos acaba por direcionar e legitimar o que se deve trabalhar em sala
de aula e o que é "relevante ou não". Portanto, MUNANGA (2008/2010) vai ao encontro de
APPLE (1982) quando afirma que existe uma hierarquização de conteúdos determinando a
relevância do que deve ser trabalhado em sala e o que é silenciado. Como mencionamos em
parágrafos anteriores, APPLE (1982) chamou de "tradição seletiva" este processo de
legitimação e construção de relevância apenas para determinados assuntos.
50
Tais conteúdos selecionados, como afirma MUNANGA (2008/2010), incentivam a construção
de uma "educação eurocêntrica que não respeita nossas diversidades de gêneros, sexos,
religiões, classes sociais, "raças" e etnias." Para MUNANGA (2008/2010), portanto, deve-se
construir uma educação voltada para os Direitos Humanos onde "realizaria todas as pessoas e
promoveria relações de paridade e de equidade entre sexos e as raças como garantia do
respeito de todos e de todas na resolução dos problemas humanos." MUNANGA (2008/2010).
"A educação reivindicada pelo movimento negro no Brasil, argumenta Nilma Lino Gomes, atravessa uma situação de tensão dupla entre configurar-se, de fato, como direito social para todos, e reconhecer e respeitar as diferenças. Ao assumir essa dupla função, acrescenta Gomes, a escola brasileira desde a educação básica até o ensino superior é responsável para construir práticas, projetos e iniciativas eficazes de combate ao racismo e de superação das desigualdades raciais" (GOMES, op. cit. p. 102 apud MUNANGA, 2008/2010. p.45)
A busca por uma educação antirracista deve ocorrer por intermédio do reconhecimento
da valorização da "diversidade (histórica e cultural) e ao conhecimento do outro visando todas
as formas de comunicação intercultural." MUNANGA (2008/2010) O reconhecimento das
diversidades permite novos olhares e a possibilidade de tratar os "desiguais de forma desigual",
ou seja, em uma sociedade em que as oportunidades não são as mesmas, tratar de maneira
igual a todos é sucumbir na ausência de direitos para determinados grupos. A cidadania
completa perpassa pelo acesso do cidadão à educação. Assim, medidas voltadas para a
inserção dos negros, como as políticas afirmativas, tem como um dos objetivos garantir a
entrada aos diversos segmentos do sistema educacional.
Portanto, ressalva MUNANGA (2008/2010):
"Enquanto o modelo clássico de educação partia de uma concepção geral abstrata da igualdade, próxima da ideia da cidadania e, a partir, construía uma hierarquia social fundamentada no mérito, o novo modelo de educação que defendemos parte da observação das desigualdades de fato e procura corrigi-las ativamente por meio de políticas afirmativas, dentro de uma visão realista e não idealizada." (MUNANGA, 2008/2010. p.46)
MUNANGA (2008/2010) aponta que o processo de globalização não promoveu a
homogeneização ou um alisamento do espaço, ao contrário. Para MUNANGA (2008/2010), a
globalização intensificou o surgimento de movimentos que pleiteiam o reconhecimento de suas
identidades e uma busca por uma "convivência igualitária das diversidades." Tais movimentos,
que buscam "construir políticas sobre a diversidade cultural e implantá-las no sistema
educacional." MUNANGA (2008/2010)
Então, como seria uma educação antirracista? Segundo MUNANGA (2008/2010) uma
"educação cidadã baseada nos valores da solidariedade e do respeito das diversidades que
51
garantem nossa sobrevivência, enquanto espécie humana." OLIVEIRA (2006) dialoga com
MUNANGA (2008/2010) quando destaca que os estudantes devem ser sujeitos de sua própria
história e que, a educação não seja suficiente, é necessária para que seus usuários se
"apropriem de seus conhecimentos sobre os fatores determinantes da sua situação, quer seja
material, física, psíquica, emocional, socioeconômica ou particularmente racial, tenha
condições de interferir em situações a serviço do bem estar humano."
Mas para que ocorra um processo de reconhecimento das diversas identidades e
apropriação do conhecimento em prol de intervenções dos sujeitos a serviço do bem-estar da
humanidade e pela uma educação antirracista, OLIVEIRA (2006) aponta que é de fundamental
importância uma concepção pedagógica comprometida com a promoção da população negra.
Segundo OLIVEIRA (2006) as séries iniciais têm sérios problemas em relação ao
conhecimento propagado pelos cursos de pedagogia que perpassam uma visão limitada de
cada área que o professor terá que trabalhar. Lembramos que no ensino infantil e no primeiro
ciclo do ensino fundamental um único professor é responsável por ministrar diversas
disciplinas, desse modo, para autora, "não permite ao licenciando a aquisição de
conhecimentos das áreas com as quais irá trabalhar." Ou seja, não há um aprofundamento nos
temas, devido a essa formação geral. O profissional da educação, conforme OLIVEIRA (2006),
deve:
"(...) adquirir a habilidade de selecionar conteúdos a partir pelo menos dos seguintes critérios: relevância social e acadêmica, o contexto em que vivem os alunos, a diversidade fenotípica, cultural e socioeconômica e as expectativas da comunidade em relação ao papel social da educação escolar." (OLIVEIRA, 2006. p.51)
Para a autora OLIVEIRA (2006), portanto, cabe ao professor o papel de criar um filtro
dos conteúdos considerados relevantes e adequados à realidade do lugar e, ao mesmo tempo,
atentar para os saberes sobre a população negra. Segundo OLIVEIRA (2006) a implementação
de uma pedagogia progressista é a única maneira de se construir uma "concepção
comprometida com a transformação da sociedade e, portanto, com a eliminação de qualquer
tipo de discriminação." OLIVEIRA (2006) A autora destaca que a Escola Nova não apresenta a
capacidade de inserir no âmbito escolar uma educação das diversidades, pois o escolanovismo
não tem o compromisso com a transformação social e sim, com o ajustamento do educando à
sociedade, algo que vai de encontro com as propostas tanto de OLIVEIRA (2006) quanto de
MUNANGA (2008/2010).
A educação escolar é um elemento de vital importância na luta contra o racismo nos
nossos dias. Com o trabalho escolar, abre-se uma forma de lutar contra o racismo,
demonstrando seu conceito, os interesses inseridos no seu processo, a força dos estigmas,
como se difundi na sociedade e seu impacto sobre a população negra. Em outras palavras,
favorece a luta contra o racismo, no qual munidos por uma ideologia anti-racial, se utiliza o
52
conhecimento e a reflexão para inverter a visão ideológica que sustenta o preconceito e a
discriminação contra o negro, principalmente numa sociedade como a nossa no qual reina um
racismo camuflado.
II.2.1 - A Geografia escolar e a Lei 10.639/03
Respondendo a uma demanda histórica do Movimento Negro, desde o período da
Frente Negra, a Lei 10.639/0319determina que os estabelecimentos de ensino insiram,
obrigatoriamente, a História e cultura afro-brasileira, assim como da História da África, dos
negros e dos africanos tanto nos estabelecimentos públicos e privados de ensino no Brasil. A
criação da Lei 10.639/03 é justificada pelo reconhecimento da necessidade de políticas
públicas e de reparação social, implementadas pelo Estado brasileiro, o que possibilitou o
desenvolvimento de novas referências na própria escola e nos livros didáticos sobre a história
dos negros no Brasil e do continente africano, reforçando a luta contra a visão de Brasil como
"país da Democracia Racial".
Para SANTOS (2015) a Lei 10.639/03 serve como “um poderoso e central instrumento
na superação do racismo" utilizando como ferramenta a educação. A lei 10.639/03 e as
políticas afirmativas20 são consideradas por SANTOS (2015) como as maiores conquistas das
lutas implementadas pelo Movimento Negro no Brasil, tais conquistas iniciaram alterações
significativas no combate ao racismo, em especial, nos bancos escolares.
―As desigualdades não são, portanto, geradas apenas em um momento específico (como o exame de ingresso na universidade, o vestibular), mas são resultados das múltiplas manifestações do racismo por toda a trajetória educacional dos alunos, em todos os níveis do ensino, desde a Educação Infantil até a formação universitária em todos os seus estágios.‖(SANTOS, 2015. p. 318)
A criação das políticas afirmativas é uma vitória do Movimento Negro, no entanto, ao
pensarmos em um exemplo de ação afirmativa como a política de cotas para negros nos
Institutos de Educação Superior, vemos que é uma política não definitiva, temporária, com o
19O texto da Lei 10.639/03 na íntegra determina que: "Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares,
torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste
artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.§ 2
o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras." (BRASIL, Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm, acessado em 05/01/2016) 20
Ações afirmativas ou políticas afirmativas são entendidas como políticas públicas que pretendem corrigir desigualdades
socioeconômicas procedentes de discriminação, atual ou histórica, sofrida por algum grupo de pessoas. Para tanto, concedem-se vantagens competitivas para membros de certos grupos que vivenciam uma situação de inferioridade a fim de que, num futuro estipulado, esta situação seja revertida. Assim, as políticas de ação afirmativas buscam, por meio de um tratamento temporariamente diferenciado, promover a equidade entre os grupos que compõem a sociedade. (BERNARDINO, 2002. p.256)
53
intuito de redução das diferenças raciais, nos bancos escolares, entre negros e brancos. Já a
Lei 10.639/03 possui uma capacidade de atacar as bases produtoras desse Racismo à
brasileira. As transformações nas práticas docentes, no ensino em relação ao continente
africano e aos negros no Brasil vem auxiliando na redução dessa visão de branquitude inserida
nas escolas brasileiras e nos conteúdos ministrados.
O Geógrafo Renato Emerson dos Santos defende que:
"(...) o objetivo da Lei é reposicionar o negro e as relações raciais no mundo da educação, o que requer inserir conteúdos, mas também rever conteúdos, rever práticas e posturas pedagógicas, materiais e métodos pedagógicos, rever conceitos e paradigmas, transformar a forma como as escolas executam a coordenação das relações raciais no seu cotidiano (marcado pela reprodução da discriminação e pelo silenciamento diante do racismo), transversalizar a discussão pelas diferentes disciplinas, enfim, uma pauta bastante robusta, diversa e complexa que mexe diretamente nos jogos de poder em todos os âmbitos de construção e regulação das práticas educativas." (SANTOS, 2015. p. 320)
A Lei 10.639 extrapola os limites da sala de aula e influencia uma revisão nas relações
de poder na sociedade brasileira. Esta revisão nas relações de poder se dá a partir de uma
educação que assegure o direto à cidadania, estabelecendo o reconhecimento de suas
identidades e garantindo seus direitos. Reconhecer, segundo o parecer sobre o assunto:
"Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana", desenvolvido em 2004 pelos autores
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (Relatora), Carlos Roberto Jamil Cury, Francisca
Novantino Pinto de Ângelo e Marília Ancona-Lopez, implica:
""justiça social e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos aos negros", "adoção de políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade", "exige que se questionem relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que desqualifiquem os negros e salientam estereótipos depreciativos", "valorizar, divulgar e respeitar os processos históricos de resistência negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes na contemporaneidade", "exige valorização e respeito às pessoas negras""(BRASIL, MEC. 2004)
Portanto, a Lei 10.639/03 desencadeia uma série de transformações que de forma
concomitante são necessárias para sua aplicação e, ao mesmo tempo de sua aplicação nas
instituições de ensino, tornar-se-ão fundamentais para o reconhecimento das diversidades
étnico-raciais e a necessidade de se repensar as relações raciais continuamente.
A criação da Lei 10.639 não garante a aplicação de seu texto nos conteúdos escolares
de forma a contemplar os reconhecimentos necessários à construção de uma sociedade
menos desigual racialmente. Existe uma diferença entre a criação da Lei 10.639/03 e sua
aplicação. Segundo SANTOS (2011) a Lei 10.639 encontra no espaço escolar uma gama de
atores que não estão preparados para sua aplicação, além de materiais pedagógicos
54
desprovidos do conteúdo proposto e inadequados oferecendo uma base para a reprodução do
racismo. Sendo relatadas, em trabalho publicado pelo autor, algumas dificuldades encontradas
pelos docentes em escolas públicas, entre elas: dificuldade de formação sobre o tema, falta de
materiais que auxiliem na preparação das aulas sobre o tema e o engessamento do currículo
da disciplina geografia.
Dessa forma, SANTOS (2011) fala sobre o ambiente em que a Lei 10.639 irá encontrar
nas instituições de ensino.
"Ela encontra um ambiente escolar composto majoritariamente por atores que não foram preparados para construir uma educação anti-racista, bem como materiais pedagógicos inadequados e portadores de aspectos que oferecem sustentação à reprodução do racismo. É neste ambiente que alguns professores, pais, coordenadores pedagógicos, direções escolares, bem como ativistas anti-racismo, travarão disputas por interpretações na aplicação da Lei." (SANTOS, 2011. p.07)
Há uma série de dificuldades encontradas por SANTOS (2011) para a aplicação da Lei
10.639/03 nas instituições de ensino. Um deles é o próprio texto da Lei, ao não colocar
diretamente a palavra ou disciplina geografia. Esta não inserção deixa dúvidas ou cria uma
sensação de não responsabilidade dos professores de geografia em trabalharem com o
conteúdo descrito pela Lei 10.639. A ausência da palavra geografia não justifica a exclusão dos
conteúdos propostos pela Lei 10.639 nos currículos e práticas docentes, até porque, no próprio
texto consta que: "Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar." (BRASIL, 2003) Isto significa que mesmo a
disciplina geografia não sendo introduzida como especial no texto da Lei, os conteúdos sobre a
História e cultura afro-brasileira devem estar inseridos no currículo.
O professor e pesquisador Renato Emerson dos Santos destaca a geografia como uma
ciência capaz de desenvolver construções de visões de mundo capazes de determinar na
direção de uma educação antirracista ou em prol da igualdade racial.
"Aspectos ligados à questão racial integram os conteúdos programáticos do ensino escolar de Geografia, mas, a agenda colocada pela Lei 10.639, enquanto conquista das lutas históricas do Movimento Negro no Brasil, enseja a revisão da forma como o ensino desta disciplina vem contemplando (ou não) tais problemáticas: A Lei busca rever currículos, rever conteúdos, rever práticas pedagógicas. Ela enseja uma reflexão crítica acerca de como essas questões são tratadas dentro do ensino de Geografia, mo intuito de que este saber, fundamental na construção de visões de mundo e comportamentos e posicionamentos, contribua com o projeto de "educar para a igualdade racial". (SANTOS, 2013. p.22)
A geografia transmitida aos alunos do ensino básico, por intermédio de suas
construções ideológicas, condiciona e proporciona a formação de visões de mundo que podem
55
caminhar em direção as construções hegemônicas de poder. A geografia escolar, portanto, é
associada pelos alunos (através de um senso comum) como a ciência responsável pelo estudo
da nação, do "território nacional", destacando principalmente, os aspectos naturais que formam
as paisagens brasileiras. Não iremos abordar agora esta relação entre geografia e a
construção da nação brasileira, mas, é necessário entender que esta disciplina escolar
funcionou como fonte de construção de uma nação racialmente desigual, dissimulando as
hierarquias espaços-sociais criadas.
Yves Lacoste, na década de 1970, em seu livro: "A geografia - isso serve em primeiro
lugar, para fazer a guerra", questiona a relação entre os conhecimentos geográficos escolares
e universitários trabalhados em sala de aula. Estes utilizados para a memorização e o "saber
espacial" dominado e controlado pelo Estado e por suas instituições para manterem um
controle sobre as relações de poder desiguais. Para Lacoste, a geografia escolar dissimulava,
"aos olhos de todos, o terrível instrumento de poder que é a geografia para aqueles que detêm
o poder." LACOSTE (2008)
A geografia escolar, até a década de 1970, seguia um paradigma denominado como
geografia moderna ou tradicional. Com a produção científica de alguns autores, entre eles,
Milton Santos e Yves Lacoste, houve uma denúncia da geografia escolar e universitária
trabalhada em sala de aula e a geografia dominada pelo Estado no controle do saber e das
relações de poder exercidas por e através do domínio do espaço geográfico21.
"Na verdade, a função ideológica essencial do discurso da geografia escolar e universitária foi sobretudo a de mascarar por procedimentos que não são evidentes, a utilidade prática da análise do espaço, sobretudo para a condução da guerra, como ainda para a organização do Estado e prática do poder." (LACOSTE, 1988. p. 25)
A função da geografia escolar denunciada por Lacoste e Milton Santos na década de
1970, era de dissimular a realidade, "fazia da geografia um saber simples, inútil e ingênuo, mas
só na aparência", "por trata-se de um poderoso recurso de inculcação de idéias que convergem
aqui para a legitimação do Estado." MOREIRA (2007). A geografia, portanto, legitimou a
construção de uma nação com o desenvolvimento de uma ideologia centralizadora,
universalizante entre os povos que existiam, vinculando-os ao território brasileiro. A sensação
de que os "brasileiros" formam uma engrenagem e que todos trabalham em prol de um bem
comum, isto é, uma visão criada como universal, na verdade, como vimos no capítulo um, é
formada como sendo um direito/dever de todos, mas, esse direito é dado somente a alguns
cidadãos.
21 "O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de
ações não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá." "Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma com se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma." (SANTOS, 2009. p.63)
56
A geografia escolar tem um papel fundamental em realizar a construção de visões
variadas do mundo, leituras diversas que não sejam centradas em uma única direção
hegemônica. Buscar desenvolver uma leitura contra-hegemônica da sociedade e interpretar
como essas relações de poder determinam ou são produzidas a partir de suas relações
espaciais é uma função que a geografia como ciência deve desempenhar e transmitir essas
formar de leituras do mundo em sala de aula.
Segundo SANTOS (2013), a geografia escolar tem um papel fundamental para a
formação humana. A Lei 10.639 aplicada ao ensino de geografia insere a temática racial, no
entanto, a forma como essa temática é abordada na prática depende da forma como o
professor enxerga a sociedade, ou seja, de sua visão de mundo. Nesse sentido, SANTOS
(2013) destaca que o "sentido de aprender e ensinar geografia são se posicionar no mundo."
Para o autor, se posicionar no mundo é: "(i) conhecer sua posição no mundo, e para isto o
indivíduo precisa conhecer o mundo"; (ii) tomar posição neste mundo, que significa se colocar
politicamente no processo de construção e reconstrução deste mundo." (SANTOS, 2013. p. 27)
"Posicionar-se no mundo" é desenvolvido no olhar do discente, não somente pela
escola ou muito menos, pela geografia, entretanto, esta disciplina escolar tem um papel
fundamental na construção de visões de mundo. Tal processo, geralmente, é construído a
partir de uma visão do capital, desenvolvendo uma análise da sociedade em uma escala linear,
pautada em um "reducionismo econômico" HALL (2003) e inserido como uma linha evolutiva
das sociedades no mundo. Essa linearidade evolutiva, por exemplo, pode ser percebida na
classificação dos países em mais ou menos “evoluídos". Esse processo de uma visão única e
linear sobre a "evolução da sociedade" tende a ser extremamente reducionista ao
economicismo e, ao mesmo tempo, induz a construção pelos discentes e, até mesmo pelos
docentes, de um processo de hierarquização racial na comunidade internacional, no qual, os
países ditos desenvolvidos acabam sendo indicados como "superiores" não só
economicamente e sim, ao inserir nessa classificação uma relação cultural hegemônica. Ou
seja, como mencionamos em parágrafos anteriores, essa geografia que induz a relação entre
brancos na Europa, negros na África, amarelos na Ásia acaba por relacionar desenvolvimento
econômico e a construção de estereótipos que encaminham rumo a uma análise racial em
conjunto, no entanto, essa visão deixa subentendido essa relação de superioridade de
determinados espaços geográficos e suas respectivas composições raciais. É uma análise
determinista do espaço, ultrapassada, mas que se o docente não tiver o cuidado de aprofundar
e apresentar aos alunos que essa visão é mais econômica e não racial, pode deixar tácito um
determinismo geográfico que direciona para uma relação racial assimétrica de poder entre os
continentes ou países. Por isso, rever conteúdos, como propostos por SANTOS (2013, 2011), é
repensar a geografia que é trabalhada em sala de aula, não somente inserindo novos
conteúdos, mas revendo os que já são trabalhados.
57
Para SANTOS (2013) posicionar-se no mundo é reconhecesse como parte integrante
de um determinado espaço e ao mesmo tempo produtor do espaço, as relações sociais que
existem em um determinado espaço são produzidas a partir dele e, de forma dialética, as
relações sociais formam ou modelam os espaços. Como reforça SANTOS (2013) ao abordar a
relação entre a produção do espaço e o espaço como produtor e condicionador das relações
espaciais.
"(...) as noções que aprendemos/ou ensinamos sobre geografia servem para saber interpretar este mundo, conhecer a sua posição no mundo e agir neste mundo. Isto implica conceber o espaço geográfico como estrutura - e, a partir disso, estudar sua organização, seus elementos, seus objetos, etc. - e, também como experiência: as posições que os indivíduos e grupos sociais ocupam, bem como as relações que eles vivenciam, condicionam trajetórias sociais que são, também, trajetórias espaciais, o que nos permite apontar as inscrições sócioespaciais de indivíduos e grupos como sendo experiências das relações sociais, econômicas e de poder." (SANTOS, 2013. p.29)
Desenvolver uma geografia em sala de aula e nas universidades que não dissimule a
realidade vai ao encontro da Lei 10.639/03. Concordamos com SANTOS (2013) quando o autor
destaca que a geografia é uma ciência que auxilia na criação de "interpretações do mundo" e,
tais leituras, são orientadas por uma visão eurocentrada, baseada em uma geografia com viés
evolucionista de sociedade, colocando o continente africano nas diversas páginas dos livros da
disciplina de geografia como apenas atrasado, marginalizado, rústico, selvagem. RATTS et al
(2007)
Pensando nas leituras de mundo que a geografia pode oferecer aos educandos,
vemos em SILVA (2014), uma proposta de trabalho que é analisada como uma interpretação
contra-hegemônica, denominada pela autora como "geografia das existências" que pode ser
adotada na direção da formação escolar demandado pela Lei 10.639/03 SILVA (2014) define
geografia das existências como:
"(...) busca por novas metodologias e novas epistemes que possam produzir novos olhares e novas interpretações sobre o mundo. Necessidade de um método dialógico que valorize o banal, os homens e mulheres comuns, o cotidiano. Que valorize, portanto, a relação dialógica (troca de saberes) e dialética (a busca da totalidade analítica) capaz de aprofundar a compreensão entre as relações entre dominação e resistência, entre racionalidade hegemônica (rotinização das práticas sociais) e insurgências (novas visões de mundo)." (SILVA, 2014. p. 32)
A "geografia das existências" sugerida por SILVA (2014) dialoga com a Lei 10.639/03,
pois a construção de novas metodologias e novas epistemes ajuda na aplicação da mesma.
58
A valorização das relações do cotidiano, do "banal" aprofunda os conhecimentos sobre
as relações espaciais e de poder existentes em diferentes escalas. Tais relações deixam
grafadas no espaço e criam hierarquias que estão baseadas nas relações sociais com base em
uma "organização racializada de relações de poder."
SANTOS (2013) relaciona o racismo e suas lutas com as marcas espaciais deixadas
nessas relações e, vê a Lei 10.639/03 como uma inspiração para a construção de novos planos
de aula, conteúdos e subsídio a reflexão do ensino de geografia e do negro na sociedade
brasileira.
"As relações raciais, o racismo, e, evidentemente, as lutas contra este, são, portanto, grafadas no espaço e, no mesmo movimento em que nele se constituem, também condicionadas por ele. Podemos falar, de "expressões espaciais das relações raciais, do racismo e das lutas antirracismo. A compreensão destas expressões fornecem não apenas novos temas a serem trabalhados no ensino escolar de Geografia, mas também subsídios à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira e no mundo da educação, propostas pela Lei 10.639. Portanto, são questionamentos que, mesmo apesar de difícil transposição didática, iluminam questionamentos e a revisão de práticas no cotidiano escolar, que são as propostas da Lei." (SANTOS, 2013. p.30)
A geografia escolar ao abordar a História e cultura afro-brasileira, assim como da
História da África, dos negros e dos africanos deve deixar evidente que as relações raciais são
"grafadas no espaço geográfico", algumas vezes determinadas por ele, e outras, determinantes
na construção e formação do mesmo espaço. Essas "geo-grafias"22, ou seja, essas marcas
espaciais que são deixadas/criadas a partir de relações de poder assimétricas é, diversas
vezes, baseada em uma organização racial da sociedade e condiciona as leituras de mundo
que são (re)produzidas pelos educandos. Essas leituras tendem a legitimar os conhecimentos
e saberes advindos do "norte" e negando os saberes produzidos pelo sul ou pelos subalternos.
Desta maneira, entendemos a geografia como um instrumento de libertação na busca de uma
educação contra-hegemônica capaz de apreender o espaço geográfico como uma
representação das lutas, em especial, no caso da Lei 10.639/03, as lutas antirracismos
enveredadas pelo Movimento Negro no Brasil. A geografia, portanto, tem um papel de não
esconder as posições hegemônicas desenvolvidas com a manutenção de uma colonialidade do
poder, do saber e do ser, mas, ao mesmo tempo, tem que desenvolver formas do educando
apreender que tais relações não se dão de forma pacífica e que há movimentos contrários ao
poder hegemônico e que, tais poderes, possuem formas de legitimação que dissimulam a
realidade e criam cortinas capazes de ofuscar as lutas dos subalternos.
22 Forma de escrever geografia retirada de SANTOS (2013), que destaca as relações de poder e suas marcas deixadas no
espaço.
59
II.2.2- A geografia e a questão racial
Para SANTOS (2011), a raça é um constructo social funcionando como um princípio
ordenador de relações sociais. Nesse sentido, "a geografia apresenta relação direta com a
constituição das relações raciais" QUIJANO (2007 apud SANTOS, 2011) Nessa mesma linha,
SANTOS (2011) destaca que este constructo social tem relação direta com a geografia, pois ao
citarmos a palavra "negros", nos remetemos a ideia de origem histórico-geográfica: África.
"Quando falamos em "brancos", o mesmo se repete, com a ideia de uma origem que remete a
Europa. O mesmo para "índios" associados à América; "amarelos", associados à Ásia."
SANTOS (2011)
SANTOS (2011) chama a atenção para o fato de que mesmo sabendo que na Europa
não há somente brancos, que o continente africano não é composto somente por negros, na
América e na Ásia não há somente índios e amarelos, mesmo assim, "há um conjunto de
associações artificiais que sustentam - tentando, de certa forma, "naturalizar" - constructo de
"raça". Estas relações entre raça e espaço são geográficas, sendo que "a visão de mundo que
a geografia constrói pode alicerçar as identidades raciais." SANTOS (2011) destaca que a
geografia é responsável por: "Associação entre grupos raciais e regiões de origem, que dá
esteio à permanência da ideia de raça enquanto reguladora de comportamentos, valores e
relações sociais, econômicas e de poder." SANTOS (2011). Isto é, a geografia pode difundir
visões de mundo que acabam relacionando estereótipos à determinados espaços geográficos,
além:
"(...) de desenvolver outras relações como uma visão de evolução linear ao separar países desenvolvidos e subdesenvolvidos, conferindo poder e associando grupos cuja a geograficidade e "corporeidade" são remetidos à herança e ligação com estes países e povos ditos "desenvolvidos" e, portanto, superiores." (SANTOS, 2011. p. 11)
Não vamos pensar em uma escala tão grande como a escala mundial, mas, vamos
reduzir esta para uma escala nacional de abordagem das relações raciais. Embora, estas
relações raciais não sejam baseadas pela raça como uma construção biológica, a mesma,
funciona ainda como hierarquizante e é acionada em diversos momentos de lutas e de
manutenção nas relações de poder cotidianas.
