Vida Pastoral 302

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Revista católica bimestral.

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    maro-abril de 2015 ano 56 nmero 302

    A modernidade lquida e a vida humana transformada em objeto de consumo Eliton Fernando Felczak

    Nossa pastoral lquida e a nova parquia que queremosNicolau Joo Bakker, svd

    A ao pastoralem tempos de mudana: modelos obsoletos e balizasde um novo paradigmaAgenor Brighenti

    Roteiros homilticos Luiz Alexandre Solano Rossi

    A pastoral em temposde modernidade lquida

    FRUTOS DEINESPERADA PRIMAVERAColeo Marco Conciliar comemora 50 anosde grandes mudanas do Conclio Vaticano II

    Doutrina Social da Igrejae o Vaticano IILuiz Gonzaga Scudeler

    Liturgia no Vaticano IINovos tempos da celebrao cristAntnio Sagrado Bogaze Joo Henrique Hansen

    Vaticano II50 anos de ecumenismo naIgreja CatlicaElias Wol

    O Conclio Vaticano IIe os pobresMaria Cecilia Domezi

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  • vidapastoral.com.br

    Caros leitores e leitoras,Graa e paz!

    O contexto histrico atual, marcado por transformaes aceleradas, em que tudo o que slido parece desmanchar-se no ar, foi conceituado de maneira acurada pelo pensa-dor Zygmunt Bauman com a metfora da modernidade lquida. A ideia aponta para o fato de que, no mundo de hoje, tudo tende a modificar-se ligeiramente, como as substn-cias lquidas o fazem nos lugares onde so inseridas ou derramadas.

    A sociedade contempornea tem forte e constante tendncia ruptura com a tradi-o, como se tudo tivesse de se renovar a cada passo. Isso est presente na mentalidade e nos princpios de vida e repercute na ma-neira pela qual as empresas e instituies so-ciais procuram se renovar. O ser humano tende a um estilo de vida desenraizado, seja das tradies, seja dos ideais elevados e nor-teadores, o que gera vazio, carncia de senti-do da vida, ansiedades de todo tipo. Tende-se a transformar o ser humano em mero indiv-duo consumidor ou mesmo em objeto de consumo. A suposta liberdade que se propala parece reduzir-se escolha entre um produto ou outro. A radicalizao do individualismo torna mais difcil a convivncia, o que se re-flete nas dificuldades da vida comunitria e familiar. Tudo isso se reflete tambm nas in-certezas da vida cotidiana; na precariedade dos laos afetivos, profissionais e com ideais norteadores; na troca do durvel pela ampli-tude do leque de escolhas.

    Por um lado, a valorizao da singulari-dade pessoal, da pluralidade e da diversidade positiva; por outro, fomenta a colagem e a bricolagem de elementos, seja na vida, na cultura e nas religies; a preferncia pelo extico e pelo que tem aparncia de novo. A religio e todos os aspectos sagrados da vida

    so dessacralizados, enquanto se sacralizam e se fetichizam os produtos, o consumismo, o prazer, ou ainda a religio transformada em objeto de mercado, submetido lei da oferta e da procura, conforme os interesses e os mo-dismos do momento.

    Tudo isso, evidentemente, remexe com vi-gor a Igreja catlica, que como nos lembra o padre Nicolau Bakker, em seu artigo a seguir desde o incio do segundo milnio sempre se apresentou como uma instituio muito sli-da, hierarquicamente bem estruturada de alto a baixo, com limites geogrficos bem defini-dos em dioceses e parquias, com um governo central de poderes amplos e incontestveis, com doutrinas e normas universais bem defi-nidas e rgidas e com todo um aparato que lhe dava uma conotao de perpetuidade, sacrali-dade e inquestionabilidade.

    Os artigos desta edio de Vida Pastoral no constituem postura de lamento ou recla-mao dessa crise. As crises, se bem aprovei-tadas, promovem as condies necessrias para a reoxigenao da vida e, portanto, reo-xigenao e renovao tambm da Igreja. Dessa forma, os artigos, em primeiro lugar, estimulam a lucidez do conhecimento da re-alidade corrente para, num segundo momen-to, apresentar pistas de posturas melhores como Igreja e de iniciativas pastorais diante dessas modificaes todas. Em face dessa re-alidade, como nos aponta o padre Agenor Brighenti, h tentativas de respostas que so inconsequentes, como a pastoral de conser-vao e a nsia de recuperar o passado que no volta mais. Entretanto, h bases, luzes e condies para um novo paradigma pastoral para um tempo de mudanas, capaz de inte-ragir melhor com o mundo de hoje.

    Pe. Jakson Alencar, sspEditor

  • Revista bimestral para

    sacerdotes e agentes de pastoral

    Ano 56 nmero 302

    Maro-abril de 2015

    Editora PIA SOCIEDADE DE SO PAULO Diretor Pe. Claudiano Avelino dos Santos Editor Pe. Jakson F. de Alencar MTB MG08279JP Conselho editorial Pe. Jakson F. de Alencar, Pe. Zulmiro Caon, Pe.

    Claudiano Avelino, Pe. Manoel Quinta, Pe. Paulo Bazaglia, Pe. Darci Marin

    Ilustrao da capa Lcio Amrico de Oliveira Ilustraes internas Lus Henrique Alves Pinto Editorao Fernando Tangi

    Reviso Tiago Jos Risi Leme, Alexandre Soares Santana

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    Redao PAULUSSoPaulo(Brasil)ISSN0507-7184 [email protected] www.paulus.com.br/www.paulinos.org.br vidapastoral.com.br

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    A modernidade lquida e a vida humana transformada em objeto de consumo Eliton Fernando Felczak*

    A atualidade conceituada por

    Zygmunt Bauman como

    modernidade lquida, pela

    incapacidade de manter a forma.

    As relaes, instituies, quadros de

    referncia, estilos de vida, crenas e

    convices mudam antes que tenham

    tempo de se solidificar. Nesse

    contexto, as vidas humanas so

    transformadas em objetos de

    consumo. O ser humano deixa de ser

    sujeito e passa a ser objeto na relao

    de compra e venda.

    Introduo

    O filsofo e socilogo polons Zygmunt Bauman um dos pensadores, em seu mbi-to de atuao, que alimentam reflexes so-bre a realidade consumista na qual o ser hu-mano est inserido. Sua pesquisa no se li-mita a uma s rea da academia: abrange a sociologia, a filosofia e a cincia poltica, analisando as complexas relaes nas quais as pessoas se movem. Para o autor, o consu-mo uma teia de relaes bem construda em que no restam muitas alternativas na luta pela sobrevivncia.

    O ser humano, ancorado no discurso consumista, vive a sua vida sem se questionar sobre o que realmente acontece sua volta. Vive-a como espectador, no como protago-nista. Num ambiente incerto como o atual, o consumo aparece como resposta satisfao das ansiedades dos indivduos. Isso funda-mental para compreender Bauman, quando aponta a transformao da vida humana em objeto de consumo na contemporaneidade.

    A comodificao ou recomodificao das vidas humanas constitui longo processo que se iniciou na sociedade moderna e se torna

    *BacharelemAdministraopelaUniversidadedoContestado(UnC-SC)eemFilosofiapelaFaculdadeSoLuiz (FSL-SC), ps-graduado em Estudos Bblicos pela Faculdade Catlica de Santa Catarina (Facasc), seminarista da Diocese de Joinville-SC. E-mail:[email protected]

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    grados, como os jovens Marx e Engels notaram. [...] A nossa uma era, portanto, que se caracteriza no tanto por quebrar as rotinas e subverter as tradies, mas por evitar que padres de conduta se conge-lem em rotinas e tradies (PALLARES--BURKE, 2004, p. 304-305).

    Bauman conceitua a mo-dernidade como lquida devi-do sua fluidez e mobilidade, conforme os recipientes apre-sentados para serem preenchi-dos. Isso no ocorre com os slidos, pois estes tm forma definida e no se flexibilizam com as presses impostas. Apropriando-se de uma afir-

    mativa de Marx, Marshall Berman define esse fenmeno com a mxima: Tudo o que slido desmancha no ar.

    A liberdade adquirida surgiu com o der-retimento dos slidos, tirando o indivduo da terra firme e levando-o ao oceano das incer-tezas. A passagem para o estgio final da mo-dernidade no produziu maior liberdade in-dividual: No no sentido de maior influn-cia na composio da agenda de opes ou de maior capacidade de negociar o cdigo de escolha. Apenas transformou o indivduo de cidado poltico em consumidor de merca-do (BAUMAN, 2000, p. 84). A liberdade ob-tida nos tempos atuais ilusria. A pessoa vive sempre na incerteza, pois sempre h a possibilidade de uma escolha melhor. O pen-samento no mais denso e ordenado, mas leve e desordenado, para poder abarcar tudo o que a vida pode oferecer.

    Para caracterizar a modernidade lquida, Bauman faz uma diferenciao no modo pelo qual as vidas humanas convivem. As comunidades existentes na modernidade slida eram ticas. Bauman tambm as cha-ma de compreensivas e duradouras, ou seja, genunas. Elas se baseavam em normas e

    visvel no cenrio da sociedade contempor-nea. Bauman a define como modernidade lquida, devido s mudanas rpidas que ocorrem sem haver um embasamento firme ou algo que d forma. A ideia adaptar-se s situaes como a gua faz, de acordo com o recipiente em que inserida.

    O presente artigo justifi-ca-se inicialmente pela valo-rao da vida humana diante de toda estrutura e qualquer regulamento vigente. A estru-tura existe para auxiliar o ser humano, e no o contrrio, como apregoa a modernidade lquida. Nesse ambiente, a pessoa tratada como uma engrenagem da mquina cha-mada consumo. Deve alimentar o sistema com a sua vida, sem perceber que tambm um objeto de desejo a ser exposto no merca-do de compra e venda.

    1. Modernidade lquida

    O ser humano vive em um novo perodo da histria, sendo diversos os termos e concei-tos utilizados para descrever esse contexto. Um dos conceitos mais usados para definir esta fase histrica modernidade. Seme-lhante termo soa redundante, por incluir toda a realidade que circunda. Zygmunt Bauman define a modernidade como lquida, fluida, a impermanncia e a constante mudana de forma nela verificadas nunca tm um trmino:

    O conceito de sociedade lquida ca-racteriza-se pela incapacidade de manter a forma. Nossas instituies, quadros de re-ferncia, estilos de vida, crenas e convic-es mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hbitos e ver-dades autoevidentes. Sem dvida a vida moderna foi desde o incio desenraizado-ra, derretia os slidos e profanava os sa-

    Na modernidade lquida, as

    comunidades tendem a se reunir em torno

    do entretenimento, de celebridades, de dolos e no de ideais ticos.

