Vida Pastoral 303

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03 1 7 2 5 37 maio-junho de 2015 – ano 56 – número 303 Presbítero, uma vocação a ser vivida à altura do Evangelho Dom Pedro Brito Guimarães A Bíblia reinterpretada pela teologia da prosperidade Luiz Alexandre Solano Rossi Cur a e libertação: uma abordagem bíblico-teológica Vicente Artuso, ofm Roteiros homiléticos Aíla Luzia Pinheiro Andrade, nj Temas bíblico-pastorais

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Revista católica da Editora Paulus.

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03 17 25 37

maio-junho de 2015 – ano 56 – número 303

Presbítero, umavocação a servivida à alturado Evangelho

Dom Pedro Brito Guimarães

A Bíbliareinterpretadapela teologia daprosperidade

Luiz Alexandre Solano Rossi

Cura e libertação:uma abordagembíblico-teológicaVicente Artuso, ofm

RoteiroshomiléticosAíla Luzia Pinheiro

Andrade, nj

Temas bíblico-pastorais

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Concepções e conceitos da

ÉTICA CRISTÃ

Introdução à ética teológicaJosé Antonio Trasferetti, Maria Inês de Castro Millen e Ronaldo Zacharias

Este livro é resultado do esforço de três teólogos moralistas, que desejam oferecer aos leitoresfundamentos para uma reflexão ética na perspectiva teológica.Os nove temas escolhidos tocam pontos nucleares da Teologia Moral. Conectados com as decisões doConcílio Vaticano II, os autores dialogam com renomados teólogos da atualidade e, se expressam comliberdade e humildade sobre o presente e o futuro da ética teológica.

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vidapastoral.com.br

Caros leitores e leitoras,

Graça e paz!

O mundo da chamada “pós-modernidade”tende a girar em torno de “celebridades”, deídolos ocos, de modismos efêmeros, do consu-mismo. Costumes que afetam também a Igrejae a vida de fé. Diante dessas tendências cultu-rais, é importante ter presente que a verdadeira“celebridade”, a base e centro da nossa fé, é Je-sus Cristo. Toda a pastoral e os ministérios, seadequados, conduzem para ele e para o Evan-

gelho, assim como para a práxis que deles de-correm, e não para outras coisas ou pessoas. Jáo apóstolo Paulo alertava sobre a imaturidadena fé dos membros da comunidade de Corinto,ao se deixarem guiar por “instintos egoístas eagirem como qualquer um”, afirmando “eu soude Paulo” ou “eu sou de Apolo”: “ninguémpode colocar outro alicerce além do que já estáposto, que é Jesus Cristo” (1Cor 3,1-15).

O gosto corrente por “celebridades”, por for-mas apelativas de práticas religiosas, por liturgiascom caráter de entretenimento – mesmo queconcebidas como um canal de comunicação comas pessoas de hoje –, se ficar apenas nisso, podeincorrer em uma espécie de mundanismo comaparências de religiosidade, sinalizar uma fé ima-tura e distante do compromisso com o Evangelhoou mesmo fomentar uma espécie de consumismo

religioso. É preciso ter cuidado para não reprodu-zir na Igreja o que há de pior na sociedade. Pelocontrário, a fé cristã nos move em direção a umaconsciência e modo de ser alternativos. Em vezde tomar modismos como referência, os cristãosprocuram ajudar as pessoas a encontrar um refe-rencial mais sólido, que é Cristo e o Evangelho.

Em seu artigo a seguir, Dom Pedro Britolembra a conclamação do papa Francisco paraque “não deixemos que nos roubem o Evange-lho”

 

(Evangelii Gaudium, n. 97). E questiona:“Quem está roubando o Evangelho de nós?Quem está deixando roubá-lo? Como é que se

rouba ou se deixa roubar o Evangelho?”, apon-

tando também as indicações do papa: o munda-nismo espiritual, o desejo de vanglória, o esque-cimento da profecia.

 Aparecem traços evidentes desse pragmatis-mo e do distanciamento do Evangelho nas men-talidades religiosas marcadas pela teologia daprosperidade e nos espetáculos religiosos. Aquelase manifesta de maneira mais clara e forte no ne-opentecostalismo, mas está também presente nasconcepções de muitos católicos, mesmo que de

maneira mais moderada, bem como nas missastemáticas, que viram show e esquecem o memo-rial do sacrifício de Cristo, e nas “missas de cura elibertação”, que tendem a uma espécie de curan-deirismo populista, podendo levar a esquecerque as curas realizadas por Jesus são sinais dachegada do Reino e de tudo o que ele significa eque libertação tem um sentido muito profundoem toda a história da salvação, como transforma-

ção da realidade, e não apenas um significadointimista e individualista. Está certo que a fé e aoração têm uma dimensão sanativa, mas é precisoo cuidado de aprofundar e embasar isso para nãose perder na superficialidade e no populismo.

Não se trata de fazer críticas destrutivas àsatividades de comunicadores católicos que têmcapacidade de interagir com o grande público oude ministros e cantores que buscam renovação

litúrgica, mas de lembrar a necessidade de apro-fundamento, de não esquecer o referencial maiorque é Cristo e o Evangelho; ressaltar que nãoconvém fazer uma espécie de vale-tudo simples-mente para arrebanhar gente; deixar claro queentre os seguidores de Cristo, ao longo da histó-ria, há referências bem melhores para os ministé-rios eclesiásticos que as celebridades do mundoatual. Um público numeroso, mas distante doEvangelho, não é decerto motivo de regozijo.

Pe. Jakson Alencar, sspEditor

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Revista bimestral para

sacerdotes e agentes de pastoral

Ano 56 – número 303

maio-junho de 2015

  Editora  PIA SOCIEDADE DE SÃO PAULO

  Diretor  Pe. Claudiano Avelino dos Santos

  Editor  Pe. Jakson F. de Alencar – MTB MG08279JP

  Conselho editorial  Pe. Jakson F. de Alencar, Pe. Zulmiro Caon, Pe.

Claudiano Avelino, Pe. Manoel Quinta,Pe. Paulo Bazaglia, Pe. Darci Marin

  Ilustração da capa  Lúcio Américo de Oliveira

 Ilustrações internas  Luís Henrique Alves Pinto

  Editoração  Fernando Tangi

Revisão Tiago J. Risi Leme, Alexandre S. Santana,  Cícera G.S.MartinsAssinaturas  [email protected]

(11) 3789-4000 • FAX: 3789-4011 

Rua Francisco Cruz, 229Depto. Financeiro • CEP 04117-091 • São Paulo/SP

  Redação  © PAULUS – São Paulo (Brasil) • ISSN [email protected] / www.paulinos.org.br vidapastoral.com.br

A revista Vida Pastoral é distribuída gratuitamente pela Paulus.

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Presbítero, uma vocação a ser

vivida à altura do EvangelhoDom Pedro Brito Guimarães*

 A Palavra de Deus, a cruz de Cristo,

a eucaristia, a comunhão com Cristo

e com o Reino, a alegria, a atenção

aos sinais dos tempos dãoconsistência à identidade,

 fundamentam a espiritualidade e

indicam o caminho da missão do

 presbítero na Igreja no Brasil. Viver

a vocação presbiteral à altura do

Evangelho de Cristo significa viver

esse ministério tendo diante dos olhoso ser e o agir de Jesus, e não modas

culturais efêmeras.

Dou graças ao meu Deus, cada vez que melembro de vós nas minhas orações por

cada um de vós. É com alegria que faço minhaoração, por causa da vossa comunhão noanúncio do Evangelho, desde o primeiro dia até

agora. Eis a minha convicção: aquele quecomeçou em vós tão boa obra há de levá-la abom termo, até o dia do Cristo Jesus. É justoque eu pense isto a respeito de todos vós, poisvos trago no coração [...] e isto eu peço a Deus:que o vosso amor cresça ainda, e cada vez mais,em conhecimento e em toda percepção, paradiscernirdes o que é melhor (Fl 1,3-11).

Faço minhas essas sábias palavras de sãoPaulo, para dedicá-las aos meus caríssimos ir-mãos, presbíteros do Brasil. Chamado porDeus para apascentar o seu rebanho, todopresbítero deve dizer em primeiríssima pessoaao povo de Deus que lhe foi confiado: “Trago--vos no meu coração”. Essa deve ser a sua con-solação e a razão do seu ser e do seu viver.Cuidar do rebanho de Cristo, dando a estetudo o que tece a existência: amor, afeto, ter-nura, consolação, perdão, encorajamento nosmomentos difíceis. A própria vida deverá ser averdadeira alegria de um coração consagrado.

* Arcebispo metropolitano de Palmas, presidente daComissão Pastoral para os Ministérios Ordenados e a VidaConsagrada; doutor em Teologia Dogmática pela PontifíciaUniversidade Gregoriana, de Roma, compositor de váriascanções religiosas. E-mail: [email protected]

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palavras seguintes: “Recebe o Evangelho eanuncia a Palavra de Deus com toda a cons-tância e desejo de ensinar” (idem, n. 94).

O cuidado com a Palavra é a marca do

ministro ordenado. Certamente é do conhe-cimento de todos que, na mensagem final doSínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus,os padres sinodais apresentaram os horizon-tes da Palavra de Deus a partir dos quatropontos cardeais: “a Palavra tem uma voz: a re-velação; um rosto: Jesus Cristo; uma casa: a Igre-

 ja; e um caminho: a missão” (cf.Mensagem final do Sínodo dosBispos sobre a Palavra).

O presbítero é considerado,na Igreja, o homem da Palavra:da vivência, do anúncio e damissão da Palavra. A Palavra deDeus e a palavra da Igreja sãotudo na sua vida e na sua missão.Ele deve estar atento e obedecer

à Palavra do Mestre, como Pedro: “Duc in al-tum” (Lc 5,4). Da atenção à Palavra nasce a

missão de “Duc in docendo”: “prega a Palavra,insiste oportuna e inoportunamente, repre-ende, censura e exorta com bondade e dou-trina” (2Tm 4,2). Quando cuidamos bem daPalavra, ela também cuidará bem de nós,como dizia são Jerônimo. Por isso, precisa-mos nos perguntar diuturnamente: “O quetem a ver o que estou fazendo com o Evange-lho?” (MARTINI, O bispo,  Paulus, 2014, p.

25).  O presbítero deve também obedecer àpalavra da Igreja que, ao mesmo tempo, éverdadeira, “empenhativa” e eficaz. Verdadei-ra porque não contém mentira; “empenhati-va” porque compromete; eficaz porque aqui-lo que diz acontece.

Segundo o papa Francisco, “nota-se hojenos agentes de pastorais, mesmo pessoasconsagradas, uma preocupação exacerbadapelos espaços pessoais de autonomia e rela-xamento, que leva a viver os próprios deverescomo mero apêndice da vida, como se nãofizessem parte da própria identidade” (Evan-

Evidenciar a grandeza da vocação presbi-teral e a necessidade imperiosa da conformi-dade desta com o Evangelho de Cristo é ointento deste artigo.

Presbítero, homem da Palavra

 Ao presbítero, homem da Palavra, porconta da especificidade da sua vida, vocação emissão, muito se atribui, dele muito se pede,se exige e se espera. Uma coisa, no entanto,é-lhe pedida solenemente:  “Vi-ver à altura do Evangelho de Je-sus Cristo” (Fl 1,27a). Quandoisso acontece, ele atinge o estadode homem perfeito, à estatura damaturidade de Cristo (cf. Ef4,13). E pode dizer como sãoPaulo: “Para mim, o viver é Cris-to e o morrer é lucro” (Fl 1,21).

 A Bíblia acompanha e mar-ca, sacramentalmente, as várias etapas davocação, da formação, da vida e da missão

de um presbítero. Quando ainda candidato,o seminarista, ao ser-lhe conferido o minis-tério de leitor, recebe o livro da Sagrada Es-critura com as seguintes palavras: “Recebeeste livro da Sagrada Escritura e transmitecom fidelidade a Palavra de Deus, para queela possa frutificar cada vez mais no coraçãodas pessoas”  (Pontifical Romano, Paulus,2008, n. 250). No rito da ordenação diaco-

nal, é entregue novamente ao candidato olivro dos Evangelhos, com estas palavras:“Recebe o Evangelho de Cristo, do qual fos-te constituído mensageiro: transforma em féviva o que leres, ensina aquilo que creres eprocura realizar aquilo que ensinas” (idem,n. 174). Na ordenação presbiteral, o candi-dato é interrogado se quer, “com dignidadee sabedoria, desempenhar o ministério da

Palavra, proclamando o Evangelho e ensi-nando a fé católica” (idem, n. 126). E, porfim, na ordenação episcopal, sob a cabeçado bispo, é colocado o Evangelho com as

“Quando

cuidamos bemda Palavra, ela

também cuida

bem de nós.”

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 gelii  Gaudium, n. 78). E ele nos conclamapara que “não deixemos que nos roubem oEvangelho”  (idem, n. 97). Quem está rou-bando o Evangelho de nós? Quem está dei-

xando roubá-lo? Como é que se rouba ou sedeixa roubar o Evangelho? Encontramos naspalavras de Francisco três respostas: 

1) O mundanismo espiritual, que se escon-de por detrás de aparências de religiosidade eaté mesmo de amor à Igreja e significa bus-car, em vez da glória do Senhor, a glória hu-mana e o bem-estar pessoal (idem, n. 93). Elese alimenta, sobretudo, de duas maneirasprofundamente relacionadas: o fascínio dognosticismo, da fé fechada no subjetivismo,em que apenas interessa determinada experi-ência ou uma série de raciocínios e conheci-mentos que supostamente confortam e ilu-minam, mas, em última instância, a pessoafica enclausurada na imanência da sua pró-pria razão ou dos seus sentimentos; e o neo-pelagianismo autorreferencial e prometeico

de quem, no fundo, só confia nas própriasforças e se sente superior aos outros, porcumprir determinadas normas ou por ser ir-redutivelmente fiel a certo estilo católico pró-prio do passado (idem, n. 94).

2)  A vanglória, de quem se contenta comter algum poder e prefere ser general de exér-citos derrotados, em vez de simples soldadode um batalhão que continua a lutar. Quan-

tas vezes sonhamos planos apostólicos ex-pansionistas, meticulosos e bem traçados, tí-picos de generais derrotados! Assim negamosa nossa história de Igreja, que é gloriosa porser história de sacrifícios, de esperança, deluta diária, de vida gasta no serviço, de cons-tância no trabalho fadigoso. Em vez disso,entretemo-nos vaidosos a falar sobre “o quese deveria fazer” como mestres espirituais eperitos de pastoral que dão instruções fican-do de fora (idem, n. 96).

3)  A rejeição da profecia:  quem cai nomundanismo olha de cima e de longe, rejeita

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a profecia dos irmãos, desqualifica quem oquestiona, faz ressaltar constantemente os er-ros alheios e vive obcecado pela aparência.Circunscreveu os pontos de referência do co-

ração ao horizonte fechado da sua imanênciae dos seus interesses e, consequentemente,não aprende com os seus pecados nem estáverdadeiramente aberto ao perdão. É tremen-da corrupção, com aparências de bem. Deve-mos evitá-lo, pondo a Igreja em movimentode saída de si mesma, de missão centrada em Jesus Cristo, de entrega aos po-bres. Deus nos livre de umaIgreja mundana, sob vestes es-pirituais ou pastorais! Essemundanismo asfixiante cura-sesaboreando o ar puro do Espíri-to Santo, que nos liberta de fi-carmos centrados em nós mes-mos, escondidos numa aparên-cia religiosa vazia de Deus(idem, n. 97).

Presbítero, homem atento aos sinais

dos tempos complexos

 Após 50 anos da abertura do Concílio Va-ticano II, hoje temos um panorama dos pres-bíteros da Igreja no Brasil mudado e diversi-ficado: 22.119 presbíteros, mais brasileiros,mais do clero diocesano e mais novos;1 276dioceses e em torno de 486 bispos; 10.760

paróquias e mais de 100 mil comunidadeseclesiais católicas, espalhadas pelo territóriobrasileiro. Por esses dados estatísticos, trata--se de uma Igreja viva, rica de carismas, ser-viços e ministérios.

No entanto, ela já se ressente da drásticadiminuição das vocações ao ministério orde-nado e à vida consagrada. Ainda não estamosà beira do limite do tolerável, como em ou-tras partes do mundo, mas já se sente na pele

1 Estamos realizando uma pesquisa para termos os dadosatualizados sobre os presbíteros no Brasil.

essa crise vocacional. Não é mais possívelsimplesmente ignorá-la ou relativizá-la.

 Ao presbítero, na Igreja católica, é reser-vada, destinada e confiada uma missão espe-

cial e crucial de renovação e edificação daIgreja. Por isso, faz-se necessária a apreciaçãoe compreensão da sua identidade, espirituali-dade e missão e dos meios para tornar o seuministério mais eficazmente possível. O pres-bítero participa da missão de Jesus. Não sedevem esquecer nunca estas palavras de Je-

sus: “Sem mim, nada podeis fa-zer” (Jo 15,5). Só com Jesus po-demos realizar o nosso ministé-rio, deixando-lhe a total e sobe-rana iniciativa. Não temos nadanosso para oferecer às pessoas;não somos nada sem o Senhor;nada podemos fazer sem obe-decer ao Senhor e comungarcom ele.

 A exemplo de Cristo, o pres-bítero deve falar ao coração das pessoas e

anunciar-lhes as alegrias do Reino; apontarpara as realidades do céu. Ver o que há depositivo em cada ser humano e encontrar alium caminho para comunicar-lhe a ternurado coração de Deus. Não deve andar à procu-ra das fraquezas das pessoas, para explorá-laspastoralmente. É melhor deter-se no queexiste de grande, de nobre, de belo e de su-blime na vida e despertar o gosto pela beleza

das coisas de Deus. Todos queremos ser feli-zes, mas somente Deus, revelado no rosto de Jesus de Nazaré, pode preencher a grandeza,a altura, a profundidade e a largura do nossocoração. “Só Deus basta”, dizia santa Teresa.Santo Agostinho resume a experiência de suavida com estas palavras: “Criaste-nos para ti,e inquieto está o nosso coração até que re-pouse em ti” (AGOSTINHO, Confissões I, 1).

O serviço presbiteral, mesmo com todasas cruzes que naturalmente essa missão com-porta, é circundado pela luz transfiguranteda ressurreição de Cristo. Tenhamos a cora-

“O importante

é não fazer umpacto com a

mediocridade, mas

viver na medida alta

do Evangelho.”

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gem de dizer ao mundo que a vida daquelesque acreditam na força da ressurreição já estáescondida com Cristo em Deus (cf. Cl 3,3).Ele é a nossa força, o nosso canto e a razão do

nosso viver. O amor de Deus será sempre ca-paz de transformar as tempestades da vidaem brisa leve e suave. Como dizia são Jerôni-mo: “Ninguém deve desesperar-se nesta vida.Tens Cristo e estás com medo? Será ele a nos-sa força, ele o nosso pão, ele o nosso guia”  (SÃO JERÔNIMO, Breviarium in Psalmos, PL26, 1224).

Não temos, portanto, nenhum motivopara anunciar somente e sempre mensagensde derrota e pessimismo, tocar marcha fúne-bre e entoar cânticos de lamento. Não temoso direito de sermos profetas do mau agouro.Devemos proclamar a mensagem da ressur-reição, da alegria e da esperança. Sejamospresbíteros destemidos e corajosos, capazesde contagiar o mundo com a boa-nova doEvangelho de Cristo ressuscitado. Olhemospara o futuro com confiança e otimismo,

mesmo em meio a todas as dificuldades, nãoobstante as trevas que nos rodeiam. Cristo jávenceu o mundo e com ele seremos mais quevencedores (Rm 8,37; 1Jo 5,4).

Como Jesus, sejamos presbíteros dispos-tos a dar sempre o primeiro passo: indo aoencontro dos excluídos e marginalizados,oferecendo e pedindo perdão. A Igreja é hós-pede das casas alheias. Quando uma paró-

quia faz muito sucesso, tenhamos o cuidadopara não cometer o erro de pensar que o Rei-no de Deus chegou e confundir o pároco como Messias. O presbítero deve viver em suaprópria pele as contradições, as fragilidades,as expectativas e as esperanças do seu tempo,com todas as suas complexidades. O impor-tante é não fazer um pacto com a mediocri-dade, mas viver na medida alta do Evange-lho. É necessário então que sejamos presbíte-ros enamorados do nosso sacerdócio, con-quistados pelo ideal de serviço, a exemplo deCristo Pastor, bom e servo por amor. O tem-

   I  m  a  g  e  n  s  m  e  r  a  m  e  n   t  e   i

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 AntropologiaReligiões e valores cristãos

A redescoberta e valorização doser, do crer e do agir constituemo objetivo desta publicação. A

abordagem antropológica, depoisde uma reflexão sobre os váriosníveis de conhecimento, apresentaas diferentes manifestações do serhumano e a problemática sobreseu “ser”, sua “autotranscendência”e sua dignidade de “pessoa”. Areflexão sobre as religiões indicaos elementos fundamentais de seissistemas religiosos particularmentesignificativos: hinduísmo, budismo,

religião de Israel, cristianismo,islamismo e ritos afro-brasileiros.