Segundo IANNI (2004), "racializar ou estigmatizar o "outro" e os "outros" é uma forma
de politizar as relações cotidianas." Esta frase de IANNI (2004), nos permite indagar sobre
como a produção do espaço geográfico está associada diretamente as relações raciais que se
desenvolvem nele e, como este espaço pode direcionar as relações existentes. Estigmatizar o
outro é uma forma de delimitar os espaços de acesso que este terá, ou seja, um estigma
funciona como um delimitador não somente social, em relação à ascensão vertical de um
indivíduo, e sim, um bloqueio no seu deslocamento horizontal.
60
Não estamos nos referindo aqui há um processo de segregação espacial puramente
racial no Brasil, mas, vemos que a categoria raça é um fator delimitador de acesso aos
espaços. Como destaca SANTOS (2013), ao mencionar a relação espacial de convivência
entre negros e brancos no Brasil, no entanto, quando o acesso à riqueza é colocado em
disputa, o racismo funciona ou opera como um condicionante ou obstáculo no acesso às
riquezas.
"Mesmo apesar de, em determinadas esferas, espaços e momentos da construção do tecido social haver relações horizontais entre negros neste país, a diferença racial é mobilizada em detrimento dos negros em momentos onde está em jogo o acesso às riquezas que a sociedade produz: o racismo opera criando, recriando, reproduzindo, aprofundando e perpetuando as desigualdades sociais." (SANTOS, 2013. p.31)
O autor Marcelo Lopes de Souza, que não trabalha diretamente com as questões
raciais e a produção do espaço geográfico, e sim, com as relações de classes sociais na
composição dos espaços das cidades, destaca em seus estudos, que a categoria raça é
acionada também na constituição do espaço junto ao fator renda. Isto significa que existem
determinados espaços nas cidades que apresentam um número maior de brancos ou de
negros.
Este trabalho não tem como objetivo analisar a organização interna das cidades
brasileiras, no entanto, ao mencionarmos a relação entre geografia e raça, as cidades são
excelentes "colchas de retalhos", ou seja, apresentam uma variedade de espaços, estes
"diversificados pelas atividades econômicas que a compõe, pelos grupos que habitam e, tais
espaços, contam com a atuação de diversos agentes em sua construção, um deles, o Estado,"
SOUZA (2005) que acaba proporcionando as classes mais abastadas o acesso aos melhores
locais das cidades, tanto para moradia quanto para o lazer." Portanto, as cidades se tornam um
bom laboratório para entendermos a relação entre espaço geográfico e raça.
Em uma passagem do livro: "ABC do desenvolvimento urbano", SOUZA (2005) destaca
que os "espaços residenciais se diferenciam entre si sob o ângulo socioeconômico", para o
autor, a variável renda é a principal definidora dessa diferenciação de acesso aos espaços das
cidades com maiores serviços e estruturas urbanas. No entanto, o autor destaca que os fatores
renda e raça atuam juntos, como podemos ver no trecho em destaque.
"Os espaços residenciais, como se sabe muito bem, também se diferenciam entre si sob o ângulo socioeconômico. No Brasil, ao menos de forma direta, a variável renda é a principal definidora dessa diferenciação. O que não quer dizer, contudo, que, indireta ou mediatamente, outros fatores, especialmente o fator étnico ("racial"), não esteja entrelaçado, historicamente, com o fator renda: a maioria dos moradores de favelas nas cidades do Sudeste, do Nordeste e do Centro-Oeste do Brasil é afrodescendente (negros e mulatos), e mesmo no Sul do país, onde há uma presença muito mais expressiva de brancos pobres
61
residindo em favelas, boa parte da população favelada descende de escravos africanos; isso mostra, muito eloqüentemente, a força de uma inércia de uma "liberdade" formalmente conquistada há mais de um século, mas que não veio acompanhada de condições reais de acesso à qualificação profissional, à educação e à moradia digna, do que resultou uma reprodução, geração após geração, de um quadro geral de pobreza e estigmatização." (SOUZA, 2005. p. 66)
Vemos nas palavras de SOUZA (2005) uma prevalência de negros em espaços
denominados de favelas nas regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil.
Segundo SOUZA (2005) o processo de urbanização é marcado por apresentar a
formação de espaços destinados a grupos com que, "devido à sua pobreza, à sua etnia ou a
outro fator são forçados a viverem em certas áreas (geralmente as menos atraentes e bonitas,
menos dotadas de infra-estrutura, mais insalubres etc.)". O autor define esse processo de
alocação forçada de determinados grupos dentro de espaços específicos nas cidades como
segregação induzida. Estes espaços acabam sendo estigmatizados e estereotipados pelas
classes dominantes como áreas de exclusão e de insegurança.
O pesquisador e professor Andrelino Campos em seu livro: "Do quilombo à favela",
identifica uma relação em que os grupos dominantes produziram "a estigmatização de
espaços" e, estes espaços foram apropriados pela classe trabalhadora. Segundo o autor, "o
favelado é considerado classe perigosa atualmente por representar o diferente, o Outro, no que
se refere à ocupação do espaço urbano." CAMPOS (2007) aponta para a existência de negros,
brancos, "paraíbas", "baianos" nas favelas, todos classificados como pobres e considerados
pela opinião das classes dominantes como perigosos, no entanto, ressalva que o negro é
atingido de modo mais virulento por esses estigmas e estereótipos.
Segundo SANTOS (2013) o racismo atua como limitador de acesso à renda ou riquezas
materiais, ou seja, agindo de forma anterior na história de acesso aos espaços nas cidades
brasileiras.
"A reprodução de barreiras sociais, baseadas em raça, torna o racismo,nesta perspectiva, um dos principais mecanismos produtores de brutal concentração de renda e de riquezas que caracteriza a sociedade brasileira, na medida em que ele consegue, através de complexos processos de discriminação com impedimentos e favorecimentos ao longo da trajetória dos indivíduos (no acesso à educação, no acesso ao emprego, etc.), impedir e/ou dificultar o acesso de significativa camada da população a essas riquezas que o país produz." (SANTOS, 2013. p.31)
Segundo SANTOS (2013) as relações horizontais, de convivência entre negros e
brancos e as relações verticais, nas quais ocorre o processo de hierarquização, é que "vão
permitir uma representação da sociedade como uma "democracia racial."" O autor destaca em
seu texto que um homem branco, que trabalha como um selecionador de pessoas para
empregos pode em seu balcão de empregos negar o acesso de um negro a um determinado
62
cargo/vaga, mas, ao chegar em casa pode se encontrar com um amigo negro. Para SANTOS
(2013) "o homem branco "sabe" onde a raça, a cor, o pertencimento racial é importante como
critério (de seleção) regulador das relações sociais e onde não é."
Nesse sentido, para SANTOS (2013), há uma "Geo-grafia dos comportamentos e das
práticas nas relações raciais e se soma à distribuição espacial dos grupos raciais, constituindo
espacialidades materiais e simbólicas." Isto é, existem determinados espaços que são
delimitados pela ação de determinados grupos e acaba por legitimar o uso de violências contra
grupos que não estão inseridos no padrão ou no formatado aceito pelo grupo dominante.
Esses espaços preferenciais formados por grupos com características sociais (renda),
raça e religiões semelhantes acabam se tornando "espaços de resistência", não somente nas
cidades, mas, também, no campo. Desse modo, SANTOS (2013) aponta para um processo de
mapeamento de comunidades negras ou remanescentes de quilombos realizado pela
Fundação Cultural Palmares como um instrumento de reconhecimento destes grupos. Segundo
o autor são "grafagens espacial de lutas contra as formas de opressões, no início contra a
escravidão e, hoje, contra o racismo e suas múltiplas dimensões." Para SANTOS (2013) "Tais
lutas, portanto, não são lutas apenas pela propriedade, mas, sim, lutas por territórios e por
territorialidades, o que implica a defesa de práticas, tradições e matrizes culturais que fundam
suas identidades e fundam o próprio grupo. (BOURDIEU, 1989 apud SANTOS, 2013).
Os quilombos, portanto, representam espaços de resistência como bem destaca
SANTOS (2013).
"São lutas de resistência contra o "alisamento do espaço" promovido pela expansão das formas capitalistas e do meio-técnico-científico-informacional como matriz de relação entre sociedade e natureza: mesmo com a ressalva sobre a diversidade de configurações destas comunidades, com diferentes graus de assimiliação cultural e/ou preservação/atualização de matrizes ancestrais, o próprio processo de luta enseja a revalorização (e, muitas vezes, até mesmo a refundação) destas matrizes, na medida em que elas passam a ser condição para seu reconhecimento - o que pode ser bastante salutar enquanto potência de negação do avanço das matrizes do meio-técnico-científico-informacional que configuram o imperialismo e a globalização contemporânea. (SANTOS, 2013. p.37)
O "alisamento (analítico) do espaço" apontado por SANTOS (2013) vai ao encontro de
Milton Santos quando em seu livro: "Por uma outra globalização", descreve a globalização
como uma fábula, perversidade e como possibilidade. Segundo Milton Santos, a globalização
é uma fábula ao expandir a ideia de "aldeia global", por exemplo. Isto é, ao afirmarem que a
comunicação se tornou possível em escala planetária, "deixando saber o que se passa em
qualquer lugar". No entanto, essas informações "sobre o que aconteceu não vem da interação
entre as pessoas, mas do que é veiculado pela mídia, uma interpretação interessada, senão
interesseira, dos fatos." Outra questão levantada pelo autor, que é utilizada como fábula no
63
processo de globalização, é o "mito do espaço e do tempo contraídos", sendo que esta
velocidade está ao alcance de apenas alguns grupos ou pessoas. SANTOS (2008)
"Aldeia global tanto quanto espaço-tempo contraídos permitiram imaginar a realização do sonho de um mundo só, já que, pelas mãos do mercado global, coisas, relações, dinheiros, gostos largamente se difundem por sobre continentes, raças, línguas, religiões, como se as particularidades tecidas ao longo de séculos houvessem sido todas esgarçadas. Tudo seria conduzido e, ao mesmo tempo, homogeneizado pelo mercado global regulador." (SANTOS, 2008.p. 41)
O processo de globalização descrito por SANTOS (2008), portanto, ao funcionar como
uma fábula utiliza-se da construção ideológica de um "mundo só", criando a sensação de que
todos consomem o que se é produzido, que se utilizam dos meios de comunicações, mas, na
verdade, estão restritos a uma pequena parcela dos países e pessoas do planeta. Essa
expansão do sistema capitalista baseado no consumo e na exploração do trabalho cria uma
imagem de homogeneização, e, segundo SANTOS (2008), "fala-se, também, de uma
humanidade desterritorializada e a existência de uma cidadania universal." Para o autor "a
humanidade desterritorializada é apenas um mito."
O professor e pesquisador Rogério Haesbaert destaca em seu texto: Identidades
territoriais, a confusão criada por alguns quando mencionam o processo de desterritorialização
produzido pela globalização. Para ele, "há uma confusão entre o desaparecimento dos
territórios com o simples debilitamento da mediação espacial nas relações sociais", ou seja,
existe sim uma redução ou enfraquecimento da base territorial nas relações sociais, mas não
sua ausência. Para HAESBAERT (1999) a supressão total do espaço acarretaria na existência
de uma cyberespaço no qual, "as relações socioeconômicas quanto ao processo de
identificação fossem agora fluidos ao ponto de não necessitarem mais do "território", e como se
este fosse unicamente formado por uma base concreta, material."
O "alisamento (analítico) do espaço" assinalado por SANTOS (2013) revela uma
supressão das diversas identidades existentes, sendo "universalizadas" pelo processo de
Globalização, ou seja, a expansão do sistema capitalista e de seu modo de produção das
relações sociais e espaciais se daria por todo o globo de forma "homogênea". O que na
verdade, como já mencionamos em parágrafos anteriores, não ocorreu e nem há pretensões
de se desenvolver dessa maneira. Na verdade, o movimento de criação de uma pretensa
formação de "universalidades", através do processo de globalização, também acarretou o
surgimento de novas identidades, que segundo MUNANGA (2008/2010) são denominadas de
identidades de resistência se opondo ao projeto de homogeneização. Para HAESBAERT
(1999), "paralelo a esta mercantilização, a identidade também pode ressurgir como uma forma,
consciente ou não, de contraposição ao processo excludente engendrado pela globalização."
64
Mas, o que entendemos por identidade? Seguimos aqui a linha de HAESBAERT (1999)
ao definir identidade como:
"Identificar, no âmbito humano-social, é sempre identificar-se, um processo reflexivo, portanto, e identificar-se é sempre um processo de identificar-se com, ou seja, é sempre um processo relacional, dialógico, inserido numa relação social. Além disso, como encaramos a identidade como algo dado, definido de forma clara, mas como um movimento, trata-se sempre de uma identificação em curso, e por estar sempre em processo/relação ela nunca é una, mas múltipla. Toda identidade só se define em relação a outras identidades, numa relação complexa de escalas territoriais e valorações negativas e positivas." (HAESBAERT, 1999. p. 174)
E complementa a definição de identidade, quando menciona que:
"Finalmente, a(s) identidade(s) implica(m) uma busca de reconhecimento (TAYLOR, 1994) que se faz frente à alteridade, pois é no encontro ou no embate com o outro que buscamos nossa afirmação pelo reconhecimento daquilo que nos distingue e que, por isto, ao mesmo tempo, pode promover tanto o diálogo quanto conflito com o Outro." (HAESBAERT, 1999. p.175)
A geografia como disciplina escolar apresenta uma função importante na construção de
visões de mundo, influenciando na formação ou reprodução de identidades. Estas funções não
competem somente à geografia, no entanto, esta ciência ao trabalhar a relação entre a
construção do espaço e as relações sociais existentes, acaba por orientar a formação de
identidades.
É fundamental pensarmos no espaço geográfico como um produto e produtor das
relações sociais, sendo, espaços apontados como marginalizados pelas elites econômicas ou
étnicas, como "espaços de resistência". Os quilombos como destacamos na leitura de
SANTOS (2013) se enquadram nesse processo de resistência à expansão de certos padrões
de acumulação capitalista, na geografia agrária trabalhada em sala de aula, na maioria das
vezes, tais espaços sequer são destacados como áreas de manutenção da cultura negra e de
resistência. Portanto, existe uma relação importante entre espaço geográfico e a formação de
identidades. No caso da identidade negra, a manutenção de determinados espaços, como os
quilombos é um resguardo da memória da luta dos negros e, essa luta, não findou. Para
HAESBAERT (1999) "uma característica geral da identidade, é que ela recorre à uma
dimensão histórica, do imaginário social, de modo que o espaço que serve de referência
"condense" a memória do grupo." As identidades vinculadas ao espaço geográfico são
definidas por HAESBAERT (1999) como "identidades sócio/territoriais". Sendo assim, o autor
compreende por identidades sócio-territoriais como:
65
"Trata-se de uma identidade em que um dos aspectos fundamentais para sua estruturação está na alusão ou referência a um território, tanto no sentido simbólico quanto concreto. Assim, a identidade social é também uma identidade territorial quando o referente simbólico central para a construção desta identidade parte do ou transpassa o território." (HAESBAERT, 1999. p. 178)
Não estamos afirmando que a constituição da identidade negra está vinculada a um
espaço geográfico específico, mas as "geo-grafias" das lutas auxiliam na manutenção da
memória dos Movimentos Negros no Brasil e, trabalhar estas "geo-grafias" em sala de aula, é
uma das formas de se aplicar aos conteúdos (da disciplina escolar geografia) a Lei 10.639/03.
Nesse sentido, demonstrar em sala de aula que em um processo de classificação, o Outro,
nem sempre é facilmente reconhecido, auxilia ao educando entender que "as diferenças
identitárias, cultural, portanto, tendem a diluir-se na desigualdade e o extremo dessa
transformação é dado pelo racismo." Desta maneira, desenvolve habilidades que acabam
permitindo ao educando fazer uma leitura dos conceitos de "espaço geográfico" e de "território"
como "Produto e produtor de identidades".HAESBAERT (1999)
Retornando ao processo de "alisamento (analítico) do espaço" notado por SANTOS
(2013), desenvolve uma invisibilidade de determinadas identidades existentes no espaço, pois,
se ignora a presença do "outro" e é por intermédio de clivagens sociais e do racismo que se
mantém as desigualdades sociais e relações assimétricas de poder. Este alisamento (analítico)
causado pelas leituras do espaço com um viés da expansão capitalista e também por
intermédio de uma visão monocultural da sociedade, acaba por "homogeneizar as análises do
espaço" suprimindo as principais diferenças existentes. SANTOS (2013) cita em seus estudos
um caso de alisamento analítico do espaço, quando em um de seus trabalhos sobre
comunidades negras rurais no centro-oeste do Paraná, ao procurar autoridades do Poder
Judicial, obteve suas reivindicações desacreditadas recebendo respostas como: "No Paraná
não há negros!"
Analisando, portanto, a relação Globalização e alisamento analítico do espaço vemos
que o processo de intensificação dos fluxos e das trocas não ocorre de forma homogênea pelo
espaço e, muito menos entre as pessoas. Os meios técnicos-científicos se expandem de forma
assimétrica pelo globo, no entanto, a atual fase de globalização proporciona a formação de
identidades "contínuas ou descontínuas, fragmentadas ou sobrepostas".HAESBAERT (1999)
Segundo HAESBAERT (1999), existem três manifestações identitárias: (i)"as identidades
"globais" ou a diluição das identidades pela globalização" (ii) "as identidades de resistência,
geralmente saudosistas, retomando ou reforçando antigas memórias coletivas, como no caso
dos neocolonialismos" (iii) "as novas identidades pluriculturais, fruto de um diálogo entre o
global/universal e o local/particular." Estas duas últimas são denominadas como
transterritoriais segundo HAESBAERT (1999) e como pós-modernas conforme Stuart Hall.
66
Há na era da Globalização não um processo de homogeneização do espaço e das
identidades e sim, uma superposição de identidades onde as fronteiras do Estado-nação não
são os limites de algumas identificações23. Não ocorre com o avanço dos meios técnicos-
científicos-informacionais um desaparecimento do território, mas, em alguns casos seu
enfraquecimento como lócus na construção e manutenção das identidades. HAESBAERT
(1999)
"(...) é importante ressaltar que esta descontinuidade e esta superposição territorial-identitária não significa a perda de valor ou de relevância do território e das identidades territoriais. Se o território for visto não apenas como o locus de relações de poder que se fortalecem (ou debilitam) através de mediações espaciais, mas como um meio de identificação e de reformulação de sentidos, de valores, então devemos enfatizar que tanto a identidade "transterritorial" não é uma identidade a-territorial, como também as identidades territoriais nos moldes mais tradicionais não estão desaparecendo, mas se reformulando." (HAESBAERT, 1999. p. 185)
Até aqui, portanto, vimos que o espaço geográfico e o território24, conceitos importantes
inseridos na geografia acadêmica e escolar, são produtores e produtos de identidades. O
alisamento (analítico) do espaço acaba negligenciando as diversas identidades existentes e
suas manifestações espaciais, dando às manifestações espaciais e culturais hegemônicas a
continuidade de sua soberania. A Lei 10.639/03 (ao tornar obrigatório o Ensino sobre História
da África, dos africanos e dos negros no Brasil) possibilita um diálogo interessante entre as
territorialidades, a formação de identificações, a manutenção da memória e a possibilidade de
abertura de uma nova leitura na geografia escolar que não se baseie apenas numa visão
economicista e reducionista de mundo, mas que permita um olhar para as diferentes
existências e, como tais existências modelam o espaço e lutam pelo não silenciamento ou
invisibilidade de suas causas. O educador deve levar o educando a pensar que esses
silenciamentos acabam por criar uma legitimidade daqueles que estão em voga e justificam a
criação de formas de manutenção das desigualdades sociais e relações de poder assimétricas,
utilizando-se do racismo como clivagem social. Estas hierarquias baseadas na raça são
refletidas e refletem na construção do espaço e na delimitação dos territórios, desenvolvendo
em diversos casos a relação entre espaço e "estigmatização do outro". Este outro que é
considerado não somente o diferente do padrão, mas estereotipado e inferiorizado.
23
"Falamos "identificações" porque se tratam muito mais de processos do que de formas bem definidas, e muito mais de identidades plurais do que de identidades singulares." (HAESBAERT, 1999. p.187) 24
Entendemos, assim como SOUZA (2005), que o conceito de território deste trabalho "é fundamentalmente um espaço defnido e delimitado por e a partir de relações de poder."
67
Capítulo III - Livro didático, apostila e ideologia
III.1 - Ideologia e poder: o papel do Livro didático e da apostila na sala de aula
Ao realizarmos os levantamentos bibliográficos relacionados à geografia e os sistemas
de apostilas identificamos uma escassa produção científica. Isto significa que a realização
deste trabalho pode contribuir para aprofundar e propor novos olhares sobre os Sistemas de
Apostilados de Ensino e sobre a utilização de apostilas em substituição aos livros didáticos.
Nesse sentido, ao nos debruçarmos sobre nosso objeto de estudo (as apostilas do Sistema
Positivo de Ensino), percebemos que a maior parte da produção científica está relacionada aos
livros didáticos e não as apostilas produzidas pelos SAE. Sendo assim, utilizaremos como base
para o nosso trabalho alguns questionamentos, apontamentos e levantamentos já realizados
sobre os livros didáticos, até porque, como reforça AMORIM (2008):
"(...) o livro didático é precursor do material apostilado, pois sua utilização está intimamente arraigado ao histórico educacional brasileiro, enquanto as apostilas são mais recentes e atreladas as escolas particulares - remetem a uma certa modernidade. E ainda afirmamos que é seu contemporâneo, pois atualmente o consumo de livros didáticos é bastante grande, coexistindo com o dos materiais apostilados." (AMORIM, 2008. p. 9)
Desse modo, as palavras de AMORIM (2008) nos direcionam na elaboração de uma
pesquisa que possa misturar as funções dos livros didáticos e das apostilas nas salas de aula,
ou seja, algumas pesquisas, em especial as que analisam conteúdo dos livros didáticos podem
servir como base para os estudos relacionados as apostilas produzidas pelos SAE. Pois, em
diversos estabelecimentos escolares, as apostilas assumem o lugar do livro didático e não
funcionam como complemento. Portanto, nosso trabalho fundamenta-se nessas situações em
que a apostila adentra em substituição ao livro e acaba assumindo suas funções e
desenvolvendo outras que serão analisadas mais a frente. Em resumo, trabalharemos tanto
com pesquisas elaboradas sobre as apostilas quanto em relação ao livros didáticos pois, em
determinados espaços educacionais, assumem o mesmo papel.
Segundo BITTENCOURT (2013) o livro didático ainda é a menção para muitos
professores, pais e alunos e, que apesar do alto valor dos livros, ainda são referenciais de
estudo. Sabemos que existem diversos materiais didáticos em uma instituição escolar, no
entanto, o livro didático ainda mantém uma relação entre a produção científica e a escola.
Ademais, é através do livro didático que muitos profissionais da educação conseguem manter
um contato com as transformações da disciplina que ministram. O excesso de aulas, turnos de
68
trabalho, baixa remuneração, entre outros problemas que já conhecemos nos sistemas
educacionais brasileiro elevam a importância do livro didático como fonte de conhecimento.
Desse modo, podemos perceber a necesidade de estudarmos os materiais didáticos,
independente de ser um livro ou apostila, pois, estes materiais são utilizados no cotidiano
escolar, em massa e formam uma referência tanto para os alunos quanto para os professores.
Mas BITTENCOURT (2013) compreende que:
"O livro didático é, antes de tudo, uma mercadoria, um produto do mundo da edição que obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercialização pertencentes à lógica do mercado. Como mercadoria ele sofre interferências variadas em seu processo de fabricação comercialização. Em sua construção interferem vários personagens, iniciando pela figura do editor, passando pelo autor e pelos técnicos especializados dos processos gráficos, como programadores visuais, ilustradores. É importante destacar que o livro didático como objeto da indústria cultural impõe uma forma de leitura organizada por profissionais e não exatamente pelo autor." (BITTENCOURT, 2013. p. 73)
Como ressaltado na citação acima, o livro didático apresenta-se como uma mercadoria
pertencente à lógica do mercado, sendo construído por diversas vozes e olhares. Essa
polifonia está presente não somente nos livros didáticos mas também, nos sistemas de
apostilados de ensino. O processo de apropriação da produção do material didático
desconfiguram os discursos propostos pelos autores em prol de um mercado editorial. Essas
vozes são atravessadas por ideologias que refletem na escolha das imagens e no sentidos
propostos. BITTENCOURT (2013) Desse modo, não podemos enteder que o livro didático é
um instrumento pedagógico neutro. Além de ser produzido por diversos atores, ainda sofre com
influencia do mercado que acaba direcionando a concepção do livro e, o próprio Estado, com
suas normas para a elaboração dos livros e de seus conteúdos, como no caso de utilização
desses artefatos pedagógicos pelas escolas públicas, onde só é possível mediante aprovação
pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Para BITTENCOURT (2013) "o livro didático é
limitado e condicionado por razões econômicas, ideológicas e técnicas". A autora destaca que
a simplificação de textos por parte de influencia do mercado, Estado ou do próprio autor pode
reduzir a capacidade de reflexão por parte dos leitores.
Segundo BITTENCOURT (2013), o livro didático apresenta algumas características que
o tornam um elemento corriqueiro no processo de ensino-aprendizagem, sendo: 1°) "O livro é
um depositório de conteúdos escolares" (O livro realiza uma ligação entre os saberes
acadêmicos e a escola, além de sintetizar os conteúdos sugeridos pelo currículo da
disciplina25); 2°) "O Livro didático é um instrumento pedagógico" (Apresenta uma metodologia
que proporciona ao professor uma facilitação no processo de ensino) e 3°) "O livro didático é
25 "O livro didático tem sido, desde o século XIX, o principal instrumento de trabalho de professores e alunos, sendo utilizados nas
mais variadas salas de aulas e condições pedagógicas, servindo como mediador entre a proposta oficial do poder expressa nos programas curriculares e o conhecimento escolar ensinado pelo professor." (BITTENCOURT, 2013. p. 72)
69
um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura"
(BITTENCOURT, 2013. p.72)
Um outro autor que dialoga com as posições de BITTENCOURT (2013) é CHOPPIN
(2004), embora de nacionalidades diferentes, os dois se utilizam dos livros didáticos como
objeto de suas pesquisas. CHOPPIN (2004) ao realizar um estudo sobre a História dos livros e
das edições didáticas identifica algumas funções que os livros didáticos ou escolares podem
assumir.
Para CHOPPIN (2004) os livros escolares assumem funções, como: função referencial,
instrumental, ideológica e cultural e a função documental. A função referencial está ligada,
segundo CHOPPIN (2004), ao suporte de conteúdos, "ele constitui o suporte privilegiado dos
conteúdos educativos, o depósito dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo
social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações." CHOPPIN (2004. p. 553) Já
a função instrumental está ligada aos métodos de aprendizagem que, para CHOPPIN (2004),
os exercícios, textos propostos entre outros métodos contidos no livro escolar que facilitam ou
favorecem a "aquisição de competências disciplinares ou transversais, a apropriação de
habilidades". A função documental, segundo CHOPPIN (2004), é marcada pelo fornecimento
de documentos, textos que possam desenvolver o espírito crítico do aluno, no entanto, chama
a atenção para a necessidade de um processo de qualificação elevado dos professores. Para
ele, "essa função surgiu muito recentemente na literatura escolar e não é universal, sendo
encontrada em locais que incentivam a iniciativa pessoal do aluno criando uma autonomia."