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    objetivos, nos quais os destinos eram parti-lhados visando sua permanncia. Na mo-dernidade lquida, ocorre o inverso; Bau-man designa suas comunidades como estti-cas. Elas se renem em torno do entreteni-mento, de celebridades e de dolos. Essas comunidades estticas, comunidades-cabi-de, dificilmente oferecem laos duradouros a seus membros.

    As comunidades estticas no permitem a condensao das comunidades ticas. Im-pedem a sociabilidade entre as pessoas e, as-sim, contribuem muito para a perpetuao da solido do homem moderno. Para isso tornar-se possvel na modernidade lquida, com o desmantelamento da modernidade s-lida, foi preciso adotar nova racionalidade. Surge um indivduo diferente de tudo o que se viu na histria humana. O ser humano l-quido um dos reflexos do novo jeito de pensar, no qual virtualmente todos os aspec-tos da vida humana so afetados quando se vive a cada momento sem que a perspectiva de longo prazo tenha mais sentido (PALLA-RES-BURKE, 2004, p. 322). A certeza est na constante mudana, devendo cada indivduo buscar por si prprio uma maneira de me-lhor sobrevivncia.

    2. Vida humana

    Bauman entende que o ser humano atual um produto do que acontece na modernida-de lquida. Nos seus escritos, ele aborda o in-divduo como algum que integra uma socie-dade e responde a ela, modelando-se aos seus ditames. A corrente filosfica chamada estru-turalismo serve de parmetro para compre-ender esse pensamento do filsofo e socilogo polons. Segundo essa escola, a categoria ou ideia de fundo no o ser, mas a relao, no o sujeito, mas a estrutura. [...] Os homens no tm significado e no existem fora das relaes que o instituem e especificam o seu comporta-mento (REALE; ANTISERI, 2008, p. 83).

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    Patrsticademonstrao da pregao apostlica

    O Catecismo de Santo Irineu (sculo II), ou melhor, a Demonstrao da pregao apostlica, uma valiosa obra do primeiro telogo sistemtico da Igreja, que estava desaparecida e foi tornada conhecida ao mundo moderno h pouco mais de um sculo.Na obra, Irineu pretendeu, literalmente, demonstrar a verdade do Evangelho por meio de profecias do Antigo Testamento que foram cumpridas por Jesus Cristo, o Verbo encarnado. De carter apologtico, a Demonstrao no um catecismo para iniciantes na f, mas um catecismo superior, cuja fundamentao racional e escriturstica enriquece a f crist.

    irineu de lyon

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    As relaes atravessam toda a obra de Bauman, que v o ser humano transformado numa estrutura flexvel programvel para o consumo. As interaes sociais e os laos afetivos esto cada vez mais fracos, devido modernidade lquida. Tudo passa a ter um cunho econmico, focalizando a materiali-dade nas relaes (cf. BAUMAN, 2007, p. 18). O mundo atual oferece muitas escolhas e cada um pode agarrar uma oportunidade e lev-la consigo no seu cotidiano. Afinal de contas, perguntar quem voc s faz sentido se voc acredi-ta que pode ser outra coisa alm de voc mesmo (BAU-MAN, 2005, p. 25). Na poca lquido-moderna, o mundo est repartido em fragmentos mal ajustados e as existncias individuais seguem o mesmo parmetro. Elas esto fatiadas numa sucesso de episdios fragilmente conectados.

    Identidade uma das palavras que vm ganhando mais espao atualmente, quando se faz referncia vida humana e ao papel do indivduo no meio em que vive. Se no passado a arte da vida consistia em encon-trar os meios adequados para realizar os fins propostos, agora se trata de testar, um aps o outro, todos (as inmeras possibilidades) os fins, de acordo com os meios ao alcance. A construo da identidade infindvel, pois seus experimentos nunca terminam. Quando o indivduo assume uma, existem outras aguardando a sua vez. A liberdade de escolher uma identidade que esteja dispo-sio no mercado de consumo acaba sendo um valor em si mesmo.

    A liberdade do indivduo ante os mecanis-mos da mdia de massa refere-se escolha en-tre o leque de possibilidades oferecido. O indi-vduo livre desde que seja malevel perante as investidas dos modismos criados e desmon-tados pelos meios de comunicao de massa:

    Esta insistncia na no fixidez, na li-berdade de manobra, na prontido para acrescentar e absorver novas experincias e novas ocasies de prazer, seja o que for que essas ocasies venham a mostrar ser, adequa-se, em ltima anlise, com a con-tingncia essencial, e com o carter epi-sdico e fragmentado, no sistmico, da existncia ps-moderna. [...] O trao mais vincado da qualidade de vida existir sempre sob a forma de uma ima-

    gem, ao mesmo tempo em que essa imagem se encontra em per-ptua mudana (BAUMAN, 1995, p. 86).

    O prottipo do homem mo-dulado deve ser provisrio e no universalizante. Foi justa-mente isso que a modernidade lquida fez na formao da identidade dos indivduos. Tra-

    ta-se de processo contnuo e incessante. A cpia de modelos prontos e acabados pela mdia algo que se aplica com eficcia ao indivduo modulado, que no deixa de ser algum que consome. O nico personagem que os praticantes do mercado podem e querem reconhecer e acolher o Homo con-sumens: o solitrio, autorreferente e auto-centrado comprador que adotou a busca pela melhor barganha como uma cura para a solido e no conhece outra terapia (BAUMAN, 2004, p. 86). Ele o nico ca-paz de manter a economia em movimento, sem questionar as influncias que levam a seguir determinado exemplo e depois des-cart-lo como se troca de roupa.

    3. Consumo

    O consumismo um conceito novo nos dicionrios de cincias humanas, especial-mente nos de filosofia. O termo comea a sair do mbito estritamente econmico e sociol-

    O mundo est repartido em

    fragmentos mal ajustados e as

    existncias individuais seguem o mesmo

    parmetro.

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    gico, ganhando um significado dentro da fi-losofia: quando o ser humano deixa de ser sujeito e passa a ser objeto na relao de compra e venda. Anteriormente primeira metade do sculo XVIII, poca em que a Re-voluo Industrial comeava a se propagar, poucas referncias so encontradas sobre o consumo, como entendido atualmente.

    O consumidor estava virtualmente au-sente do discurso do sculo XVIII. De modo significativo, s aparece em sete dos 150 mil trabalhos da coleo on-line sobre esse scu-lo duas vezes como cliente privado, [...] uma como cliente que sofre com os altos preos dos comerciantes e [...] trs em refe-rncia ao tempo (o veloz consumidor de horas) (TRENTMANN, apud BAUMAN, 2008, p. 71).

    O consumo era visto como um compo-nente secundrio, com pouca relevncia para as teorias econmicas e, menos ainda, para a vida cotidiana concreta. No aconteceu ne-nhuma mudana radical no sculo seguinte, apesar do aumento expressivo e bem docu-mentado nas prticas de vendas, na publici-dade e nas lojas.

    No h nada desligado das estruturas econmicas vigentes. A tese do fetichismo da mercadoria de Marx tambm conheci-da como alienao. Segundo essa tese, ob-jetos tornam-se sujeitos e as pessoas tor-nam-se objetos, ocorrendo uma inverso radical de valores. Com efeito, o ser huma-no foi sendo coisificado cada vez mais no capitalismo. Est arraigada na sociedade atual a noo de que tudo o que o ser hu-mano produz algo vendvel ou apresen-tvel com o intuito de obter proveito pr-prio. A pessoa tenta passar uma imagem de desejo s outras como se fosse uma merca-doria venda em uma loja.

    O consumo em si no tem um ncleo, mas, sim, vrias estruturas que servem para que ele se perpetue continuamente. Para ela-borar uma viso coesa dos consumidores e

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    DVD Educao e religioMinicurso de educao e religio

    Somos seres indivisveis, no podemos separar e contrapor nossas experincias estudantis, profissionais, amorosas, familiares, religiosas. Somos seres em relao, carentes do aprendizado do dilogo e da relao com o diferente. Este DVD pretende apresentar fundamentos para que o entrelaamento entre Educao e Religio contribua para dilogo com o diferente e a convivncia na diferena!

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    Viviane Cristina Cndido

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    de suas estratgias de vida, deve-se reconhe-cer que esses mercados esto necessariamen-te incrustados em complexas matrizes polti-cas e culturais que conferem aos atos de con-sumo sua ressonncia e importncia especfi-cas (BAUMAN, 2008, p. 34).

    O processo acontece de forma sutil, a pon-to de o indivduo nem perceber o quanto modelado racionalizao da modernidade lquida. O consumo, pelo fato de possuir um sentido, uma atividade de manipulao sis-temtica de signos (BAU-DRILLARD, 1993, p. 206). En-tra a o papel das foras econ-micas que determinam e dire-cionam as escolhas dos consu-midores, visando ao seu provei-to. Nesse jogo de interesses, o Estado vem sendo capitalizado e orientado pelos grupos econ-micos a propagar o estilo consumista de viver aos seus cidados.

    Quando o Estado reconhece a prioridade e superioridade das leis do mercado sobre as leis da plis, o cidado transforma-se em con-sumidor (BAUMAN, 2000, p. 59). Ele torna--se cada vez mais individualista, pensando em seus prprios ganhos, enquanto aceita cada vez menos a necessidade de participar no go-verno do Estado. Aumenta a distncia entre o ideal de democracia e a sua verso real exis-tente. O que interessa ao cidado o consumo prprio, reduzindo-se o mundo a uma gigan-tesca loja de departamentos, com prateleiras cheias das mais variadas ofertas.

    O questionamento bsico sobre o consu-mo atualmente que ele foi redimensionado, passando da ideia de compra de mercadoria e servios para a da configurao de novas relaes sociais, principalmente no mbito cultural. No contexto atual em que o ser hu-mano se insere,

    [...] ningum pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e nin-

    gum pode manter segura sua subjetivi-dade sem reanimar, ressuscitar e recarre-gar de maneira perptua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendvel. A subjetividade do sujeito, e a maior parte daquilo que essa subjeti-vidade possibilita ao sujeito atingir, con-centra-se num esforo sem fim para ela prpria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendvel. A caracterstica mais proeminente da sociedade de con-

    sumidores ainda que cuidado-samente disfarada e encoberta a transformao dos consumi-dores em mercadorias (BAUMAN, 2008, p. 20).

