VIDA E OBRA DE LUIS INACIO WOODHOUSE (1857-1927) E... · incluíam as humanidades, a música, a...
Transcript of VIDA E OBRA DE LUIS INACIO WOODHOUSE (1857-1927) E... · incluíam as humanidades, a música, a...
1
VIDA E OBRA DE LUIS INACIO WOODHOUSE (1857-1927)
M. Céu Silva e M. Luísa Magalhães
2
1. Apontamento biográfico
2. Carreira académica
2.1. Formação pré-universitária
2.2. O curso Matemático em Coimbra
2.3. Prémios e distinções
3. Actividade docente
3.1. Na Academia Politécnica do Porto (1884-1910) e na Universidade do Porto (1911-
1927)
3.2. No Instituto Industrial e Comercial do Porto (1887-1919) e no Instituto Superior
de Comércio do Porto (1919-1927)
4. Funções e cargos desempenhados além da docência
4.1. Em instituições de ensino
4.2. Noutras instituições
5. Filiação em academias e associações
6. Participação em Congressos
7. Trabalhos e publicações
7.1. Sobre a questão proposta no nº 6
7.2. Demonstração d’um theorema de geometria
7.3. Chronologia paleontológica (Traços geraes)
7.4. Astronomia (Hypothese Cosmogonica)
7.5. Da Integração das Equações Differenciaes da Dynamica
7.6. Principio fundamental da theoria das equações algébricas
7.7. Contribuição portuguesa para um célebre problema de Álgebra
7.8. O Ensino Matemático nas Universidades Portuguesas
7.9. O Renascimento Matemático em Portugal no fim do século XVIII e a Real
Academia das Sciencias de Lisboa
7.10. O Método de Horner e um trabalho português esquecido
7.11. A Matemática em Portugal no principio do século XIX
7.12. Uma fórmula de Torriani, geómetra do período do renascimento matemático em
Portugal no fim do século XVIII
7.13. Trabalhos Inéditos
8. Distinções e homenagens
9. Considerações finais
3
Fontes
Bibliografia
Anexos
Anexo 1. Registo de nascimento e baptismo de Luis Woodhouse conservado no
Arquivo Distrital do Porto.
Anexo 2. Certidão de Óbito de Luis Woodhouse do Arquivo das Conservatórias do
Registo Civil e Cartórios Notariais do Porto
Anexo 3. Carta de conclusão de Bacharelato na Universidade de Coimbra (1880)
Anexo 4. Carta de Formatura na Universidade de Coimbra (1881)
Anexo 5. Tomada de posse do lugar de lente catedrático da sexta cadeira do Instituto
Industrial e Comercial do Porto (1887)
Anexo 6. Processo de Luis Woodhouse integrado na lista de lentes e professores do
Instituto Industrial e Comercial do Porto
Anexo 7. Programas das cadeiras do Instituto Industrial e Commercial do Porto.
Anno Lectivo de 1887 e 1888.
Anexo 8. Tomada de posse do lugar de professor da segunda disciplina da Secção
Industrial do Instituto Industrial e Comercial do Porto (1891)
Anexo 9. Acta da 1ª sessão do Conselho Escolar do Instituto Industrial e Comercial
do Porto (1919)
Anexo 10. Proposta para a criação do Instituto de Investigação Scientifica de
Antropologia, e noiemação de António Mendes Correia como seu director, apresentada
por Luis Woodhouse ao Reitor da Universidade do Porto (1923)
Anexo 11. Tomada de posse de Luis Woodhouse como director da Faculdade de
Ciências da Universidade do Porto (1926)
Anexo 12. Tomada de posse de Luis Woodhouse como vice-Reitor da Universidade
do Porto (1926)
Anexo 13. Relatório elaborado por Luis Woodhouse enquanto responsável pelo
serviço de exames de saída do curso geral do Liceu Central do Porto (1902). (Boletim da
Direcção Geral de Instrução Pública)
Anexo 14. Acta da eleição de Luis Woodhouse para a Comissão Executiva da
Câmara Municipal do Porto, como substituto (A assinatura de Woodhouse na quarta linha
a partir do fim) (1887)
Anexo 15. Placa da rua da cidade do Porto dedicada a Luis Woodhouse, por
proposta do vereador da Câmara Municipal do Porto, António Almeida Costa (1937).
4
Anexo 16. Excerto de carta de Luis Woodhouse a Gomes Teixeira, pedindo-lhe que
aceite a direcção da Faculdade, cargo que tinha deixado para ocupar o lugar de reitor
(1922)
Anexo 17. Não existem, nas bibliotecas da Universidade do Porto, as separatas do
Encontro Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, que decorreu em Coimbra, em
1925, em particular, a contribuição de Luis Woodhouse para esse encontro. Por isso
deixamos aqui uma digitalização.
Nota Introdutória: Uma das primeiras questões que se nos apresentaram neste trabalho
foi a da grafia a adoptar na escrita do nome do nosso biografado, pois ela não é uniforme
nos diversos documentos oficiais que consultámos. Se no Arquivo das Conservatórias do
Registo Civil, o seu nome é Luiz Ignacio Woodhouse, já na rua que a Câmara do Porto
lhe atribui, está inscrito Luís Woodhouse. Por outro lado, em documentos mais recentes
como as Actas das Sessões do Senado, ou o termo de posse como Director da Faculdade
de Ciências, pode ver-se que ele assina Luis Inacio Woodhouse. Foi, por isso, essa a grafia
que decidimos adoptar.
5
1. Apontamento biográfico
Luiz Ignacio Woodhouse (Luis Inacio Woodhouse) nasceu no Porto, na freguesia
da Foz do Douro, em 31 de Julho de 1857, como mostra o registo de nascimento e
baptismo conservado no Arquivo Distrital do Porto (ANEXO 1). Este documento corrige
um outro em que é indicado como ano de nascimento 18581, mas essa correcção não foi
feita na Certidão de Óbito existente no Arquivo das Conservatórias do Registo Civil e
Cartórios Notariais do Porto (ANEXO 2). A 15 de Agosto de 1858 foi baptizado na
freguesia da Foz do Douro, como regista a certidão existente no Livro de Certidões de
Edade 1874-1900 do Arquivo da Universidade de Coimbra, que transcrevemos a seguir2:
José dos Santos Ferreira, Parocho da Freguezia de S. João da Foz do Douro, Bairro Occidental e
Diocese do Porto, Certifico que em um dos livros do registo de baptismos d’esta freguezia, a folhas
cincoenta e oito, se acha assento do theor e forma seguinte:
Luiz, filho legitimo de Roberto Guilherme Woodhouse, natural do Porto, e de Dona Izabel Emilia
de Souza Bahia, Viscondessa de Balsemão, natural de Soutello, Bispado de Lamego, actualmente
morador no Largo do Castello d’esta freguesia de San Joao da Foz do Douro, Bispado do Porto, neto
paterno de Roberto Woodhouse e de Dona Maria Ermelinda Woodhouse Menezes de Oliveira,
materno de Luiz de Souza Bahia, digo Luiz de Maria de Souza Bahia, Visconde de Sam João da
Pesqueira, Dona Maria Emilia Madureira Lobo, nasceu aos trinta e um dias do mez de Julho, e foi
solannemente baptisado pelo meu Coadjutor, o Padre Joaquim Francisco Vieira, no dia quinze de
Agosto de mil oitocentos cincoenta e sete annos. Foi padri[nho] Luiz de Souza Bahia de Moraes,
segundo Visconde de Sam Joao da Pesqueira por seu procurador Manoel de Mello e Sampaio, e
madrinha Nossa Senhora das Dores, e em seu nome assistiu, fazendo suas vezes, - sua avó paterna,
e testemunhas, o mesmo baptisante e o servente d’esta Igreja, Antonio Bazilio de Souza, que comigo
assignam.
Fiz este termo, dia, mez e era, este seguirão. = O Abbade, Pedro da Gama e Mello. = Joaquim
Francisco Figuerira.” = Declaro que á margem do dito assento se encontra a nota seguinte: = “Em
consequencia d’uma Portaria do Excellentissimo Ordinario, datada de dez de Junho de mil
oitocentos sessenta e um, foi alterado este assento no que diz respeito aos sobrenomes de Roberto
Woodhouse e seus ascendentes. A Portaria fica junta a este asento. = O Parocho Encommendado,
Joaquim Francisco da Cunha.”
Nada mais contam o assento, a que me reporto.
Foz do Douro 4 de Setembro de 1875. José dos Santos Fereira Moura.
1 Esta situação não era incomum no século XIX; são conhecidos outros casos como, por exemplo, o do
professor Alves Bonifácio, que só quando teve de suspender a sua actividade por atingir o limite de idade,
soube qual era, na verdade, a idade que tinha. Em Acta do Conselho Escolar de 14 de Março de 1929, em
Actas do Conselho Escolar da Faculdade de Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Novº de 1926 a
3 de Dezembro de 1929, pp. 74v-75. 2 Livro de Certidões de Edade 1874-1900 (LXX) do Arquivo da Universidade de Coimbra, Depósito IV
secção 1ª D – estante 5 – tabela 2 nº 70, p. 266.
6
Luis Woodhouse era filho de Roberto Guilherme Woodhouse Barreto de Lencastre
(1828-1876) e de Isabel Emília de Sousa Vahia de Morais Madureira (1821- 1892)3, uma
família aristocrática que merece honras no Livro de Oiro da Nobreza4. A mãe era filha
dos primeiros viscondes de S. João da Pesqueira5; tinha tido um primeiro casamento com
o visconde de Balsemão e, em 3 de Julho de 1854, casou com Roberto Guilherme
Woodhouse Barreto de Lencastre. O pai, nascido no Porto, pertencia a uma família de pai
inglês e protestante, e mãe portuguesa e católica6. Roberto Woodhouse era um homem de
formação científica sólida, que se formou com brilhantismo em Ciências Naturais e
Exactas na Universidade de Londres. Concluído o curso, Roberto Woodhouse abraçou a
carreira diplomática e, depois de algum tempo como adido à embaixada portuguesa em
Londres, regressou a Portugal em 1854, onde casou e teve dois filhos, Luis Inacio e
Roberto Eduardo7. O pai do nosso biografado tinha interesses culturais diversos que
incluíam as humanidades, a música, a pintura e a teologia8. Como sublinha Magalhães
Basto9, Roberto Guilherme Woodhouse cultivou o latim, foi poliglota, compositor e
intérprete de trechos musicais, tendo sido considerado um dos melhores pianistas
amadores do Porto, no seu tempo. Educado na religião protestante, viria a tornar-se um
católico convicto, e a integrar, em 1871, o movimento católico portuense. A sua dedicação
a esta doutrina levou-o à criação, em 1872, da Associação Católica do Porto, da qual foi
co-fundador e 1º presidente. Foi também co-fundador, com o conde de Samodães, do
jornal conservador de índole católica, A Palavra10.
As raízes da família Woodhouse no Porto remontam à data em que o avô paterno
de Luis Woodhouse, Roberto Guilherme Woodhouse Barreto, foi enviado ao Porto como
representante da firma inglesa Woodhouse e Smith, exportadora de vinhos da região do
Douro. Nesta cidade, onde se radicou, casou com Maria Ermelinda da Costa Gomes
Oliveira.
3 Informação dada em Árvores Genealógicas do MyHeritage Site Afonso, Madureira, Oliveira, Ford, Hoad,
gerido por Jose Madureira [Consultado em 14-05-2014]. 4 [Affonso e Valdez, 1934, III, pp. 297-298]. 5 [Affonso e Valdez, 1934, III, p. 297]. 6 [Mota 2010, p. 380, nota 97]. 7 Roberto Eduardo Sebastião Woodhouse faleceu em 1889 sem deixar descendência. 8 [Basto, 1943, p. 13]. 9 [Basto, 1943, p. 13]. 10 [Serém e Pereira, 2000, p. 502].
7
Em 1883, Luis Woodhouse casou com Helena de Sousa e Barros Brederode (n.
1863). Do casamento nasceram 5 filhos: Luis Diogo, que não deixou descendência11,
Maria Eugénia, Maria Isabel, Maria Helena e Maria Luisa12. A família viveu durante parte
da sua vida na Rua do Breiner nº 118, no Porto13, onde Luis Woodhouse faleceu em 13
de Março de 1927. Em 1920, é dado como proprietário do Convento dos Trinos Descalços
de Mirandela14, convento que foi herdado do sogro, António Xavier Teixeira Homem de
Brederode, general de brigada, que o tinha adquirido em hasta pública15.
2. Carreira académica
2.1. Formação pré-universitária
Quando em 8 de Dezembro de 1942 Artur Magalhães Basto fez na Associação
Católica do Porto uma conferência subordinada ao tema “Roberto Woodhouse, um
Campeão Portuense do Catolicismo, breve ensaio sobre a sua vida, o seu meio e a sua
obra” pôde, afortunadamente, socorrer-se de documentos que a família lhe facilitara e do
Prayer Book, onde o avô de Luis Woodhouse “cuidadosamente anotou dados
genealógicos de interêsse relativos à sua família”, que ainda em 1943 existia na posse dos
descendentes do avô de Luis Woodhouse. Mas infelizmente o paradeiro desses
documentos é agora desconhecido; e das diligências que fizémos junto de familiares do
nosso biografado não conseguimos deslindar detalhes da sua formação pré-universitária.
Para suprir esta lacuna, procuramos informação nas Instituições em que Luis Woodhouse
leccionou e na Universidade de Coimbra, onde estudou, por pensarmos que ele teria aí
entregue alguma certidão que referisse a sua escolaridade anterior16, mas esse esforço foi
em vão.
Scipião de Carvalho17 refere que Luis Woodhouse fez os seus estudos pré-
universitários no Porto, embora saibamos que não os completou nesta cidade, pois é o
próprio Woodhouse quem o afirma no jornal Pôrto Académico de 30 de Abril de 1926.
11 [Gomes, 1898, p.161]. 12 Maria Luisa Brederode Woodhouse era tia de Jayme Rios de Sousa, também ele professor da Faculdade
de Ciências da Universidade do Porto. 13 O prédio actualmente não existe. 14 [Sales 1978, I, p. 267]. 15 Informação gentilmente cedida pela bisneta de Luiz Woodhouse, Dra. Eugénia Sofia Woodhouse Ferreira 16 Consultámos o Arquivo da Reitoria da Universidade do Porto, os serviços documentais da Universidade
de Coimbra, o Instituto Superior de Engenharia do Porto, o Instituto Superior de Contabilidade e
Administração do Porto. Para o mesmo fim, contactámos a Academia das Ciências de Lisboa, o Arquivo
Distrital do Porto, o Arquivo Histórico do Porto e a Biblioteca Pública Municipal do Porto. 17 [Carvalho, 1934, p. 193].
8
(Cf. 9.). Colocámos a hipótese de Luis Woodhouse ter frequentado uma escola inglesa no
Porto, mas logo a rejeitamos, por verificarmos que a Oporto British School só foi criada
em 1894. Imaginámos que, tal como seu pai, teria feito em Inglaterra os seus primeiros
estudos, pois isso era o habitual naquela época entre a comunidade inglesa portuense18;
mas não pudemos confirmar esta suposição. Nos finais dos anos 80 do século dezanove,
existiam no Porto estabelecimentos de ensino famosos para a educação de rapazes, tais
como o colégio da Lapa e o Liceu Central19. Inclinámo-nos, então, a pensar que Luis
Woodhouse teria frequentado o Colégio da Lapa, onde estudava Francisco de Paula
Azeredo Aguilar, filho do 2º conde de Samodães, amigo e colaborador de Roberto
Woodhouse20, e que viria a cursar Matemática na Universidade de Coimbra. Mas as
diligências que fizémos não nos permitiram chegar a nenhuma conclusão sobre o
assunto21. Tão-pouco tivemos resposta à pergunta sobre a sua possível frequência no
Liceu Central, antigo liceu Rodrigues de Freitas, apesar de a termos solicitado à Direcção
Regional de Educação do Norte e à Direcção do Agrupamento Rodrigues de Freitas22,
onde os arquivos se encontram.
É natural enquadrar os anos de estudo pré-universitário de Luis Woodhouse no
período que decorre entre 1868 e 1875, que no ensino público liceal foi abrangido por
duas reformas: a de Anselmo Braancamp, em 1863 (quadro 1) e a de Rodrigues Sampaio,
em 1872 (quadro 2). Esta última ampliava para 6 o número de anos do Curso dos Liceus
de 1ª classe, mas mantendo a prevalência dos estudos humanistas e literários; por outro
lado, enquanto obrigava os alunos ordinários a seguir a ordem do plano de estudos,
permitia que os alunos inscritos em escolas particulares escapassem a esse regime, apenas
se deslocando ao liceu para realizar os seus exames23.
Reforma de Anselmo Braancamp (1863)
Ano Disciplina Horas semanais
1º
Gramática portuguesa, leitura e análise gramatical dos autores
portugueses
10
18 [Serém e Pereira, 2000, p. 502]. 19 [Serém e Pereira, 2000, p. 503]. Existia, também, o colégio de Von Hafe que se destinava à educação
primária de raparigas [Castro, 2007, p. 107]. Foi criado em 1855, na Rua de Cedofeita, e é o antecessor do
actual colégio alemão. 20 [Gomes, 1989, p. 157]. 21 Agradecemos ao Professor Francisco Ribeiro da Silva a gentileza que teve em nos prestar alguns
esclarecimentos sobre o colégio da Lapa. 22 Enviámos e-mails ao Delegado Regional da DREN ([email protected]) em 1 de Abril de
2014, e em 20 de Maio de 2014 à direcção do Agrupamento Rodrigues de Freitas ([email protected]). 23 [Alves, 2001, pp. 69-70].
9
Gramática francesa, leitura e primeiros exercícios de tradução 10
Desenho linear 4
2º
Leitura de prosadores e poetas portugueses, análise gramatical 4
Tradução de latim, análise e exercícios gramaticais 10
Aritmética, as 4 operações em números inteiros e fraccionários 2
Desenho linear 4
Gramática inglesa, leitura, tradução e análise gramatical de prosadores
e poetas, composição inglesa
10
3º
Recitação de prosadores e poetas portugueses 4
Tradução e composição latina, antiguidades romanas 10
Aritmética, noções de geometria plana e suas aplicações usuais 6
Desenho linear 4
Gramática, leitura e primeiros exercícios de tradução da língua grega 4
4º
Exercícios de tradução da língua grega 6
Geometria, álgebra, trigonometria e geografia matemática 10
Cronologia, geografia e história especialmente a de Portugal e suas
colónias
10
5º
Oratória e poética 6
Física e química elementares; introdução à história natural dos 3 reinos 10
Literatura clássica, especialmente a portuguesa, exercícios de
composição e declamação
4
Filosofia racional e moral e princípios de direito natural, análise lógica 10
Quadro 1: Reforma de Anselmo Braancamp (1863). Dados extraídos de [Alves, 2001, p. 69]
Reforma de Rodrigues Sampaio (1872) – Liceus de 1ª classe
Ano Disciplina Horas semanais
1º
Português 6:15
Francês 5
Cálculo mental e 4 operações (1ª parte da Matemática) 2:30
Caligrafia e Desenho (1ª parte) 3h
2º
Português 2:30
Francês 5
Inglês 3:45
Aritmética prática (1ª parte da Matemática) 2:30
Caligrafia e Desenho (1ª parte) 3
3º
Inglês 2:30
Alemão 3:45
Latim (1ª parte) 5
Matemática (1ª parte) 3:45
Desenho (1ª parte) 3
4º
Inglês 2:30
Alemão 2:30
Latim (1ª parte) 3:45
Grego 3:45
Matemática (2ª parte) 3:45
Desenho (2ª parte) 3
5º
Alemão 2:30
Latim (1ª parte) 2:30
Grego 2:30
Matemática (2ª parte) 2:30
Geografia, cronologia e história 3:45
Filosofia (1ª parte) 3:45
Princípios de física, química e introdução à história natural 5
6º
Latim (2ª parte) 2:30
Grego 3:45
Geografia, cronologia e história 5
Filosofia (2ª parte) 5
10
Português (3º ano) oratória, poética e literatura 7:30
Quadro 2: Reforma de Rodrigues Sampaio (1872) – Liceus de 1ª classe.Dados extraídos de [Alves,
2001, p. 70]
Quer Luis Woodhouse tenha frequentado um qualquer colégio no Porto ou em
Coimbra, ou tenha tido lições particulares, o certo é que estaria habilitado com os
conhecimentos que referimos, à data da sua entrada na Universidade de Coimbra.
2.2. O curso Matemático em Coimbra
Luis Woodhouse matriculou-se como aluno ordinário24 da Faculdade de
Matemática de Coimbra com 18 anos completos, corria o ano de 1875, e terminou os
estudos nessa faculdade em 1881. O seu percurso académico foi apenas interrompido no
3º ano, quando sofreu uma grave doença que o levou a adiar os exames para o ano
seguinte, por reconhecer que não estava suficientemente bem preparado25.
Para se ficar com uma ideia do que teria sido a formação matemática de Luis
Woodhouse em Coimbra, convém observar as condições de acesso ao Curso Matemático,
as cadeiras que Luis Woodhouse frequentou, e os livros então adoptados para as referidas
aulas. Segundo os Estatutos e Regulamentos da Universidade de Coimbra, para ser
admitido ao 1º ano da Faculdade de Matemática (respectivamente a 1ª cadeira e o 1º ano
de Desenho – Curso Matemático) o aluno devia apresentar uma certidão de idade (mínimo
15 anos) e a certidão dos exames de Português (curso completo), Francês, Matemática e
Desenho (1ª e 2ª parte), História, Latim e Filosofia (1ª parte) e Introdução26.
No Curso Matemático, Luis Woodhouse frequentou as cadeiras seguintes:
No 1º ano (1875/76): 1ª cadeira - Álgebra superior, principios da teoria dos números,
geometria analítica a duas e três dimensões, teoria das funções circulares, trigonometria
esférica; Química Inorgânica (1ª cadeira), que fazia parte do 1º ano do curso geral da
Faculdade de Filosofia; Aula de Desenho; no 2º ano (1876/77): 2ª cadeira – Cálculo
diferencial e integral, das diferenças finitas, directo e inverso, das variações e da
probabilidades; Química orgânica – análise química; Física – 1ª parte, que é a 3ª cadeira
do curso geral da Faculdade de Filosofia; Aula de Desenho (2º ano); no 3º ano (1877/78
e 1878/79): 3ª cadeira – Mecânica racional e suas aplicações às máquinas, 4ª cadeira –
24 Anuário da Universidade de Coimbra do ano lectivo de 1875/76, p. 136. 25 [Carvalho 1934, p. 193]. 26 Anuário da Universidade de Coimbra do ano lectivo de 1875/76, p. 23.
11
Geometria descritiva e aplicações à estereotomia, à perspectiva e à teoria das sombras;
Física – 2ª parte - é a 5ª cadeira do curso geral da Faculdade de Filosofia; no 4º ano
(1879/80): 5ª cadeira – Descrição e uso dos instrumentos ópticos, astronomia prática; 6ª
cadeira – Geodesia, topografia, operações cadastrais; Botânica – é a 4ª cadeira do curso
geral da Faculdade de Filosofia; no 5º ano (1880/81): 7ª cadeira – Mecânica celeste; 8ª
cadeira – Física matemática, aplicação de mecânica às construções; Mineralogia, geologia
e arte de minas, que era a 7ª cadeira do curso geral da Faculdade de Filosofia.
Nos três quadros seguintes apresentam-se os livros que então serviam de apoio às
aulas.
Aulas dadas na Faculdade de Matemática
Ano Cadeiras Autor Obra
1º e 2º 1ª e 2ª Francoeur Geometria analytica; Trigonometria espherica;
Algebra superior, 2 vols.
3º
3ª Léroy Géometrie descriptive et stéréotomie
4ª Duhamel Mécanique rationelle
4º
5ª
Sousa Pinto Elementos de Astronomia, 1ª e 2ª partes
Monteiro da
Rocha
Taboas Astronomicas; Ephemerides Astronomicas
para 1875
Dubois Astronomie
6ª Puissant Géodésie et Topographie
5º
7ª Pontécoulant Théorie analytique du système du monde
8ª
Poisson Méchanique rationelle
Lamé Théorie de l’elasticité des corps élastiques
Aula de Desenho anexa à Faculdade de Matemática
Ano Autor Obra
1º
MM. Tronquoy et J. Pillet Dessin géométrique et lavis
M. Pillet Théorie des ombres - Cours de 3.e année, 1.re partie
2º M. Pillet Dessin de machines – Cours de 3.e année, 2.me partie.
Paris 1875
Cadeiras do Curso Matemático que faziam parte da Faculdade de Filosofia
Cadeira Autor Obra
3ª Jamin Cours de Physique de l’École Polytechnique
7ª Leymerie Cours de Minéralogie
No documento relativo ao Acto de exame do primeiro ano, que está registado no
«Assento dos exames dos estudantes», lê-se a propósito de Luis Woodhouse27:
Acto de Exame de Luiz Ignacio Woodhouse, filho de Roberto Guilherme Woodhouse, natural de
Porto.
27 Livro de Actos e graus do Arquivo da Universidade de Coimbra, Livro 9, p. 23.
12
Aos 26 de Junho de 1876 na Sala pública, sendo presidente o Doutor (…) e Examinadores os
Doutores Lentes Arguentes fez Luiz Ignacio Woodhouse o seu Exame as Disciplinas de Primeiro
Anno Mathematico que frequentou no presente. E fazendo-se tudo na forma dos Estatutos,
distribuídos os votos sobre o seu merecimento, saiu Approvado Nemine Discrepante. Do que se fez
este Assento.
Francisco Pereira Tornes Coelho (P)
Raimundo Venancio Rodrigues.
Lembra-se que a indicação «nenime discrepante» significa que não houve opiniões
discordantes, ou seja, que a aprovação foi por unanimidade.
Existem documentos semelhantes a este para os anos seguintes, em que a
classificação se mantém, passando a constituição do júri a ser: para o segundo ano,
Raimundo Venancio Rodrigues (P) e Luiz da Costa Almeida28; para o terceiro ano,
Florencio Mago Barreto-Feio (P) e Luiz da Costa Almeida29; para o quarto ano, Luiz
Albano d’Andrade Moraes (P) e Francisco Pereira de Tornes Coelho30; para o quinto ano,
José Joaquim Pereira Falcão (P) e João José Dantas Souto Rodrigues31.
Luis Woodhouse terminou o Bacharelato em Matemática em 1 de Julho de 1880
(ANEXO 3) e concluiu a sua Formatura em Matemática em 13 de Junho de 1881
(ANEXO 4). Essa formatura incluiu, além do bacharelato, um ano de frequência em que
ouviu «as lições de sua obrigação conforme os novos Estatutos d’esta Universidade», e a
realização de um exame final. No Livro dos Pontos do Arquivo da Universidade de
Coimbra de 1880/81, pode ler-se a lista dos capítulos dos livros recomendados no curso,
sobre os quais o candidato foi examinado – Pontecoulant, 1º vol. nºs 15 e 16; Lami, 2ª ed.
nºs 13,14 e 15; Leroy, 6ª ed. nºs 348 a 366; Francoeur (Algebra), Methodo de Fourier – e
a composição do júri desse exame – Pereira Falcão (presidente), Souto Rodrigues (1º
arguente), Gonçalo Garrett (2º arguente), Rocha Peixoto (3º arguente) e Souza Pinto (4º
arguente) e ao exame pôde assistir toda a Faculdade. Nesse exame Woodhouse foi
aprovado por unanimidade, tendo-lhe sido concedido o diploma de «Bacharel
Formado»32, como consta do texto que reproduzimos a seguir33:
28 Livro de Actos e graus do Arquivo da Universidade de Coimbra, livro 9, p. 73. 29 Livro de Actos e graus do Arquivo da Universidade de Coimbra, livro 10, p. 88. 30 Livro de Actos e graus do Arquivo da Universidade de Coimbra, livro 10, p. 106v. 31 Livro de Actos e graus do Arquivo da Universidade de Coimbra, livro 10, p. 120. 32 Anuário da Universidade de Coimbra do ano lectivo de 1881/82, p. 114. 33 Livro de registo das Informações dos Doutores, Licenciados, e Bachareis Formados nas Faculdades
Academicas, pp. 135v-136.
13
Mathematica
Senhor.
Tendo-se procedido ao juizo das Informações na Faculdade de Mathematica, estabelecidas pela
Carta Regia de 3 de Junho de 1782, e do § 6º do artº 6º do Decreto de 25 de Novembro de 1839, e
em conformidade com o disposto no Decreto de 11 de Julho de 1871, sahiu o Bacharel Formado na
sobredita Faculdade, no presente anno lectivo de 1880 a 1881, votado com a qualificação seguinte:
Bacharel Formado.
Luiz Ignacio Woodhouse, filho de Roberto Guilherme Woodhouse, natural do Porto.
Em Merecimento Litterario, Muito Bom com dezanove valores.
Isto é o que resultou das conferencias e votos do Conselho da faculdade de Mathematica.
Vossa Magestade Mandará o que for do seu Real Agrado.