CHOPPIN (2004) A função ideológica é considerada por ele como mais antiga, sendo assim
CHOPPIN (2004) chama a atenção para:
"(...) o livro didático se afirmou como um dos vetores essenciais da língua, da cultura e dos valores das classes dirigentes. Instrumento privilegiado de construção de identidade, geralmente ele é reconhecido, assim como a moeda e a bandeira, como um símbolo da soberania nacional e, nesse sentido, assume um importante papel político. Essa função, que tende a aculturar - e, em certos casos, a doutrinar - as jovens gerações, pode ser exercer de maneira explícita, até mesmo sistemática e ostensiva, ou, ainda, de maneira dissimulada, sub-reptícia, implícita, mas não menos eficaz." (CHOPPIN, 2004. p.553)
Tanto CHOPPIN (2004) quanto BITTENCOURT (2013) relacionam o livro didático como
uma ferramenta para produção e reprodução de ideologias. Estas ideologias tendem a ser
aquelas elaboradas pelas classes dominantes, que acabam direcionando o que estudar, como
estudar, para que e para quem. Desse modo, se as classes dominantes conseguem um
controle da produção do material escolar, elas também, determinam como este material será
produzido e o que ele deterá de conteúdo.
70
Como podemos identificar, quando BITTENCOURT (2013) diz:
"Assim, o papel do livro didático na vida escolar pode ser o de instrumento de reprodução de ideologias e do saber oficial imposto por determinados setores do poder e pelo Estado. É necessário enfatizar que o livro didático possui vários sujeitos em seu processo de elaboração e passa pela intervenção de professores e alunos que realizam práticas diferentes de leitura e de trabalho escolar." (BITTENCOURT, 2013. p. 73)
Os livros didáticos, em especial os de geografia, podem dissimular a realidade
reiterando o que trabalhamos no capítulo deste trabalho quando mencionamos que uma das
funções da ideologia é naturalizar as desigualdades. Estes livros escolares apresentam um
papel de difusão de ideologias ou de produção das mesmas, permitindo a manutenção de
pensamentos hegemônicos, no entanto, estes mesmos livros permitem a libertação através da
criação de contra hegemonias, com uma conscientização do educando e não uma
dissimulação da realidade.Portanto, a prática ou os usos que se realizam com o livro didático
em sala de aula serão fundamentais para a produção de um ensinoautônomo ou,
simplesmente, manter-se como um artefato pedagógico reprodutor de ideologias dominantes e
fonte de lucro de editoras.
Por que o uso que se faz do livro escolar em sala de aula é o diferencial? Retornando
ao pensamento de GRAMSCI “é na sociedade civil que se trava a batalha pela hegemonia"
SEMERARO (1999), sendo a escola um componente da sociedade civil e produtora de
ideologias, é também por intermédio dela e com o auxílio dos aparatos pedagógicos que o
pensamento hegemônico quanto contra-hegemônico são (re)produzidos.
Vejamos no próximo tópico esta relação entre a difusão de ideologia por intermédio do
livro didático, quando pensamos na construção do Brasil nação no século XIX para o XX. Os
livros escolares foram fundamentais na criação de um povo e da imaginação do território e do
lugar do brasileiro.
III.2 - As contribuições do livro didático e da geografia na construção da identidade
nacional
Os livros escolares, segundo CHOPPIN (2004), funcionaram como uma referência
fundamental na consolidação dos Estados nacionais no século XIX. Esses contribuíram na
formação das novas gerações e aos poucos "passaram a substituir as famílias, total ou
parcialmente, as autoridades religiosas, o livro escolar tornou-se um símbolo da soberania
nacional." CHOPPIN (2004) Nesse sentido, uma das funções impetradas pelo livro didático
71
está no processo de "construção de identidades nacionais ou de preservação/consolidação do
Estado Nação". CHOPPIN (2004)
Desse modo, livro escolar é um difusor de ideologias, sendo fundamental na reprodução
de signos, símbolos e significados capazes de aproximar as pessoas e reforçar esse
sentimento de Nação, criando uma sensação de que nossos esforços contribuem para a
manutenção dessa Nação. No entanto, a sensação de fazermos parte dessa grande
engrenagem é uma das principais funções da ideologia. CHAUÍ (2003). Este sentimento de
pertencer a algo maior, supranacional, formado por um grupo de pessoas que apresentam uma
identificação em comum é chamado por ANDERSON (2008) como "Comunidades Imaginadas".
Segundo ANDERSON (2008), o conceito de Nação é fundamentado como:
"Assim, dentro de um espírito antropológico, proponho a seguinte definição de nação: uma comunidade política imaginada - e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana.Ela é imaginada porque mesmo os membros da mais minúscula das nações jamais conhecerão, encontrarão ou nem sequer ouvirão falar da maioria de seus companheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles." (ANDERSON, 2008. p. 32)
E reforça a ideologia de comunhão, quando explica a nação como uma comunidade.
"(...) ela é imaginada como uma comunidade porque, independente da desigualdade e da exploração efetivas que possam existir dentro dela, a nação sempre é concebida como uma profunda camaradagem horizontal." (ANDERSON, 2008. p. 34)
Os textos de ANDERSON (2008) e de CHOPPIN (2004) apresentam questões
relevantes para pensarmos na relação entre nacionalismo, construção do Brasil como Nação,
livro didático e ideologia. CHOPPIN (2004) ressalta a fundamentação que o livro escolar
desenvolve na formação das novas gerações, substituindo a família e a religião no processo de
criação de identidades. Essas identidades que são forjadas pelo processo de ensino-
aprendizagem na escola. Entretanto, os conteúdos programáticos vigentes nos livros didáticos
seguem uma linha, como o próprio CHOPPIN (2004) destaca, de reproduzir o que as classes
dominantes propõem, levando a construção de um pensamento hegemônico ou ideologias
hegemônicas. No desenvolvimento do Brasil Nação, citado no capítulo um de nosso trabalho,
vimos como o processo de construção do povo brasileiro passou por uma iniciativa dos
grandes pensadores e escritores do final do século XIX e início do XX, condicionado o
desenvolvimento do Brasil à construção de uma Nação que precisaria ser branca, para que
pudesse dar certo. Já na década de 1930, com o desenvolvimento do mito da miscigenação,
difundi-se pelo país o mito da democracia racial, este que dissimula uma subrepresentatividade
do negro na sociedade brasileira.
72
Vemos, assim como CHOPPIN (2004), o livro didático como componente fundamental
na produção da identidade nacional. Identidade nacional no Brasil forjada baseando-se no ideal
de branqueamento proposto pelos cientistas no início do século XX, utilizando-se do conceito
de raça dentro uma perspectiva biológica e não como uma construção social. Portanto,
CHOPPIN (2004) destaca que as pesquisas realizadas nos livros didáticos que apresentam
cunho ideológico e cultural "quase sempre trazem respostas ou menos esclarecimentos às
questões que a sociedade contemporânea se coloca." CHOPPIN (2004) Estas respostas são
dadas a partir de uma de Estado ou das classes dominantes.
CHOPPIN (2004) reforça o papel do livro didático como um facilitador na construção de
identidades, sendo uma delas a nacional, quando destaca que países com autonomia recente
se utilizam dos livros escolares para difundir uma construção de unidade nacional. Sendo
assim, as pesquisas que pretendem destacar um período no tempo e no espaço que tenham
influenciado a produção de livros escolares, se deparam, constantemente, com o
fortalecimento ou construção de uma nacionalidade.
"A análise desses temas mostra ainda que determinadas questões são frequentemente retomadas em cada país: as que se referem à formação da identidade nacional, e que são as mais comuns, notadamente em países que conquistaram autonomia ou que a recuperaram recentemente, ou ainda naqueles nos quais o poder político preocupa-se em consolidar ou alimentar - por razões diversas - o sentimento de nacionalidade. Dentre as questões também muito frequentes destacam-se as que se relacionam com a inserção social, desde a aprendizagem de regras de boas maneiras até a educação para a cidadania, ou ainda as referentes à aprendizagem da leitura." (CHOPPIN, 2004. p. 556)
Os autores FRANÇA, CARVALHO (2015) argumentam que o livro escolar de geografia
foi fundamental para a construção da identidade nacional brasileira, "difundindo discursos
legitimadores para a construção do Estado-Nação, contribuindo para a sustentação dos
interesses e projetos de diferentes das classes dominantes nacionais. Os autores ressaltam
que os livros escolares, em especial, de "geografia obtiveram um papel unificador e
centralizador desfavorecendo os questionamentos à unidade territorial e à centralização do
poder político, assim como temiam as rebeliões escravas." FRANÇA, CARVALHO (2015)
Há, portanto, uma relação direta entre CHOPPIN (2004) e FRANÇA, CARVALHO
(2015) onde ambos os autores destacam o papel do livro didático na construção ideológica de
nação, no desenvolvimento de uma construção imaginária difundida pelas escolas e
reproduzida nas páginas dos livros.
O livro de geografia, em especial, ao se utilizar no Brasil de conteúdos curriculares que
almejam a memorização e não uma análise crítica das formações espaciais possibilitava a
criação de uma visão orgulhosa, ufanista sobre o Brasil. Nesse sentido, os livros de geografia
ou manuais tiveram alguns papéis na delimitação imaginária do território. Para FRANÇA,
73
CARVALHO (2015) os "livros escolares fundamentaram a difusão de valores pátrios e
sentimentos nacionalistas, enaltecendo o "nosso país" e destacando suas potencialidades."
Contribuíram para a naturalização do Estado-Nação (silenciando as minorias e negligenciando
qualquer tipo de formação espacial anterior ao surgimento do Estado brasileiro), além de:
"Os geógrafos, em particular, têm uma longa tradição em mitificar o Estado-nação, em tratar como único algo que é múltiplo. Em ressaltar a "nossa" identidade nacional sem a preocupação de demonstrar que essa identidade com o Estado-nação foi forjada segundo os interesses de grupos sociais hegemônicos em determinados momentos históricos." (FRANÇA, CARVALHO, 2015. p. 281)
Os livros didáticos de geografia ou manuais se apoiavam em uma conjuntura voltada
para um período de valorização do nacional, em especial, no período do Governo de Getúlio
Vargas com a criação de políticas nacionalistas. Tais livros didáticos eram desenvolvidos a
partir de um conteúdo marcado em enaltecer características naturais do Brasil: O maior Rio do
mundo, a maior floresta do Mundo, etc, no entanto, esse tipo de abordagem e a memorização
desses conteúdos em nada contribuíam para uma formação crítica dos educandos.
A filósofa Marilena Chauí em seu texto: "Brasil: mito fundador e sociedade autoritária"
aprofunda o papel desempenhado pela difusão de conhecimentos sobre o território nacional
direcionados para exaltação de aspectos naturais e da criação de uma imagem de povo
receptivo, sem conflitos. Essa ideologia difundida pelas escolas por intermédio dos livros
didáticos, em especial, de geografia, permitiram a construção "em certos momentos, de
crermos na unidade, na identidade e na indivisibilidade da nação e do povo brasileiros, e, e
outros momentos, conceber a divisão social e a divisão política sob a forma dos amigos da
nação e dos inimigos a combater." CHAUÍ (2000)
CHAUÍ (2000) destaca que em algumas pesquisas realizadas, os entrevistados sentiam
orgulho de ser brasileiros e que tais motivos estavam pautados na natureza do país e no
caráter do povo, além de apresentar o povo como trabalhador, lutador, alegre, divertido,
conformado e sofredor. É evidente a construção de um imaginário, ou seja, a produção de uma
comunidade imaginada com traços em comum que conectam à quase todos em processo
unificador. Essa ideologia fundamenta-se na apropriação da educação e na reprodução dessas
imagens positivas do país, com visão ufanista, com o objetivo de manter uma unidade na
diversidade.
A filósofa ressalta que o poder ideológico de cooptar o pensamento da população e
direcioná-lo para uma visão unificadora é capaz de nos induzir a sensação de que fazemos
parte de uma engrenagem que funciona para o bem de todos, no entanto, não é desse modo
que a realidade é experimentada. CHAUÍ (2000) nos leva a questionar tal engrenagem do
sistema quando indaga sobre a exclusão ou subrepresentação de diversos grupos na
74
sociedade, em especial, os negros com os diversos obstáculos ideológicos criados para a
marginalização.
"A força persuasiva dessa representação transparece quando a vemos em ação, isto é, quando resolve imaginariamente uma tensão real e produz uma contradição que passa despercebida. É assim, por exemplo, que alguém pode afirmar que os índios são ignorantes, os negros são indolentes, os nordestinos são atrasados, os portugueses são burros, as mulheres são naturalmente inferiores, mas, simultaneamente, declarar que se orgulha de ser brasileiro porque somos um povo sem preconceitos e uma nação nascida da mistura de raças. Alguém pode dizer se indignado com a existência de crianças de rua, com as chacinas dessas crianças ou com o desperdício de terras não cultivadas e os massacres dos sem-terra, mas, ao mesmo tempo, afirmar que se orgulha de ser brasileiro porque somos um povo pacífico, ordeiro e inimigo da violência. Em suma, essa representação permite que uma sociedade que tolera a existência de milhões de crianças sem infância e que, desde seu surgimento, pratica o apartheid social possa ter de si mesma a imagem positiva de sua unidade fraterna." (CHAUI, 2000. p. 5)
VLACH (2012) relaciona a construção do saber escolar com poder. Segundo ela, a
escola é a "principal instituição porque há uma relação entre saber e poder, ou seja, qualquer
que seja o saber, ele não se desvincula das relações de poder que o engendraram." Portanto,
a escola como uma base de reprodução das ideologias nacionalistas, tendo como ferramenta
os livros escolares, reforça a difusão de saberes criados e desenvolvidos pela burguesia. Esta
burguesia que passou a defender a escolarização, segundo VLACH (2012) quando assumiu o
poder político, passando a transmitir conteúdos direcionados ao desenvolvimento do
nacionalismo patriótico o que confirma a relação entre saber e poder. A difusão desses
saberes, como já descrito aqui, funcionam como saberes universais, isto é, de todos.
Segundo FRANÇA, CARVALHO (2015) até a década de 1930, os livros abordavam
conteúdos em uma escala nacional, valorizando ou enaltecendo aspectos com o objetivo de se
criar uma unidade. A partir da década de 1930, com a influência da escola francesa os livros
escolares de geografia passam abordar conteúdos direcionados aos estudos regionais,
abordando "a memorização de aspectos descritivos tomando como base um recorte regional e
a organização dos conteúdos em segmentos estanques (relevo, clima, vegetação, população)."
FRANÇA, CARVALHO (2015)
Os principais livros didáticos de geografia ao do século XX, segundo FRANÇA,
CARVALHO (2015) foram norteadores na construção e reprodução de ideologias de cunho
nacionalista e, esses livros, contribuíram para um processo de formação da sociedade
brasileira. Esta sociedade marcada por um racismo à brasileira, que dissimulava o processo de
marginalização do negro através, principalmente, do mito da democracia racial e da
miscigenação. FRANÇA, CARVALHO (2015) citam os principais autores de livros didáticos de
geografia do século XX, sendo um deles, Aroldo de Azevedo, como podemos identificar nas
palavras abaixo:
75
"Em 1937, Aroldo de Azevedo publicou seu primeiro livro didático. Os componentes ideológicos desta obra estavam correlacionados aos preceitos ideológicos do Estado Novo (1937-1945). Utilizado como veículo de difusão de ideologias hegemonicistas, este livro incorporava discursos em defesa, por exemplo, do "progressivo" embranquecimento populacional que garantiria uma nova "qualidade" de população ao país. Segundo esta perspectiva, de caráter racista, o embranquecimento da população capacitar-nos-ia a usufruir do progresso e da democracia." (FRANÇA, CARVALHO, 2015. p. 287)
CHOPPIN (2004) informa em seu artigo que em muitos países, os livros didáticos
abordam temas que em outros locais são silenciados. Em outros locais, o livro pode apresentar
de forma exaustiva um determinado conteúdo. "Não garantindo àqueles que estão sob a
jurisdição do Estado o direito de se expressar livremente." (CHOPPIN, 2004. p. 556) Nesse
sentido, CHOPPIN (2004) afirma que o livro didático não apresenta uma neutralidade, isto é, é
produzido com e a partir de intencionalidades ou "motivações diversas, segundo a época e
local, e possui como característica comum apresentar a sociedade mais de modo como
aqueles que, em seu sentido amplo, conceberam o livro didático não simples espectadores de
seu tempo: eles reivindicam um outro status, o de agente." (CHOPPIN,2004. p.557)
"O livro didático não é um simples espelho: ele modifica a realidade para educar as novas gerações, fornecendo uma imagem deformada, esquematizada, modelada, frequentemente de forma favorável: as ações contrárias à moral são quase sempre punidas exemplarmente; os conflitos sociais, os atos delituosos ou a violência cotidiana são sistematicamente silenciados." (CHOPPIN, 2004. p.557)
CHOPPIN (2004) reforça seu posicionamento sobre a manipulação da realidade ou
construção de uma dada realidade mediante os discursos desenvolvidos pelas classes
hegemônicas. Determinados conteúdos podem direcionar para discursos hegemônicos, que
por sua vez, ocultam ou silenciam vozes que acabam sendo identificadas como de menor
expressão na sociedade. "Não é suficiente, no entanto, deter-se nas questões que se referem
aos autores e ao que eles escrevem; é necessário também prestar atenção àquilo que eles
silenciam, pois se o livro didático é um espelho, pode ser também uma tela." (CHOPPIN, 2004.
p.557)
Para nos auxiliar na construção do livro didático como um instrumento de poder e
divulgador de saberes inerentes as classes dominantes, no próximo tópico iremos buscar como
os livros didáticos apresentam as relações raciais no Brasil.
76
III. 3 - Livro didático e a questão racial: um diálogo com a colonialidade do poder e do
saber
Até esta etapa, identificamos algumas posições que o livro didático pode desempenhar
na sala de aula e na construção da identidade nacional brasileira, sendo, em especial, o livro
de geografia escolar um dos mais significativos na construção de um imaginário unificador e
centralizador. Portanto, vimos que os livros didáticos e as apostilas (nas quais creditamos o
mesmo papel do livro didático em sala de aula) funcionam como: referenciais de estudos,
funcionam como uma aproximação entre a produção científica e a escola, servem de referência
para alunos e professores, seguem uma lógica mercadológica e não são considerados um
instrumento neutro. (BITTENCOURT, 2013) Sendo assim, podemos inferir que os livros
escolares basearam-se em discursos hegemônicos ao serem desenvolvidos, silenciando
diversas vozes.
SILVA (2003) destaca que os discursos racistas, existentes nos livros didáticos, muitas
das vezes são percebidos pelos estudantes negros, refletindo em resultados piores dentro do
processo de ensino. Nesse sentido, o autor destaca que:
"A representação dos negros em livros didáticos foi preocupação explícita a partir da constituição do Movimento Negro Unificado (MNU), em 1979, tendo como uma das principais reivindicações a mudança na educação escolar, de modo e extirpar dos livros didáticos, dos currículos e das práticas de ensino os estereótipos e os preconceitos contra os negros." (GUIMARÃES, 2002 apud SILVA et al, 2013. p. 129)
A lei 10.639/03 apresenta uma função fundamental na transformação desses
estereótipos e dos preconceitos contra os negros. Esta lei não altera somente as práticas em
sala de aula sobre o ensino da África e dos negros no Brasil, vai além do conteúdo do livro
estimulando uma preocupação dos editais de aceitação dos livros didáticos para as escolas
públicas, atualmente, chamado de PNLD (Plano Nacional do Livro Didático). Portanto, (SILVA
et al, 2013) realizaram uma pesquisa sobre a articulação dos editais do PNLD e do PNBE
(Programa Nacional Biblioteca da Escola) dos anos 2000 com o objetivo de "analisar em que
medida as críticas das pesquisas e dos movimentos sociais dialogavam com as políticas
promoção de igualdade racial gestadas ou propostas pelo próprio MEC." Os autores (SILVA et
al, 2013) identificaram pouca efetividade das políticas nos livros didáticos, "em razão, de as
formas de discurso racista presentes nos livros serem, via de regra, implícitas." (SILVA et al,
2013) Portanto, o Estado tem um papel importante como norteador da editoração dos livros,
por intermédio da criação de leis e editais que determinam filtros para a produção dos livros
escolares e sua adoção pelas escolas públicas no Brasil. As editoras que não almejam perder
mercado acabam buscando formas de adaptação as exigências para que não fiquem de fora
do mercado das escolas públicas. No entanto, como colocado nas pesquisas de (SILVA et al,
77
2013), os livros escolares ainda não se transformaram como deveriam, reproduzindo de forma
implícita o racismo à brasileira.
Dentro dos editais analisados, os autores (SILVA et al, 2013) destacam a utilização do
termo tolerância. Para eles, este termo induz a um discurso racista implícito, pois se cria a
sensação de um padrão de humanidade e quem se encontra fora desse padrão deve ser
tolerado. Como ressaltam os autores:
"Em relação à promoção de igualdade étnico-racial, diversas normativas utilizam o termo tolerância como forma de propor o convívio. No entanto, esse termo afirma, implicitamente, que existe um padrão de humanidade que deve simplesmente tolerar a convivência com o outro, ou seja, estabelece o não-hegemônico como outro, afirmando a diferença como desvio. Estamos em acordo com as críticas formuladas por SILVA (2002) de que tal termo é estigmatizante e a tolerância é coerente com uma perspectiva que hierarquiza. Para estabelecer uma relação de reciprocidade, tratar-se-ia de respeito à diferença." (SILVA et al, 2013. p. 131)
Segundo SILVA et al (2013), a relação entre negros e brancos nos livros didáticos são
marcadas pela existência de uma hierarquia racial, sendo o branco colocado como
"representante natural da humanidade." Para os autores, o silêncio e a representação dos
negros acompanhados de brancos "estereotipa os negros estabelecendo posições de
subalternidades como singulares e naturais aos negros." SILVA et al (2013)
Em seus levantamentos, SILVA et al (2013) identificaram diversos posicionamentos nos
livros escolares de Língua portuguesa que estereotipavam e hierarquizavam os negros e os
brancos, sendo eles: crianças negras em posições subalternizadas, discursos relacionando os
negros aos escravos, coisificação do negro, a África sendo representada como selvagem,
rural, pobre, poucos personagens negros colocados como construtores do saber científico e
colocados na ocupação de espaços de miséria. SILVA et al (2013) ressalta que os
personagens brancos não eram colocados dessa maneira e sim, como representantes naturais
da humanidade, "construtores dos saberes científicos, associadas à educação, ao lazer e às
práticas de cidadania." SILVA et al (2013)
Em um estudo sobre as representações da África e da população negra nos livros
didáticos de geografia, RATTS et al (2007) destacam que "um dos principais alvos de atuação
dos movimentos contra o racismo é a educação formal, pois esta se mostra impregnada de
ideologias que negativizam os segmentos não-brancos." RATTS et al (2007) ao desenvolverem
uma relação entre educação e racismo identificam que mesmo a população negra compondo
um segmento de mais da metade da população brasileira, "a cultura e a estética negra são
invisibilizadas e, em determinados momentos, negativizadas frente a um padrão branco."
RATTS et al (2007) destacam que "violências físicas e simbólicas sofridas cotidianamente por
78
estudantes negros em suas trajetórias escolares proporcionam o retardo e a evasão destes do
espaço escolar." E reforça quando diz que:
"Podemos afirmar que a educação, marcada por relações e métodos pedagógicos que privilegiam um grupo em detrimento de outro, proporcionam um ensino excludente que desconsidera a pluralidade étnico-racial presente em sala de aula. Deste modo, observa-se a atuação de forma marcante do racismo no cotidiano escolar, desde as relações entre profissionais da educação, professores, professoras e estudantes, chegando até o material didático utilizado para efetivação do ensino." (RATTS et al, 2007.p. 49)
Desse modo, RATTS et al (2007) enfatizam o silêncio do debate das relações raciais
desiguais no Brasil dentro do espaço escolar e a violência simbólica e física vivenciadas por
estudantes negros, ressaltando o processo de naturalização das desigualdades que os
materiais escolares reproduzem. Os currículos, também no trabalho de RATTS et al (2007) são
colocados como pouco democráticos, onde na maioria dos casos estudados, não abordaram a
questão étnico-racial no Brasil. Não entraremos aqui no debate sobre currículo, no entanto, o
livro didático funciona muitas vezes como organizador do currículo escolar. É nele que os
professores e estudantes encontram de forma sintetizada os conteúdos solicitados pelo
currículo.
Em seus estudos sobre os livros didáticos de geografia e as representações da África e
dos negros nos mesmos, RATTS et al (2007) identificaram alguns problemas: a) "poucas
referências e menções sobre a população negra nos livros;" b) "apresentações da população
negra se caracterizam, na grande maioria dos casos, em estereótipos."
Tanto RATTS et al (2007) quanto SILVA et al (2013) destacam em seus produto de
pesquisa sobre livros didáticos as imagens estereotipadas sobre a África como selvagem e
rústica desenvolvendo uma visão evolucionista da sociedade, sendo a Europa como o ápice
desse desenvolvimento e representante da humanidade. Ambos os autores citados destacam
as imagens dos negros vinculados à pobreza e a miséria, "representados em funções sociais
inferiores e de baixo prestígio social." RATTS et al (2007) As imagens dos negros vinculadas à
escravidão no período colonial é constante nos livros estudados pelos autores, ou seja, livros
de geografia e língua portuguesa como reprodutores de estereótipos em relação aos negros na
sociedade brasileira.
Portanto, RATTS et al diz que:
"É importante romper com essas estigmatizações que constituem papéis sociais restritos e explicitar a diversidade de ocupações e funções que são e podem ser exercidas na sociedade por pessoas negras. As representações sobre o segmento negro presentes nos livros didáticos de Geografia em questão não proporcionam o surgimento de modelos relevantes que ajudem na construção de uma auto-imagem positiva do(a)s estudantes negros e negras. Contribuem, sim, para uma ideologia do embranquecimento, uma vez que a população negra é excluída simbolicamente ou estereotipada nas
79
representações dos conteúdos imagens que lhes são transmitidos." (RATTS et al, 2007.p. 53)
É necessário observarmos as palavras de SILVA et al (2013) e de RATTS et al (2007)
sobre as representações que são criadas em relação a população negra no Brasil, no entanto,
a maioria dos estudos analisados para o desenvolvimento deste trabalho destacam os
problemas do racismo no Brasil sendo pertencentes aos negros e não aos brancos. Existem
diversos estudos envolvendo questões raciais no Brasil, tais estudos, abordam os livros
didáticos como meio de reprodução e criação dessas relações, no entanto, BENTO (2002)
chama a atenção para a criação de um silenciamento das responsabilidades do branco no
desenvolvimento de uma subrepresentação do negro na sociedade.
"No Brasil, o branqueamento é freqüentemente considerado como um problema do negro que, descontente e desconfortável com sua condição de negro, procura identificar-se como branco, miscigenar-se com ele para diluir suas características raciais." (BENTO, 2002.p.25)
Nesse sentido, tanto BENTO (2002) como SILVA et al (2013) e RATTS et al (2007)
colocam que nas relações raciais no Brasil o branco aparece como modelo universal de
humanidade. É necessário idealizarmos que esse modelo criado pela elite como um problema
do negro é, na verdade, uma criação de diversas formas de manutenção dos privilégios dos
brancos nos quais, indicam que o problema da marginalização, subrepresentatividade do negro
na sociedade não é um problema do branco. A esta dissimulação do branco sobre o negro
BENTO (2002) denomina como branqueamento.