Lino Rampazzo 

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  p   á  g  s .

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po e a vida não nos pertencem: são de Deus edos irmãos. Viver a espiritualidade presbite-ral desse modo implica sermos presbíteros24 horas por dia. Grave erro em nossa vida

cometemos quando separamos os momentosministeriais litúrgicos do resto de nossa vida:presbítero no altar, homem no mundo. Opovo de Deus nos quer ver como presbíterosem qualquer lugar; quer sempre encontrarem nós homens cheios da vida de Deus e en-tusiasmados pela opção de vida que fizemos.2

Presbítero, pai espiritual, por amor e

no amor

O amor é o sentimento maisdifundido no mundo. O amor éo mandamento mais conhecidoem todo o mundo. O amor é aação mais praticada no mundo,mais do que o ódio, a vingança,a violência e outros mais. Oamor é o nome do Deus cristão

(1Jo 4,8). Os românticos tem oamor em suas canções comopalavra preferida. As mães e ospais vivem para amar. Os sábiostêm o amor como a palavra--chave. Os mártires morrempor amor. O amor é a seiva de uma vida au-têntica e verdadeira. Só o amor constrói e li-

2 “É preciso ser sacerdotes que falem de Deus ao mundoe que apresentem o mundo a Deus; homens não sujeitosa modas culturais efêmeras, mas capazes de viverautenticamente aquela liberdade que somente a certezada pertença a Deus é capaz de dar [...]. A vida proféticacom a qual serviremos Deus e o mundo, anunciando oEvangelho e celebrando os sacramentos, favorecerá oadvento do Reino de Deus já presente e o crescimento dopovo de Deus na fé. [...] Os fiéis leigos encontrarão emtantas outras pessoas aquilo de que humanamenteprecisam, mas somente no sacerdote poderão encontraraquela Palavra de Deus que deve estar sempre em seuslábios: a misericórdia do Pai, que se prodiga de maneira

abundante e gratuita no sacramento da reconciliação; opão de vida nova, ‘verdadeiro alimento dado aos homens’” 

(PAPA BENTO XVI, Alocução dirigida aos participantes doCongresso Teológico sobre o Sacerdócio, Roma, 12 mar.2010. Disponível em: <www.zenit.org>).

berta para a vida plena. Só o amor conduz àvida feliz junto de Deus. O amor é a únicavirtude que permanecerá para sempre.

O presbítero vive por amor ao Evangelho

de Jesus Cristo. O amor é a síntese de tudo nasua vida e na sua missão. A tradição cristã con-vencionou chamar o presbítero de “padre”.Padre é uma tradução literal da palavra pai. Opresbítero é, de fato, pai espiritual da comuni-dade eclesial. Chamar o presbítero de pai éuma das expressões de amor, de carinho e dereconhecimento de seus filhos. Além da pater-nidade biológica, existe a paternidade existen-cial e espiritual. “O padre é o amor do coraçãode Jesus” (são João Maria Vianney). É pai por-

que ama e ama porque é pai. E oamor que nasce do coração dopresbítero é um amor generativoe regenerativo. Ainda que não secase, o padre não é estéril. O pa-dre gera filhos para Deus. Os fi-lhos de Deus são gerados nas en-tranhas do amor do padre. São

Paulo expressou essa sua paterni-dade, chamando os irmãos de“meus filhos queridos”, pois, se-gundo ele, os gerou em Cristo,pelo anúncio do Evangelho (cf.1Cor 4,15). Por incrível que pos-

sa parecer, o presbítero (há quem pense o con-trário!) tem seus amores: a Jesus, à SagradaEscritura, à Igreja, à Virgem Maria e ao povo

de Deus. O padre Ibiapina, o santo do sertãonordestino, tinha três amores declarados: àeucaristia, a Maria e aos pobres retirantes.

O presbítero então forma filhos paraDeus, para a Igreja e para a sociedade poramor. O papa Francisco nos pede que “nãodeixemos que nos roubem o ideal do amorfraterno” (Evangelii Gaudium, n. 98-101).Quanta guerra entre nós! Às vezes, tem-se a

impressão de que reproduzimos na Igreja oque a sociedade tem de pior: desunião, con-tenda, rixa, fofoca, murmuração e competi-ção. Ele tem um livrinho, escrito ainda quan-

“Quando uma

paróquia faz muito

sucesso, tenhamos

o cuidado para não

cometer o erro de

pensar que o Reinode Deus chegou e

confundir o pároco

com o Messias.”

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do era cardeal em Buenos Aires, que aborda,com maestria, o que veementemente temcombatido na Igreja como papa: a fofoca, amurmuração e a crítica. Ele chama o murmu-

rador de  “homem sem remédio”.3

 Toda vezque perdemos de vista a grandeza do misté-rio da comunhão da Igreja, para ficarmospresos à mesquinhez de uma pessoa, à fragi-lidade de determinado grupo, ao erro de de-terminado período histórico, perdemos a ca-pacidade de contemplar o mistério de Deusagindo em nós.

Presbítero, Cireneu das alegriasdo mundo

O segredo da vocação presbiteral está noencantamento por Jesus, sua Igreja e seupovo. Ninguém segue fielmente, por muitotempo, alguém por quem não tenha admira-ção e encanto. A perseverança do presbíterona missão depende da contínua adesão aoestilo de vida missionária de Jesus. O vigor

da espiritualidade presbiteral se expressa nacapacidade de se reencantar cada dia por seuMestre e partir, sem olhar para trás (cf. Lc9,62). O segredo da fidelidade presbiteralestá no fascínio por Jesus, por sua pessoa,por seu Evangelho e projeto de vida. Emquem vive desse modo a chama da vocaçãose mantém acesa, a vida não perde o sentidonem se torna fadigosa e rotineira.

E um dos sinais mais evidentes desse en-cantamento é a alegria. Conhecemos a cenasegundo a qual, “enquanto levavam Jesus,tomaram certo Simão de Cirene, que vinhado campo, e impuseram-lhe a cruz, para le-vá-la atrás de Jesus” (Lc 23,26; Mc 15,21; Mt

3 “Santo Agostinho chama o murmurador de ‘homemsem remédio’: os homens sem remédio são aqueles quedeixam de cuidar de seus próprios pecados para reparar os

dos outros. Não buscam o que se há de corrigir, e sim oque podem criticar. E, ao não poder escusar a si mesmos,estão sempre dispostos a acusar os outros” (Jorge M.BERGOGLIO, Sobre a acusação de si mesmo, Ave Maria,2013, n. 8).

   I  m  a  g  e  n  s  m  e  r  a  m  e  n   t  e   i

   l  u  s   t  r  a   t   i  v  a  s .

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Teologia do prazer

O tema do prazer ainda éconsiderado um grande tabu pelamaioria dos cristãos. Emboraa Bíblia judaico-cristã vejaessa questão com otimismo, ainfluência maniqueísta, infiltrada

nas comunidades cristãs primitivas,terminou por se impor, levando ocristianismo a ver o prazer combastante pessimismo. O prazerainda é visto de forma muitonegativa e nunca mereceu umtratado específico de teologia.Esta obra enfrenta essa questãoe, por isso, destina-se a todos quequeiram aprofundar essa temáticatão vital e tão marcante para a

vida humana.

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 Ana Márcia Guilhermina de Jesus 

 José Lisboa Moreira de Oliveira 

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27,32-33). Esse texto sempre inspirou místi-cos e ascetas a se tornar, como o Cireneu, so-corredores dos sofrimentos do mundo. Porque também não inspirar o presbítero a car-

regar, além das dores, as alegrias do mundo?Somos chamados a carregar as cruzes domundo, que, ao mesmo tempo, são sinais dedor e sofrimento, mas também de esperançae alegria, pois, afinal, a cruz deCristo é sempre pascal. A “sequelaChristi” exige isto: somos porta-dores de algo maior do que sim-plesmente a dor. “Somos Cireneusdas alegrias do mundo.”4  Muitosquerem um cristianismo semcruz. Querer um cristianismo semdor, sem cruz e sem morte é umadas maiores tentações do nossotempo. Mas não existe um cristianismo semcruz. E, se existe, é insuficiente (cf. GabinoURIBARRI, Três cristianismos insuficientes, dis-ponível na internet). Não queiramos umCristo sem cruz nem uma cruz sem Cristo.

Queiramos, ao contrário, a nossa cruz nacruz de Cristo e Cristo na nossa cruz.

O Documento de Aparecida  fala 30 vezesde alegria. Entre elas: “Conhecer Jesus é omelhor presente que qualquer pessoa podereceber; tê-lo encontrado foi o melhor queocorreu em nossa vida, e fazê-lo conhecidocom nossa palavra e obras é nossa alegria”(DAp 29). O papa Francisco diz que “há mui-

tos cristãos que parecem ter escolhido umaQuaresma sem Páscoa” (Evangelii Gaudium,n. 6). E ainda: “um evangelizador não deveriater constantemente uma cara de funeral”(idem, n. 10). Diante das ações proféticas

4 Essa frase é retirada de um livro que descreve a peregri-nação a Lourdes de alguns padres idosos e doentes, guia-dos espiritualmente por dom Tonino Bello, então bispo deMolfetta. Tonino Bello é, para a Itália, o que muitos bispos

são para o Brasil: poeta, profeta e pastor dos pobres. Nes-sa peregrinação, como se anunciasse um presságio, dizia:“Eu estou doente também!” Aparentemente não estava.Mas, depois de dois anos dessa peregrinação, morreu decâncer no pulmão. Hoje seu túmulo é lugar de romaria.

simbólicas que manifestam a chegada do Rei-no, a começar pelo próprio Jesus, a primeirareação é a alegria. A alegria de Jesus (Lc10,20-24) diante da realidade do Reino é

algo que ainda não foi suficientemente valo-rizado pelos exegetas, teólogos e pastoralis-tas. A alegria é verdadeira ação profética, rea-ção lógica diante da chegada do Reino. Jesus

é o primeiro a ser transformadopor essa alegria, porque vive ple-namente o mistério do Reino. Aalegria manifesta a sua compreen-são fascinante no momento emque o Reino se avizinha. Porém acausa central da alegria e da feli-cidade de Jesus é o convencimen-to do amor de Deus para com omundo. Portanto, a alegria não é

um sentimento emocional, momentâneo edescomprometido. É, ao contrário, o sinal dapresença do Reino.

Presbítero, homem unido a Jesuscomo o ramo à videira

Em seu discurso, ocorrido no cenáculo, naúltima ceia, Jesus conta a parábola da videirapara comparar a sua relação com o Pai e com osdiscípulos, pela eucaristia, à que existe entre avideira, os ramos e o agricultor (cf. Jo 15,1-11). A videira, no Antigo Testamento, indica o povode Israel: a videira que Deus plantou com mui-

to carinho nas encostas das montanhas da Pa-lestina (cf. Is 5,1-7; Sl 80). A videira também éconsiderada a árvore da vida para os gregos epara os romanos. No entanto, essa videira nãocorrespondeu ao que Deus esperava. Em vez deuvas boas, deu uvas azedas, que não prestampara nada. Agora, com Jesus, há uma mudança:o Pai continua sendo o agricultor, Jesus é a vi-deira verdadeira e nós, os ramos dessa videiraverdadeira. Quem permanece unido a Jesusproduz frutos de evangelização e de missão.

 A parábola da videira é uma parábola daexistência humana e, por que não dizer, da

“O segredo

da vocação

presbiteral está no

encantamento porJesus, sua Igreja e

seu povo.”

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vida, da identidade e da missão presbiterais.Dessa parábola, como parábola da existênciapresbiteral, destacaremos três elementos:

Primeiro, a unidade. Videira sem ramos

não existe. Nem ramos sem tronco. Para queum ramo possa produzir frutos, deve estarunido à videira. Só assim consegue receber aseiva. “Sem mim vocês não podem fazernada” (Jo 15,5b). O presbítero, pelo sacra-mento da ordem, se une e se incorpora aCristo como o ramo no tronco da videira. Osacramento da ordem incorpora o presbíteroaos atos de autodoação de Jesus5 e o transfor-

ma em servidor do Reino e fiel gerador devida, de amor, de fidelidade e de serviço. En-quanto estiver ligado a Jesus, o Tronco, rece-be dele a seiva que vem do Pai e produz fru-tos de vida, paz e justiça. Ao se desligar e sedistanciar de Jesus, o Amor do Pai, sua vidaperde sentido e encantamento, seca e morre. Ao contrário, unido a ele, glorifica ao Paicom suas ações pelo Reino. E é essa unidade

que constitui a identidade, fundamenta a es-piritualidade e indica a missão do presbítero.Segundo, a poda. Todo ramo que em Je-

sus não produz fruto, o Pai o corta. Ramo quenão produz fruto é cortado, seca e é recolhidopara ser queimado. Não serve para mais nada,nem para lenha. Assim como o agricultor lim-pa e purifica a videira pela poda, Deus nos pu-rifica pela Palavra de Jesus Cristo. O que acon-tece com uma videira acontece também na

vida do presbítero, que também deve passarpor boas podas para produzir frutos. A poda édolorosa, mas necessária. Ela purifica o pres-bítero, para que cresça e produza mais frutos.Para que o presbítero permaneça na Igrejaunido a Cristo e produza fruto, é preciso umtrabalho manual e artesanal de poda de umagricultor zeloso e dedicado. “A vocação é

5 Para o tratamento mais detalhado dessa questão, cf. Pe-dro BRITO, Os sacramentos como atos eclesiais e proféti-

cos – um contributo ao conceito dogmático de sacramen-

to, à luz da exegese contemporânea, Tesi Gregoriana, 46,Roma: Pontificia Università Gregoriana, 1998, 19ss).

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 A fé no evangelho

Fé é bem diferente daquilo que seensinava há poucos anos. Ensina-va-se que a fé consiste em acredi-tar em toda a doutrina propostapelo magistério eclesiástico. Insis-tia-se muito no caráter misteriosoda fé. Os dogmas eram apresenta-dos de tal maneira que pareciampuros mistérios incompreensíveis. Afé era justamente crer no inacredi-tável. Já faz tempo que os teólogosprocuraram mudar essa longaprática catequética. A fé não éato intelectual. A fé consiste emnos entregar a Jesus sem saber poronde passará o caminho pelo qual

nos conduz. Não é um sacrifício: éum imenso benefício.

 José Comblin 

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como um ‘diamante bruto’ a ser lapidado, paraque brilhe em meio ao povo de Deus. [...]  Aformação é uma obra artesanal, e não policial.O objetivo é formar religiosos que tenham um

coração tenro, e não azedo como o vinagre”.6

 E esse trabalho artesanal de poda e de lapida-ção deve ter as ferramentas e as marcas do sa-crifício, da humildade, da simplicidade e daobediência. Caso contrário, não produz fru-tos. É preciso investir mais nesse tipo de podapara produzirmos frutos de unidade, reconci-liação e curarmos as feridas dasinsatisfações, das rejeições, dos

ressentimentos, dos sentimentoscontraditórios e dos dinamismosopostos. O celibato, vivido comamor, é também uma forma depoda na vida de um presbítero.

Terceiro, os  frutos. Outroaspecto muito importante daparábola da videira para a vidade um presbítero é dar frutos. O resultadonatural quando um ramo permanece ligadoà videira é dar frutos. Dar frutos significaque a salvação não deve ser nem ficar limi-tada somente a nós. Quando a videira dáfrutos, eles servem para alimentar e, conse-quentemente, são úteis para as pessoas. As-sim é o presbítero que dá frutos. Sua vida,quando ligada à videira verdadeira, que é Jesus, será fonte inesgotável do amor, pron-ta para ajudar a todos os que necessitem de

uma palavra de ânimo.Como então produzir bons frutos, para

não nos tornarmos videiras improdutivas?Primeiro, a alegria de sentir-se “servo inú-til”, isto é, servidor não de um projeto pes-soal, subjetivo, mas de um projeto objetivo,de Deus. Segundo, a alegria de servir a Igre- ja em comunhão com o papa, o bispo, os

6 PAPA FRANCISCO, em duas ocasiões: primeiro, aos par-ticipantes da 82ª Assembleia Geral da União dos Superio-res Gerais, em Roma, 29/11/2013; segundo, na ReuniãoPlenária da Congregação para o Clero, também em Roma,no dia 3/11/2014.

outros presbíteros e o povo de Deus. Tercei-ro, a liberdade de sentir-se livre, desapega-do, independentemente de qualquer reaçãodas pessoas. Em geral ainda não somos nem

alegres nem livres por causa da nossa susce-tibilidade: ou somos preguiçosos, ou leva-mos adiante um projeto e nos ligamos a elecomo se fosse nosso, e não de Deus. Enfim,produz bons frutos para o Reino aquele queé colaborador e servidor de um projeto nãopessoal, mas de Jesus e da sua Igreja, em co-

munhão e união com ele. E,produzindo frutos, temos certe-za de que o Pai cuidará aindamais, limpará e fará de tudopara continuarmos cada vezmais produzindo bons frutos.

Por fim, faço minhas as pala-vras do padre Adroaldo: “Esta vi-deira albergará milhares de no-mes: chama-se esperança  para

aqueles que sonham outro mundo possível;chama-se amada paz para aqueles que vivem

em meio à barbárie dos conflitos; chama-se li-berdade para aqueles que foram privados dosseus direitos fundamentais; chama-se  justiça para aqueles que vivem continuamente sendoespoliados e explorados; chama-se beleza,porque tudo o que foi criado é bom e precio-so; chama-se humanidade, porque é neste ‘hú-mus-chão’ que a presença do Ruah transformaa existência” (Adroaldo PALAORO, Somos ter-

ras do Espírito, disponível na internet). Dessemodo, nosso caos  (desordem, feiura, sujeira)existencial se transformará em cosmos  (har-monia e beleza) eclesial.

Presbítero, homem “consumido”

como eucaristia

“Se o grão de trigo que cai na terra nãomorre, fica só. Mas, se morre, produz muitofruto” (Jo 12,24). Escolhemos dois símboloseucarísticos para finalizarmos esta breve dis-sertação sobre a identidade, a espiritualidade

“O objetivo é

formar religiososque tenham um

coração tenro, e

não azedo como

o vinagre.”

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e a missão do presbítero da Igreja no Brasil: a“videira-vinho” e o “trigo-pão”. Além de se-rem símbolos eucarísticos, são símbolos davida e da missão de um presbítero. Porque,

como disse o padre Chevrier, “o padre é umhomem consumido”.

Para entender a eucaristia, é preciso, an-tes de tudo, entender sete elementos essen-ciais (cinco pães e dois peixes) sem os quais asua compreensão fica prejudicada, imprecisae incompleta:

1) Quem é  Jesus Cristo. A eucaristia é Jesus, sua pessoa, sua vida, seu corpo e seusangue, entregues por nós. Na eucaristia es-tão contidas toda a vida e toda a missão de Jesus. A eucaristia é cristofania: é Cristo e falade Cristo (“Eu sou o pão da vida”,  Jo 6,35). Olugar da eucaristia é a cristologia.

2) O significado do mistério pascal: a au-todoação, memorial da autoentrega, total eirrestrita, do seu corpo e do seu sangue. Aeucaristia é a pró-existência de Jesus: “Isto éo meu corpo doado e meu sangue derramado

por vós” (Lc 22,19).3) O significado do pão e do vinho, fru-

tos da terra e do trabalho humano. A eucaris-tia é o pão e o vinho transubstanciados nocorpo e no sangue de Jesus, memorial damorte e da ressurreição de Jesus: o trigo caí-do por terra e a videira podada. O pão corres-ponde ao sentimento de fome e o vinho ao desede. A eucaristia é pão da vida eterna para

matar a fome do mundo: “O pão que eu vosdou é a minha própria carne para a salvaçãodo mundo” (Jo 6,51).

4) O que é a Igreja. A eucaristia é ogrande presente que Cristo, o esposo, dei-xa de herança à Igreja, sua esposa, no diada sua despedida (SC 47). A Igreja semprefoi concebida como o corpo de Cristo. Je-sus, por meio da eucaristia, funda a Igrejacomo comunidade da nova aliança. A Igre- ja vive da eucaristia. Ela sempre foi consi-derada o “sacramento da Igreja”: a eucaris-tia faz a Igreja e a Igreja faz a eucaristia. 

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 A glória de Deus é ohomem vivo

 A profissão de fé de santo Irineu

Aliando a paixão ao rigor e àcompetência de um longo contatocom a obra de Irineu de Lyon,o primeiro grande teólogo daIgreja, a professora de Teologia

Donna Singles nos propõe aquisua “chave de leitura” para entrarem sua linguagem, que era a dosprimeiros séculos, e descobrir deque modo ela pode nos tocar enos iluminar hoje. Os capítulosdo livro simplesmente se dispõemde acordo com os artigos doCredo, o símbolo dos apóstolos,sendo a fé de Irineu interrogadasobre cada um desses artigos.

Como consequência disso,podemos encontrar umaapresentação clara e acessível.

Donna Singles 

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Não se edifica nenhuma comunidade senão tiver a sua raiz e o seu centro na euca-ristia (PO 6). Comer o pão eucarístico éconstruir comunhão com a comunidade,

participar, servir e viver o compromisso defraternidade comunitariamente.