Da Universidade de Coimbra: Em Conselho de 14 de Julho de 1881. – Eu D. Duarte de Mareão
Velasques Sarmento Osorio, o subescrevi. – Visconde de Villa Maior. – Francisco Pereira de
Torres Coelho. – Luiz da Costa e Almeida. – José Joaquim Pereira Falcão. – João José d?antas Souto
Rodrigues. – Francisco Gomes Teixeira. – José Freire de Sousa Pinto.
Na mesma ocaisão foi-lhe, também, conferida a Carta de Formatura. Com esta
habilitação, Woodhouse podia requerer admissão às provas dos «Actos Grandes», que era
necessária para a obtenção do grau de Licenciatura, e que incluía, entre outros, a escrita
e defesa de uma tese34; mas o nosso biografado não a realizou.
Teria sido interessante examinar a pasta de quintanista de Luis Woodhouse que, de
acordo com Sarmento Beires35, a família de Woodhouse ofereceu à Faculdade de Ciências
do Porto, propondo que ela ficasse entregue ao Gabinete de Geometria da Secção de
Matemática. Mas diligências que fizemos para a encontrar, junto da Biblioteca da
Faculdade de Ciências e do Fundo Antigo, foram infrutíferas.
2.3. Prémios e distinções
Enquanto estudante da Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra, Luis
Woodhouse recebeu diversos prémios e distinções. Logo no final do primeiro ano, foi
distinguido entre os 65 alunos do curso com o diploma correspondente ao prémio
«acessit» relativo ao 1º ano na Faculdade de Matemática. O prémio foi-lhe atribuído na
Congregação de 19 de Julho de 1876 e recebido em 16 de Outubro desse ano36. Na mesma
34 Anuário da Universidade de Coimbra do ano lectivo de 1881/82, pp. 67-68. 35 Actas do Conselho Escolar de 20 de Novembro de 1936, p. 57. 36 Em Actas das Congregações da Faculdade de Matemática 1871-1886, p. 77v e Annuario da
Universidade de Coimbra do anno lectivo de 1876/77, p. 60.
14
cerimónia recebeu também o prémio «acessit» relativo à cadeira de Chimica mineral
(também referida como Chimica inorganica) do 1º ano de Filosofia, que lhe foi atribuído
na Congregação de 22 de Junho de 187637. No ano seguinte recebeu o «partido» referente
ao 2º ano do Curso de Matemática, que lhe foi atribuído na Congregação de 17 de Julho
de 1877 e o prémio «acessit» relativo à 3ª cadeira do curso de Filosofia38. Nesse mesmo
ano foi declarado «distincto» em Desenho do 2º ano do Curso de Matemática39. Em 1879,
obteve a classificação mais elevada (19 valores) do 3º ano da Faculdade de Matemática40,
que lhe deu a maior classificação, o prémio «1º partido», anunciado na Congregação de
24 de Julho de 187941. Nesse mesmo ano recebeu também o 1º prémio como aluno
voluntário da 5ª cadeira de Filosofia42. Em 1880 recebeu o 2º prémio como aluno
ordinário do 4º ano do Curso de Matemática e o prémio da cadeira de Mineralogia e
Geologia, do 5º ano da Faculdade de Filosofia, e foi «aluno distinto» de Botânica, cadeira
do 3º ano da mesma Faculdade43. Enquanto aluno do 5º ano do Curso de Matemática, em
1880/81, foi premiado na Congregação de 14 de Julho de 1881, recebendo o diploma em
16 de Outubro de 1881. Nas Actas da Congregação lê-se, sobre ele, a seguinte
informação: “Bacharel formado Luiz Ignacio Woodhouse – M. B. por 19 val.”44.
Deixamos aqui uma nota pessoal sobre a percepção que tivemos da dificuldade do
Curso Matemático de então, ao verificarmos que existiu uma redução drástica do número
de alunos que frequentou este curso em anos consecutivos: 65 alunos no 1º ano em
1875/76, e 25 no 2º ano em 1876/7745.
37 Em Actas das Congregações da Faculdade de Philosophia 1874-1889, p. 22, Annuario da Universidade
de Coimbra do anno lectivo de 1876/77, p. 61, respectivamente. 38 Em Actas das Congregações da Faculdade de Matemática 1871-1886, p. 86v, Actas das Congregações
da Faculdade de Philosophia 1874-1889, p. 32v, Annuario da Universidade de Coimbra do anno lectivo
de 1877/78, p. 66. O diploma foi entregue na sala dos grandes actos em 16 de Outubro de 1877 (Annuario
da Universidade de Coimbra do anno lectivo de 1877/78, p. 64). 39 Annuario da Universidade de Coimbra do anno lectivo de 1877-78, p. 71. 40 Em Actas das Congregações da Faculdade de Matemática 1871-1886, p. 101v e Annuario da
Universidade de Coimbra do anno lectivo de 1879/80, p. 48. 41 Em Actas das Congregações da Faculdade de Matemática 1871-1886, p. 101v e Annuario da
Universidade de Coimbra do anno lectivo de 1879/80, p. 43, respectivamente. 42 Em Actas das Congregações da Faculdade de Philosophia 1874-1889, p. 55, Annuario da Universidade
de Coimbra do anno lectivo de 1879/80, p. 44. 43 Em Actas das Congregações da Faculdade de Mathematica 1871-1886, de 8 de Julho de 1880, p. 109,
Em Actas das Congregações da Faculdade de Philosophia 1874-1889, pp. 67-67v, Annuario da
Universidade de Coimbra do anno lectivo de 1880/81, pp. 90, 91, 95. 44 Em Actas das Congregações da Faculdade de Mathematica 1871-1886, p. 112. Annuario da
Universidade de Coimbra de 1881/82, p. 114, respectivamente. 45 Annuario da Universidade de Coimbra de 1876/77, pp.148-154, e Annuario da Universidade de Coimbra
de 1877/78, pp. 155-157.
15
3. Actividade docente
Para reconstituir o percurso docente de Luis Woodhouse na Academia Politécnica
do Porto e na Universidade do Porto, no Instituto Industrial e Comercial do Porto e no
Instituto Superior de Comércio do Porto, socorremo-nos dos Anuários da Academia
Politécnica do Porto, das actas das sessões do Conselho Académico/Escolar e das folhas
de vencimento destas instituições, e ainda dos programas de cadeiras do Instituto
Industrial e Comercial do Porto. Também destes elementos lançámos mão no capítulo
seguinte (Cf. 4).
3.1. Na Academia Politécnica do Porto (1884-1910) e na Faculdade de
Ciências do Porto (1911-1927)
Em 13 de Novembro de 1883, Luis Woodhouse iniciou a sua actividade lectiva na
Academia Politécnica do Porto por convite do director interino da Faculdade, que então
era o Professor Francisco de Salles Gomes Cardoso. O convite ocorreu num contexto em
que havia falta de professores (a secção de Matemática tinha apenas dois), tendo sido
possível, pela portaria de 22 de Fevereiro de 1864, admitir pessoas idóneas que se
disponibilizassem para garantir a regência das cadeiras para as quais não havia
professor46. Esta circunstância atrasou o início do ano lectivo, tendo as aulas começado a
14 de Novembro. A Luis Woodhouse foi atribuída a 2ª cadeira constituída por Cálculo
diferencial e integral e por Geometria descritiva (2ª parte)47. Pudemos confirmar esta
situação pela folha de vencimentos correspondente ao mês de Novembro desse ano48.
No ano seguinte, em 5 de Junho, Luis Woodhouse foi nomeado por concurso
público lente proprietário da mesma cadeira, e tomou posse em 10 de Junho de 188449:
Egualmente por concurso publico foi nomeado lente proprietário da 2ª cadeira, cuja posse lhe foi
conferida em 10 de Junho de 1884 o snr. Luiz Ignacio Woodhouse, bacharel formado em
mathematica pela Universidade de Coimbra, onde foi sempre considerado quer pelos seus
professores de mathematica e filosofia, que o condecoraram com um sem-numero de premios e
46 Annuario da Academia Poltecnica do Porto 1884/85, p. 13. 47 Annuario da Academia Polytecnica do Porto 1883/84, p. 84. 48 A remuneração de Luis Woodhouse foi calculada com base em metade do ordenado de professor
proprietário e foi de 17475 reis (ilíquido), correspondentes a 18/30 da metade do valor do vencimento de
lente proprietário, como pagamento dos 18 dias que Luiz Woodhouse trabalhou nesse mês (Ver folhas de
vencimento correspondentes ao mês de Novembro de 1883). 49 Anuário da Academia Polytecnica do Porto de 1884/85, p.25.
16
distincções, quer pelos seus condiscipulos e comtemporaneos, entre os quaes gosava aura não vulgar
e muita justa.
A acta desse concurso ao qual foi o único candidato, «Acta do julgamento do único
candidato admittido ao concurso para provimento do logar de lente proprietario da 2ª
cadeira d’esta Academia», é muito curiosa, pois contém informação detalhada sobre o
modo como ele se efectuou; por essa razão, a transcrevemos na íntegra:
Aos cinco dias do mez de maio de mil oitocentos e oitenta e quatro, n’esta Academia Polytechnica
do Porto e sala das sessões do conselho academico, achando-se reunido – em seguida à execução
dos trabalhos practicos – o jury do concurso para provimento da segunda cadeira, o qual se compõe
dos lentes proprietarios – doutor Francisco de Salles Gomes Cardozo, director interino e presidente
do jury – Francisco da Silva Cardozo – conselheiro Adriano d’Abreu Cardozo Machado – o doutor
Adriano de Paiva de Faria Leite Brandão – doutor Jose Diogo Arroyo – Antonio Joaquim Ferreira
da Silva – Manoel da Terra Pereira Vianna – e os lentes substitutos – Guilherme Antonio Corrêa –
e Antonio Alexandre Oliveira Lobo – (tendo faltado o vogal Rodrigo de Mello e Castro de Aboim,
que falleceo em oito de outubro do ultimo anno, e os vogaes – Jose Joaquim Rodrigues de Freitas,
por incommodo de saude, Joaquim d’Azevedo Souza Vieira da Silva Albuquerque, por se haver
dado de suspeito e jurado a suspeição, e o Doutor Wenceslau de Sousa Pereira Lima por se achar
em serviço nas côrtes) – e, havendo-se distribuido a cada um dos membros do jury duas espheras –
sendo uma branca e outra preta – procedeo o mesmo jury á votação em duas urnas por escrutinio
secreto sobre o merecimento litterario do único candidato admittido ao concurso, Luiz Ignacio
Woodhouse, lançando-se na urna, que tinha o nome do candidato, as espheras que exprimiam o juizo
da votação, e na outra as espheras inutilizadas. E passando os dois membros do jury mais antigos –
Silva Cardozo e Adriano Machado, servindo de escrutinadores, a abrir as sobredictas urnas na
presença dos jury, acharam – que na urna, que continha as espheras que exprimiam o juizo da
votação, estavam nove espheras brancas e na outra nove espheras pretas, ficando assim admittido ao
magisterio por unanimidade o referido candidato Luiz Ignacio Woodhouse. E para constar se lavrou
esta acta, que vai ser assignada pelos nove membros do jury, que se achavam presentes e por mim
Bento Vieira Ferraz d’Araujo, que a escrevi. 50
Da leitura desta acta conclui-se que Luis Woodhouse foi aprovado por
unanimidade. Nesse ano, possivelmente por comodidade de serviço, Woodhouse regeu
duas outras cadeiras, a 1ª e a 5ª, cujos conteúdos eram os seguintes: 1ª cadeira – 1ª parte:
Geometria analítica no plano e no espaço; trigonometria esférica; álgebra superior. 2ª
parte: Geometria descritiva (1ª parte); 5ª cadeira: Astronomia, geodesia e navegação.
50 Livro de actas da votação de mérito absoluto: Academia Politécnica e Faculdade de Ciências [1855 a
1926], f. 15r.
17
Em Março de 1885, Wenceslau de Lima, então lente substituto na Academia
Politécnica do Porto apresentou um projecto de lei de reorganização da Academia, que
foi aprovado pelo Parlamento, tornando-se lei em 21 de Julho desse ano. O relatório da
comissão académica encarregada dos programas dos cursos legais da Academia explica
a importância desta reforma, apontando os principais defeitos existentes na organização
anterior. Entre eles, sublinhamos «(…) o acumular na mesma escóla e nas mesmas aulas
todo o ensino industrial, desde a instrucção elementar do simples artista até ao alto
ensino de engenheria nos seus diversos ramos.»51. No que toca ao plano de estudos, e
focando-nos nas cadeiras que Luis Woodhouse tinha ministrado, ou viria a ministrar,
observamos que a geometria descritiva deixou de fazer parte da 1ª cadeira, sendo criada
a 4ª cadeira dedicada a este assunto; a 2ª cadeira manteve apenas o cálculo diferencial e
integral, e a 5ª cadeira passou a incluir a topografia52.
Luis Woodhouse passou a lente proprietário da 1ª cadeira em 23 Setembro de 1885,
mantendo-se nela durante toda a vigência da Academia Politécnica do Porto53.
Cumulativamente, foi nomeado lente interino da 5ª cadeira54, que leccionou nos anos de
1884/85 a 1887/88 (inclusive)55.
A lista de livros adoptados para as cadeiras leccionadas por Luis Woodhouse,
enquanto professor na Academia Politécnica, dá ideia do nível científico das disciplinas
leccionadas, e mostra o interesse na consulta de bibliografia mais recente; por isso a
incluímos a seguir56.
Livros adoptados para as cadeiras leccionadas por Luis Woodhouse
Ano 1ª cadeira 5ª cadeira
1884/85 Francoeur. Geometria analytica no plano e no espaço.
Algebra superior e Trigonometria espherica (ultima ed. de
Coimbra)
Faye (H.) Cours d’Astronomie de
l’École Polytechnique. 1ª parte.
1885/86 Francoeur. Geometria analytica no plano e no espaço.
Algebra superior e Trigonometria espherica (ultima ed. de
Coimbra)
Gomes Teixeira (F.) Fragmentos de um Curso de Analyse
Infinitesimal (em publicação)
Faye (H.) Cours d’Astronomie de
l’École Polytechnique. 1ª parte.
51 Anuário da Academia Polytecnica do Porto de 1885/86, pp. 223-232. 52 Anuário da Academia Polytecnica do Porto de 1885/86, pp. 53- 132. 53 Anuário da Academia Polytecnica do Porto de 1909/1910, pp. 7 e 15. 54 Anuário da Academia Polytecnica do Porto de 1885/86, p. 45. 55 Sucedeu-lhe, nessa cadeira, Duarte Leite Pereira da Silva Anuário da Academia Polytecnica do Porto de
1886/87, p. 17; Anuário da Academia Polytecnica do Porto de 1887/88, p. 24. 56 Dados obtidos nos Anuários da Academia Polytecnica do Porto dos respectivos anos.
18
1886/87 Gomes Teixeira (F.) Introducção à theoria das funcções Faye (H.) Cours d’Astronomie de
l’École Polytechnique. 1ª parte
Habets. Topographie
Calheiros. Apontamentos de
Geodesia
1887/88 Gomes Teixeira (F.) Introducção à theoria das funcções.
Carnoy. Curso de geometria analytica
Faye (H.) Cours d’Astronomie de
l’École Polytechnique. 2 vol.
1881-1883
Habets. Topographie
Calheiros. Apontamentos de
Geodesia
1888/89 Gomes Teixeira (F.) Introducção à theoria das funcções.
Carnoy. Curso de geometria analytica
(a)
1889/90 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, (Introdução). Porto
1887.
Carnoy. Curso de geometria analytica
(a)
1890/91 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1. Porto 1890.
Carnoy. Curso de geometria analytica
(a)
1891/92 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (2ª ed.) 1890.
Carnoy. Curso de geometria analytica
(a)
1892/93
1893/94
1894/95
1895/96
1896/97
Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (2ª ed.) 1890.
Carnoy. Cours de Géométrie analytique, 3eme ed. Louvain,
1881.
(a)
1896/97
1897/98
1898/99
Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (3ª ed.) 1896.
Carnoy. Cours de Géométrie analytique, 3eme ed. Louvain,
1881.
(a)
1899/00 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (3ª ed.) 1896.
Carnoy. Cours de Géométrie analytique, dern. ed.
Petersen. Théorie des équations – trad. de Laurin.
(a)
1900/01 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (3ª ed.) 1896.
Carnoy. Cours de Géométrie analytique, dern. ed.
Petersen. Théorie des équations – trad. de Laurin.
(a)
1901/02 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (3ª ed.) 1896.
Carnoy. Cours de Géométrie analytique, dern. ed.
Petersen. Théorie des équations – trad. de Laurin.
(a)
1902/03 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (3ª ed.) 1896.
Petersen. Théorie des équations – trad. de Laurin.
(a)
1903/04 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (3ª ed.) 1896.
Petersen. Théorie des équations – trad. de Laurin.
(a)
1904/05 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (3ª ed.) 1896.
Carnoy. Géométrie.
Petersen. Théorie des équations – trad. de Laurin.
(a)
1905/06 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (3ª ed.) 1896.
Carnoy. Géométrie.
Petersen. Théorie des équations – trad. de Laurin.
(a)
1906/07 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (4ª ed.) 1906.
Petersen. Théorie des équations – trad. de Laurin.
(a)
1907/08 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (4ª ed.) 1906.
Petersen. Théorie des équations – trad. de Laurin.
(a)
1908/09 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (4ª ed.) 1906.
Petersen. Théorie des équations – trad. de Laurin.
Briot et Bouquet. Géométrie Analytique (19ª ed.) Paris,
Delagrave.
(a)
1909/10 Gomes Teixeira (F.) Curso d’analyse, t. 1 (4ª ed.) 1906.
Petersen. Théorie des équations – trad. de Laurin.
Briot et Bouquet. Géométrie Analytique (19ª ed.) Paris,
Delagrave.
(a)
19
1910/11 Não encontrámos registo.
(a) Luis Woodhouse não regeu esta cadeira
Chamamos a atenção para o facto de:
– em 1885 ser já indicado como leitura o Curso de Gomes Teixeira, ainda em
publicação nos Anuários da Academia Politécnica, quando na Universidade de Coimbra
se usava apenas o Compêndio de Francoeur, e um pequeno aditamento à álgebra superior
de Francoeur (apenas quatro folhas), feito por Souto Rodtrigues57;
– em 1887/88 ser adoptado o Curso de geometria analytica de Carnoy58, que só
no ano seguinte seria adoptado na Universidade de Coimbra59;
– na bibliografia indicada constar o livro Géométrie Analytique de Briot et
Bouquet. Julgamos que este livro corresponde ao indicado por Luis Woodhouse na sessão
do Conselho Académico de 30 Julho de 1908, onde se lê60:
Sendo presente a lista dos livros adoptados nas diversas cadeiras para o ano lectivo de 1908-1909,
foi aprovado, pedindo Woodhouse e Arroyo para oportunamente indicarem um novo livro para as
suas aulas.
À data de nomeação de Luis Woodhouse para lente da 1ª cadeira, Geometria
Analytica; algebra superior; trigonometria espherica, o programa em vigor era o
seguinte61:
ÁLGEBRA. Primeira parte: 1. Determinantes – Noções preliminares. Disposição par, disposição
impar. Permutação de dois elementos. Permutação circular. Definição de determinante. Notação.
Ordem do determinante. Termo principal. Propriedades gerais dos determinantes. Determinantes
menores. Desenvolvimento dos determinantes. Regra de Sarrus. Calculo dos determinantes.
Resolução das equações do primeiro grau a muitas incógnitas. Multiplicação de determinantes. 2.
Generalização da noção de quantidade – Quantidades aritmeticas. Propriedades combinatórias das
operações da aritmética. Introdução da ideia de direcção no símbolo representativo da grandeza.
Quantidades algébricas reais. Quantidades geométricas. Módulo e argumento. Definição das
operações geométricas. Verificação das propriedades combinatórias das operações da aritmética.
57 Annuario da Universidade de Coimbra de 1885/86, p. 39. 58 A título de curiosidade, referimos que a edição inglesa deste livro foi reeditada em 2011. 59 Annuario da Universidade de Coimbra de 1887/88, p. 143 e Annuario da Universidade de Coimbra de
1888/89, p. 135. 60 Acta do Conselho Académico de 30 de Julho de 1908, em Actas das Sessões do Conselho Academico de
1907 a 15 de fevº de 1921, p. 4. 61 Anuario da Academia Polytecnica de 1885/86, pp. 53-56.
20
Quantidades imaginárias. Interpretação geométrica de √−1. Notação algébrica e trigonométrica das
quantidades imaginárias. Operações sobre imaginários. Fórmula de Moivre. Raízes da unidade. 3.
Séries. Produtos infinitos. Fracções contínuas. Séries convergentes e divergentes. Séries de termos
reais. Regras de convergência. Séries de termos imaginários. Convergência. Produtos infinitos.
Condições de convergência. Limite de (1 +1
𝑛)𝑛, quando n cresce indefinidamente. Fracções
contínuas. Definição. Transformação da fracção em série. Estudo do caso em que os numeradores
das fracções integrantes são iguais à unidade. 4. Principios gerais da teoria das funções.
Continuidade das funções. Descontinuidade de primeira e segunda espécie. Teoremas sobre
continuidade. Funções algébricas. Funções inteiras. Fórmula de Taylor. Formação das derivadas.
Derivada de um produto. Decomposição da função em factores binómios (1). Funções racionais
fraccionárias. Sua decomposição. Funções transcendentes. Exponenciais. Funções circulares.
Logaritmos. Periodicidade nas funções circulares. Segunda parte. Teoria geral das equações –
Teorema fundamental da teoria das equações. Existência de n raízes. Raízes imaginárias conjugadas
na equação de coeficientes reais. Decomposição de um polinómio real em factores reais do primeiro
e segundo grau. Relações entre os coeficientes e as raízes, Transformação das equações. Raízes
iguais. 6. Separação das raízes das equações numéricas – Limites das raízes de uma equação de
coeficientes reais. Teorema sobre a mudança de sinal de 𝑓(𝑥)
𝑓′(𝑥), quando 𝑓(𝑥) passa por zero. Teorema
relativo à substituição da variável por dois números. Corolários. Terorema de Descartes. Teorema
de Rolle. Teorema de Sturm. Aplicação à determinação das condições de realidade de uma equação
de grau dado. Teorema de Cauchy sobre o número de raízes reais ou imaginárias dentro de um dado
contorno. Separação das raízes reais das equções numéricas pelo método de Lagrange, e aplicação
do teorema de Sturm. 7. Cálculo das raízes – Raízes comensuráveis. Raízes incomensuráveis.
Método de aproximação de Newton e Fourier. 8. Eliminação – Método do máximo divisor comum.
Método de Euler. Método de Bezout e Cauchy. Aplicação ao cálculo das raízes imaginárias.
Abaixamento das equações. 9. Funções simétricas – Funções simétricas. Método de eliminação
fundado nas funções simétricas. 10. Resolução algébrica das equações – Considerções gerais.
Equação do terceiro grau. Equação do quarto grau.
GEOMETRIA ANALÍTICA. Primeira parte: 1. Trigonometria esférica – Fórmulas fundamentais.
Resolução dos triângulos. Segunda parte: 2. Ponto. Linha recta – Ponto. Oordenadas cartesianas.
Coordenadas polares. Distância entre dois pontos. Transformação de coordenadas. Equação de uma
linha. Equação da linha recta. A equação do primeiro grau representa uma recta. Diferentes formas
da equação da linha recta. Equação da recta que passa por dois pontos. Condição para que tres pontos
estejam em linha recta. Angulo de duas rectas. Condições de paralelismo e perpendicularidade.
Intersecção de duas rectas. Condição para que três rectas sejam concorrentes. Equação de uma recta
que passa pela intersecção de outras duas. Distancia de um ponto a uma recta. Equação do grau
superior ao primeiro. Generalidades sobre equações que se decompõem em factores. 3. Círculo –
Equação do círculo. Diferentes formas. Círculo que passa por três pontos. Equação do segundo grau
que representa um círculo. Determinação do raio e coordenadas do centro. 4. Parábola – Definição.
Sua equação. Algumas propriedades. Transformação de coordenadas. Equação em coordenadas
polares. 5. Elipse – Definição. Sua equação referida ao centro e eixos. Algumas propriedades.
21
Transformação de coordenadas. Equação da curva em coordenadas polares. 6. Hipérbole –
Definição. Equação referida ao centro e eixos. Algumas propriedades, Transformação de
coordenadas. Equação da curva em coordenadas polares. Definição destas curvas pela relação das
distâncias dos seus pontos a um ponto e a uma recta. Equação geral. 7. Das tangentes – Tangentes
em geral. Tangente e normal ao circulo. Tangente tirada por um ponto exterior. Corda dos contactos.
Polo e polar. Tangente e normal à parábola. Subtangente e subnormal. Diferentes propriedades.
Cordas suplementares. Polo e polar. 8. Assímptotas – Assímptota da hipérbole. Equação da curva
referida às assímptotas. 9. Centros e diametros – Teoria dos centros e diâmetros na parábola, na
elipse e na hipérbole. Diâmetros conjugados. Equações da elipse e hipérbole referidas aos diâmetros
conjugados. Relação com as cordas suplementares. Equação da parábola referida a eixos
conjugados. 10. Discussão da equação geral do 2º grau a duas variáveis. Terceira parte: 11. Ponto.
Recta. Plano – Coordenadas do pontono espaço. Distºancia entre dois pontos. Coordenadas polares
de um ponto. Transformação de coordenadas. Superfícies e linhas. Equações da recta e do plano.
Problemas sobre a recta e o plano. 12. Superficies cilíndricas, cónicas e de revolução. 13. Discussão
da equação geral do 2º grau a três variáveis.
Este programa anual, que devia ser leccionado em 3 lições semanais de duas horas
cada, e duas horas semanais de exercícios62, parece-nos bastante ambicioso. No entanto,
para podermos consolidar esta ideia precisávamos de saber que exercícios se resolviam
nas aulas práticas e qual a exigência feita nos exames, material que não conseguimos
obter no espólio da Universidade do Porto, nem junto da família.
Entre os anos de 1885 e 1911 houve duas alterações importantes nos cursos
ministrados na Academia. Uma diz respeito à extinção do Curso de Comércio, em 1897,
por decreto de 8 de Outubro de 189763. A supressão deste curso já tinha sido pedida ao
rei, pelo Conselho Académico, em 189064, pois existia, desde 1886, um Curso Superior
de Comércio no Instituto Industrial do Porto. A outra é relativa à criação do Curso Geral
de Ciências. De facto, em parecer sobre a Reforma dos Estudos Superiores, enviado ao
Governo em 4 de Julho de 1899, e por ele solicitado, o Conselho Académico era de
opinião que a Academia devia oferecer um Curso Geral de Ciências, destinado à
preparação de docentes para o magistério secundário. Propunha-se que a duração do curso
fosse de cinco anos, e que incluísse as cadeiras denominadas Síntese das matemáticas
elementares e Síntese da filosofia natural. O curso era assim estruturado65:
62 Anuário da Academia Polytecnica do Porto de 1885/86, p. 133. 63 Anuário da Academia Polytecnica do Porto de 1897/98, p. 145. 64 Anuário da Academia Polytecnica do Porto de 1890/91, pp. 158-160. 65 Anuário da Academia Politécnica do Porto de 1899/1900, pp. 189-190 e 192.
22
1º ano: Álgebra superior, geometria analítica, trigonometria esférica; Química
inorgânica; Desenho;
2º ano: Cálculo infinitesimal; Física (1ª parte); Química analítica; Desenho;
3º ano: Mecânica racional; Física (2ª parte); Economia política; Desenho;
4º ano: Astronomia e geodesia; Geometria descritiva e estereotomia; Mineralogia e
geologia (1ª parte); Desenho;
5º ano: Zoologia; Botânica; Síntese das matemáticas elementares; Síntese da
filosofia natural.
A introdução das cadeiras Síntese das matemáticas elementares e Síntese da
filosofia natural traduzia a preocupação da Academia Politécnica com a formação
científica de futuros professores dos liceus e indiciava a necessidade de aproximar essa
formação daquela que já existia em algumas universidades estrangeiras66.
Não sabemos quais as razões para que este Curso Geral de Ciências não tenha
sido, nesta versão, instituído na Academia Politécnica, mas pudemos observar que não
houve unanimidade no Conselho Académico face a esta proposta. De facto, enquanto
alguns professores, entre os quais Luis Woodhouse e Gomes Teixeira, defendiam que o
curso devia ser ministrado na Academia Politécnica, outros achavam que a Academia
devia dedicar-se apenas ao ensino técnico.
Em 3 de Outubro de 1902 foi criado o Curso de habilitação para o magistério de
matemáticas, ciências físico-químicas, histórico-naturais e desenho, cuja componente
científica (os três primeiros anos) era dada na Academia Politécnica, e cuja parte
pedagógica (o quarto ano) ficava ao cuidado do Curso Superior de Letras. A estrutura do
Curso de habilitação para o magistério era a seguinte:
1º ano: Álgebra superior, geometria analítica, trigonometria esférica; Geometria
descritiva (1ª parte); Química inorgânica; Desenho;
2º ano: Cálculo diferencial e integral, cálculo das diferenças e das variações; Física;
Química orgânica e analítica; Desenho;
3º ano: Física (2ª parte); Mineralogia; Botânica; Zoologia; Desenho;
4º ano: Psicologia e lógica; Pedagogia do ensino secundário; História da pedagogia
e da Metodologia do ensino secundário a partir do século XVI em diante.