"Na verdade, quando se estuda o branqueamento constata-se que foi um processo inventado e mantido pela elite branca brasileira, embora apontado por essa mesma elite como um problema do negro brasileiro. Considerando (ou quiçá inventando) seu grupo como padrão de referência de toda uma espécie, a elite fez uma apropriação simbólica crucial que vem fortalecendo a auto-estima e o autoconceito do grupo branco em detrimento dos demais, e essa apropriação acaba legitimando sua supremacia econômica, política e social. O outro lado dessa moeda é o investimento na construção de um imaginário extremamente negativo sobre o negro, que solapa sua identidade racial, danifica sua auto-estima, culpa-o pela discriminação que sofre e, por fim, justifica as desigualdades raciais." (BENTO, 2002.p.25)
Para BENTO (2002) o "foco da discussão é o negro e, há um silenciamento sobre o
branco." Assim, levando em consideração que os livros didáticos persistem em difundir
conteúdos com uma visão do negro escravo, BENTO (2002) "diz que o legado da escravidão
para o branco é um assunto que o país não quer discutir, pois os brancos saíram da escravidão
com uma herança simbólica e concreta extremamente positiva, fruto da apropriação do
trabalho de quatro séculos do outro grupo." (BENTO, 2002. p. 27)
80
Desse modo, BENTO (2002) nos leva a questionar o papel do branco no processo de
criação, manutenção e de práticas de discriminação dos negros. Para BENTO (2002) existe
uma discriminação provocada por interesse de manutenção dos privilégios dos brancos na
sociedade. Para a autora, um dos primeiros sintomas da existência de uma branquitude no
Brasil é o reconhecimento das desigualdades raciais pelos brancos, mas que não relacionam à
discriminação. Os brancos, portanto, relacionam a subrepresentação do negro na sociedade
com o processo de escravidão e, se colocam à parte ou são silenciados nesse processo.
Apesar de BENTO (2002) não trabalhar em sua pesquisa diretamente com os livros
escolares ou apostilas, há uma relação direta entre diversas pesquisas realizadas sobre os
materiais pedagógicos/escolares e a subrepresentação do negro na sociedade. Pouco se vê
sobre como os brancos são representados nesse processo de ensino/aprendizagem.
BENTO (2002), ao se referir sobre o processo de branquitude e desenvolvimento de
uma sociedade onde outro, não-branco é marginalizado, retrata como primeiro passo para este
processo a "exclusão moral". Segundo ela, a "exclusão moral" "é a desvalorização do outro
como pessoa e, no limite, como ser humano. Os excluídos moralmente são considerados sem
valor, indignos e, portanto, passíveis de serem prejudicados ou explorados." (BENTO, 2002.p.
29)
BENTO (2002) reforça em seu texto esse processo de criação de uma imagem negativa
do outro (o não-branco) como forma de manutenção de uma relação de poder assimétrica.
"Assim, o que se observa é uma relação dialógica: por um lado, a estigmatização de um grupo
como perdedor, e a omissão diante da violência que o atinge; por um lado, um silêncio suspeito
em torno do grupo que pratica a violência racial e dela se beneficia, concreta ou
simbolicamente." (BENTO, 2002. p.29)
Sendo assim, para BENTO (2002), "a melhor maneira de se compreender a branquitude
e o processo de branqueamento é entender a projeção do branco sobre o negro, nascida do
medo, cercada de silêncio, fiel guardiã dos privilégios." Os livros escolares apresentam,
portanto, uma função ideológica fundamental na construção deste mundo da branquitude,
colocando o não-branco como o outro e passível de ser desprezado e marginalizado. Desse
modo, cabe-nos aqui, uma reflexão sobre a construção desse branco como representante
natural da humanidade repetidamente colocado nos livros didáticos.
Os estudantes, em sua maioria, acreditam que os conteúdos disponibilizados pelos
livros didáticos de geografia sejam fundamentais para a construção de um saber. No entanto,
são poucos estudantes ou professores que questionam a origem desses saberes. Para quem
são produzidos esses saberes? Com que objetivo? De onde vêm esses saberes? Nesse
sentido, o livro escolar é de relevante importância na produção do contato entre o saber escolar
e o saber universitário ou acadêmico. BITTENCOURT (2013) Os livros acabam assumindo uma
função de contemplar uma atualização, normatização e organização dos conteúdos para os
81
docentes e discentes que acabam direcionados pelas atividades propostas. COUTO (2015)
descreve que os professores de geografia que trabalham, hoje, em escolas públicas, enfrentam
diversos problemas em suas práticas pedagógicas como: "o desinteresse dos alunos, a
ausência das famílias, e grandes dificuldades de leitura e escrita de textos por parte dos
alunos." Estes fatores reforçam a importância do livro escolar como meio divulgador de
conteúdos e logo, este artefato pedagógico, passa a ser um centralizador de divulgação dos
saberes.
Um dos vieses para a construção de livros escolares capazes de reproduzirem uma
branquitude e branqueamento da sociedade está na relação entre o local de produção deste
conteúdo e a construção e desenvolvimento das ciências. Para isso, voltemos um pouco no
colonialismo. Este momento da história, segundo SANTOS (2004), foi concebido pela
modernidade como "missão civilizadora", dentro do qual o desenvolvimento europeu apontava
o caminho para o "resto do mundo". Entretanto, o fim desse processo de colonização não se
resumiu à retirada da administração além mar do colonizador, diversas heranças permanecem
no espaço geográfico, nas relações sociais, nas relações econômicas e política. Essa
manutenção das relações do colonialismo enquanto manutenção das relações sociais é
denominado de colonialidade, onde essas relações desiguais, também se perpetuam na
produção do conhecimento.SANTOS (2004)
Nessa perspectiva, MIGNOLO (2004) ressalta que "hoje, a descolonização já não é um
projeto de libertação das colônias, com vistas à formação de Estados-nação independentes,
mas sim o processo de descolonização epistêmica e de socialização do conhecimento."
(MIGNOLO, 2004. p.668)
Segundo QUIJANO (1992) em seu texto: Colonialidade e Modernidade/Racionalidade a
colonialidade é como uma forma de colonização do imaginário. Este imaginário construído é
reproduzido com o auxílio dos livros escolares, como vimos anteriormente no texto, ao
mencionarmos a contribuição destes na construção do imaginário de nação. Esse controle
sobre as ciências, exercido pela manutenção de formas diferenciadas de poder, criou uma
legitimação do que é importante e do que deve ser trabalhado em sala de aula e colocado nos
livros escolares. Portanto:
"A repressão recaiu sobre os modos de conhecer, de produzir conhecimento, de produzir perspectivas, imagens, sistemas de imagens, símbolos, modos de significação; sobre os recursos, padrões e instrumentos de expressão formalizada e objetivada, intelectual ou visual. Foi seguida pela imposição do uso dos próprios padrões de expressão dos dominantes, assim como de suas crenças e imagens referidas ao sobrenatural, as quais serviram não somente para impedir a produção cultural dos dominantes, mas também como meios muito eficazes de controle social e cultural, quando a repressão imediata deixou de ser constante e sistemática." (QUIJANO, 1992. p. 438)
82
Nessa perspectiva, há um silenciamento daqueles que são considerados fora do padrão
do colonizador. Mas, qual é o padrão do colonizador? Segundo GROSFOGUEL (2008) "na
América chegou o homem heterossexual/branco/patriarcal/cristão/militar/capitalista/europeu
com suas hierarquias globais enredadas e coexistentes no espaço e no tempo."
GROSFOGUEL (2008) enumera alguns pontos desse domínio ou controle mantido pela
colonialidade. "Sendo uma dessas formas de controle a manutenção das relações sociais
hierárquicas por intermédio do desenvolvimento epistêmico que privilegia a cosmologia e os
conhecimentos ocidentais relativamente ao conhecimento e às cosmologias não-ocidentais."
(MIGNOLO, 1995, 2000; QUIJANO, 1991. apud GROSFOGUEL, 2008. p.123)
Essa episteme ocidental é refletida nas páginas dos livros escolares como vimos em
RATTS (2013), onde o autor identificou que existem poucas referências e menções sobre a
população negra nos livros de geografia. Portanto, entendemos a colonialidade do poder
segundo a concepção de GROSFOGUEL (2008), em que o autor define-a como:
"(...) conceptualizo a colonialidade do poder como um enredamento ou, para usar o conceito das feministas norte-americanas de Terceiro Mundo, como uma interseccionalidade (Crenshaw, 1989; Fregoso, 2003) de múltiplas e heterogêneas hierarquias globais ("heterarquias') de formas de dominação e exploração sexual, política, epistêmica, econômica, espiritual, linguística e racial, em que a hierarquia étnico-racial do fosso cavado entre o europeu e o não europeu reconfigura transversalmente todas as restantes estruturas globais de poder. O que a perspectiva da "colonialidade do poder" tem de novo é o modo como a idéia de raça e racismo se torna o princípio organizador que estrutura todas as múltiplas hierarquias do sistema-mundo. (QUIJANO, 1993) (GROSFOGUEL, 2008. p.123)
O autor MIGNOLO (2004) ao se referir à colonialidade do poder e do saber, destaca o
papel da língua como combustível para o processo de expansão da ciência e da construção
das identidades, no entanto, essa expansão foi difundida a partir de centros e não da periferia,
ou seja, negaram o desenvolvimento de ciência que não fosse a europeia centrada em uma
modernidade completamente evolucionista. Para MIGNOLO (2004) o problema não está na
"ciência" e sim, como a "revolução científica" foi concebida. Segundo ele, a "autocelebração
que ocorreu em paralelo com a crença emergente na supremacia da "raça branca", negou ao
restante da humanidade a capacidade de pensar.
Existe, portanto, uma relação direta entre a manutenção das relações de poder
hierárquicas com a construção da modernidade e do racismo apontado por BENTO (2002). A
constituição dos valores brancos como universal e a negação em nome dessa modernidade
ocidental dos valores não-ocidentais, foi fundamental na reprodução de uma modernidade que
silenciava outras racionalidades e valores incutidos em outras culturas. Quais valores
respaldaram a modernidade? Segundo MIGNOLO (2004) são: "valores cristãos, entenda-se de
83
base católica e protestante: a fé, a ciência, a liberdade, a democracia, a justiça, os direitos
humanos, etc". Para o autor, "o lugar de enunciação a partir do qual se fizeram e refizeram
todas as classificações foi uma variação do mesmo: homem, europeu e branco." O poder
dessa tríade e sua difusão como universal, deu aos discursos científicos uma sensação de
"lugar nenhum de enunciação", logo um pressuposto de neutralidade na análise.
Para GROSFOGUEL (2008) o conhecimento emana de um determinado lugar situado
em uma esfera de poder e que o sujeito que fala é "aquele que está sempre escondido, oculto,
apagado da análise. A "egogeopolítica do conhecimento" da filosofia ocidental sempre
privilegiou o mito de um "Ego" não situado." (GROSFOGUEL, 2008. p.119)
O autor reforça os argumentos acima, quando coloca que:
"(...) todo o conhecimento se situa, epistemicamente, ou no lado dominante, ou no lado subalterno das relações de poder, e isto tem a ver com a geopolítica e a corpo-política do conhecimento. A neutralidade e a objetividade desinserida e não situada da egopolítica do conhecimento é um mito ocidental." (GROSFOGUEL, 2008. p 119)
O desenvolvimento de uma análise universal da população construída com uma base
epistemológica europeia é colocada como "um ponto de vista que se representa como não
tendo um ponto de vista" GROSFOGUEL (2008). Segundo o autor, ao "esconder o lugar de
enunciação a dominação e a expansão coloniais europeias/euro-americanas conseguiram
construir por todo o globo uma hierarquia de conhecimento superior e inferior e,
consequentemente, de povos superiores e inferiores." (GROSFOGUEL, 2008. p. 120) A
posição de GROSFOGUEL (2008), em relação ao desenvolvimento de um "lugar
epistemológico sem ponto de vista". Essa sensação de neutralidade de quem fala, na verdade,
não existe. A construção de uma ideologia dominante é estruturada a partir de "hierarquias de
classe, sexuais, de gênero, espirituais, linguísticas, geográficas e raciais do "sistema-mundo
patriarcal - capitalista - colonial - moderno"." (GROSFOGUEL, 2008. p. 118)
A modernidade não existe sem a colonialidade. MIGNOLO (2004) A transformação do
paradigma teológico para o científico, dentro da própria modernidade, desenvolveu uma
centralização da epistemologia ocidental onde a ciência produzida por esse centro reduzia a
significância dos conhecimentos e saberes produzidos fora deste eixo.
Para MIGNOLO (2004) esses saberes produzidos a partir de um centro e para um
grupo hegemônico, controlando o tempo e o espaço, foi difícil de ser percebido como uma
continuidade das relações hierárquicas de poder construídas sobre a égide da modernidade.
Sendo assim, o autor menciona que:
84
"(...) incapacidade dos historiógrafos para perceber que a epistemologia ocidental era ao mesmo tempo a história das realizações modernas e dos adiamentos e das negações coloniais, pode parecer surpreendente se presumirmos que esta historiografia se apóia na razão, e não na fé." (MIGNOLO, 2004. p. 675)
Por que a colonialidade se tornou difícil de ser desvendada ou visível? MIGNOLO
(2004) responde está questão ao afirmar que a "colonialidade, permaneceu invisível sob a idéia
de que o "colonialismo" seria um passo necessário em direção à modernidade e à civilização."
Além dessa ideologia de evolução civilizatória tendo como o ápice o europeu ocidental,
para MIGNOLO (2004), outra razão para a invisibilidade da colonialidade é o simples fato de
somente metade da história ser contada, ou seja, relatada pelo olhar da modernidade e do
colonizador. Ao realizarmos conexões entre o conceito de colonialidade com as pesquisas
sobre as representações da população africana e negra nos livros escolares e apostilas, vemos
uma exaltação da ciência produzida a partir de um centro. Nos livros de Geografia, RATTS et al
(2007) apresentam um problema identificado na análise da representação dos negros e da
África nos livros didáticos, o predomínio de uma visão econômica do mundo enaltecendo os
grandes da economia capitalista e construindo diversos estigmas sobre o continente africano
como selvagem, excluído, ultrapassado. Além, de reproduzir em seus textos e iconografias os
brancos como referência da humanidade e, os negros, em funções sociais menos
desfavorecidas, legitimando suas posições assimétricas na sociedade.
Em seu artigo, MIGNOLO (2004) reconhece que a "modernidade tem duas faces, uma
libertadora e outra despótica." a construção de uma modernidade "libertadora" começaria,
segundo o autor a partir da construção de perspectivas daqueles que "sofreram as
consequências do lado "mau" da modernidade" que iremos produzir e contribuir para um
mundo com diferentes racionalidades. Para MIGNOLO (2004) não deve haver um lado "bom"
da modernidade, um lado uni-versal e sim, um lado pluri-versal. Como destaca o autor:
"Não basta abraçarmos a perspectiva da modernidade e sentirmo-nos culpados e fazermos um esforço honesto para corrigir os erros. Os problemas não estão no erro. O problema é que não pode haver um caminho uni-versal. Tem de haver muitos caminhos, pluri-versais. E este é o futuro que pode ser alcançado a partir da perspectiva da colonialidade com a contribuição dada pela modernidade, mas não de modo inverso." (MIGNOLO, 2004. p.678)
Pensar a modernidade seguindo noutra direção não é proposta de Walter Mignolo, e
sim, começarmos a pensar a partir daquilo que foi negado ou silenciado pela modernidade. Ao
construirmos um novo polo de difusão de saberes e conhecimentos estaremos reproduzindo
um silenciamento e uma negação de outras racionalidades. Portanto, uma convivência entre
diversas racionalidades poderia contribuir para uma ciência menos hierárquica.
Desse modo, QUIJANO (2005) revela que o conceito de raça como instrumento de
classificação social da população só foi implementado a partir do processo de colonização da
85
América, não havendo textos que possam direcionar estudos sobre essa forma de classificação
antes da ocupação europeia na América. Para o autor, os europeus já possuíam contatos com
africanos e asiáticos, no entanto, essa forma de classificação utilizada para hierarquização não
fundamentava as relações sociais. A construção da Europa como centro, inicia-se no
colonialismo europeu e sua expansão pelo resto do mundo, "reproduzindo ou elaborando uma
perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela a elaboração teórica da idéia de raça
como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus."
QUIJANO (2005) Há uma implementação de um processo de naturalização de inferioridade
dos povos dominados por intermédio de seus traços fenotípicos relacionando tais traços as
suas supostas aptidões mentais, e dessa maneira essa relação que relacionava traços físicos
com capacidade intelectual foi decisivo no processo de estruturação da sociedade e de suas
relações de poder. QUIJANO (2005)
A Europa, em específico a Europa ocidental, cria sua condição de centro capitalista
mundial impondo sobre as regiões colonizadas e populações um formato de "sistema-mundo".
Diversas identidades geoculturais são produzidas a partir da Europa, apontado ao não europeu
aquilo que ele não era/é, "concentrando sob sua hegemonia o controle das subjetividades, da
cultura, e em especial do conhecimento, da produção do conhecimento." QUIJANO (2005) De
que forma realizaram este processo? QUIJANO (2005) aponta para três fundamentais passos
para a criação de um eurocentrismo: 1°) "expropriam as populações colonizadas de seus
descobrimentos culturais em benefício do centro europeu; 2°) reprimiram as formas de
produção de conhecimento, seu universo simbólico, seus padrões de expressão e em 3°)
forçaram aos colonizados a aprenderem parcialmente a cultura dos dominadores." QUIJANO
(2005. p.111)
Portanto, QUIJANO (2005), aponta para um controle Europeu com a associação entre o
etnocentrismo colonial e a classificação racial universal colocando os mesmos como superiores
aos demais povos. "De acordo com essa perspectiva, a modernidade e a racionalidade foram
imaginadas como experiências e produtos exclusivamente europeus." QUIJANO (2005)
A modernidade produziu uma cortina de fumaça sobre os conhecimentos e saberes
produzidos por não-europeus, destinando as epistemologias do norte um reconhecimento
maior do que as do sul, o material didático, em especial o livros escolares, foram fundamentais
no processo de difusão de discursos com vieses branco, capitalista, patriarcal, heterossexual
que se propagaram por um dos principais meios de difusão ideológica que é a escola. Esta
mesma escola que pode funcionar como local de luta contra ideologias hegemônicas ou como
reprodutora das classes dominantes. A cortina de fumaça criada pela modernidade ocultou as
colonialidades do poder e do saber, ou seja, o controle exercido por grandes centros
econômicos e a manutenção de uma relação de dependência além, de uma produção
epistemológica eurocentrada. A criação de um processo de evolução da sociedade para
86
alcançar o patamar existente na sociedade europeia é inserido de forma constante nos livros
escolares, dando sentido a um processo de evolucionismo onde, colocado por alguns autores
já citados até aqui, a África é representada como atrasada, primitiva. Essa representação é
refletida na relação entre o continente e seus descendentes negros, no qual acabam criando
uma visão deturpada do continente. A raça, portanto, é utilizada como forma de organização da
sociedade, sendo o livro didático de geografia de grande relevância para a construção de uma
unidade nacional brasileira, favorecendo uma visão de paraíso racial, sem conflitos e
silenciando os privilégios que os brancos obtiveram com o fim da escravidão.
CAPÍTULO IV - Análise das Apostilas e Resultados obtidos
IV.1 O que compreendemos por apostila
Segundo o dicionário Aurélio a palavra apostila tem diversos significados como: "a)
Texto que acrescenta a um documento; b) Nota ou apontamento à margem de um livro ou
escrito; c) Livro em que se reúnem essas notas ou apontamentos; d) Folha ou conjunto de
folhas que contêm o resumo da lição."26 GOMES (2012) ressalta que o termo apostila "nem
sempre é encontrado para se referir a artefatos utilizados em processos de escolarização."
Para o autor, "a designação apostila parece ser frequentemente associada a artefatos que
ofereciam conteúdos de forma resumida e de forma suplementar." Ele também destaca que o
termo apostila pode ser aplicado como forma de esclarecimento ou complementação.
(GOMES, 2012. p. 44). NUNES (2012) também destaca, assim como GOMES (2012), que o
termo apostila é entendido como "adição a algo anterior", para isso, o autor buscou definições
em dicionários, mas, ressaltou que esse "complemento a algo anterior" é, diversas vezes,
utilizada como única fonte de conhecimento. A apostila é o material principal em diversos
estabelecimentos de ensino.
Como GOMES (2012), entendemos que o termo apostila "é um artefato pedagógico27".
No entanto, que tipo de artefato pedagógico é esse? Para nos ajudarmos na definição do que é
apostila, é necessário buscarmos alguns autores que já se propuseram a estudar as apostilas
escolares. BUNZEN (2001) realizou um estudo em quatro escolas particulares na cidade de
Olinda, em Pernambuco, que usavam como material didático ou aparato pedagógico as
Apostilas Escolares (AEs)28. Nessa pesquisa, BUNZEN (2001) percebeu a existência de
formatos/tipos de AEs diferentes: 1°) "apostilas produzidas na própria escola por um único
26 APOSTILA. In: Dicionário Aurélio. ed. on line. Disponível em:<http://dicionariodoaurelio.com/apostila>, Acesso em: 19, out. de 2015. 27 Termo utilizado por GOMES (2012) em sua tese: "As apostilas dos sistemas de Ensino sob uma lógica empresarial." 28 Termo utilizado por BUNZEN (2001).
87
educador;" 2°) "apostilas produzidas na própria escola por um grupo de professores;" 3°)
"apostilas produzidas, principalmente, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil (São os Sistemas
Apostilados de Ensino)" e 4°) "apostilas fotocópias de livros didáticos que não respeitam os
direitos autorais das editoras." BUNZEN (2001)
As diferentes formas de apostilas encontradas por BUNZEN (2001) evidenciam certa
dificuldade na criação de uma única definição sobre apostila. Uma definição universal não
caberia para todos os formatos de apostilas existentes e trabalhadas nas diversas instituições
escolares. Em um estudo sobre os Sistemas Apostilados de Ensino, AMORIM (2008), definiu
apostila em sua pesquisa como:
"(...) é um material didático, pois está relacionado ao ensino. Em qualquer de seus formatos, desde aquela que é preparada por um professor para uma aula específica, até a que é produzida em largas escalas industriais, as apostilas sempre objetivam compilar conhecimentos que devem ser transmitidos aos educandos." (AMORIM, 2008. p. 9)
Nesse sentido, entendemos que apostila é um material didático, que apresenta uma
"compilação" de conhecimentos funcionando como um "facilitador" para o educando e para o
educador no processo ensino-aprendizagem. Pode apresentar mais características como uma
abordagem mais moderna e atual, contendo um baixo custo de produção e podendo ser
adaptada a diversos processos educacionais. Além disso, servem de Marketing e mídia para as
instituições escolares, sendo vista como um material de qualidade.29
É evidente que a descrição acima não possibilita abraçar a todos os formatos, tipos e
usos das apostilas escolares no Brasil. Até porque, alguns tipos de apostilas apresentam uma
visão de pouca modernidade, sendo fotocópias de livros didáticos, de baixa qualidade de
visualização e pouco atrativas para os alunos.
A definição de apostila utilizada nesta pesquisa é a necessária para classificar as
apostilas escolares que são objetos de estudo deste trabalho. Estas apostilas se enquadram na
classificação três (3) proposta por BUNZEN (2001), ou seja, apostilas produzidas no sul e
sudeste do Brasil ou chamadas de Sistemas de Ensino Apostilado. Estes sistemas apresentam
investimentos elevados do grande capital editorial e se expandem das instituições particulares
em direção ao ensino público, somando um grande número de educandos inseridos nesse
modelo. Neste sistema, a apostila não é o único material utilizado por essas empresas, ela é
apenas o "carro chefe" 30, sendo criado toda uma estrutura de processo de ensino no qual a
apostila é uma das peças dessa enorme engrenagem. As apostilas funcionam como porta de
entrada para o Sistema de Ensino, ou seja, a adoção da apostila labora como um caminho para
outros serviços como: tira-dúvidas on line, portal com vídeos complementares, programas para
29 Para criarmos um sentido de apostila, foi utilizado alguns autores de extrema relevância para este trabalho: AMORIM (2008;2012), BUNZEN (2001), CARMAGNANI (1999), BEGO (2013). 30 PIERONI (1998) destaca o uso do material apostila como fundamental para a expansão do ensino franqueado da rede Anglo. Sendo este material o suporte para a entrada de novos aparatos pedagógicos, como simulados, provas e outros.
88
análise ou acompanhamento do aluno e de seu desempenho, simulados, entre outros. Dessa
maneira, a apostila assume o papel de carro-chefe na inserção de novos serviços, mas
também, acaba por direcionar as práticas docentes em sala de aula. Como os professores no
Brasil apresentam elevada carga horária de trabalho os SAE reduzem o tempo gasto de
planejamento e, dessa maneira, acaba por nortear quais conteúdos devem ser ministrados e
de que forma. AMORIM (2008) Assim, os SAE acabam por legitimar os conteúdos que são
importantes e que devem ser apresentados aos discentes e ministrados pelos docentes.
Nesse sentido, AMORIM (2008) destaca que o material apostilado deve ser utilizado
pelo docente, isto é, não pode ser negligenciado e que se tratando de uma escola da rede
particular, franqueada a algum SAE, o professor corre o risco de ser enquadrado como inapto a
lecionar no estabelecimento. AMORIM (2008), portanto, indica uma imposição para a utilização
do material apostilado e, em sua pesquisa, chama a atenção para o uso do material apostilado
como uma "única fonte de saber dentro da sala de aula."
Refletindo mais um pouco sobre os formatos de apostilas identificados por BUNZEN
(2001), pude perceber, em minha carreira no magistério, a existência de diversos tipos de
apostilas, inclusive, já fui produtor de apostilas de geografia, tanto individualmente como em
conjunto com a equipe de geografia das instituições escolares. Geralmente, essas instituições
eram colégios-curso voltados para o vestibular e preparatório para as carreiras militares. As
apostilas produzidas por um educador ou por uma equipe de educadores de uma determinada
instituição escolar apresentam uma escala de mercado reduzida, sendo utilizada, na maior
parte, em sua própria escola. No entanto, o processo de crescimento dos cursos vestibulares e
a ampliação da concorrência pelas vagas nos vestibulares ampliaram à procura pelos métodos
ou sistemas que proporcionavam possíveis vantagens aos candidatos. Isto é, cursos viraram
grandes empresas que se apropriaram desse sistema de apostilas alcançando uma tiragem
elevada de materiais e abarcando todo o território nacional. Acreditamos que as apostilas
classificadas por BUNZEN (2001) como produzidas por um educador ou por uma equipe de
educadores da própria escola seja, em uma escala de desenvolvimento mercadológica, um
princípio formador dos grandes Sistemas de Ensino31 no Brasil. Isto é, a descoberta desses
sistemas de "aprovação" no vestibular possibilitou a expansão em escala nacional de uma
visão de material "de qualidade" para as escolas "franqueadas ou parceiras" 32.
Nesse sentido, o estudo das apostilas nesse trabalho se vincula aos Sistemas de
Apostilados de Ensino, que funcionam não como um complemento para algo anterior, e sim,
como dito na introdução deste tópico, como material centralizador das práticas docentes,
31 Entendemos, assim como GOMES (2012) "que o termo Sistema de Ensino será utilizado para representar um conjunto que
envolve kits de produtos e serviços produzidos e comercializados por empresas de grupos privados como o Grupo Positivo." 32
PIERONI (1998) destaca a existência de dois tipos de parcerias entre os sistemas de ensino e a escolas que utilizam seus materiais pedagógicos (que se utilizam das apostilas e permanecem com suas características de origem) e as escolas franqueadas Sobre o uso do termo franqueado, PIERONI (1998) destaca a existência dessa nomenclatura justificando-a como já utilizada pelos executivos de seu estudo de caso no Sistema Anglo de Ensino. Ressalta que a venda de franquias ou unidades parceiras dá direito ao uso da marca e dos produtos da empresa, treinamento dos funcionários, layout único, acompanhamentos dos resultados.
89
direcionador dos conteúdos programáticos, determinante na distribuição das cargas horárias
das disciplinas.