    O sonho dos consumidores tornarem-se agradveis no mercado das pessoas. Para isso, devem destacar-se da massa

    uniforme, usando tecnologias que o merca-do consumidor oferece. uma estrutura que se retroalimenta. Na sociedade de pro-dutores, as pessoas eram valorizadas pelo papel que desempenhavam e seu desempe-nho financeiro era um prmio para medir o valor e a dignidade delas segundo sua pro-duo. No novo modelo consumista ime-diatista, o que interessa a capacidade de consumir, mesmo que no haja grandes rendimentos.

    A forma de planejar e organizar a vida na modernidade lquida antagnica da modernidade slida. As relaes devem ser estabelecidas a curto prazo, aproveitando as chances que a vida oferece, abandonando as anteriores como quem troca de roupa. Pla-nejamentos para a vida toda parecem rid-culos, pois sacrificam os desejos moment-neos em vista de algo posterior no futuro.

    As estratgias de marketing que faziam parte do mbito econmico passam a atuar no mbito existencial. Os objetos de consu-mo e as vidas humanas adquirem equivaln-

    O sonho dos consumidores tornarem-se agradveis no mercado das

    pessoas.

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    cia. Isso porque o consumo ganha nova sig-nificao na modernidade lquida, segundo Bauman. o processo no qual as vidas huma-nas se transformam em objetos de consumo, indo muito alm da simples ideia de compra e venda de mercadorias.

    O objetivo crucial, talvez decisivo, do consumo na sociedade de consumi-dores (mesmo que raras vezes declarado com tantas palavras e ainda com menos frequncia debatido em pblico) no a satisfao de necessidades e vontades, mas a comodificao ou recomodifica-o do consumidor: elevar a condio dos consumidores de mercadorias vendveis. [...] Os membros da sociedade de consumi-dores so eles prprios mercadorias de consumo, e a qualidade de ser uma mercadoria de consumo que os torna membros autnticos dessa sociedade (BAUMAN, 2008, p. 76).

    Os indivduos devem observar os mes-mos parmetros que gostariam fossem se-guidos pelos produtos a serem consumidos. So atrados s lojas com o objetivo de en-contrar ferramentas e matrias-primas que podem (e devem) usar para se fazerem aptos a serem consumidos e, assim, valiosos para o mercado (BAUMAN, 2008, p. 82). Longe de ser fcil, essa uma tarefa extre-mamente angustiante para os consumido-res, devido volatilidade do mercado e a inexistncia de um porto seguro.

    Na academia, a voz de Bauman soa como denncia da transformao do ser humano em mercadoria no mbito da modernidade lquida. A doutrina incutida desde a educa-o escolar e os meios de comunicao, amarrando a pessoa dentro de uma estrutura consumista. melhor que as crianas se preparem desde cedo para o papel de consu-midores/compradores vidos e informados preferivelmente desde o bero. O dinheiro gasto no seu treinamento no ser desperdi-

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    Livro do tero dos homens Manual completo e explicativo

    O Tero dos Homens deseja resgatar, para o seio da Igreja de Cristo, os homens de todas as idades, classes e culturas, pois notria a sua presena em todas as atividades humanas, mas com visvel ausncia nas fileiras da Igreja. Entretanto, o Tero dos Homens quer atingir toda a famlia dos participantes, colaborando com a formao de lares cristos, de convivncia harmnica e verdadeiras expresses da f catlica.

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    ado (BAUMAN, 2007, p. 142). A mentali-dade consumista perpassa toda a vida huma-na, transformando as atividades cotidianas em algo que pode ser mercantilizado. As rela-es com os outros seres humanos, incluindo os amigos e membros da famlia, passam a ser vistas em termos de mercado, devido mentalidade consumista. A mercadorizao das vidas humanas o estgio mais violento do capitalismo parasitrio.

    Concluso

    No h como negar o papel do consumo na construo da modernidade, da tica e da prpria antropologia na atuali-dade. Com o consumo, Bau-man busca explicar a forma de viver dos seres humanos. O au-tor traz o termo consumo para dentro do campo da filosofia, indo alm das abordagens ento existentes nos campos da economia, da sociologia e da psicologia.

    O consumo, na viso de Bauman, a transformao da vida humana em merca-doria, noo que remete segunda tese de Marx, o fetichismo da mercadoria. Essa tese possui dimenso normativa, sendo parcial-mente vlida no pensamento sociolgico contemporneo. Marx diz que o fetiche re-corre regio nebulosa da crena. Os obje-tos tornam-se sujeitos e as pessoas viram objetos, numa total inverso de valores.

    As relaes sociais e os laos afetivos es-to cada vez mais vulnerveis na modernida-de lquida. O cunho mercadolgico passa a interferir nas relaes afetivas, focalizando a materialidade do ser humano. Nunca houve tanta liberdade na escolha de parceiros nem tanta variedade de modelos de relacionamen-tos; no entanto, nunca os casais se sentiram to ansiosos e prontos para rever ou reverter o rumo da relao. A relao deixa de existir

    quando sua utilidade e seu prazer j no des-pertam o interesse do indivduo, que pode substitu-la sem se importar com os senti-mentos da outra pessoa.

    A insatisfao nas relaes revela pro-fundamente uma insatisfao consigo mes-mo, ou seja, por mais que o indivduo este-ja sempre atualizado, nunca ser a melhor mercadoria no mercado da afetividade. O medo e a ansiedade de ficar de fora so eminentes. Essa situao reafirmada na

    mdia com os reality shows, como, por exemplo, o Big Bro-ther. A eliminao e o descarte so constantes e todos correm o risco de sair de cena, mesmo que cumpram corretamente as obrigaes.

    Os sites de relacionamento criam cada vez mais espaos para confisses pblicas da vida ntima dos indivduos.

    Isso para que as especificaes das merca-dorias sejam bem-feitas, a fim de chamar a ateno de possveis pretendentes que queiram estabelecer um relacionamento. A vida interior de cada um exposta na m-dia, j no sabendo os adolescentes dife-renciar o que pertence ao pblico e ao pri-vado. Na busca de serem atraentes e famo-sos, dificilmente os jovens pensam em construir uma carreira slida nos campos da arte, da cincia, da filosofia, da tecnolo-gia, entre outros. Querem tornar-se cele-bridades e ser desejados como objetos de consumo, mesmo que por breve momento.

    Destaca-se atualmente o grande uso de antidepressivos. Na sociedade de consumi-dores, nem todos conseguem ser celebrida-des ou a melhor opo no mercado. Precisam ser lembrados para serem valorizados e no conseguem superar o descarte. O sofrimento e o modo de aliviar as dores tambm alimen-tam o sistema, pois pensam que com medica-mentos podem resolver o problema. As pes-

    A pessoa acredita que livre, mas no

    fundo suas escolhas so fabricadas e

    apresentadas em uma gama de possibilidades

    preestabelecidas.

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    soas passam a acreditar que, para cada pro-blema, h uma soluo na loja. No foi pro-vado que essa nova atitude diminui as dores humanas; no entanto foi comprovado, alm de qualquer questionamento, que a induzida intolerncia dor fonte inesgotvel de lu-cros comerciais.

    Ressalta-se que o consumo aliena a vida humana de sua capacidade de refletir, pois o uso livre e consciente da razo limitaria a manipulao. Tem forte influncia no con-sumo a exaltao do tempo presente em detrimento do passado e do futuro. Na vida agorista dos indivduos na moderni-dade lquida, o motivo da pressa , em par-te, o impulso de adquirir e juntar. Mas o motivo que torna a pressa de fato imperati-va a necessidade de descartar e substituir. Verifica-se que o nvel da velocidade dire-tamente proporcional intensidade do es-quecimento.

    As metanarrativas cederam lugar a infor-maes e dados pontuais. O imanentismo presente na vida das pessoas implica explorar e fazer o momento em que se vive de prazer um instante eterno. Essa nova racionalidade no deixa de ser a procura de algo slido em que se possa ancorar em confronto com a breve existncia.

    O capitalismo parasitrio que propul-siona essa ansiedade de construir-se a si mes-mo com a cultura de consumo. Consumir, em Bauman, nada mais do que o homem investir na avaliao social de si prprio. Na sociedade de consumidores, traduz-se como vendabilidade. Isso significa obter as quali-dades necessrias para atender a demandas de mercado, tornando-se atraente. As dvidas ocorrem na opo por novos produtos, ainda que no possuam o poder aquisitivo para tanto. Essas pessoas nunca foram presas em cadeias, mas encontram-se presas s merca-dorias que compraram ou havero de adqui-rir. O prazer da compra no dura mais que

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    Liturgia da Palavra IReflexes para os dias de semana

    Liturgia da Palavra IIReflexes para os domingos, solenidades, festas e memrias

    As obras Liturgia da Palavra I e Liturgia da Palavra II apresentam um roteiro de reflexes dirias, de fcil compreenso. Liturgia da Palavra I aprofunda a liturgia diria: tempo de advento, tempo do natal, tempo da quaresma e tempo comum. Liturgia da Palavra II aborda os domingos, solenidades, festas e memrias.

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    Pe. jos Carlos Pereira

    Pe. jos Carlos Pereira

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    Bibliografia

    BAUDRILLARD, J. O sistema dos objetos. So Paulo: Perspectiva, 1993.

    BAUMAN, Z. A vida fragmentada: ensaios sobre a moral ps-moderna. Lisboa: Relgio Dgua, 1995.

    ______. Amor lquido: sobre a fragilidade dos laos humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

    ______. Em busca da poltica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

    ______. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

    ______. Modernidade lquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

    ______. Vida lquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

    ______. Vida para consumo: a transformao das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

    PALLARES-BURKE, M. L. G. Entrevista com Zygmunt Bauman. Revista tempo social USP, So Paulo, v. 16, n. 1, jun. 2004.

    REALE, G.; ANTISERI, D. Histria da filosofia: de Freud atualidade. 2. ed. So Paulo: Paulus, 2008. v. 7.

    uma semana, e a dvida talvez perdure anos. Algum deve ganhar com isso, pois alimenta continuamente a roda da economia. Esse en-dividamento pode ir alm da concepo mo-netria, sendo a vida exaurida e sugada pelo sistema econmico. A pessoa acredita que livre, mas no fundo suas escolhas so fabrica-das e apresentadas em uma gama de possibi-lidades preestabelecidas.