66 Anuário da Academia Politécnica do Porto de 1899/1900, pp. 189-190 e 192.
23
A cadeira de Física, ministrada no 3º ano, foi substituída, em 1905, pela cadeira de
Física-matemática (19ª), criada por decreto de 2 de Setembro de 190167.
Como se observa, o peso das disciplinas científicas no Curso de habilitação para o
magistério de matemáticas, ciências físico-químicas, histórico-naturais e desenho é
menor do que o proposto anteriormente para o Curso Geral de Ciências, e, em
contrapartida, privilegia a componente pedagógica.
O interesse que Luis Woodhouse sempre mostrou pela preparação dos alunos do
ensino secundário foi reconhecido pelos seus pares. Na reunião do Conselho Académico
de 5 de Março de 1909, Woodhouse foi nomeado para integrar a comissão encarregue de
elaborar pareceres sobre os programas vigentes do ensino secundário e sugerir as
modificações necessárias, a enviar à Direcção Geral de Instrução Pública68. Este assunto,
bem como a discussão sobre a reforma do Ensino das Matemáticas elementares e
superiores, estava a nível internacional na ordem do dia. No Congresso Internacional de
Matemática, que decorrera em Roma, em 190869, Gomes Teixeira fora nomeado para
integrar a secção IV, que constituía a «International Commission on the Teaching of
Mathematics»70. Os membros desta comissão encarregar-se-iam de recolher os pareceres
sobre o ensino da matemática, dos diferentes estabelecimentos dos seus países, pareceres
esses que seriam apresentados no Congresso Internacional de matemáticos, em
Cambridge em 1912. Para a elaboração deste parecer o Conselho Académico indicou uma
comissão constituída por Gomes Teixeira, Luis Woodhouse e Alves Bonifácio. Pudemos
verificar que Gomes Teixeira esteve presente no Congresso de Cambridge, mas não
encontrámos referência à sua intervenção71, nem o relatório da comissão portuguesa, que
ficou atrasado devido à execução de reformas em curso no campo do ensino em
Portugal72. Esse interesse pelo ensino manteve-se ao longo dos anos, e ainda em 1923
67 Anuário da Academia Politécnica do Porto de 1905/1906, pp. 24-25. 68 Acta do Conselho Académico de 5 de Março de 1909, em Livro de Actas das Sessões do Conselho
Académico de Novembro de 1907 a 15 de Fevereiro de 1921, p. 9v. 69 Por lapso, em Actas do Conselho Académico é indicada a data de 1907. 70 Proceedings of the International Congress of Mathematician, 19013, p.38. 71 O mesmo refere [Vilhena, 1936, p. 129]. 72 Na secção Presentation des Publications du Comité Central er des Sous-commissions nationales.
«Portugal. – M. G. Teixeira, délégué, espère pouvoiur publier bientôt les rapports portugais. Il explique le
retard apporté dans la publication par le fait que le Gouvernement provisoire de la République a décrété des
reformes a été mise à exécution, l’autre entrera en vigueur avec la nouvelle année scolaire. Jusqu’a présent
les affaires concernat l’instruction primaire, secondaire et supérieure dépendaient du Ministre de l’interieur,
24
Luis Woodhouse foi escolhido para integrar uma comissão destinada a elaborar a resposta
a um questionário relativo ao ensino secundário, enviado pelo ministro da instrução73.
Como se sabe, em Outubro de 1910 foi proclamada a República. Uma consequência
importante desta modificação foi a reforma do ensino. No que respeita ao ensino superior,
esta reforma não só remodelou a velha Universidade de Coimbra, como criou, também,
as Universidades do Porto e de Lisboa, confiando-lhes as mesmas funções da
universidade já existente, e concedendo-lhes autonomia pedagógica e administrativa.
De acordo com o Governo Provisório da República, o Decreto de 19 de Abril de
1911, artº 1º estabelecia a criação das novas universidades e a remodelação da antiga,
tendo em vista:
(…) fazer progredir a sciência, pelo trabalho dos seus mestres, iniciar um escol de estudantes – nos
métodos de descoberta e investigação científica … Ministrar o ensino geral da sciências e das suas
aplicações, dando a preparação indispensável às carreiras que exigem uma habilitação científica e
técnica. (…) ppromover o estudo metódico dos problemas nacionais e difundir a alta cultura na
massa da Nação (…)
A Academia Politécnica do Porto e a Escola Médico-Cirúrgica deram origem à
Faculdade de Ciências e de Medicina, respectivamente, passando a constituir a
Universidade do Porto, cuja inauguração teve lugar na sala da Biblioteca da Faculdade de
Ciências, a 16 de Julho de 1911.
Na nova organização, a Faculdade de Ciências tinha três secções: a 1ª - Ciências
Matemáticas, a 2ª - Ciências Físico-Químicas, e a 3ª - Ciências Histórico-Naturais. Para
o que aqui nos interessa, observamos que a Secção de Ciências Matemáticas estava
dividida em dois grupos – o primeiro designado Análise e Geometria, e o segundo
Mecânica e Astronomia – que mais tarde deram origem aos grupos de Matemática Pura
e de Matemática Aplicada74.
tandis que les écoles spéciales dépendaient du Ministère des travaux publics. Le Gouvernement vient de
présenter aus Chambres un rapport de loi en vue de créer un ministère de l’instruction publique. On attend
que ce projet soit aprouve pour compléter les règlements necessaires à l’e´xecution des reformes décidées
par le Gouvernement provisoire. Dans les conditions il était préférable de retarder la publication des
rapports portugais.» Em L'Enseignement Mathématique, vol. 14, 1912, pp. 491-492. 73 Acta do Conselho Escolar de 3 de Março de 1923, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 40v. 74 [Silva, 1995, p. 38].
25
Na transição da Academia Politécnica do Porto para a Faculdade de Ciências do
Porto, Luis Woodhouse passou a ser «professor ordinário» do 1º grupo da 1ª secção. E
em sessão de 30 de Novembro de 1918 foi-lhe conferido o grau de «doutor em Sciencias
Mathematicas» pelo Conselho Escolar, por proposta do director da faculdade. Esta
proposta tinha como suporte legal o decreto 4554 de 6 de Julho de 1918 (artº 96) e a lei
616 de 19 de Junho de 1916 (artº 16); esta última reconhecia às Faculdades das três
Universidades o direito de conferirem o grau de doutor aos professores ordinários e ainda
aos professores extraordinários com três anos de serviço, que pertencessem ao seu corpo
docente, e não possuíssem este grau académico. Esta possibilidade era ainda estendida a
outras individualidades que as universidades considerassem dignas dessa distinção. Sobre
a atribuição do grau de doutor a Luis Woodhouse, pode ler-se o seguinte75:
O snr. Director propõe que, em face das disposições do § unico do art.º 96 do Estatuto Universitario,
seja conferido o grau de doutor aos seguintes professores ordinarios da Faculdade que não possuem
esse grau academico: Em sciencias matematicas- Luis Inacio Woodhouse (…)
Não temos uma informação completa sobre as cadeiras de que Luis Woodhouse foi
regente, uma vez que os Anuários da Faculdade de Ciências, onde ela deveria ser
disponibilizada, deixaram de ser publicados a partir de 1918; e mesmo para anos
anteriores existem lacunas. Alguma informação adicional conseguimo-la nas actas das
sessões do Conselho Escolar, e nas folhas de vencimento dos anos de 1921-22, e de 1922
em diante. Com base nestes documentos podemos afirmar que desde 1885 (ainda no
tempo da Academia Politécnica) até meados de Dezembro de 1926, quando por motivo
de doença foi substituído por José Alves Bonifácio76, Woodhouse regeu a cadeira de
Álgebra superior, Geometria analítica e Trigonometria esférica. No Anuário de 1911/12,
onde se indicam os professores e assistentes da Faculdade de Ciências77, é referido que
Luis Woodhouse «rege os cursos de Álgebra Superior e Mecânica Celeste». No entanto,
observámos que nesse mesmo ano regeu, também, a cadeira de Astronomia e Geodésia.
No ano seguinte leccionou as mesmas cadeiras78. Em 1917/18 acumulou a regência de
75 Acta do Conselho Académico de 30 de Novembro de 1918, em Actas das Sessões do Conselho
Academico de 1907 a 15 de fevº de 1921, p.163. 76 Conclusão decorrente do facto de Luis Woodhouse ter faltado a todas as sessões do Conselho Escolar a
partir da sessão de 24 de Novembro de 1926. Acta do Conselho Escolar de Dezembro de 1926 e seguintes. 77 Anuário da Faculdade de Sciências do Porto de 1911-1912 a 1913-1914, p. 49. 78 Anuário da Faculdade de Sciências do Porto de 1911-1912 a 1913-1914, p. 64.
26
Álgebra Superior com Mecânica Celeste e Cálculo das Probabilidades79. No quadro
abaixo (quadro 3) apresentamos um resumo onde consta a informação que conseguimos
obter sobre as cadeiras leccionadas por Luis Woodhouse, na Faculdade de Ciências do
Porto.
Ano Álgebra Superior,
Geometria Analítica e
Trigonometria esférica
Astronomia e
Geodésia
Mecânica Celeste Cálculo das
Probabilidades
1911/1280 X X X -
1912/1381 X X X -
1913/1482 X - X X
1914/15 X
1915/16 X
1916/17 X
1917/1883 X X X
1918/19 X
1919/20 X
1920/21 X
1921/2284 X - X -
1922/2385 X - - -
1923/24 X - - -
1924/25 X - - X86
1925/26 X - - -
1926/27 X - - -
Quadro 3: cadeiras leccionadas por Luis Woodhouse entre 1911 e 1926. Os espaços em branco
significam que não dispomos de informação, enquanto os traços indicam que não leccionou a cadeira.
Luis Woodhouse foi adaptando gradualmente o programa da cadeira de Álgebra
superior, Geometria analítica e Trigonometria esférica, que regeu durante mais de 30
anos, às exigências do ensino da época87. Além disso, ciente de que um ano lectivo era
insuficiente para leccionar as matérias que achava essenciais, propôs ao Conselho
Escolar, em 1922, que essa disciplina fosse desdobrada. Como a sua proposta não foi
aceite, ele tomou a iniciativa de abrir um curso complementar de álgebra, pela qual
recebeu do Conselho um voto de louvor. Assim atestam as palavras proferidas por
Ferreira da Silva, então presidente do Conselho Escolar88:
79 Anuário da Faculdade de Sciências do Porto de 1911-1912 a 1913-1914, p. 43 80 Anuário da Faculdade de Sciências do Porto de 1911-1912 a 1913-1914, p. 49 81 Anuário da Faculdade de Sciências do Porto de 1911-1912 a 1913-1914, p. 64 82 Anuário da Faculdade de Sciências do Porto de 1911-1912 a 1913-1914, p. 64 83 Anuário da Faculdade de Sciências do Porto de 1911-1912 a 1913-1914, p. 43 84 Folhas de vencimento do ano económico de 1921-22. 85 Folhas de vencimento do ano económico de Outubro de 1922 em diante. 86 O Pôrto e a sua Universidade. I Centenário da Faculdade de Medicina do Pôrto, MDCCCXXV-
MCMXXV. Porto, 1925, p. 117 87 [Carvalho, 1934, p. 196]. 88 Acta do Conselho Escolar de 24 de Fevereiro de 1922, e em Actas do Conselho Escolar da Faculdade
de Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 19.
27
O Sr. Presidente anuncia que o Sr. Prof. Woodhouse resolveu abrir um curso complementar de
Algebra, propondo o que é aprovado por aclamação, um voto de louvor ao referido Professor, o qual
agradece expondo o seu programa.
De acordo com a citação acima, fica-se a saber que Luis Woodhouse deu a conhecer
o programa do seu curso complementar de álgebra, mas as consultas que fizemos, não
nos permitiram encontrá-lo; em particular, não existe na acta referida. Apesar da
importância que Luis Woodhouse atribuía a esse curso, decidiu interrompê-lo após
algumas lições, por se ter apercebido do desinteresse dos estudantes do 1º ano pelas
matérias lecionadas. Sobre este assunto, Scipião de Carvalho diz o seguinte89:
Freqüentaram essas aulas antigos discípulos e a maior parte dos alunos ordinários, mas o Doutor
Woodhouse não as levou até ao fim, talvez porque não viu da parte de muitos o interêsse que sonhara
e pensou por ventura que os estudantes do 1º ano iam ouvi-lo mais por atenção pessoal do que por
ambição de saber.
Além da leccionação das aulas, Luis Woodhouse também se ocupou de outros
assuntos relacionados com a actividade docente. Todos eles tinham como faceta comum
a melhoria do ensino, em particular no Porto, nos seus aspectos organizativos e
curriculares, quer a nível superior, quer a nível médio e secundário. Testemunho disso
são as suas intervenções em reuniões dos Conselhos Académicos/Escolares e a sua
participação em comissões onde se elaboravam pareceres, programas e currículos.
Por mais de uma vez Luis Woodhouse questionou directivas do governo para o
ensino, apresentando nos órgãos competentes propostas alternativas, geralmente aceites
pelos seus pares. Foi esse o caso da moção que apresentou na sessão do Senado de 10 de
Dezembro de 1915, onde sobre as faltas dos alunos criticava o decreto nº 172590, emitindo
a opinião de que «as disposições nele consignadas podem sem maior prejuízo ser
abolidas».
Na sessão do Conselho Académico de 8 de Dezembro de 191391 ocorreu um
episódio curioso, que passamos a relatar. Os alunos de engenharia tinham, então, iniciado
89 [Carvalho, 1934, p. 196]. 90 Trata-se do Decreto 1725, de 8 de Julho de 1915, que manda aplicar o decreto nº 860, de 12 de Setembro
de 1914 (Anuários da Faculdade de Sciencias da Universidade do Porto de 1911/1912-1913/1914, p. 463)] 91 Acta do Conselho Académico de 8 de Dezembro de 1913, em Actas das Sessões do Conselho Academico
de 1907 a 15 de fevº de 1921, p.85.
28
um movimento para a reorganização dos cursos de engenharia anexos à Faculdade de
Ciências, e pretendiam envolver a Câmara Municipal do Porto e diversas corporações da
cidade nesse propósito. Cientes da importância do apoio da Faculdade de Ciências,
dirigiram-se à direcção a solicitá-lo. O Conselho congratulou-se com a atitude dos alunos,
e Luis Woodhouse mostrou-se interessado pelo assunto. Foi ele quem formulou o pedido
a Gomes Teixeira para, na sua qualidade de reitor, levar a questão ao Senado, fazendo
seguir para as entidades superiores uma proposta de reorganização dos referidos cursos.
Com a lei orçamental nº 410 de 31 de Agosto de 1915, publicada em 9 de Setembro
de 1915, são lançadas as bases para a criação da Faculdade Técnica da universidade do
Porto. De acordo com o seu primeiro plano de estudos, sancionado pelo decreto n.º 2103,
de 25 de Novembro desse ano, nela seriam professados os cursos especializados
engenharia civil, engenharia de minas, engenharia mecânica, engenharia electrotécnica e
engenharia química e industrial. Cada um deles tinha a duração de 3 anos, sendo também
de 3 anos curso preparatório de admissão a esta faculdade ministrado em qualquer uma
das Faculdades de Ciências do país92.
Há diversos episódios, que damos a título de exemplo, que atestam o empenho de
Luis Woodouse em assuntos que envolviam a Faculdade Técnica. Um deles diz respeito
ao convite que lhe dirigiu o respectivo director para ser ele a fazer a análise da obra
matemática de Gomes Teixeira, a apresentar na sessão de homenagem que a Faculdade
Técnica estava a organizar. Este convite está documentado na acta da sessão do Conselho
Escolar da Faculdade Técnica, de 10 de Maio de 192293.
Outro episódio está relacionado com a partilha do material (instrumentos e livros)
e, até, com a distribuição das salas, entre a Faculdade Técnica e a Faculdade de Ciências.
Se é certo que Luis Woodhouse estava bem inteirado dos assuntos relativos à Faculdade
de Ciências, é também muito provável que o mesmo acontecesse com as outras faculdades
da Universidade do Porto, nomeadamente com a Faculdade Técnica. Aliás, como director
da Faculdade de Ciências, foi convidado para estar presente na sessão do Conselho
92 O Pôrto e a sua Universidade. I Centenário da Faculdade de Medicina do Pôrto, MDCCCXXV-
MCMXXV. Porto, 1925, pp. 165, 168. 93 Em FTUP-Livro de Actas do Conselho Escolar 1915-1922, p. 198. Agradecemos ao Dr. Jorge Pópulo as
informações prestadas e os documentos disponibilizados.
29
Escolar da Faculdade Técnica, onde se discutiram assuntos relacionados com a aquisição
de equipamento94. Notamos, a propósito, que na acta da sessão do Conselho Escolar de 8
de Agosto de 1921 (p. 5v) foi analisado o pedido da Faculdade Técnica para que fossem
entregues a essa mesma faculdade os livros e tratados de engenharia. Este assunto levou
a um processo que não foi pacífico entre estas duas instituições. Já na reunião anterior
(em 18 de Junho de 1921) Souza Pinto, que era à data o professor da Faculdade de
Ciências, era de opinião que os livros pedidos pela Faculdade Técnica fossem trocados
pelos aparelhos de Astronomia e Cinemática95. E Luis Woodhouse concordava com esta
ideia96:
O professor Luiz Woodhouse deseja que fique consignado na acta de hoje que está inteiramente de
acordo com a opinião do professor bibliotecário Dr. Souza Pinto, apresentada na sessão anterior,
relativamente ao pedido da Faculdade Técnica dos livros da secção de engenharia.
Esta tentativa de negociação, que Souza Pinto preferia, e com a qual Luis
Woodhouse mostrou estar inteiramente de acordo, foi recusada pelos restantes elementos
do Conselho Escolar, tendo sido negado por unanimidade o pedido da Faculdade Técnica.
A Faculdade de Ciências achava-se no direito de ficar na posse dos instrumentos de
cinemática, uma vez que eles tinham sido comprados pelo professor Albuquerque para
serem usados na aula de Mecânica. Além disso, reclamava também para si os
instrumentos de astronomia, possivelmente porque era na Faculdade de Ciências, onde
até já estava a ser construído o observatório de astronomia, que esta matéria se leccionava.
Contudo, o Conselho aceitava que o material de topografia ficasse na posse da Faculdade
Técnica, embora reclamasse para si um exemplar dos teodolitos para os trabalhos de
astronomia.
Há ainda um terceiro episódio, que se relaciona com a criação do Curso de
engenheiro geógrafo. No Conselho Escolar de 2 de Dezembro de 1921, Luis Woodhouse
ficou encarregue, juntamente com Azeredo Portugal e Mendes Correia, de redigir os
termos em que se formularia o pedido, a fazer ao governo, da criação desse curso na
94 Acta da sessão do Conselho escolar da Faculdade Técnica, de 24 de Abril de 1923, em FTUP-Livro de
Actas do Conselho Escolar 1922-1926, pp. 14-15. Agradecemos ao Dr. Jorge Pópulo as informações
prestadas e os documentos disponibilizados. 95 Livro de Actas do Conselho Escolar da Faculdade de Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº
de 1921 a 24 de Novº de 1926, pp. 4v-5. 96 Livro de Actas do Conselho Escolar da Faculdade de Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº
de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 5v.
30
Universidade do Porto97. No entanto, dois meses depois, na reunião de 24 de Fevereiro
de 1922, em que se analisou o texto do referido pedido, mostrou não concordar com as
ideias dos outros dois colegas, por achar que «devia estabelecer-se um melhor equilíbrio
entre as matérias das disciplinas de Matemática» e por entender que «os engenheiros
geografos reclamam uma preparação mais lata do que a que teriam com um curso
mesquinho como o que se projecta»98. O Conselho concordou com Luis Woodhouse e
ainda nesse ano o governo referendou o decreto que aprovava a criação do curso nas
Universidades de Coimbra e do Porto99. O Curso de Engenheiro Geógrafo tinha sido
criado em 1921 na Universidade de Lisboa, por iniciativa do Almirante Gago Coutinho100.
É, mais uma vez, a questão da importância da matemática que leva Luis
Woodhouse a intervir na sessão do Senado de 19 de Janeiro de 1922, em que os alunos
diplomados pelo Instituto Industrial e Comercial do Porto, que pretendiam ingressar na
Faculdade Técnica, queriam ser dispensados do Curso Preparatório da Faculdade de
Ciências. Woodhouse foi ouvido como representante desta Faculdade de Ciências e foi
incumbido de tratar o assunto junto do Senado Universitário. Na sua opinião, o pedido de
dispensa não devia ser atendido, dada a diferente profundidade com que a matemática era
ensinada em ambas as instituições. O assunto foi discutido na sessão do Senado de 19 de
Janeiro de 1922, onde se lê101:
(…) frisando com bem nitida clareza, a diferenciação existente entre as matematicas profundamente
desenvolvidas e professadas na Faculdade de Sciencias, e as matematicas gerais de caracter
essencialemente utilitário que são, nem mais nem menos, aquelas que se ministram nos Institutos
Industriais. As afirmações do prof. Woodhouse, sendo de carácter concludente, levam os Srs. Profs.
presentes a resolver que elas façam parte duma representação que a Faculdade de Sciencias da
Universidade do Porto fará chegar às mãos do Sr. Ministro. Assim foi resolvido. O prof. Leonardo
Coimbra, tomando a palavra, salientou numa fórma perfeita e ilucidativa o valôr das afirmações
97 Acta do Conselho Escolar de 2 de Dezembro de 1921, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 15. 98 Acta do Conselho Escolar de 2 de Dezembro de 1921, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 19v. 99 Acta do Conselho Escolar de 31 de Julho de 1922, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926 p. 27. 100 Em Documento de suporte à identificação dos actos a regulamentar e das habilitações necessárias ao
desempenho da profissão de engenheiro geógrafo. Colégio nacional de Engenharia geográfica da ordem
dos engenheiros, 2009, p. 1. 101 Livro de Actas do Senado da Universidade do Porto, 1911-1926, pp. 64v-65.
31
acabadas de ouvir ao ilustre Prof. Woodhouse, achando bem que elas sejam póstas em relevo na
supracitada representação.
Em Julho de 1922, Luis Woodhouse foi escolhido como delegado da Secção de
Matemática para integrar a comissão para a remodelação do ensino nas faculdades da
Universidade do Porto102. O que sobre o assunto pensava o nosso biografado está exposto
no seu artigo O Ensino Matemático nas Universidades Portuguesas, apresentado em
1921, no Congresso do Porto, e a cujo conteúdo nos referiremos mais adiante (Cf. 7.8).
Em Janeiro de 1925, Luis Woodhouse fez parte da comissão encarregue de elaborar um
projecto de um novo plano de estudos que, entre outros, resolvesse o problema das
precedências das cadeiras103. E em 29 de Abril do mesmo ano foi indicado para, em
substituição do director, fazer parte da representação da Faculdade de Ciências na
cerimómia de atribuição a Gomes Teixeira do grau de Doutor honorário da Faculdade
de Sciencias de Madrid104.
Sabemos, pelo conteúdo de alguns dos seus trabalhos, que Luis Woodhouse se
interessava pela História da Matemática, tendo na sua biblioteca pessoal um exemplar da
História das Matemáticas na Antiguidade, de Fernando de Almeida Loureiro e
Vasconcelos, publicado 1925105. Por outro lado, Woodhouse reconhecia a necessidade de
investigação nessa área. Foi esse o motivo que o levou Woodhouse a apresentar ao
Conselho Escolar um pedido de criação de um «Instituto de Investigação Scientifica de
Historia da Matemática Portuguesa» e a nomeação de Gomes Teixeira para seu
director106. Esta proposta foi aprovada por unanimidade, no entanto o referido instituto só
dois anos mais tarde viria a ser criado, sendo Gomes Teixeira nomeado para seu
presidente107.
A importância da existência de uma cadeira de História da Matemática na
Faculdade de Ciências era, há vários anos, uma preocupação de Luis Woodhouse; de
facto, em 1913, em sessões do Conselho Académico de 25 e 27 de Novembro, ele
102 Actas do Conselho Escolar de 31 de Julho de 1922, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 27. 103 Acta do Conselho Escolar de 20 de Janeiro de 1925, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 78. 104 [Alves, 2004, “Índice das Ilustrações, pp. 138-139]. 105 Informação gentilmente prestada pela bisneta de Luiz Woodhouse, Dra. Eugénia Sofia Woodhouse. 106 Actas do Conselho Escolar de 29 de janeiro de 1924, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 61v. 107 Diário do Governo de 19 de Julho de 1926, Decreto de 16 de Julho [Vilhena, 1936, p. 323].
32
exprimiu a opinião de que na proposta de reorganização dos cursos da Faculdade, a
cadeira de Astrofísica fosse substituída por uma cadeira de História da Matemática,
passando a Astrofísica para o programa da cadeira de Astronomia108. Esta sugestão só
não foi efectivada na altura por Gomes Teixeira não ter disponibilidade para tal109.
Na Universidade do Porto, Luis Woodhouse teve alunos brilhantes, entre eles
António Almeida e Costa, Arnaldo Madureira e Sousa, Rodrigo Sarmento Beires e Aníbal
Scipião de Carvalho. Destes, os dois primeiros viriam a desenvolver trabalhos de
investigação no âmbito da álgebra. Tem data de 1932 a dissertação com o título Resolução
algébrica das equações, que Madureira e Sousa apresentou para concurso a professor
catedrático do 1º Grupo da Secção de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto.
Rodrigo Sarmento Beires e Aníbal Scipião de Carvalho tiveram Luis Woodhouse como
elemento no júri de doutoramento: Sarmento Beires defendeu, em 20 de Julho de 1917, a
tese intitulada “Teoria geral da causticas por reflexão” e Scipião de Carvalho defendeu,
em 30 de Julho de 1920, a tese “A teoria das tangentes antes da invenção do Calculo
diferencial”110.
3.2. No Instituto Industrial e Comercial do Porto (1887-1919) e no Instituto
Superior de Comércio do Porto (1919-1927)
O Instituto Industrial e Comercial do Porto foi criado em 1886, por decreto de 30
de Dezembro do ministro Emídio Navarro111, e na primeira década do século XX foi
sujeito a várias reformas112. Nos primeiros anos da República foi nomeada uma comissão,
presidida por Gomes Teixeira, e da qual faziam parte, como vogais, Diogo Arroio, Luis
Woodhouse e Marcelino Freitas, encarregada de apresentar o plano de reorganização
desse Instituto113. De acordo com o plano elaborado, o Instituto Industrial e Comercial do
Porto daria lugar ao Instituto Técnico do Porto, que teria duas secções: Curso Superior de
Comércio e Curso Médio Comercial e Industrial. Nele seriam professados Cursos
108 Acta do Conselho Académico de 25 de Novembro e de 27 de Novembro de 1913, em Actas das sessões
do Conselho Academico, de 1907 a 15 de fevereiro de 1921, pp. 83-84. 109 Acta do Conselho Académico de 15 de fevereiro de 1921. 110 ADUP-FCUP Livros de Termos dos Exames de Doutoramento da Faculdade de Ciências da
Universidade do Porto (1917-1931) 111 Diário do Governo nº 34 de 14 de Fevereiro de 1887. Colecção da Legislação Portuguesa, ano 1886, p.
952. Erratas – diário do Governo nº 39 de 19 de Fevereiro de 1887. 112 Em [Alves, 1998, pp. 220, 221] pode ver-se um quadro comparativo das reformas de João Franco (1891),
de Bernardino Machado (1893) e de Manuel Vargas (1901). 113 Portaria de 15 de Dezembro de 1915.
33
Secundários Industriais (construções civis, minas, máquinas e electricidade, indústria
química), o Curso Secundário do Comércio, o Curso Preparatório para o Curso de
Administração Militar ministrado na Escola de Guerra e o Curso Superior de
Comércio114. Ao que parece, este plano só mais tarde deu alguns frutos, uma vez que o
decreto n.º 5 029, de 1 de Dezembro de 1918 separou as partes comercial e industrial do
Instituto Industrial e Comercial do Porto, e criou dois institutos médios, o Instituto
Comercial do Porto e o Instituto Industrial do Porto, e um instituto superior, o Instituto
Superior de Comércio do Porto115. Esta separação durou apenas seis anos, pois em 1924
os dois institutos médios voltaram a unir-se, dando novamente origem ao Instituto
Industrial e Comercial do Porto. Continuou, porém, a existir o Instituto Superior de
Comércio do Porto, que viria a ser extinto apenas em 1933116.