5) O que é liturgia (SC 5 e 7). A Igrejacelebra o memorial litúrgico do mistériopascal de Jesus na eucaristia como um gran-de hino de ação de graças (eucaristia = açãode graças) ao Pai. A eucaristia é o memoriallitúrgico da aliança de Deuscom seu povo, por meio davida, morte e ressurreição de Jesus (SC 10). Foi ele mesmoquem disse: “Fazei isto em mi-nha memória”. Na força do Es-pírito Santo (SC 6; GS 38), aIgreja celebra a eucaristia comouma fonte que brota e jorragraças e provoca em nós açãode graças.

6) O sacerdócio. Cristo se oferece na eu-

caristia como sacerdote e mediante o minis-tério do sacerdote. O sacerdócio de Jesus nãoé cultual, mas existencial, ou seja, a doaçãode sua vida. Quem dá a sua vida como Jesusé sacerdote e vive plenamente um estilo devida sacerdotal-eucarístico. A eucaristia estáno centro da vida, do ministério e da espiri-tualidade do presbítero. A ele se dirige o con-vite: “Vive o mistério que é colocado em tuas

mãos”  (Pastores Dabo Vobis, n. 24 e 26). Ocelibato é uma forma de o sacerdote se con-sumir pelos irmãos.

7) Amor social. A eucaristia é o gestomais sublime da solicitude, da estimulação eda imperiosa caridade de Jesus por nós:“Tendo amado os seus que estavam no mun-do, amou-os até o fim...” (Jo 13,1ss). 

O Concílio Vaticano II fala da eucaristiacomo o tesouro da Igreja e como a fonte e ocume de toda a evangelização (PresbyterorumOrdinis, n. 5). É impossível compreender oministério presbiteral sem o mistério da eu-

caristia. Em um só ato, Jesus instituiu a euca-ristia e o sacerdócio. A unidade entre eucaris-tia e sacerdócio é intrínseca e indissolúvel.Sem sacerdócio não há eucaristia, e sem eu-

caristia o sacerdote não pode realizar plena-mente a sua missão.

Na eucaristia, somos convidados, cadadia, a seguir o Senhor com doação total, areconhecê-lo na palavra e na fração do pão,a acolhê-lo no mistério da fé. Toda eucaris-tia é renovado convite ao discipulado, ou

seja, a estar na escola de Cristo,para viver como ele e testemu-nhar a sua real presença entrenós. Viver a nossa vida comodiscípulos significa aceitar o es-cândalo da cruz. Também a eu-caristia, máxima celebração daglória da cruz, é “escândalo”para ser vivido. O nosso radi-car-se na eucaristia nos liberta

da lógica da eficiência: pondo-nos em co-munhão pessoal com o corpo e o sangue de

Cristo, aprendemos a viver a lógica da cruze amadurecemos para a ressurreição. Parti-cipando cotidianamente do sacrifício euca-rístico de Cristo, o presbítero se faz real-mente seguidor de Cristo e se liberta do ris-co do intimismo e do formalismo exterior.Desse modo, sua vida se torna, como a vidade Cristo, submissão ao Pai e acolhimentodo seu juízo e do seu projeto para a nossa

vida. Esse seguimento se realiza na escutaatenta da Palavra de Deus, na oração, no sa-crifício cotidiano, na atenção aos sinais dostempos, nos quais Deus se manifesta aomundo e a nós. Essa espiritualidade eucarís-tica se torna, realmente, uma encarnaçãonas vicissitudes do tempo, único meio pos-sível de realizar o caminho da santidade.

 A espiritualidade presbiteral é intrinse-camente eucarística. A semente dessa espiri-tualidade encontra-se já nas palavras que obispo pronuncia na liturgia da ordenação:“Recebe a oferenda do povo santo para apre-

“A presença real

de Jesus Cristo seestende a todas

as formas da

autêntica vida

cristã.”

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sentares a Deus. Toma consciência do quevirás a fazer; imita o que virás a realizar, econforma a tua vida com o mistério da cruzdo Senhor”. Desse modo, vemos que o pres-

bítero é chamado a ser continuamente umautêntico perscrutador de Deus, embora, aomesmo tempo, permaneça solidário com aspreocupações humanas. Uma vida eucarísti-ca mais intensa permitirá ao presbítero en-trar mais profundamente em comunhãocom o Senhor e o ajudará a deixar-se pos-suir pelo amor de Deus, tornando-se suatestemunha em todas as circunstâncias davida, mesmo nas difíceis e obscuras.

Comungar do corpo e sangue de Cristoimplica um compromisso sério de comunhãocom Deus e com a vida dos irmãos. Casocontrário, a eucaristia permanece um sacra-mento incompleto. Se esta não entra, de ver-dade, na vida, permanece um episódio acon-tecido; um mistério de uma resposta rejeita-da, de um convite não acolhido, como revelaa parábola do banquete nupcial.

 As realidades celebradas no altar da eu-caristia devem também ser celebradas dia-riamente no altar da vida. A eucaristia quecelebramos não nos traz para o interior daIgreja simplesmente para nos congregarmospor alguns instantes, mas nos remete à mis-são, ao mundo que deve ser transformado. A atitude e as disposições requeridas porparte dos que participam ativamente da ce-

lebração eucarística decorrem do conteúdoe significado mesmos do mistério celebrado.Trata-se da celebração do mistério pascal,ou seja, da morte e ressurreição do Senhor,fonte de nossa salvação. Trata-se da celebra-ção da encarnação de um Deus que entra nanossa história e em nossa vida cotidiana.Trata-se de cantar a vitória desse Deus sobrea morte, que se abateu sobre ele por força deseu amor pela humanidade. Trata-se, tam-bém, e não menos, de celebrar sua entrega àmorte, que será o selo da vida por ele vivida,em pró-existência amorosa, e resgatada do

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Trânsitos religiosos,cultura e mídia A expansão neopentecostal

Com raro cuidado, maestriae ética em relação a seusdepoentes, Adilson José Franciscoculminou seu doutorado, na PUC-SP, nos legando esta significativa

contribuição para repensarmosa sociedade brasileira, emsua formação social, cultural ereligiosa. Uma leitura que convidaa mergulhar em desafios quevêm ganhando contornos desdeas últimas décadas do século XXe que modulam, junto a outrasconjugações sociais, raciais eculturais, as figuras humanas ereligiosas da era contemporânea.

 Adilson José Francisco 

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poder das trevas pelo Pai, que o proclamavivo para sempre na força do Espírito Santo.É o momento mais densamente sagrado davida cristã e requer atitudes condizentes por

parte dos que dele se aproximam.Portanto, a presença real de Jesus Cris-

to se estende a todas as formas da autênticavida cristã, com a qual os batizados fazema salvação acontecer na história. Não so-mos cristãos para ir à missa,mas vamos à missa para ir àvida e a suas periferias. Cele-brar a eucaristia é participardo sacrifício da Páscoa e daaliança nova, vivenciá-lo edele viver, para ser, de verda-de, discípulos de Jesus. No fi-nal de cada missa, começa amissão cristã: isto é, o envio para a vida,para a prática do amor e da partilha, para otestemunho da solidariedade e da esperan-ça entre as pessoas, começando por aque-las que estão mais próximas a nós, familia-

res e amigos, até atingir a todos, sobretudoos mais distantes e afastados. “Façam istoem minha memória” significa fazer o que Jesus fez, para que a sua presença perma-neça atual. Significa fazer de nossa vida ali-mento para que outros tenham vida e a te-nham em abundância (cf. Jo 10,10).

O presbítero é, por excelência, o homem daeucaristia. Por meio dele, o Espírito Santo reali-

za o grande milagre do Infinito que se faz miga-lha de pão para a vida do mundo. O EspíritoSanto é a fonte da espiritualidade eucarística e ogrande impulsionador da construção do corpode Cristo.7

Concluindo

Palavra, cruz, alegria, videira e trigo dãoconsistência à identidade, fundamentam a es-piritualidade e indicam o caminho da missãodo presbítero na Igreja no Brasil. Viver a voca-ção presbiteral à altura do evangelho de Cristo

significa viver esse ministério tendo diante dosolhos o ser e o agir de Jesus. É essa espirituali-dade que consiste em viver em íntima comu-nhão com Deus e, ao mesmo tempo, leva o

presbítero a comprometer a sua vida em favordos irmãos. Esta deve estabelecer um justoequilíbrio entre o ser e fazer sacerdotal. A açãodo presbítero deve ser expressão de sua vidainterior ou, em outras palavras, da experiência

pessoal de Deus que ele faz no diaa dia de sua vida.7 A esse propósi-to, são iluminadoras as palavrasde são João Maria Vianney:“Quanto é infeliz um sacerdoteque não tem vida interior [...] maspara isso temos a tranquilidade, osilêncio, o retiro [...] Aquilo queimpede a nós, padres, de sermos

santos é a falta de reflexão. Não entramos emnós mesmos, não sabemos o que fazemos. É dareflexão, da oração, da união com Deus queprecisamos”  (Bernard NODET, Il pensiero el’anima del Curato d’Ars, Turim: Gribauldi,

1967, p. 130-131).

8 É interessante ressaltar aqui o que afirma o Diretório

 para o Ministério e Vida dos Presbíteros no n. 44: “[...]quando nos presbíteros se rompe a unidade interior, nãoexiste mais caridade pastoral, se provoca uma espécie decurto-circuito entre o ser e o agir do sacerdote. É grande orisco de cair no funcionalismo”.

João Maria

Vianney: “Quanto

é infeliz um

sacerdote que nãotem vida interior.”

7 “Então, o que devemos fazer com a nossa vida? ‘Euca-ristizar’. Transformar tudo em eucaristia, para podermoster o homem eucarístico, a Igreja eucarística, e assim todaa vida será eucaristia. O mundo eucarístico da Igreja quecrê, que espera, que guia, que está destinada à Restaura-ção, que proclama a Trindade, que sempre renova o mun-do, a sociedade” (J. F. VAN THUAN, “O dom da eucaris-tia”, Revista Sacerdos, maio-jun. 2003).

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Luiz Alexandre Solano Rossi*

Buscando justificativa em textos

isolados da Bíblia, a teologia da prosperidade não passa de produto do

capitalismo e da psicologia do sucesso

que domina a maioria das nações

industrializadas e atinge também as

nações pobres. É uma reflexão que,

 feita não à luz da Bíblia, mas da

 procura de privilégios, estimula ainsensibilidade diante da injustiça

 presente no mundo.

Introdução

 A teologia da prosperidade afirma que oplano de Deus para o ser humano é fazê-lofeliz, abençoado, saudável, próspero, enfim,uma pessoa de sucesso. Mas onde estaria acomplexidade dessa afirmação? Sua comple-xidade reside justamente no fato de que, paraessa teologia, só não é próspero financeira-mente, só não é saudável e feliz nesta vidaquem carece de fé, não cumpre o que a Bíbliadiz a respeito das promessas divinas e estariaenvolvido com o diabo – ou seja, quem estáem pecado.

Todavia, uma teologia que estabelece aprosperidade e a vitória como sinal irrefutá-vel da presença de Deus numa sociedademarcada acentuadamente pela pobreza, sofri-mento e derrota possui alguma relevânciacomo discurso teológico para as Igrejas?

Propostas teológicas como essa é que tor-nam esse modelo teológico tão atraente, pois,segundo Proença (2003), elevam o fiel a umacondição dominante, na qual Deus tem a

*Doutor em Ciências da Religião pela UniversidadeMetodista de São Paulo (Umesp) e pós-doutor em HistóriaAntiga pela Unicamp e em Teologia pelo Fuller TheologicalSeminary (Califórnia, EUA). É professor no Programa deMestrado e Doutorado em Teologia da PUC-PR. Publicoudiversos livros, a maioria pela PAULUS, entre os quais: Afalsa religião e a amizade enganadora: o livro de Jó  eDeus se revela em gestos de solidariedade. E-mail: [email protected]

A Bíblia reinterpretada pelateologia da prosperidade

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obrigação de lhe conceder a prosperidade.Nesse tipo de teologia, ao confrontar Deus ediminuir sua soberania, o fiel é que se apre-senta como aquele que define qual a vontade

de Deus, e não o contrário! Deus é visto comouma mercadoria e é procurado de acordocom os desejos do fiel.

 1. A gênese da teologia da

prosperidade

São muitos os nomes pelosquais podemos identificar a te-ologia da prosperidade. Entreeles, podemos destacar: “movi-mento da palavra da fé”, “evan-gelho da saúde e da riqueza” e“denomine-o e reclame-o”.

O início desse movimentopode ser traçado com base nosescritos do pregador de rádio eministro metodista William Es-sek Kenyon (1867-1948). Ele escreveu

aproximadamente 15 livros nos quais “enfa-tizava o poder das palavras proferidas comfé e a supremacia de uma assim chamadarevelação sobre o conhecimento obtido pe-los sentidos” (REID, 1990, p. 611). Para ele,a confissão da fé positiva punha Deus emcena e induzia sua ação.

 As ideias de Kenyon influenciaram certonúmero de pregadores dentro do movimento

pentecostal na década de 1960. O movimen-to cresceu rapidamente na década de 1970,em grande parte graças à promoção dos pre-gadores pela Trinity Broadcasting Network,fundada por Paul Crouch em 1973.

Kenneth Hagin é um dos mais conheci-dos promotores dos ensinos da teologia daprosperidade. É no mínimo curiosa a históriaa respeito de como ele descobriu o seu “cami-nho” teológico: na manhã de 8 de agosto de1934, ele enfrentava seu 16º ano como uminválido, confinado à cama por um problemaincurável. Apesar das previsões de que podia

morrer a qualquer hora, mesmo fraco, ele seagarrava à vida. Conforme havia lido noNovo Testamento, ele tinha a crescente fé emque Deus “o levantaria da cama”. Mas nada

acontecia, e ele acordava cada manhã paraum novo dia de tédio e desesperança. Umdia, contudo, foi diferente, porque ele se vol-tou para o verso que tinha acendido sua fé:“Por isso vos digo que tudo o que pedirdesem oração, crede que o recebereis, e tê-lo--eis”. Então ele percebeu: “o ter vem depois

do crer. Eu tenho que acreditarque minha paralisia se foi, mes-mo estando deitado de costasaqui, sem esperanças”. E assimele fez. Só que, em vez de dizerque seria curado, ele declarouque já estava curado (HAGIN,1972, p. 9-26). E uma voz lhedisse: “Você acredita que estácurado. Mas se de fato estivercurado, então você deveria se le-

vantar dessa cama”. Dois dias depois, ele che-

gou a passos largos à mesa onde sua famíliatomava o café da manhã, curado pela evidên-cia, em sua própria vida, do poder da fé.

Em 1974, Kenneth Hagin fundou o Rhe-ma, um Centro Bíblico de Treinamento, loca-lizado em Tulsa, Oklahoma, com o objetivode oferecer programas de treinamento queincluíam ensinos e práticas. No entanto, Ha-gin (1972) afirma que, apesar de a prosperi-

dade ser uma adição posterior ao seu sistemadoutrinário, ele não aprendeu sobre ela comnenhum professor humano. Entretanto, elaaparece no discurso de outros evangélicospentecostais cuja importância precede a deHagin, principalmente Oral Roberts.

Em 1955, Roberts publicou God’s formula for success and prosperity, seu primeiro livrosobre esse tópico. Na década de 1960, Haginabraçou a mensagem da prosperidade: “Pros-peridade, principalmente prosperidade fi-nanceira, também está disponível ao fiel quese apropria dela pela fé”. Riqueza, de acordo

“Valoriza-se a fé

em Deus comomeio de obter

saúde, riqueza,

felicidade, sucesso

e poder terrenos.”

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com eles, era parte da bênção que o patriarca Abraão recebeu e, consequentemente, a po-breza era parte da maldição que Jesus Cristocancelou com sua morte na cruz.

 As seguintes ênfases são comuns à maioriados pregadores da teologia da prosperidade:

 A fé é uma força liberada pelas palavras,por meio das quais é possível criar a realida-de. De acordo com Copeland (1983, p. 18-19), “a força da fé é liberada ou ativada pelaspalavras. Palavras cheias de fé colocam emoperação a lei do Espírito da vida”. O recursoà palavra como instrumento para a liberação

de fé-força possui sua possível “legitimidade”na própria ação de Deus, que cria o mundopelo poder da palavra.

 A força da fé é ativada quando uma pes-soa declara ou confessa positivamente seusdesejos e pedidos a Deus. Hagin (1966, p.30) diz: “sua confissão justa se tornará umarealidade, e então você obterá o que quiser deDeus”. Dessa forma, os fiéis passam a ser per-suadidos da infalibilidade das expressões re-ligiosas para “mover o braço de Deus”.

Deus quer que todo cristão tenha prospe-ridade financeira. Na verdade, este é um di-reito a ser reclamado pelos cristãos.

Deus deseja que todo cristão tenha saúdeperfeita e experimente cura completa. Deusse obriga a curar toda doença daqueles quetêm fé. A promessa da cura é parte da expia-ção de Cristo.

2. Ler a Bíblia segundo a teologia da

prosperidade

Não se pode negar que o discurso da teo-logia da prosperidade é bem construído. Ve- jamos um trecho do discurso de Macedo(1993, p. 25, 85-86):

Ele [Jesus] desfez as barreiras quehavia entre você e Deus e agora diz –volte para casa, para o jardim da abun-dância para o qual você foi criado, e viva

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Ser livre e ser felizEncontros com adolescentes e jovens

Os adolescentes e jovens – aindacom mais força que todas asoutras faixas etárias – buscam comafinco a felicidade. Esse desejo –próprio da idade, das mudanças

hormonais, das descobertas davida – facilita o debate sobre aliberdade e a felicidade, aindamais em tempos atuais. É, pois,papel da catequese ajudá-losnessa busca. A catequese deveser espaço para falar livrementedos sonhos, das esperanças, dasangústias e das revoltas. Esta obrapertence à coleção CatequesePermanente.

Padre Orione Silva 

Solange Maria do Carmo 

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a vida abundante que Deus amorosa-mente deseja para você [...] Deus desejaser nosso sócio [...] As bases da nossasociedade com Deus são as seguintes: o

que nos pertence (nossa vida, nossa for-ça, nosso dinheiro) passa a pertencer aele; e o que é dele (as bênçãos, a paz, afelicidade, a alegria e tudo de bom) pas-sa a nos pertencer.

 A posse, a aquisição de bens, a saúde emboas condições e a vida sem maiores proble-mas são apresentadas como pro-vas de espiritualidade e de fideli-

dade a Deus. Portanto, valoriza--se a fé em Deus como meio deobter saúde, riqueza, felicidade,sucesso e poder terrenos. Osmales, nesse caso, significam fal-ta de fé, inaptidão em confessá--la, ou resultam de algum ato dedesobediência a Deus, situaçõesque tornam o fiel vulnerável à

maldade do diabo. Ou, segundoProença (2003), se ao fiel, pordireito divino, são asseguradas saúde, prospe-ridade financeira e ascensão social, aquelesque, porventura, não se deleitam em tais prer-rogativas “ou não compreenderam bem o ensi-namento bíblico, não têm fé o suficiente, ouainda permanecem sob a influência maléficado demônio”. São, na verdade, os pobres que

terão de lidar com a terrível angústia de teremfalhado ou permitido que o diabo, de algumamaneira, roubasse a graça que lhes estava re-servada. No entanto, é necessário salientar quea verdadeira espiritualidade tem a capacidadede nos mover da apatia consumidora em dire-ção a uma consciência alternativa tanto a res-peito do que somos quanto de como vivemos.

Saúde, riqueza e sucesso, na teologia daprosperidade, representariam sempre a von-tade de Deus para o fiel. Essa teologia ensinaque a pobreza é demoníaca e que Deus, porser um pai amoroso e rico, quer ver seus fi-

lhos sadios, prósperos e ricos. Essa posiçãoteológica é muito mais fácil e simples, poiscensurar a vítima é uma maneira de assegu-rar a nós mesmos que o mundo é melhor do

que parece e que ninguém sofre sem quehaja uma boa razão. Isso faz que todos sesintam melhor, à exceção da vítima, quepassa a sofrer em dobro, isto é, com a des-graça original acrescida à condição social depobreza. Uma das maneiras teológicas en-contradas para dar sentido ao sofrimento

humano é supor que somos me-recedores do que nos acontece;que, de algum modo, as desgra-ças sobrevêm como punição pe-los nossos pecados.

O discurso da teologia daprosperidade nega a solidarieda-de divina. Tal teologia não é altru-ísta, mas sim egoísta; não favore-ce a solidariedade, mas estimula acompetitividade; não faz da vidadom, mas sim posse. Ela sustenta

que o “verdadeiro cristão” estápredestinado a vencer, a ser mais

do que um vencedor em todas as esferas davida. Para a teologia da prosperidade, o sofri-mento nega a presença de Deus. Mas por ondeandaria Deus quando olhamos para um am-biente mergulhado na miséria? Estamos diantede uma teologia que procura privilégios pes-soais e corporativos e estimula a insensibilida-

de ante a injustiça presente no cotidiano degrande parte do mundo.Essa teologia está comprometida em sa-

tisfazer aos desejos de sua clientela, e não empropagar doutrinas ou tradições históricas.Na verdade, o que importa são os resultados. A religião é pregada como capaz de apresen-tar resultados 100% garantidos e, em seusespaços, um milagre sempre estará à esperadaqueles que ali acorrem. A questão agora écomo satisfazer aos desejos do aqui e agoradesses clientes que não estão preocupadoscom o distante mundo futuro. Retornar aos

“Tal teologia não é

altruísta, mas simegoísta; não favorece

a solidariedade,

mas estimula a

competitividade; não

faz da vida dom, mas

sim posse.”