IV.2 As semelhanças e as diferenças entre os Livros didáticos e as Apostilas
É necessário levantarmos alguns pontos em que os livros didáticos e as apostilas
apresentam de semelhanças e diferenças, pois, neste trabalho utilizamos alguns autores que
estudam somente os livros didáticos e, desse modo, usamos seus apontamentos, que incidem
sobre os livros escolares, para analisarmos os materiais apostilados. Ou seja, nos baseamos
nesta pesquisa, não somente em pesquisadores dos SAE, mas também em autores que
estudam livro didático para analisarmos as apostilas, pois, assim como AMORIM (2008) em
sua dissertação de mestrado: "Reflexões críticas sobre os Sistemas Apostilados de Ensino",
cremos em mais aproximações entre as apostilas e os livros didáticos do que diferenças. Em
resumo, algumas análises sobre os livros didáticos podem ser utilizadas para os materiais
apostilados, pois os mesmo apresentam mais semelhanças do que diferenças.
Refletindo sobre essas aproximações e diferenças entre os livros didáticos e as
apostilas, resolvemos desenvolver uma lista que aponte tais características. Para isso,
utilizaremos os levantamentos feitos pelo autor AMORIM (2008) como uma forma de nortear
nossos apontamentos.
Semelhanças
1. "Os dois materiais pertencem à literatura didática;" AMORIM (2008)
2. "Os livros e as apostilas apresentam uma influência política", ou seja, como estes
materiais apresentam-se como produtores e reprodutores de ideologias, o governo e as
empresas privadas acabam por utilizá-los como forma de cooptação dos educandos em
direção as ideias inseridas nos materiais; AMORIM (2008)
3. Tanto os livros quanto as apostilas são fontes de interesses econômicos das editoras que
acabam vendendo para o governo e para as instituições particulares de ensino; AMORIM
(2008)
4. Os livros e as apostilas possuem limitações nos conteúdos propostos; AMORIM (2008)
5. Existe uma imposição na utilização dos dois materiais didáticos pelas escolas; AMORIM
(2008)
6. "A utilização das apostilas e dos livros como única fonte de saber em sala de aula;"
AMORIM (2008)
7. "Os livros e as apostilas privilegiam a memorização dos conteúdos que são considerados
úteis e pertinentes." AMORIM (2008)
90
Diferenças
1. O livro didático esteve ao longo de seu surgimento no Brasil e de seus primeiros usos,
"entrelaçado as escolas públicas, diferente das apostilas que apresentam sua gênese
vinculada à rede privada de Ensino"; AMORIM (2008)
2. "As apostilas são renovadas anualmente e tendem a ser bimestrais", já os livros, em
especial no setor público de educação, são renovados de três a quatros anos de uso e
são repassados para os alunos do segmento anterior, sendo reutilizados. As apostilas,
portanto, apresentam um "ar de modernidade" devido sua rápida transformação em
relação aos eventos que precisam ser estudados para os processos seletivos
universitários; AMORIM (2008)
3. Os esquemas rígidos de divisões de aulas bimestrais nos sistemas de apostilas
facilitam, segundo AMORIM (2008), os professores que possuem grande carga horária
e não apresentam tempo disponível para a preparação de aulas.
Acrescentamos, segundo o nosso olhar e de outros autores (NUNES, 2012; PIERONI,
1998; ADRIÃO et al, 2009) que imergiram nos Sistemas Apostilados de Ensino, outras
divergências e convergências entre os dois materiais.
Diferenças
1. As apostilas apresentam um respaldo de "qualidade de ensino", pois esses sistemas já
foram aplicados em seus locais de origem e foram eficazes (segundo os próprios
sistemas apostilados) no processo de acesso dos estudantes no vestibular, os livros
não deixam garantias de "qualidade";
2. As apostilas não são avaliadas pelo MEC ou pelo PNLD para que possam ser adotadas
pelas escolas públicas no Brasil e muito menos pelas instituições particulares de ensino;
3. Os Sistemas de Apostilamento ganham força no período de expansão neoliberal no
Brasil, com políticas voltadas ao processo de privatização e, diversos municípios
pequenos no país acabaram adotando estes materiais pedagógicos como "solução" dos
problemas do sistema educacional local; já a expansão dos livros didáticos passa por
um controle de distribuição e de escolha por intermédio do Estado, iniciando-se nas
décadas de 1930 e 1940 com o Governo Getúlio Vargas difundido em específico
políticas de cunho nacionalistas;
4. As apostilas são materiais pedagógicos que estão inseridos em um kit que são
oferecidos/vendidos em conjunto com apoio administrativo, pedagógico e de marketing;
91
5. Existência de programas que acompanham o desempenho dos alunos e seus possíveis
resultados no vestibular.
Semelhanças
1. Tanto os livros quanto as apostilas acabaram buscando os Objetos Educacionais
Digitais (OED´s) como forma de estimular a adesão de escolas ao material da editora.
Desse modo, as apostilas não são exclusivas nesse mercado de conteúdos digitais.
2. Como trabalhamos com apostilas voltadas aos professores, estas apresentam
orientações metodológicas assim como os livros didáticos voltados aos professores,
portanto, é uma outra convergência importante que demonstra um direcionamento
descrito como "sugestivo" ao trabalho docente em sala de aula.
Em outras palavras, as apostilas dos sistemas de ensino acabam, no dia a dia em sala de
aula, assumindo o lugar como única fonte de saber, ou seja, a apostila quando adotada por
alguma instituição escolar franqueada substitui o livro didático e passa a ter uma função de
referencial. Embora as apostilas do Sistema Positivo de Ensino sejam denominadas de "livros
integrados digitais"33, dando a entender que o material seja impregnado de complementos na
internet, ainda assim, acreditamos em um número maior de semelhanças do que diferenças
entre os livros didáticos e as apostilas. Até porque, em diversos livros didáticos hoje, existem
portais que os alunos e professores podem acessar conteúdos complementares, não se
restringindo as apostilas dos Sistemas de Ensino. Nesse sentido, as apostilas e os livros
didáticos apresentam mais semelhanças do que diferenças, em especial, quando assumem o
lugar de referencial, centralizadora dos conteúdos e determinando a prática docente.
IV.3 A preparação do solo para o recebimento das sementes dos Sistemas de
Apostilados de Ensino: algumas transformações no acesso aos Institutos de Ensino
Superior.
O processo de adoção de Sistemas Apostilados de Ensino pelas Instituições escolares
se intensifica na década de 1990, principalmente devido a expansão dos cursos preparatórios
voltados para o vestibular.
33 Partindo de minha experiência em diversas escolas do Rio de Janeiro percebi que os alunos utilizam-se pouco das ferramentas
complementares à apostila, pois as escolas dificilmente disponibilizam internet para os alunos em sala. Portanto, as apostilas assumem o lugar do livro didático como referência de local de conteúdos e como ponto de apoio para a preparação das aulas dos professores, mesmo que haja uma gama de complementos na internet que podem ou não ser acessado pelo discente, ou até mesmo, pelos docentes.
92
BEGO (2013) destaca que os cursos preparatórios iniciam-se já no período imperial,
quando comparamos a atuação dos colégios particulares da época com as atuais intenções
dos colégios-curso.
"Considerando, em lato sensu, que a atuação de determinados estabelecimentos com o intuito explícito e intencional de preparar unicamente para o Ensino Superior possa ser comparado à atuação dos atualmente conhecidos "cursinhos pré-vestibular", podemos afirmar que os estabelecimentos de ensino com tais características já existiam no cenário brasileiro desde os longínquos tempos do Brasil império." (BEGO, 2013. p 49)
Mas como BEGO (2013) aponta, é a partir dos anos de 1960 que o acesso aos
Institutos de Ensino Superior (IES) passa a se dar através de um modelo calcado no vestibular
favorecendo a formação de grupos de vestibulares e fundações34:
"A análise histórica da evolução do exame vestibular mostra que as provas elaboradas, aplicadas e avaliadas "artesanalmente" pelas respectivas IES com a finalidade de verificar qual o grau de domínio dos candidatos acerca de certo conteúdo estipulado que os habilitasse aos estudos em nível superior se modificaram em modalidade. Com o aumento da demanda e com o apogeu das grandes fundações (Fundação Carlos Chagas, CESGRANRIO, VUNESP, FUVEST etc.), tornaram a execução e avaliação desses exames altamente sofisticadas e especializada. Se com o emprego da nova modalidade e de novos métodos houve o aumento da objetividade e agilidade na elaboração, aplicação e correção das provas, também ocorreu o aumento de sua seletividade". (BEGO, 2013. p. 70)
E reforça quando diz que:
"As alterações experimentadas pelo exame vestibular na década de 1960, responsáveis pelo aumento de sua complexidade e exigência, juntamente com a modificação de sua modalidade, tornando compulsoriamente classificatório devido à grande concorrência, fizeram com que a atuação dos cursinhos se tornasse imprescindível. A formação secundária realizada nas escolas parecia não mais se mostrar suficiente para que os alunos conseguissem enfrentar os diversos exames vestibulares organizados pelos IES." (BEGO, 2013. p 72)
Desse modo, a transformação do processo de seleção favoreceu a classe média e alta,
pois esses segmentos tinham condições financeiras de investir em cursos pré-vestibulares que
direcionava os seus filhos para os processos seletivos das Universidades. No entanto, era um
"adestramento" para a realização das provas, onde as aprovações dos alunos do curso no
vestibular consolidavam o sistema de ensino como de "qualidade", aumentando o mercado dos
"cursinhos: "Para as camadas de classe média que aspiravam ascensão social por meio de sua
inserção nos cursos tradicionais das instituições públicas de excelência, restava a alternativa
34 Ver BEGO (2013), no capítulo Origem, evolução e consolidação dos Sistemas Apostilados de Ensino na Realidade Brasileira,
Tese de Doutorado.
93
de frequentar os cursinhos a fim de conseguir enfrentar a concorrência dos exames
vestibulares." BEGO (2013)
É a partir desse processo de aprovação nas universidades que se pontuava que os
sistemas de ensino nos cursos davam certo. As práticas eram resumidas por "aulas expositivas
e a utilização de apostilas como literatura didática exclusiva." BEGO (2013) Com isso, na
década de 1970 ocorreram diversos investimentos empresariais tornando os cursos empresas
com aspirações maiores no mercado educacional e, em especial, no mercado editorial e nos
sistemas de ensino. Começam a se expandir pelo país o sistema de franquia dos grandes
cursos vestibulares do Brasil, entre eles a Rede Positivo de Ensino. (BEGO, 2013). Ademais,
BEGO (2013) enfatiza a utilização de convênios entre colégios privados e cursinhos e,
também, a transformação de cursinhos em colégios privados, desenvolvendo assim, um novo
modelo de colégio, o colégio-curso. "Os colégios-curso que tinham sua expansão restrita à
atuação nos diversos níveis de ensino e no aumento do número de colégios sob sua
administração direta, na década de 1970 e 1980, passaram a ampliar seu nicho de mercado a
partir do modelo de franquias." BEGO (2013)
Como ressaltado anteriormente, estes sistemas adotados pelos colégios-cursos serão
vendidos por meio de franquias. Nesse processo de franquia, segundo BEGO (2013), as
escolas que adotavam tais modelos tinham que adquirir e implementar outros instrumentos e
práticas pedagógicas presentes no contrato de franquia, além das apostilas, como: portais
educativos na internet, CD-ROM e até formação continuada dos professores. Ou seja: "Não
são compradas apenas apostilas, mas sim, toda uma metodologia e ideologia de ensino."
(PIERONI, 1998 apud BEGO, 2013. p76)
A metodologia utilizada pelas apostilas dos Sistemas de Ensino se expandiu nos últimos
anos pelas redes educacionais públicas e privadas do Brasil, abarcando cada vez mais um
número maior de alunos e de municípios que buscam nas apostilas soluções para problemas
relacionados ao baixo índice da educação municipal nas provas de avaliação da educação
básica. Contudo, estes Sistemas de Ensino acabam direcionando o processo pedagógico e
determinando a construção de valores. Principalmente, ao nortearem os conteúdos que devem
ser ministrados e aqueles que são negligenciados ou silenciados. Assim, não é "apenas" uma
expansão de um material didático e um conjunto de instrumentos pedagógicos, mas formas de
se ler o mundo que serão legitimadas através das diversas ferramentas desenvolvidas pelos
Sistemas de Ensino, tendo como carro chefe as apostilas, que acabam centralizando as
práticas docentes e se tornando, em alguns casos, o único local de acesso ao conhecimento.
A existência de diversos Sistemas de Ensino como: SER, COC, Positivo, Anglo,
Objetivo, Pitágoras, Dom Bosco, etc acarretou a busca por instituições franqueadas e uma
disputa de acesso aos novos mercados. Assim, para além das escolas privadas, as instituições
públicas de ensino passaram a se tornar novos mercados para os Sistemas de Ensino. Com
94
propagandas voltadas para a melhoria do desempenho escolar, o que acabou por interessar
alguns municípios paulistas (como podemos ver nos estudos de ADRIÃO et al (2009))que
buscam possíveis melhorias que os SAE prometem nos índices da educação básica local.
O autor também destaca que a expansão deste sistema está ligada aos potenciais
mercados que se abrem com as vantagens de "privatizar" o sistema educacional. Nesse
sentido, BEGO (2013) aponta o número de educandos abarcados pelos SAE em 2002, sendo
"o número de alunos só dos cinco grandes grupos (Anglo, COC, Objetivo, Pitágoras e
Positivo35) somados era da ordem de 1,3 milhão." BEGO (2013. p. 76) Esses sistemas
cresceram não somente na rede privada de ensino, algumas redes públicas do Brasil adotaram
esses SAE como modelo de educação a ser seguido. Em um artigo publicado na Revista
Espaço Acadêmico, Raymundo de Lima destaca que dos 645 municípios do estado de São
Paulo, 129 já haviam adotado um sistema de apostilado de ensino, isto no ano de 2006.
Nesse sentido, abrem-se caminhos para os sistemas de apostilados de ensino
abarcarem um grande número de alunos em todo o território nacional, expandindo-se das
escolas particulares para as públicas, para além de uma transferência de responsabilidade do
Estado para as empresas privadas. Portanto, estes SAE seguem um modelo mercadológico
com uma "pedagogia universal", como descrito por LIMA (2006), "envolto numa áurea pós-
moderna", no entanto, apresenta-se como uma dissimulação pedagógica direcionada para um
adestramento do educando em prol de uma "vaga" no gargalo denominado de vestibular.
IV.4 Descrição do Grupo Positivo e do Sistema Positivo de Ensino
As pesquisas pioneiras realizadas por PIERONI (1998) sobre os Sistemas Franqueados
de Ensino já relatavam as dificuldades de se apropriar de dados e informações mais profundas
em relação às empresas que expandiam seus materiais e métodos de ensino "de qualidade"
pelo país. PIERONI (1998), como já descrito aqui, abordou o crescimento da Rede Anglo de
ensino e de seu sistema de apostilas. Em nosso trabalho, iremos utilizar como objeto de
estudos as apostilas da Rede Positivo ou Grupo Positivo. Nesse sentido, também encontramos
dificuldades em encontrar informações mais aprofundadas que as disponíveis no próprio site
do Grupo Positivo e, em específico, no Sistema de Ensino Positivo.
35 "Atualmente, o Sistema Positivo de Ensino é utilizado por 2.100 instituições de ensino, distribuídas pelo Brasil e no Japão em um
universo que abrange 530 mil alunos e 53 mil professores." (fonte:http://www.editorapositivo.com.br/editora-positivo/sistemas-de-ensino/sistema-positivo-de-ensino.html, acessado em 24/08/15)
95
IV.4.1 Da expansão dos sistemas de ensino em direção à rede pública de educação
Para CAIN (2014) em seu estudo sobre a Organização do Trabalho Pedagógico na
Escola e o Sistema Apostilado de Ensino, neste caso, utilizando-se de outro sistema de ensino,
mas, que também fragmenta a relação entre o privado e público. CAIN (2014) aponta que o
Sistema UNO36 de ensino oferece um serviço especializado e diferenciado para as escolas
públicas, sendo propagado pelo próprio sistema UNO de ensino que o mesmo auxilia os
sistemas públicos no aprimoramento de suas avaliações e realiza a formação continuada de
professores e gestores. A autora destaca algumas frases, utilizadas no site da empresa, que
atribuem ao sistema UNO de ensino como uma solução para a política educacional, sendo
ferramentas ou instrumentos fundamentais na busca pela qualidade de ensino e, com a
utilização do material apostilado pelo governo local, garantiria êxito educacional com o alcance
de bons resultados. A autora CAIN (2014) enfatiza o uso de avaliações externas aos
municípios como um fator de aproximação e de facilitador para a entrada dos Sistemas de
Apostilados de Ensino no Sistema educacional público brasileiro
ADRIÃO et al (2009) realizou um estudo sobre a adoção de sistemas de ensino
pelos municípios de São Paulo entre os anos de 1996 e 2006. Esse período é marcado por
apresentar-se como um momento de privatizações diversas no território nacional e, segundo os
autores, a educação municipal em São Paulo utiliza-se da crise de eficácia da educação
pública como justificativa para essa "simbiose" entre o Estado e o capital privado. Os autores
denominam de sistemas de ensino, pois, a adoção desses modelos que deram certo em algum
local acaba por definirem normas pedagógicas, preparação para as avaliações externas ao
município, cursos para os professores, material didático, entre outros. Para os autores ocorre
"uma transferência da lógica de organização privada para o setor público, ao invés de reverter
esses recursos públicos para a melhoria ou consolidação do aparato governamental necessário
à manutenção e ao desenvolvimento do ensino."
Os autores, ADRIÃO et al (2009), indicaram uma matéria da revista Veja online, de
2007, que teve a intenção de apontar uma gestão da educação particular em substituição à
educação pública como sendo um caminho para a modernidade escolar, um novo modelo de
administração. Um modelo neoliberal apoiado pela mídia que tem interesses diversos nesse
processo, pois, diversas editoras são fornecedoras desses materiais didáticos e outros
36 Segundo informações do site da Empresa, o Sistema UNO de Ensino "foi criado a partir da sólida experiência da Editora
Moderna na edição de livros didáticos e paradidáticos." Criado em 1997 é um Sistema de Ensino Apostilado. A palavra UNO é o nome do Sistema e não uma sigla. Site <http://www.sistemauno.com.br/main.jsp?lumChannelId=40288081217A3CCD01217CC13B252114>, acessado em 17 de maio de 2016.
96
aparatos para esses municípios, a privatização na educação é uma forma de garantia do
mercado.
Portanto, entre os anos de 1996 a 2007 foi constatado pelos autores ADRIÃO et al
(2009) que os municípios menores em número de habitantes (entre 10.000 a 50.000
habitantes) obtiveram um número maior de adesões aos sistemas de ensino privados. Ou seja,
de um total de 645 municípios nos estado de São Paulo, 161 haviam adotado algum sistema
de ensino, sendo 150 deles municípios entre 10.000 a 50.000 habitantes.
Para os autores a explicação para esse fenômeno de adesão de sistemas de ensino pelos
municípios pequenos ocorre pois:
"Tal situação parece confirmar a hipótese de que os pequenos municípios possuem condições mais adversas, do ponto de vista político e operacional para a oferta educacional. Complementarmente, tendem a ser mais permeáveis à pressão das empresas privadas, tendo em vista que a constituição da esfera pública em tais situações tende a ser mais frágil, aproximando-se o privado do público de maneira mais cotidiana e informal. Nestas circunstâncias, as relações se dão muitas vezes de maneira pessoalizada e regidas pelo clientelismo, condição na qual a filiação partidária é quase irrelevante." (Holanda, 1971 apud ADRIÂO et al, 2009. p.805)
Segundo ADRIÃO et al (2009) alguns pontos importantes sobre a adoção de sistema
de ensino pelos municípios paulistas como a falta de critério técnico ou social para adesão dos
sistemas pelos governos municipais, sem licitações e sendo inseridos mediante vontade do
executivo, ou seja, de muitos prefeitos das pequenas cidades. Outros pontos importantes são
"fragilidade conceitual e pedagógica dos materiais e serviços comprados pelos municípios".
Foi constatado por ADRIÃO et al (2009) que as Comissões Parlamentares de Inquéritos
dos municípios investigados pela adesão aos sistemas educacionais privados, que as redes
de forneciam materiais diferentes em qualidade para as redes privadas e públicas. Outra
questão levantada é o duplo pagamento pelo mesmo serviço, ou seja, os autores chamam a
atenção para as verbas já existentes do Governo Federal para a aquisição de livros didáticos
por intermédio do PNLD, no entanto: "A compra de materiais apostilados é efetuada com
percentual dos recursos constitucionalmente vinculados à Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino, que poderiam ser destinados a outros aspectos das atividades pedagógicas para
melhoria da educação local." ADRIÃO et al (2009)
Outro ponto abordado em relação à expansão dos sistemas de ensino pelas redes
públicas de São Paulo é que as empresas privadas têm como meta o lucro, a reprodução
ampliada do capital, desse modo ocorre uma "submissão do direito à qualidade do ensino à
lógica do lucro." Sendo que o discurso oficial busca legitimar a aquisição desses materiais e
desse processo pedagógico sustentando que: "padronização/homogeneização de conteúdos e
currículos escolares como parâmetros de qualidade". Segundo ADRIÃO et al (2009), a
padronização é justificada pelos dirigentes como forma de eliminar as desigualdades entre as
97
escolas. Essa prática expropria o direito das escolas de organizarem suas práticas a partir de
suas necessidades locais, indo de encontro a Lei de Diretrizes e Bases.
"As instituições privadas que oferecem os sistemas de ensino, com algumas exceções e variações, tendem não só a determinar os conteúdos a serem desenvolvidos pelos professores, mas também os tempos de trabalho, as rotinas e a metodologia de ensino. Também a assessoria prestada, com variações de regularidade e de práticas, atua monitorando a implementação do material comprado pela municipalidade." (ADRIÃO et al, 209. p. 811)
Os autores ADRIÃO et al (2009), portanto, acabam indicando uma das respostas para o
questionamento levantado sobre a diferenciação das apostilas e dos sistemas de ensino
positivo utilizados pela rede particular e pela rede pública, um dos motivos é a transferência de
alunos da rede particular em direção à rede pública, levando-se em consideração que o modelo
particular, legitimado pela "qualidade atestada em suas instituições de origem" iria acarretar
uma transferência em massa entre as redes. Buscando informações sobre essa diferenciação
no sites do SPE (Sistema Positivo de Ensino)37 e do Sistema de Ensino Aprende Brasil foi
perceptível as diferenças de apresentação dos portais que atendem ao segmento privado
(portal Positivo de Ensino) e ao segmento público (Aprende Brasil). A sensação para quem
acessa aos portais é a de que o da rede privada franqueada possui mais conteúdos digitais e,
aparentemente, é mais organizado. Entretanto, como não foi possível adentrar na área restrita
aos usuários, fica essa dúvida sobre as diferenças ou semelhanças entre os portais de acesso
aos usuários dos sistemas do Grupo Positivo. No Sistema Aprende Brasil são disponibilizados
alguns componentes como: o portal Aprende Brasil, o Livro Didático Integrado, a Assessoria
Pedagógica, o Sistema de Monitoramento Educacional do Brasil (SIMEB)38 e o Hábile.39 Já, as
escolas que adotam o SPE, isto é, as instituições privadas de ensino, passam a obter outros
tipos de suporte como: Assessorias pedagógicas, financeira, jurídica e administrativa, além de
apoio ao marketing, o Livro didático, acesso ao portal positivo, ao Hábile e acesso ao centro de
formação Positivo com atendimento aos professores com uma constante formação presencial
ou a distância.
Assim como PIERONI (1998) analisou o SAE e as escolas franqueadas da Rede Anglo
de Ensino e percebeu variações nas relações entre o sistema de ensino e a escola franqueada,
37 O Grupo Positivo apresenta algumas "soluções educacionais" diferentes para as escolas públicas e privadas. Assim, o Sistema
Positivo de Ensino (SPE) é voltado somente para as escolas privadas e o Sistema Aprende Brasil é direcionado, especificamente, as instituições públicas. 38
Segundo a editora positivo: "O SIMEB é uma ferramenta de gestão das informações educacionais que possibilita monitorar os
resultados alcançados e propicia o desenvolvimento de planos de ação para o avanço na qualidade de ensino em cada município.", Disponível em: <http://www.editorapositivo.com.br/editora-positivo/sistemas-de-ensino/aprende-brasil.html>, acessado em: 15 de fevereiro de 2016. 39
"O hábile coleta e sistematiza informações a respeito do desempenho dos alunos do 4º e do 8º ano do Ensino Fundamental por
meio de testes e questionários contextuais aplicados na própria escola. Ele verifica se os alunos têm capacidade de raciocinar, estabelecer relações e chegar a conclusões. As disciplinas verificadas são:– Língua Portuguesa (enfoque na leitura);– Matemática (ênfase em resolução de problemas);– Ciências (foco nos fenômenos naturais e tecnologia)." Disponível em: <http://www.editorapositivo.com.br/editora-positivo/sistemas-de-ensino/aprende-brasil.html>, acessado em: 15 de fevereiro de 2016.
98
o mesmo acontece com Grupo Positivo, que diferencia o acesso dos estudantes, professores e
gestores da rede pública em relação à rede privada de ensino.
Os SAE expandem-se nas décadas de 1970 a 1990, com maior intensidade pelas redes
privadas, e, a partir de da década de 1990 passam a buscar as escolas públicas. Dessa
maneira, as apostilas apresentam-se como carros-chefe para a entrada de um kit que são
vendidos em conjunto com o apoio administrativo, pedagógico e de marketing. Tais sistemas
de apostilamentos buscam uma expansão da venda de seus produtos, que prometem
qualidade, mas que acabam condicionando o trabalho docente. Pois o interesse maior do
Sistema Apostilado de Ensino está no processo de padronização e na manutenção de uma
"qualidade de origem", ou seja, desenvolve-se uma sensação de "solução pedagógica,
administrativa e de marketing", baseada em experiências propagadas pelo próprio SAE a partir
de suas unidades de origem, que deverão ser aplicadas as escolas franqueadas, sejam elas
publicas ou privadas.
Nesse processo de adesão ao SAE enfraquece a autonomia pedagógica necessária a
prática docente, amplia-se a busca por resultados e legitimam-se conteúdos que os materiais
determinam, inserindo as apostilas como única fonte de saber. AMORIM (2008) Desse modo,
as apostilas condicionam uma construção ideológica a partir de seus direcionamentos
metodológicos e administrativos que se inserem por intermédio do KIT que passa a ser
denominado de Sistema de Ensino. A adoção deste [KIT] dificulta a escola franqueada
desenvolver uma visão da diversidade, assim, produz uma conformação ideológica tanto para
os alunos quanto para alguns professores, que acabam por utilizar o material como
centralizador das aulas. AMORIM (2008)
IV.4.2 Da escala de abrangência do Sistema Educacional Positivo
O Grupo Positivo se intitula a maior corporação do segmento de educação e tecnologia
no Brasil.40 Fundada em 1972, apresenta uma área de atuação diversificada que atinge
segmentos como: a educação, o setor gráfico-editorial e informática. Como mencionado
anteriormente, essa data de fundação do grupo coincide com a conjuntura que possibilitou o
processo de expansão dos Sistemas de Apostilados de Ensino pelo país, com a participação
dos cursos pré-vestibulares como carros-chefes desses sistemas que eram ou são
relacionados com "qualidade de ensino" e aprovação no vestibular. Dessa maneira, o Grupo
Positivo atua como uma Holding na organização e na atuação desses três segmentos, sendo
os segmentos gráfico-editorial e educacional do grupo os mais importantes para este trabalho,
pois são estes os responsáveis pelo processo de inserção e produção dos Sistemas de Ensino.
40 As informações sobre o Grupo Positivo foram retiradas, em especial, do site: <
http://www2.positivo.com.br/portugues/grupo/grupo.htm>, acessado em 15 de fevereiro de 2016.