Luis Woodhouse foi admitido em 15 de fevereiro de 1887 como lente catedrático
da 6ª cadeira do Instituto Industrial e Comercial do Porto, e tomou posse em 4 de Março
de 1887117 (ANEXO 5):
Aos quatro dias do mez de Março do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil
oitocentos oitenta e sete, compareceu pessoalmente n’esta secretaria do Instituto Industrial e
Commercial do Porto, perante o snr. Gustavo Adolpho Gonçalves e Souza, Director do mesmo
Instituto, o snr. Luiz Ignacio Woodhouse, bacharel formado em mathematica pela Universidade de
Coimbra, lente da Academia Polytechnica, para o fim de tomar posse do logar de lente cathedratico
da sexta cadeira (trigonometria plana, principios de geometria analytica, de algebra superior, e de
calculo infinitesimal) d’ este Instituto, para o qual foi nomeado por despacho de 15 de Fevereiro de
mil oitocentos oitenta e sete, publicado no Diario do Governo numero trinta e nove de dezenove do
dito mez; e tendo o agraciado prestado o respectivo juramento, perante o Governador Civil do
distrito do Porto, no dia tres de março do corrente anno, o snr. Director lhe conferiu a posse do
referido logar, para o haver de exercer segundo as leis e regulamentos em vigor. E para constar se
lavrou o presente termo que o dito snr. Director e agraciado vão assignar.
E eu Joaquim Casimiro Barbosa, secretario, o escrevi e subscrevo.
Gustavo Adolfo Gonçalves e Souza
Director
(Luiz Ignacio Woodhouse)
114 [SERRA, 1989, pp. 18-20]. 115 Decreto-lei nº 22:739 de 26 de Junho de 1933. 116 Decreto-lei nº 22:739 de 26 de Junho de 1933. 117 Livro de Termos de Posse do Instituto Industrial e Comercial do Porto (p. 32). Informação gentilmente
cedida pela dra. Patrícia Costa.
34
O seu nome é indicado na lista de «Lentes e Professores do Instituto Industrial e
Comercial do Porto (1894)» (ANEXO 6),
Nesta fase inicial do Instituto Industrial e Comercial do Porto os lentes e professores
foram convidados a formular os programas das suas cadeiras e, também, a indicar o
material necessário para o respectivo ensino teórico e prático118. Luis Woodhouse, como
lente da 6ª cadeira, elaborou o programa aprovado para o ano lectivo de 1887/88119, que
era constituído por assuntos de quatro áreas matemáticas diferentes120:
I. Trigonometria plana: incluía a construção e uso das táboas trigonometricas, as formulas
calculaveis por logarithmos e o uso da regoa de calculo;
II. Principios de geometria analítica plana, com menção às rectas, às cónicas e a curvas
trigonométricas e logarítmicas; geometria no espaço, incluindo o estudo de pontos, rectas,
planos, distâncias, ângulos e ortogonalidade;
III. Princípios de álgebra, onde se trata o estudo dos números complexos, a convergência
de séries e número de Neper, funções algébricas com sua decomposição e raízes,
resolução de equações transcendentes;
IV. Princípios de cálculo infinitesimal, estudo de derivadas e diferenciais (uma e duas
variáveis), séries de Taylor e MacLaurin, aplicações geométricas no plano; cálculo
integral incluindo a integração e aplicações, equações diferenciais de primeira e segunda
ordem, em duas variáveis.
Este programa vigorou, também, no ano seguinte. O programa apresentado é bastante
detalhado e abrange um conjunto muito extenso de tópicos, e assinala algumas matérias
que poderiam ser suprimidas no caso de não haver tempo de o leccionar integralmente
(ANEXO 7), pois era ao Conselho Escolar que cabia determinar o número de lições a
processar em cada cadeira, no início de cada ano lectivo121.
Com a reforma de João Franco, em 1891, a 6ª cadeira foi substituida pela 2ª,
designada Elementos de calculo infinitesimal e geometria analytica – Principios de
geometria descriptiva e suas aplicações e, como era de esperar, o programa foi alterado.
118 Livro de Actas do Conselho Escolar do IICP, acta de 4 de Novembro de 1878, pp. 101-102. 119 Reunião ordinária do Conselho Escolar de 2 de Novembro de 1887. 120 Programas das Cadeiras do Instituto Industrial e Comercial do Porto, anno lectivo de 1887 e 1888, pp.
41-45. 121 Acta do Conselho Escolar de 5 de Agosto de 1887.
35
As alterações consistiram, essencialmente, na supressão da álgebra e na inclusão da
geometria descritiva. Luis Woodhouse foi colocado nessa disciplina por decreto de 16 de
Outubro de 1891, e tomou posse no dia seguinte, conforme testemunha o termo de posse,
constante no Livro de Termos de Posse do Instituto Industrial e Comercial do Porto
(s.p.)122 (ANEXO 8), que incluímos:
Aos dezesete dias do mez d’outubro do anno de mil oitocentos noventa e um, n’este Instituto
Industrial e Commercial do Porto e secretaria do mesmo, onde se achava presente o snr. Gustavo
Adolpho Gonçalves e Souza, Director do mesmo Instituto, comparecendo pessoalmente Luiz
Ignacio Woodhouse, lente cathedratico da antiga sexta cadeira d’este Instituto, para o fim de tomar
posse do logar de professor, da segunda disciplina, da secção industrial “Elemantos de calculo
infinitesima e geometria analytica – Principios de geometria descriptiva e suas applicaçoes” – em
que foi collocado por decreto de dezeseis d’outubro corrente, publicado no Diario do Governo n.º
duzentos trinta e quatro do mesmo dia dezesete d’ Outubro, o snr. Director lhe conferiu a posse do
referido logar, para o haver de exercer segundo as leis e regulamentos em vigor.
E para constar se lavrou o presente termo que o dito snr. Director e agraciado vão assignar depois
de lhes ser lido por mim Joaquim Casimiro Barbosa secretario que o escreveu.
Gustavo Adolfo Gonçalves e Souza
Director
(Luiz Ignacio Woodhouse).
Aquando do desdobramento do Instituto Industrial e Comercial do Porto, em 1919,
Luis Woodhouse, que era à data lente catedrático da 2ª cadeira nesse instituto, foi
colocado como professor ordinário da 2ª cadeira, Cálculo Infinitesimal e
Probabilidades123, no Instituto Superior de Comércio do Porto124; tomando posse no dia
2 de Maio desse ano125. Além de ter nome diferente da anterior, esta cadeira tinha,
também, programa diferente.
Tal como na Academia Politécnica e, depois, na Faculdade de Ciências, também
aqui no Instituto Industrial e Comercial Woodhouse se envolveu em actividades extra-
lectivas com o fim de implementar melhorias na organização e condições de ensino nessa
instituição. Fez parte de uma comissão que em 25 de Agosto de 1892 apresentou ao
122 Informação gentilmente cedida pela dra. Patricia Costa responsável pelo Museu do Instituto Superior de
Engenharia do Porto. 123 Acta do Conselho Escolar, de 22 de Março de 1919, p. 149. 124 Nomeado a 23 de Abril de 1919, como se lê no Diário do Governo de 28 de Abril de 1919. 125 Livro dos termos de posse dos professores e mais empregados do Instituto Superior de Comércio, pp.
5v-6r.
36
Conselho Escolar um projecto de reforma no qual se reclamava um edifício amplo, onde
pudessem instalar-se oficinas e laboratórios, e que possibilitasse as condições necessárias
ao bom funcionamento das aulas. Propunha, também, uma alteração aos cursos
ministrados no Instituto, que passariam a ser Curso geral preparatório, Curso de
construções civis, Curso de construções mecânicas, Curso de indústrias químicas, Curso
de artes decorativas, Curso de comércio126.
Logo nesse ano, Luis Woodhouse tomou parte, como vogal, na 1ª sessão do
Conselho Escolar (ANEXO 9), e, por ser o professor mais antigo da escola, assumiu
algumas vezes a presidência do Conselho, na ausência do director. A competência que
lhe era reconhecida pelos seus pares era visível nas diversas missões para que era
proposto, e que, em geral, eram aprovadas por unanimidade. Citamos, a título de exemplo,
algumas delas. Uma foi ter sido escolhido para proferir o discurso inaugural de abertura
das aulas, nos anos de 1919 (a 8 de Novembro) e de 1920 (a 19 de Outubro). Outra foi a
indicação do seu nome, em sessão do Conselho de 8 de Outubro de 1921, para fazer parte
da comissão encarregada de estabelecer as bases do concurso para preenchimento de
vagas para primeiros assistentes. Luis Woodhouse foi quem proferiu o discurso de
homenagem a José Manuel Rodrigues (1857-1916), seu colega e lente de matemática do
Instituto Industrial e Comercial do Porto, na sessão promovida pelos alunos deste
instituto. Os textos destes discursos teriam constituído um contributo importante para o
nosso trabalho, mas infelizmente não existem no espólio do Instituto Superior de
Comércio do Porto127.
Um momento que não queremos deixar de sublinhar foi o da nomeação, por
unanimidade, em reunião do Conselho Escolar de 10/5/1922, de Woodhouse para
integrar, juntamente com Xavier Fontes, a representação do Instituto na cerimónia de
doutoramento honoris causa de Gomes Teixeira na Universidade Central de Madrid128.
Luis Woodhouse acumulou a função de professor no Instituto Industrial e
Comercial do Porto e, depois, no Instituto Superior de Comércio do Porto com a de
professor da Academia Politécnica do Porto e, posteriormente, da Faculdade de Ciências
126 [Serra, 1989, pp. 12-14]. 127 Informação gentilmente prestada pelo Dr. Carlos Mendes do ISCP. 128 Actas do Conselho Escolar do Instituto Superior de Comércio do Porto inicadas em 12/5/1919.
37
do Porto129 até à data da sua morte, em 1927, embora a doença o tivesse impedido de
exercer essas funções a partir de Dezembro de 1926.
4. Funções e cargos desempenhados além da docência
4.1. Em instituições de ensino
Na Academia Politécnica do Porto e na Faculdade de Ciências do Porto Luis
Woodhouse desempenhou cargos que exigiam diferentes aptidões, e que permitem
apreciar a sua versatilidade.
Começamos por lembrar que Woodhouse foi o primeiro presidente da secção de
matemáticas da Faculdade de Ciências130, aquando da sua criação, em 1911. Por despacho
de 8 de Abril de 1912 foi nomeado tesoureiro interino da Universidade do Porto131, e no
desempenho dessa função tomou parte pela primeira vez nas reuniões do Senado
universitário em Dezembro desse 1912132, cargo em que ainda se mantinha no ano lectivo
de 1917/1918. Em Novembro de 1918 foi eleito como delegado dos professores da
Faculdade de Ciências do Porto ao Senado universitário133. A eleição fez-se em escrutínio
secreto tendo Luis Woodhouse obtido oito dos nove votos que entraram na urna134.
Luis Woodhouse foi director interino da Faculdade de Ciências da Universidade do
Porto entre 1922 e 1926 (embora nas folhas de vencimento seja referido que no mês de
Janeiro de 1923 esteve suspenso dessa função). Foi nessa qualidade que, em 7 de Agosto
de 1923, apresentou ao Reitor da Universidade do Porto uma proposta do Conselho
Escolar de 27 de Julho, a submeter ao Senado Universitário, para que fosse criado o
Instituto de Investigação Scientifica de Antropologia, e nomeado seu director o professor
129 A lei não permitia acumular dois salários completos, por isso Luis Woodhouse optou por manter o
vencimento da Faculdade e receber 2/3 do vencimento do Instituto Por curiosidade, referimos que auferiu
no Instituto Superior de Comércio do Porto, em Julho de 1919, o vencimento líquido era 80 escudos,
correspondente ao ilíquido de 100 escudos, e em Fevereiro de 1920 esse vencimento subiu para 120 escudos
líquidos. 130 Anuário da Faculdade de Sciências da Universidade do Porto de 1911-1914, p. 45 131 Anuário da Faculdade de Sciências da Universidade do Porto de 1911-1912 a 1913-1914, p.449. 132 Anuário da Faculdade de Sciencias da Universidade do Porto, 1912, p. 447. 133 Anuário da Faculdade de Sciencias da Universidade do Porto de 1911-1912 a 1913-1914, p. 39. 134 Acta do Conselho Académico 30 de Novembro de 1918, em Actas das Sessões do Conselho Academico
de 1907 a 15 de fevº de 1921, p. 163v.
38
António Mendes Correia, o que viria a concretizar-se ainda nesse mesmo ano135 (ANEXO
10).
Em 1926, a 13 de Março, Woodhouse foi nomeado director efectivo da Faculdade
de Ciências do Porto136, e tomou posse a 27 de Maio desse ano137 (ANEXO 11). Não
deixa de ser curioso observar que, após o golpe de estado de 28 de Maio de 1926, Luis
Woodhouse tivesse sido novamente nomeado no cargo de director, tendo tomado posse
em 24 de Julho de 1926.
Já em Fevereiro de 1924 tinha sido aprovada por aclamação a proposta para que
Luis Woodhouse ocupasse o cargo de director (efectivo) da Faculdade, mas ele não se
mostrou imediatamente disponível, alegando ter muitas ocupações138. Como director da
Faculdade de Ciências, Luis Woodhouse tomou pela primeira vez parte nas reuniões do
Senado Universitário em 7 de Junho de1926139, mas em meados de Dezembro de 1926,
por motivo de saúde, foi substituído pelo professor José Alves Bonifácio.
A propósito da proposta de nomeação de Luis Woodhouse para o cargo de director
efectivo da Faculdade de Ciências, transcrevemos um excerto da acta da sessão do
Conselho onde são referidas as palavras de Gomes Teixeira140:
No final da sessão, o Prof. Dr. Gomes Teixeira propõe um voto de congratulação por ter sido
assignado o Decreto nomeando Director efectivo da Faculdade o Snr Prof Dr. Luiz Inácio
Woodhouse e por este prof. ter sido eleito socio correspondente da Academia de Sciencias de Lisboa.
É aprovado por aclamação.
Luis Woodhouse foi eleito vice-reitor da Universidade do Porto na Assembleia
Geral da Universidade realizada em 26 de Junho de 1926, tendo na votação realizada
obtido uma larguíssima maioria de votos (obteve 43 dos 56 votos)141; tomou posse em 24
135 Informação colhida em http://app.parlamento.pt/PublicacoesOnLine/DeputadosAN_1935-
1974/html/pdf/c/correia_antonio_augusto_esteves_mendes.pdf (7 de Junho de 2015). 136 Diário do Governo de 22 de Agosto de 1926. 137 Livro dos Termos de Posse, p. 159. 138 Acta do Conselho Escolar de 26 de Fevereiro de 1924, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 63. 139 Nessa sessão, antes da ordem do dia, o Reitor propõe uma saudação a Luis Woodhouse, que é aprovada
por unanimidade. (ADUP SEM Livros de atas do Senado da Universidade do Porto (1911-1970)) 140 Acta do Conselho Escolar de 26 de Fevereiro de 1924, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 88v. 141 Livro de Actas da Assembleia da Universidade do Porto [1911-1945], p. 8v.
39
de Julho do mesmo ano142 (ANEXO 12). A notícia da eleição foi dada no dia seguinte,
com todo o detalhe, no jornal O Commercio do Porto, sob o título «Universidade do Porto
– Eleição do reitor e vice-reitor».
Como se depreende do que ficou dito, a partir 24 de Julho de 1926, Woodhouse
acumulou os cargos de director da Faculdade de Ciências e de vice-reitor da Universidade
do Porto. Contudo, esta situação parecia não estar em conformidade com a legislação
vigente; é o próprio quem chama a atenção para esse facto na sessão do Conselho Escolar
de 19 de Outubro de 1926, em cuja acta se lê143:
O Sr Presidente [Luiz Woodhouse] comunica que tem de optar, em virtude do disposto no novo
Estatuto de Instrução Universitária, pelo cargo de Director da Faculdade ou pelo de Vice-Reitor. Os
professores Souza Pinto e Portugal, exprimindo os desejos de todos os colegas, pedem que
permaneça na Direcção da Faculdade, afirmando o Sr. Director ser tambem esse o seu desejo.
Apesar disso, manteve-se como vice-reitor até à data do seu falecimento, em Março
de 1927.
Em reunião do Senado de 8 de Agosto de 1925, Luis Woodhouse foi escolhido para
dizer a oração de sapiência do ano lectivo seguinte, mostrando-se disponível para o fazer.
A sessão decorreu no dia 7 de Dezembro, no salão nobre da Universidade do Porto,
aparecendo a notícia em parangonas em jornais diários do Porto. O Jornal de Notícias de
9 de Dezembro de 1925 dá-lhe o título “Na Universidade do Porto, A sessão solene para
a abertura das aulas. Brilhante oração de «sapientia» do sr. dr. Luiz Woodhouse”, e O
Primeiro de Janeiro, de 9 de Dezembro de 1925 intitula-a “ Na Universidade do Porto,
A abertura solene das aulas”. A sessão revestiu-se de grande aparato. Na mesa
encontravam-se o reitor da Universidade, Augusto Nobre, o reitor honorário, Gomes
Teixeira, e o director da Faculdade Técnica, Luiz Couto dos Santos. Na assistência, onde
figuravam os professores da Universidade do Porto, dos liceus, e muitas outras
individualidades, destacava-se um grande número de alunos. Embora o texto do discurso
não exista no Arquivo da reitoria da Universidade do Porto, o que lamentamos, as notícias
que dele nos chegam pelos jornais que referimos permitem avaliar a importância do seu
conteúdo. São extraídas deles as breves notas que apresentamos a seguir.
142 Livro dos Termos de Posse e de Aceitação de pessoal docente e não docente (1914 a 1973), p. 163. 143 Acta do Conselho Escolar de 19 de Outubro de 1926, em Livro de Actas do Conselho Escolar da
Faculdade de Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 96.
40
No artigo de O Primeiro de Janeiro lê-se que Luis Woodhouse escolheu para a sua
dissertação o tema “Duas reformas – 1772-1911” e iniciou a sua oração com a referência
ao matemático português do século XVI, Pedro Nunes. Salientou como períodos de
avanço para o conhecimento científico em Portugal, o da reforma da Universidade de
Coimbra, cujos estatutos, com data de 1772, foram da autoria de Monteiro da Rocha, e
ainda a reforma da Universidade em 1911. No entanto, para Luis Woodhouse, esta última
reforma pecou pela deficiência de não ter sido iniciada no ensino secundário.
O articulista do Jornal de Notícias chama também a atenção para estes aspectos,
mas de uma forma minuciosa. Observa, por exemplo, que Luis Woodhouse faz referência
ao enorme desenvolvimento da ciência na Europa, e, em particular da matemática, durante
os séculos XVII e XVIII, em contraste com o que se passava nessa época em Portugal.
Além disso, nota que para Luis Woodhouse os três pilares importantes da reforma do
Marquês de Pombal (ordem, disciplina e trabalho) não foram considerados na reforma de
1911, onde o princípio dominante era a liberdade de aprender e de ensinar; e que, segundo
ele, a prática destas ideias não teria tido, no imediato, as consequências desejáveis,
conduzindo a um «ensino anárquico» que não estava de acordo com o plano traçado na
reforma de 1911. Além disso, regista as propostas feitas por Luis Woodhouse para
colmatar este desajuste entre o que seria desejável para uma instituição de ensino superior
e a prática que se observava. Estas propostas passavam por «uma maior aproximação
entre mestres e discipulos», um ano preparatório de ingresso na Universidade, feito de
acordo com a metodologia antes indicada, e a leccionação de cursos livres, que entendia
darem bons frutos entre alunos bem preparados.
Estas breves notas, que tomámos dos jornais, vêm de encontro aos interesses que já
tínhamos percebido em Luis Woodhouse e que vamos registando ao longo deste trabalho.
Da leitura dos documentos que consultámos, uma das características que sobressai
em Luis Woodhouse é o rigor da sua organização, que se observa, por exemplo, na
meticulosa apresentação das contas, enquanto tesoureiro da Universidade. Essa
característica terá sido, possivelmente, uma das responsáveis pela escolha que sobre ele
recaía para integrar comissões de carácter administrativo. Citamos, a título de exemplo,
a sua nomeação, em sessão do Conselho Escolar de 29 de Janeiro de 1924144, para a
comissão encarregada de elaborar o regulamento da Faculdade, e a sua participação na
144 Acta do Conselho Escolar de 29 de janeiro de 1924, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 62v.
41
comissão administrativa do Instituto Superior de Comércio do Porto145, desde 26 de Junho
de 1919 a 27 de Setembro do mesmo ano, como vogal.
Como se sabe, os Annaes Scientificos da Academia Politecnica do Porto
começaram a publicar-se em 1905, por portaria de 5 de Maio desse ano. Esta revista
científica, cuja direcção era da responsabilidade de Francisco Gomes Teixeira, englobava
diversas áreas do conhecimento. Relativamente à matemática, substituía o Jornal de
Sciencias Mathematicas e Astronomicas, cuja publicação terminava. Não encontrámos
informação sobre a data a partir da qual Luis Woodhouse passou a fazer parte da comissão
redactora dos Annaes Scientificos da Academia Politecnica do Porto146, cujo último
volume (com o número 14) data de 1920. Após alguns anos de interrupção, em 1927 é
publicada uma nova série da revista, que passou a designar-se Anais da Faculdade de
Sciências147. Apesar da mudança de título, e de alterações na comissão redactorial, o
primeiro volume da revista saiu com o número 15, respeitando a numeração da sua
antecessora, e a redação manifestou a intenção de conservar «tanto quanto possível a
índole primitiva da revista»148. Uma nota da redacção onde estas informações são
prestadas refere a existência de «motivos poderosos» para a interrupção da publicação
dos Annaes Scientificos da Academia Politecnica do Porto, mas sem os explicitar. O que
sabemos é que na reunião do Conselho Escolar de 29 de Janeiro de 1924 Gomes Teixeira
propôs a suspensão da publicação dos «Anaes da Academia Politecnica do Porto»
alegando falta de verbas149. Em 1926 a questão foi retomada, tendo Mendes Correia
proposto que fosse feito um inquérito ao «extravio de 650 exemplares do fascículo I do
tomo XV dos Anais Scientificos e que, averiguada a sua perda, se faça a reimpressão», e
que se delegasse em Gomes Teixeira a escolha da tipografia, que deveria ser do Porto150.
Luis Woodhouse presidiu ao serviço de exames de saída do curso geral do Liceu
Central do Porto, tendo, no desempenho dessa função, a responsabilidade de elaborar um
145 Livro de Actas da Comissão Administrativa do Instituto Superior de Comercio do Porto, 26 de Junho
de 1919. 146 [Vilhena 1936, p. 178, Nota 220]. 147 Manteve, no entanto a numeração sequencial, sendo impressa com o título Anais da Faculdade de
Sciências do Porto (Antigos Annais Scientificos da Academia Polytecnica do Porto). Volume 15, 1927. 148 Ver «Da Redacção», em Anais da Faculdade de Sciências do Porto, Vol. 15 (1927), p. 64. 149 Acta do Conselho Escolar de 29 de Janeiro de 1924, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 62-62v. 150 Acta do Conselho Escolar de 25 de Fevereiro de1926, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 87v.
42
relatório que consta no Boletim da Direcção Geral de Instrução Pública151. Este boletim
é um documento oficial, que se reporta aos cinco primeiros anos do século XX, no qual
se divulgam documentos sobre legislação relacionada com a reforma do ensino, e material
relativo ao diagnóstico, planeamento e avaliação do sistema de ensino. Inclui, também,
secções de notícias sobre temas tão variados como concursos de professores, instituições
de ensino (liceus, academias e universidades), realização de congressos científicos e, até,
uma secção de recensões bibliográficas152. Uma das rubricas diz respeito aos «relatórios
de presidentes de júris de exame de alguns liceus do reino».
O relatório a que nos referimos a seguir corresponde ao ano de 1902 (ANEXO 13).
É o único de que há registo na Biblioteca Pública Municipal do Porto para a época que
nos interessa, embora tenhamos conhecimento que não era a primeira vez que Luis
Woodhouse desempenhava o cargo de presidente do júri de exames. É o próprio
Woodhouse quem o esclarece a certo passo do citado relatório, quando diz153:
Coube-me mais uma vez presidir aos exames de saída do curso geral no lyceu do Porto. Em relatório
que tive a honra de enviar a v. exª o anno passado (…).
Da leitura desse texto sobressai a explicação minuciosa do processo seguido nos
exames, que inclui a indicação do número de alunos admitidos, aprovados e reprovados
e a comparação que estabelece com o número de inscritos. Sublinhamos a atitude de
Woodhouse, que aliás já referimos noutro momento, quando associa o modo exemplar
como decorreram as provas (escritas e orais), à dedicação dos professores e demais
funcionários nelas envolvidos, e ao bom comportamento dos alunos.
Observamos que Luis Woodhouse comenta o aproveitamento em todas as
disciplinas e relaciona-o com a qualidade do ensino ministrado, notando que o nível de
preparação dos alunos melhorou relativamente aos anos transactos. Apesar disso, refere
a extensão dos programas de algumas disciplinas e a inexistência de material de apoio
como obstáculo à sua melhoria.
4.2. Noutras instituições
151 Boletim da Direcção Geral de Instrução Pública, Lisboa, ano II, fasc. I-IV, Janeiro- Abril 1903, p. 65-
69. 152 Para mais detalhes sobre a composição deste boletim veja-se [Silva, 2010, pp. 39-40]. 153 Boletim da Direcção Geral de Instrução Pública, Lisboa, ano II, fasc. I-IV, Janeiro- Abril 1903, p. 65.
43
Além das colaborações que já referimos, Luis Woodhouse teve um papel de
destaque na Junta Escolar e na Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências, e
em duas instituições representativas da cidade do Porto, a Câmara Municipal do Porto e
a Real Companhia Vinícola.
Com a reforma descentralizadora de Rodrigues Sampaio, em 1878, aos municípios
era dado o poder de nomearem a Junta Escolar, organismo servia de interlocutor entre a
inspecção escolar e a câmara municipal154. À Junta cabiam, entre outras, as funções de
fomentar a instrução, organizar o recenseamento escolar, colocar e abonar os professores.
A Junta estava, também, envolvida na preparação das Conferências Pedagógicas, que se
realizavam anualmente, durante uma semana e que congregavam todos os professores.
Era nestas conferências que, no último quartel do século XIX, se fazia a formação anual
dos professores155.
Luis Woodhouse foi indicado em sessão da Câmara Municipal de 10 de Janeiro de
1888 para parte da Junta Escolar. E não era a primeira vez que isso acontecia. Já no ano
anterior, ainda não tinha completado 30 anos, essa tarefa lhe tinha sido confiada, e a
competência com que o trabalho foi realizado justificou a nomeação seguinte. Do teor da
acta da sessão de 1888, incluímos aqui um breve excerto:
O mesmo Senhor Presidente [da Câmara do Porto], propoz que fossem nomeados para
constituir a junta escolar os mesmos cavalheiros que actualmente estavam servindo os quais
pela sua ilustração prestaram valiosissimo serviço, eram os Senhores António Ribeiro da
Costa e Almeida, Arnaldo Anselmo Ferreira Braga e Luiz Ignacio Woodhouse: esta
proposta foi unanimemente approvada.
Na Câmara Municipal do Porto, Woodhouse foi vereador no triénio 1887-1889,
tendo sido eleito em 2 de Janeiro de 1887156 para a Comissão executiva da referida
Câmara, como substituto (ANEXO 14). Como vereador, ocupou a presidência da
comissão encarregada de estudar a reorganização do Museu Municipal do Porto,
comissão que foi nomeada em 9 de Janeiro de 1888 e da qual faziam parte os professores
154 [Magalhães, 2011]. 155 [Diniz, Aires Antunes.
http://prof2000.pt/users/avcultur/AiresDiniz/ConferenciasPedAveiro.htm (em 21 de Novembro de 2014) 156 Esta informação consta da acta da sessão realizada nesse dia, p. 130v, em sessões da Câmara, no Arquivo
Histórico do Porto.
44
da Escola de Medicina, Azevedo Maia, Oliveira Monteiro e Silva Pinto, o professor da
Academia Politécnica, Amândio Gonçalves, e o professor da Academia de Belas Artes,
Marques de Oliveira157. Nesta condição, Luis Woodhouse recebeu, em 1888, o relatório
da subcomissão de Historia Natural-Geologia e Mineralogia, e, em 1889, o relatório da
subcomissão de Secções de Belas-Artes, Arqueologia e Numismática158. O teor destes
relatórios é conhecido, mas não é objecto deste trabalho. Interessava-nos, isso sim, a
resposta de Luis Woodhouse, mas não a encontrámos na bibliografia nem nas instituições
que consultámos.
No âmbito científico, Luis Woodhouse foi vice-presidente da Associação
Portuguesa para o Progresso das Ciências, conjuntamente com Francisco da Costa Lobo,
da Universidade de Coimbra e Pedro José da Cunha da Universidade de Lisboa159. Era,
então, presidente Francisco Gomes Teixeira, que foi o primeiro a desempenhar esse
cargo160.
Luis Woodhouse foi director da Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal161,
criada em 1889, cargo que desempenhou pela primeira vez em 1901, como membro
substituto162.