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valores bíblicos seria essencial. Afinal, nostextos bíblicos encontramos a ênfase postamais no ser humano do que na prosperidade,ao contrário de tal teologia, que reduz tudo a

termos econômicos.Devemos rejeitar como não bíblico o en-

sino de que a fé, em sua essência, é uma qua-lidade ou trabalho realizado pelo ser humanoa fim de fazer que Deus realize seus desejos.Em decorrência disso, a teologia da cura, porexemplo, foi dada na expiação. Com base nadoutrina da cura na expiação, a teologia daprosperidade infere que a cura já está dispo-

nível para nós e, agora, depende somente denós experimentarmos essa cura ou não. Ha-gin (1979, p. 20) escreve sobre isso:

 Através da verdade humana natural,uma pessoa percebe que está doente, quetem uma dor ou uma doença. A Palavrade Deus, entretanto, revela que “ele to-mou para si as nossas enfermidades, ecarregou as nossas doenças” (Mt 8,17) e

que por seus ferimentos fomos curados(1Pd 2,24). A Palavra de Deus não é ver-dade em um tempo tanto quanto o é emoutro? Ela não é verdade tanto quandovocê está doente e está sofrendo comoquando está bem? Se acreditar no que lhedizem seus sentidos físicos, você diria:“não estou curado, estou doente”. Mas, seacreditar na verdade da Palavra de Deus,

você pode dizer: “Estou curado, por seusferimentos, obtive a cura”.

 Acredita-se que algumas passagens-chaveda Bíblia mostram que o fiel foi libertado tantode suas doenças físicas quanto da condenaçãopor seus pecados (cf. Is 53,4-5; Mt 8,16-17;1Pd 2,24). Novamente as palavras de Haginreforçam essa concepção (1979, p. 25):

 Apesar de se manifestar no físico, acura é na verdade uma bênção espiritual,porque ela é uma cura espiritual. Deusnão vai curar seu corpo. Ele não fará algo

novo para curar você porque ele colocousobre Jesus as nossas enfermidades, asnossas doenças. Ele já fez algo a respeitodisso. Jesus já carregou nossas doenças

sobre os seus ferimentos e “nós fomoscurados”. Alinhe sua fé com a Palavra deDeus. Pare de esperar.

Nós somos filhos de Deus! Afinal, nãosou dono do mundo, mas sou filho do dono.Deus tem vida abundante e toda a riqueza douniverso está à nossa disposição. Então,como nós, seus filhos, não seríamos saudá-veis e ricos? De acordo com o ensino da teo-

logia da prosperidade, nossa vida de pobreza,doença e fracasso é consequência do domíniode Satã sobre nós. Segundo essa teologia,quando a humanidade caiu no pecado, Satãse tornou legalmente dono deste mundo, oque lhe dá poder sobre nós. Assim, a verdadeelementar é que a redenção de Jesus nos li-bertou do domínio do diabo e nos devolveuao governo do nosso legítimo proprietário.

Nesse sentido, a resolução de todos osproblemas e conflitos que afetam o ser huma-no teria uma resposta eminentemente teoló-gica. Hagin (1972, p. 53-54) coloca assimessa questão:

 Jesus, entretanto, veio para nos redi-mir do poder e domínio de Satã sobrenós... Na vida, devemos reinar como so-beranos. Isso significa que temos domí-

nio sobre nossas vidas. Devemos domi-nar, não sermos dominados. As circuns-tâncias não deveriam dominar você. Apobreza não deve reinar sobre você; vocêé quem deve reinar e governar a pobreza.Enfermidades e doenças não devem go-vernar sua vida; você é quem deve reinare governar a doença. Na vida, devemosreinar como soberanos, em Cristo Jesus,

que nos deu a redenção.Nos círculos que celebram a saúde e a ri-

queza como critério da bênção de Deus, foi

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popularizada a expressão “Viver como filho dorei”, que se tornou num dos mais famosos mo-tes da teologia da prosperidade, mas em quereside grande ironia: isto é, devemos observar

que o “filho do rei” foi Jesus, e este viveu umavida exatamente oposta ao que tal expressãodeseja significar atualmente. Jesus viveu umavida sem abundância material. Criado na hu-milde Nazaré no seio de uma família piedosa,mas pobre, que oferecia duas pombas porquenão podia oferecer um carneiro (cf. Lc 2,24),

 Jesus andou pelo interior de-pendente de que outros lheabrissem suas casas, porque nãopossuía bem algum. Assim, falarem viver como “filhos do rei”parece verdadeira ironia.

 A teologia da prosperidadevê como modelo o Jesus que as-cendeu aos céus, e não o humil-de servo que ele foi aqui na ter-ra. Porém Jesus alertou seusdiscípulos para não seguirem o modelo de

“senhor”, mas seu próprio modelo de servo:“Mas, entre vocês não deverá ser assim: se al-guém de vocês quiser ser grande, deve tor-nar-se o servidor, e quem quiser ser o primei-ro, deverá tornar-se o servo de todos. Porqueo Filho do homem não veio para ser servido.Ele veio para servir e para dar a sua vidacomo resgate de muitos” (Mc 10,43-45).

O problema básico com a teologia da

prosperidade é que ela é centrada no ser hu-mano, mais do que em Deus. Alcorn (1989,p. 117) disse: ao se aproximar da postura daprosperidade, a oração se degenera, tornan-do-se coerção, em que “nomeamos o quequeremos e pedimos” e continuamos puxan-do a rédea, até que Deus nos atenda. Essetipo de persistência não é encorajado por Je-sus. Ao contrário, é uma tentativa de fazer

uma queda de braço com o Todo-Poderosopara aumentar o conforto e estilos de vida as-segurados, a respeito dos quais não nos inco-modamos em consultá-lo previamente.

Pode-se dizer que a “fé” se torna umaalavanca que arromba a porta da relutânciade Deus, em vez de uma humilde e submis-sa tentativa de dar graças, ter discernimen-

to e se curvar diante da vontade divina. Nocaso da teologia da prosperidade, predeter-minamos que nossa vontade é a vontade deDeus. Como resultado, tratamos Deuscomo um objeto, um instrumento, ummeio para um fim – fim que nós, em nossapseudossoberania, arbitrariamente decreta-

mos ser o melhor.Na teologia da prosperida-

de, Deus é visto como uma lote-ria celestial na qual nunca seperde, uma máquina caça-ní-queis cósmica na qual você co-loca uma moeda, puxa a alavan-ca, estende o chapéu e recolheseus ganhos enquanto seus“companheiros de cassino”(neste caso, seus irmãos cris-

tãos) gritam (ou dizem amém e aleluia) e

esperam, ansiosamente, sua vez na fila. Elesse esqueceram de que a parte crucial da fé éo valoroso investimento em algo durável, enão uma vida efêmera, mortal e individual;é, sim, algo duradouro, resistente ao impac-to corrosivo do tempo, talvez mesmo algoimortal e eterno. Nesse tipo de sistema teo-lógico, a única razão para Deus existir é nosdar o que queremos. Se não tivermos neces-

sidades, talvez Deus desapareça. Com essetipo de teologia doente, a oração deixa deser sagrada. Em vez de ser um meio de dar--lhe glória, a oração se reduz a uma lista depedidos apresentada a Deus.

Não é possível conceber o papel de Deusem relação a nós dessa perspectiva. É neces-sário que uma boa teologia refute esse tipo deconstrução teológica que “coloca Deus para

trabalhar para você e maximiza seu potencialem nosso sistema capitalista divinamente or-ganizado” (apud ALCORN, 1989, p. 118).Na experiência da união e comunhão com

“A teologia da

prosperidade infereque a cura já está

disponível para nós

e, agora, depende

somente de nós.”

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Deus descrita nas Escrituras, estamos total-mente unidos com Deus. Isso significa quesomos uma só realidade com ele. Contudo,devemos perceber que esse Deus, ao mesmo

tempo, mesmo na experiência da união, con-tinua absolutamente indisponível. Nós nãopodemos possuí-lo!

Nosso pragmático uso capitalista de Deusdemonstra clara falta de interesse no próprioDeus. Afinal, quem se importa como é o gê-nio mágico? Gênios servem apenas para umpropósito: assegurar nossos desejos e nos fa-zer prósperos e felizes. Em vez de ser o gran-de sujeito de nossa fé, para muitos Deus setorna meramente um objeto. Essa atitude ex-plica a farta quantidade de sermões, livros eartigos sobre nós e a mísera quantidade delessobre Deus. O conteúdo deles cumpre o ob- jetivo de pôr Deus a nosso serviço. Assim,Deus entra em cena e é dispensado de acordocom nossa conveniência. Mas poderíamos,como cristãos, dirigir-nos a ele como a umgênio, proferindo palavras como “Senhor,

podes ir agora. Chamo-te de volta quandopensar em algo mais que eu queira”?

No discurso de certas lideranças, a teolo-gia da prosperidade, de certa forma, corroborao anseio de acomodação ao mundo presentesem o famoso complexo de culpa: para algunsfiéis, com a possibilidade de mobilidade sociale, para outros, com a manutenção de um sta-tus  já adquirido. Em vez de ouvir a pregação

de que “é mais fácil um camelo atravessar umburaco de agulha do que um rico entrar noReino dos Céus” (Mt 19,24), agora a novidadereside na possibilidade de desfrutar de bens eriquezas, sem constrangimento e com aaquiescência de Deus. Assim, para os afortu-nados, essa abordagem teológica traz alívio e,aos pobres, traz o direito de, como filhos deDeus, também possuir bens. Está dado o pas-so para que a possibilidade de acesso à socie-dade de consumo se abra diante dos pobres!

Parte-se do pressuposto de que quemnão compra vive em estado de alienação, ou

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 Jesus e as testemunhas ocularesOs evangelhos como testemu-nhos de testemunhas oculares

A questão de os Evangelhosserem baseados em relatos detestemunhas oculares tem sidolongamente discutida. RichardBauckham, através de seu

vasto conhecimento sobre omundo dos primeiros cristãos,demonstra que os Evangelhosnão só indubitavelmente contêmevidências de testemunhasoculares, mas também queseus primeiros leitores as teriamcertamente reconhecido comotais. Este livro é uma notávelpeça de trabalho investigativo,resultando em uma abordageminédita e vívida de dezenas,talvez, centenas de passagensbem conhecidas.

Richard Bauckham 

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seja, não possui identidade. Sua identidadefoi roubada. E a única maneira de reavê-laseria por meio do consumo. Na linguagemreligiosa utilizada pela teologia da prosperi-

dade, o diabo é um dos causadores da aliena-ção e, consequentemente, dapobreza. Assim, ir às comprasseria uma forma de exorcizar odiabo e recuperar a identidaderoubada. Comprar nos tornariahumanos e livres.

Buscando justificativa emtextos isolados da Bíblia, a teo-logia da prosperidade na verda-de não passa de produto do ca-pitalismo e da psicologia dosucesso que domina a maioriadas nações industrializadas,mas atinge também as naçõespobres. Ela é o produto de nos-so próprio tempo e lugar – o tempo capitalis-ta – e é, sem dúvida, uma reflexão: não à luzda Bíblia, mas de nossa autopreocupação.

Conclusão

Inevitavelmente, esse tipo de teologiaproduzirá uma espécie de sociedade muitoevidente em nossos dias. Uma sociedade do

individualismo, na qual as pessoas vivem vi-das paralelas, mas sem sentido,desconectadas umas das outras.Uma sociedade em que a inde-pendência é a única absoluta,em que o interesse próprio é oúnico credo, em que a conveni-ência e o lucro são os únicos va-lores. Nessa sociedade, as pesso-as sabem o preço de tudo, masnão sabem o valor de nada; têmmuito “do que” viver, mas pouco“pelo que” viver.

Enquanto Deus nos crioupara nos solidarizarmos e amar-mos as pessoas pobres e usar as

coisas, a visão do individualismo propostopela teologia da prosperidade ama as coisas eusa as pessoas pobres – manipulando-as.

“É necessário que

uma boa teologia

refute esse tipo de

construção teológica

que coloca Deus

para trabalhar para

interesses egoístas

e maximiza seu

potencial em nosso

sistema capitalista.”

Bibliografia

 ALCORN, R. C. Money, possessions and eternity. Wheaton, Ill.: Tyndale House,1989.

COPELAND, K. The force of faith. Fort Worth: KCP, 1983.

HAGIN, K. E. I believe in visions. Old Tappan: Revell, 1972.

 ______. Real faith. Tulsa: Kenneth Hagin Ministries, 1979.

______. Right and wrong thinking. Tulsa: Kenneth Hagin Ministries, 1966.

MACEDO, E. Vida com abundância. Rio de Janeiro: Gráfica Universal, 1993.

PROENÇA, W. L. Magia, prosperidade e messianismo: o “sagrado selvagem” nasrepresentações e práticas de leitura do pentecostalismo brasileiro. Curitiba:Quatro Ventos, 2003.

REID, D. G. (Coord.). Dictionary of Christianity in America. Downers Grove:InterVarsity, 1990.

 

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Vicente Artuso, ofm*

* Religioso e sacerdote da Ordem dos Frades MenoresCapuchinhos; doutor em Teologia Bíblica pela PUC-Rio.Mestre em Ciências Bíblicas (PIB-Roma). Professor domestrado e doutorado em Teologia na PUCPR- Curitiba,Paraná. E-mail: [email protected]

Cura e libertação:uma abordagem bíblico-

teológica

No contexto bíblico, ser curado

significa o pleno restabelecimento da

 pessoa, resgate de sua dignidade de serhumano, superação dos males,

reintegração na comunidade e no

serviço a ela. É algo também que

transcende a vida presente e a projeta

na vida eterna. Inspirados no cuidado

de Jesus com os doentes e

endemoninhados, os cristãos

encontram o sentido profundo para 

a atenção aos doentes e à superação

dos males.

Introdução

Sofrimento, abandono, doença, fome, vio-

lência, dependência de drogas, mortes sãouma realidade nas notícias diárias. O avançodas ciências da saúde e da medicina, as polí-ticas de prevenção de doenças somadas aprojetos com recursos bem aplicados têmmelhorado as condições de vida, o que é evi-denciado com o aumento da longevidade ediminuição da taxa de mortalidade infantil.1 Mas o problema do mal – incluindo as doen-ças e enfermidades – é mais complexo. Suaerradicação não depende somente de planoseficientes mais localizados: o mal em grandeparte subsiste num sistema perverso de do-minação que mantém os pobres reféns dosricos e poderosos. É necessário convertertambém os critérios de julgar, os valores quecontam, os centros de interesse na sociedadede hoje (cf. Paulo VI, exortação Evangelii 

1 Conforme o IBGE, em 2012 a expectativa de vida noBrasil era de 74,6. A última estimativa da expectativa devida anunciada no Jornal Nacional (1º dez. 2014) é de 71anos para os homens e 78 para as mulheres.

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Nuntiandi, n. 19), para que aconteça uma li-bertação integral do ser humano. Por causado mal disseminado em estruturas injustas,muitos inocentes padecem.

 As consequências são as variadas formasde sofrimento do povo, que se pergunta: “Oque fizemos de errado para merecer isso?” Equando não veem saída, é comum as pessoasassim se expressarem: “Só por Deus mesmopara sair dessa situação”. Na Bíblia, a históriado Jó paciente reflete o conformismo nas pa-lavras: “Recebemos de Deus osbens, não deveríamos receber tam-bém os males?” (Jó 2,10). Jó é figu-ra de tantas vítimas de hoje, quenão têm a quem recorrer. Muitosse refugiam na religião, esperandouma cura miraculosa, buscam Je-sus milagreiro e exorcista. Outrosbuscam explicação da origem domal num princípio negativo, quecompete com as forças do bem. Com isso, aresponsabilidade do mal é descarregada so-

bre demônios ou espíritos do mal. O povosofredor é uma grande parcela da sociedadedoente que clama por socorro, saúde, liberta-ção. Cura e libertação são temas correlatos. Vamos refletir com base na história do povona Bíblia. Será uma abordagem teológica datemática. Na Bíblia, aparece o projeto deDeus no esforço do povo de se organizar eassumir a vida comunitária na prática da jus-

tiça e misericórdia em favor do oprimido, doórfão, da viúva, do pobre, privados de condi-ções dignas de vida.

1. Cura, libertação e salvação

Há uma relação estreita entre cura e li-bertação, salvação espiritual e saúde física. A salvação do ser humano em corpo e espí-rito abrange a existência na sua totalidade.O próprio termo latino “salus” significavaoriginalmente saúde e salvação. Cristo échamado o “Salvador”. E a doutrina da sal-

vação é chamada “soteriologia”. Muito antesde Cristo, o médico Asclépio era chamadode “soter”, salvador (cf. SCHIAVO e DA SIL- VA, 2000, p. 13-14).

Entendemos que a saúde é bem-estar físi-co, espiritual e social. Cura não se refere so-mente a libertação de doenças, mas a promo-ção da vida, do bem-estar da pessoa, na suaintegridade de corpo e espírito. Diante dodrama do sofrimento, não basta o confortoespiritual de uma vida futura no céu sem dor.

É necessário lutar com os meiosdisponíveis, para promover a vida.No entanto, a cura é também pro-porcionar o bem-estar à pessoamesmo na proximidade da morte.Nesse estado, a pessoa aceita comserenidade os limites da existência,os limites dos recursos da medici-na, e sem drama se entrega nasmãos de Deus. Para a pessoa de fé,

a experiência do sofrimento a conduz a umnível espiritual de aceitação de que a vida

neste mundo é limitada. Como cristão, quembuscou viver na graça de Deus e na comu-nhão com Cristo também crê que morrer éestar com Cristo e participar da vida plena naressurreição (cf. 1Ts 4,14; Cl 3,3-4; Fl 1,20-21). Nesse sentido, a cura é uma experiênciade bem-estar espiritual diante da morte. Bus-ca-se viver com qualidade de vida e tambémenfrentar com coragem e serenidade o mo-

mento derradeiro como coroamento da vida.Isso é também libertação.Em relação à libertação, encontram-se na

Bíblia principalmente os verbos: livrar, salvar,curar, resgatar, redimir, tirar de... A cura, emgeral, é interpretada como ação libertadora deDeus. Ele traz a salvação. O próprio nome“Jesus” no Novo Testamento significa que elesalvará o seu povo dos seus pecados (Mt1,21). Tomemos o conceito mais conhecidona teologia, o termo “redenção”. Ele se originados verbos hebraicos  gahal e padah. O verbo

 gahal foi traduzido pela Bíblia Grega (chama-

“Há uma relação

estreita entrecura e libertação,

salvação

espiritual e

saúde física.”

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da Setenta) 90 vezes como “resgatar”, 45 ve-zes como “pôr em liberdade”, 41 vezes como“libertar” e também “salvar”. O verbo  gahal nunca foi traduzido com o sentido de libertar

com pagamento de resgate. Deus é o sujeitoque resgata e salva gratuitamente. Ele tirou opovo do Egito por sua iniciativa. Deus seapresenta no livro do Êxodo como Senhor eLibertador: “Eu sou o Senhor teu Deus quete fez sair da terra do Egito, da casa da escra-vidão” (Ex 20,2). A libertação é parte essen-cial do projeto de Deus. O povo passou porexperiência de escravidão, doença, fome,derrotas. Muitas vezes faltaram com o com-promisso assumido de seguir a lei de Deus,não fizeram a sua parte. Mesmo assim, o Se-nhor estava ao seu lado para exortar à fideli-dade. O resultado da cura é o “Schalom”,termo que indica uma situação de paz, inte-gridade, plenitude. No Novo Testamento, Jesus dedicou parte de sua vida ao cuidadoda saúde. Seu programa era anunciar a boanotícia aos pobres, dar vista aos cegos, liber-

tar os presos, devolver a audição aos surdos,curar os paralíticos, purificar os leprosos,ressuscitar mortos (cf. Mt 11,5; Lc 4,18-19;7,21-22). Sua missão incluía também liber-tar as pessoas do domínio do diabo (cf. At10,38). Enfim, a missão de Jesus era anun-ciar o ano da graça do Senhor (cf. Lc 4,18),os tempos sonhados pelo povo com o esta-belecimento do reinado de Deus.

2. Relatos de cura no Antigo

Testamento

No Antigo Testamento, a cura é sempreatribuída à intervenção de Deus, Senhor davida e da morte. A doença era vista muitas ve-zes como castigo de Deus pelo pecado. Noanúncio da libertação futura, a cura e a saúdeseriam restituídas com a eliminação do peca-do, causa dos males (cf. Is 33,24; Sl 40,5). Noentanto, “a partir do exílio por influência babi-lônica, toma força a personificação de certos

seres inimigos de Deus, e assim se difunde acrença de que anjos maus e demônios tambémeram causadores da dor, doença e morte”(CHAPA, “Exorcistas”, in AGUIRRE, 2009, p.