99
A Editora Positivo e a Posigraf atuam sob o comando do Grupo Positivo, sendo a editora
fundada mais recentemente que o Grupo, no ano de 2004. A Editora Positivo atua nos
Sistemas de Ensino e Livros além da produção de periódicos, sendo a Divisão de sistemas de
Ensino, dentro do Grupo Positivo, os responsáveis pelo contato com as escolas públicas e
privadas que adotam o sistema educacional. Existe uma diferença entre os Sistemas de Ensino
adotados pelas escolas públicas e privadas. Nas escolas privadas o Sistema de Ensino
Positivo é o adotado, já, nas escolas públicas pelo Brasil, o Sistema de Ensino Aprende Brasil
que é o inserido nos estabelecimentos educacionais.
O sistema positivo está entre os mais adotados pelos municípios paulistas.
Como destacam os autores:
"O mapeamento realizado permite afirmar que a empresa responsável pelo maior número de contratos com municípios paulistas é o COC, instituição oriunda de Ribeirão Preto, no interior do estado, seguida pelo Positivo, pelo Objetivo e pelo OPET" (ADRIÂO et al, 2009. p.806)
Segundo o Grupo Positivo seus serviços estão espalhados pelos 26 (vinte e seis)
estados brasileiros e mais o Distrito Federal e, atualmente, mantém negócios com outros
continentes como: Ásia, Europa e África. Segundo um mapa disponibilizado pela empresa em
seu site, o grupo tem serviços inseridos nos Estados Unidos da América, Brasil, Moçambique,
Senegal, Portugal, Itália, Alemanha, Dinamarca, Inglaterra e Japão. Então, espacializando sua
área de atuação, o Grupo Positivo atua em diversos países como uma multinacional, no
entanto, não deixa certo os serviços que são prestados nesses locais e, muito menos, quais
empresas são filiadas aos seus sistemas de ensino. Em 2001, na cidade de Nova Iorque, EUA,
o Sistema Positivo é adotado pela Escola Internacional das Nações Unidas, para crianças
filhos de diplomatas.
O grupo atua em diversos segmentos educacionais, desde o ensino infantil até o ensino
superior. O Grupo apresenta sedes escolares próprias de onde nasceu o modelo de Sistema
de Ensino, possui uma escola de idiomas (Centro de Línguas Positivo), Curso Pré-vestibular
(Curso Positivo) e a Universidade Positivo todos esses localizados na capital Curitiba (PR). No
Ensino Superior já apresenta 26 cursos de graduação e três programas de Mestrado e um de
Doutorado, além de centenas de cursos de especializações.
Com relação ao público atingido pelos Sistemas de Ensino ou com algum acesso aos
serviços do Grupo Positivo, o site do Grupo Positivo "parte dos 10 milhões de alunos que o
Grupo Positivo atende em sala de aula, estão os 535 mil alunos do Brasil, Japão e EUA que
estudam em 2.400 escolas que adotam o SPE. O Sistema Aprende Brasil possui 600 escolas
franqueadas com um total de 180 mil alunos abarcados pelo material do Grupo Positivo.
A editora positivo que nos últimos anos ficou entre as maiores fornecedoras de livros
para a rede pública de ensino, por intermédio dos Planos Nacionais do Livro Didático. Segundo
100
o PNLD e o PNLEM, a editora positivo, entre os anos de 2005 a 2013, vendeu para o Governo
um total de 46.124.12841 exemplares de livros, ficando atrás apenas das editoras: Moderna,
FTD, Ática, Saraiva e Scipione. Dessa maneira, podemos vislumbrar o universo de alunos e
escolas que apresentam algum contato com o material do Grupo Positivo e que esses
materiais são produtores de valores, sentidos, visões e leituras de mundo que acabam por
direcionar o pensamento não somente dos educandos, mas dos professores que acabam por
se basearem no material didático como fundamentador de suas aulas e norteador de seus
planos de aula.
IV.5 - Sobre o objeto da pesquisa
Como foi citado na Introdução dessa dissertação, o nosso trabalho empírico teve como
fonte de pesquisa 12 (doze) apostilas do Sistema Positivo de Ensino, específicas da disciplina
geografia. Todos os materiais correspondem ao segmento Ensino Médio, do 1º (primeiro) ano
ao 3º (terceiro) ano. Sendo 4 (quatro) volumes para cada ano (ou série, como o SPE
denomina) e um volume para cada bimestre. As apostiladas foram utilizadas no ano letivo de
2011 e, todas datam de períodos anteriores em suas fichas catalográficas: O Volume um, da
primeira série, é do ano de 2009, os outros volumes (2,3 e 4) são de 2007. Todos os volumes
da segunda série datam do ano de 2007 e, na terceira série temos os volumes 1, 2 e 3 de 2008
e o volume 4 de 2009. Portanto, todas as apostilas analisadas foram produzidas posteriores a
Lei 10.639/03. (Ver Anexo I, nele encontram-se os conteúdos de todas as apostilas por série.)
Nesse trabalho empírico, nos concentramos apenas nas apostilas destinadas aos
docentes42, não tendo como foco as apostilas destinadas aos discentes. Destacamos que tal
escolha metodológica, em nada atrapalha a pesquisa referente ao trabalho com as questões
sobre a África e os afrodescendentes junto aos discentes, visto que não há diferenças no
material do aluno e do professor com relação aos conteúdos ou as atividades das matérias,
mas em alguns pontos como listados abaixo:
1º) O material de apoio pedagógico encontra-se somente nas apostilas dos docentes. Sendo
que, nas apostilas de volume 1 (um) de cada série ou ano, há orientações compostas pelo
Projeto Pedagógico contendo a concepção de Ensino, a organização didática do material,
sugestão de avaliação, orientações metodológicas e a programação de conteúdos de geografia
para todo o Ensino Médio;
41 Disponível em:< file:///C:/Users/User/Downloads/evolucao_pnld_por_editora_2005-2013-v2%20(1).pdf>, acessado em: 15 de
fevereiro de 2016. 42
Por que analisaremos as apostilas dos docentes? As apostilas destinadas aos docentes apresentam somente a disciplina do
mesmo. Isto é, ao professor de geografia lhe é dado uma apostila com apenas o conteúdo de geografia, já para o aluno o material é composto por todas as disciplinas do bimestre vigente. Outro motivo para análise do material docente está relacionado ao material adquirido para pesquisa, doado por um professor de uma escola privada franqueada a Rede Positivo de Ensino.
101
2º) O material do aluno é composto por todas as disciplinas sugeridas pelo SPE, o professor
recebe somente a de sua disciplina, não tendo acesso as outras matérias.
Não faremos uma análise detalhada do Projeto pedagógico ou das orientações
metodológicas inseridas nas apostilas. Entretanto, vale ressaltar que o Projeto Pedagógico
ressalva que: Segundo o texto, a abordagem metodológica visa a "transposição das inovações
acadêmicas paraa realidade do Ensino Médio"43 e outra questão em destaque é o
conhecimento empírico dos alunos como fonte a ser valorizada pelo material e professores. O
Projeto pedagógico é o mesmo nos três segmentos, vindo sempre no volume 1 (um) de cada
série (ano). No Projeto Pedagógico não há referências as questões africanas e dos negros no
Brasil, mas também, não encontramos nenhuma referência específica aos outros continentes.
O texto do Projeto Pedagógico aborda mais a relação entre o Ensino de Geografia e os
conceitos geográficos, além de apresentar a estrutura da apostila, apontando a existência de
uma "organização didática" do material. Nesta organização proposta pelo SPE encontram-se
partes da apostila em que o aluno e o professor encontrarão seções como: "Interpretando e
refletindo", "Pesquisando", "Lendo mapas", "Interagindo e relacionando", "Revisando",
"Desafio", "Lendo gráficos", "A geografia mora ao lado" e "Geografia e arte".
O trabalho empírico com nossas fontes indicou que em todos os volumes há
orientações metodológicas. Estas contêm alguns textos complementares e o gabarito
(resolução) das atividades das apostilas, além de algumas sugestões de atividades. No final
de cada material ou apostila encontram-se as Atividades - Padrão ENEM (Exame Nacional do
Ensino Médio). Nesse segmento de exercícios há todos os eixos temáticos do ENEM:
Matemáticas e suas tecnologias, Ciências da Natureza e suas tecnologias, Linguagens e suas
tecnologias e Ciências Humanas e suas tecnologias. No entanto, em algumas das fontes
pesquisadas não foram encontrados o eixo Ciências Humanas e suas tecnologias.
Nas orientações metodológicas das unidades do material estudado encontramos alguns
apontamentos sugeridos pelos autores e dirigido aos professores. Estas orientações
metodológicas têm como objetivo auxiliar (ou direcionar) a implementação dos conteúdos
programáticos em sala de aula. Os apontamentos que destacaremos nas orientações
metodológicas das apostilas das três séries, abordam, em alguns casos, o Continente Africano,
mas em nenhuma delas foi mencionada a presença dos negros no Brasil. Sendo assim,
destacamos abaixo alguns pontos dessas orientações metodológicas.
Na unidade doze, do volume quatro da primeira série, que possui como tema: "Dinâmica
da População Mundial", as orientações indicam um debate sobre intolerância ao
multiculturalismo. Esta sugestão baseia-se em uma charge (que se encontra na parte
destinada aos conteúdos e não as orientações metodológicas) que destaca a intolerância em
relação aos islâmicos. Assim, a atividade sugere que o professor incentive aos alunos a
43 Texto inserido no Projeto Pedagógico do SAE Positivo, ano de 2007.
102
buscarem reportagens que enfatizam intolerâncias religiosas para que sejam comparadas à
charge da apostila. Embora o capítulo tenha uma perspectiva de se trabalhar o tema proposto
em uma escala mundial, as orientações não indicam a análise das intolerâncias religiosas
existentes em escala nacional, em específico, sobre as pessoas que adotam as religiões afro-
brasileiras. Sugerir a busca por uma reportagem de cunho nacional e voltada para as religiões
afro-brasileiras incentivaria a criação de novos olhares sobre a visão de "Brasil: um país sem
conflitos".
Na mesma unidade destacada acima, existe um "Desafio"44 proposto na apostila, que
diz: "O Zimbábue é um país subdesenvolvido que apresenta indicadores pertinentes a sua
situação econômica. Contudo, seu crescimento vegetativo é igual à de alguns países
desenvolvidos. Por que isso ocorre?" CARVALHO JÚNIOR (2007) A partir do questionamento,
como sugestão de atividade, as orientações metodológicas apresentam uma pesquisa na qual
o aluno deverá 1º) buscar indicadores socioeconômicos sobre alguns países africanos; 2º)
desenvolver uma tabela comparando o Brasil, a Noruega e o país africano escolhido. Esta
tabela comparativa deve conter os seguintes indicadores, conforme a sugestão: Renda per
capita; expectativa de vida; taxa de analfabetismo; taxa de natalidade; taxa de mortalidade;
crescimento vegetativo; crescimento demográfico; mortalidade infantil.
A partir da montagem da tabela (com os dados baseados nos critérios sugeridos) os
alunos devem montar um texto que analise as informações e criar um Ranking dos países
analisados. Para o autor, esta atividade proposta tem como finalidade: "Esta atividade pode
ajudar na desmistificação do continente africano como um "oceano de crianças esquálidas" e
um "batalhão de analfabetos", pois certos países da África possuem alguns indicadores
melhores que os do Brasil e, até mesmo, mais próximos aos da Noruega do que da média
africana." CARVALHO JÚNIOR (2007)
O autor aponta que uma forma de dissipar as construções imaginárias negativas sobre
o continente africano é mostrando imagens de algumas cidades africanas modernas. Outra
maneira seria trabalhar com textos sobre iniciativas bem-sucedidas em termos de
desenvolvimento e qualidade de vida. CARVALHO JÚNIOR (2007) sugere alguns países a
serem trabalhados nesta atividade: "Moçambique, Zimbábue, Namíbia, Ilhas Seychelles,
Tunísia, Líbia, Gabão e África do Sul."
Estes apontamentos sugeridos pelo autor aparecem nas orientações metodológicas
voltadas somente aos docentes, entretanto, nos textos destinados aos alunos sobre o
continente africano não há uma preocupação em não "estereotipar a África". A aproximação da
África de maneira constante a aspectos negativos (tais aspectos relacionados aos critérios
destinados aos exercícios descrito no parágrafo anterior) reforça imagens de um continente
44 Nas apostilas existem alguns desafios propostos pelos autores. Tais desafios são marcados por atividades com maior grau de
dificuldade ou que levam a questionamentos sobre um determinado tema.
103
marginalizado, excluído, primitivo ou atrasado. Caso a sugestão de atividade (sugerida pelo
autor com o objetivo de quebrar estereótipos sobre a África) não seja implementada pelo
docente, corre-se o risco de reprodução de apenas "imagens" negativas sobre o continente
africano.
Nas orientações da segunda série, volume um, que tem como tema: "Território brasileiro
e sua Regionalização", há uma sugestão de leitura do livro de Gilberto Freyre: "Casa Grande e
Senzala", com o intuito de utilizar o capítulo um deste com os alunos. No capítulo encontram-se
informações sobre a colonização brasileira. Segundo o autor CARVALHO JÚNIOR (2007) esta
obra é considerada "uma das mais relevantes do século XX para a compreensão do Brasil e
seu povo." Para ele, Gilberto Freyre "discute a formação da sociedade brasileira com ênfase na
sociedade açucareira, monocultora, escravocrata e patriarcal nordestina." É necessário
destacar que embora o autor da apostila sugira o uso dos textos de Gilberto Freyre para
trabalhar com os alunos, este mesmo autor não lança algumas questões levantadas sobre o
"mito da democracia racial" perpetuada a partir das ideia de Gilberto Freyre, onde se criou uma
sensação de país sem conflitos raciais, um paraíso racial. Silencia a existência do mito da
democracia racial. Não é que seja "proibido" usar os textos de Gilberto Freyre, mas que junto a
eles tenha-se uma visão crítica da maneira em que Freyre coloca as relações raciais no Brasil.
Na contracapa dos volumes 1 (um) existe um código para os docentes para que tenham
acesso ao portal positivo. Nos volumes 2,3 e 4 existe um lembrete sobre o Portal Positivo e
suas ferramentas para compor o material apostilado. Isto é, o Sistema Positivo denomina o
objeto de estudo como "Livro didático integrado", termo utilizado com o objetivo de vincular o
material apostilado às ferramentas complementares como: simuladores (ambientes que
permitem simular alguns experimentos, segundo o material descrito na apostila), ENEM e
vestibular (notícias, informações, provas oficiais comentadas e questões similares ao ENEM)
Atlas do corpo humano, atlas histórico e atlas geográfico. Portanto, o que aqui chamamos e
reconhecemos como apostila, o SPE denomina de livro, sendo o mesmo integrado ao portal e
suas ferramentas. Dessa maneira, supõe-se que todos os alunos apresentam acesso à internet
seja em casa ou nas escolas, pois somente assim, podem usufruir de todas as possibilidades
que o SAE Positivo oferece e torna este material, como denominado pela Rede, um "Livro
Didático Integrado". Outro ponto em destaque, é que as apostilas apresentam referências
bibliográficas em cada volume, fator essencial para o aprofundamento do docente sobre os
temas sugeridos pela grade curricular do sistema positivo.
Em todas as apostilas analisadas, na contracapa, foi identificado um selo de parceria
entre o SAE Positivo e uma Organização Não-Governamental voltada para a manutenção da
Mata Atlântica. O Grupo Positivo destaca seu apoio e suporte a uma causa social importante
que é a conservação da natureza e que a ONG atua no processo de educação ambiental e no
desenvolvimento do uso racional dos recursos naturais.
104
Em relação às autorias do material pesquisado é destinado na bibliografia, que se
encontra na contracapa, para os autores: Ronaldo Donato Spinardi45 - responsável pelos
volumes 1 e 2 da primeira série. Este autor é professor, com experiência em Geociências e
especialização em Geografia Humana pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente atua
em pré-vestibulares, colégios e cursos voltados para concursos públicos. O autor dos volumes
3 e 4 da primeira série e 1 e 2 da segunda série é o Professor Doutor Ilton de Carvalho
Júnior46. Este autor possui Doutorado em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), é
professor da Universidade Estadual de Maringá e participa do grupo de pesquisa Educação
Geográfica e Formação de Professores de Geografia (EDUPROGEO). Atua na orientação de
professores na rede pública do estado do Paraná, tem experiência no ensino de Geografia nos
níveis fundamental, médio e superior. Já a autora Luiza Angélica Guerino47 é responsável pelos
volumes 3 e 4 da segunda série. Esta possui graduação e licenciatura plena em Geografia pela
Universidade de São Paulo (USP), especialização em Metodologia de Ensino na Universidade
Positivo, entre os anos de 1997-2008.Atuou como Coordenadora da equipe de geografia e do
setor responsável por esta disciplina na Editora Positivo elaborando materiais didáticos para o
ensino fundamental II e Ensino Médio. Por último, a Professora Doutora Eliane Regina Ferreti48
com a produção intelectual dos quatro volumes da terceira série. A autora tem Doutorado em
Geologia pela Universidade Federal do Paraná, possui experiência em Geociências, com
ênfase em Geologia Ambiental e atualmente trabalha como autônoma em consultoria
educacional e ambiental. Apresentou vínculo com a Editora Positivo entre os anos de 2005 a
2010.
Os materiais chegaram até a mim por intermédio de um professor amigo, de geografia,
que trabalha em uma escola particular na Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro, no
município de Mesquita. Como estou inserido na rede pública federal de ensino e, atualmente,
adotamos livros escolares, fui buscar esse material indicado com outros profissionais do
magistério. Não iremos destacar neste trabalho dados sobre a escola.
45
Informações obtidas a partir da Plataforma Lattes. Última atualização do currículo Lattes até esta data: 16/11/2012. Disponível em:< http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4326545Y6>, acessado em 15 de abril de 2016. 46
Informações obtidas a partir da Plataforma Lattes. Última atualização do cúrriculo Lattes até esta data:18/05/2015. Disponível em: < http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4508072Z4>, acessado em 15 de abril de 2016. 47
Informações obtidas a partir da Plataforma Lattes. Última atualização do cúrriculo Lattes até esta data:17/02/2014. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4728844P8>, acessado em 15 de abril de 2016. 48
Informações obtidas a partir da Plataforma Lattes. Última atualização do cúrriculo Lattes até esta data:29/06/2015. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4767031E4>, acessado em 15 de abril de 2016.
105
IV.6 - Da análise metodológica das Apostilas
A metodologia é composta por duas etapas: sendo a primeira quantitativa e a outra
qualitativa. Na primeira etapa, portanto, realizamos um levantamento dos conteúdos presentes
nas fontes. Posteriormente, criamos categorias gerais com o objetivo de encaixar os temas ou
assuntos inseridos nos SAE da Rede Positivo. Reconhecemos seis categorias49: (1ª)
Astronomia e Cartografia, (2ª) Atividades econômicas e relações comerciais (3ª) Ciência
Geográfica e seus conceitos (4ª) Elementos Naturais, recursos minerais e produção de energia
(5ª) Dinâmica populacional, movimentos migratórios e Urbanização e (6ª) Questões políticas,
como consta na tabela a seguir:
Tabela IV.1- Relação entre Assuntos abordados x Categorias em todas as apostilas
Assuntos Abordados nos conteúdos das séries Categorias
C150
C2 C3 C4 C5 C6 1ª série
Ciência Geográfica x
Astronomia x
Fusos horários x
Cartografia: Ciência e arte de representar a superfície terrestre x
Evolução Geológica da Terra x
Atmosfera e climas x
Biomas, biodiversidade e questão ambiental x
Hidrosfera x
Recursos energéticos e desafios ambientais x
Atividade Industrial x
Atividade agrícola x
Dinâmica da população mundial x
Movimentos migratórios x
2ª série
Território brasileiro e sua regionalização x
Relevo brasileiro x
Dinâmica climática e problemas ambientais x
Domínios vegetais brasileiros: classificação e degradação ambiental x
Hidrografia brasileira e gestão dos recursos hídricos x
Espaço agrário brasileiro x
Recursos energéticos brasileiros x
49
Estas categorias foram criadas a partir de uma análise dos assuntos e temas abordados, assim, acreditamos que tais categorias encaixam todos as unidades de trabalho e contemplam os conteúdos abordados pelos mesmos. 50
(C1) Astronomia e Cartografia, (C2) Atividades econômicas e relações comerciais (C3) Ciência Geográfica e seus conceitos (C4) Elementos Naturais, recursos minerais e produção de energia (C5) Dinâmica populacional, movimentos migratórios e Urbanização e (C6) Questões políticas.
106
Espaço industrial brasileiro x
Espaços dos serviços no Brasil x
População brasileira x
Movimentos migratórios no Brasil x
Urbanização brasileira x
3ª série
Um século marcado por conflitos x
Espaço geopolítico Mundial durante a Guerra Fria x
Fragilidade das Fronteiras x
Nova Ordem Mundial x
O mundo globalizado x
Mundo sob a ótica do neoliberalismo x
Vivemos na era da informação x
Comércio Mundial x
Geopolítica ambiental x
Conflitos Mundiais x
EUA: potência hegemônica? x
Potências emergentes x
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Estas categorias englobam os diversos assuntos abordados pelos materiais
apostilados, que apresentam diversas escalas de análise geográfica. Na primeira série,
predominam os assuntos referentes a uma escala de análise mundial, com certa relevância
dada aos assuntos das 1ª, 2ª,4ª e 5ª categorias. Já na segunda série, identificamos os
conteúdos voltados para uma escala nacional, com ênfase nas categorias: 2ª, 4ª e 6ª. Os
assuntos abordados na terceira série preconizavam as categorias: 2ª e 6ª, em uma escala
geográfica de análise mundial.
A partir dessas categorias e de sua presença nas apostilas, de acordo com a série
citada, através da leitura dos textos51 dos conteúdos, realizamos levantamentos em relação à
abordagem do Continente Africano ou dos Negros nas apostilas. Nesse caso, nosso
procedimento metodológico se assentou em primeiro levantar todos os pontos que
mencionavam o Continente Africano ou algum país da África e, até mesmo, uma nacionalidade
de origem africana. Assim, abrimos um enorme espaço para que o continente pudesse ser
mencionado em diversos assuntos, dos mais variados possíveis. Somado a isso, os mesmos
critérios utilizados para quantificar o Continente Africano nas apostilas usamos também, para
determinar a presença dos outros continentes: América (subdividida em Anglo-Saxônica e
América Latina), Ásia, Europa e Oceania. Foram desconsiderados dados sobre a Antártida.
Portanto, criamos uma quantificação da presença, não somente da África e dos negros no
material, mas de quase todos os continentes, com exceção da Antártida, pela sua pouca
51 Não consideramos as tabelas ou gráficos. Somente os textos corridos e as caixas de textos complementares para realizar o
processo de quantificação.
107
importância no tema deste trabalho. Desse modo, levantamos o número de vezes que o
continente africano aparece frente aos outros continentes e aos temas abordados. Assim,
diagnosticamos quantas vezes o aluno vai ver sobre a África ao logo do Ensino Médio, com
base do no currículo do SAE da Positivo. Esse aspecto quantitativo também foi estendido à
abordagem presentes sobre a população negra, nas nossas fontes, tendo como parâmetro as
palavras negro(s) e negra(s)como critério para quantificar a presença dos negros no Brasil no
material apostilado.
Após o processo de quantificação, passamos a destacar em que categorias, conteúdos
e séries o continente africano e os negros no Brasil foram mais abordados ou se foram
mencionados. Criamos uma tabela constando a série, volume, conteúdo abordado, página,
parágrafo, linha, descrição da citação realizada e o contexto, além, da referência se foi ao
continente africano ou aos negros no Brasil. Também criamos gráficos e tabelas com os dados
levantados: contendo os assuntos das apostilas e a abordagem do tema pesquisado, a relação
continente africano e negros no Brasil e os conteúdos por série, as categorias criadas e a
presença ou não da África e dos negros no Brasil, além da comparação com as menções feitas
aos outros continentes que não o africano.
Após os levantamentos dos dados empíricos citados efetuamos um trabalho qualitativo
sobre a presença ou não da África e dos negros no Brasil no SAE da Rede Positivo tendo
como foco de análise a forma como estão sendo inseridos e disponibilizados a partir das
apostilas. Portanto, a análise qualitativa foi fundamentada em conceitos e categorias
trabalhadas nos capítulos um, dois e três deste trabalho, dentre eles: a categoria de raça,
ideologia, ideologia racista, hegemonia e contra-hegemonia.
IV.7 Dos resultados da pesquisa quantitativa e das análises qualitativas dos dados
A partir de uma análise dos conteúdos programáticos do Ensino Médio detectamos que
na primeira série tem um total de 13 unidades de trabalho (capítulos) ao longo das quatro
apostilas, a segunda série apresenta 12 unidades e a terceira série 12 unidades de trabalho.
Através dos conteúdos das apostilas desenvolvemos seis categorias que contemplassem a
distribuição dos assuntos pelas mesmas. Dessa maneira, encontramos o seguinte resultado,
como podemos ver na Tabela IV.2.
108
Tabela IV.2 - Categorias temáticas principais e distribuição das unidades de trabalho pelas séries
Categorias Temáticas Principais Quantidade
Astronomia e cartografia 3
Atividades econômicas e relações comerciais 10
Ciência Geográfica e seus conceitos 1
Dinâmica populacional, movimentos migratórios e urbanização 5
Elementos naturais, recursos minerais e produção de energia 10
Questões políticas 8
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Como se pode observar, o levantamento empírico apontou que as categorias atividades
econômicas e relações comerciais e elementos naturais, recursos minerais e produção de
energia, obtiveram uma maior abrangência de unidades de trabalho, seguido de questões
políticas, dinâmica populacional, movimentos migratórios e urbanização e Astronomia e
cartografia.
Nas apostilas de cada série, os dados empíricos também constataram que há uma
diferença em termos de distribuição da presença das categorias. No caso da primeira série, por
exemplo, encontramos esses resultados:
Tabela IV.3 - Categorias x Distribuição das unidades de trabalho na 1ª série – EM
Categorias x Distribuição das unidades de trabalho da 1ª série - EM
Categorias Distribuição das
unidades de trabalho
Astronomia e cartografia 4
Atividades econômicas e relações comerciais 2
Ciência Geográfica e seus conceitos 0
Dinâmica populacional, movimentos migratórios e urbanização 2
Elementos naturais, recursos minerais e produção de energia 5
Questões políticas 0
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Nas apostilas da primeira série há um número maior de capítulos ou unidades de
trabalho referentes à parte física da geografia e de assuntos voltados a Astronomia e
Cartografia, passando pela A evolução geológica da Terra, Atmosfera e climas, Biomas e
biodiversidade, Hidrosfera, Recursos energéticos até adentrar em assuntos relacionados a
questões mais econômicas como: Atividade industrial e agrícola. Mais a frente, os conteúdos
abordados referem-se a temas relacionados aos estudos populacionais.
Na segunda série, predominam unidades de trabalho relacionadas aos elementos
naturais, recursos minerais e produção de energia, como indica a tabela abaixo:
109
Tabela IV.4 - Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 2ª série - EM
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Outras categorias abordadas na segunda série são: Atividades econômicas e relações
comerciais, Dinâmica populacional, movimentos migratórios e urbanização e questões
políticas. No entanto, um aprofundamento nas unidades de trabalho, revelou-se que embora
haja assuntos/temas parecidos com os da primeira série, as escalas geográficas de abordagem
são diferentes.