5. Filiação em academias e associações
Luis Woodhouse foi sócio do Instituto de Coimbra163, e membro da comissão
redactora da revista O Instituto164. Este jornal, fundado em Coimbra, era vocacionado
para o desenvolvimento das ciências, das letras e das artes, e para a valorização da cultura
portuguesa. Publicado pela primeira vez em 1852 manteve-se activo até 1982, tendo
conhecido quatro séries, em 1852, 1873, 1892 e 1925. A última série conheceu um grande
crescimento, sobretudo pelo empenho de três catedráticos da Universidade de Coimbra,
Francisco Miranda da Costa Lobo (1864-1945), Amadeu Ferraz de Carvalho (1876-1951)
157 [Peixoto, 1898, p. 34]. 158 [Almeida, 2006-2007, p. 51, Nota 55]. 159 Revista “O Instituto” Vol. 72º, 4ª Série, 1º Ano, nº 5, Coimbra, Imprensa da Universidade. 160 [Bernardo, 2006, p. (52)] 161 [Gomes, 1989, p. 161]. 162 Por curiosidade, referimos que adquiriu nessa altura 4 acções da companhia, que manteve nos anos de
1902 e 1903. Em Real Companhia Vinicola do Norte de Portugal: Relatório da Direcção e Parecer do
Conselho Fiscal relativo ao anno de 1902, p. 24; 1903, p. e 1904, p. 24. 163 [Ferreira, 2012, p. 218]. 164 O Instituto, vol. 72, 4ª Série, 1º ano.
45
e Anselmo Ferraz de Carvalho (1878-1955); reagindo a esse interesse, a comunidade
científica ofereceu trabalhos de valor para aí se publicarem165. Foi, então, criada uma
comissão especial para a redacção, constituída por nomes sonantes da cultura portuguesa,
como Luciano Pereira da Silva, Bento Carqueja, Joaquim de Carvalho, Pedro José da
Cunha e Luis Woodhouse, e da qual Gomes Teixeira e Carolina Michaëlis de Vasconcelos
eram sócios honorários,
Em 1880 começou a ser publicada em Coimbra a Revista Scientifica e Literaria,
uma revista académica criada por António Feijó e Luiz Magalhães, estudantes da
Universidade de Coimbra, e impressa nessa Universidade. Esta publicação mensal, que
incluía artigos de literatura e ciência, sobreviveu apenas aos três primeiros números,
apesar do interesse que parecia despertar na comunidade coimbrã166. Luis Woodhouse
colaborou em todos os números da revista com a publicação de dois artigos, Chronologia
paleontológica (Traços geraes), em 1880, e Astronomia (Hypothese Cosmogonica), em
1881 (Cf. 7.3 e 7.4), e com a recensão crítica do livro Elementos de Anthropologia (2.ª
edição, 1881) de Joaquim Pedro Oliveira Martins (1881, n.º 3, pp. 93-94). Como se sabe,
a 1ª edição desta obra foi publicada em 1880, em Lisboa, pela Livraria Bertrand, com o
título Elementos de Anthropologia (Historia Natural do Homem). A recensão de
Woodhouse mereceu a atenção de Oliveira Martins, que na seguda edição do seu Portugal
Contemporaneo, inclui o seguinte excerto dela «(…) Capitulos vivamente coloridos por
um estylo elegante, formam uma leitura agradavel e que interessa de principio a fim, ainda
mesmo para quem não adopta sempre o ponto de vista philosophico do author.»167. Por
outro lado, o nome de Woodhouse aparece associado à «Revista Scientifica e Litteraria»
na «Bibliographia Oliveiriana» incluída no livro Os ideais de Oliveira Martins168.
Em 1926 Luis Woodhouse foi eleito sócio correspondente da Academia das
Sciencias de Lisboa. É interessante observar que para a sua candidatura a sócio da
Academia apresentou dois textos de pesquisa sobre o ensino da Matemática em Portugal
– O Ensino Matemático nas Universidades Portuguesas, e O Renascimento Matemático
em Portugal no fim do século XVIII e a Real Academia das Sciencias de Lisboa – a par
165 [Ferreira, 2012a, pp. 214-215]. 166 Ficha histórica em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/RevistaScientificaeLitteraria/
RevistaScientificaeLitteraria.htm (consultado em 1 de Junho de 2015). 167 Ver Bibliotheca das Sciencias Sociaes [Martins, 1883, p. 5]. 168 [D’Ayalla, 1897, pp. 6 da bibliografia, correspondente a p. 222 do livro].
46
de quatro trabalhos de conteúdo matemático – Contribuição portuguesa para um célebre
problema de álgebra, Principio fundamental da theoria das equações algébricas, O
Método de Horner e um trabalho português esquecido e Da Integração das Equações
Differenciaes da Dynamica169. O parecer favorável da sua candidatura tem data de 21 de
Janeiro de 1926170, e a 4 de Fevereiro desse mesmo ano foi eleito sócio correspondente171.
Em 18 de Fevereiro o secretário apresentou o ofício em que Woodhouse agradecia a sua
eleição172.
A nomeação de Luis Woodhouse para sócio correspondente da Academia das
Sciencias de Lisboa foi noticiada no jornal 1º de Janeiro de 9 de Março de 1926:
Sabemos que acaba de ser eleito socio correspondente da Academia de Ssciencias de Lisboa o ilustre
professor e director da Faculdade de Sciencias sr. Dr. Luiz Inacio Woodhouse. Professor dos mais
consagrados da nossa Universidade, mercê do seu muito saber e muito formoso caracter, conta nesta
casa amigos, admiradores e antigos discipulos. O Primeiro de Janeiro felicita-o efusivamente.
Aquando da criação da Associação Académica do Porto, Luis Woodhouse foi
«nomeado por aclamação sócio benemérito nº 1» da instituição173. Como forma de
testemunhar a sua gratidão por tão honrosa homenagem, Woodhouse dirigiu-se no dia
seguinte à sede da Associação, situada na Rua de S. Bento da Vitória, onde deixou a
seguinte menasagem inscrita174:
Ficará consignada, primeiro, a consolação que à minha alma fatigada traz sempre o convívio
tonificante com a gente moça, com os rapazes generosos cuja vida intensa e alegria comunicativa
são para os que já descem a ladeira da vida, o traço de luz que, unindo passado ao presente, ilumina
a visão saudosa da mocidade distante.
169 Acta de 22 de Janeiro de 1925, em Livro de Secretaria da Academia das Ciências de Lisboa 50D, p. 68.
Informação amavelmente dada telefonicamente pela Dra. Leonor Pinto. 170 Acta de 21 de Janeiro de 1926, em Livro de Secretaria da Academia das Ciências de Lisboa 50D p. 81. 171 Acta de 4 de Fevereiro de 1926, em Livro de Secretaria da Academia das Ciências de Lisboa 50D p.
82v. 172 Acta de18 de Fevereiro de 1926, em Livro de Secretaria da Academia das Ciências de Lisboa 50D p.
83v. 173 Em “Faz hoje cem anos que nasceu, na Foz do Douro, o dr. Luís Woodhouse – eminente professor de
Matemática”, em O Primeiro de Janeiro de 31 de Julho de 1945. Também em O Commercio do Porto de
16 de Março de 1927. 174 “Faz hoje cem anos que nasceu, na Foz do Douro, o dr. Luís Woodhouse – eminente professor de
Matemática”, em O Primeiro de Janeiro de 31 de Julho de 1945.
47
6. Participação em Congressos
Em 1912 decorreu em Cambridge o 5º encontro do International Congress of
Mathematicians (ICM). Luis Woodhouse foi proposto para participar no congresso tendo
sido disponibilizada pelo reitor da Universidade do Porto a verba de 300$00 para essa
deslocação. A proposta foi aprovada por unanimidade mas Woodhouse mostrou-se
indisponível, tendo sido substituído por José Alves Bonifácio175.
Luis Woodhouse participou nos Congressos Luso-Espanhóis para o Progresso da
Ciência, realizados no Porto (1921), em Salamanca (1923), e em Coimbra (1925). Estes
encontros científicos foram promovidos pela Asociación Española para el Progreso de las
Ciencias (criada em 1908) e pela Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências
(criada em 1917). A criação destas duas instituições tinha como principal objectivo
implementar o interesse por questões culturais e científicas e promover as relações entre
os intelectuais nacionais e estrangeiros176. Essa finalidade está, aliás, bem clara no
discurso de encerramento do Congresso de 1925feito por Ricardo García Mercet, então
secretário-geral da Associação Espanhola para o Progresso das Ciências177. Referindo-se
à importância de congressos como este, García Mercet nota que ela reside, sobretudo, em
promover e incentivar o encontro entre as comunidades científicas de Portugal e Espanha,
possibilitando o conhecimento das respectivas produções científicas, embora isso não
signifique que delas advenha um progresso imediato da ciência178.
Na reunião do Conselho Escolar da Faculdade de Ciências do Porto, de 8 de Junho
de 1923, Luis Woodhouse foi escolhido para representar a primeira secção no Congresso
Luso-Espanhol de Ciências, realizado em Salamanca de 24 a 29 de Junho179.
7. Trabalhos e Publicações
Luis Woodhouse deixou diversos textos impressos e manuscritos no campo da
matemática e do seu ensino, e da história da matemática. Infelizmente, e apesar solicitado
175 Acta do Conselho Académico de 1 de Agosto de 1912, em Actas das Sessões do Conselho Academico
de 1907 a 15 de fevº de 1921, p. 92. 176 Ver [García Sierra, 1993, p. 49] e os Estatutos da Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências.
Casa Portuguesa, Lisboa. 177 O Instituto, pp. 603-608. 178 O Instituto, p. 606. 179 Acta do Conselho Escolar de 8 de Junho de 1923, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 43.
48
pelos seus colegas, não terá publicado nenhum livro baseado nas lições que proferiu no
seu curso de álgebra superior e geometria analítica. Estas lições tinham sido redigidas por
dois dos seus alunos e embora Woodhouse as tivesse revisto «pensava com demasiada
modéstia e a timidez costumada, que ainda não tinha atingido o grau de perfeição que
ambicionava»180.
7.1. Sobre a questão proposta no nº 6
É este o título do primeiro trabalho de Luis Woodhouse escrito, em 1877, quando
ele era ainda estudante em Coimbra. Consistia na resolução de um problema de Teoria
dos Números, apresentado por Gomes Teixeira. O enunciado, incluído no Jornal de
Sciencias Mathematicas e Astronomicas181, é o seguinte:
Tendo tres grupos de objectos, contendo: o primeiro a objectos, o segundo 𝑎 + 1, e o
terceiro 𝑎 + 2; a que potencias se deve levantar cada um d’estes numeros, para que se possa
formar um numero exacto de grupos de tres objectos? Nos outros casos, quantos objectos
restam depois de formados os grupos?
Na solução, publicada com o título «Sobre a questão proposta no nº 6» no mesmo
volume do Jornal 182, Woodhouse traduz matematicamente o problema pela equação
𝑎𝑥 + (𝑎 + 1)𝑦 + (𝑎 + 2)𝑍 = 3𝑖 .
E relacionando os restos possíveis da divisão por 3 de a, 𝑎 + 1, 𝑎 + 2 e das suas
potências, obtém a resposta correcta:
(…) a somma das potencias será divisivel por 3, quando forem estas todas impares; quando
havendo uma par, o resto da sua base por 3 não fôr 2; e finalmente quando havendo uma
impar o resto da sua base por 3 fôr 2.
A exposição de Woodhouse é detalhada e clara, mas a notação empregue não usa a
linguagem das congruências, já conhecida na época. De facto, no mesmo volume do
Jornal de Sciencias Mathematicas e Astronomicas, o distinto matemático Francisco Ponte
180 [Carvalho, 1934, p. 196]. 181 Jornal de Sciencias Mathematicas e Astronomicas, Vol. I, 1877, p. 96. 182 Jornal de Sciencias Mathematicas e Astronomicas, Vol. I, 1877, pp 110-111.
49
da Horta, que foi sócio efectivo da Academia Real da Ciencias de Lisboa, publicou o
artigo «Sobre divisibilidade dos numeros»183, onde usou a notação de Gauss184.
7.2. Demonstração d’um theorema de geometria
Em 1879, a revista O Instituto185 de Coimbra, publicou o artigo Demonstração d’um
theorema de geometria no qual Woodhouse trata da localização dos centros dos círculos
de Villarceau.
O matemático e astrónomo francês Antoine-Joseph Yvon Villarceau (1813 – 1883)
apresentara ao Compte Rendues186, em 1848, uma comunicação intitulada «Théorème sur
le tore», na qual tratava das secções circulares não triviais do toro. No seu teorema,
Villarceau notava que estas secções se obtêm quando o plano secante passa pelo centro
do toro e é tangente à sua superfície. Exprimindo a equação da curva de intersecção em
coordenadas polares, ele mostrava que é possível decompor o primeiro membro da
equação em dois factores cada um dos quais traduz a equação de um círculo187. A
explicação de Villarceau é tão sucinta que Marcel Berger [2010, p. 7]188 a considera
«somente um cálculo ultra-seco e rápido».
O teorema de Villarceau tinha já despertado interesse em Portugal. Em 1877, Pedro
Amorim Viana189, que foi lente da Academia Politécnica do Porto, publicou no Jornal de
Siencias Mathematicas e Astronomicas o artigo “Demonstração do Theorema de M.
Villarceau sobre o tóro” 190. Usando, tal como Villarceau, coordenadas polares, Viana
limita-se a dar uma demonstração mais detalhada do teorema191.
Luis Woodhouse, na demonstração que apresenta, mostra que os centros das
secções circulares que são produzidas pelo plano tangente ao toro que passa pelo centro
do toro são os focos de uma certa elipse. Não deixa de ser curioso que Luis Woodhouse
183 Jornal das Sciencias Mathematicas e Astronomicas, Vol. I, 1877, pp. 57-62. 184 É ao matemático alemão Carl Friedrich Gauss [1777- 1855] que se deve a notação e o essencial da teoria
da congruência [Keef & Guichard, 2013, p. 53]. 185 O Instituto 1878-1879, vol. XXVI, pp. 429-430. 186 Compte Rendues, I, Mathématiques, 27, p. 246. 187 [Villarceau, 1848, pp. 345-347]. 188 Em http://www.bibnum.education.fr/files/villarceau-analyse.pdf, consultado em 5/2/2014. 189 Na sua passagem pela Universidade de Coimbra, os colegas deram-lhe o nome de Newton, devido ao
seu sucesso como matemático [Leite, 1945]. 190 [Viana, 1877, pp. 84-85]. 191 De acordo com [Guimarães, 1909, p. 299] este assunto já tinha sido tratado por Painvin no artigo
intitulado “Principes de la géométrie analytique”, incluído em Géométrie de l’espace, 1ére partie, 1869, pp.
305-306.
50
tenha abordado o mesmo tema de Amorim Viana, professor que ele viria a substituir na
2ª cadeira, aquando da sua entrada na Academia Politécnica do Porto.
Observamos que o estudo dos círculos de Villarceau foi retomado posteriormente
pelas suas aplicações à navegação marítima e aérea, e ao GPS192, realçando a importância
deste tema.
7.3. Chronologia paleontológica (Traços geraes)
Em 1880, Luis Woodhouse publicou no n.º 1 da Revista Scientifica e Litteraria, o
artigo intitulado Chronologia paleontológica (Traços geraes)193. Pode perguntar-se qual
a razão que leva um aluno brilhante, quase a terminar o curso matemático, a dedicar um
estudo a esta temática? A resposta talvez possa estar na diversidade de assuntos que o
interessavam, e na influência que sobre ele terá exercido o seu mestre Júlio Augusto
Henriques a que adiante nos referimos (Cf. 7. 11).
Do conteúdo deste artigo damos apenas um pequeno resumo. Woodhouse aborda
nele a questão do passado geológico do globo terrestre, colocando a ênfase na
possibilidade/impossibilidade de uma datação fiável. E lembra a necessidade de conjugar
os dados fornecidos pela estratigrafia com os da paleontologia para se poder tirar
conclusões. Não podemos esquecer que o processo que usa a datação pelo carbono C-14
data dos anos quarenta do século XX. Woodhouse faz referência especial a três tipos de
armas usadas durante o paleolítico, relacionando-as com a evolução do homem e das
espécies. O artigo termina com a seguinte observação: «Eis aqui muito em resumo as trcs
ordens de elementos, de cuja combinação resulta a possibilidade de se determinar a
antiguidade d'uma estação prehistorica».
7.4. Astronomia (Hypothese Cosmogonica)
Este trabalho de Woodhouse foi publicado em 1881 na Revista Scientifica e
Litteraria194, e nele o autor procura explicações para a início e evolução do universo.
192 [Berger, 2010, p. 6]. Em http://www.bibnum.education.fr/files/villarceau-analyse.pdf, consultado em
5/2/2014. 193 Revista Scientifica e Litteraria, Coimbra, Imprensa Académica, 1880, n.º 1, pp. 17-21. 194 Revista Scientifica e Litteraria, Coimbra, Imprensa Académica, 1881, n.º 2, pp. 46-49.
51
Embora a temática seja diferente da abordada no artigo anterior, também aqui o autor
denota o mesmo tipo de preocupações: as nossas origens.
Woodhouse começa por expor sucintamente as conclusões de Laplace (1749-1827)
sobre a «causa dos movimentos primitivos do systema planetário e a sua origem»,
concebidas à luz dos conhecimentos da época, e que eram: «1.º Que a rotação do planeta
se effectua em um período inferior ao da revolução do satellite; 2.º Que se deve admittir
como directo o movimento de todos os planetas e seus satellites.». E, em seguida, procura
uma explicação para a formação do sistema planetário e a confirmação das conclusões de
Laplace, baseado na descoberta de novos satélites, e em teorias muito recentes, como a
que o astrónomo Hervé Faye apresentara nos Comptes Rendus de l'Académie des
Sciences, em 1880. Fazemos aqui um parêntesis para notar que nos anos de 1884-85 a
1887-88 em que lecionou a 5ª cadeira Woodhouse aconselhou na bibliografia o Cours
d’Astronomie de l’École Polytechnique, de Faye (Cf. 3.1). No seu artigo, Woodhouse
expôs argumentos matemáticos de Faye para, em particular, concluir que um planeta pode
ter movimento retrógrado e que a inclinação das órbitas dos planetas é variável.
7.5. Da Integração das Equações Differenciaes da Dynamica
Em 1883, Luis Woodhouse concorreu ao lugar de professor na Academia
Politécnica do Porto com a dissertação intitulada Da Integração das Equações
Differenciaes da Dynamica. Os arguentes foram os professores da Academia Politécnica
do Porto, José Diogo Arroyo, professor de Análise Química e de Química Geral, e Manuel
Terra Pereira Vianna, lente de Hidraylica e Machinas.
A dissertação, composta por 40 páginas, começa com uma «Introducção» na qual é
apresentado um pequeno resumo do trabalho, à qual se seguem cinco capítulos sem título.
Rodolfo Guimarães (1866-1918), que foi aluno de Luis Woodhouse na Academia
Politécnica do Porto, comenta, assim, o conteúdo desse trabalho: «l’auteur développe les
principaux procédés d’intégration des équations de la dynamique. Il étudie ensuite: les
équations de Lagrange et la transformation de Hamilton; les théorèmes de Liouville,
Donkin et Poisson; la méthode de Jacobi pour déterminer les intégrales des équations de
la dynamique; enfin, l’abaissement des variables effectué par Bour, que M. Woodhouse
52
expose sans faire, comme ce géomètre, la restriction relative au principe des forces
vives.»195.
Duas características sobressaem neste trabalho: a clareza de exposição e a indicação
de referências precisas. À excepção do Treatise on Differential Equations, do matemático
inglês George Boole, a bibliografia mencionada por Woodhouse é, praticamente toda,
francesa sendo o Journal de Liouville referido diversas vezes.
7.6. Principio fundamental da theoria das equações algebricas
Neste trabalho, publicado em 1885 no Jornal de Sciencias Mathematicas e
Astronomicas196, Luis Woodhouse expõe uma demonstração do teorema fundamental da
álgebra. Observamos que em subtítulo e entre parêntesis está escrito «Fragmentos d’umas
lições», o que sugere a existência de um trabalho mais elaborado sobre o assunto;
infelizmente não temos mais dados sobre ele.
De acordo com Rodolfo Guimarães197 trata-se de uma nova demonstração do
teorema de d’Alembert, mas talvez possamos, com maior actualidade, chamar-lhe
teorema fundamental da álgebra. A existência da demonstração de Luis Woodhouse vem
referida na Encyclopédie des Sciences Mathématiques Pures et Appliquées, editada sob a
direcção de Jules Molk, num artigo da responsabilidade de E. Netto e R. Le Vavaseur.
Estes autores, depois de fazerem um comentário sobre a demonstração geométrica de
Mourey, e as de Holst e Manjeot, que lhe são semelhantes, englobam a demonstração de
Woodhouse nas de caracter geométrico, dizendo: «Citons ici parmi les demonstrations de
caractèr géométrique celles de H. Hocks, L. Woodhouse, K. Küpper.» 198.
O tipo de abordagem de Luis Woodhouse surge esboçado no artigo “Philosophie
mathématique. Reflexions sur la nouvelle théorie des imaginaires, suivies d’une
application à la démonstration d’un théorème d’analise”, de Robert Argand [1814-1815],
publicado nos Annales de Mathématiques199.
195 [Guimarães, 1909, p. 169]. 196 [Woodhouse, 1885, pp. 177-182]. 197 [Guimarães, 1909, p. 111]. 198 [Netto e Vavasseur, 1907-1912, pp. 203-204]. 199 [Argand, 1814-1815, p. 197-209].
53
Woodhouse parte da função polinomial 𝐹(𝑧) = ∑ 𝐴𝑗 𝑧𝑗𝑛
𝑗=0 , com 𝐴𝑗 ∈ ∁. Os
coeficientes 𝐴𝑗 são escritos na forma polar, e a variável z é representada nas formas polar
e cartesiana. O trabalho não inclui qualquer figura, no entanto a resolução apresentada
pressupõe a elaboração de uma. Considera um referencial cartesiano plano, de origem O,
e sejam 𝐴𝑗 = 𝜌𝑗(𝑐𝑜𝑠𝜔𝑗 + 𝑖𝑠𝑒𝑛𝜔𝑗), 𝑗 = 0, 1, … 𝑛, e 𝑧 = 𝑟(𝑐𝑜𝑠𝜃 + 𝑖𝑠𝑒𝑛𝜃) = 𝑥 + 𝑖𝑦 .
Seja ainda 𝑃𝑗 = 𝑃𝑗−1 + 𝐴𝑗𝑧𝑗 , 𝑗 = 1, … , 𝑛. Note-se que 𝑃𝑛 representa F(z). Woodhouse
fixa r, e considera as curvas fechadas 𝑄𝑗, 𝑗 = 1, … . , 𝑛 descritas por 𝑃𝑗 quando 0 < 𝜃 <
2𝜋. Em particular, 𝑄1 é uma circunferência de centro 𝑃0 e raio 𝜌1𝑟, e 𝐶𝑗 é um círculo de
centro O e 𝑟𝑎𝑖𝑜 = ∑ 𝜌𝑘𝑟𝑘𝑗𝑘=0 que contém a curva 𝑄𝑗 e o círculo 𝐶𝑗−1.
A ideia da demonstração é provar que ∃𝑟, 𝜃: |𝐹(𝑧)| = 0.
Woodhouse mostra que as coordenadas cartesianas de z, (𝑥, 𝑦), variam
continuamente com r e 𝜃, e que:
1) existem 𝑟′, 𝑟′′: 0 < 𝑟′′ < 𝑟′;
2) para 𝑟 = 𝑟′′ é O exterior a 𝑄𝑛;
3) para 𝑟 = 𝑟′ é O interior a 𝑄𝑛.
Usando a continuidade, conclui que existe 𝑟 ∈ [𝑟′′, 𝑟′] tal que 𝑄𝑛 passa na origem.
Para dar uma ideia geométrica da demonstração de Woodhouse, exemplificamo-la
no caso particular 𝑛 = 2.
𝑃0 = 𝑂 + 𝐴0 = 𝑂 + 𝜌0 (𝑐𝑜𝑠(𝜔0) + 𝑖𝑠𝑒𝑛(𝜔0)),
𝑃1 = 𝑃0 + 𝐴1𝑧 = 𝑃0 + 𝜌1𝑟 (𝑐𝑜𝑠(𝜔1 + 𝜃) + 𝑖𝑠𝑒𝑛(𝜔1 + 𝜃))
𝑃2 = 𝑃0 + 𝐴1𝑧 + 𝐴2𝑧2 = 𝑃1 + 𝜌2𝑟2 (𝑐𝑜𝑠(𝜔2 + 2𝜃) + 𝑖𝑠𝑒𝑛(𝜔2 + 2𝜃)),
em que 𝑃2 representa geometricamente 𝐹(𝑧).
Seja 𝑄1 a circunferência descrita por 𝑃1, em torno de 𝑃0, quando 0 < 𝜃 < 2𝜋; 𝐶1
é o círculo de centro O e raio 𝜌0 + 𝜌1 𝑟; 𝑄2 é a curva fechada descrita por 𝑃2 quando 0 <
𝜃 < 2𝜋; 𝐶2 é o círculo de centro O e raio 𝜌0 + 𝜌1 𝑟 + 𝜌2 𝑟2. Observamos que 𝐶1 contém
𝑄1 e que 𝐶2 contém 𝐶1 e 𝑄2. Queremos mostrar que:
1) existe r’ tal que para 𝑟 > 𝑟′ , 𝑃1𝑃2 é maior do que o diâmetro de 𝐶1, e portanto
𝑄2 contém no seu interior 𝐶1. Basta tomar r’ como a raiz positiva da equação
𝜌2 𝑟2 − 2(𝜌0 + 𝜌1𝑟) = 0.
2) existe r’’ tal que se 𝑟 < 𝑟′′ a origem O é exterior a 𝑄2. Basta tomar r’’ como a
solução positiva d a equação 𝜌2 𝑟2 + 𝜌1𝑟 − 𝜌0 = 0.
54
O primeiro manual universitário a conter uma demonstração do teorema foi o Cours
d'analyse de l'École Royale Polytechnique, de Cauchy (1821). A demonstração em
questão é a de Argand, embora este não seja mencionado. Nenhuma das demonstrações
até agora mencionadas é construtiva. A questão de encontrar uma demonstração
construtiva do teorema foi levantada pela primeira vez por Weierstrass, em 1891.
7.7. Contribuição portuguesa para um célebre problema de Álgebra
Este trabalho constituiu uma homenagem ao matemático e professor português
Francisco Simões Margiochi (1774-1838)200, e foi preparado por Luis Woodhouse para
ser apresentado no Congresso Luso-Espanhol de 1921, na conferência intitulada
“Contribuição de Francisco Simões Margiochi para o problema da resolução algébrica
das equações”.
O trabalho de Margiochi, Memoria com o fim de provar que não podem ter fórma
de raizes, as equações litteraes e completas de graus superiores ao quarto, foi publicado
nas Memórias da Academia das Sciencias de Lisboa (tomo VII, 1821, pp. 317-349) e foi
muito elogiado pelo secretário desta Academia, Sebastião Francisco de Mendo Trigozo,
no Discurso Historico recitado na sessão publica de 24 de Junho de 1820201. A certo
passo desse discurso, Trigozo diz o seguinte a propósito da demonstração dada por
Margiochi202: «O Snr. Francisco Simões Margiochi lêo huma excelente Memoria, em que
prova que as Equações Litteraes de grãos superiores ao quarto, não tem forma de raízes,
isto he, que se não podem resolver exactamente. Com esta demonstração faz o Author
hum importante serviço aos Mathematicos, poupando-lhes as fadigas que ainda poderião
ter para resolver este Problema, em que por quasi três seculos se empenharão de balde
grandes Geometras.»
Numa breve introdução histórica, Luis Woodhouse sublinha que, ao contrário do
que se pensava, o interesse por temas matemáticos era claro no período subsequente a
Anastácio da Cunha (1744-1787) e Monteiro da Rocha (1734-1819), que antecede Daniel
200 Como refere Woodhouse neste trabalho, Francisco Simões Margiochi foi aluno da Faculdade de
Matemática da Universidade de Coimbra, onde concluiu «com brilho» os estudos em 1798. Em 1801
tornou-se lente substituto da Academia da Marinha. 201 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, VII, 1821, pp. I-XXVII. 202 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, VII, 1821, pp. XV-XVI.
55
Augusto da Silva (1814-1878). Rodolfo Guimarães tinha já chamado a atenção para este
facto, incluindo Margiochi no grupo de matemáticos que continuaram a obra de Monteiro
da Rocha e de Anastácio da Cunha203.
Neste seu trabalho, Woodhouse começa por apresentar Margiorchi, que descreve
como um liberal que soube harmonizar o estudo científico com os deveres de cidadania,
tendo sid que foi eleito deputado às Constituintes e deputado às Côrtes Ordinarias de
1823.