121). Na Bíblia, a cura dos males vem deDeus, considerado o médico supremo. Poresse motivo, o recurso aos médicos era vistoquase como ofensa a Deus. O rei Asa é admo-estado porque “nem mesmo na doença procu-rou o Senhor, recorrendo só aos médicos”(2Cr 16,12) (cf. VENDRAME, “Curas”, in Di-cionário Interdisciplinar da Pastoral da Saúde,1999, p. 275). Na verdade, havia certos tabusque impediam o avanço da medicina. Porexemplo, a proibição de tocar em cadáveresimpedia a autópsia e a descoberta das causasdas doenças (Nm 5,2; 6,6; 19,11-16). A aver-são pelo sangue derramado (Gn 9,3-4; Lv19,26) impedia qualquer experimento emmatéria de cirurgia. A lei da pureza legal mar-ginalizava os doentes de pele, chamados le-prosos (Lv 13-14) (SCHIAVO e DA SILVA,2000, p. 43). Depois do exílio, abre-se o cami-

nho para a ciência médica e para uma medici-na alternativa. Porém não à margem do poderde Deus. O médico deve ser honrado (Eclo38,1), mas é do Altíssimo que vem a cura: eledeu a ciência aos homens (Eclo 38,2.6), comotambém ao farmacêutico que prepara as mis-turas (Eclo 38,7) (VENDRAME, idem, p. 275).

 As curas individuais são poucas. As maisfamosas são a cura da lepra de Naamã (2Rs

5,1-27), a cura de uma enfermidade mortalde Ezequias (2Rs 20,1-11; Is 38,1-22), a curade Jeroboão (1Rs 12,26-13,10), de Miriam,irmã de Moisés (Nm 12,11-15), de Nabuco-donosor (Dn 4,1-34). Há muitos salmos desúplica por cura de doença (Sl 6; 22; 38; 39;88; 102; 143), mas também de ação de gra-ças pela cura (Sl 30).

2.1. A cura de Naamã: uma nova vidana fé (2Rs 5,1-27)

Trata-se de um relato de cura da lepracom intervenção do profeta Eliseu. Observe-

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mos os efeitos da cura: além da restituição dasaúde física, houve uma transformação navida daquele homem, comenta Olivier Artus(Curar e salvar no Antigo Testamento, in MI-

CHEL e PIERRE, 2007, p. 46). Por duas ve-zes o relato utiliza o substantivo “servo” paraexpressar essa mudança. De um lado, perce-be-se a arrogância de Naamã, quese admirava do fato de Eliseu nãovir a seu encontro e enviar ummensageiro (2Rs 5,11). Após acura, a arrogância dá lugar à reve-rência para com o profeta, e Naa-mã fala como “servo” do profeta:“Por favor, aceita este presente doteu servo” (2Rs 5,15). Naamã, noinício do relato, é apresentadopelo rei de Aram (Síria) como“seu servo”, depois Naamã desig-na-se a si mesmo como servo deEliseu, em 2Rs 5,15.18. Definido em 2Rs 5,1como chefe do exército do rei de Aram, a par-tir de 2Rs 5,15 Naamã encontra nova identi-

dade fundada na fé no Deus de Israel: “Agorasei que não há Deus em toda a terra a não serem Israel”. As observações acerca do perso-nagem Naamã mostram que a cura não cons-titui o núcleo da transformação: ela se tornapossível por sua conversão, que o faz adotaruma atitude de servo com relação a Eliseu,homem de Deus. A cura é sinal de uma trans-formação interna.

2.2. A cura de Ezequias: Deus escutousua oração (2Rs 20,1-11)

Ezequias, rei de Judá, é atingido por umadoença mortal. O profeta Isaías lhe anunciaque morrerá em breve. Ezequias cai em pran-tos e, em sua oração, expressa que sempre foifiel e praticou o que era agradável aos olhosde Deus. Logo em seguida Isaías é enviado atransmitir a boa-nova ao rei: “O Senhor escu-tou a prece e viu suas lágrimas!” Com umaaplicação de espécie de pasta de figos sobre aúlcera, Ezequias é curado e vive mais 17

anos. Temos a súplica em prantos que é ouvi-da por Deus. Vemos nas palavras de Ezequiasque ele foi fiel e fez o que era agradável aDeus (cf. 2Rs 20,3). Pela concepção da teolo-

gia da retribuição, Deus recompensa os bonse castiga os malvados. Ezequias é curado,pois reivindicou os seus méritos na oração.

Como não havia explicaçãopara a causa da doença, o malera atribuído a um possível cas-tigo de Deus. E a cura só pode-ria vir de Deus. Ele fere e cura aferida (cf. Dt 32,39)! Porémessa cura acontece com inter-venção humana, mediante aaplicação de uma pasta de figos.Uma teologia mais desenvolvidada cura e libertação na Bíbliavaloriza a intervenção humana eos remédios para a cura, no caso

as plantas úteis como alimento e remédio(cf. Gn 1,30; Ez 47,12).

2.3. Salmo de ação de graças de umdoente curado (Sl 30)

O salmista exalta o Senhor porque o tiroudo scheol (30,2). “Eu te exalto, Senhor, por-que me livraste”. O verbo hebraico dalah (30,2), que significa tirar para fora, é usadoquando se fala de tirar água do fundo dopoço com um balde. É traduzido tambémcomo “livrar”. A imagem é forte, pois o sal-

mista reconhece que o Senhor o tirou fora dasituação de crise, de morte iminente de quemestava descendo ao fundo do poço. Sua vidaestava em fase terminal, descendo à regiãodos mortos. Ele gritou e o Senhor o curou(30,3). A invocação de cura de doença indicaque ele está consciente de que sua doençanão é apenas arbítrio de Deus, mas tambémpode ser resposta a sua atitude de presunção(30,7). Nesse sentido, a cura inclui também operdão dos pecados e a reintegração na co-munidade dos justos. A seguir, o salmistaconta o passado antes da doença, lembrando

“Quando tudo vai

bem, facilmente

as pessoas se

esquecem de

Deus, mas quandovêm crise e

ameaça, a reação

é imediata.”

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sua segurança e prosperidade: “Eu dizia naminha prosperidade, jamais serei abalado”(30,7). Quando tudo vai bem, facilmente aspessoas se esquecem de Deus, mas quando

vêm crise e ameaça, a reação é imediata: “A ti,Senhor, clamo, imploro graça, ó Deus, meusalvador” (30,9). “Escuta, Senhor, tem pieda-de de mim, ajuda-me” (30,11). A cura acon-teceu no aspecto físico. O Senhor impede amorte, a descida ao scheol. Porém acontecetambém a cura em âmbito espiritual. O sal-mista é curado de sua presunção e falsa segu-rança. Torna-se humilde e agradecido. Reco-nhece que o Senhor restitui a vida. A doençafoi interpretada como uma advertência nomomento da ira divina para corrigir. A curaespiritual aparece na capacidade de transfor-mar os conflitos da vida em fonte de espiritu-alidade, dando novo significado à existência.

3. Cura e libertação na prática

de Jesus

Se a medicina moderna, com todos os re-cursos, não consegue a cura de tantas doen-ças, podemos imaginar como era 2 mil anosatrás. Grande parte da população era doente eo índice de mortalidade era alto. Isso explicapor que grande parte do evangelho relata oministério de Jesus curando doentes de todaespécie. Os gestos milagrosos de Jesus são co-nhecidos como “gestos poderosos”, “sinais” ou

“obras” de Deus. São sinais de que o Reino deDeus chegou na prática libertadora de Jesus(Mt 12,28; Lc 11,20). Jesus curou quatro ce-gos, quatro paralíticos, um leproso, outros dezleprosos de uma vez, exorcizou cinco ende-moninhados, curou a distância a filha da cana-neia e o empregado do oficial romano, devol-veu a fala a um surdo-mudo, baixou a febre dasogra de Pedro, curou uma mulher com he-morragia, colocou a orelha de um soldado,além de realizar diversas curas em massa(SCHIAVO e DA SILVA, 2000, p. 17). Quantoaos tipos de milagres, os Evangelhos falam de

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 A Virgem MariaCem textos marianos comcomentários

Esta coletânea de textosmariológicos, extraídos dediversas obras de SantoAgostinho, almeja tornar maisconhecido o pensamento do

santo Doutor a respeito daVirgem Maria. E assim contribuirde alguma forma para seremintensificados o amor, a devoçãoe o culto para com a Mãede Deus, de maneira maisesclarecida e fundada na Bíbliae conforme a tradição patrística.

Santo Agostinho 

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curas e de libertações de possessões do demô-nio ou exorcismos. Nem sempre é clara a dis-tinção entre as duas formas de intervençãocurativa de Jesus. Isso porque algumas doen-

ças físicas ou psicofísicas – surdez,mutismo, epilepsia – eram atribuí-das à presença e ação dos espíritosmaus (Mt 12,22; Lc 11,14). Anali-semos alguns relatos para mostrar adimensão da cura e seu significadona prática de Jesus.

3.1. A sogra de Pedro pôs-sea servi-los (Mc 1,29-31)

É o relato de cura mais breve. Jesus vai ao encontro dos doentes, junto com seus discípulos. Ele é o terapeutada família, pois visita as casas do povo. Nãose sabe a causa da doença da sogra de Pedro. Jesus, sem dizer uma palavra, apenas “to-mou-a pela mão e a fez levantar-se” (Mc1,31), e a febre a deixou. O resultado da cura:a sogra de Pedro voltou a fazer o que sempre

fazia, “pôs-se a servi-los”. Mais uma vez apa-rece a humanidade de Jesus. A cura vai acon-tecer na solidariedade e compaixão com osdoentes. No relato paralelo de Lc 4,38-39, Jesus cura fazendo uma espécie de exorcis-mo: “esconjurou a febre”. Muitos acredita-vam que a febre vinha dos espíritos do mal.O importante foi o resultado da visita de Je-sus em vista da cura.

3.2. O leproso tocado por Jesus eintegrado na sociedade (Mc 1,40-45)

O relato apresenta o leproso que foi até Jesus e implorou-lhe a cura, pondo-se de jo-elhos (cf. Mc 1,40). Marcos relata que Jesusfoi movido por compaixão (cf. Mc 1,41). Je-sus foi tocado pela situação dramática daque-le homem e se compadeceu, “tocou-o” e ocurou. Jesus rompe o preconceito segundo oqual tocar uma pessoa com aquela enfermi-dade fazia impuro quem a tocasse. Ele é mo-vido de compaixão, aproxima-se e assim re-

vela a face de Deus compadecido pelos doen-tes. Jesus vai na contramão dos costumes daépoca e resgata a dignidade da pessoa. Eleacolhe, ouve a súplica e toca. Aconteceu uma

cura e libertação da pessoa doente,sua dignidade foi resgatada. Comoreação, aquele que antes era lepro-so e vivia excluído, longe da comu-nidade, não pode guardar silêncio.Ele sai e proclama a boa notícia portoda parte. Fica clara a inclusão docurado na comunidade, mediantea prática de Jesus em favor dos ex-cluídos. Fica claro também que a fédo doente coopera no processo dacura com o toque e as palavras de

 Jesus “quero, fica purificado”.

3.3. O que era paralítico saiucarregando o leito (Mc 2,1-12)

Como na narrativa da cura do leprosoque veio até Jesus (cf. Mc 1,40), aqui muitosvão até Jesus “em casa”. Ocasião em que tra-

zem um paralítico no leito (cf. Mc 2,3). Ocenário é a casa apinhada de pessoas, desorte que ninguém podia entrar. O relato édramático pelo fato de descobrirem o telha-do para introduzir o paralítico com seu lei-to! O doente nada diz, mas Jesus, vendo a fédaqueles que carregavam o doente, fala: “Fi-lho, os teus pecados estão perdoados” (Mc12,5). Há uma introdução do tema do per-

dão dos pecados associado à cura (cf. Mc2,5b-10a). Jesus ordena: “Para que saibaisque o Filho do homem tem o poder de per-doar pecados na terra, eu te ordeno, levan-ta-te” (Mc 2,10b-11). O resultado é imedia-to: o paralítico se levantou e saiu diante detodos carregando seu leito (Mc 2,12). Omesmo que entrou com dificuldade, sendocarregado, agora sai carregando a própriacama. A libertação é integral com o perdãodos pecados e a recuperação do enfermo. Opecado, segundo a concepção judaica daépoca, estava ligado à enfermidade (GNI-

“O perdãosolta os laços,

as cadeias,

liberta a pessoa

para caminhar

com as próprias

pernas.”

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LKA, 1986, p. 116). Realmente o mal, ospecados bloqueiam as pessoas, paralisam. Operdão solta os laços, as cadeias, liberta apessoa para caminhar com as próprias per-

nas. A prática de Jesus ligada à sua grandecompaixão revela a nova face de Deus, hu-mana, como um Pai. Ele chama o paralíticode “filho”. A cura conta com a fé e a solida-riedade da comunidade, representada na-queles que carregavam o paralítico.

3.4. O que era endemoninhado setornou missionário (Mc 5,1-20)

Trata-se do caso do endemoninhado deGerasa. Do extremo da situação de exclusão,sofrimento e violência, o homem é curado eaparece “vestido, sentado e de são juízo”.Depois, é enviado a anunciar o que Jesus fezpor ele. O narrador descreve o fato numcontexto de viagem. As indicações de de-sembarque em Gerasa (cf. Mc 5,1) e subidano barco (cf. Mc 5,18) mostram a preocupa-ção de situar o relato no contexto de missão.

No final do milagre, Jesus parte de volta (cf.Mc 5,18) e também o curado parte em mis-são por ordem de Jesus. A ordem de marcharou de ir para casa é típica da conclusão derelatos de milagres (Mc 1,44; 2,11; 5,34;8,29; 10,52). A preocupação de ir aos outroslugares deriva do interesse do evangelista dedestacar a urgência da missão. Certas repeti-ções parecem acentuar também a necessida-

de de testemunhar o fato: por duas vezes, oendemoninhado vai a Jesus (cf. Mc 5,2 e5,6). Duas vezes é contado o que aconteceuao endemoninhado e aos porcos por meiodos pastores (cf. Mc 5,14) e daqueles que vi-ram (cf. Mc 5,16). O fato será testemunhadotambém pelo próprio curado, que anunciaráaos seus o milagre. O afogamento no mardos porcos, associados à legião, indica a der-rota definitiva do poder do mal. (Porcos: sis-tema judaico da lei do puro e impuro queexcluía; legião: força organizada de destrui-ção comandada pelo poder romano na re-

gião da Decápole.)O milagre mostra a rejeição da domina-

ção política. A simbologia das correntes, gri-lhões, algemas sugere o contexto de escravi-

dão. A narração indica a luta de Jesus, “omais forte para amarrar o homem forte” (Mc3,27). Gerd Theissen tem também essa posi-ção: “a opressão por um povo dirigente es-trangeiro às vezes aparece em código, comopossessão por um espírito estrangeiro”. Notexto de Marcos, a menção dos 2 mil porcosque despencaram mar adentro simboliza alibertação do povo da dominação das legi-ões romanas no território da Decápole. Apossessão dos demônios em sociedades tra-dicionais muitas vezes também é reflexo deantagonismos de classe enraizados na ex-ploração econômica. A possessão pode serainda uma forma socialmente aceitável deprotesto indireto contra a opressão, ou mes-mo fuga desta. A tensão entre seu ódio aosopressores e a necessidade de reprimir esseódio a fim de evitar recriminações dos

opressores leva o indivíduo a ficar louco...Ele se retirava a um mundo interior ondepudesse resistir à dominação. Nesse senti-do, o endemoninhado representa a ansieda-de coletiva diante do imperialismo. Trata-se,segundo Franz Fanon, de colonização damente, em que a angústia da comunidadediante de sua subjugação é reprimida e, de-pois, se volta contra si mesma. Isso parece

ser suposto no relato de Marcos, quando dizque o homem emprega violência contra simesmo (cf. Mc 5,5). Segundo Carmen Ber-nabé Ubieta, “as doenças de possessão sãoreflexo corporal de um conflito interno pro-duzido em grande medida pela defasagementre os desejos e sentimentos internos e oque as normas sociais impõem e permitem àpessoa. Nesse caso, por meio dos demôniosque gritam, a pessoa expressa indiretamenteas queixas que tem contra o seu ambiente(“A cura do endemoninhado de Gerasa”, in AGUIRRE, 2005, p. 113).

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3.5. O cego Bartimeu tornadodiscípulo (Mc 10,46-52)

O relato situa-se no contexto da cami-nhada de Jesus para Jerusalém, em que ele

instrui os discípulos sobre a natureza da suamissão messiânica, revela quem ele é eapresenta as exigências do seguimento. Aospoucos, os discípulos vão compreender oque é ser discípulo, sua mente e seus olhosvão se abrir. A intervenção de Jesus curan-do cegos antes de iniciar a caminhada (cf.Mc 8,22-26) – e, no final da caminhada, jápróximos a Jerusalém (cf. Mc10,52-56) – tem a ver com a curada cegueira dos discípulos. A curasignifica a aquisição de nova visão,a mudança de paradigmas paraentender o projeto de Jesus. Certasparticularidades do relato pare-cem querer apresentar o modelodo discípulo. Vejamos.

É o único milagre no qual nosé dado o nome da pessoa curada e

também o único caso em que ocurado segue Jesus. Ao seguir Je-sus, ele joga o manto e vai atrás. É instrutivaa comparação com a cura do cego de Betsai-da (Mc 8,22-26) e também a cura do surdo--mudo situado na Decápole (Mc 7,31-37).No primeiro relato, Jesus é o protagonistade toda a ação, conduz o cego pela mãopara fora, faz barro com saliva, aplica no

olho. No segundo relato, na cura do cegoBartimeu, os dados se invertem. O doente éo sujeito da maior parte das ações. É elequem grita e pede: “Filho de Davi, Jesus,tem compaixão de mim” (Mc 10,47). Eledeixa a capa, levanta-se, vai até Jesus (cf.Mc 10,50). Há um diálogo e Jesus lhe per-gunta: “Que queres que eu te faça?” O cegoresponde: “Que eu possa ver novamente”(Mc 10,51). E o relato termina com as pala-vras de Jesus: “Vai, a tua fé te salvou”. Por-que foi salvo da cegueira, ele seguia Jesuspelo caminho (Mc 10,52).

4. Modelos explicativos

e estratégias de cura

Como falar de cura e libertação à luzdos relatos de cura dos Evangelhos, diantedo modelo biomédico, empírico, da medi-cina ocidental? É importante clarear os mo-delos explicativos da doença no primeiroséculo e o modelo atual, científico. Segun-do qual perspectiva o modelo cultural comuma hermenêutica teológica, em nossosdias, pode iluminar a prática da cura e dar--lhe sentido? Para esta reflexão, sigo o estu-

do de Santiago Guijarro Oporto

(“Relatos de cura e antropologia”,in AGUIRRE, 2009, p. 249-270),que apresenta uma chave inter-pretativa dos relatos de cura à luzda antropologia médica.

Por trás das diversas formasde entender a doença e de reagirdiante dela, há um modelo expli-cativo. Sua função é oferecer uma

explicação da doença, servir deguia na hora de escolher as dife-rentes terapias disponíveis e dar

sentido à doença do ponto de vista pessoale social. O modelo explicativo é o que de-termina quais sintomas são importantes equais não são, e como devem ser interpre-tados e tratados (cf. AGUIRRE, 2009, p.256). O entendimento da patologia comodoença é, portanto, um processo cultural.

Todas as culturas possuem moldes paraperceber, entender, explicar e tratar os sin-tomas (idem, p. 257).

 A estratégia terapêutica é o procedimentoseguido para tratar uma doença e obter acura. Tal entendimento da doença dependedo modelo explicativo popular da medicinado século I no Mediterrâneo, enquanto nossoentendimento depende do modelo em que se

sustenta o setor profissional da medicina oci-dental. Daí a importância de relacionar oprocesso de cura no tempo de Jesus com o

“Por trás dasdiversas formas

de entender

a doença

e de reagir

diante dela,

há um modelo

explicativo.”

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processo de cura como é explicado pela me-dicina ocidental (idem, p. 259).

O quadro a seguir resume as principais cara-terísticas de ambos os modelos (idem, p. 260):

Modelo biomédico (empírico) Modelo cultural (hermenêutico)

Entidades patológicas: lesão ou disfunçãosomática ou psicofisiológica (a disfunção

é entendida como patologia).

Entidade patológica: universo de sentido, adoença percebida pelo paciente (a disfunção

é entendida como doença).

Estrutura de relevância: são relevantesos dados que apresentam uma

desordem somática.

Estrutura de relevância: são relevantesos dados que revelam os significados da

doença.

Procedimentos de identificação: revisãodos sistemas; testes de laboratório.

Procedimentos de identificação: avaliar os

modelos explicativos; decifrar o camposemântico.

Meta da interpretação: diagnósticoe explicação.

Meta da interpretação:compreensão.