    Se designamos como otimista a pessoa que entende que a humanidade est vivendo na melhor das possibilidades e o pessimista

    como aquele que desconfia que o seu opo-nente esteja certo, Bauman no otimista nem pessimista na sua descrio do homem como mercadoria, mas relata a situao atual e como ela veio a tornar-se manifesta. O au-tor acredita que outro mundo alternativo e, quem sabe, melhor seja possvel e que os seres humanos sejam capazes de tornar real essa possibilidade. Mas tambm infeliz-mente que talvez os indivduos prefiram ignorar os acontecimentos e continuar a viver na menoridade.

    Conheanossapginanainternetvidapastoral.com.br

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    Nicolau Joo Bakker, svd*

    Desde o incio do segundo milnio, nossa Igreja sempre se apresentou como uma instituio slida, hierarquicamente bem estruturada, com limites geogrficos bem definidos, com um governo central de poderes amplos e incontestveis, com doutrinas e normas universais rgidas. A modernidade e a chamada ps-modernidade arranharam esse modelo por todos os lados. Procurando pistas para situar-se diante desse contexto, importante valorizar o legado do Vaticano II.

    Introduo

    O ttulo j deixa bem claro quem mais me inspira neste artigo: Zygmunt Bauman, o grande pensador polons da atualidade. Para esse autor, a nossa assim chamada ps-moder-nidade se caracteriza, antes de tudo, pela per-da de solidez das antigas instituies, tradi-es e convices, como fica evidente nos seus best-sellers Amor lquido, Modernidade lquida e Vida lquida. Na introduo a um dos seus livros mais recentes, Tempos lquidos (2007), Bauman elenca alguns dos efeitos mais delet-rios do processo agora consolidado da cul-tura atual: as antigas organizaes sociais, mais estveis, dissolveram-se e as novas no oferecem a mesma estabilidade, pois elas de-compem-se mais rpido que o tempo que leva para mold-las; da mesma forma, as ins-tituies tradicionais e os padres comuns de comportamento perderam sua capacidade de pautar as rotinas individuais, pois tudo se dissolve no grande viveiro de incertezas que marca nossa modernidade avanada.

    *MissionriodoVerboDivino,sacerdote,cientistasocialepastoralista. Atuou sempre em parquias, rurais e urbanas. Durante diversos anos lecionou Pastoral no Instituto de TeologiadeSoPaulo(Itesp)ecoordenouprogramascontraaviolnciaurbanaedeformaodelideranasnumaONGdedireitoshumanoseeducaopopular(CDHEP/CL),SoPaulo.Atualmenteatuanapastoralparoquial de Diadema-SP. E-mail: [email protected]

    Nossa pastoral lquida e a nova parquia que queremos

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    O mundo nossa frente, ento, est perdi-do? O autor afirma que no pretende oferecer solues, mas apenas apontar para os sintomas da doena. Cada um ou cada uma de ns que tire as suas concluses e calcule com quantos paus vai fazer sua canoa. o que vamos tentar fazer neste artigo. Vou falar da nossa pastoral lquida, mas, em vez de apontar apenas para os sintomas, gostaria de tambm apontar para possveis solues. Bauman, porm, alerta-nos: a globalidade agora a marca principal do nosso mundo, e as solues locais as nicas que esto ao alcance das nossas mos tornam-se inviveis medida que, cada vez mais, se confron-tam com impedimentos globais. Com essa perspectiva em mente, olhemos agora para alguns dos problemas pas-torais que mais nos desafiam.

    1. Que Igreja queremos?

    Estamos ainda na comemorao dos 50 anos do Conclio Vaticano II (1962/65). A constituio dogmtica sobre a Igreja, Lumen Gentium, talvez tenha sido o documento mais esperado de todo o Conclio. Aps dcadas de grande efervescncia renovadora nas reas b-blica, litrgica, ecumnica, social e teolgica, todos sonhavam com uma Igreja inteiramente renovada. Sem dvida merece destaque o per-sistente trabalho intelectual do eminente te-logo francs Yves Congar (1995). Condena-do por Roma, foi consolado pelo cardeal Suhard: No se preocupe, irmo, daqui a 20 anos todos pensaro como voc! Tornou-se, de fato, o grande eclesilogo do Conclio, tendo sido feito cardeal por Joo Paulo II, em 1994. Que grande mudana ocorreu?

    1.1. Da eclesiologia lquidaDesde o incio do segundo milnio,

    nossa Igreja sempre se apresentou como

    uma instituio slida, hierarquicamente bem estruturada de alto a baixo, com limi-tes geogrficos bem definidos em dioceses e parquias, com um governo central de po-deres amplos e incontestveis e com doutri-nas e normas universais rgidas, enfim, com todo um aparato que lhe dava uma conota-o de perpetuidade, sacralidade e inques-

    tionabilidade. Passada a pri-meira fase mais carismtica da Igreja mais fiel ao Esprito de Pentecostes e tendo sido vti-ma, na fase posterior, de grande ingerncia estatal, especialmen-te depois que o imperador Teo-dsio I, em 380, fez do cristia-nismo a religio oficial do Im-prio Romano, a Igreja come-ou a reclamar, crescentemente,

    maior autonomia espiritual em relao aos poderes pblicos. A assim denominada re-forma gregoriana, do papa beneditino Gre-grio VII (1085), vista como o incio de longa fase em que a Igreja inverte o jogo e comea a exercer forte controle no ape-nas espiritual sobre os poderes pblicos. Os papas se tornam as autoridades mxi-mas do continente europeu.

    O cristianismo vai se inculturando, pri-meiramente no imprio e depois em meio aos povos brbaros que conquistaram o ter-ritrio. Aos poucos a religiosidade crist se torna to natural quanto o ar que se respira. As sociedades se sucedem. As culturas locais variam e a piedade popular se adapta a elas, mas, em seu conjunto, a cristandade fruto de uma nica concepo de Igreja: ela como uma sociedade perfeita no seu governo, na sua doutrina, na sua legislao e organiza-o e na sua conduta moral , e a ela que todas as sociedades devem se submeter. Todo o segundo milnio marcado, preponderan-temente, por uma nica eclesiologia: a Igreja, tal qual se apresenta, fundada e intenciona-da por Jesus. Sua verdade nica, sua lei san-

    A chamada ps-modernidade se

    caracteriza, antes de tudo, pela perda de solidez das antigas

    instituies, tradies e convices.

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    ta e sua conduta so, basicamente, impec-veis. Uma eclesiologia mais slida do que essa dificilmente imaginvel.

    A modernidade veio arranhar esse mo-delo por todos os lados. Na sua essncia, a modernidade a substituio da hegemonia da Tradio da Igreja pela hegemonia da Ra-zo humana. A partir do sculo XIV, um n-mero crescente de intelectuais primeiro do Renascimento, depois do Iluminismo e, tambm, de representantes das cincias co-mea a relativizar ou at combater o pen-samento e o poder hegemnicos da Igreja. Dentro da prpria Igreja, o muito apreciado legado de so Toms de Aquino (1274) tambm comea a produzir frutos. No pode haver oposio entre a f e a razo, opinava Toms, pois ambas se originam em Deus. A verdade a conformidade da coisa com a inteligncia. A f precisa da razo. Uma falsa interpretao da realidade leva a uma falsa concepo de Deus (error circa creaturas redundat in falsam de Deo senten-tiam). Em termos de eclesiologia slida ou lquida, podemos dizer que so Toms, com essa postura, inventou o liquidificador. Nos sculos seguintes, os telogos da Igreja par-tiro cada vez mais no da autoridade dou-trinal eclesistica, mas da prpria racionali-dade cientfica.

    No sculo XIX, J. A. Mhler (1838), da famosa escola teolgica de Tbingen (Alema-nha), ressalta que o lado visvel, institucional, da Igreja no o principal. Ela depende, subs-tancialmente, do lado invisvel e mstico, quer dizer, da presena e ao do Esprito. Em REB 291/2013, Antnio Luiz Catelan Ferreira faz breve resumo do processo. Sensvel ao clima cultural do tempo o romantismo da poca pe em evidncia a historicidade e a dimenso vital, interior, do ser humano , Mhler busca inspirao na Igreja dos primeiros sculos. En-contra uma Igreja encarnada, de muitas fa-ces, sim, mas, fundamentalmente, um s cor-po mstico de Cristo. Sua reinterpretao da

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    Dia a dia com o evangelho 2015 Texto e comentrio - Ano B - So Marcos

    Dia a dia com o Evangelho traz o trecho do Evangelho de cada dia lido na liturgia, acompanhado de uma reflexo, centrada no texto bblico ou no tema da liturgia do dia. Este livro quer ser um instrumento de orao e contemplao, em vista de uma unio mais estreita com Jesus. Dia a dia com o Evangelho um auxlio precioso para que, no cotidiano cada vez mais marcado pela pressa, nossas irms e nossos irmos possam sentir a presena de Cristo e assim animar-se na misso de amar a Deus e ao prximo como a si mesmo. Que as palavras aqui escritas possam se tornar vida!

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    Pe. luiz Miguel Duarte

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    Igreja-sociedade j manifesta claramente a ra-cionalidade teolgica a liquidificao em andamento. A eclesiologia do sculo XX tambm chamado sculo da Igreja deve muito ao trabalho de Mhler. Surgem novas concepes de Igreja medida que se fortale-cem os movimentos bblico, litrgico, ecum-nico e social. A encclica Mystici Corporis, do papa Pio XII (1943), unindo as dimenses so-cietria e mstica, representa um marco de su-perao, mas, de forma algu-ma, representou um ponto fi-nal. M. D. Koster (em Ekklesio-logie im Werden, Paderborn, 1940), nessa mesma poca, j prope substituir a noo de corpo mstico pelo de povo de Deus. A teologia do laicato e uma crescente preocupao social esto em busca de uma definio menos espirituali-zante e mais existencial. Logo antes do Vaticano II, J. Hamer (em Lglise est une commu-nion, Paris, 1962) prope o conceito de comunho, considerado mais apto a expressar a unio entre os elementos exteriores e interiores da Igreja, alm de ser mais fiel s noes bblicas de koinonia e com-munio.