Quanto ao estudo que Margiochi desenvolveu no campo das equações, Woodhouse
mostra que ele se inspirou em Lagrange, embora o seu método tenha a vantagem de ser
uniforme para as equações de terceiro e quarto grau. No entanto, Woodhouse nota que
Margiochi está errado, quando conclui que as equações de grau superior a quatro não são
solúveis por meio de radicais, por não ser possível aplicar-lhes o seu método. A propósito
deste trabalho de Margiochi, Woodhouse alude à referência feita por Rodolfo Guimarães
na segunda edição da obra Les Mathématiques au Portugal [1909, p. 589], na qual o autor
transcreve o parecer incluído nos Annales de Gergonne [nº 9, t. XVII, mar 1827], onde
se lê204: «M. Margiochi en déduit, comme ces deux géomètres [Crelle e Le Barbier], une
nouvelle méthode de résolution des équations des quatres premiers degrés; et parce que
cette méthode ne peut s’étendre au-delà, l’auteur en conclut qu’on ne saurait résoudre les
équations des degrés supérieur. Nous craignons que la demonstration ne produise pas une
égale conviction dans l’esprit de tous les lecteurs.». Observamos que Rodolfo Guimarães
não emite opinião sobre o assunto, mas Woodhouse concorda com o parecer apresentado
nos Annales de Gergonne.
7.8. O Ensino Matemático nas Universidades Portuguesas
No encerramento do 1º Congresso da Associação Luso-Espanhola para o Progresso
das Ciências, realizado no Porto em 1921, Luis Woodhouse proferiu a conferência com o
título o Ensino Matemático nas Universidades Portuguesas, cujo texto se encontra
203 [Guimarães, 1909, p. 13]. 204 [Guimarães, 1909, p. 589-590]. Já na 1ª edição de Les Mathématiques en Portugal au XIXe siècle,
Rodolfo Guimarães [1900, p. 22] faz referência a este trabalho limitando-se a dizer «L’auteur démontre
l’impossibilité de la résolution générale des equations de degré supérieur au quatrième».
56
publicado. Trata-se de um trabalho extenso (com 19 páginas), organizado de acordo com
os tópicos que transcrevemos a seguir:
O ensino matemático nas escolas superiores antes de 1911;
A Universidade e as Politécnicas;
Anomalias e imperfeições da organização anterior a 1911;
A reforma de 1911;
Frequência livre e frequência obrigatória;
A descongestionação do ensino e ampliação das disciplinas;
Matemática útil e matemática especulativa;
O novo quadro das cadeiras;
Desequilíbrio da sua organização;
Melhorias e imperfeições;
A cultura matemática preparatória dos alunos que ingressão nas Faculdades de
Sciências;
A transição do ensino liceal para o ensino universitário;
A extensão do ensino matemático dentro da 1ª secção da Faculdade de Sciências e
a preparação matemática do engenheiro;
A extensão do ensino matemático dos alunos da 2ª e 3ª secções da Faculdade de
Sciências;
Um novo plano de estudos matemáticos nas Faculdades de Sciências.
Toda a abordagem é muito interessante e reflecte bem as preocupações científicas,
pedagógicas e didáticas do nosso biografado. O que mais nos chama a atenção é o modo
como Woodhouse vê o papel do professor, e a importância da organização do ensino
matemático, não descurando o período de transição para o ensino superior. Luis
Woodhouse sublinha que o professor deve ser o motor da aprendizagem e do interesse do
aluno, e que a ele cumpre «desempenhar mais alto dever do que aquele que se cifra em
marcar lições e fiscalizar faltas; tem obrigação insofismável de ensinar, atraindo e não
coagindo, missão bem mais elevada, agradável, tranquila e prestigiosa». Por outro lado,
Woodhouse entende que os conteúdos dos programas devem ser adaptados aos objectivos
das carreiras dos alunos a que destinam, mas sempre lecionados com o rigor que
matemática exige. A este propósito, Woodhouse afirma o seguinte205:
205 [Woodhouse, 1921, p. 141].
57
Os conhecimentos matemáticos adquiridos sistematicamente por métodos experimentais ou mesmo
obtidos sem a nitidez companheira do rigor, sem orientação inspirada pelo verdadeiro espírito
matemático emfim, ¡que frágil instrumento de investigação virão a constituir nas mãos de quem
tentar utilizá-los! ¿Que efeito disciplinador, que acção educativa colherá quem assim os obtiver?
E insiste, sublinhando a missão do professor206:
Eu reputo o encargo de expor sob o aspecto utilitário os necessários conhecimentos, missão que aos
inexperientes se afigurará talvez fácil tarefa, um daqueles que mais responsabilidades fará pesar
sôbre o professor, probo e consciente da sua alta missão, que queira e saiba transmitir, sem demolir
a sciência, um conjunto apreciável de noções úteis enlaçando precisão e sobriedade com um solícito
discernimento.
Woodhouse estava convencido de que não era possível resolver os problemas do
ensino superior independentemente dos do ensino secundário. Entre as sugestões que
apresenta para colmatar as lacunas nos conhecimentos dos estudantes aquando do seu
ingresso na universidade, encontra-se a da criação de um ano de transição, da
responsabilidade das Faculdades, onde os programas do liceu, de nível médio, seriam
ampliados, e orientados para o curso a que o estudante se destinasse. Esta sugestão nunca
chegou a ser posta em prática.
Apesar de apontar defeitos à reforma de 1911, Woodhouse considera que ela
contribuiu significativamente para a melhoria do ensino em Portugal, e encara numa
perspectiva optimista o futuro desse ensino.
7.9. O Renascimento Matemático em Portugal no fim do século XVIII e a Real
Academia das Sciencias de Lisboa207
Luis Woodhouse apresentou este texto na conferência que proferiu em Salamanca,
em 1923, no Congresso Luso-Espanhol de Ciências.
Em breve síntese refere o estado de decadência em que se encontrava a matemática
em Portugal nos meados do século XVIII, apontando entre as excepções o ensino em
206 [Woodhouse, 1921, p. 141]. 207 Agradecemos a gentileza da Biblioteca Nacional de Catalunya, que nos possibilitou a consulta deste
trabalho, que não conseguimos obter em Portugal.
58
ordens monásticas, em Coimbra, e as escolas anexas aos regimentos de artilharia onde se
ministravam conhecimentos de balística e de fortificação.
Sobre a Universidade de Coimbra, Woodhouse elogia a reforma iniciada em 1772
pelo Marquês de Pombal, que entende ter favorecido o progresso dos estudos
matemáticos em Portugal; e sublinha o contraste com o ensino matemático nela
ministrado até essa altura, que, como diz, se limitava à explicação breve dos Elementos
de Euclides, e a rudimentos da teoria dos planetas, e que «éra um ensino de facto extinto».
Aquando da criação da Academia das Ciências de Lisboa, em 24 de Dezembro de
1779, além da Faculdade de Ciências, em Coimbra, os estudos matemáticos superiores
eram também professados na Aula de Comércio (Lisboa, 1759), na Aula de Náutica
(Porto, 1772) e na Academia Real de Marinha (Lisboa, 1779). Só posteriormente foram
criadas em Lisboa a Academia dos Guardas-Marinhos (1782), a Academia Real de
Fortificação, Artilharia e Desenho (1790); e, já no início do século XIX, a Academia Real
da Marinha e Comércio (Porto, 1803). Esta escassez de estabelecimentos de ensino em
que a matemática era leccionada justifica a opinião de Woodhouse sobre a vitalidade
científica da Academia das Ciências, quando afirma208:
não podia, pois, existir um grande nucleo de iniciados na sciencia, e bem mais mesquinho deveria
ser o numero d’aqueles que, habeis para cultivar com exito, poderiam congregar-se a volta dos
fundadores da Academia para iniciar um largo e valioso trabalho colectivo que daria prova segura
da vitalidade do instituto recem creado.
Entre os autores cujos trabalhos (de matemática e astronomia) foram publicados nas
Memórias da Academia das Ciências até ao fim do século XVIII, Woodhouse destaca
José Monteiro da Rocha, Francisco Garção Stockler, Manoel Coelho da Maia, José Maria
Dantas Pereira, Francisco de Paula Travassos, Bento Sanches D’Orta e Custódio Gomes
Villas Boas. Como sobressai nesta listagem, o nome de José Anastácio da Cunha está
ausente! Isso deve-se, seguramente, ao facto de ele não ter sido membro da Academia.
Mas nem por isso Woodhouse o esqueceu, fazendo-lhe elogios rasgados, como o que, a
título de exemplo, aqui transcrevemos209:
208 [Woodhouse, 1923, pp. 179-180]. 209 [Woodhouse, 1923, p. 181].
59
José Anastacio nunca foi academico, não obstante ter titulos de sobra e hombros suficientemente
robustos para suportar as responsabilidades do honroso cargo.
Woodhouse faz apenas um brevíssimo comentário aos trabalhos de Villas Boas e
de Sanches D’Orta, não obstante deixar evidenciado o seu interesse no campo da
astronomia. Relativamente aos outros autores, apresenta uma ordenação segundo a
importância que lhes atribui. E de cada um deles indica os textos mais significativos, que
ele refere como as «produções de ordem mais elevada e de mais largo folego,
apresentadas sob a forma de Memorias». A sequência que apresenta é a seguinte:
1 – José Monteiro da Rocha: Solução do problema proposto por Kepler sobre a
medição dos toneis; Aditamento à regra de Fontaine para resolver por aproximação
problemas que se reduzem a quadraturas; Determinação das orbitas dos cometas;
2 – Manoel Joaquim Coelho Maia: Memoria sobre a solução do problema
proposto pela Academia sobre o metodo de aproximação de Fontaine;
3 – Francisco de Borja Garção Stockler: Memoria sobre os verdadeiros princípios
do método das fluxões; Demonstração; Demonstração do teorema de Newton sobre a
relação que têm os coeficientes de qualquer equação algebrica com as sômas das
potencias das raízes. Aplicação ao desenvolvimento dos produtos infinitos; Memoria
sobre as equações de condição das funções fluxionais; Memoria sobre algumas
propriedades dos coeficientes dos termos do binomio Newtoniano;
4 – José Maria Dantas Pereira: Memoria sobre os instrumentos de reflexão;
Reflexões sobre certas somações sucessivas dos termos das series aritmeticas, aplicadas
a questões algébricas;
5 – Francisco da Paula Travassos: Ensaio sobre as braquistocronas e reflexões
sobre as proposições 42 e 76 do 2º tomo da Mecanica de Euler.
Os comentários de Woodhouse a estes trabalhos são muito sucintos, o que
naturalmente estaria em conformidade com o tempo que a organização reservava para as
sessões. Mesmo assim, em geral, não deixa de referir aspectos como o da formação
académica, personalidade, e actividade docente e de investigação dos seus autores.
De Monteiro da Rocha lembra que foi educado por jesuítas, que colaborou na
redacção dos estatutos da Universidade reformada, na parte relativa às Ciências Naturais
e à Matemática, e que foi professor nessa universidade; e sublinha em especial o seu
60
trabalho no campo da astronomia. Sobre a Solução do problema proposto por Kepler
sobre a medição dos toneis, cujo título completo é Solução geral do problema de Kepler
sobre a Medição das Pipas, e Toneis210, Woodhouse aborda numa só página o que nas
Memórias da Academia ocupa trinta e seis. Nas suas anotações fica claro que o problema
que Monteiro da Rocha trata não tem grande dificuldade, embora a sua aplicação envolva
cálculos penosos; e, que Monteiro da Rocha fez uma boa opção ao substituir, com
vantagem prática, o cálculo exacto do volume do tonel por um cálculo aproximado desse
volume.
A Determinação das orbitas dos cometas211 é, para Woodhouse, «um dos mais
completos e dos mais notáveis trabalhos de Monteiro da Rocha»; Woodhouse salienta a
exposição do método aplicado para determinar os elementos de uma órbita parabólica, a
partir de três observações, e resume esse método. Lembramos que, em 1915, Duarte Leite
publicara nos Anaes da Academia Polytecnica do Porto o artigo “Pour L’Histoire de la
Detérmination des Orbites Cométaires”212 no qual se ocupava do referido trabalho de
Monteiro da Rocha. Woodhouse faz alusão a esse artigo e sublinha, tal como Duarte Leite,
que o método utilizado por Monteiro da Rocha é muito semelhante ao de Heinrich Olbers,
e que precede em 15 anos o do astrónomo alemão.
A propósito do metodo de Fontaine, Woodhouse refere a memória de Coelho Maia,
sócio correspondente da Academia das Ciências, elaborada como resposta ao problema
proposto por esta Academia213. As dúvidas sobre a pertinência da proposta deste trabalho
e a qualidade da memória de Coelho Maia deram a Woodhouse a oportunidade de, mais
uma vez, aludir a Anastácio da Cunha, lembrando a «crítica acerada e porventura, até
certo ponto justificada» que ele fez. E, também, a de referir a «elegante demonstração»
feita por Monteiro da Rocha no Aditamento à regra de Fontaine para resolver por
aproximação problemas que se reduzem a quadraturas214.
Depois de Monteiro da Rocha é a Garção Stockler que Woodhouse dedica mais
atenção, sublinhando as suas competências como matemático, poeta, pedagogo, cientista,
e até como Secretário da Academia das Ciências (foi eleito sócio da Academia em 20 de
Outubro de 1787). Como se sabe, no desempenho deste último cargo Stockler proferiu,
210 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1797, Tomo I, pp. 1-36. 211 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1799, Tomo II, pp. 402-479. 212 Anais da Academia Politécnica do Porto, vol. 10 (1915), pp. 65-73. 213 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1797, Tomo I, pp. 503-525. 214 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1797, Tomo I, pp. 218-244.
61
em 1791, o elogio académico do geómetra francês D'Alembert aquando da sua morte; um
discurso que Woodhouse considera «notavel».
Woodhouse destaca a Demonstração do theorema de Newton sobre a relação, que
tem os coefficientes de qualquer equaçaõ algebrica com as sommas das potencias das
suas raízes, e applicaçaõ do mesmo Theorema ao desenvolvimento em serie dos produtos
compostos de infinitos factores215 (é este o título com que o trabalho aparece nas
Memórias da Academia), descrevendo abreviadamente o conteúdo desta memória.
Referindo-se ao Aditamento feito por Stoclker, lembra que ele afirma que «obteve
resultados não menos exactos do que aqueles que foram obtidos por Halley por meio de
formulas que aplicou nas Philosophical Transactions»; e elogia as aplicações feitas. A
única apreciação crítica, se assim se pode chamar, de Woodhouse é ao modo como são
utilizadas as séries, embora admita que isso estaria de acordo com os padrões de requisito
da época. Esta opinião de Woodhouse é transcrita por Pedro José da Cunha no Bosquejo
histórico das matemáticas em Portugal216.
A propósito da Memoria sobre algumas propriedades dos coeficientes dos termos
do binomio Newtoniano217, lida na Academia das Ciências em 22 de Novembro de 1797,
Woodhouse lembra que nela Stockler demonstra teoremas que anteriormente usara em
Sobre os verdadeiros princípios do método das fluxões218. Retemos um aspecto que nos
parece interessante no comentário que Woodhouse faz ao texto do método das fluxões: o
de lembrar a crítica que Stockler faz a Mac Laurin pela «impropriedade de introduzir na
álgebra princípios de mecânica», embora ele mesmo incorra num erro análogo ao «incluir
o tempo na concepção das suas fluxões».
Na qualidade de sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa,
Francisco da Paula Travassos enviou a esta instituição o Ensaio sobre as braquistocronas
e reflexões sobre as proposições 42 e 76 do 2º tomo da Mecanica de Euler219. De acordo
com o autor, a questão da braquistócrona (uma inversa da ciclóide) é o problema proposto
por Jean Bernoulli, em 1696, nas Actas de Leipzig, para o qual indicaram a solução
Leibniz, Newton, Jacob Bernoulli e L’Hôpital. Woodhouse nota que Travassos no seu
215 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1799, Tomo II, pp. 1-35 e «Aditamento» pp. 36-
46. 216 [Cunha, 1929, p. 44]. 217 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1799, Tomo II, pp. 480-511. 218 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1797, Tomo I, pp. 200-217. 219 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1799, Tomo II, pp. 3-16.
62
trabalho determina a solução do problema, «quaisquer que sejam as forças solicitantes do
corpo, tanto no vacuo como em meios resistentes», caracteriza as cicloides, e «Demonstra
a inexactidão de algumas proposições da mecânica de Euler».
Sobre os trabalhos de José Maria Dantas Pereira: Memoria sobre os instrumentos
de reflexão220 (lida na sessão da Academia das Ciências de 18 de Abril de 1792) e
Reflexões sobre certas somações sucessivas dos termos das series aritmeticas, aplicadas
a questões algébricas221 (lida na sessão da Academia de 8 de janeiro de 1794) Woodhouse
teceu considerações que constam, com muito maior desenvolvimento, no artigo O Método
de Horner e um trabalho português esquecido, a que nos dedicaremos em 7.10.
A terminar a conferência, Woodhouse ainda alude a Mateus Valente do Couto, João
Evangelista Torriani e Simões Margiochi, três académicos que só no início do século XIX
se tornaram membros da Academia das Ciências. Mas foi ao trabalho de Margiochi que
dedicou mais atenção, fazendo incidir sobre ele a conferência que apresentou no
Congresso Luso-Espanhol de Ciências de 1921 (Cf. 7.7). Às considerações de
Woodhouse sobre Torriani referir-nos-emos adiante (Cf. 7.12).
7.10. O Método de Horner e um trabalho português esquecido (1794)
Este trabalho é uma homenagem ao professor e matemático português José Maria
Dantas Pereira222 (1772-1836), para quem Woodhouse reclama a prioridade da aplicação
do método de Horner.
Em 1819, o matemático inglês William George Horner (1786 - 1837) apresentou à
Royal Society uma memória na qual descreve um processo que permite aproximar as
raízes de uma equação polinomial, socorrendo-se da regra de Ruffini. Esta memória, que
foi publicada no jornal Philosophical Transactions of the Royal Society (1819, Part I, pp.
308-335) com o título “A new method of solving numerical equations of all orders”, viria
a tornar conhecido o nome do seu autor.
220 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1799, Tomo II, pp. 159-167. 221 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1799, Tomo II, pp. 168-186. 222 José Maria Dantas Pereira foi professor de Matemática da Academia Real dos Guardas-Marinhas.
Aquando das invasões napoleónicas, emigrou com a família real para o Brasil, regressando a Portugal em
1819. Foi sócio correspondente da Real Academia das Ciências de Lisboa desde 1792, e seu secretário em
1823. Absolutista convicto, emigrou depois da vitória dos liberais, tendo falecido em França. Ver
[Woodhouse, 1924, p. 18].
63
O trabalho de Woodhouse consiste em comparar os métodos usados por Dantas
Pereira e por Horner para calcular o valor de um polinómio num ponto e para obter valores
aproximados das raízes reais desse polinómio. Woodhouse começa por explicar em que
consiste o método de Horner, e aplica-o a uma equação, recorrendo à regra de Ruffini e
ao método de tentativa e erro para obter um valor aproximado da sua raiz. No método de
tentativa e erro Woodhouse socorre-se de uma «fracção indicadora», que supostamente
permite obter um intervalo de inteiros ao qual a raiz pertence; mas não há garantia da
eficácia do processo. Observamos, por curiosidade, que na exposição de Woodhouse não
intervém o cálculo diferencial, que Ruffini já utiliza no seu procedimento223.
Sobre a memória de Dantas Pereira, Woodhouse expõe muito cuidadosamente o
método usado pelo autor para calcular o valor de um polinómio num ponto, mas
reescreve-o com ligeiras alterações na formulação. Por outro lado, Woodhouse trata
apenas casos em que a variável toma valores inteiros, enquanto em Dantas Pereira ela
pode tomar qualquer valor real. Ainda a propósito da notação, observamos que a de
Woodhose é mais sintética do que a de Dantas Pereira, não obstante a deste último ser
clara. Esta característica não é de surpreender em Dantas Pereira cuja preocupação com
o formalismo matemático está igualmente evidente noutros trabalhos seus; a título de
exemplo, referimos a Memoria sobre a nomenclatura, ou lingoagem mathematica, menos
bem tratada pelo habilissimo auctor do Ensaio de Psychologia impresso em Paris no
anno 1826224.
Para Woodhouse o método de Dantas Pereira, que não usa a regra de Ruffini, é até
mais eficiente do que o Horner pois reduz o número de cálculos. Entendemos que uma
outra vantagem do método de Dantas Pereira, que Woodhouse não assinala, é a de incluir
um processo iterativo adequado ao uso de utensílios mecânicos. Não sabemos até que
ponto esta ideia estaria já latente no autor, mas podemos afirmar que ele estava a par dos
trabalhos matemáticos que se produziam na sua época.
7.11. A Matemática em Portugal no principio do século XIX
223 [Cajori, 1911, p. 412]. 224 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1829, Tomo X, 2ª parte,pp. 197-207.
64
Este texto de Woodhouse225 constitui o teor do discurso inaugural da Secção de
Ciências Matemáticas do Congresso Luso-Espanhol, de Coimbra, de 1925, e foi
publicado pela Associación Española para el Progreso de las Ciências226. O trabalho dá
continuidade ao assunto tratado pelo autor em O Renascimento Matemático em Portugal
no fim do século XVIII e a Real Academia das Sciencias de Lisboa, que atrás
apresentámos (Cf. 7.9).
Woodhouse começa por agradecer aos seus mestres em Coimbra, distinguindo entre
eles Júlio Henriques e Souto Rodrigues, que considera «dois venerandos e distintos vultos
do alto professorado da nossa terra».
Uma breve consulta deu-nos a conhecer facetas interessantes destes professores que
deixaram marca no nosso biografado. Vejamos.
Júlio Augusto Henriques (1838-1928) foi um académico multifacetado; começou
por fazer o bacharelato em direito, em Coimbra, tendo concluído uns anos depois a
licenciatura e o doutoramento em filosofia, na mesma universidade, com a dissertação
“As espécies são mutáveis?” (1865). No ano seguinte, no concurso para docente da
Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, apresentou a tese “Antiguidade do
Homem”. Júlio Henriques defendeu a teoria evolucionista das espécies, tendo sido o
primeiro a divulgar em Portugal os trabalhos de Darwin. Nomeado lente catedrático em
1873, ficou encarregue da regência da cadeira de Botânica e Agricultura e, mais tarde,
também da direcção do Jardim Botânico de Coimbra227.
João José Dantas Souto Rodrigues (1841-1929) foi, como antes referimos (Cf. 2.2),
o primeiro arguente do júri do exame final de curso de Luis Woodhouse. Depois de
completar o bacharelato em Filosofia, em Coimbra, Souto Rodrigues concluiu, em 1865,
o bacharelato em Matemática e, quatro anos mais tarde, o doutoramento em
Matemática228. Foi lente de Álgebra Superior e Geometria Analítica e director do
225Agradecemos à Dra. Maria Eugenia Woodhouse a oferta que nos fez do exemplar deste trabalho, que
decidimos depositar na Biblioteca da Faculdade de Ciências. 226 Associación Española para el Progreso de las Ciências Coimbra, Tomo II: Conferencias. Madrid:
Talleres Poligraficos, pp. 81-101. No catálogo da Biblioteca Nacional de Portugal vem referido como A
mathematice em Portugal no principio do século XIX. 227 Notas colhidas em http://bibdigital.bot.uc.pt/index.php?language=pt&menu=4&tabela=geral, e em
http://bibdigital.bot.uc.pt/index.php?language=pt&menu=4&tabela=geral (em 10 de Março de 2015). 228 Notas colhidas em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/13816/1/Relatorio_Valter.pdf, e em
http://www.uc.pt/org/historia_ciencia_na_uc/autores/RODRIGUES_joaojosedantassouto (em 10 de Março
de 2015).
65
observatório astronómico. Além de artigos, sobretudo na área dos determinantes, que
publicou na revista O Instituto: jornal scientifico e litterario, é autor de diversos livros
sobre os temas que leccionava. Referimos, por exemplo, o Additamento á Algebra
Superior de Francoeur (Coimbra, 1886), já mencionado (Cf. 3.1), Lições de Algebra
(Coimbra, 1892), Trigonometria elementar: funções goniometricas, triângulos
rectilíneos (Coimbra, 1897), Trigonometria Espherica (Coimbra, 1897), Principios de
geometria analytica, em dois volumes (Braga, 1905-1906).
Na apresentação de Woodhouse segue-se uma breve referência aos primórdios da
ciência em Portugal. Nela se destacam a criação da Junta de Matemáticos no tempo de D.
João II, a remodelação da universidade portuguesa aquando da sua transferência de
Lisboa para Coimbra, em 1537, no reinado de D. João III, e os nomes de Pedro Nunes,
Monteiro da Rocha e Anastácio da Cunha. Não referiremos aqui as suas considerações
sobre a Determinação das orbitas dos cometas, de Monteiro da Rocha, o desenvolvimento
em serie dos produtos compostos de infinitos factores, de Stockler, e o método para
calcular as raízes das irracionais e fraccionárias das equações algébricas, de Dantas
Pereira, uma vez que elas constam de trabalhos anteriores de Woodhouse.
Para discorrer sobre o tema que dá o título à conferência, Woodhouse socorre-se
das memórias anteriores a 1819 publicadas nas Memorias da Academia Real das
Sciencias de Lisboa, e recorda os nomes dos seguintes autores: Francisco Simões
Margiochi, Mateus Valente do Couto, Francisco da Paula Travassos, Damoiseau de
Monfort, João Evangelista Torriani, José Cordeiro Feio e Manoel Pedro de Melo.
Os trabalhos dedicados ao cálculo das notações são os primeiros que Woodhouse
menciona e estão incluídos no tomo III das Memorias da Academia: um deles foi
realizado conjuntamente por Simões Margiochi e Valente do Couto229, e o outro é da
autoria de Paula Travassos230. Estes textos tratam da possibilidade de obter regras para o
cálculo integral tão fáceis de aplicar como as dos cálculos das diferenças finitas e não-
finitas. Woodhouse observa que o «plano é arrojado e á execuçao não é estranho nem o
engenho nem alguma originalidade.» A memória de Margiochi e Valente do Couto foi,
229 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1812, Tomo III, I, pp. 48-64. 230 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1812, Tomo III, I, pp. 65-72.
66
também, objecto do Discurso Contendo a Historia da Academia Real das Sciencias,
desde 25 de Junho de 1812, Até 24 de Junho de 1813, lido por José Bonifácio de Andrade
e Silva em 24 de Junho de 1813. No seu discurso, Alves Bonifácio, então secretário da
Academia, salienta que nessa memória «se trata de hum Principio novo e importantíssimo
de Calculo, fundado na analogia que tem os expoentes das Differenças com os do
Binomio de Newton»231, e sublinha relevantes generalizações que nela se fazem.
A propósito destes trabalhos de Margiochi, Couto e Travassos, Woodhouse traça
um breve panorama do estado da questão na época, e das motivações dos autores para
atacar o problema, resumindo, por palavras suas, o que Paula Travassos escrevera com
mais detalhe sobre o assunto na memória que atrás referimos (pp. 65-67). Nesse panorama
sobressaem as contribuições de Leibniz (Memória inserida na Miscellanea Berolinensia,
1749), Lagrange (Memória da Academia de Berlim, 1772), Laplace (Memória
apresentada à Academia das Ciências de Paris, 1777) e Lorgna (Memórias de Turim,
1786 e 1787). Mas, como Woodhouse nota, apesar do prestígio dos autores envolvidos
na procura de uma solução para o problema, em 1787 ele não estava, ainda, resolvido.
Sobre o conteúdo dos dois trabalhos de Margiochi, Couto e Travassos, Woodhouse
refere a notação estabelecida por Margiochi e o significado dos símbolos utilizados para
representar diferenciações, integrações, diferenças e somas finitas, etc., assunto que
Travassos destaca no seu texto232. Por outro lado, observa que essa notação obedece às
regras do cálculo algébrico, e que, graças a ela, os três autores puderam estabelecer «um
grande numero de fórmulas e teoremas com aparente facilidade». Woodhouse sublinha
que o trabalho de Travassos «esclarece e anota a doutrina [de Margiochi e Couto]
apontando cuidados e restrições para que se evitem falsas aplicações».
Lembramos que o interesse de Margiochi por questões de notação está também
evidente no seu artigo Fundamentos de Algorithmia Elementar233, onde expõe os
princípios do cálculo algébrico. Woodhouse faz uma breve alusão a esse trabalho e ainda
a outros dois desse autor; um deles é um ensaio sobre mecânica, e o outro a Memoria com
o fim de provar que não podem ter fórma de raizes, as equações litteraes e completas de
231 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1812, Tomo III, I, p. LXVII. 232 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1812, Tomo III, I, p. 67. 233 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1812, Tomo III, I, pp. 27-60.
67
graus superiores ao quarto, sobre a qual já tinha incidido um dos seus trabalhos (Cf. 7.7);
mas nada acrescenta de substancial ao que aí havia escrito.
Woodhouse dá um breve apontamento biográfico de Margiochi e de Valente do
Couto. Não repetiremos as indicações sobre o primeiro que constam já, e até muito mais
completas, no seu texto Contribuição portuguesa para um célebre problema de Álgebra.