Estratégia interpretativa: examinardialeticamente a relação entre os sintomas

e as desordens somáticas.

Estratégia interpretativa: examinardialeticamente a relação entre os sintomas(texto) e o campo semântico (contexto).

Objetivo terapêutico: intervir noprocesso da doença somática.

Objetivo terapêutico: tratar a experiência dopaciente: fazer entender os aspectos ocultos

da realidade da doença e transformá-la.

O modelo biomédico é apto para enten-der a doença e a cura no setor profissional damedicina ocidental, mas é pouco relevantequando aplicado aos casos em que a doençaé entendida e vivida segundo certos padrões

culturais diferentes, como acontece nos rela-tos de cura e libertação nos Evangelhos. Paraos Evangelhos, é mais útil o modelo cultural(p. 260). Naquela cultura, Jesus e os primei-ros cristãos pensavam que a origem da doen-ça e da saúde estava em Deus (cf. Ex 15,26).Embora no relato da cegueira, por exemplo,não se mencionem as causas, podemos suporque eles a atribuíssem à ação de um demônio

(cf. Mt 12,22) ou talvez a um pecado pessoalherdado (cf. Jo 9,2). Esse era o pano de fun-do comum na cultura e religião da época (p.

263). Portanto, no caso da cura do cego de Jericó, são mais significativos os dados querevelam o significado da doença que a ce-gueira em si mesma. O relato é um exemplodidático com o objetivo de instruir os discí-

pulos de que a cura da cegueira significa (nocontexto da seção de instrução dos discípu-los: Mc 8,3-10,52) a cura dos próprios discí-pulos. O texto tem em vista apresentar o mo-delo do verdadeiro seguidor de Jesus, quecompreende as exigências do seguimento eassume suas consequências. No caso, o queera cego, curado pela fé, é capaz de jogar omanto e ir atrás de Jesus. Na verdade, a cura

aconteceu no âmbito da compreensão dos dis-cípulos do que seja o seguimento; o médico Jesus atuou junto com o paciente. A cura veio

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da fé daquele que era cego, resultando em umatransformação na sua vida. Desse momento emdiante, com a nova visão, mendicância, exclu-são e desprezo ficam para trás. Ele é discípulo

integrado na vida do povo, ciente do caminhoque deve tomar.

Em alguns dos relatos que analisamos, oaspecto da fé das pessoas curadas pode pa-recer, segundo a visão da medicina científicaatual, apenas uma forma de explicar a cura,um dado cultural da época. Porém a fé éexistencial. O ser humano é essencialmentereligioso e, em todos os tempos e lugares, háquem atribua tanto a doençacomo a cura à intervenção deDeus. Há quem passe pela do-ença e, na sua visão de fé, a in-terprete como uma prova e si-nal divino que o levem a umamudança de vida. Há quem,acometido de doença mortal,após gastar todos os bens commédicos, recorra a uma inter-

venção milagrosa. A ajuda, oscuidados paliativos e a assis-tência religiosa trarão bem-estar, paz de es-pírito ao doente, a fim de lidar com sua situ-ação. A cura e a libertação abrangem o cui-dado pela pessoa, pelo seu bem-estar físico,espiritual, social, até nos momentos derra-deiros da existência.

No contexto cristão, toda cura ou trata-

mento feito com espírito de abnegação e cari-dade evangélica têm valor de salvação e sãosinais do reino futuro de paz, vida plena, saú-de. O processo de cura passa pelos modelosbiomédicos da medicina moderna, que, sem-pre mais desenvolvidos, proporcionam maiorlongevidade com qualidade de vida. O pro-fissional da saúde tem o compromisso depromover a vida e defendê-la com os recur-sos disponíveis. Deus fez o médico e o remé-dio. Mas a graça divina supõe a natureza hu-mana. Deus age não de forma mágica, comose acreditava no tempo de Jesus, quando ha-

via muitos milagreiros. Ele age por meio dosrecursos humanos, no desenvolvimento edescoberta de novas técnicas. Todo desenvol-vimento humano para o bem e defesa da vida

é dom de Deus, pois Deus coopera comaqueles que fazem o bem e promovem a vida.Na comum expressão “graças a Deus”, apósbem-sucedida intervenção cirúrgica, o médi-co atribui sua habilidade a um dom de Deus.Nesse sentido, expressa um significado maisprofundo, um sentido espiritual.

Conclusões

1. Cura e libertação na Bí-blia são parte essencial do planode Deus. Os diversos relatos decura, tanto no Antigo como noNovo Testamento, são sinais deque o Senhor intervém na histó-ria e escuta a súplica dos doen-tes. A história do povo da Bí-blia, como também as de outros

povos, com suas histórias decuras, com seus meios terapêu-

ticos, revelam a luta contra as doenças nabusca incessante de cura e bem-estar. Sercurado, especialmente nos relatos que anali-samos, significa o pleno restabelecimentoda pessoa, o resgate de sua dignidade de serhumano e sua reintegração no serviço à co-munidade. Os curados tanto proclamam o

que aconteceu de bom em sua vida (cf. Mc5,18-20) como se engajam numa missão eserviço (cf. Mc 1,29-30; 1,43).

2. A cura e libertação abrangem a pessoana sua totalidade, pois saúde é bem-estar físi-co, psíquico, espiritual e social. A cura e salva-ção da pessoa, no sentido cristão, são mais queo restabelecimento da saúde física: operam napessoa nova vida, novo sentido, que transcen-de a vida presente e a projeta na vida eterna.Eis a vida plena de quem crê que transcende amorte. Nesse sentido, para nós, cristãos, senesta vida cremos que Jesus morreu e ressus-

“A cura e libertação

abrangem a pessoa

na sua totalidade,

pois saúde é

bem-estar físico,

psíquico, espiritual

e social.”

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citou, também com ele, na morte, ressuscita-remos para uma vida nova (cf. Rm 6,5.8). Avida nova de ressuscitados já está presente na-queles que vivem neste mundo na fé e na es-

perança. Paulo diz: “Vocês ressuscitaram comCristo, por isso busquem as coisas do alto” (Cl3,1). Isso não significa fuga do mundo, mascompromisso com o projeto de Deus de trans-formar a vida presente mediante a libertaçãodos males e doenças. Assim vai acontecendo atransfiguração do mundo, com a diminuiçãoda dor, da doença, do sofrimento.

3. Curas e libertações acontecem na apli-cação dos recursos modernos da medicina, enão apenas na crença de intervenção mágicade milagreiros e exorcistas, como ocorria noprimeiro século da era cristã. A fé verdadeirase torna visível na ação e no planejamento.Deus atua na história, na ação do médico eno efeito dos remédios. A graça da cura operasegundo a natureza, seguindo a evolução cul-tural e científica da humanidade. Deus deuao ser humano inteligência para descobrir

técnicas terapêuticas e novos remédios parafazer frente ao desafio das enfermidades.Deus se revela hoje nos sinais dos tempos. Vemos a intervenção dele no horizonte da te-ologia da criação.

4. Jesus curou muitos doentes das maisvariadas enfermidades e deu aos discípulos amissão de fazer o mesmo. Inspirados no cui-dado de Jesus com os doentes, os cristãos,

especialmente os profissionais da saúde, en-contram o sentido profundo do cuidado eatenção aos doentes e do exercício da medici-na. A mística cristã do cuidado caracteriza-sepela compaixão e pelo modo humano de tra-tar a pessoa doente.

5. A cura física é seguida também dacura espiritual, que liberta a consciência dopecado. A cura espiritual inclui o perdão a sipróprio, mediante a aceitação da própriacondição humana, e o perdão de Deus, quetorna a pessoa justa. A experiência da gra-tuidade divina que cura e liberta transcende

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a cura física e produz na pessoa bem-estar epaz espiritual vindos de Deus. Nesse nível afé é fundamental, tanto para quem está do-ente como para quem trata o doente. Na

Igreja primitiva, o cuidado dos doentes era

Bibliografia

 AGUIRRE, Rafael (Org.). Os milagres de Jesus: perspectivas metodológicas plurais. São Paulo:Loyola, 2009.

BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galileia: pesquisa histórica. São Paulo: Paulinas,2011.

BERGER, Klaus. É possível acreditar em milagres? São Paulo: Paulinas, 2004.

CINÁ, Giuseppe; LOCCI, Efisio; ROCCHETTA, Carlo (Org.). Dicionário interdisciplinar da pastoral da saúde. São Paulo: Centro Universitário São Camilo: Paulus, 1999.

GNILKA, Joachim. El Evangelio Segun San Marcos 1,1-8,26. Salamanca: Sígueme, 1986.

HERMANS, Michel; SAUVAGE, Pierre (Org.). Bíblia e medicina, o corpo e o espírito. São Paulo:Loyola, 2007.

MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. São Paulo: Paulus, 1992. (Coleção Grande Comen-tário Bíblico.)

PAGOLA, Antonio. Jesus, uma aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2010.

PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi. Petrópolis: Vozes, 1976.

SCHIAVO, Luis; DA SILVA, Valmor. Jesus milagreiro e exorcista. São Paulo: Paulinas, 2000.

THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. São Paulo: Loyola, 2004.

uma preocupação pastoral que certamenteseguia a prática dos discípulos de Jesus deorar e ungir os doentes (cf. Mc 6,13). Essecuidado, que torna presente o gesto curador

de Jesus, está na missão da Igreja.

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Esperança em tempos de desespero

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5º DOMINGO DA PÁSCOA

3 de maio

“Permanecei em mim e eupermanecerei em vós”I. Introdução geral

O Sl 22, com o qual respondemos às leituras de hoje, ex-pressa o desejo de que todas as nações e gerações futuras este- jam diante de Deus para adorá-lo. Por enquanto os povos ain-da não se arrependeram de suas ações violentas e ainda nãopraticam a unidade entre si. Tampouco se consideram irmãos, já que não reconhecem o mesmo Deus e único Pai.

Tornar esse desejo, expresso no salmo, em realidade de-pende, em grande parte, do modo como os seguidores de Je-sus vivem o mandamento do amor. Seguir Jesus ou permane-cer nele significa amar incondicionalmente. Significa amarcomo Jesus amou, fazendo do perdão a resposta definitiva aoódio e à violência.

* Graduada em Filosofia pelaUniversidade Estadual do Cearáe em Teologia pela FaculdadeJesuíta de Filosofia e Teologia(Faje – BH), onde tambémcursou mestrado e doutoradoem Teologia Bíblica e lecionoupor alguns anos. Atualmente,

leciona na Faculdade Católica deFortaleza. É autora do livro Eis

que faço novas todas as coisas

– teologia apocalíptica (Paulinas).E-mail: [email protected]

    R   o   t   e    i   r   o   s

    h   o   m    i    l    é   t    i   c   o   s

Também na internet:vidapastoral.com.br

Aíla Luzia Pinheiro Andrade, nj*

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II. Comentário dos textosbíblicos

1. Evangelho (Jo 15,1-8):

Permanecer em JesusO evangelho de hoje nos mostra os elos

que formam a corrente do amor: o Pai, Jesus,os cristãos. Jesus nos mostrou quanto o Painos ama. Agora somos nós, os discípulos,que devemos mostrar ao mundo quanto ex-perimentamos do amor do Pai por meio de Jesus. Para isso, é necessário que os membrosda comunidade permaneçam unidos.

 A metáfora da videira e dos ramos ilus-tra bem isso. Assim como os ramos da videi-ra estão unidos entre si pelo tronco, os cris-tãos somente poderão estar vinculados unsaos outros se permanecerem no mandamen-to de Jesus, a saber, o amor. A maioria da-queles que se dizem cristãos ainda não aten-tou para o fato de que “permanecer em Je-sus” não significa se tornar adepto de dou-

trinas, mas dar adesão a alguém, a uma pes-soa concreta, Jesus. O mandamento que nosune a Jesus é o amor. O exercício do amorfraterno é o sinal distintivo do cristão justa-mente porque é a prova de sua comunhãovital com o Senhor.

Somente unido ao tronco o ramo podeviver e frutificar: “sem mim nada podeis fa-zer” (v. 5). Isso mostra não somente nossa

dependência de Cristo, mas também a vonta-de dele de nos doar sua própria vida. E é im-possível ter uma vida de comunhão comCristo, que é o amor encarnado, sem que seproduzam frutos de amor – manifesto nãosimplesmente pela eloquência ou pela multi-plicação de palavras, “mas por atos e em ver-dade” (II leitura, v. 18).

2. I leitura (At 9,26-31): Permanecer

na unidade A leitura fala sobre desconfiança e sobre

lealdade. O texto refere-se à chegada de Saulo

a Jerusalém e afirma que todos tinham medodele, pois não acreditavam que fosse discípu-lo de Cristo (v. 26). As pessoas começam a terdúvidas sobre a sinceridade da conversão do

perseguidor. Parece ser algo extraordinárioque a ação de Cristo sobre o principal oposi-tor da comunidade o tenha feito mudar devida, por isso é tão difícil acreditar.

 A conversão é possível a todos, mas con-verter-se não é apenas passagem da increduli-dade para a fé, como muita gente pensa. É,antes de tudo, um exercício de saída do egoís-mo para o crescimento no amor. Sob esse as-pecto, a conversão não é acontecimento pon-tual na vida de uma pessoa, mas a vida inteiraem progresso de santidade.

É comum desconfiarmos que alguém te-nha mudado radicalmente de vida de ummomento para o outro, à semelhança doocorrido com Saulo. Mas quem realmente feza experiência amorosa com o Mestre da Gali-leia pode ousar dar um voto de confiança eaté mesmo um passo na direção do antigo

inimigo da fé, ainda que isso traga dissaborese riscos à própria vida. Assim fez Ananias, eoutros seguiram esse exemplo.

Dado o voto de confiança, a comunidadeprossegue guiada pelo Espírito Santo, anun-ciando com coragem o Evangelho. É impor-tante que Saulo esteja unido aos demaisapóstolos e sob a ação do Espírito, que realizaa comunhão entre os novos irmãos e as teste-

munhas oculares de Jesus. A efetivação damissão e o crescimento da comunidade sãofrutos dessa comunhão. Tanto a conversãodo coração quanto a unidade de todos osmembros do corpo, que é a Igreja, consti-tuem uma única ação do Espírito Santo.

3. II leitura (1Jo 3,18-24):Permanecer no amor

Crer em Jesus é amar, afirma a segundaleitura. Amor que não se confunde com senti-mentalismo de novela, mas se traduz em atosde amor eficaz em favor do próximo. É dessa

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forma que os discípulos mostram que perma-necem em Jesus. A comunidade está sob umnovo mandamento. No Antigo Testamento, opovo de Israel encontrava sua identidade no

amor a Deus e no amor ao próximo como a simesmo (cf. Dt 6,5; Lv 19,18). O novo manda-mento dado por Jesus é que amemos como elenos amou (cf. Jo 13,34; 15,12; 1Jo 3,23). Essaé a verdadeira identidade do cristão.

III. Pistas para reflexão

Um destaque maior na reflexão pode serdado ao seguinte versículo: “E qualquer coisaque pedirmos dele a receberemos, porqueguardamos os seus mandamentos” (1Jo 3,22).

Trata-se de boa oportunidade para cor-rigir alguns desvios pastorais de nossa épo-ca, principalmente no que tange à ideolo-gia da prosperidade. Será que Deus assinouum cheque em branco para nós? Teria Deusnos dado a senha de seu cartão com créditoilimitado? Seria Deus um gênio da lâmpada

de um conto de fadas, pronto para realizarnossos desejos? Em um trecho mais adian-te da primeira carta de João, fica claro queDeus nos concederá o que desejarmos se opedirmos “conforme a sua vontade” (1Jo5,14), ou seja, quando desejarmos o queDeus deseja.

Disse Jesus: “o que pedirdes ao Pai emmeu nome, ele vos dará” (Jo 16,23); mas,

para pedir a Deus qualquer coisa em nomede Jesus Cristo, é preciso estar primeira-mente em consonância com o modo de serde Jesus. Pedir algo a Deus em nome deCristo é como se o próprio Cristo estivessepedindo. Dessa forma, somente podemospedir o que Cristo pediria. E o que ele pedi-ria? “Pai... não seja feita a minha vontade,mas a tua” (Lc 22,42).

Depois de corrigir todo desvio de inter-pretação decorrente da ideologia da prosperi-dade, poderemos voltar ao nosso trecho de1Jo 3,22, acrescentando-lhe as mesmas pala-

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Maria, mulher de Deuse dos pobresReleitura dos dogmas marianos

Quem é Maria? Será averdadeira Maria a mesma dadoutrina da fé? Qual o sentidodesse sentimento tão profundo,detectado nas pessoas, com

relação a Maria? O propósitodeste livro é resgatar a figura deMaria a partir de uma releiturados dogmas marianos. A autoraparte do interesse teológico como fim de aprofundar a figura deMaria a partir da fé da Igreja, eenfrentar o desafio de descobriro mistério de Maria e do desígnioda salvação nas definiçõesdogmáticas.

Clara Temporelli 

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vras de Jesus: “Pai, eu te agradeço porque meouviste e eu sei que sempre me ouves” (Jo11,41-42).

6º DOMINGO DA PÁSCOA

10 de maio

“Fui eu que vosescolhi”

I. Introdução geral

O povo de Israel tinha consciência de serpovo escolhido por Deus. Mas também foiafirmado várias vezes pelos profetas e pelossalmistas que as nações eram convidadas aentrar na mesma dinâmica de Israel, ou seja,adorar o Deus único, vivo e verdadeiro. Rezao salmista: “Aclamai o Senhor, ó terra inteira,cantai-lhe hinos de louvor”. Sendo assim,

qual é a identidade de Israel, já que todos ospovos são chamados a se congregar comopovo de Deus? Basicamente, a vocação e opapel de Israel em meio às demais nações éser instrumento de Deus para que todos pos-sam conhecer o Deus da aliança e com elefazer comunhão. Essa é a mesma vocação dacomunidade dos discípulos de Jesus ao lon-go da história, até que ele volte.

II. Comentário dos textosbíblicos

1. Evangelho (Jo 15,9-17):Escolhidos para amar

O evangelho de hoje nos fala sobre aIgreja como lugar da amizade. Jesus nos éapresentado como alguém que confidenciaaos seus amigos tudo o que ouviu do Pai (v.15). Conforme a palavra de Jesus, a Igrejanão se fundamenta em relações de poder

entre senhor e escravo, nas quais alguns seimpõem sobre os outros, no saber e no po-der. Jesus superou essa mentalidade domundo onde uns mandam e outros obede-

cem; ele convocou uma família, não fun-dou uma empresa. Somos vocacionadospara amar, para viver em comunhão, parti-lhando uns com os outros aquilo que so-mos e o que temos.

 Jesus confia a nós tudo o que ouviu do Pai,dando-nos o exemplo para que confiemos unsnos outros e sejamos transparentes uns com osoutros, a fim de formar verdadeira “comum-

-unidade”. Se levarmos em conta esse exemplode Jesus, a Igreja será círculo de fraternidade,local de acolhida do diferente, espaço onde to-dos se sentirão à vontade para ser o que são,família da qual ninguém será excluído.

Contudo, esse exemplo de Jesus encon-tra inúmeras resistências em nossa época. Ainda resta um caminho longo e difícil paraa inclusão e a aceitação do diferente. Faz-se

cada vez mais urgente voltarmos ao Evange-lho e darmos atenção às palavras de Jesus.Há grupos dentro da Igreja que querem

impor um modo de ser Igreja bem diferentedaquele que foi pensado e desejado por Je-sus. São grupos autoritários que se definemcomo únicos conhecedores da essência docristianismo e defensores da doutrina. Noentanto, suas práticas de exclusão se cho-

cam com o agir de Jesus, que se fez amigode todos, não teve pretensões autoritáriasnem tencionou ser o único conhecedor daspalavras que ouviu do Pai, pois as partilhoucom todos.

E o que Jesus teria ouvido do Pai? Ou me-lhor, qual seria a vontade do Pai que Jesus cum-priu e nos mandou observar? Na verdade, Jesusa sintetizou em poucas palavras: viver o man-damento que ele deixou, a saber: estar aberto elivre para amar concretamente. Se estivermosdispostos a isso, estaremos em sintonia com elee, portanto, em sintonia com o Pai.

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2. I leitura (At 10,25-26.34-35.44-48): Deus ama a todos, não fazacepção de pessoas

 A primeira leitura traz o relato de um dosaspectos constitutivos da Igreja: a universalida-de da mensagem de Jesus. Cornélio nos é apre-sentado pelo texto dos Atos dos Apóstoloscomo o primeiro não judeu a ingressar na co-munidade dos seguidores de Jesus. Primeira-mente, isso significou um despertar para a con-cepção de que a missão de Israel e a da Igreja

 jamais seriam excludentes, fato expresso napalavra de Pedro: “Deus não faz acepção de

pessoas” (v. 34). A atualidade dessa palavra dePedro é inquestionável. Que ela possa ressoarnos corações e mentes daqueles que preten-dem excluir como impuros os que foram puri-ficados por Deus por meio do mistério pascalde Jesus Cristo.

O gesto realizado por Pedro deve se con-verter em imagem da Igreja aberta a todas aspessoas, como autêntico testemunho do

amor de Deus a todos.