    O Conclio Vaticano II recolhe todo esse processo de renovao. No apenas a Lumen Gentium, mas praticamente todos os documen-tos conciliares revelam um novo rosto de Igre-ja: uma Igreja menos autoritria e mais aberta para ouvir; uma Igreja no prioritariamente hierrquica, mas ministerial; uma Igreja no acima do mundo, mas encarnada nele, atenta aos sinais do tempo; uma Igreja menos dogm-tica e mais dcil voz do Esprito, audvel na voz do povo (sensus fidelium); uma Igreja mais ecumnica, abrindo espao para uma salvao alm-fronteiras; uma Igreja que abre as portas para a responsabilidade leiga; uma Igreja fiel ao princpio da colegialidade e da comunho;

    uma Igreja toda ela servidora, nascida do batis-mo; uma Igreja sem estados de perfeio, mas com vocao universal santidade; uma Igreja pobre, comprometida com os pobres; enfim, no uma Igreja-sociedade, mas uma Igreja-co-munidade, Povo de Deus a caminho. Uma Igre-ja no fechada em sua Tradio, mas, como di-zia Congar, sempre aberta a se refazer todos os dias; fiel, sim, Palavra revelada, mas tambm fiel ao Deus que continua se revelando no cora-

    o da histria e no corao do povo. O padre Libanio, de sau-dosa memria, chamou essa mudana eclesiolgica de pas-sagem do geocentrismo hierr-quico para o heliocentrismo de povo de Deus. O mesmo Liba-nio observa, porm, que, no S-nodo de 1985, o telogo Rat-zinger, descontente com o de-mocrtico conceito de Povo de Deus, o substituiu pelo da co-munho!

    Mais importante do que fa-zer citaes cansativas, parece--me importante relembrar aqui

    a tese central de Zygmunt Bauman: na moder-nidade, tudo que era slido tradies, dou-trinas, comportamentos torna-se lquido, pois tudo submetido a um processo plurifor-me e ininterrupto de racionalizao. A cada tempo o seu quinho. guas passadas no vol-tam mais. Cada cidado e cada cidad con-quistaram, para sempre, o sagrado direito de ter sua opinio e de viver em conformidade com ela. Na modernidade, a Igreja da Tradi-o cede lugar Igreja da opo, e as opes eclesiolgicas, hoje, so muitas. Um verdadei-ro supermercado, diria P. Berger.

    1.2. A eclesiologia lquida na Amrica Latina e no Brasil

    Medelln (1968), todo o mundo reconhe-ce, foi a adaptao criativa do Vaticano II ao contexto latino-americano. Qual Igreja ou

    A palavra comunidade, na poca, ainda era

    um pouco estranha ao contexto pastoral, mas era preciso transformar capelas (de desobriga)

    em autnticas comunidades de f e

    vida.

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    eclesiologia Medelln prope? Lembro, com nitidez, o clima da poca. Nos seminrios, du-rante o Conclio, ainda se ensinava o modelo da Igreja slida. No era de bom tom ques-tion-lo. Mas havia inmeras indagaes no ar. No Brasil, jornais, rdio e TV noticiavam exaustivamente as reformas de base que se faziam necessrias. Havia, porm, srio peri-go comunista. Em So Paulo, meu professor de dogma havia comentado a tal teologia das realidades terrestres e o documento conciliar Gaudium et Spes insistia numa leitura atenta aos sinais dos tempos. Era preciso reformar a liturgia e abrir espao para efetiva pastoral dos leigos. Enviado minha primeira parquia, no litoral paulista (Vale do Ribeira), em 1965, no tive dvida: era preciso transformar as 30 ca-pelas rurais postas aos meus cuidados em ver-dadeiras comunidades. A palavra comunida-de, na poca, ainda era um pouco estranha ao contexto pastoral, mas era preciso transformar capelas (de desobriga) em autnticas comu-nidades de f e vida, com leigos/as formados/as para assumirem as celebraes dominicais, alm de muitas outras responsabilidades. o que se fez no Vale do Ribeira em toda a atual Diocese de Registro. Que saudade do dinamis-mo daqueles bons tempos!

    Quanto ao modelo de Igreja, o documen-to de Medelln veio apenas confirmar o que j estvamos fazendo: formar comunidades de base! Muitas vezes, mais sonho que realida-de, mas, sem dvida, um novo jeito de fazer Igreja. A CNBB pedia que se fizesse pastoral de conjunto e l amos ns, em equipe, pa-dres, irms e leigos, sem olhar fronteiras pa-roquiais, fazendo, durante trs dias, batidas pelas vilas, visitando o povo nas casas, nas roas e, noite, fazendo reunies em qual-quer barraco disponvel. Haveria animao para formar uma comunidade de verdade? Em caso afirmativo, nova comunidade era iniciada. Nas tradicionais capelas j exis-tentes, outras adaptaes eram feitas. Em re-lativamente pouco tempo, todo um novo es-

    tilo de ao pastoral se constitua. Em toda a diocese, embora ainda no se usasse a ex-presso, parquias se transformavam em co-munidades de comunidades. Aos poucos, em toda a Amrica Latina e especialmente no Brasil, a Igreja adotou novo jeito de ser Igre-ja. Puebla (1979) cunhou definitivamente o nome: comunidades eclesiais de base ou o modelo-CEBs.

    Mas as CEBs nunca foram o nico mode-lo eclesial almejado. Em muitssimos lugares, especialmente nas cidades, a pastoral foi se-guindo os moldes antigos. Em alguns luga-res, mais tradicionais, ficou imperando o modelo-irmandade, cabendo ao clero o pa-pel bsico da desobriga. Em muitos outros lugares, com presena mais permanente do clero, perdurou o modelo-sociedade pia (ultramontano), com a vida paroquial muito marcada pelo Apostolado da Orao, pela Le-gio de Maria, pelos Vicentinos, pelos Con-gregados e Filhas de Maria. Especialmente nas cidades maiores, estava fortemente pre-sente tambm o modelo-classe mdia, com movimentos diversos e atividades pastorais renovadoras, porm longe da agitao socio-transformadora que caracterizava as CEBs.

    No difcil perceber em tudo isso as rea-es pastorais aos trs grandes medos histri-cos da Igreja hierrquica: o protestantismo, o modernismo e o marxismo/secularismo. Fo-ram, contudo, inteis as barreiras levantadas. A razo sempre acaba vencendo, e bom que seja assim. Qualquer autoritarismo acima da razo apenas desumaniza. Nem Jesus imps aos discpulos uma f sem razo (cf. Jo 6). Tanto o protestantismo quanto o modernismo e o secularismo ajudaram a Igreja a ter uma posio mais amadurecida sobre as verdades eternas (slidas). A modernidade, com seus mltiplos enfoques filosficos, com seu pro-cesso cientfico ininterrupto e com sua neces-sidade, como dizia o papa Joo XXIII, de sem-pre adaptar a linguagem aos novos contextos culturais, sem dvida liquidificou aquilo

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    que parecia slido. O papa Bento XVI ainda se queixava da ditadura do relativismo, mas haver de conformar-se. O trem da histria, na verdade, nunca parou e, ao que parece, nunca vai parar.

    2. Que parquia queremos?

    A ps-modernidade, ou a modernidade avanada, como preferimos, veio acrescentar apenas mais suco ao liquidifi-cador. A globalizao, com sua mdia implacvel e sua comu-nicao instantnea, rapida-mente vem criando novo ser humano, o Homo globalis. Ci-ncia, tecnologia, comportamentos, cren-as, tudo agora provisrio, moda. O que importa captar a onda do momento. Des-fez-se a fora social das coletividades que, ainda recentemente, pautavam o comporta-mento social. O que pode fazer um sindica-to, alm de burocratizar-se, quando as em-presas j no se interessam pelas reservas de mo de obra, mas apenas pelos intelectu-almente ou tecnologicamente preparados? De que vale um movimento de moradia, ou qualquer outro, por mais bem assessorado que seja, quando o poder pblico local est de mos atadas, inteiramente na dependn-cia de investimentos financeiros cujo con-trole escapa a qualquer poder poltico? S nos resta pensam muitos partir para o tudo ou nada. A Igreja aparentemente pa-ralisada apenas observa.

    2.1. As CEBs voltaro?Faz poucos meses, fui convidado para

    um encontro de CEBs na prpria regio onde atuo (Diadema-SP). Nos ltimos cinco anos, as CEBs, que j foram prioridade mxi-ma, nunca entraram na pauta da nossa assim chamada reunio mensal do clero. Nem ouo falar delas, a no ser quando se aproxi-

    ma um encontro estadual ou nacional. O convite veio, espontneo, sem nenhuma in-terferncia clerical. Na tradicional cobertura de cima de uma tpica casa popular, expres-so-smbolo do operariado latino-americano, encontrei 50 antigas lideranas das CEBs, quase todas ainda envolvidas em atividades pastorais ou, em menor nmero, polticas.

    Prepararam uma mstica envol-vente, cheia de saudosa memria do passado e tambm de sonhos acerca de uma nova Igreja e de um novo pas. O clima mais per-ceptvel, no entanto, era o de for-te desnimo. Onde esto os pa-dres entusiasmados com as CEBs?

    No pude contribuir muito naquele mo-mento, mas pude oferecer uma esperana. Disse-lhes que os bispos estavam lanando um documento sobre a nova parquia, destina-da a ser comunidade de comunidades. Havia analisado, em profundidade, essa proposta (Estudos da CNBB 104) e publiquei um artigo a respeito em REB 291/2013. O documento deixa o assunto no ar: as CEBs voltaro? Sem dvida, no da mesma forma. No segredo para ningum que a Cria romana fez e con-tinua fazendo persistente e lastimvel com-bate a elas. Um livro recente (CEBs e os desafios do mundo contemporneo, So Paulo: Paulus, 2012) muito revelador a respeito. No Docu-mento de Aparecida (2007), a parte mais revi-sada por Roma foi a parte das CEBs, assinada por 70 bispos a favor e 57 contra (DAp 178-180)! O belo texto original: Elas (as CEBs) tm sido uma das grandes manifestaes do Esprito na Igreja da Amrica Latina e Caribe depois do Vaticano II foi simplesmente elimi-nado. Em outros, mudou-se, sem mais nem menos, o contedo. Onde estava escrito: De-pois do caminho feito at agora, com sucesso e dificuldades, o momento de uma profunda renovao desta rica experincia eclesial em nosso continente, para que no percam sua

    O trem da histria, na verdade, nunca

    parou e, ao que parece, nunca

    vai parar.