Sobre Mateus Valente do Couto (1770 - 1848), menciona a sua posição de professor da
Academia Real de Marinha e da Academia dos Guardas-Marinhas. Embora Valente do
Couto tenha sido um autor muito profícuo234, Woodhouse apenas menciona mais três
trabalhos seus, além do cálculo das notações já referido. São as Fórmulas para o cálculo
das precessões, apresentada à Royal Astronomical Society, de Londres, e do qual, como
observa, essa sociedade fez imprimir um resumo; a Comparação das fórmulas tanto
finitas como de variações finitas e infinitessimas dos triângulos esféricos e rectilineos,
apresentada à Academia das Ciências de Lisboa, e uma outra memória, cujo título não
reproduz, mas que diz tratar da «dedução filosófica das operações algébricas»235. E destes
três trabalhos, o único que comenta é Comparação das fórmulas tanto finitas como de
variações finitas e infinitessimas dos triângulos esféricos e rectilineos, que é referido nas
Memórias da Academia das Ciências como «Programma de Analyse para Maio de 1811»,
e que consta da Memoria em que se pretende dar a Solução de hum programa da
Academia das Sciencias de Lisboa236. Desta memória, que foi premiada na assembleia
pública de 24 de Junho de 1812, Woodhouse apresenta um resumo do conteúdo onde
evidencia o plano de resolução utilizado pelo autor e os processos de que se socorreu para
o pôr em prática. Sobre Fórmulas para o cálculo das precessões, apenas nota que um
resumo do trabalho foi impresso pela Royal Astronomical Society. De facto, encontrámos
referência ao trabalho no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society (1839, Vol.
IV, p. 48), mas nesse volume não existe o referido resumo.
Marie-Charles-Théodore de Damoiseau de Montfort (1768-1846) foi um astrónomo
francês que durante a revolução francesa veio viver para Portugal, onde trabalhou como
oficial de marinha e adjunto do Observatório da Academia da Marinha, em Lisboa.
234 [Saraiva, 2008, pp. 307, 309]. 235 O título completo deste trabalho é Breve Ensaio sobre a Deducção Philosophica das Operações
Algebricas. Está publicado nas Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1812, Tomo III, I,
pp. 149-178. 236 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1812, Tomo III, I, pp. 119-148.
68
Regressado a França, viria a ser membro da Academia das Ciências. Woodhouse faz
alusão ao período em que Damoiseau de Monfort esteve em Portugal e à sua memória
Variações seculares dos elementos de Palas e de Céres, publicada pela Academia das
Ciências de Lisboa237. O trabalho de Damoiseau incide sobre dois asteroides, Palas e
Céres, cuja descoberta à data da publicação era recente. Ceres, o maior, tinha sido
descoberto pelo astrónomo siciliano Giuseppe Piazzi, em 1801, e Palas, o segundo maior,
foi descoberto pelo astrónomo alemão Heinrich Wilhelm Olbers, no ano seguinte238.
Woodhouse refere-se ao objectivo que Damoiseau pretendia atingir com o seu trabalho e,
sobre ele, nota que «A pequena distancia destes planetas a Júpiter, a grande excentricidade
e a [considerável] inclinação das suas órbitas provocam importantes desigualdades [nos
seus movimentos]»239, fazendo uma chamada de atenção para o grande número de
cálculos realizados.
Às considerações de Woodhouse sobre Torriani referir-nos-emos na secção
seguinte (Cf. 7.12).
Antes de terminar, Woodhouse pronuncia-se sobre as causas da decadência da
ciência em Portugal no início do século XIX, que atribui ao permanente clima de guerra
causado pelas invasões francesas, e lembra os autores cuja contribuição influenciou o
progresso da ciência na Europa nessa época: Newton, Leibniz, «os primeiros» Bernoulli,
d’Alembert, Euler, Lagrange, Laplace, Monge, Carnot, Poncelet, Cauchy, Gauss e Abel.
Quanto aos trabalhos científicos produzidos pelos investigadores portugueses, e incluídos
nas Memórias da Academia das Ciências, Woodhouse nota o pequeno interesse
demonstrado por questões de geometria, de mecânica e de cálculo das fluxões, e o
interesse pela astronomia e, sobretudo, pela análise algébrica, em cujo campo se
desenvolveram trabalhos com alguma criatividade e mérito.
7.12. Uma fórmula de Torriani, geómetra do período do renascimento
matemático em Portugal no fim do século XVIII
237 Este trabalho foi publicado com o título Memoire Sur les Variations Séculaires des Elémens élliptiues
de Pallas et de Cérès Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1812, Volume 1, Tomo III,
parte I, pp. 15-67. 238 Notas sobre a grandeza colhidas em http://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet/asteroidfact.html (em
22/06/2015). 239 Entre parêntesis acrescentamos as palavras que existem no texto de Damoiseau [p. 15] e que dão sentido
à frase escrita por Woodhouse.
69
Não sabemos se este texto de Woodhouse chegou a ser publicado, ou mesmo se
chegou a existir um trabalho com este nome, embora ele seja referido em A primeira
década dos Congressos Luso-Espanhóis para o Progresso das Ciências240. Por outro
lado, o trabalho não consta no Tomo II da revista da Asociación Española para el
Progreso de las Ciencias, Congreso de Coimbra, relativo às «Conferências»241,
conquanto seja mencionado no «Indice» da revista O Instituto, relativa a 1925, onde se
indicam os «Trabalhos scientíficos anunciados e na quási totalidade apresentados ao
congresso»242. Verificamos, também, que este trabalho não é referido por Scipião de
Carvalho, aquando das comemorações do 1.º centenário da Academia Politécnica do
Porto e da Escola Médico-Cirurgica do Porto243, nem vem indicado na Grande
Enciclopédia Portuguesa e Brasileira244. O que podemos afirmar é que no discurso
inaugural da 1ª secção (Sciencias Matemáticas)245, que pronunciou sob o título «A
Matemática em Portugal no início do século XIX», Woodhouse faz algumas
considerações sobre o trabalho de Torriani.
João Evangelista Torriani nasceu em Lisboa e faleceu em 1921. Bacharel formado
em Matemática pela Universidade de Coimbra, foi lente substituto da Academia Real da
Academia Real da Marinha de Lisboa246. Por decreto de 4 de Abril de 1915, de D. João
VI, passou a lente ordinário da mesma academia247. Segundo Rodolfo Guimarães248,
Torriani foi, também professor no Colégio dos Nobres.
Woodhouse refere-se, ainda que vagamente, a dois trabalhos de Torriani
apresentados à Academia das Ciências de Lisboa, e que foram impressos nas suas
Collecções: «Deducção de huma fórmula geral que compreende os Theoremas de Newton
240 [Morais, 2007, p. 79]. 241 Asociación Española para el Progreso de las Ciencias, Congreso de Coimbra, Tomo II, Décimo
Congreso, Madrid Talleres Poligráficos, S.A. Ferraz, 1926, p. [232]. 242 O Instituto, vol 72 4ª série 1º ano nº 1, p. 624. 243 [Carvalho, 1937, pp. 16-17]. 244 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XXXVI, Editorial Enciclopédia Limitada, Lisboa,
Rio de janeiro, p. 918. 245 É esta a indicação que consta da Separata das Actas do Congresso de Coimbra, e também em O Instituto,
vol 72 4ª série 1º ano nº 1, p. 624. 246 Nota tiradas de http://www.ghtc.usp.br/server/Lusodat/pes/00/pes00429.htm (em 4 de Junho de 2015) 247 Notas tiradas de http://arqhist.exercito.pt/details?id=43540 (em 4 de Junho de 2015). 248 [Guimarães, 1909, p. 68].
70
sobre as potencias das raizes das equações», e «Dar a demonstração das formulas
propostas por Wronski para a resolução geral das equações»249.
Comecemos por algumas observações acerca de «Deducção de huma fórmula geral
que compreende os Theoremas de Newton sobre as potencias das raizes das equações».
Torriani supõe uma equação decomposta nas suas raízes, usa a fórmula de Taylor para a
reescrever, e estabelece fórmulas por meio das quais é possível calcular as somas das
potências das raízes das equações algébricas em função dos seus coeficientes, a que ele
chama «teoremas de Newton». Com elas, estabelece uma fórmula geral que abrange todos
os casos. A demonstração tem algumas gralhas que são fáceis de detectar e corrigir; por
exemplo, na aplicação da fórmula de Taylor, considera por vezes a derivada de u (onde u
é o produto das raízes), quando é óbvio que está a considerar U (o polinómio). Torriani
nota que estes teoremas foram muito estudados e alude às demonstrações de Lagrange e
de Stockler, referindo que nem essas contemplam o caso geral.
Sobre o conteúdo deste trabalho, Woodhouse faz uma brevíssima descrição notando
que o autor evita usar raciocínios por indução e não utiliza séries logarítmicas, já então
bem divulgadas, nem recorre à lei do binómio de Newton para expoentes negativos. Em
seu entender, essas opções permitiriam encurtar os cálculos.
Pudemos verificar que apesar de não aplicar o binómio de Newton com expoentes
negativos, Torriani soube contornar bem a questão. Por outro lado, relativamente à
indução, é o próprio Torriani quem, em «Nota» prova que ela funciona.
Gomes Teixeira na História das Matemáticas em Portugal250, referindo-se às
fórmulas de Newton que ligam as somas das potências das raízes das equações algébricas
aos seus coeficientes, observa que a memória de Torriani apresenta «uma demonstração
das referidas fórmulas que tem a qualidade importante de ser puramente algébrica». E
nota que ela difere das dadas por Lagrange e Stockler por estes usarem «séries». No
entender de Gomes Teixeira «esta doutrina sai assim fora da Álgebra, aparecendo vestida
de roupagens elegantes, mas emprestadas. E todavia não é isto necessário».
249 Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1812, Tomo III, Memórias dos correspondentes,
pp. 1-8, e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1, 1819, pp. 33-56. 250 [Teixeira, 1934, pp. 275-276].
71
Vejamos agora a memória “Dar a demonstração das formulas propostas por
Wronski para a resolução geral das equações”.
Começamos por lembrar que, na «Introdução» da «Memoria com o fim de provar
que não podem ter forma de raízes, as equações literais e completas de grãos superiores
ao quarto», Francisco Simões Margiochi salienta o seguinte251:
Os Geometras tendo reconhecido que forão vãos os trabalhos de três Seculos para a resolução geral
das equações, parece terem voltado as suas vistas para a demonstração da impossibilidade daquele
problema, e tal he o objecto da presente Memoria para a qual achamos quasi tudo preparado nos
Escripptos dos Analystas; e particularmente devemos o ter chegado a hum resultado tão conveniente,
á comunicação com o nosso Socio e Collega o Sñr. Torriani, e ao vigoroso impulso por elle dado a
esta espécie d’Analyse na sua Memoria coroada da Refutação do Opusculo de Wronski, que contém
huma pertendida resolução geral das equações de todos os grãos.
Esta memória de Torriani surge poucos anos após ser conhecido um opúsculo de
Wronski sobre a resolução geral das equações algébricas252. Com ela, o autor concorreu
a um prémio oferecido pela Academia para o melhor trabalho sobre a demonstração das
fórmulas propostas por Wronski para a resolução geral das equações, e a sua memória foi
premiada na sessão pública de 14 de Junho de 1818 «sobre o Programma proposto para o
mesmo anno». O concurso era aberto a todas as pessoas excepto aos sócios honorários e
efectivos da Academia, e o prémio consistia numa medalha de ouro253, e Torriani, como
sócio livre da Academia254, pode concorrer. São muito curiosas as suas palavras na
introdução ao trabalho, onde prova que a solução dada por Wronski é falsa para equações
de grau superior a três255:
Persuadido da afirmativa he que apresento com prazer á Academia este meu pequeno trabalho, em
que julgo satisfazer ao seu Assumpto, mostrando de huma maneira directa intrinseca, e rigorosa:
Que a pretendida resolução de Wronski he absolutamente falsa, do quarto gráo por diante,
inclusivamente.
251 Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo VII, 1820, p. 317. 252 Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo VI, Parte I, 1819, pp. 33-51. 253 Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo VI, 1819, pp. CXXIII-CXXIV. 254 Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo VI, 1819, pp. CXXIII-CXXVIII. 255 Historia e Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo VI, 1819, p. 36.
72
O comentário de Woodhouse a esta memória não oferece novidade, mas é de
salientar o elogio que faz ao seu autor, ao dizer «Torriani revela-se geómetra reflectido,
capaz de uma análise funda de assuntos tam delicados como este». A propósito das
considerações que fizemos sobre a existência de um texto de Woodhouse sobre este tema,
parece-nos natural que, se ele fosse apresentar, no mesmo encontro, uma sessão sobre o
trabalho de Torriani, o tivesse divulgado neste momento da conferência; no entanto tal
não sucedeu. Este facto reforça, em nós, as dúvidas sobre a existência de um tal texto.
A memória de Torriani teve repercussão no estrangeiro, sendo o seu nome referido
em artigos publicados em importantes revistas internacionais. No “Report of the Third
Meeting”256 de The British Association for the Advancement of Science, na sua terceira
reunião, em 1833, é referida a maneira entusiástica como os trabalhos de Wronski foram
recebidos em Portugal por diversos académicos, entre os quais Stockler, e considerada
excelente a refutação que Torriani fez do trabalho do matemático polaco. No Bulletin of
the New York Mathematicas Societey, no artigo intitulado “Wronski’s expansion”257,
publicado em 1893 por Echols, este observa o seguinte «In 1817 the Academy of Sciences
of Lisbon proposed as the subject of a prize the demonstration of Wronski's formula. The
prize was in the following year awarded to M. Torriani for the refutation of it.».
Ainda recentemente, Roy Wagner publicou no HOPOS: Journal of the
International Society for the History of Philosophy of Science o artigo “Wronski’s
Infinities”258 no qual se refere ao nosso matemático, observando que, tal como Torriani
também Ruffini resolveu a questão, de forma independente. Infelizmente, Wagner data como
1819 a prova de Torriani, enquanto, de facto, ela é 1818, tal como a de Ruffini.
7.13. Trabalhos Inéditos
Mantêm-se inéditos dois trabalhos de Luis Woodhouse: a “Memória sobre Ábacos
e Métodos de Resolução Gráfica”, e o “Elogio do Professor Gomes Teixeira”, que estão
referidos como tal na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira259. Quando, em 13
de Março de 1935 Scipião de Carvalho proferiu o Elogio ao Prof. Dr. Luis Woodhouse,
256 [Peacock, 1834, p. 315. No mesmo relatório é referido Gergonne como tendo também refutado a prova
de Wronski, no ano em que Wronski a publicou. 257 Bull. Amer. Math, Soc. 2 (1893), p. 180. 258 HOPOS: The Journal of the International Society for the History of Philosophy of Science 4 (2014), p.
57. 259 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XXXVI, Editorial Enciclopédia Limitada, Lisboa,
Rio de janeiro, p. 918.
73
o primeiro destes trabalhos existia entre os manuscritos da Biblioteca, como ele mesmo
o afirma260:
Entre os manuscritos existentes na Biblioteca, encontra-se uma Memória, que não sei se chegou a
ser impressa, sôbre a resolução gráfica de algumas questões de Análise, o uso de ábacos para a
determinação de elementos de um triângulo esférico, e o problema de Pothenot.
Nesta Memória, e é o seu principal objectivo, descreve o Doutor Woodhouse um aparelho muito
simples e curioso que inventou para traçar com facilidade, e relativo rigor, as circunferências por
meio das quais se pode resolver êste problema topográfico com vantagens sôbre o emprêgo do
compasso de três pernas ou do papel transparente.
Aos dois inéditos mencionados acrescenta-se um terceiro, que Scipião de Carvalho,
por informação de Sarmento Beires, diz ter sido destinado a publicação na Revista dos
Estudantes da Universidade do Porto e no qual Woodhouse se ocupava da forma que
Cayley deu às equações de terceiro grau e à resolução de equações algébricas cujas raízes
satisfazem certas condições261.
Notamos que a Revista dos Estudantes da Universidade do Porto é uma revista
cultural, onde publicaram trabalhos os matemáticos Gomes Teixeira, Sarmento Beires,
José Pedro Teixeira e Scipião de Carvalho. Consultámos os exemplares dos anos I e II
(1916 e 1917), de cuja comissão de redacção fez parte Sarmento Beires. Nos nºs doa ano
I – de Janeiro (nº 1), Março (nº2) e Maio (nº 3), de 1916, e nos do ano II (nºs 4 e 5) que
saíram juntos em Abril de 1917 – não consta o referido inédito de Luis Woodhouse. De
acordo com o testemunho acima referido, é possível que tudo se estivesse a preparar para
que o texto de Woodhouse aparecesse num dos números seguintes. Mas pelo que
pudemos perceber, viviam-se tempos grandes dificuldades na revista, e não sabemos em
que momento ela voltou a ser publicada. Dessa dificuldade dá conhecimento a Nota da
redacção no início do número II, único de 1917, onde se lê262:
As condições anormaes do momento, que provocaram a suspensão de vários jornaes scientificos,
tampouco nos permitiram manter a nossa desejada periodicidade. Desorganizada pela vida militar a
vida universitária, espalhada a redacção, como a maior parte dos seus colaboradores e do seu
publico, temos de guardar para mais tarde os mais longos planos, restringindo-nos por ora á
260 [Carvalho, 1934, p. 200]. 261 As diversas diligências que fizemos para encontrar estes manuscritos, especialmente no Fundo Antigo
da Universidade do Porto, no Museu da Universidade do Porto, na Biblioteca Municipal do Porto e junto
da família do nosso biografado, foram infrutíferas. 262 Revista dos Estudantes da Universidade do Porto, ano II, Nota.
74
«Revista», já por si obra de extensão. Mas, emquanto aguardamos a nossa parte em mais agitadas
campanhas, prosseguiremos na nossa cruzada educativa, confiando a Deus a nossa boa fortuna e
pondo, como se diz no Filodemo, «belas esperanças ao leme».
8. Distinções e homenagens
São muitas as provas de apreço e consideração que o nosso biografado recebeu de
alunos e colegas. Uns meses antes de falecer, quando a doença o obrigou a ausentar-se,
Bento Carqueja propôs ao Senado Universitário, em sessão de 20 de Dezembro de 1926,
«um voto de sentimento, aprovado por unanimidade, pela ausência e doença do vice-
reitor, Dr. Luiz Woodhouse».
Luis Woodhouse faleceu a 13 de Março e foi sepultado no Cemitério do Prado do
Repouso. A notícia do seu falecimento foi dada nos principais jornais da cidade do Porto.
Em O Primeiro de Janeiro de 15 de Março de 1927, onde a notícia da morte era
acompanhada de uma fotografia de Woodhouse, lê-se que o cortejo fúnebre partiu de sua
casa para a Igreja da Trindade, e daí para o cemitério, acompanhado de professores e
estudantes da Universidade do Porto, personalidades públicas e muitos anónimos; e
salientam-se as qualidades pedagógicas e morais de Woodhouse, aliadas ao seu poder de
comunicação. Também o jornal O Commercio do Porto de 15 de Março de 1927 sublinha
o percurso brilhante de Woodhouse como estudante em Coimbra e a sua carreira de
professor na Academia Politécnica e Universidade do Porto, onde era venerado por alunos
e colegas. No dia seguinte ao do funeral, O Commercio do Porto apresentava diversas
fotografias mostrando a multidão presente no cortejo fúnebre, onde se distinguiam as
capas negras dos estudantes, e referiam os discursos a cargo de Vitorino Laranjeira, do
reitor interino da Universidade do Porto, de José Alves Bonifácio, de Leonardo Coimbra,
de Alfredo Magalhães (Ministro da Instrução), e do estudante António Amaral
Guimarães.
Na sessão extraordinária do Senado de 18 de Março de 1927, o reitor da
Universidade do Porto propôs «um voto de profundo sentimento pelo falecimento do
eminente Professor e Vice-reitor, Dr. Luis Inácio Woodhouse», tendo a notícia sido dada
no jornal O Commercio do Porto de 19 de março de 1927. Por sua vez, o Conselho Escolar
da Faculdade de Ciências, reunido em 17 de Março de 1927 sob a presidência de José
75
Alves Bonifácio, propôs um voto de pesar pelo falecimento de Luis Woodhouse,
aprovando nessa reunião a colocação de um seu retrato a óleo, na Sala dos Conselhos263:
O Sr. Presidente propoz, sendo aprrovado por aclamação, que seja lançado na acta um voto de
profundo pezar pelo falecimento do Director e eminente professor da Faculdade, Dr. Luis
Woodhouse, inaugurando-se na sala dos Conselhos um retrato a óleo do saüdoso colega e indo uma
delegação de professores a casa do extinto desanojar a sua família e comunicar-lhe estas resoluções.
São lidos muitos telegramas e ofícios de condolências.
Contudo, passados oito meses como ainda não houvesse notícia do retrato, em
reunião do Conselho Escolar de 26 de Novembro de 1927, Scipião de Carvalho interpelou
o presidente do Conselho sobre o assunto, perguntando se não se poderia arranjar dinheiro
para mandar fazer os retratos dos professores falecidos, entre os quais o de Luis
Woodhouse, lamentando que eles ainda não fizessem parte da galeria de honra.
No primeiro aniversário da morte de Luis Woodhouse, a Associação Académica
decidiu prestar-lhe uma homenagem. A notícia foi dada no jornal O Commercio do Porto
de 18 de Março de 1928, com o título «Remember… Homenagem a um Professor
Illustre», juntamente com fotografias de Woodhouse, e da romagem ao seu túmulo uma
sessão solene na sede da Associação.
A iniciativa contou com o apoio do Senado Universitário, cujo presidente, na
reunião de 31 de Março de 1928264, propôs um voto de adesão a posteriori, que foi
aprovado por unanimidade:
O snr Presidente refere-se à homenagem prestada pela Academia à Memória do Professor Woodhouse
no primeiro aniversário da sua morte, homenagem a que se associou, e propõe que o Senado aprove
um voto de adesão à iniciativa da Academia.
No artigo In Memoriam Luís Woodhouse (1858-1927), Augusto Martins, director
da revista Portvcale, escreve265:
263 Acta do Conselho Escolar de 17 de Março de 1927, em Livro de Actas do Conselho Escolar da
Faculdade de Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 6v. 264 Actas do Senado IV_I (1), p. 193. 265 [Martins, 1928, p. 43]. Augusto Martins foi aluno de Luis Woodhouse. Em 1910 concluiu o Curso de
Habilitação para o Magistério Secundário em Matemáticas, Ciências Físico-Químicas e Histórico-Naturais
e Desenho, na Academia Politécnica do Porto, tendo dedicado ao ensino a maior parte da sua vida. (notas
colhidas em http://correiodaeducacao.asa.pt/71785.html, em 11 de Junho de 2015).
76
Luis Inácio Woodhouse era um Professor. Á clareza e rigor lógico de exposição juntava a faculdade
difícil e rara do perfeito juízo do aluno, pelo que veio a encontrar, no fim da sua vida profissional,
uma atmosfera de carinho e respeito que muito lisonjeia não só a actual Academia, mas
principalmente a lenta propaganda dos seus antigos discípulos. Devia comover o professor que tanto
lutou, que tam alto levou o ensino da Matemática, o mais difícil por mais simples, o ver, em vida,
coroado de êxito o seu esfôrço e o carinhoso respeito de que era cercado o seu nome!
Com uma alta noção de Justiça, não compreendia a vulgar incompreensão das matemáticas, o que
muito o torturava e afligia nos exames.
Os seus trabalhos, sempre com um fim didáctico, dirigiam-se ùltimamente para a investigação da
história de Matemática portuguesa, publicados em revistas da especialidade e em separatas, tendo
sido o último a oração sapientia na abertura das aulas da universidade do porto em 1925, onde revela
o caminho errado que se está seguindo no actual ensino secundário da matemática e, de par, mostra
a contribuição dos portugueses na sciência da sua especialidade. Portvcale presta, ao iniciar a
publicação, a sua homenagem de saüdade ao grande Professor.
Em 13 de Março de 1935, coincidindo com o oitavo aniversário do falecimento de
Luis Woodhouse, realizou-se na Biblioteca da Universidade do Porto uma grandiosa
sessão em sua homenagem, à qual assistiram, entre outros, o governador civil do Porto, o
cônsul de Itália, os vice-cônsules de Espanha e França. Usando da palavra, Mendes
Correia fez um rasgado elogia a Luis Woodhouse, concluindo com as seguintes palavras,
que foram muito aplaudidas266:
Rendendo homenagem á figura do prof. Luiz Woodhouse que foi uma das maiores figuras do
magistério português em todos os tempos, senão a maior, queremos, também, apontá-la a esta
geração como paradigma, um alto exemplo, um modelo de educador, ao serviço dos valores eterenos
do espírito da civilização!
Na mesma sessão Scipião de Carvalho proferiu o Elogio do Prof. Dr. Luis Woodhouse,
no qual se pode ler267:
O Doutor Gomes Teixeira, que mais que uma vez percorreu, em missões de estudo, as Universidades
da Europa, onde assistiu a aulas, conferências e exames em circunstâncias excepcionais, que lhe
permitiam avaliar o valor docente dos professores respectivos, afirmava que não tinha encontrado
em nenhuma delas quem excedesse o Dr. Woodhouse na sua arte admirável de ensinar».
266 Em O Comercio do Porto de 14 de Março de 1935. 267 [Carvalho, 1934, p. 195].
77
A homenagem foi lembrada por Mendes Correia na sessão do Conselho Escolar de
18 de Março de 1935, que sugeriu um voto de congratulação pela forma como decorreu
o evento e um voto de louvor a Scipião de Carvalho pela «brilhante» oração académica
que proferiu. Na mesma sessão, por proposta de Scipião de Carvalho aprovada por
aclamação foi decidido atribuir o nome de Sala Luis Woodhouse à sala de álgebra268:
O Conselho da Faculdade de Ciências do Porto, tendo em vista que para o bom nome e prestígio de
uma Escola de Ensino Superior contribuem não só os Professores que deixam valiosas obras
científicas, mas tambem aqueles que, dedicando-se ao magistério, conseguem notabilizar-se de
modo a serem por todos considerados como modelos inegualáveis na arte de ensinar; e considerando:
- 1º - Que foi dado o nome de sala Gomes Teixeira a uma sala da Faculdade com o fim de prestar
justa homenagem ao ilustre Professor Gomes Teixeira, símbolo dos primeiros, 2º- Que o Professor
Luiz Woodhouse, pelas suas extraordinárias qualidades pedagógicas, pode ser considerado como
símbolo dos segundos, - resolve dar à sala de Algebra o nome de sala Luiz Woodhouse.
Em 1937, no décimo aniversário da morte de Luis Woodhouse, a Câmara do Porto
quis prestar-lhe homenagem, dando o seu nome a uma artéria da freguesia de Paranhos,
na cidade do Porto (ANEXO 15). A deliberação tem a data de 4 de Janeiro desse ano
(Toponímia da Câmara Municipal do Porto). A proposta do nome de Luis Woodhouse foi
apresentada pelo vereador António Almeida Costa, na sessão da Comissão
Administrativa da Câmara Municipal, de 8 de Abril de 1937, invocando as suas
qualidades de grande pedagogo e matemático269:
Que à artéria sem designação, sensivelmente perpendicular à rua de Costa Cabral, compreendida
entre esta rua e a rua da Fonte do Outeiro, seja dado o nome de “Luis Woodhouse”, em memória
deste grande pedagogo, professor de Matemática, que deu à cátedra, com as suas lições memoráveis
um brilho desusado.
A proposta foi aprovada por unanimidade, para efeitos imediatos, e publicada no
Boletim Câmara Municipal do Porto, Nº 57/1937. Ainda nesse mês, em sessão do
Conselho Escolar, o director da Faculdade de Ciências propunha que ficasse exarado em
acta um voto de congratulação pela iniciativa da Câmara Municipal do Porto, de atribuir
268 Acta do Conselho Escolar de 18 de Março 1935, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Ciencias da Universidade do Porto de 28 de Junho de 1933 a 9 de Novembro de 1939, pp. 33v. 269 Informação gentilmente cedida pela Divisão Municipal do Arquivo Histórico do Porto.
78
a diversas ruas da cidade o nome de prestigiados professores da Academia Politécnica do
Porto, entre os quais Luis Woodhouse270.
Em 1958, aquando do centenário do nascimento de Luis Woodhouse (foi usada a
data registada na Universidade), o seu nome foi lembrado pelo Conselho Escolar. As
palavras proferidas pelos professores Arnaldo Madureira, à data director da Faculdade, e
Scipião de Carvalho, são bem o testemunho da admiração que Luis Woodhouse soube
grangear na comunidade académica271:
Pelo Senhor Director foi dito que: Ocorrendo hoje o primeiro centenário do nascimento do Prof.
Luís Woodhouse, o Conselho da Faculdade de Ciências, não pode deixar de assinalar este facto,
recordando com saúdade aquele que foi o mais notavel dos seus Professores, pela influência que
exerceu na formação intelectual e moral das sucessivas gerações que tiveram a felicidade de o ter
como Mestre. Entre os seus discípulos conta-se ainda a maioria dos membros deste Conselho, que
conservam pela memória do Prof. Woodhouse um respeito e admiração sempre vivos pelo exemplo
que dele receberam e pelo muito que ficaram a dever-lhe.
O Prof. Scipião de Carvalho julga interpretar o pensamento de todos os colegas apoiando
calorosamente as palavras do Senhor Director e, tratando-se de um Professor verdadeiramente
excepcional, lembra que seria de toda a justiça prestar-lhe pública homenagem indo todos junto do
seu túmulo colocar uma placa comemorativa.