Nos conteúdos relacionados à terceira série, vigora a questão da abordagem frente a
questão política:
Tabela IV.5 - Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 3ª série - EM
Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 3ª série - EM
Categorias Distribuição das
unidades de trabalho
Astronomia e cartografia 0
Atividadeseconômicas e relações comerciais 5
Ciência Geográfica e seus conceitos 0
Dinâmica populacional,movimentos migratórios e urbanização 0
Elementos naturais,recursos minerais e produção de energia 0
Questões políticas 7
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
As categorias presentes nas unidades de trabalho da terceira série adotam temas
referentes à geopolítica internacional, como o período Pós-Segunda Guerra Mundial - mundo
bipolar, a construção de um mundo multipolar, a expansão do neoliberalismo, além, de
questões voltadas para o comércio internacional. Vemos, portanto, uma concentração de
assuntos voltados para categorias políticas e econômicas na terceira série, como podemos
observar na Tabela IV.5.
É perceptível, quando nos aprofundamos nos assuntos abordados por cada unidade de
trabalho, uma divisão de escalas de análises geográficas inseridas na distribuição dos temas
por série. Na primeira série e terceira são trabalhados conteúdos com base em análises
Categorias x Distribuição das Unidades de trabalho na 2ª série - EM
Categorias Distribuição das
unidades de trabalho
Astronomia e cartografia 0
Atividadeseconômicas e relações comerciais 3
Ciência Geográfica e seus conceitos 0
Dinâmica populacional, movimentos migratórios e urbanização 3
Elementos naturais, recursos minerais e produção de energia 5
Questões políticas 1
110
geográficas em um escala, principalmente, Global. Nos conteúdos da segunda série são
privilegiados os assuntos em escala nacional, abordando temas relacionados ao Brasil. Não
que as outras séries não destaquem o Brasil ao longo do texto, mas é na segunda série que se
dá uma ênfase aos temas relacionados ao território nacional.
O trabalho com as fontes indicou que as unidades de trabalho do SAE Positivo
apresentam uma geografia voltada em função de eixos temáticos e não dentro de uma
geografia em escala regional. Em outras palavras, não há divisão dos estudos de forma mais
tradicional com base nos continentes subdividindo essas análises continentais em, inicialmente
a geografia física de todo o continente e, somente depois as relações desenvolvidas pela
geografia humana e suas transformações no espaço geográfico, como diversos livros didáticos
ainda persistem realizar. Os temas adotados pelas unidades de trabalho permitem o
desenvolvimento de uma geografia mais contextualizada. Existe apenas um único capítulo que
aborda de forma específica um país, no caso os Estados Unidos da América.
No entanto, esta pesquisa tem como um de seus objetivos, buscar quantas vezes o
continente africano e os negros no Brasil aparecem trabalhados nos textos das apostilas do
Sistema Positivo de Ensino. Para isso, desenvolvemos uma análise de todos os outros
continentes, com a intenção de compararmos quantas vezes eles [o continente africano e os
negros no Brasil] são trabalhados nos assuntos, em quais temas ocorrem, em quais séries
mais aparecem, de que maneira são abordados.
Ao buscarmos informações sobre os continentes, em especial, sobre a África,
realizamos um levantamento do número de menções encontradas ao longo dos textos. Assim,
chegamos a formação de diversos dados, entre eles a porcentagem referente à participação
dos continentes ao longo dos textos, de todas as séries, como vemos no gráfico IV.1.
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Gráfico IV.1 - Participação dos continentes ao longo dos textos
América36%
Ásia27%
África6%
Europa30%
Oceania1%
Participação dos continentes - Em todas as séries
111
O levantamento dos dados baseou-se em menções, destaques ou apontamentos
realizados nos textos que se aludiam a algum continente. Nesse sentido, através leitura do
gráfico IV.1 vemos uma referência maior ao continente americano, sendo a maior parte
voltadas ao Brasil e aos Estados Unidos da América. Estas referências ao continente
americano em maior porcentagem devem-se também, aos conteúdos da segunda série que
são destinados a uma geografia do Brasil e, ao único capítulo ou unidade de trabalho das
apostilas que destacam os EUA como uma Potência Hegemônica.
Uma considerável parte das unidades de trabalho (num total de 8 de 37) estão inseridas
na categoria:Questões Políticas, sendo muitas dessas "questões"relacionadas aos Estados
Unidos, o que acabou incrementando as referências ao continente americano. Por isso,
resolvemos ao longo da pesquisa, fragmentar as referências ao continente americano em:
América Latina e América Anglo-saxônica, apenas para fins de uma análise mais fiel das
representações sobre o continente.52
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Gráfico IV.2 - Porcentagem de apresentações dos continentes - América Regionalizada
Desse modo, no gráfico IV.2, percebemos uma diferença de 8% entre as citações
referentes a América Latina e Anglo-saxônica. Não é uma diferença tão elevada, pois na
segunda série as citações são mais constantes em relação à América Latina, como já
mencionamos, é o momento em que as apostilas da segunda série aprofundam-se em
assuntos voltados para o Brasil, como podemos identificar no gráfico IV.3 onde as referências a
América Latina são mais elevadas em relação a América Anglo-saxônica.
52 Essa divisão regional do continente baseia-se em critérios culturais e econômicos no processo de regionalização, desse modo,
os Estados Unidos e o Canadá, por apresentarem um nível sócio-econômico mais elevado são apontados de forma diferenciada ao longo das unidades de trabalho, em especial, nos temas destinados à questões políticas e econômicas em escala global.
32122%
21514%
40427%
846%
44530%
171%
Porcentagem de apresentações dos continentes - América Regionalizada
América Latina
América Anglo-Saxônica
Ásia
África
Europa
Oceania
112
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Gráfico IV.3 - Referências ao continente americano - Apostilas da Segunda Série
A América Anglo-saxônica ganha mais referências quando, na terceira série, são
abordados mais assuntos com destaques as categorias: Questões políticas e Atividades
econômicas e relações comerciais. Nesse momento, os EUA junto com o Canadá (bem menos
citado) passam a ser mais abordados, pois assuntos referentes à constituição de uma bipolar,
sua transformação na década de 1990 em multipolar e a expansão do neoliberalismo e a
Globalização, acabam por suscitar os EUA como potência econômica e militar, desse modo,
esses países ganham notoriedade nos textos. (Veja o gráfico IV.4)
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Gráfico IV.4 - Referências ao continente americano - Apostilas da Terceira Série
0
10
20
30
40
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Nú
mero
de r
efe
rên
cia
s
Unidades de Trabalho
Referências ao continente americano - Apostilas da Segunda série
América Latina
América Anglo Saxônica
0
5
10
15
20
25
30
35
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Nú
mero
de r
efe
rên
cia
s
Unidades de Trabalho
Referências ao continente americano- Apostilas da Terceira série
Latina
Anglo Saxônica
113
Outro continente que recebe grande destaque é a Europa, com 30% das referências.
Tais citações ocorrem principalmente na primeira e terceira séries. A Ásia, com 27%, ganha
mais destaque na primeira série e na terceira série, assim como o continente europeu. Sendo
China, Japão e Índia os países mais citados nos textos. A Oceania recebe menor número de
menções e, quando surge nos textos, a Austrália é o país com maior número de referências,
seguido da Nova Zelândia, países com maior poder econômico no continente.
O total de menções identificadas sobre a África nos textos das apostilas equivale a
apenas 6% das citações realizadas aos continentes, como vimos no gráfico IV.2. Assim, o
continente africano se apresenta a frente somente da Oceania. Dentre as unidades de trabalho
das apostilas, o continente africano é abordado em maior número nos temas voltados para os
conflitos mundiais, inserido na categoria: Questões políticas, como indica o quadro
abaixo(Gráfico IV.5):
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Gráfico IV.5 - Temas com maiores menções ao continente africano
Como podemos ler no gráfico IV.5,os temas relacionados aos conflitos mundiais,
seguido dos movimentos migratórios detêm maiores inserções da África em seus textos. Cabe
ressaltar que esses dois temas estão inseridos na terceira série e primeira série. Ademais, é
nesse momento em que os conteúdos (no material do SPE) estão relacionados a uma escala
de análise mais global. Os demais temas como: "Evolução Geológica da Terra", "Nova Ordem
Mundial", "Um século marcado por conflitos", "Atividade Industrial" e "Dinâmica da população
mundial", que também apresentam um maior número de menções sobre o continente africano,
assim como "Conflitos Mundiais" e "Movimentos Migratórios" estão dispostos na primeira e
terceira séries, como demonstra a tabela abaixo:
0
5
10
15
20
25
Conflitos Mundiais
Movimentos migratórios
Evolução Geológica da
Terra
Nova Ordem Mundial
Um século marcado por
conflitos
Atividade Industrial
Dinâmica da população
mundial
Temas com maiores menções ao continente africano
114
Tabela IV.6 - Unidades de trabalho com maior quantidade de menções ao continente africano
Posição Temas Nº de vezes Série
1º Conflitos Mundiais 23 3ª
2º Movimentos migratórios 22 1ª
3º Evolução Geológica da Terra 5 1ª
4º Nova Ordem Mundial 4 3ª
5º Um século marcado por conflitos 3 3ª
6º Atividade Industrial 3 1ª
7º Dinâmica da população mundial 3 1ª
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Daqui em diante, começaremos nossas análises por série, iniciando-se a partir da 2ª
série, pois, é local em que a construção de ideologias racistas, em escala nacional, se
apropriam de forma "mais evidente" das mentes dos estudantes com a propagação do mito da
democracia racial e da miscigenação, em especial, nas unidades relacionadas à população
brasileira e as relações étnico-raciais. Portanto, iniciaremos com apontamentos sobre em que
locais a África e os negros no Brasil serão abordados na segunda série.
Na unidade de trabalho: "Território brasileiro e sua regionalização", a África é apontada
como uma região que apresenta em suas faixas de fronteira conflitos étnicos e territoriais
devido à existência de culturas híbridas nestes espaços o que acarreta a formação de
embates. Portanto, quando o continente é constantemente destacado como uma área de
intensos conflitos acaba por reforçar uma ideia de primitividade e de atraso levantado por
alguns autores com RATTS et al (2007) e LIMA (2004). Conflitos existem em diversos locais,
no entanto, este estereótipo da África como região de guerras e demarcações de fronteiras é
propagado com maior constância do que outras características como as culturais e os
conhecimentos existentes na África.
Em outro momento, na mesma unidade de trabalho (Território brasileiro e sua
regionalização), é destacado o acordo assinado pela África do Sul com mais onze países em
relação à Antártida. Este país [África do Sul] aparece diversas vezes nas menções ao
continente, pois é a maior potência econômica regional e, tendo em vista que as unidades de
trabalho contemplam mais temas relacionados às questões econômicas, a África do Sul ganha
mais referências ao logo dos textos.
Na unidade de trabalho: "Relevo brasileiro", o continente africano é mencionado como
sendo uma área que apresenta problemas relacionados ao processo de erosão dos solos o
que acaba por intensificar questões relacionadas à fome.
"A erosão afeta com particular intensidade as regiões tropicais, como o Brasil, devido à combinação de altas temperaturas e elevada pluviosidade, com desmatamento de florestas tropicais e práticas agrícolas inadequadas. Assim, causas naturais e humanas se combinam para gerar um dos problemas ambientais mais graves do Brasil e do mundo. Na África, a erosão dos solos tem trazido graves crises econômicas e intensificado o problema da fome. No
115
Brasil, representam prejuízos da ordem de milhões de dólares" (CARVALHO JÚNIOR, 2007. Apostila 2ª série, Positivo)
É interessante salientar, que neste texto, que relaciona problemas como a elevada
pluviosidade, desmatamento e práticas agrícolas inadequadas, combinando causas naturais e
humanas no processo de intensificação da erosão, tanto no Brasil quanto no continente
africano, acaba por reforça uma imagem da África como continente da fome. Não que este fato
[a fome] não assole o continente, mas sim, a questão de não mencionar pontos que
possibilitem visões não estereotipadas do continente é que acabam reforçando, mesmo na
geografia física, uma construção do continente africano como receptáculo dos maiores
problemas sociais, políticos, econômicos e sociais existentes. Desse modo, o educando
relacionará a África sempre a questões negativas e como fonte de problemas, caso não seja
inserido nos conteúdos, outros olhares e leituras que não simplifiquem à África a problemas.
Será que não existe uma atividade agrícola na África, antiga (tradicional) ou moderna, que
atenda as reduções das perdas de solo através de uma prática de manejo do solo mais
adequada?
Saltando da unidade 1 (um) do volume 2 (dois) da segunda série, partimos em direção
ao volume 3 (três) da apostila, onde o continente africano volta a ser mencionado. Isto ocorre
somente na unidade 9 (nove). Ou seja, temos um salto de seis unidades de trabalho em que
não há menções sobre o continente africano ou sobre os negros no Brasil. Na unidade de
trabalho 9 (nove) encontra-se o conteúdo: Espaços de Serviços no Brasil,e o país africano
Angola é citado por apresentar baixa taxa de escolarização na faixa etária acima de 15 anos e,
assim, é colocado com os demais países: EUA, Reino Unido, Suécia, Brasil, Índia, Coréia do
Sul e Argentina. Com o objetivo de se fazer uma comparação entre as diferentes escolaridades
existentes. Mais uma vez, o continente africano, representado por Angola fica como pior índice
de escolaridade na faixa etária acima de 15 anos. Esses dados apenas reforçam a África como
um continente sem instrução e com baixo nível de escolaridade, assim como podemos ver nos
estudos de RATTS et al (2007), onde em diversos livros didáticos de geografia, o continente é
inserido em um contexto de pobreza, fome, baixa escolaridade, selvagem, rudimentar e
atrasado. De maneira geral, o SAE da Rede Positivo segue um padrão, até aqui, parecido com
os livros escolares analisados por RATTS et al (2007).
116
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Gráfico IV.6 - Menções ao continente africano - 2ª série x Por unidade de Trabalho
A unidade de trabalho 10 (dez), do volume 4 (quatro) da segunda série, apresenta o
tema: "População brasileira" e é fundamentalmente iniciado a partir dos conceitos de populoso
e povoado criando uma análise da distribuição espacial da população pelo território.
Posteriormente, os assuntos são direcionados para a relação entre crescimento vegetativo nos
países desenvolvidos e subdesenvolvidos, onde relacionam "qualidade de vida" as
transformações nas taxas populacionais e reforça uma visão de "evolução da população".Essa
evolução baseia-se em uma visão comparativa a partir da dinâmica da população europeia.
Cabe-nos questionar que uma comparação entre as diversas formas de sociedades,
utilizando-se como critérios os dados que enaltecem a "dinâmica" populacional europeia, acaba
por colocar como "atrasado" as outras etapas de modificações existentes no mundo. Estas
análises comparativas entre dinâmicas populacionais que desenvolvem "etapas de evolução"
sem levar em conta a existência de questões culturais, religiosas e outras, enaltecem uma
visão eurocentrada do mundo. As diversas formas de transformações das populações em
diversos espaços,analisadas a partir somente desse comparativo com a dinâmica populacional
europeia, acaba por "nortear" os caminhos que uma "evolução" da população deve seguir.
O crescimento demográfico brasileiro é fragmentado em três fases: 1872-1940; 1941-
1970 e a partir de 1971, apontados fatores que levaram ao processo de redução da natalidade
e mortalidade e do crescimento vegetativo. Existe um subitem denominado "desigualdades" na
2 2
0 0 0 0 0 0
1
0
2
00
0,5
1
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2ª Série
Menções ao continente africano - 2ª série x Por Unidade de Trabalho
117
unidade dez, no entanto, não são abordadas relações raciais nesse tópico, apenas questões
relacionadas às evoluções econômicas com reflexos sociais e as desigualdades vinculadas a
fatores históricos, ou seja, herdadas do processo histórico.
Os resultados em relação às palavras negros ou negros não foram encontrados. Isto é,
em nenhum conteúdo abordado pelas apostilas (em todas as séries) menções utilizando as
palavras: negros ou negras foram encontradas. Apenas no volume quatro, da segunda série,
onde se trabalha os conteúdos referentes aos movimentos migratórios no Brasil, é que foi
mencionado "a presença da cultura afro-brasileira - na cozinha, na música, na forma de falar."
(GUERINO, 2007.p.17)
Essa presença é citada dentro de um contexto de incorporação de culturas trazidas
pelos imigrantes à cultura brasileira. Cabe ressaltar que os negros escravizados vieram como
mão-de-obra e não como imigrantes. Os imigrantes vieram com o objetivo de buscarem novas
opções de melhoria de vida, diferente dos negros que forçadamente foram trazidos e obrigados
a trabalharem para os brancos. A presença citada no texto da apostila que destaca a
participação da cultura afro-brasileira cria uma sensação de que no Brasil os negros
"contribuíram" para o desenvolvimento cultural como coadjuvantes nesse processo, deixando a
entender que a cultura hegemônica absorveu alguns "pontos positivos". Portanto, identificamos
nessa passagem da apostila alguns processos destacados por NOGUEIRA (2006) na
construção da "identidade nacional brasileira", esta fundamentada em uma ideologia racial
marcada pelo assimilacionismo, ou seja, "deixa em aberto a importância do negro na
constituição da sociedade brasileira" desenvolvendo um silêncio em relação às representações
negras e possibilitando uma reprodução da ideologia do branco e relações assimétricas de
poder. Mesmo que o texto cite a presença do negro na cozinha, na música e na forma de falar,
não há um aprofundamento de como essas relações entre as culturas ocorrem. Esse silêncio
sobre os negros contribui para fortalecer a ideologia de um país miscigenado, sem conflitos,
um verdadeiro paraíso racial, desenvolvido a partir dos anos de 1930.
Nesta mesma unidade de trabalho, no tópico: "Migrantes - busca por uma vida melhor"
é destacada a entrada de diversos imigrantes no Brasil no período que vai de 1850 até 1930,
no entanto, não é mencionado o processo de branqueamento que estava inserido nesta política
de atrair brancos europeus, como podemos perceber no fragmento a seguir, retirado da
apostila: "Durante o século XIX foi intenso o fluxo de imigrantes europeus que vieram ao Brasil
em busca de uma vida melhor. Estimulados pela política governamental de ocupação das
terras do sul, eles imigraram, mas na condição de trabalhadores livres." (GUERINO, 2007.
p.17)
Não existe nenhum capítulo específico ou parágrafo, em todas as fontes analisadas,
que faça menções sobre os negros. Não é forjado nos textos das apostilas uma construção do
Brasil por intermédio do mito das três raças, mas, há um silenciamento. Este que acaba por
118
reforçar a manutenção de práticas racistas no ambiente escolar e na sociedade. Não se
constrói, em um capítulo de fundamental importância, uma reorientação de uma análise apenas
quantitativa da sociedade brasileira, assim, perpetuando ideais hegemônicos produzidos pelas
classes dirigentes. Não ocorre uma reorientação ou releitura dos conteúdos sobre a população
brasileira com base nas relações raciais, mas, mantém-se uma visão do país como uma
unidade e estável e assim, difunde a existência de uma democracia racial, visto que nos
conteúdos não se desenvolve de forma a se contrapor a essa ideologia.
Um redirecionamento das análises sobre o assunto "população brasileira" permitiria
uma reformulação de leituras e visões de ideologias que insistem na formação analítica da
sociedade brasileira como uma única identidade, e assim, atentaríamos para a composição de
uma sociedade múltipla, diversa, como destaca MUNANGA (2010), ao ressaltar a importância
da construção de uma educação multicultural e sua contribuição no desenvolvimento de
variadas leituras do mundo. "A escola tem a obrigação de reconhecer a diversidade cultural e
proteger as culturas minoritárias" MUNANGA (2008/2010), no entanto, não é o que
encontramos nas páginas das apostilas da segunda série da Rede Positivo de Ensino. As
apostilas de geografia da segunda série silenciam o poder exercido sobre os dominados, e
assim, acaba por reproduzir uma sociedade com relações raciais assimétricas de poder. Essa
ausência e o silenciamento prejudicam o processo de identificação dos estudantes negros à
história das condições da população negra e o desenvolvimento de referenciais não-brancos.
Pois, se o livro didático é um portador de sistema de valores, como aponta BITTENCOURT
(2013), o silenciamento do negro favorece a manutenção dos valores do "branco", já que estes
estão arraigados nas estruturas social e econômica brasileira.
O livro didático ou as apostilas formam um depositório de conteúdos escolares
BITTENCOURT (2013), realizando uma conexão entre a Academia e a escola básica, e, diga-
se de passagem, que as próprias orientações pedagógicas inseridas no volume um de cada
série, induzem a essa reflexão de que, "os livros didáticos integrados" da Rede Positivo
pretendem fazer esse elo entre a Academia e escola de ensino básico. Esse destaque dado
nas orientações pedagógicas nos leva a pensar as apostilas como "moderno", algo que está
em constante atualização, diferente dos livros que apresentam um tempo maior para
transformações em seus conteúdos.
Se um dos objetivos das apostilas é demonstrar atualização e modernidade, está
faltando buscar os diversos estudos realizados nos últimos anos sobre as questões raciais nos
livros escolares e as relações raciais nas escolas brasileiras, além, de trabalhos voltados para
a desconstrução do mito da democracia racial no Brasil. Pois, o que não encontramos nas
páginas das apostilas da segunda série da Rede Positivo foram menções as relações raciais
no Brasil. Dessa maneira, voltando aos estudos de CHOPPIN (2004), o silenciamento de
determinados conteúdos servem para direcionar conteúdos hegemônicos, este que acabam
119
por menosprezar as diversas vozes existentes, em específico, as de menores expressões na
sociedade.
Nas apostilas da primeira série predominam conteúdos referentes às categorias:
Elementos naturais, recursos minerais e produção de energia, Astronomia e cartografia. O que
encaminha as menções ao continente africano em direção aos aspectos físicos do continente,
e não necessariamente, as relações raciais e de poder que este trabalho pretende levantar nas
páginas das apostilas. Mesmo assim, cabe aqui alguns apontamentos sobre a construção que
as apostilas da primeira série desenvolvem sobre os negros ou o continente africano. Mas, de
antemão sabendo que os negros não foram citados em nenhum momento nas páginas do SAE
da Rede Positivo e, não somente na segunda série.
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Gráfico IV.7 -Continentes por Tema - 1ª série
Nos temas relacionados à primeira série predominam citações/menções referentes aos
continentes europeu, americano e asiático. O continente africano só ganha notoriedade no
último capítulo ou unidade de trabalho, em que o tema refere-se aos movimentos migratórios,
como podemos visualizar no Gráfico IV.7. Entretanto, vamos nos aprofundar no que é
abordado nessas menções ao continente africano ao longo de todos os capítulos.
Na unidade de trabalho: "Movimentos Migratórios", o continente africano é destacado
como uma área de emigração, fato relacionado à baixa qualidade de vida. O texto chama a
atenção para migrações internacionais, em específico, para a entrada de africanos e latino
americanos na Europa, pois, afetam as estruturas econômicas nacionais, "determinam os
07
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1ª Série - Continentes por Tema
América
Ásia
África
Europa
Oeania
120
padrões de distribuição e densidade populacional, alteram os tradicionais componentes
étnicos, linguísticos e religiosos, inflamam tensões internacionais." O texto destaca os
imigrantes como alvos de movimentos xenófobos, a intensificação do reforço de identidades
nacionais e ressalva a inserção de debates como o multiculturalismo. No entanto, há somente
menções ou apontamentos sobre o que a imigração pode ocasionar de movimentos contrários
a entrada no continente europeu. Não existe um aprofundamento sobre as causas que levam
aos movimentos xenófobos, ao reforço de identidades nacionais e muito menos, sobre a
importância relacionada ao debate em relação ao multiculturalismo em período de
globalização.
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Gráfico IV.8 - Menções ao continente africano - 1ª série x Por unidade de trabalho
Na unidade de trabalho 13 - "Movimentos Migratórios" é onde reside o maior número de
referências ao continente africano na primeira série, mas, a África foi citada anteriormente ao
capítulo treze em outras unidades, como em Astronomia, onde o Egito é referido como uma
região importante na contribuição à construção da ciência cartográfica. Outro destaque dado ao
país é a informação de que o Egito adota o horário de verão. Isto ocorre na unidade três que
apresenta como tema: Os Fusos horários. Na evolução geológica da terra, na unidade de
trabalho 5, o continente africano é mencionado como área atingida pelo tsunami de 2004
ocorrido no Oceano Índico e, também é citado o encaixe dos litorais sulamericano e africano,
onde tal evidência foi utilizada por Alfred Wegener para a comprovação da Teoria da Deriva
Continental.
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25
Menções ao continente africano - 1ª série x Por unidade de trabalho
121
De maneira geral, a África é citada nos conteúdos da primeira série sem nenhum tipo de
aprofundamento. No entanto, na produção industrial - unidade de trabalho 10 - o continente é
citado como antiga área de expansão colonial. O país África do Sul ganha destaque como
região produtora de petróleo e como área com maior número de indústrias que se formaram
com um processo de substituição de importações, entretanto, tal produção industrial ainda é
considerada irrisória na relação produção industrial x per capita. A África do Sul é inserida nos
textos como região de maior atração de fluxos migratórios internos. Este fato está ligado à
posição econômica do país na África subsaariana como maior economia, atraindo fluxos de
diversas áreas do continente. Entretanto, também é destacada como área de repulsão, em
especial, em direção à Europa, onde os textos abordam que ocorre uma fuga de cérebros
agravando o problema do subdesenvolvimento.
Outro ponto de destaque em relação ao continente africano é na unidade de trabalho
sobre a hidrosfera - unidade 8. Nesta parte os cidadãos africanos são mencionados como
pessoas que sobrevivem com menor número de litros de água por dia.
Na unidade de trabalho 12, com o tema: "Dinâmica populacional mundial" – são
trabalhadas as fases de evolução da população com base em uma visão linear, ou seja, cria-se
a sensação de que todas as dinâmicas populacionais devem passar pelo mesmo caminho. Tal
passagem baseado em um norte dado pela Europa, que já está em uma etapa da dinâmica
populacional "mais avançada". Essa linearidade evidencia um processo de “evolução” a partir
de reduções nas taxas de mortalidade (com avanços na medicina, no acesso a saneamento
básico, ampliação da rede hospitalar, medicina preventiva, etc) e de taxa de natalidade. No
entanto, as reduções nestas taxas estão diretamente ligadas aos processos de urbanização
ede industrialização dos países. Desse modo, o próprio texto da apostila assume essa visão
linear de evolução que está baseada em uma comparação com dinâmicas populacionais de
países desenvolvidos e induz o educando a refletir que os países subdesenvolvidos não
alcançarão os últimos estágios53 da evolução populacional já obtida por alguns países
europeus. No entanto, cabe ressaltar que mesmo em uma visão linear de evolução, para que
tais estágios finais sejam alcançados pelos países africanos, há a necessidade de
modificações nas estruturas de alguns países. O texto da apostila chama a atenção para esse
modelo linear de evolução e que, em nossa visão, negligencia a diversidade populacional e
local desenvolvendo um "alisamento analítico" e reforça a visão de uma África atrasada.
53 Os estágio são: 1ª Fase - As taxas de natalidade e mortalidade flutuam apresentando crescimento vegetativo mínimo; 2ª Fase -
Redução da taxa de mortalidade e manutenção de elevada taxa de natalidade acarretando ampliação do crescimento vegetativo; 3ª Fase - As taxas de natalidade se reduzem com maior velocidade enquanto as taxas de mortalidade continuam a cair, assim, a população cresce em um ritmo lento; 4ª Fase - Baixas taxas de mortalidade e de natalidade ocasionando estabilidade demográfica, proporcionando elevada expectativa de vida para a população. Na Fase 5 - As taxas de mortalidade ultrapassam a de natalidade causando um declínio da população.