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    eficcia missionria, mas a aperfeioem e cres-am de acordo com as exigncias novas dos tempos, o texto foi revisado para: Em seu esforo de corresponder aos desafios dos tem-pos atuais, as comunidades eclesiais de base tero o cuidado de no alterar o tesouro pre-cioso da Tradio e do Magistrio da Igreja. Os bispos, por respeito e obedincia a Roma, costumam no externar seus sentimentos a respeito, mas imaginamos que se sentiram profundamente humilhados com tal trata-mento. Dificilmente as CEBs voltaro, nem mesmo renovadas, se a Cria romana manti-ver o cerco dessa forma.

    2.2. Como setorizar a parquia?Quando refletimos sobre a pastoral das

    CEBs, preciso levar em conta seu processo histrico. E quando os bispos pedem para setorizar a parquia, transformando-a em comunidade de comunidades (DAp 304-313; DGAE 56-64 e 98-105; Documentos da CNBB 100, 8, 244-256), preciso tomar cui-dado para no confundir alhos com bugalhos. De qual comunidade estamos falando? As cincias sociais fazem clara distino entre co-munidades (marcadas pela estabilidade e por uma comum-unidade) e grupos primrios (marcados pela volatilidade e pela parcialida-de). A Igreja constituda no de qualquer comunidade, mas de comunidades eclesiais. O que eclesial depende muito da eclesio-logia que adotamos, e j vimos que, nos nos-sos tempos lquidos, as concepes variam bem mais do que nos tempos slidos. Srgio Ricardo Coutinho, assessor do Setor CEBs da Comisso Episcopal Pastoral para o laicato, da CNBB, indica (no livro acima citado) os cinco Cs das CEBs: crculos bblicos (viver da Palavra), catequese (nas diferentes faixas etrias), celebrao (centrada na eucaristia), Conselho Pastoral Comunitrio (unio das di-ferentes coordenaes) e compromisso socio-transformador (assistncia social e pastorais sociais). A eclesialidade (Evangelii Nuntian-

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    Mercado versus direitos humanos

    A obra versa sobre o conflito entre desenvolvimento econmico e a manuteno da dignidade humana. Uma das principais ideias do livro que a defesa dos direitos humanos condio de possibilidade de uma sociedade alternativa e sustentvel. Para Hinkelammert, o principal violador dos direitos humanos esse mercado sacralizado, que nega aos excludos o direito bsico de viver com dignidade. Na lgica do mercado, tudo reduzido ao clculo de utilidades para a realizao do interesse econmico, em prejuzo da vida em comunidade, nas relaes de solidariedade e amizade.

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    di, 58; Puebla 640-650) depende da presena dessas cinco caractersticas ao mesmo tempo. Nenhum grupo ou pastoral especfica, por si s, comunidade. Nenhum movimento que priorize determinada espiritualidade ou linha pastoral, por si s, comunidade. Nem uma capela (rural ou de bairro urbano), por si s, uma comunidade eclesial de base, quando nela se realiza apenas a sacramentao tradi-cional feita pelo padre. Renovar a parquia, em conformidade com os critrios conciliares, requer muito mais do que isso.

    A relao polmica entre CEBs e parquia no de hoje. O Plano Pastoral de Conjunto (1965-1972) j insistia numa re-novao paroquial mediante a criao de comunidades de base. Os planejamentos seguin-tes aprofundam essa mesma proposta. As Diretrizes de 1975/78 falam, pela primeira vez, em comunidades eclesiais de base. O Documento 25 da CNBB (CEBs no Brasil, 1982) se tornou o grande marco de referncia, chamando as CEBs de um novo modo de ser Igreja, expresso usada ainda na concluso do Documento 92 (Mensagem ao povo de Deus sobre as CEBs, 2010). Assumindo Medelln 15,10, faz das CEBs o primeiro e fundamen-tal ncleo eclesial [...], clula inicial da estru-tura eclesial e foco de evangelizao e, atual-mente, fator primordial de promoo humana e desenvolvimento (Introduo).

    Em Roma, porm, o clima outro. Paulo VI, na exortao apostlica Evangelii Nuntian-di (1975), ainda destaca as CEBs como espe-rana para a Igreja universal, porm j ressal-va: somente aquelas que brotam e desenvol-vem-se [...] no interior da Igreja, e no aque-las marcadas por um esprito de crtica acerba em relao Igreja (EN 58)! Duas suspeitas rondam a praa de So Pedro: falta de solidez eclesiolgica Roma insiste ainda na assim chamada eclesiologia de cima (= slida)

    e, principalmente, possvel ideologizao (uso poltico) da f. Em Puebla (1979), os bis-pos falam bem das CEBs, mas no deixam de dizer que critica-se a falta de formao ade-quada aos agentes, deixando algumas lideran-as serem ideologizadas pela tendncia secula-rizante (DP 630). Em Santo Domingo (1992), fortemente controlado pela Cria romana, as CEBs deixam de ser clulas iniciais de estru-turao eclesial e voltam a ser clulas vivas da parquia (SD 61). Para o novo Direito

    Cannico (1983), de fato, apenas a parquia clula inicial.

    Ultimamente, nos documen-tos da CNBB e de Aparecida, fa-la-se das CEBs, no meu enten-der, de forma parcialmente equi-vocada. Hoje, a presena dos movimentos mais forte na Igreja, e surgiram as pequenas e novas comunidades. Em di-versos documentos tm-se posto

    as CEBs em p de igualdade com essas novas expresses comunitrias (Doc. 100 da CNBB: 132-134, 231-236, 244-256; cf. DP 111 e 644; SD 58; DAp 178-180; DGAE 2011/15: 58; EG 29). O grande perigo dessa postura eclesistica (demasiadamente lquida) le-var as CEBs a uma teologia desencarnada e uma espiritualidade descomprometida. in-teressante comparar novamente o texto origi-nal e o revisado do DAp 179. Dizia o texto original: Elas (as CEBs) podero revitalizar as parquias desde o seu interior, fazendo das mesmas uma comunidade de comunida-des. O texto revisado diz: Atuando dessa forma, juntamente com os grupos paroquiais, associaes e movimentos eclesiais, podem contribuir para revitalizar as parquias, fa-zendo delas uma comunidade de comunida-des. Entendo que a parquia, sem dvida, pode crescer em espiritualidade e vivncia comunitria por meio de movimentos e no-vas formas de associao comunitria, mas em nenhum desses movimentos ou associa-

    Nenhum movimento que

    priorize determinada espiritualidade ou

    linha pastoral, por si s, comunidade.

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    es se concretizam, ao mesmo tempo, os cinco Cs das CEBs, como acima assinalado. Apenas nas CEBs encontramos, apesar de to-das as deficincias, a eclesialidade plena, e por isso que somente elas merecem ser inti-tuladas como clulas iniciais de estruturao eclesial. Quando se pretende setorizar a parquia, essa distino fundamental.

    H quem queira dar s CEBs o monoplio da eclesialidade. O Doc. 25 da CNBB j alerta-va a respeito. De fato, nenhuma CEB Igreja quando isolada das demais. A Igreja comu-nho na sua essncia. Numa perspectiva mais teolgica (e histrica), apenas a diocese co-munidade de comunidades. A parquia deve ser vista mais como estrutura intermediria de servio. Do ponto de vista eclesial, o bispo diocesano o ponto de encontro primrio das comunidades eclesiais, e as parquias interme-deiam as diferentes pastorais que expressam e do concretude a essa unidade.

    Por isso, setorizar a parquia , antes de tudo, criar CEBs, o que no elimina muito pelo contrrio! a possibilidade de nelas ha-ver vivncias espirituais e comunitrias di-versas, mais ao encontro de, por exemplo, gostos pessoais, idades e nveis de formao. Especialmente este ltimo ponto me parece particularmente relevante. Em termos de re-flexo pastoral, existe uma lacuna a respeito. O clima e a prtica espirituais e pastorais com os quais as pessoas se alimentam variam substancialmente de acordo com os graus de escolarizao e engajamento profissional. O mundo secularizado nos d essa lio. Como envolver, pastoralmente, as pessoas muitas vezes da classe mdia/alta que adquiriram maior liderana intelectual e profissional? O fator afinidade humana vital em qualquer comunidade. Nossas CEBs tradicionais so fortemente locais. Como polos dinmicos de reflexo, vivncia e ao apenas poss-veis por meio de convivncia , no vemos como possa ser diferente. Mas talvez tenha-mos de abrir mais portas para CEBs regio-

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    A felicidade e a realizao humana no trabalhoElementos fundamentais luz da Doutrina Social da Igreja

    O trabalho meio privilegiado de o ser humano expandir-se em sua humanidade e relacionar-se com o mundo, com os irmos e com o prprio Deus. No contexto atual, entretanto, esses grandes valores suscitados pelo trabalho esto sendo desfeitos, por ser ele reduzido a meio utilitarista em vista de uma felicidade ilusria, pautada sobre desejos egostas (capitalistas/liberais), e de bem-estar econmico. Este livro busca confirmar o aspecto positivo do trabalho: gerador de felicidade e de realizao humana.

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    anderson Francisco Faenello

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    nais, de estilo mais urbano, reunindo pes-soas cujas afinidades no se do em mbito local. Ainda assim, no vejo como isso possa funcionar concretamente sem um polo lo-cal de encontro e dinamizao dos cinco Cs das CEBs. Quem sabe caber, nesses casos, uma volta Igreja domstica?

    3. Apostemos no papa Francisco

    Gostaria de encerrar esta re-flexo fazendo uma aposta na sabedoria pastoral do papa Francisco. O fato de ter vindo do fim do mundo pode ser decisivo para uma saudvel volta grande disciplina con-ciliar. Depois do Conclio, e a partir do Conclio, a vetusta te-ologia slida do passado se fragmentou. Hoje, so muitas as teologias. Alm da teologia europeia, j podemos falar de uma teologia africana, asitica e latino--americana, inclusive com suas vertentes lo-cais. Da mesma forma, o rosto da Igreja. Cada povo de Deus tem direito sua fisio-nomia prpria. Voltamos a dizer: tudo que era slido se tornou lquido, tambm na ao pastoral da Igreja. No h nenhum mal nisso, como no h nenhum mal na modernidade em si, ainda que sejam muitos os desafios. Quanto s CEBs, minha convico que o esquecimento delas no , em primeiro lu-gar, fruto da reao conservadora dentro das nossas prprias Igrejas, mas, muito mais, fru-to da atitude obstinada do Vaticano que ame-dronta nossos bispos. simplesmente invi-vel setorizar as parquias e criar ampla rede de comunidades dentro dela sem nova abor-dagem teolgica e pastoral do ministrio or-

    denado (ou sem romper a jaula de ferro mi-nisterial, como diria P. Suess). A nova par-quia que a CNBB prope exige dos atuais padres que se transformem em super-homens. Uma iluso. Super-homens no existem. Mui-to mais realista alm de mais evanglico retomar a tradio original e entregar a dire-o das comunidades, ainda que seja de for-ma temporria, s mos de homens e mulhe-

    res de boa reputao e repletos do Esprito e de sabedoria (At 6,3 e 13,1; 1Cor 12).