9. Considerações finais
Luis Woodhouse exerceu grande parte da sua actividade profissional num período
muito agitado da vida política portuguesa, marcado por reformas administrativas e
legislativas que duraram até aos primeiros anos da República. Defensor da causa
miguelista272, a sua opção política não influenciou os seus pareceres; «professor duma
austera justiça de julgamento e sempre severo, e talvez mais ainda para alunos que fôssem
dos seus maiores e mais dilectos amigos pessoais», assim o lembra João Lopes Martins273
que fora seu aluno na 1.ª cadeira, e que viria a ser professor na Faculdade de Medicina do
Porto.
270 Acta do Conselho Escolar de 23 de Abril de 1937, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Ciencias da Universidade do Porto de 28 de Junho de 1933 a 9 de Novembro de 1939, pp. 61v. 271 Acta do Conselho Escolar de 31 de Julho de 1958, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Ciencias da Universidade do Porto de 31 de Março de 1955 a 24 de Abril de 1963, pp. 35v-36. 272 Informação gentilmente prestada pelas bisnetas de Luiz Woodhouse, Dra. Eugénia Sofia Woodhouse
Ferreira e Dra. Isabel Guimarães. 273 [Martins, 1937].
79
Woodhouse era um professor ainda nos primeiros anos da carreira, quando João
Lopes da Silva Martins Junior, que viria a ser lente da Escola Médico-Cirúrgica do Porto,
o destaca na dedicatória da sua dissertação A Hysteria e as suas Localisações Motrizes274.
Por outro lado, passados já dez anos sobre a data do seu falecimento, aquando das
comemorações do 1.º centenário da Academia Politécnica e da Escola Médico-Cirúrgica
do Porto, o seu nome era recordado com emoção e saudade. Vale a pena transcrever
alguns dos testemunhos dados.
Óscar Saturnino275 refere-o como «o Pedagogo, inultrapassável», que
«transformava o negrume da louza em rendas vaporosas, e os teoremas áridos em
verdadeiras poesias». E descreve-o do seguinte modo: «A sua figura hiterática movia-se
num tal ritmo de naturalidade, que dava a impressão de estar a escrever música no quadro
negro, mas música que se ouvia e iluminava todas as dificuldades». A par da qualidade
das suas aulas, Saturnino lembra o seu empenho na resolução dos problemas dos
estudantes e, dum modo geral, nos do Norte do país.
Adriano Rodrigues276 convidado pelo Pôrto Académico a escrever algumas
palavras comemorativas da Academia Politécnica, centra-se em Woodhouse dedicando-
lhe um longo artigo, onde se podem ler palavras como as seguintes: «Ao aceder ao
honroso convite fiizei desde logo no meu espírito o propósito de referir-me a essa figura
inconfundível de Professor que foi o Dr. Luis Inácio Woodhouse, de quem tive a rara
fortuna de receber o ensino de Algebra superior, Geometria Analítica e Trigonometria
esférica. Guardo na minha memória agradecida a imagem luminosa daquele que foi o
melhor de todos os professores que tive no decorrer de vários cursos que frequentei, quer
civis, quer militares».
São muitas as situações que revelam o seu perfil interventivo e conciliador, de que
nos apercebemos nas muitas actas que consultámos, e as suas preocupações com o ensino
dos diversos graus. Recordamos, a propósito, que em 1910 Luis Woodhouse apresentou
ao Conselho Académico uma moção que documenta o seu empenho em manter o ensino
ao nível das escolas de ensino superior de outros países europeus277:
274 [Junior, 1888, Dedicatória] põe em destaque Luis Woodhouse ao escrever: «Ao Dr. Luiz Ignacio
Woodouse, meu professor de 1.º anno Mathematico na Academia Polytechnica do Porto». 275 [Saturnino, 1937]. 276 [Rodrigues, 1937]. 277 Acta do Conselho Académico de 15 de Fevereiro de 1910, em Actas das Sessões do Conselho Academico
de 1907 a 15 de fevº de 1921, p. 17.
80
O Conselho da Academia Polytecnica expressa o desejo que o seu illustre director e eminente
homem de sciencia Dr. Gomes Teixeira consinta em acceitar a missão de percorrer em viagem
d’estudo alguns estabelecimentos d’ensino medio e superior de França, Belgica, Allemanha, Suissa
e Italia a fim de recolher informação e elementos que sirvam de base a uma remodelação dos estudos
d’este estabelecimento d’ensino, devendo no regresso da sua viagem juntamente com a comissão
que o conselho para esse fim nomear ser elaborado um projecto de reforma para ser presente ás
estancias superiores. Votada por aclamação esta moção resolveu-se nomear uma comissão composta
de R. Mendes, Woodhouse, B. Carqueja para fixar a quantia destinada a esta missão.
Em diversos momentos puderam ser testemunhadas as suas intervenções em
situações de injustiça, de que foram alvo assistentes da Faculdade. Um desses episódios
ocorreu no Conselho Académico de 1915, quando Luis Woodhouse apresentou uma
proposta sobre o vínculo dos assistentes, na qual se lê278:
(…) que se represente ao Governo para que os actuais primeiros assistentes efectivos sem direito à
promoção para que lhes seja dado esse direito, desde que dentro do prazo de um [ano] requeiram
para prestarem provas publicas, perante as respectivas secções, identicas às que são exigidas aos
Candidatos a Assistentes e sejam aprovados.
Uma outra diz respeito ao contrato do assistente Rodrigo Sarmento Beires, que
relatamos a seguir. Na reunião do Conselho Escolar de 11 de Maio de 1921279, Luís
Woodhouse lembra que, tendo sido feito concurso para dois primeiros assistentes da 1ª
secção, ao qual concorreram Sarmento Beires e Scipião de Carvalho, só este último tinha
sido nomeado, o que entendia ser uma profunda injustiça. Face a esta intervenção, o
Conselho resolveu oficiar ao governo um pedido de aprovação da referida nomeação. Mas
em 8 de Agosto, como o problema não estivesse resolvido, Luís Woodhouse levantou
novamente a questão, como se lê na acta da reunião280:
O Prof. Luiz Woodhouse pergunta mais uma vez se já foi solucionado o caso da nomeação do
assistente Rodrigo Sarmento de Beires, desejando que na hypotese negativa fique consignado na
acta o seu sentimento pela enorme injustiça que isso representa.
278 Acta do Conselho Académico de 27 de Janeiro de 1915, em Actas das Sessões do Conselho Academico
de 1907 a 15 de fevº de 1921, pp 106-107. 279 Acta do Conselho Escolar de 11 de Maio de 1921, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 3. 280 Acta do Conselho Escolar de 8 de Agosto de 1921, em Actas do Conselho Escolar da Faculdade de
Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 10v.
81
Em 2 de Setembro, por insistência sua, o Conselho Escolar decidiu por
unanimidade exigir a nomeação de Sarmento Beires281. Foi graças à persistência de Luis
Woodhouse que a questão não foi esquecida.
O percurso profissional de Luis Woodhouse e Gomes Teixeira na Academia
Politécnica/ Faculdade de Ciências do Porto fez-se lado a lado. Foram muitas as reuniões
em que participaram e as decisões que tomaram em conjunto, e diversas as manifestações
de amizade e apreço. Já antes referimos a possível existência de um manuscrito da autoria
de Luis Woodhouse intitulado “Elogio do Professor Gomes Teixeira”. Embora não
tenhamos elementos que nos permitam datá-lo, parece-nos que poderá estar relacionado
com a sessão de homenagem a Gomes Teixeira, que decorreu na Faculdade Técnica em
3 de Junho de 1922, como se deduz do artigo de O Primeiro de Janeiro 7 de Junho desse
ano. Woodhouse ter-se-á referido, com saudade, aos tempos que ambos passaram em
Coimbra, e terá proferido palavras elogiosas sobre a actividade científica de Gomes
Teixeira; e lembrando o interesse de Gomes Teixeira pela História da Matemática, propôs
que se solicitasse ao governo a criação na Faculdade de Ciências do Porto, de uma cadeira
de «Historia das Matematicas», a atribuir a Gomes Teixeira.
Um outro momento que testemunha a admiração de Woodhouse por Gomes
Teixeira, está documentado numa carta282 de 20 de Novembro de 1922, escrita pelo nosso
biografado, em que ele pede a Gomes Teixeira que aceite a direcção da Faculdade, cargo
que tinha deixado para ocupar o lugar de reitor. (ANEXO 16)
Também Gomes Teixeira nutria grande amizade e admiração por Luis Woodhouse,
como mostram as palavras proferidas por Sarmento Beires na “Evocação da vida e da
Obra do Professor Gomes Teixeira”283:
Aqui [Academia Politécnica do Porto/Universidade do Porto] teve por colaboradores no ensino das
ciências exactas, além de outros, três professores verdadeiramente excepcionais pela sua inteligência
281 Acta da sessão do Conselho Escolar de 2 de Setembro de 1921, em Actas do Conselho Escolar da
Faculdade de Sciencias da Universidade do Porto de 24 de Fevº de 1921 a 24 de Novº de 1926, p. 12. 282 Arquivo da Universidade de Coimbra: Lote de Cartas de Gomes Teixeira. Correspondência recebida.
Suplemento nº 1900-2099 existe uma carta (com o nº 1953). 283 [Beires, 1950-1951, pp. 190-191].
82
superior e pelo seu altíssimo valor docente: Luiz Woodhouse, José Pedro Teixeira e Duarte Leite
Pereira da Silva.
A evocação dos seus nomes nesta sessão solene parece-me um acto caro à alma de Gomes Teixeira
que tinha por eles a mais viva admiração, poderia dizer um verdadeiro culto.
Foram seus colaboradores na plena acepção da palavra.
Com ele se irmanaram no ensino; com ele trabalharam na pesquisa das verdades matemáticas e nas
indagações históricas tão queridas ao seu espírito.
Há um episódio, que Armando Luís de Carvalho Homem descreve284, que mostra a
camaradagem entre Woodhouse e Gomes Teixeira. Por o considerarmos um documento
curioso, incluimos aqui um seu excerto:
se algum examinando na oral começava a andar menos bem, Gomes Teixeira convidava-o
gentilmente a desistir e a reapresentar-se na época subsequente; e, obviamente, qualquer examinando
de bom senso aceitava tal convite. Mas um dia… Gomes Teixeira fazia júri com outro ilustre
matemático portuense, Luís Inácio Woodhouse (eram Bons Amigos; donde, o tratamento pelo nome
próprio). E aparece um aluno teimoso: ao primeiro esboço de estenderete e ao tal convite de Gomes
Teixeira, opõe recusa – queria continuar! Nova pergunta, novo espalhanço, novo convite, nova
recusa… Nova pergunta, novo estenderete… e Gomes Teixeira já não insiste no convite: volta-se
para Luís Woodhouse e propõe:
- Luís, ele não desiste ! Desistimos nós?...
- Acho muito bem! – redarguiu Woodhouse.
E, levantando-se, saíram ambos da sala; assim terminou aquela oral…
Para terminarmos este trabalho, deixamos um testemunho de Luis Woodhouse na
primeira pessoa, no artigo “Recordando”285
Um incidente de família levou-me cedo para Coimbra, quando vinha ainda distante o têrmo do meu
curso liceal. Aí fui pois completar os estudos preparatórios que haviam de abrir-se a celebrada porta
férrea.
Poucos dias depois da minha chegada à encantadora e nunca esquecida cidade do Mondego
anunciou-se uma defesa de teses na Universidade.
Os actos grandes e os doutoramentos despertavam sempre natural interêsse ao recém-chegado. Os
doutoramentos pelo cenário colorido e pela liturgia aparatosa do estatuto pombalino; as teses porque,
acto todo de ostentação, eram pretexto para floreios de oratória e argúcias de dialéctica que punham
em destaque os recursos da palavra e as subtilezas da argumentação de arguentes e defendentes.
284 Em http://guitarradecoimbra.blogspot.pt/2006/08/estrias-lente-3.html (consulta em 31/05/2015). 285 No jornal Pôrto Académico de 30-4-1926.
83
Eram interessantes, mais do que outras quaisquer, as teses nas Faculdades de Direito e de Teologia,
em cujos corpos docentes houve sempre insignes dialécticos.
Acontecia porém que o acto não se realizava em Direito mas na Faculdade de Matemática, ciência
vedada a muitos, e os meus conhecimentos da maravilhosa e subtil ciência de Lagrange eram bem
escassos.
Navegando por esse tempo nas águas baixas da aritmética e da geometria plana, até que ponto
poderia apreciar as questões de matemáticas superiores que nas teses seriam debatidas?
À falta de melhor critério teria de perfilhar o daquele barbeiro do bairro latino em Paris, assíduo
frequentador dos debates teológicos que em latim se realizavam na vélha Sorbonne.
De latim êle nada percebia, o que não obstava a que, com segurança, se pronunciasse sempre sobre
quem devia colher a palma da vitória, tam certo era que o vencido, nas pugnas da dialéctica,
invariavelmente acabava por zangar-se.
Embora não tivesse à minha disposição o melhor critério, a curiosidade não consentia que deixasse
de assistir ao acto grande que ia realizar-se na austera sala dos capelos.
Entre os professores da Faculdade de Matemática destacava-se nesse tempo a figura insinuante e
distinta de um dos seus grandes mestres o Dr. José Falcão, alta mentalidade e uma das inteligências
mais penetrantes e vivas do corpo docente da Faculdade.
Coube ao Dr. Falcão impugnar uma das teses do candidato ao supremo grau académico, que fôra
aluno excepcionalmente distinto e tinha revelado raras disposições matemáticas desde os primeiros
passos na sua carreira académica.
Chega o momento das provas e, perante uma assistência que seguia com manifesto interesse e
curiosidade as alternativas dos debates, à vigorosa argumentação produzida pelo Dr. Falcão
responde o defendente, sustentando a sua tese sob um aspecto de tal forma original e tam imprevista
pelo arguente, que a êste, espírito leal e nobre, foi forçoso confessar, em face da singular e inesperada
defesa produzida, a inanidade dos seus argumentos e a impossibilidade em que estava de encontrar
outros capazes de a contestar.
Era nesse tempo ainda grande o prestígio do doutoral e o triunfo do defendente causou sensação
profunda no meio académico.
Eu saí das teses, às quais tinha assistido atento e comovido, admirador, porventura inconsistente,
mas incondicional do moço doutorando cujo nome ouvi pela primeira vez.
Chamava-se Francisco Gomes Teixeira e a admiração que nesse dia do acto grande, celebrado na
severa sala dos capelos da vélha Universidade – dia que com saüdade recordo quando na minha
imaginação revivem os saudosos tempos idos – me dominou, perdura sempre.
Consolidou-a e ampliou-a depois a convivência constante e amiga e o conhecimento completo da
notável obra vastíssima e dos recursos inexgotáveis do grande Mestre, cuja energia intelectual,
sempre moça, se tem revelado em todo o campo Matemático e ultimamente nas letras sob formas
tam diversas mas sempre belas, sempre admiráveis.
L. Woodhouse.
84
Fontes
Actas do Conselho Académico/Escolar da Academia Politécnica do Porto e da Faculdade
de Ciências da Universidade do Porto.
Actas do Conselho Escolar do Instituto Industrial e Comercial do Porto.
Actas do Senado da Universidade do Porto (1911-1929). 2011. Porto: U. Porto Editorial.
Annaes Scientificos da Academia Polytechnica do Porto.
Annuarios da Academia Polytechnica do Porto.
Anuários da Faculdade de Ciências do Porto.
Annuarios da Universidade de Coimbra.
Arquivo da Universidade de Coimbra: Lote de Cartas de Gomes Teixeira.
Correspondência recebida. Suplemento nº 1900-2099.
Jornal de Notícias.
Livro de Actos e graus do Arquivo da Universidade de Coimbra.
Livro de Certidões de Edade 1874-1900 (LXX) do Arquivo da Universidade de Coimbra.
Livro dos Pontos do Arquivo da Universidade de Coimbra.
O Comércio do Porto.
O Pôrto e a sua Universidade. I Centenário da Faculdade de Medicina do Pôrto,
MDCCCXXV-MCMXXV. Porto, 1925.
O Primeiro de Janeiro.
Revista dos Estudantes da Universidade do Porto (1916-1917). Tipografia da
«Renascença Portuguesa». Porto.
Repositório temático da Universidade do Porto. UP: http://repositorio-tematico.up.pt/.
Bibliografia
Affonso, Domingos de Araújo; Valdez, Ruy Travassos (1924). Livro de oiro da nobreza:
apostilhas à resenha das famílias titulares do reino de Portugal de João Carlos Fêo
Cardoso Castelo Branco e Tôrres e Manoel de Castro Pereira de Mesquita, 3 vol.,
Braga.
Almeida, António Manuel Passos (2006-2007). “Contributos ao Estudo da Museologia
Portuense no Século XIX. O Museu do Coleccionador João Allen e o Museu
85
Municipal do Porto”, em Revista da Faculdade de Letras Ciências e Técnicas do
Património. Porto 2006-2007, I Série, vo. V-VI, pp. 31-55.
Alves, Luís Alberto Marques (1998). Contributos para o estudo do ensino industrial em
Portugal: 1851-1910. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da
Universidade do Porto.
Alves, Luís Alberto Marques (2001). “O Ensino na segunda metade do século XIX”, em
Revista da Faculdade de Letras, Historia, III Série, vol. 2, Porto, pp. 53-92.
Alves, M. Graça Dias Ferreira (2004). Francisco Gomes Teixeira: o homem, o cientista,
o pedagogo. Tese de doutoramento. Universidade do Minho.
Argand, Jean-Robert (1814-1815). “Philosophie mathématique. Reflexions sur la
nouvelle théorie des imaginaires, suivies d’une application à la démonstration d’un
théorème d’analise”, em Annales de Mathématiques pures et appliquées, tome 5
(1814-1815), pp. 197-209.
Basto, Artur Magalhães (1943). Roberto Woodhouse. Um Campeão portuense do
Catolicismo. Breve Ensaio sôbre a sua Vidao seu Meio e a sua Época. Edições
Marânus, Empresa Industrial Gráfica do Porto, Porto, pp. 5-24.
Beato, Carlos Alberto Silva (2011). Os liceus e as ciências (1836-1860). Um estudo sobre
o processo de criação das disciplinas de ciências físicas e naturais nos liceus
portugueses. Tese de doutoramento submetida à Universidade de Lisboa, Instituto
de Educação. Em http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5486/1/ulsd062095_td_
Carlos_Beato.pdf (em 17 e Dezembro de 2013).
Beires, Rodrigo Sarmento (1951). “Evocação da vida e da Obra do Professor Gomes
Teixeira”, em Anais da Facukldade de Ciências do Porto, 1950-1951,vo. XXXV,
pp. 173-192.
Berger, Marcel (2010). Les cercles de Villarceau, em http://www.bibnum.education.fr
/files/villarceau-analyse.pdf (em 9 de Junho de 2014).
Bernardo, Liliana Leitão (2006). O Primeiro Congresso Português para o Progresso das
Ciências. Tese de Mestrado apresentada à Universidade de Aveiro.
Cajori, Florian (1911). Horner's method of approximation anticipated by Ruffini. Bull.
Amer. Math. Soc. 17 (1911), 8, 409-414.
Carvalho, Scipião (1934). “Prof. Dr. Luis Woodhouse, Elogio proferido em sessão de
homenagem de 13 de Março de 1935”, em Anais da Faculdade de Ciências do
Porto, vol. 19 (1934), pp. 192-203.
86
Carvalho, Scipião (1937). “A Matemática na Academia Politécnica do Porto”, em O
Ensino na Academia Politécnica do Porto, pp. 1-31. Universidade do Pôrto.
Primeiro Centenário da Fundação da Academia Politécnica e da Escola Médico-
Cirúrgica 1837-1937.
Castro, Helena C. P. Ribeiro (2007). Teresa de Saldanha: Um projecto pedagógico
inovador no século XIX, uma interrogação para o século XXI. Tese de
Doutoramento em Educação Especialidade em Pedagogia. Universidade de Lisboa,
Faculdade de Ciências, Departamento de Educação.
Cunha, Pedro José (1929). Bosquejo histórico das matemáticas em Portugal. Exposição
Portuguesa em Sevilha. Escola Tipográfica da Imprensa Nacional de Lisboa.
Diniz, Aires Antunes. Conferências Pedagógicas de Aveiro.
http://prof2000.pt/users/avcultur/AiresDiniz/ConferenciasPedAveiro.htm
D’Ayalla, Frederico Diniz (1897). Os ideais de Oliveira Martins. Lisboa, Antiga Casa
Bertrand-José Bastos.
Echols, W. H. (1893). “Wronski’s expansion”, em Bulletin of the New York Mathematical
Society, vol. 2 (1893), pp. 178-184.
Ferreira, Licínia Rodrigues (2012). Sócios do Instituto de Coimbra. Projecto Instituto de
Coimbra. Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Ferreira, Licínia Rodrigues (2012a). Instituto de Coimbra, O percurso de uma Academia.
Projeto Instituto de Coimbra. Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
García Sierra, Pelayo (1993). La evolución filosófica e ideológica de la
Asociación Española para el Progreso de las Ciencias (1908-1979), em El
Basilisco, 2ª época, nº 15, 1993, pp. 49-81.
Gomes, Jesué Pinharanda (1989). “Roberto Guilherme Woodhouse (1828-1876)
Resposta aos Detractores e Mofadores da Religião e dos seus Ministros”. Prefácio.
Lusitania Sacra, 2ª Série. 1.
Gonçalves, Manuel Amândio (1888). Relatório apresentado ao Exc.mo Snr. Luiz Ignacio
Woodhouse.
Guimarães, Rodolfo (1909). Les Mathématiques en Portugal. Coïmbre. Imprimerie de
l’Université (2éme ed.). (1ª ed. em 1900).
Junior, João Lopes da Silva Martins (1888). A Hysteria e as suas Localisações Motrizes.
Dissertação Inaugural. Typographia Occidental, Porto.
Keef, Patrick; Guichard, David (2013). An Introduction to Eigher Mathematics. USA.
87
Leite, Duarte (1945). “Terá falido a Ciência?”, em O Primeiro de Janeiro de 27 de Junho
de 1945.
Magalhães, Justino (2011). “Os Arquivos e os Museus Autárquicos na construção
histórica do Município Pedagógico”, em Actas do Encontro Nacional de Arquivos
Municipais, nº 10 (2011).
Martins, Augusto (1928). “In Memoriam Luís Woodhouse (1858-1927)”. Em Portvcale,
Revista Literária e Scientífica, Vol. 1, n.º 1 (1928).
Martins, João Lopes (1937). “No 1.º centenário da Acdemia Politécnica e da Escola
Médico-Cirúrgica. Em Porto Académico, Orgão da Associação Académica do
Porto. Número único, comemorativo do 1º centenário da Academia Politécnica do
Porto e da Escola Médico-Cirúrgica. Porto.
Martins, J. P. Oliveira (1883). Portugal Contemporaneo, Segunda edição: emendada,
Livraria Bertrand, Lisboa.
Morais, Marta Lúcia de Castro (2007). A primeira década dos Congressos Luso-
Espanhóis para o Progresso das Ciências. Tese de Mestrado. Departamento de
Matemática. Universidade de Aveiro.
Mota, Guilhermina (2010): “Famílias em Coimbra nos séculos XVIII e XIX”. Revista de
História da Sociedade e da Cultura, 10 Tomo II, pp. 353-385.
Netto, E.,Vavasseur, R. Le (1907-1912). “Le théorème fondamental”, em Encyclopédie
des Sciences Mathématiques Pures et Appliquées, editada por sob a direcção de
Jules Molk, Tome I, vol. 2, pp. 189-205.
Peixoto, Rocha (1898). A Sociedade Carlos Ribeiro: Nótula Histórica, Sociedade Carlos
Ribeiro, Porto.
Peacock, George (1834). “Report of the Third Meeting of The British Association for the
Advancement of Science”, em Report on the recent Progress and Present State of
Certain Branches of Analysis, pp. 185-352.
Rodrigues, Adriano (1937). “Um professor”. Em Porto Académico”, Orgão da
Associação Académica do Porto. Número único, comemorativo do 1º centenário da
Academia Politécnica do Porto e da Escola Médico-Cirúrgica. Porto.
Sales, pe Ernesto Augusto Pereira (1978). Mirandela: apontamentos históricos: 1250-
1950. Junta Distrital de Bragança. Bragança.
Saraiva, Luis Manuel Ribeiro, “Mathematics in the Memoirs of the Lisbon Academy of
Sciences in the 19th century”, em Historia Mathematica 35 (2008), pp. 302-326.
88
Saturnino, Oscar (1937). “Já estudante não sou…”. Em Porto Académico, Orgão da
Associação Académica do Porto. Número único, comemorativo do 1º centenário da
Academia Politécnica do Porto e da Escola Médico-Cirúrgica. Porto.
Serém, M. Carmo; Pereira, G. Martins (2000). “O Porto Oitocentista”, em História do
Porto. Coord. Luís Oliveira Ramos. Porto Editora, pp. 376-521.
Serra, António Dias Costa (1989). História do Instituto Industrial do Porto convertido no
Instituto Superior de Engenharia do Porto, em 1974: notas biográficas de alguns
dos seus docentes. Porto.
Silva, Carlos Manique (2010). Publicações Periódicas do Ministério da Educação.
Repertório Analítico (1861-2009). Universidade do Porto. Faculdade de Letras.
Biblioteca Digital.
Silva, M. Céu (1995). A Matemática na Faculdade de Ciências do Porto. Tese de
mestrado. Universidade do Minho.
Teixeira, Francisco Gomes (1934). História das Matemáticas em Portugal. Academia das
Ciências de Lisboa. Biblioteca de Altos Estudos. Lisboa.
Viana, Pedro Amorim (1877). Demonstração do Theorema de M. Villarceau sobre o tóro.
Jornal de Sciencias Mathematicas e Astronomicas, I, pp. 84-85.
Villarceau, Antoine Yvon (1848). “Théorème sur le tore”. Nouvelles Annales de
Mathématiques. Série 1 (Paris: Gautier-Villars) 7: 345-347.
Vilhena, Henrique (1936). O Professor Doutor Francisco Gomes Teixeira (Elogio, Notas,
Notas de Biografia, Bibliografia, Documentos). Lisboa: Imprensa Nacional.
Wagner, Roy (2014). Wronski’s Infinities”, em HOPOS: Journal of the International
Society for the History of Philosophy of Science 4 (2014), pp. 26-61.
Woodhouse, Luis Inácio (1877). “Sobre a questão proposta no nº 6”, em Jornal de
Sciencias Mathematicas e Astronomicas. Vol. 1, pp. 110-111. Coimbra, Imprensa
da Universidade.
Woodhouse, Luis Inácio (1878). “Demonstração de um teorema de geometria”, em O
Instituto. Revista Cientifica e Literaria. Vol. 26 (Julho de 1878 a Junho 1879), pp.
429-430.
Woodhouse, Luis Inácio (1883). “Da Integração das Equações Differenciaes da
Dynamica”. Porto, Typographia Occidental.
Woodhouse, Luis Inácio (1885). “Principio Fundamental da Theoria das Equações
Algébricas”, em Jornal de Sciencias Mathematicas e Astronomicas. vol. 6,
Coimbra, Imprensa da Universidade, pp. 177-182.
89
Woodhouse, Luis Inácio (1921). “O Ensino Matemático nas Universidades Portuguesas”.
Congresso do Porto de 1921. Associação Portuguesa para o Progresso das
Sciencias. Porto, pp. 133-151.
Woodhouse, Luis (1921). “Contribuição portuguesa para um célebre problema de
álgebra”. Separata das actas do Congresso Luso-Espanhol para o Progresso
das Sciencias, realizado no Porto em 1921, pp. 1-11.
Woodhouse, Luis Inácio (1923). “O Renascimento Matemático em Portugal no fim do
século XVIII e a Real Academia das Sciencias de Lisboa”. Asociación Española
para el Progreso de las Ciencias. Actas del Noveno Congreso celebrado en la
ciudad de Salamanca. Tomo II. Conferencias, 1923, pp. 175-191.
Woodhouse, Luis Inácio (1924). “O método de Horner e um trabalho português esquecido
(1794)”, em Jornal de Sciencias Mathematicas, Físicas e Naturais (1927). Tomo
nº 24 (Tomo 5 da 3ª Série, nº 94). Outubro de 1924 a Janeiro de 1927, pp. 53-68.
Lisboa. Imprensa Nacional. Também em Academia Real das Sciências de Lisboa.
Extracto do Jornal de Sciencias Matemáticas, Físicas e Naturais, 3ª Série - nº 18.
Lisboa. Imprensa Nacional.
Woodhouse, Luis Inácio (1925). “A Matemática em Portugal no principio do século
XIX”. Separata das actas do Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das
Sciencias, Asociación Española para el Progreso de las Ciencias. Congreso de
Coimbra. Madrid, pp. 81-101.
Woodhouse, Luis Inácio (1926). “Prof. Gomes Teixeira: Recordando”. Em Pôrto
Académico de 30-4-1926.