3. II leitura (1Jo 4,7-10): Deus nosamou primeiro

O fundamento de toda a argumentaçãodesse texto bíblico é a afirmação de Jesus noEvangelho de João: “Ninguém jamais viu aDeus; o Filho único, que está no seio do Pai, équem o deu a conhecer” (Jo 1,18). Por isso o

 Antigo Testamento proíbe fazer imagens deDeus (Dt 5,8; Ex 20,4), porque sua imagem éo homem e a mulher (Gn 1,26-27). O Deusinvisível se revela no amor humano. Como, namentalidade hebraica, a imagem significa apresença e a representatividade, o ser huma-no, em suas diferenciações de gênero, consti-tui o lugar da presença de Deus no mundo. Apresença divina está onde existe o amor hu-

mano. Mais ainda, o ser de Deus é o amor,como origem e sentido de tudo que existe.Não vemos a Deus, mas escutamos sua

palavra e podemos fazer sua vontade. Por

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Tempestades e calmarias A história de Tiago e João

Os apóstolos Tiago e João foramapelidados por Jesus de Boanerges,que significa “os filhos do trovão”.De temperamento impetuoso eimpulsivo, os dois irmãos tiveram

por parte de Jesus um tratamentoespecial, pois foram os únicos,junto com Pedro, que presenciaramacontecimentos importantes davida dele, como a Transfiguração.Nesta obra em forma de narrativa,a autora conta, com pesquisaatualizada sobre o contexto daépoca, os percalços de um itineráriofascinante e a transformação que osdois discípulos experimentaram noseu relacionamento com o Mestre.A história dos filhos de Zebedeu é,sem dúvida uma lição de vida.

Lúcia F. Arruda 

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isso o texto nos exorta a amar uns aos ou-tros para podermos reconhecer nossa ori-gem, nossa experiência mais original. Ecomo podemos viver esse amor se somos

tão frágeis e egoístas? A força que nos libertado egoísmo não é iniciativa nossa, mas deDeus. Ele nos criou capazes de amar. Nãofomos nós que o amamos primeiro, mas foiele quem nos amou antes de toda a criaçãoe nos convida a entrar nessa sintonia deamor, nessa comunhão, que nos põe em co-laboração com ele na sua obra de redenção.

Em que consiste o amor? (v. 10). O amoré a graça que sempre nos precede, que nãopodemos conquistar nem criar, pois nos éoferecida como dom. Somente quem fez aexperiência da prioridade do amor pode falarsobre Deus.

III. Pistas para reflexão

O amor não apenas nos precede, masnos resgata. O texto de 1Jo 4,10 usa um ter-

mo fundamental da tradição sacrifical do Antigo Testamento, “propiciação” (oferendade expiação, cf. Lv 16) pelos nossos peca-dos. Já não precisamos sacrificar um ani-mal; o amor do Filho, na gratuidade e entre-ga de si mesmo, redime-nos do pecado. Issoé o que pode mudar nossa vida, pois doamor surgimos, do amor renascemos, liber-tando-nos do pecado e da morte.

 Algumas pessoas querem substituir ossacrifícios de animais por promessas extrava-gantes que fazem aos santos. No entanto, oque agrada a Deus é o amor; numa palavra, oamor é o único mandamento que Jesus nosdeixou. O amor resume todo o cristianismo,e o amor não exclui ninguém.

Os ritos, os sacramentos, a missa, os sa-cramentais etc., tudo isso existe para nosconscientizar de que devemos estar dispos-tos e livres para amar as pessoas em todas ascircunstâncias do cotidiano. Vamos à Igrejapara sintonizar com o Deus de amor e mais

profundamente viver essa sintonia em cadamomento da vida.

Ascensão do Senhor

17 de maio

“Anunciaia boa-novaa toda criatura”

I. Introdução geralHoje a Igreja celebra a solenidade da As-

censão do Senhor. Estritamente falando, nãoé uma nova festa, mas a plenificação da Pás-coa. Estar sentado à direita do Pai não é tantoum triunfo ou um prêmio que Jesus recebepor bom comportamento e por ter realizadoa tarefa que lhe foi proposta. O triunfo de

Cristo é o ponto aonde deve chegar cada serhumano na plenitude de suas potencialida-des. Celebramos a elevação do ser humanoantecipada na ascensão de Cristo.

Ressuscitou, subiu ao céu, está sentadoà direita do Pai são termos e expressõescujos significados denotam que a missãoterrena de Jesus culminou. Tudo o que eleveio realizar foi feito. Agora a comunidade

de seus seguidores deve continuar a missãode edificar o Reino de Deus neste mundo.Por isso, as leituras de hoje nos oferecemuma síntese da missão dos cristãos, fundadaem três afirmações inseparáveis: 1) ressur-reição: Jesus venceu o pecado e a morte; 2)ascensão: Jesus está junto do Pai, exercendoautoridade sobre a criação e a história; 3)esperança: Jesus voltará (parusia) inespera-damente para plenificar todas as coisas.

 A missão dos cristãos situa-se entre a as-censão e a parusia, anunciando e edificandoo Reino de Deus até que Cristo venha.

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II. Comentário dos textosbíblicos

1. Evangelho (Mc 16,15-20): Ide

pelo mundo inteiroO evangelho de hoje enfatiza o mandato

missionário recebido por todo cristão. Pri-meiramente, oferece um resumo das experi-ências que os discípulos tiveram com o Res-suscitado, seguido do mandato missionáriono qual são elencados os elementos ou sinaisprincipais da missão dos cristãos: expulsardemônios, falar todas as línguas, ser imune aqualquer veneno e curar os enfermos. Perce-bemos aqui que a missão dos cristãos possuios mesmos elementos ou sinais da missão de Jesus. Aparentemente, é uma missão impos-sível. É necessário compreender cada umdesses elementos. Antes de tudo, trata-se desinais e não de demonstrações (muito menosmidiáticas), os quais têm por objetivo indicarque os missionários entraram em um campo

novo de ação e para isso receberam uma au-toridade originada no Pai, ao lado do qualestá Jesus. Significa que é uma ação dos cris-tãos, mas não unicamente deles: é uma açãode Deus regenerando este mundo por inter-médio da obra evangelizadora dos cristãos.

Expulsar os demônios em nome de Jesussignifica, primeiramente, continuar a sua lutacontra o mal, como foi enfatizado ao longo

do Evangelho de Marcos. Não é tanto fazerexorcismos, mas instaurar um reino de justi-ça, fraternidade e paz em oposição ao mal, aopecado e ao egoísmo. É continuar a luta de Jesus em cada circunstância da vida, enfati-zando o poder do bem contra o mal, e não ocontrário. Uma forma de exorcismo que cadaum pode fazer é evitar desanimar por causado aumento da violência e prestar mais aten-

ção nas ações das pessoas de bem que fazemgrandes mudanças na sociedade.Falar novas línguas, no contexto narrati-

vo dessa leitura, não significa a oração em

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DVD – Canto e música na liturgia

A Sagrada Escritura, os Pais eMães da Igreja e os documentosoficiais sobre a liturgia insistemna importância do canto e damúsica. Porém, cada música deve

possuir um sentido e significado. Oconteúdo desse DVD é apresentadoem três blocos: 1 - Quem cantana liturgia? 2 - O que cantar naliturgia? e 3 - Um canto para cadatempo litúrgico. No final de cadabloco são colocadas algumasperguntas para o grupo aprofundaro tema. Este subsídio serve deauxílio para nossas comunidadescristãs a celebrar de forma ativa efrutífera, cantando o canto novo dosressuscitados em Cristo.

Cireneu Kuhn 

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línguas, pois se trata não de falar com Deus– não é um texto sobre oração –, mas domandato missionário de falar às pessoas domundo inteiro. Significa que os cristãos fa-

rão um esforço para não impor uma culturaou modo de pensar, mas anunciarão o Evan-gelho, a boa notícia de Jesus, levando emconta os destinatários, seu contexto históri-co-social e cultural.

Serpentes e venenos que não causam ne-nhum mal não significam que o cristão éblindado para que nada de ruim lhe aconte-ça, como quer nos iludir a ideologia da pros-peridade. Ao contrário, os cristãos estão sem-pre à mercê de muitos sofrimentos e perse-guições, como aconteceu com Jesus e comovemos na vida dos santos. Bem entendidas,essas palavras de Jesus, em linguagem apoca-líptica de luta contra o mal, significam que osverdadeiros cristãos estão imunes às serpen-tes e venenos do egoísmo que matam pelaexclusão social, pelo preconceito e falta deaceitação do outro, pela calúnia, corrupção e

desonestidade. É desse veneno maligno queos verdadeiros cristãos estão imunes e por ele jamais serão destruídos.

Imporão as mãos sobre os enfermos eeles ficarão curados. Essa expressão nos situade novo no centro da atividade de Jesus – poronde ele andava, curava os enfermos. Oscristãos são, antes de tudo, crentes, isto é,pessoas unidas de tal forma a Jesus, que com-

partilham do seu poder de curar. Longe depensar que isso se refere aos santos ou a unspoucos privilegiados, a cura das enfermida-des é um sinal que acompanha todo aqueleque crê. Não se trata tanto de um dom caris-mático, mas da cura dos corações marcadospelo egoísmo e pelas feridas do desamor. To-dos nós podemos escolher entre ferir oucurar. E podemos pôr em prática essa palavra

de Jesus por meio de nossas palavras e açõesno compromisso com o outro.Resumindo: num mundo perigoso (ve-

nenos e enfermidades), os cristãos deverão

ser capazes de expandir a Palavra em todalíngua, superando o poder do mal e ajudan-do os outros a viver (curas). Desse modo, oanúncio do Evangelho se converterá em

ação transformadora, sinal de que o malcede lugar ao Reino que estará se expandin-do na terra.

2. I leitura (At 1,1-11): Sereisminhas testemunhas até os confinsdo mundo

Por que ficais parados olhando para océu? O que o Cristo tinha de fazer aqui entre

nós ele já fez. A partir de agora, cabe a nósdesenvolver a nossa vida particular e coleti-va, assimilando e vivendo os ensinamentosque Jesus nos transmitiu. A fé cristã implicaresponsabilidade. Cristo nos legou a boa-no-va do Reino, agora cabe a cada um de nós,pessoalmente e em comunidade, responder aele com nosso modo de viver. Não estamosabandonados, há uma promessa: o poder doEspírito que nos capacita a testemunhar até

os confins do mundo. A chamada de atenção feita pelos “ho-

mens vestidos de branco” significa que o ver-dadeiro seguimento de Jesus não envolve fi-car parado olhando para o céu, esperandoque Cristo faça a evangelização do mundo. Aparte dele já foi feita, agora nos compete le-var ao mundo inteiro, a toda criatura, a suamensagem. Tornar o Reino de Deus algo real

no nosso mundo.O envio messiânico universal é a ata de

fundação da Igreja. Jesus envia seus discípu-los a todo o mundo conforme um programa,um esquema de universalidade que apareceem vários textos do terceiro Evangelho e dos Atos dos Apóstolos: partindo de Jerusalém,passando pela Judeia e Samaria e chegando atodo o mundo, a todo cosmo, no idioma gre-

go. Significa que a evangelização é um pro-cesso, um desenvolvimento que somentechegará ao seu término quando todos tive-rem recebido a mensagem de Jesus.

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 A missão cristã se estende desde o princí-pio a todo o mundo, a todos os povos e cultu-ras. Trata-se de um contexto universal; desa-parecem as distinções entre os povos, já não

há um povo único de Deus, mas todos os po-vos pertencem a Deus e com ele estabelecemaliança. A missão é para a humanidade, para ocosmo aberto à palavra dos missionários.

3. II leitura (Ef 1,17-23): Somoscontinuadores da missão do Cristo

 A segunda leitura afirma que a Igreja é oCorpo de Cristo. O que isso significa? Jesus

foi elevado ao âmbito do Pai e recebeu auto-ridade sobre todas as coisas. Os discípulossaíram pelo mundo proclamando o Evange-lho com a cooperação do Senhor, que confir-mava a palavra com sinais. A ascensão e aausência física de Cristo tornam possívelnovo tipo de presença na comunidade deseus discípulos: somente quando Cristo “sevai” é que a Igreja começa a sentir a força deleatuando por meio dela. A comunidade dos

discípulos, quer dizer, a Igreja é a presentifi-cação do Cristo ressuscitado. Cristo se corpo-rifica no mundo mediante seus discípulos,ou seja, o modo pelo qual se pode ver Cristoevangelizando o mundo são os evangelizado-res. A Igreja o torna visível para o mundo.

Da mesma forma que não há corpo vivosem cabeça, assim também não há Igreja sema ação de Cristo ressuscitado agindo no mun-

do por meio dela. Portanto, podemos dizerque Jesus está no céu à direita do Pai, mas, aomesmo tempo, está presente, coatuando pormeio dos fiéis.

III. Pistas para reflexão

Na “oração para depois da comunhão”, opresidente da celebração diz: “Deus eterno e

todo-poderoso, que nos concedeis conviverna terra com as realidades do céu, fazei quenossos corações se voltem para o alto, ondeestá junto de vós a nossa humanidade”. Essa

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DVD – Missa, nossa ceia como Senhor

Neste vídeo, gravado numa co-munidade da Baixada Fluminense,temos a possibilidade de ver umacelebração eucarística coerente como mandato de Jesus, com a tradiçãoda Igreja e com a sede espiritual dopovo. Focalizando os vários momen-tos da missa, imagens e comentáriosrealçam a expressão ritual, explici-tam o sentido teológico e a atitudeespiritual correspondente. O objetivodessa obra é partilhar conhecimentose experiências de práticas litúrgicasrespondendo ao anseio de formaçãolitúrgica das comunidades cristãsespalhadas pelo Brasil. Estaremossempre atentos às ações simbólicas,aos ministérios, ao espaço celebra-tivo, à dimensão orante e à ligaçãoda liturgia com a vida.

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oração expressa muito bem o sentido profun-do da Ascensão do Senhor. Nós somos intro-duzidos no seio da Trindade. Jesus, o homemverdadeiro, está junto do Pai. Com ele nossa

humanidade já está lá. A Ascensão do Senhoré a celebração da plenificação de nossa hu-manidade junto de Deus. Já convivemos aquina terra com esse grande mistério.

Que a comunidade não desvirtue a cele-bração desse grande mistério com uma devo-ção mariana. Atribuir o mês de maio a Marianão deve implicar a sobreposição de uma de-voção à grandeza do mistério que celebramoshoje. Portanto, os cânticos não devem sermarianos, muito menos a homilia. O focodessa celebração é Cristo, que leva nossa hu-manidade para o seio da Trindade. Mesmoem uma paróquia consagrada a Maria e mes-mo que se esteja em pleno festejo, a ênfasedeve ser dada à ascensão de Cristo e à nossaascensão com ele para junto do Pai.

Pentecostes24 de maio

“Envia teu Espírito,Senhor, e renovaa face da terra”

I. Introdução geralO Espírito Santo é fonte e força do amor

mútuo. É também sinal de que estamos vi-vendo um novo tempo. Jesus culminou o ca-minho dele aqui na terra e foi glorificado porDeus Pai, mas não nos deixou sozinhos: deu--nos o mesmo Espírito que o ungiu e o ani-mou na missão.

 A missão do Espírito que nos foi dadonos leva à verdade completa, faz-nos entrarem comunhão com os seres humanos e comDeus. O Espírito é presença de Deus nos ca-

minhos da história por meio da Igreja, que émovida por ele. Ao unir os seres humanosno amor, o Espírito nos dá a certeza do queserá no final dos tempos, a comunhão plena

no Reino de Deus. Por causa desse amor quenos põe em comunhão, há partilha dosbens, há oração sincera, há evangelização.Em função da comunhão, o Espírito nos fazfalar e compreender todas as línguas, por-que a língua universal é o amor e sem elesomos apenas “sinos que retinem” (1Cor13,1). Por isso, crer no Espírito significacrer no futuro da vida, na renovação radicalde toda a terra, no caminho do amor quesupera as dificuldades deste mundo e nosdirige ao amor em plenitude.

II. Comentário dos textosbíblicos

1. Evangelho (Jo 20,19-23): Recebeio Espírito Santo

O texto do evangelho de hoje enfatiza des-de o início o aspecto da comunhão: era o pri-meiro dia da semana, o dia do Senhor, e osdiscípulos estavam reunidos. As portas fecha-das simbolizam o medo da hostilidade exis-tente lá fora. São os inícios de uma Igreja quevive a fragilidade e as dúvidas, que necessitada presença do Senhor. Mas Cristo ressuscita-do está com eles, sua presença se faz visível e

ele coloca-se no centro, no meio deles.“A paz esteja convosco!” é o início do di-

álogo por iniciativa do Ressuscitado. Os dis-cípulos têm medo, e isso os deixa desconfia-dos. Mas Jesus os conforta com sua palavra epresença sensível, é o verdadeiro mestre queeles haviam seguido, possui as chagas quesão os sinais gloriosos de sua vida terrena.Quem faz a experiência com o Ressuscitado

sabe que ele não é uma fantasia.Os discípulos estão reunidos como Igre- ja, e o Cristo lhes oferece o perdão e lhes en-via em missão. Antes de tudo, a Igreja é a

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comunidade que recebe o perdão de Cristo eo distribui ao mundo. Evangelho e perdãonão estão separados, pois a “boa notícia” quea Igreja dá ao mundo é que, em Jesus Cristo,

o ser humano está perdoado por Deus, pois oFilho de Deus triunfou sobre a causa do pe-cado, a saber, o egoísmo.

 A um mundo atormentado por injusti-ças, guerras e violências, Cristo oferece a pazfundadora e criadora que combate a raiz dopecado. A uma comunidade fechada por cau-sa do medo, o Cristo estende a graça da vidadele, tornada princípio da missão universal. Jesus é a paz para aqueles que o recebem epara todos.

 A Páscoa torna-se Pentecostes, pois oRessuscitado sopra sobre seus discípulos di-zendo: “Recebei o Espírito Santo” (v. 22).Um gesto que alude a uma nova criação,uma vez que, no princípio, Deus havia so-prado sobre o ser humano, tornando-o servivente (cf. Gn 2,7). Agora o gesto de Jesusnos indica que o Cristo pascal leva ao ápice

a criação que fora começada.O Evangelho de João une Páscoa e Pente-

costes em um mesmo mistério: a manifesta-ção pascal de Cristo se torna efusão do Espí-rito do Ressuscitado sobre a totalidade daIgreja. A Páscoa significa que a morte de Je-sus pela humanidade abre um caminho deamor e de transformação do mundo. E Pente-costes é o dom da Páscoa, é ter o mesmo Es-

pírito de Jesus, é viver à luz do mesmo soprovital que o animava.

2. I leitura (At 2,1-11): Todosficaram cheios do Espírito Santo

Os discípulos, em grande número, esta-vam reunidos, perseveravam em oração en-quanto aguardavam a vinda de Cristo, a qualassociavam com o fim dos tempos. Ali onde

esperavam o julgamento divino sobre o mun-do, tiveram a grata surpresa de participar deuma ação que era exatamente o contrário doque pensavam. De fato, os profetas haviam

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Sujeitos no mundo e na IgrejaReflexões sobre o laicato a partir doConcílio Vaticano II

A Nova Evangelização passa pelaação missionária, que preparaverdadeiros discípulos de JesusCristo no mundo e para o mundo.Nesse sentido, cresce na Igreja do

Brasil o interesse de Dioceses pelacriação dos Conselhos Diocesanosde Leigos, visando aprofundar suaidentidade e atuação. É precisojuntar forças, unir-se na mesma açãoevangelizadora, partilhando sonhose desejos, convocando todos osbatizados para uma reflexão sobre amissão da Igreja não apenas “para”os leigos, mas “com” os leigos.

 Juntos sonhamos com uma parceriafecunda, madura e oportuna parauma verdadeira evangelização emnosso território nacional.

 João Décio Passos 

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previsto um derramamento do Espírito nofinal dos tempos, e unido a isso aconteceria o julgamento das nações e grandes catástrofesda natureza (como está escrito em Joel 2,28-

32, citado em At 2,17-21).Reunidos em oração, estavam dispostosa enfrentar o julgamento de Deus sobre asnações e morrer num grande acontecimentocósmico que revelaria a glória de Cristo.Mas o que aconteceu com a efusão do Espí-rito foi a comunhão entre todos os povos eculturas, a comunicação eficaz entre as lín-guas diferentes. Num primeiro momento,podemos pensar que a experiência de co-munhão dá-se em plano limitado, no inte-rior da comunidade; no entanto a comu-nhão realizada em Pentecostes transbordaas limitações religiosas e nacionais e se ex-pande ao longo de toda a terra.