    O papa Francisco, na sua exortao apostlica Evangelii Gaudium (32), afirma querer go-vernar de acordo com o princpio conciliar da colegialidade e dar maior autonomia s Conferncias Episcopais, incluindo alguma au-tntica autoridade doutrinal.

    Apela a uma converso pastoral do papado e das estruturas centrais da Igreja universal. Por meio de pesquisa, fez uma consulta aos diversos continentes acerca de algumas normas eclesis-ticas que interferem profundamente nas sensi-bilidades humanas. Na atual conjuntura ecle-sial, existe bvio hiato entre o senso de f, o sensus fidelium, do povo cristo e do mun-do em geral e a postura slida, obstinada, da Cria romana. Depois de diversas fracassadas reformas da Cria romana aps o Vaticano II, o pequeno grupo de cardeais nomeados pelo papa dar conta do recado? O snodo a ser con-cludo este ano significar a ruptura de um cer-co milenar ou o fim de uma grande esperana? No momento em que escrevo, ainda no h res-posta, mas uma coisa certa: quando menos se esperar, o Esprito Santo soprar com fora, e as portas e janelas da Igreja se abriro para iniciar um novo futuro!

    A nova parquia que a CNBB prope exige dos atuais padres que se transformem em super-homens. Uma

    iluso.

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    Agenor Brighenti*

    *DoutoremCinciasTeolgicaseReligiosaspelaUniversidade de Louvain (Blgica), coordenador do ProgramadePs-GraduaoemTeologianaPUCdeCuritiba, professor visitante na Universidade Pontifcia do Mxico e no Instituto Teolgico-Pastoral do Celam. PresidentedoInstitutoNacionaldePastoraldaCNBBemembrodaEquipedeReflexoTeolgicadoCelam.Publicou pela Paulus, entre outros, o livro Para compreender o Documento de Aparecida o pr-texto, o con-texto e o texto.E-mail:[email protected]

    A ao pastoralem tempos de mudana: modelos obsoletos e balizasde um novo paradigma

    O artigo lana um olhar analtico sobre a

    situao da pastoral hoje, no contexto de

    profundas transformaes e de crise

    social e, consequentemente, das

    instituies e da Igreja. Identifica modelos

    de pastoral inconsequentes com o

    momento atual e as balizas fundamentais

    para novo paradigma pastoral capaz de

    interagir com o mundo contemporneo

    de maneira criativa, sem aferrar-se nem

    ao passado nem a modismos da

    modernidade e da ps-modernidade.

    s vezes, quisramos ignorar, mas no h como negar. Sobram evidncias de que estamos imersos em um tempo marcado por profundas transformaes. E, praticamente, como elas atingem todas as esferas da vida social, mergulham-nos em um tempo de cri-se: crise de paradigmas e das utopias, das cincias e da razo, dos metarrelatos e das instituies, crise de identidade, das religi-es, de valores, crise de sentido. um tem-po incmodo, pois est permeado de incer-tezas e angstias, mais tendente criativida-de do que ao plgio ou ao agarrar-se a velhas seguranas de um passado sem retorno.

    Entretanto, como nos adverte a sabedoria oriental, crise no fim da histria ou beco sem sada. Crise encruzilhada, ocasio de novas oportunidades, mas sob condio de no fugirmos dela. Crise metamorfose, pas-sagem, travessia, s que tanto para a morte como para um novo nascimento, dependen-do de como a enfrentamos. Se fugirmos dela, pressgio de um fim catastrfico; se a assu-mirmos, prenncio de um tempo pascal, de novo comeo.

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    O amplo leque de mudanas em curso atesta que, em grande medida, a crise atual se deve crise da modernidade, do projeto civi-lizacional moderno, responsvel pelas maio-res conquistas da humanidade, mas, ao mes-mo tempo, pelas maiores frustraes da his-tria. Por um lado, no se podem descartar valores como democracia, liberdade, igualda-de, cincia, estado de direito, tecnologia, au-tonomia da subjetividade, tolerncia; por ou-tro, preciso reconhecer que a sociedade moderna, fundada no mito do progresso, deixou sem respos-tas as questes mais ligadas finalidade do progresso e da aventura tecnolgica, realiza-o e felicidade pessoal, en-fim, ao sentido da vida. Prova disso a irrupo de novas rea-lidades, diante das quais o pro-jeto civilizacional se tornou mais curto do que falso, e, com elas, a emergncia de novas as-piraes e valores. Em outras palavras, a crise atual deve-se mais emergncia de novas perguntas e busca de novas respostas a aspiraes legti-mas antes no contempladas do que aos equvocos da modernidade, por mais nume-rosos e graves que tenham sido.

    Consequentemente, a sada da crise no est em ser antimoderno ou pr-moderno. Nem em ser ps-moderno ou em aferrar-se modernidade. Mas, sim, em dar um passo a mais dentro da modernidade, redimensio-nando seu projeto e acrescentando novas as-piraes a ele, que ainda no foi substitudo por nenhum outro que o supere. Ou seja, apesar de estarmos mergulhados em tempos de crise, trata-se, pois, de olhar para a frente, de dar respostas novas s novas perguntas, de criar o novo em nosso presente, alicerados nas conquistas do passado.

    Para nos situar no atual momento eclesial e pastoral, importante ter presente esse pano

    de fundo, pois tambm a experincia religiosa e a Igreja passam por profundas mudanas; tambm a instituio eclesial, as teologias e a pastoral esto mergulhadas num tempo de cri-se; tambm no meio religioso, entre ambigui-dades e retrocessos, irrompem novas realida-des e legtimas aspiraes. E tambm ns, os cristos, se formos s causas da atual crise pas-toral, depararemos com a crise da sociedade, que afeta igualmente a Igreja. E nem poderia ser diferente, pois o mundo constitutivo da

    Igreja. No o mundo que est na Igreja, mas a Igreja que est no mundo. O povo de Deus peregri-na no seio de uma humanidade toda ela peregrinante. E o destino do povo de Deus no diferente do destino de toda a humanidade. Tal como na sociedade atual em relao modernidade, tambm na Igreja h dificuldade em situar--se em nosso novo tempo, para interagir com ele, e, sobretudo, h dificuldade de aprender e enri-quecer-se com as novas realidades

    emergentes. A renncia de Bento XVI deu-se nesse contexto, em grande medida, fruto do esgotamento de posturas marcadas por um entrincheiramento identitrio que torna a Igreja refm de uma subcultura eclesistica.

    A crise da modernidade afeta diretamen-te a Igreja, pois nela est tambm implicado o Conclio Vaticano II, dado que, entre outras coisas, ele significou a reconciliao da Igreja com o mundo moderno, depois de cinco s-culos de oposio e excomunho em bloco. O que a modernidade representa para a hu-manidade o Vaticano II significa para a Igreja. E da mesma forma que a modernidade est em crise, tambm o Vaticano II atravessa pro-funda crise, percepo que para muitos cons-titui um grande equvoco, num momento de ingnuo otimismo eclesial, como foi o agita-do Maio de 68. Os saudosistas do rito tri-dentino, entre outros, querem anular o Vati-

    A renncia de Bento XVI deu-se

    nesse contexto, em grande medida, fruto

    do esgotamento de posturas

    marcadas por um entrincheiramento

    identitrio.

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    cano II, que, segundo eles, teria destrudo a Igreja. Estaria, ento, a sada da crise eclesial em ser anti-Vaticano II (a postura apologtica da Contrarreforma tridentina) ou pr-Vatica-no II (refugiando-se nas prticas medievais de piedade devocional)? Estaria a sada em ser ps-Vaticano II (entregues ao emociona-lismo, entre a magia e o esoterismo) ou em aferrar-se letra do Conclio, fechando-se a nova recepo dele no novo contexto?

    Por um lado, infelizmente, tal como no mbito da sociedade, no seio da qual as dife-rentes hermenuticas da crise da modernida-de se configuram em projetos sociais distin-tos, tambm no mbito eclesial, as diversas hermenuticas do Vaticano II e da tradio latino-americana configuram modelos de pastoral diferentes e, em muitos aspectos, an-tagnicos; por outro, felizmente, tambm es-to presentes nos meios eclesiais prticas pastorais que vo sinalizando as balizas de um novo paradigma de pastoral, centrado na integrao de novas realidades e legtimas as-piraes, que irrompem na histria como novos sinais dos tempos. O novo pontifica-do se pe nessa perspectiva, tal como atesta, sobretudo, a Evangelii Gaudium. A Confern-cia de Aparecida tambm nos desafiou a ser consequentes com a renovao do Vaticano II e da tradio libertadora latino-americana.

    1. Modelos de pastoral inconsequentes com os tempos atuais

    Um olhar analtico sobre a situao da pastoral na Igreja hoje pode identificar pelo menos quatro modelos de pastoral inconse-quentes com o momento atual: a pastoral de conservao, que tende a desconhecer o atual processo de mudanas; a pastoral apologista, que tem medo delas; a pastoral secularista, que adota uma postura mimtica e mercado-lgica diante delas; a pastoral liberacionista, que teima em neg-las, achando que, na con-juntura atual, mudar retroceder.

    Na realidade, so modelos de pastoral sem futuro, pois esto na contramo da his-tria, fechados aos novos sinais dos tempos e s interpelaes do Esprito. Entretanto, preciso ficar atentos e no adotar uma atitude desqualificadora deles, em bloco. Como todo acontecimento histrico marcado pela am-biguidade, esses modelos tambm so porta-dores de elementos de um novo paradigma pastoral, congruente com as exigncias das mudanas dos tempos atuais.