122
"O modelo é eurocêntrico, pois assume que todos os países passariam pelos mesmos quatro estágios. Todavia, as previsões mais recentes parecem indicar que muitos dos países menos desenvolvidos, particularmente no continente africano, dificilmente alcançarão um alto nível de desenvolvimento." (CARVALHO JÚNIOR(b), 2007. p. 10)
A análise da população mundial inserida nas fontes está baseada em uma visão linear
e, este modelo é incapaz de considerar inúmeros fatores e eventos que interferem nas
dinâmicas populacionais como: religião e cultura. Assim, não há a construção de novos olhares
pelas fontes analisadas sobre esse processo de evolução da população mundial, em especial,
em relação aos países subdesenvolvidos onde se encaixa o continente africano. Esta proposta
com base em uma comparação com os estágios de evolução da Europa ("eurocentrado"
segundo a própria fonte analisada) é utilizada como alicerce para os estudos sobre a
população mundial. Um dos motivos deve ser o objetivo central do material que é a aprovação
no vestibular, que se utiliza dessa condição linear de dinâmica populacional.
Em relação à geografia física abordada nas páginas da primeira série, os exemplos não
colaboram para a construção de uma geografia da África não estereotipada, assim, a fome
relacionada a problemas acabam por reproduzirem imagens que se difundem por diversos
livros didáticos ou escolares, que é a de um continente atrasado, como destacam os estudos
de RATTS et al (2007) e LIMA (2004).
É visível, ao longo dos textos das apostilas da primeira série, que o continente africano
não apresenta tanta relevância nos temas e favorece, nos momentos em que é mencionado,
para reforçar alguns estereótipos de continente primitivo, atrasado, marginalizado. Não há a
construção de posicionamentos contra essas visões, e sim, a manutenção de uma visão linear
de evolução balizada num reducionismo econômico, no qual o continente africano é
constantemente decretado como área pouco evoluída. Passemos agora para uma análise dos
dados referentes à terceira série.
A terceira série apresenta unidades de trabalho voltadas para as categorias: questões
políticas, atividades econômicas e relações comerciais. Sendo assim, uma série de unidades
de trabalho que buscam a reconstrução de fatos e transformações políticas importantes no
século XX. O mundo pós-guerra de 1945, a bipolaridade entre EUA e a URSS e,
posteriormente, a formação de um mundo multipolar e o desenvolvimento de uma doutrina
econômica neoliberal são pontos abordados pelas unidades de trabalho da terceira série. E
desse modo, até a quinta unidade, o continente europeu recebe maior ênfase e menções, pois
o mesmo foi palco da segunda guerra mundial e seus desdobramentos, além de ser uma
região difusora de políticas neoliberais na década de 1980/90. O continente asiático passa a
ganhar mais evidência nas unidades de trabalho finais, onde os temas: conflitos mundiais e
potências emergentes são trabalhados.
123
O continente africano foi abordado em maior número na primeira série, entretanto, é na
terceira série em que os temas das unidades de trabalho são voltados para uma geografia que
permite a construção de uma análise das relações raciais existentes. Portanto, afirmamos que
mesmo a primeira série apresentando mais menções, os temas sugeridos pelas apostilas da
terceira série são mais importantes para este trabalho. Assim, como os temas relacionados à
segunda série, onde se trabalham no SAE Positivo questões relacionadas ao Brasil.
Fonte – Apostilas Grupo Positivo (2007-2009)
Gráfico IV.9 - Menções ao continente africano - 3ª série x Por unidade de trabalho
Nas primeiras unidades de trabalho da terceira série, o continente africano foi
mencionado a partir de alguns países socialistas que recebiam auxílio da URSS, sendo eles:
Etiópia, Angola e Moçambique. Outros países mencionados são: Tanzânia e o Congo que são
apontados como países com baixo desenvolvimento social e econômico e que precisam de
melhorias na qualidade de vida. Essas menções são realizadas nas unidades de trabalho: Um
século marcado por conflitos mundiais, Fragilidade das fronteiras e Nova Ordem Mundial.
Na unidade de trabalho 8 - "Comércio mundial", o continente africano é comparado com
a União Europeia na construção de uma união aduaneira, tipo de bloco econômico que há
Tarifa Externa em Comum, redução das barreiras alfandegárias e possível circulação de
pessoas intrabloco conforme as normas de adotadas por cada país da formação. Assim, a
Associação Aduaneira da África Austral (Sacu - Southern AfricaCustoms Union) recebe um
singelo destaque no texto, mas, importante para demonstrar alguns processos econômicos que
se desenvolveram no continente africano e, bastante localizado envolvendo a maior potência
econômica da África, a África do Sul.
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3ª Série
Menções ao continente africano - 3ª série x Por unidade de trabalho
124
Na unidade de trabalho: "Conflitos Mundiais" -É o local em que a África apresenta maior
número de menções ou citações. É nesta unidade que se apresenta uma parte específica do
texto sobre a África, ou seja, com um total de quatro parágrafos e mais uma página inteira com
a existência de dois mapas do continente africano. O primeiro com a temática: "Pontos de
tensão na África" e o outro, com o tema: "HIV/AIDS na África". Este é o momento do continente
africano com maior ênfase no material apostilado Positivo ao longo das três séries.
Dessa maneira, o texto tem início com uma abordagem sobre o norte da África, onde
países como Saara Ocidental são apontados como àquele que busca sua independência de
Marrocos. Egito, Líbia e Argélia são mencionados como países que apresentam conflitos
internos. Cabe ressaltar que até a data de uso do material, o ano de 2011, as Revoltas
Populares denominadas de Primavera Árabe não haviam acontecido.
"Grande parte dos países do continente africano também convivia com conflitos e tensões oriundos do período de colonização e do processo de descolonização. A situação tornou-se muito problemática, pois, nas regiões em conflitos, a guerra favoreceu o aumento da pobreza, a disseminação de doenças (dificuldades de higiene, abastecimento de água potável e tratamento de esgoto). Em decorrência disso, o número de infectados por HIV (AIDS) aumentou, comprometendo a reconstrução dos países. A junção desses fatores trouxe efeitos catastróficos aos países africanos que, além de sofrerem as consequências da devastação causada pela guerra, foram afetados, ainda, em suas capacidades de gerarem riquezas, em razão do fato de a AIDS ter se tornado uma epidemia, já que os serviços médicos não conseguem atender ao número crescente de infectados." (FERRETI(d), 2009. p. 8)
O texto citado acima reflete algumas imagens desenvolvidas pelos livros didáticos que
acabam por reproduzirem apenas os aspectos negativos que o continente africano apresenta.
A África é mencionada como área de conflitos oriundos da colonização e do processo de
descolonização e os conflitos herdados desses processos acarretaram problemas como a
dificuldade de expansão das redes de saneamento básico, ampliação da pobreza e da falta de
higiene e a proliferação do vírus HIV. Assim, este fragmento da apostila da terceira série
encaixa-se nos apontamentos feitos pelos estudos de RATTS et al (2007) e de SILVA et al
(2013), onde as imagens estereotipadas nos livros didáticos reduzem o continente a aspectos
negativos e, ao abordar de forma diferente o continente europeu ou os EUA desenvolve essas
partes do mundo como representantes da humanidade. Sendo o homem branco a referência
para este processo de valorização. Portanto, a África apresenta sim uma grande difusão do
vírus da AIDS e de infectados, no entanto, nas fontes analisadas predominam representações
negativas do continente o que acaba por naturalizar essa visão de "primitivo" e "atrasado"
como apontado por RATTS et al (2007), e neste processo de "naturalização" que se perpetuam
nos materiais didáticos os estereótipos sobre a África.
Nos estudos de RATTS et al (2007) há um destaque para as poucas referências e
menções a população negra, e é o mesmo caso do SAE Positivo onde a maioria das
125
apresentações da população africana insere-se como estereotipadas. O continente africano é
apresentado vinculado à pobreza e a miséria, além de conflitos que acabam por justificarem a
existência de tais disparidades sociais e econômica entre os continentes.
No conteúdo sobre potências emergentes, unidade de trabalho 12 - terceira série, a
África do Sul é apresentada como país pertencente aos estudos de Goldman Sachs onde a
construção de uma previsão dos países com elevadas possibilidades de crescimento e para
futuros investimentos inseriu nesse grupo a África do Sul. Ponto em destaque no texto em que
apresenta os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) como "economias
estabilizadas recentemente, grandes reservas de recursos naturais, mão de obra numerosa e
em processo de qualificação, investimentos em infraestrutura e melhorias nos índices sociais."
FERRETI (2009) Este ponto, embora insira outros países no grupo BRICS, além da África do
Sul, cria uma visão do continente diferenciada e não estereotipada como selvagem, pobre,
miserável e marginalizada.
A ausência do continente africano em diversos temas reflete alguns pontos já
mencionados neste trabalho, quando abordamos pontos relacionados à colonialidade do poder
e do saber. Primeiro que o silenciamento da África em diversas unidades de trabalho acaba por
constituir os valores brancos como universais e negação dos valores não-ocidentais
determinando quais racionalidades devem ser inseridas no processo educacional.
MIGNOLO (2004) e GROSFOGUEL (2008) atentam para a criação de uma ciência
pautada em discursos que desenvolvem uma sensação de neutralidade. A construção de uma
leitura de mundo a partir de uma visão europeia passa pelo processo de ocultar a origem do
lugar de enunciação, assim, essa neutralidade de análise acaba por determinar os assuntos
que são relevantes ou não. Nesse sentido, o silenciamento dos negros e sua subrepresentação
são formas de manter relações assimétricas de poder e de não interferir na manutenção dos
privilégios adquiridos pelos brancos, conforme aponta BENTO (2002).
A criação de uma imagem negativa do não-branco é uma forma de manutenção de
relações assimétricas de poder. BENTO (2002) Para BENTO (2002) a manutenção dos
privilégios dos brancos está no processo de projeção sobre os negros, como o silenciamento
que detectamos nas páginas das apostilas do SAE Positivo, no qual, acaba por resguardar o
branco e insere o não-branco como passível de ser desprezado e marginalizado,
desenvolvendo uma construção do branco como representante da humanidade como é
representado de forma repetidamente nos livros didáticos e nas apostilas do Sistema de Ensino
da Rede Positivo.
As fontes analisadas silenciam a participação dos negros na sociedade brasileira e a
luta do Movimento Negro no Brasil na busca por uma igualdade racial. Já o continente africano
ao ser abordado é apresentado, na maioria das vezes, como área de grande concentração de
aspectos negativos e, desta maneira, desenvolve uma relação em que os educandos acabam
126
"naturalizando" e associando a África as diversas características negativas mencionadas, e
dificilmente busca-se apontar os pontos positivos e contribuições que este continente
apresenta.
Nesse sentido, destacamos que as fontes analisadas em nada contribuem para o
combate ao racismo no Brasil, pois as mesmas ao reproduzem construções estereotipadas do
continente africano e silenciam os negros em suas páginas o que acaba por reforçar as
relações raciais assimétricas existentes no Brasil e, portanto, as fontes analisadas não
funcionam como instrumentos pedagógicos no combate a ideologia racista no país.
127
Conclusões
Os Sistemas Apostilados de Ensino aparecem junto aos cursos pré-vestibulares e se
expandem por diversas instituições privadas de ensino no país. Passam a ganhar força em
direção as instituições públicas. Estas que se utilizam dos sistemas apostilados como
referência de "qualidade de ensino" e buscam por melhorias nos índices de educação
municipal. O termo SAE é utilizado para se referir a uma série de ferramentas administrativas e
pedagógicas que vão além do material denominado de apostila, acoplando ferramentas digitais
e virtuais, processos de capacitação dos professores, análise dos rendimentos escolares e
determinação do modelo pedagógico e dos conteúdos abordados.
As apostilas e os livros didáticos funcionam como referências para os estudantes e
professores. Em alguns estudos sobre livros didáticos, como de BITTENCOURT (2013), estes
materiais escolares podem assumir uma função centralizadora, ganhando um peso na prática
dos docentes e condicionando os conteúdos que devem ser ministrados ou negligenciados.
Vemos, portanto, os Sistemas Apostilados de Ensino como uma forma de controle sobre
diversas áreas em que a instituição escolar deveria deter liberdade de escolhas, assim como
os docentes, que acabam utilizando o material como uma forma de centralizar os assuntos
trabalhados em sala e auxilio na redução do tempo gasto na preparação de aulas.
Dos resultados obtidos com as análises do material apostilado, vimos que das doze
apostilas, nenhuma inseriu as palavras negros ou negras em seus textos. Esse silenciamento
do papel do negro na construção da sociedade brasileira e das lutas anti-racistas em diversos
setores, não somente na educação, reforçam as construções realizadas na década de 1940
através de "imagens de uma sociedade brasileira" baseada no mito da democracia racial, com
a existência de um paraíso racial.
Nas unidades de trabalho da segunda série, as páginas relacionadas ao estudo da
população brasileira, silencia os negros e não insere as relações étnico-raciais nos conteúdos
pertinentes ao tema. A população brasileira é trabalhada a partir de uma geografia baseada,
inicialmente, em dados estatísticos, e posteriormente, introduzem as fases ou políticas
demográficas nacionais ao longo do século XX e questões relacionadas à qualidade de vida e
os fatores vinculados a desigualdade social. Entretanto a raça como componente de
investigação da sociedade não entrou em operação nos textos.
Dessa maneira, foi constatado um silenciamento sobre os negros e uma
subrepresentatividade do continente africano nas páginas do SAE Positivo. Esse silenciamento
que reforça e valoriza os valores brancos como universais e a negação dos valores não-
ocidentais, determinando quais racionalidades devem ser inseridas no processo educacional.
Há uma construção de uma análise universal da população a partir de uma base
epistemológica europeia, que incide sobre a ideia de uma visão sem construção ideológica, e
128
que atua de forma neutra nas construções analíticas do espaço. Assim, vemos a manutenção
de uma colonialidade do poder e do saber nas páginas do SAE Positivo onde apenas um lado
da história é contado, e, que muitas vezes, compreende uma visão de evolução linear criando
uma sensação de que a colonialidade é uma etapa que os países precisam enfrentar para se
alcançar a modernidade.
Nesse sentido, o continente africano, em poucos momentos, foi mencionado de forma
positiva nos textos. Em sua maioria foi relacionado à fome, pobreza, problemas ambientais,
conflitos e epidemias de AIDS, apenas, reforçando os estudos já realizados por RATTS et al
(2007), onde diversos livros didáticos de geografia também foram apontados como difusores de
estereótipos e estigmas em relação ao continente africano. O SAE da Rede Positivo acaba por
reforça esses estereótipos sobre o continente africano, mesmo após a criação da Lei 10.639/03
que estimula uma educação que trabalhe com conteúdos relacionados à cultura africana, aos
negros no Brasil e o continente africano.
A lei 10.639/03 é de fundamental importância para incentivar uma reformulação de
conteúdos, práticas docentes e currículos que permitam a inserção de novos olhares sobre a
sociedade e refaça os olhares centrados em uma única cultura. Embora a geografia não esteja
inserida no texto da lei, a implementação do ensino da cultura africana e afro-brasileira nos
currículos devem estar inseridos com o objetivo de garantir uma educação transformadora ou
libertadora.
A educação tem um papel fundamental na construção da cidadania plena dos diferentes
grupos raciais na sociedade. SISS (2003) O processo de educar se transforma em uma das
principais ferramentas para o desenvolvimento de uma sociedade menos desigual, mais
multicultural e que possibilite as diversas existências e proteção das culturas minoritárias. A
educação influi no processo de criação de leituras do mundo que não podem se submeter a
apenas a um lado da história, a uma visão somente monocultural.
Nas instituições de ensino do país é que se constroem a maioria das ideologias que
acabam por direcionar/orientar as visões de mundo, por intermédio de significados
incorporados pelas classes vigentes, incentivando o predomínio da cultura dominante. Ou seja,
a educação pode apresentar um papel de reprodutora das ideologias dominantes e direcionar
na construção de uma hegemonia das classes dominantes ou pode redirecionar os conteúdos
e práticas de modo que permitam aos educandos o desenvolvimento de leituras não
monoculturais, e sim, de uma diversidade de culturas e o reconhecimento de uma luta contra-
hegemônica que seja capaz de permitir as diversas existências.
A escola acaba por direcionar através dos conteúdos ministrados, do material didático e
da prática dos professores por acompanhar o papel da mídia na reprodução da ideologia
dominante, ao silenciar os diversos atores e seus projetos. Entretanto, a escola e mídia não
são apenas locais de reprodução, mas, podem se tornar os meios para a construção de uma
129
contra-ideologia dominante ou contra-hegemonia. A reorientação dada pela escola instituindo o
contraditório do poder hegemônico cria tensão no que antes era universal, uníssono e estável.
A educação escolar é um elemento de vital importância no combate ao racismo. Com
o trabalho escolar têm-se a oportunidade de aprofundar-se sobre a existência do conceito de
racismo, os interesses envolvidos nesse no processo de criação de desigualdades raciais,
desmistificar os estigmas e estereótipos construídos na sociedade, em específico sobre a
população negra. A Educação tem o papel fundamental na luta contra-hegemônica e, através
dela pode-se construir ideologias anti-raciais e se utilizar o conhecimento produzido e a
reflexão para inverter o preconceito e a discriminação contra os negros.
Nos últimos anos a educação escolar tem se expandindo em número de alunos
abarcados e os negros estão, nos primeiros anos do ensino básico, praticamente, no mesmo
nível de acesso que os brancos. No ensino médio e superior houve uma ampliação de acesso
aos negros, entretanto, ainda resta diferença considerável, em especial, na promoção ao
ensino superior que apresenta o vestibular como um grande filtro. A raça como um instrumento
no sentido biológico desapareceu, no entanto, seu princípio político e ideológico ainda funciona
como uma clivagem social, determinando uma subrepresentação dos negros na sociedade.
Cabe ressaltar, que apenas o acesso dos negros à educação formal não garante uma
reorientação e a busca por uma contra-hegemonia. É necessário o ingresso em um formato
educacional de qualidade que possa atender as demandas do Movimento Negro, com o
reconhecimento de uma educação multicultural e que valorize a diversidade.
130
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137
Apêndice I - Quantitativo de menções aos continentes - Em todas as apostilas e
séries
1ª série
Total
Vol. 1 Vol. 2 Vol.3 Vol.4
U.1 U.2 U.3 U.4 U.5 U.6 U.7 U.8 U.9 U.10 U.11 U.12 U.13
AméricaLatina 1 1 6 0 11 3 6 5 2 5 4 3 17 64
América Anglo
Saxônica 3 2 3 1 0 3 4 0 9 8 4 5 28
70
Ásia 3 1 1 2 17 0 3 0 29 20 2 11 45 134
África 0 1 1 0 5 0 2 1 1 3 2 3 22 41
Europa 1 4 1 1 2 0 3 0 25 17 2 8 64 128
Oeania 0 0 1 0 1 1 0 0 1 0 0 1 3 8
2ª série
Total
Vol. 1 Vol. 2 Vol.3 Vol.4
U.1 U.2 U.3 U.4 U.5 U.6 U.7 U.8 U.9 U.10 U.11 U.12
Latina 28 38 10 10 13 13 14 4 11 12 16 4 173
Anglo Saxônica 1 6 1 0 2 2 3 0 3 4 5 0 27
Ásia 3 16 2 0 1 1 3 0 4 2 8 0 40
África 2 2 0 0 0 0 0 0 1 0 2 0 7
Europa 9 4 1 1 1 0 2 0 3 8 13 1 43
Oeania 2 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 4
3ª série
Total
Vol. 1 Vol.2 Vol.3 Vol.4
U.1 U.2 U.3 U.4 U.5 U.6 U.7 U.8 U.9 U.10 U.11 U.12
Latina 7 0 5 10 30 3 1 5 1 6 4 12 84
Anglo Saxônica 17 22 6 8 13 3 4 11 1 6 24 3 118
Ásia 46 13 6 10 14 2 10 2 1 80 9 37 230
África 3 0 1 4 1 0 0 1 0 23 1 2 36
Europa 48 51 33 11 47 5 4 11 6 30 8 20 274
Oeania 3 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 5
U = Unidade de trabalho
138
Anexo I - Programação de Conteúdos para o Ensino Médio
Programação de conteúdos para o Ensino Médio - Sistema Positivo de Ensino
Série/ano Unidade de Trabalho
Volume 1
1ª 1
Ciência Geográfica
Lugar, território e Espaço
O que se entende por lugar
Como conceituar o território
Espaço geográfico
Estado-Nação e território
1ª 2
Astronomia
Assim teve início a Astronomia
Qual a Origem do Universo?
E depois vieram as galáxias...
Onde estamos?
1ª 3
Fusos Horários
Resolução de problemas com fusos horários
Linha Internacional de Mudança de data
Tempo Universal Coordenado (UTC)
Hora Legal
Horário de Verão
Fusos Horários brasileiros
1ª 4
Cartografia: Ciência e arte de representar a superfície terrestre
Desenvolvimento histórico da ciência Cartográfica
Orientação por meio dos elementos naturais
Coordenadas Geográficas
Meios artificiais de orientação
Representação da superfície
Projeções cartográficas
Carta?Mapa?Planta? Qual a diferença?
Finalidade dos mapas
Escala do mapa
Tamanho da Escala
Curvas de nível
Sensoriamento Remoto
Aerofogrametria
Simbologia cartográfica
139
Série/ano Unidade de
Trabalho Volume 2
1ª 5
Evolução Geológica da Terra
Agentes internos de formação do relevo
Teoria da Tectônica de placas
Estrutura interna da Terra
Processos endógenos de formação do relevo terrestre
Agentes externos de formação do relevo terrestre
Principais tipos de erosão
1ª 6
Atmosfera e climas
Atmosfera
Camadas da atmosfera
Poluição atmosférica
Umidade atmosférica
Pressão atmosférica
Circulação geral da atmosfera
Climas e sua dinâmica
El Niño
La Ninã
Classificação climática
1ª 7
Biomas, biodiversidade e questão ambiental Paisagens naturais: biomas e biodiversidade
global
Grandes biomas globais
Florestas
Campos
Tundra
Deserto
Biopirataria
Unidades de Conservação
1ª 8
Hidrosfera
Águas continentais
Águas oceânicas
Problemática da água
Série/ano Unidade de
Trabalho Volume 3
1ª 9
Recursos Energéticos e Desafios Ambientais
Classificação das fontes de energia
Fontes modernas de energia
Fontes alternativas de energia
Desigualdade na produção e no consumo de energia
1ª 10
Atividade Industrial
Três Revoluções Industriais
Industrialização em países Desenvolvidos e
140
Subdesenvolvidos
Desigualdade na distribuição das indústrias e os fatores locacionais
Principais tipos de indústrias
1ª 11
Atividade Agrícola
Sistemas Agrícolas ou Agrossitemas
Comércio mundial de alimentos
Série/ano Unidade de
Trabalho Volume 4
1ª 12
Dinâmica da População Mundial População - Desigualdade, dinamismo e
diversidade
Conceitos básicos: população absoluta e população relativa
Distribuição da população mundial
Indicadores socioeconômicos
1ª 12
Crescimento da população e modelo de transição demográfica
Estrutura da População
Teorias Demográficas
1ª 13
Movimentos Migratórios e Urbanização
Migração:conceitos e classificações
Principais fluxos migratórios
Tendências atuais envolvidas no aumento da migração internacional
Série/ano Unidade de Trabalho
Volume 1
2ª 1
Território brasileiro e sua regionalização
Localização geográfica e fronteiras
Fusos horários
Soberania e Segurança Nacional
Formação do território brasileiro
Organização Político-administrativa
Complexos Regionais: Amazônia, Nordeste e Centro-Sul
2ª 2
Relevo Brasileiro
Arcabouço geológico e produção mineral
Classificações do Relevo
Deslizamentos de Terra e erosão dos solos
Ocorrências de Terremotos no Brasil
Série/ano Unidade de Trabalho
Volume 2
2ª 3
Dinâmica Climática e Problemas Ambientais
Relação sociedade-clima no espaço brasileiro e problemas ambientais climáticos
Principais características dos climas brasileiros
Classificação dos climas brasileiros e paisagens climatobotânicas
141
Fenômenos climáticos e grande impacto socioeconômico
2ª
4
Domínios vegetais brasileiros: Classificação e degradação ambiental
Biomas brasileiros
Domínios morfoclimáticos
Vegetação brasileira e questão ambiental
5
Hidrografia brasileira e gestão dos recursos hídricos
Bacias hidrográficas brasileiras
Aproveitamento econômico das bacias hidrográficas
Série/ano Unidade de Trabalho
Volume 3
2ª 6
Espaço agrário brasileiro
Setores da economia
Extrativismo vegetal no Brasil
Pesca
Agrossitemas
Produção agropecuária brasileira
Ambiente e agrossitemas
2ª 7 Recursos energéticos brasileiros
Fontes de energia
2ª 8 Espaço Industrial brasileiro
Concentração industrial
2ª 9 Espaços de serviços no Brasil
Setor Terciário e duas diversificações
Série/ano Unidade de Trabalho
Volume 4
2ª 10
População brasileira
Indicadores populacionais
Crescimento demográfico - política demográfica
Estrutura da População
Qualidade de vida
2ª 11
Movimentos migratórios no Brasil
Fluxo migratório do campo para as cidades
Migrantes: busca por uma vida melhor
Migrações internas: sempre presentes na formação do espaço brasileiro
Um novo fluxo interno está se delineando
Emigração: Nova tendência?
2ª 12
Urbanização brasileira
Espaço urbano brasileiro
Metropolização
Problemas sociais urbanos
Impactos ambientais no sistema urbano
142
Série/ano Unidade de Trabalho
Volume 1
3ª 1
Um século marcado por conflitos mundiais Transformações no espaço mundial entre
guerras
Mundo bipolar: oposição entre capitalismo e socialismo
Guerra fria
Mudanças no espaço econômico mundial: Nova divisão internacional do Trabalho
Da disputa ideológica do mundo bipolar à relação Norte X Sul
3ª 2
Espaço Geopolítico Mundial durante a Guerra Fria
Criação da Organização das Nações Unidas
Surgimento das Alianças Militares: Pacto de Varsóvia e OTAN
Qual o papel da OTAN no Mundo atual?
3ª 3
Fragilidade das fronterias
A URSS chega ao fim
Mikhail Gorbatchev e as políticas da Glasnost e Perestroika
Fragmentação do mundo Socialista e criação da Comunidade dos Estados Independentes -CEI
Economias em Transição
Série/ano
Unidade de Trabalho
Volume 2
3ª 4
Nova Ordem Mundial
Mundo multipolar
Acentuam-se as diferenças entre Norte e Sul
3ª 5
Mundo Globalizado
Surgimento da globalização
Gobalização da produção e do consumo: um processo excludente
Grandes corporações multinacionais
Papel dos blocos econômicos na economia globalizada
Grandes Organismos Internacionais
3ª 6
O mundo sob a ótica do neoliberalismo
Modelo Neoliberal
O Brasil na onda Neoliberal
Série/ano
Unidade de Trabalho
Volume 3
3ª 7
Vivemos na Era da Informação Da Revolução Industrial às Modernas
Tecnologias
Transformações produzidas pelo Meio Técnico-científico-informacional
Processos Produtivos
Importância dos Tecnopolos e das Cidades Globais
143
3ª 8
Comércio Mundial
Organização Mundial do Comércio
Políticas Protecionistas
Grandes Eixos do Comércio Mundial
3ª 9
Geopolítica Ambiental Embate entre preservação ambiental e produção
econômica
Desenvolvimento sustentável, sustentabilidade e sociedade sustentável
Terceiro Setor
Série/ano
Unidade de Trabalho
Volume 4
3ª 10
Conflitos Mundiais
Minorias étnicas e políticas nacionalistas
11 de setembro de 2001:Terrorismo Globalizado
Conflitos no Oriente Médio
Narcotráfico
3ª 11
EUA: Potência Hegemônica
Expansão econômica dos EUA
Influência dos EUA no Mundo Atual
Desigualdades de um país hegemônico
3ª 12
Potências Emergentes
Aspectos econômicos
Aspectos sociais