    Desconhecendo as mudanas: a pastoral de conservao (de cristandade)

    A pastoral de conservao, assim deno-minada por Medelln (Med 6,1) e nomeada por Aparecida (DAp 370), o modelo de pastoral do regime de cristandade. Est ainda vigente na Igreja e existe h mais de mil anos, apesar de haver sido radicalmen-te superado pelo Conclio Vaticano II, h meio sculo. Funciona centralizado no pa-dre e na parquia e, no seio desta, na ma-triz. A parquia, entretanto, desde o incio da Idade Mdia, continua sendo, para a maioria dos catlicos, o nico espao de contato com a Igreja, o que no anula a ur-gente necessidade de uma renovao pro-funda de suas estruturas, tal como a CNBB tem proposto ultimamente.

    A pastoral de conservao est margem da sociedade atual, funcionando como que de forma imune renovao do Vaticano II, des-conhecendo a modernidade, bem como a cri-se da modernidade e o processo de mudanas em curso. Tributrio do dualismo agostiniano que ope a cidade de Deus cidade dos ho-mens, o mbito eclesial o espao do sagra-do, refgio dos cristos, perante a perdio do espao profano do mundo, indiferente salva-o (extra eclesiam nulla salus).

    Na pastoral de conservao, em sua confi-gurao pr-tridentina, a prtica da f de cunho devocional, centrada no culto aos

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    santos e composta de procisses, romarias, milagres e promessas, prticas tpicas do ca-tolicismo popular medieval (um catolicismo de muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre Riolando Azzi). J em sua configurao tridentina, a vivncia crist gira em torno do padre, baseada na recep-o dos sacramentos e na observncia dos mandamentos da Igreja.

    Resqucio de uma sociedade teocrtica, as-sentada sobre o denominado substrato catli-co de uma cultura rural esttica, pressupe que os cristos j estejam evangelizados, quan-do na realidade se trata de catlicos no con-vertidos, sem a experincia de um encontro pessoal com Jesus Cristo e o Rei-no de Deus. Consequentemente, no h processos de iniciao crist, catecumenato ou cateque-se permanente. A recepo dos sacramentos salva por si s, sen-do eles concebidos e acolhidos como remdio ou vacina espi-ritual. Em lugar da Bblia, colo-ca-se na mo do povo o catecis-mo da Igreja. Em lugar de teolo-gia para formar cristos adultos, enquadram-se os fiis na doutri-na e nos dogmas da f catlica. A parquia territorial e nela, em lugar de fiis, h clientes que acorrem esporadicamente ao templo para receber certos benefcios espiritu-ais fornecidos pelo clero. Na pastoral de conser-vao, o administrativo predomina sobre o pastoral; a sacramentao sobre a evangeliza-o; a quantidade sobre a qualidade; o proco sobre o bispo; o padre sobre o leigo; o rural sobre o urbano; o pr-moderno sobre o mo-derno; a massa sobre a comunidade.

    Temendo as mudanas: a pastoral apologista (de neocristandade)

    A pastoral apologista o modelo de pasto-ral do regime de neocristandade, que teve

    seu auge no sculo XIX, quando a Igreja pr--moderna jogou suas ltimas cartas no con-fronto com a modernidade. Pouco tempo depois, ela ser desautorizada em seus pres-supostos pelo Conclio Vaticano II, que insere a Igreja em atitude de dilogo e servio ao mundo. Nos dias atuais, com a crise da mo-dernidade e a falta de referenciais seguros, a pastoral apologista volta com fora, com ares de revanche de Deus, com muito dinheiro e po-der, triunfalismo e visibilidade, guardi da or-todoxia, da moral catlica, da tradio. O tra-dicionalismo e o fundamentalismo so sempre um fenmeno ligado s elites, a uns poucos abastados. Nos dois pontificados anteriores ao

    atual, os movimentos eclesiais com perfil de neocristandade fo-ram vistos como a nova prima-vera da Igreja. Entretanto, na prtica, revelaram-se os princi-pais responsveis pelo atual in-verno eclesial, que o novo ponti-ficado se prope superar.

    A pastoral apologista assume a defesa da instituio catlica diante de uma sociedade anticle-rical e a guarda das verdades da f em face de uma razo seculari-zante, que no reconhece seno

    o que pode ser comprovado pelas cincias. Ao desconstrucionismo dos metarrelatos e do relativismo reinante que geram vazio, in-certezas e medo, contrape-se o porto de certezas da tradio religiosa e um elenco de verdades apoiadas numa racionalidade meta-fsica. Se a pastoral de conservao pr-mo-derna, a pastoral apologista antimoderna. Nesse modelo de Igreja e de pastoral, em lu-gar do Vaticano II, que se rendeu moderni-dade considerada uma revoluo antro-pocentrista que, em sua essncia, atenta con-tra Deus , apregoa-se no a volta s fontes bblicas e patrsticas, mas a volta ao funda-mento, guardado zelosamente pela tradio antimoderna dos santos papas Pios, que

    Na realidade, so modelos de pastoral

    sem futuro, pois esto na contramo da histria, fechados

    aos novos sinais dos tempos e s interpelaes do

    Esprito.

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    acertadamente excomungaram em bloco a modernidade.

    A pastoral apologista apoia-se numa misso centrpeta, levada a cabo pela milcia dos cris-tos, soldados de Cristo, a legio de leigos mandatada pelo clero, uma vez que este re-jeitado por uma sociedade anticlerical. A mis-so consiste, numa atitude apologtica e prose-litista, em sair para fora da Igreja e trazer de volta as ovelhas desgarradas para dentro dela. Numa atitude hostil perante o mundo, cria seu prprio mundo, uma espcie de subcultura eclesistica, no seio da qual pouco a pouco se sentir a necessidade de vestir-se diferente, mo-rar diferente, evitar os diferentes, conviver entre iguais, em tpica mentalidade de seita ou gueto. A redogmatizao da religio e o entrincheira-mento identitrio acabam sendo sua marca, apoiados na racionalidade pr-moderna agosti-niana e tomista. Como se est em estado de guerra, qualquer crtica tolhida, pois enfra-quece a resistncia. Diante da dvida, a certeza da tradio e a obedincia autoridade monr-quica, cone da divindade na terra. A missa tri-dentina alimenta o imaginrio de novos cruza-dos, no resgate da pr-modernidade perdida.

    Padecendo as mudanas: a pastoral secularista (de ps-modernidade)

    A pastoral secularista prope-se respon-der s necessidades imediatas das pessoas, em sua grande maioria, no contexto atual, rfs de sociedade e de Igreja. integrada por pessoas desencantadas com as promessas da modernidade, por ps-modernos em crise de identidade, pessoas machucadas, de-sesperanadas, em busca de autoajuda e ha-bitadas por um sentimento de impotncia diante dos inmeros obstculos a vencer, tanto no campo material como no plano fsi-co e afetivo. Em suas fileiras, esto pessoas que querem ser felizes hoje, buscando solu-o para seus problemas concretos e apostan-do em sadas providencialistas e imediatistas. Nesses meios, h um encolhimento da utopia

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    A interpretao histrica do Antigo Testamento, to bem evidenciada nos sculos XIX e XX, j no suficiente diante das novas exigncias acadmicas e sociais. A Teologia do Antigo Testamento de Walter Brueggemann reflete a nova face da pesquisa teolgica bblica. Ao entrar no estudo da Bblia Hebraica, Brueggemann leva a srio a exegese crtica e a histria de Israel, respondendo perguntas relevantes de nosso prprio tempo, desafiando a interpretao bblica a percorrer um novo caminho: responder s questes que desafiam a humanidade neste novo milnio.

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    no momentneo, desafiando as instituies a fazer o presente tocar o fim, ou da intra-his-tria, lugar de antecipao daquilo que se es-pera em plenitude na meta-histria.

    Em meio s turbulncias de nosso tem-po, dado que o passado perdeu relevncia e o futuro incerto, o corpo constitui a refern-cia da realidade presente, deixando-se levar pelas sensaes e professando uma espcie de religio do corpo. Na medida em que Deus quer a salvao a partir do corpo, essa religiosidade colada materiali-dade da vida pode ser porta de entrada para a religio, mas, ao reduzir-se a isso, passa a ser porta de sada.

    A pastoral secularista vem na esteira de uma religiosidade ecl-tica e difusa, uma espcie de neo-paganismo imanentista, que con-funde salvao com prosperida-de material, sade fsica e realiza-o afetiva. a religio la carte: Deus como objeto de desejos pessoais, solo frtil para os mercadores da boa-f, no seio do atual, prspe-ro e rentvel mercado do religioso. A religio j o produto mais rentvel do capitalismo.

    No seio da pastoral secularista, h um deslocamento, na esfera da subjetividade in-dividual, da militncia para a mstica, do pro-ftico para o teraputico e do tico para o esttico (passagem de opes orientadas por parmetros ticos para escolhas pautadas por sensibilidades estticas), contribuindo para o surgimento de comunidades invisveis, compostas de cristos sem Igreja, sem vn-culos comunitrios. H uma internalizao das decises na esfera da subjetividade indi-vidual, esvaziando as instituies, inclusive a instituio eclesial, composta tambm de muitos membros sem esprito de pertena.

    Nesse contexto, a mdia contribui para a banalizao da religio, reduzindo-a esfera privada e a um espetculo para entreter o p-blico. Trata-se de uma estetizao presentis-

    ta, propiciadora de sensaes in-transcen-dentes, espelho das imagens da imanncia. Tambm a religio passa a ser consumista, centrada no indivduo e na degustao do sa-grado, entre a magia e o esoterismo.

    Negando as mudanas: a pastoral liberacionista (de encantamento com a modernidade)

    A pastoral liberacionista, nascida da reno-vao do Conclio Vaticano II e da proftica

    tradio latino-americana, pre-tende-se a resposta mais avaliza-da crtica da religio como alie-nao ou pio do povo. No quer perder de vista a indissoci-vel converso pessoal e das es-truturas, a qual exige a militn-cia dos cristos tambm na esfe-ra poltica, luz da opo prefe-rencial pelos pobres. Tambm no quer deixar a parceria com

    os movimentos sociais, a qual permitiu avan-os nas polticas pblicas de incluso de am-plos segmentos da populao historicamente tratados como suprfluos e descartveis.

    Com a crise da modernidade e, em sua esteira, a crise das utopias, a fragmentao do tecido social, a crise da democracia represen-tativa, dos ideais comunitrios e o surgimen-to de novos rostos da pobreza, a pastoral libe-racionista sofreu grande revs. De repente, viu-se sem as mediaes capazes de fazer aterrissar os ideais coletivos em projetos his-tricos concretos. Entretanto, apesar disso, em meio perplexidade do presente, em lu-gar de tirar lies da crise e buscar novas me-diaes c