Muitas leituras atuais desse texto bíblicoenfatizam a experiência com o dom de lín-guas. Até mesmo se denominam de pente-costais grupos e igrejas que fazem algum tipo

de experiência atribuída ao Espírito Santo.Mas se lermos atentamente esse texto, vere-mos que se trata de um dom para a evangeli-zação, para a missão, para a expansão da co-munidade, e não para o crescimento pessoalcom conotações de verticalidade na experi-ência espiritual. Nesse texto não se afirmaque os membros da comunidade oraram emlínguas (como é mencionado por Paulo com

relação a uma prática da comunidade deCorinto). O texto diz que as pessoas fala-vam idiomas diferentes e todos se compre-endiam; o oposto da narrativa sobre a torrede Babel. O enfoque no dom de línguas vemdo termo “línguas estranhas”, que significao mesmo que “línguas estrangeiras”. Alémda possibilidade de evangelização do mun-do inteiro, porque o Espírito Santo capacita

a Igreja para proclamar o Evangelho em to-das as culturas e idiomas, vemos nesse textoa comunhão entre todos os seres humanos,a unidade na diversidade.

O Espírito supera as velhas divisões en-tre os seres humanos. Ultrapassa as estrutu-ras arcaicas da sociedade fundada em prin-cípios de imposição dos mais favorecidos

sobre os mais frágeis. A partir de Pentecos-tes, os seres humanos podem vincular-sepor meio da graça de Deus, com base nodom do Espírito. A comunhão de todos ospovos, que a partir de agora se realiza, é si-nal e presença dos tempos escatológicos,meta da história humana que caminha paraCristo. A história humana, repleta de com-petições e de opressão de uns sobre os ou-tros, realiza uma trajetória, marcada peloEspírito do Cristo ressuscitado, para a co-munhão plena de toda a humanidade numReino de fraternidade e de paz.

3. II leitura (1Cor 12,3b-7.12-13): Batizados num só Espírito eformando um só corpo

O Espírito de Cristo une os seres huma-

nos, a partir de Deus, em perdão e comu-nhão, por aquilo que são e não pelo que têmou fazem. Até então não tinha havido ne-nhuma comunhão real, mas concorrência ecompetição, busca de influência, enfim, di-visão generalizada. Agora, e somente agora,a partir da unidade de Cristo que nos tornairmãos, filhos do mesmo Pai, começa a his-tória da graça que une a todos no amor e na

liberdade. Há distribuição de carismas, masé o mesmo Espírito; diversidade de ministé-rios, mas é o mesmo Senhor; divisão de ta-refas, mas é Deus que opera tudo em todos.O Espírito é um só e une todos os seres hu-manos numa comunidade que não se baseiana pura experiência interior, em ideias ouprincípios gerais, mas na comunhão e naconfiança mútua.

O Espírito congrega pessoas muito dife-rentes umas das outras que, em vez de fazerconcorrência entre si, se servem mutuamentee são felizes em realizar isso no amor. Trata-se

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de uma comunhão realizada pelo próprioDeus, e não por meio de um cooperativismoà maneira de um sindicato ou clube que unepessoas pelas tradições, costumes sociais ou

culturais. Como o corpo é um só e tem mui-tos membros, assim é Cristo. Porque todosnós fomos batizados num só Espírito, for-mando um só corpo.

 A comunhão realizada pelo Espírito San-to não se apoia em tradições sagradas nemem laços que vinculam as pessoas por aspec-tos culturais, econômicos ou políticos. Oscristãos não formam uma nação, um estado. A comunidade cristã tampouco é uma asso-ciação cultural, um clube espiritual, umaONG com fins delimitados. A comunidadecristã quer suscitar uma comunhão não go-vernamental ou política, mas de vida entretodos os seres humanos, fundada no Cristo.

Os cristãos querem formar uma comuni-dade de amor universal, em gratuidade, apartir dos mais pobres e excluídos, abrindo--se a todos os povos da terra, sem empregar

meios de poder político-militar ou qualquertipo de imposição.

III. Pistas para reflexão

Há um tipo de vida que é morte, feita delutas e concorrências, de inveja e egoísmo.Mas há um tipo mais elevado de vida feito dedoação, gratuidade, acolhida, comunhão...

Essa é a vida que se desvela na trajetória daIgreja, a vida do Espírito. A Igreja, comuni-dade fundada na comunhão realizada peloEspírito, não propaga a exclusão, ao contrá-rio, distribui o perdão que vem de Deus. Nãonega o perdão a ninguém.

 A Igreja somente pode ser consideradacomunidade de Jesus se é sinal e fonte deperdão e, portanto, de inclusão. A própria

Igreja expressa o perdão, encarna-o e o anun-cia ao mundo. Portanto, onde o perdão é ofe-recido há perdão, e onde a Igreja mostra quenão há perdão isso ocorre porque as pessoas

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 A força dos pequenosTeologia do Espírito Santo

Deus está conosco! Eis a afirmaçãofundamental de nossa fé cristã.Deus vem a nós em Jesus. Aencarnação do filho de Deus nosliga definitivamente a ele; sua

humanização nos introduz numdinamismo de divinização e, desdeentão, a história está eternamenteligada ao Verbo de Deus. A obraapresenta a experiência de estudopopular de Teologia na RegiãoBrasilândia, da arquidiocese de SãoPaulo. As reflexões expressam osdramas da vida do povo que buscaconsolo na Igreja.

 Antonio Manzatto/João Décio Passos 

 José Flávio Monnerat 

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ainda se afrontam e se confrontam. Somenteonde a luta por justiça ainda não chegou aoseu término e quando a justiça ainda não te-nha sido instaurada é que a Igreja retém o

perdão, para que se possa realmente continu-ar lutando até edificar um mundo justo depaz e fraternidade universais.

Santíssima Trindade

31 de maio

Na vida de Jesus

nos foi reveladoque Deus é Pai,Filho e EspíritoSanto

I. Introdução geralFoi Pentecostes que levou os discípulos

a reler a vida de Jesus e perceber naquelehomem de Nazaré um excesso de significa-do, pois notaram que havia algo mais na-quela existência humana, uma origem divi-na. A fé no Deus trinitário surgiu da relei-tura da vida de Jesus na sua relação com oPai e com os seres humanos. A Encarnação,

a Unção para o ministério público e a Res-surreição constituem os momentos princi-pais da atividade do Espírito Santo na vidade Jesus. Isso significa que o vínculo que Jesus demonstra ter com o Pai e com os se-res humanos é realizado pela ação do Espí-rito Santo. Jesus veio para fazer a vontadedo Pai e a discernia em oração sob a açãodo Espírito, que o conduziu em todos os

momentos. O Evangelho, a boa-nova paraa humanidade acerca de um Reino de fra-ternidade e paz, é proclamado e instauradopor Jesus no poder do Espírito Santo.

O Deus dos cristãos se revela como dom,entrega pessoal e comunhão plena, na qualfomos convidados a entrar desde agora combase no amor efetivo a Deus e ao próximo,

para que no fim dos tempos cheguemos àplenitude deste dar e receber amor. Na vidade Jesus nos foi revelado que Deus é Pai, poistem um Filho com o qual forma uma comu-nhão única. Tal revelação nos foi dada peloinfluxo do Espírito Santo sobre nossa consci-ência. O conhecimento dessa comunhão é afonte de toda a vida cristã, tanto no que serefere à oração quanto à vida comunitária e à

atividade missionária.

II. Comentário dos textosbíblicos

1. Evangelho (Mt 28,16-20): Batizaiem nome do Pai, do Filho e doEspírito Santo

O Deus que se revela no Novo Testa-mento não é diferente daquele que cami-nhou com o povo de Israel. Trata-se do mes-mo Deus justo e misericordioso desde todaa eternidade. Contudo, a revelação desseDeus que é comunidade de amor pertenceapenas ao Novo Testamento, pois, com avinda de Cristo, Deus se revelou ao ser hu-mano no mistério de sua vida íntima e en-

trou doravante em relação com a humanida-de não apenas como Deus único, Senhor ecriador, mas também como comunidade deamor. Deus é Pai que nos ama como filhosem seu Filho único e na comunhão do Espí-rito Santo.

 Além disso, o privilégio da filiação não estáreservado a um só povo, mas estendeu-se atodo aquele que aceitar a mensagem de Jesus.Com efeito, antes da ascensão, Cristo haviadado aos discípulos o mandamento de evange-lizar todas as nações e batizá-las “em nome doPai, do Filho e do Espírito Santo” (v. 19).

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Cada ser humano entra em relação comessa Comunidade Divina de amor mediante obatismo, mergulho na vida, morte e ressur-reição de Cristo. Por esse mergulho renasce a

vida nova e cada um torna-se incorporado aCristo. Sendo membro de Cristo, torna-se fi-lho no Filho, participante da família divina. Étemplo do Espírito Santo, que infunde nocristão o espírito de adoção. Perante Deus, ocristão é um filho introduzido na intimidadeda vida trinitária, a fim de que viva na histó-ria o reflexo daquela comunhão existente en-tre o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Eis a missão dos discípulos de Jesus: efe-tivar neste mundo o Reino de fraternidadeuniversal, fazendo acontecer a grande famíliahumana, a exemplo da família divina, daqual somos imagem e semelhança.

2. I leitura (Dt 4,32-34.39-40): Oprimogênito dentre as nações

 A fé no Deus trinitário não pertence ao Antigo Testamento, o qual se limita a procla-

mar a unicidade do Deus “vivo e verdadeiro”em oposição aos ídolos de morte. A primeiraleitura tirada do livro do Deuteronômio nosoferece grande ensinamento sobre o Deusúnico. O Deus da aliança está “lá em cima nocéu e aqui embaixo na terra; e não há outro”(v. 39). Essa verdade tinha de ser constante-mente lembrada a Israel por causa de seusvizinhos, povos politeístas, adoradores de

muitos ídolos. Repetir constantemente essaverdade ajudava Israel a não cair na tentaçãoda idolatria. Portanto, uma geração deveriacontar à geração seguinte os feitos do Senhor,porque dessas narrativas o povo tirava a forçapara perseverar na fé.

O povo de Israel conservava na memória,principalmente litúrgica, os feitos do Senhor:seus atos de poder e de glória, mas também a

constante presença divina, atraindo o ser hu-mano para si e o defendendo de todo mal.Um Deus soberano no céu e libertador naterra. Um Deus que desceu para redimir os

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O católico de amanhãPara entender Deus e Jesus em umnovo amanhã

Em linguagem clara e prática,Michael Morwood tenta transpor alacuna entre a doutrina da Igreja e amensagem evangélica essencial queé nosso legado cristão. O católico

de amanhã apresenta um fascinanteesboço da cosmologia contemporâ-nea que liga a mensagem de Jesus ea espiritualidade de Pentecostes aomundo em que vivemos. As questõessugeridas para discussão, a extensabibliografia e o índice abrangentefazem deste livro um valioso recursopara o desenvolvimento da fé dosadultos. Uma obra inspiradora e ofe-recedora de esperança aos leitores

graças a sua apresentação positivade uma visão religiosa do mundo ede sua espiritualidade relevante paraum novo milênio.

Michael Morwood 

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escravos no Egito. Um Deus tão próximo,que fez um pacto, uma aliança de amor e fi-delidade com os descendentes de Abraão,ínfimos a tal ponto que nem sequer eram co-

nhecidos como um povo, por serem conside-rados apenas escravos fugitivos.

Era um Deus totalmente diferente dosídolos das demais nações, pois amava os he-breus, que aos olhos do mundo eram pessoasinsignificantes, seminômades que atravessa-vam o deserto indo de um oásis a outro. En-tretanto, Deus conduziu Israel como um paiconduz um filho, tirando-o dentre as naçõese o constituindo um povo para si.

3. II leitura (Rm 8,14-17): PeloEspírito clamamos Abbá, Pai

O texto que lemos ressalta de maneiraparticular a ação do Espírito Santo na filiaçãodivina do ser humano: “O próprio Espírito seune ao nosso espírito para testemunhar quesomos filhos de Deus” (v. 16).

O Espírito Santo nos foi enviado para nos

transformar interiormente e nos conformar àimagem do Filho. Trata-se de uma regenera-ção íntima, verdadeiro renascimento espiri-tual. O Espírito Santo é autor e testemunhaque, infundindo no ser humano a íntimaconvicção de que é filho de Deus, o encorajaa amá-lo e invocá-lo como Pai.

Mas para que o poder do Espírito Santopossa cumprir essa obra de filiação, o ser hu-

mano necessita deixar-se guiar por ele à luzde Jesus Cristo, que em todo o seu agir foimovido pelo Espírito Santo. Dessa forma,“todos os que se deixam guiar pelo Espíritode Deus são filhos de Deus” (v. 14).

Não há nenhum louvor mais agradável àComunidade Divina que nossa abertura àação do Espírito. Essa ação nos faz partici-pantes da mesma obediência de Jesus à von-tade do Pai. E nos faz servos de nosso próxi-mo como Jesus o foi. É assim que demonstra-mos nossa fé trinitária, na vivência cotidianaconduzida pelo Espírito, configurando nosso

agir ao agir de Cristo no serviço aos irmãos eem obediência à vontade do Pai.

III. Pistas para reflexão

É muito salutar que o presidente da cele-bração não se aventure a explicar de modoabstrato o dogma da Trindade, correndo orisco de dizer heresias e/ou transformar anossa fé num criptopaganismo e confundir acabeça do povo.

Basta que as leituras bíblicas sejam expli-cadas. No evangelho, vemos Jesus sempre

conduzido pelo Espírito Santo e em obediên-cia ao Pai. É assim que vemos e compreende-mos a Trindade, à luz da vida de Jesus.

 A fé na Trindade é mais que um conjuntode palavras complicadas e abstratas, é ummodo de viver no mundo. A fé, conforme acarta de Tiago (2,18), é algo que se mostra ese vê. Nossa fé na Trindade não é tanto umconjunto de definições teológicas, mas um

modo de viver configurado ao viver de Cris-to, ungido pelo Espírito e em obediência àvontade do Pai.

Corpus Christi

4 de junho

Corpo e Sangue 

da nova aliançaI. Introdução geral

Deus fez aliança com Israel ao libertá-lodo Egito. Esse pacto foi instituído por meiode um rito. Primeiramente, o sangue do cor-deiro pascal foi derramado em substituição àvida dos primogênitos dos hebreus. Depois orito continuou na celebração de uma refei-ção, a ceia pascal, memorial da libertação,celebrada a cada ano pelos filhos de Israel

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para atualizar aquele evento fundador e para-digmático da religião bíblico-judaica.

No Novo Testamento, Jesus faz sua últimarefeição juntamente com os discípulos dele. Tal

refeição não é apenas o coroamento da ativida-de missionária de Jesus, mas o coroamento detodas as refeições que ele havia feito com os pe-cadores ao longo de sua vida terrestre. Confor-me os evangelhos sinóticos, nos momentos fi-nais da vida de Jesus, os comensais celebramuma ceia pascal. E nessa ceia Jesus substitui ocordeiro pascal e também se identifica com opão ázimo e com o vinho abençoado. Jesustransforma radicalmente o significado dos ele-mentos da ceia pascal, pois é nele que se dá alibertação definitiva e plena do ser humano.Portanto, é instaurada uma nova aliança firma-da na libertação integral da humanidade. Naceia eucarística, atualiza-se a libertação escato-lógica realizada por Jesus ao longo de sua vidaque culminou na morte de cruz, celebrada an-tecipadamente nos gestos da última ceia.

II. Comentário dos textosbíblicos

1. Evangelho (Mc 14,12-16.22-26):Tomai e comei, isto é meu Corpo

No Oriente antigo, o sangue simbolizava atotalidade da vida de um ser, animal ou huma-no. Por isso, quando o sangue de um animal

era ofertado a Deus, na verdade o que se ofer-tava era a vida da pessoa que fazia a oferenda.

O termo sacrifício significa “tornar sagra-do”; portanto, quando o sacerdote colocava osangue do animal sobre o altar, a vida da pes-soa ofertante é que se tornava sagrada, ouseja, consagrada a Deus. A ideia de sacrifícionão tinha a atual conotação de “realização dealgo difícil ou penoso”, mas de santificação

ou sacralização da vida. Antes de derramar o sangue na cruz, Jesusfez de sua vida uma oferta a Deus e à humani-dade. Por isso ele antecipa, no gesto profético

da última ceia, o que se dará no momento cul-minante do dom de si mesmo, a morte na cruz.É por causa de uma vida inteira ofertada, a Deuse ao outro, que a morte de Jesus, cume dessa

oferta, pode ser chamada de sacrifício. A vidainteira de Jesus é sacrifício, é uma vida consa-grada, santificada. Jesus oferta a própria vidacomo nosso representante.

Sua obediência e fé integral nos substitui, já que não conseguimos ser obedientes e fiéisda mesma forma. Sua vida humana sem peca-do nos liberta do pecado, sua ressurreição nosliberta da morte. Em tudo isso Jesus nos repre-

senta e nos substitui. Cessam daqui por dianteos antigos sacrifícios de animais. O sangue, avida ofertada da nova aliança é o que vigoradoravante.

Também era comum na cultura antiga aconcepção de que beber o sangue significavaassumir a vida presente nele. Os povos vizi-nhos a Israel, na Antiguidade, costumavambeber sangue de animais porque acreditavam

com isso assimilar as características do animal,como força, coragem, valentia. Por isso, o An-tigo Testamento proíbe beber o sangue de ani-mais. As palavras do Senhor: “Isto é meu cor-po... isto é meu sangue”, “tomai e comei... to-mai e bebei”, deveriam nos recordar de quenos compete assimilar em nossa vida as carac-terísticas da vida de Jesus.

Dessa forma, no Corpo e Sangue de Cristovive e cresce a Igreja, com os fiéis continua-mente se alimentando de amor, de fidelidade,de doação ao outro, de perdão e de todos osaspectos da vida de Jesus.

O Corpo e Sangue de Cristo são centro esustentáculo da vida cristã. Por isso, quem de-les se alimenta há que aceitar participar da do-ação de vida realizada por Cristo, em adesão àvontade do Pai e em doação ao próximo. As-sim, por meio da eucaristia, os fiéis vivem omistério da vida, morte e ressurreição de Cris-to, celebrando agora a comunhão sem fim naglória eterna.

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2. I leitura (Ex 24,3-8): Este é osangue da aliança que o Senhor fezconvosco

 A primeira leitura descreve com detalheso rito da aliança entre Deus e Israel. Moisésreuniu o povo, construiu um altar, mandouoferecer novilhos em holocausto e derramoumetade do sangue deles sobre o altar e com aoutra metade aspergiu o povo.

O termo hebraico para aliança, “berith”,significa também pacto e casamento (pactode amor). Um pacto ou contrato, mesmo ocasamento, implica a observância de certas

exigências. Nesse texto que acabamos de ler,a exigência é o cumprimento das palavrasproclamadas na presença do povo, a saber,aquelas concernentes ao decálogo. De suaparte, Deus se comprometeu a cumprir suaspromessas, cuidando de Israel como um paicuida do filho, suprindo-lhe as necessidadesbásicas e defendendo-o de todos os perigos.

O pacto bilateral da aliança no Antigo

Testamento era estipulado mediante o san-gue dos animais ali oferecidos em holocaus-to. O laço espiritual que unia o povo de Isra-el ao Deus da aliança era indicado pelo san-gue aspergido sobre o povo.

3. II leitura (Hb 9,11-15): Cristoofereceu a si mesmo como ofertasem mácula

 A antiga aliança prefigurava a nova, rati-ficada em Cristo não “por meio do sangue decabritos e de touros, mas no seu próprio san-gue” (v. 12). Os sacrifícios realizados na anti-ga aliança, apesar da profundidade de seusimbolismo, eram inadequados para purifi-car a consciência e trazer a salvação.

Na nova aliança há um só sacrifício,“oferecido uma vez por todas” (v. 12) por ter

valor intrínseco, infinito. Nele não há ani-mais sendo sacrificados nem sacerdotes fa-zendo rituais. Oferta e ofertante se identifi-cam no Filho de Deus humanado, o sumo

sacerdote, “o qual se ofereceu sem mancha aDeus”. Essa oferta eficaz tem o poder de pu-rificar a consciência do ser humano “a fimde servirmos ao Deus vivo” (v. 14). Já não se

trata de purificação exterior, e sim interior,que transforma o íntimo da pessoa, lavan-do-a dos pecados para que viva em confor-midade com a graça.

III. Pistas para reflexão

Durante muitos séculos, foi esquecido daeucaristia o aspecto de comensalidade e refei-ção e superenfatizado o aspecto sacrifical doderramamento de sangue na cruz para o per-dão dos pecados. Jesus foi transformado emanimal de sacrifício. A celebração do Corpo eSangue de Cristo deve chamar a atenção parao Pão e o Vinho, para a dimensão da refeiçãofamiliar onde todos estamos participando damesma mesa.

Na reflexão deste dia, sejamos cuidado-sos com as palavras, para que as pessoas da

assembleia não tirem conclusões equivoca-das. Jesus não é animal de sacrifício; a ex-pressão bíblica que diz que ele é o “cordeirode Deus” somente pode ser entendida à luzdo significado do cordeiro pascal. É erradosupor que Deus Pai, em vez da morte de umcordeiro na Páscoa, preferiu a morte do pró-prio Filho. A carta aos Hebreus afirma que osangue de animais não tira o pecado. Deus

nunca precisou disso. Mas o sangue do cor-deiro pascal substituía a vida do ofertante.Na realidade, o que se dava a Deus não erao sangue, mas a vida da pessoa (da família)que realizava o rito, e entregar a vida a Deusé ter a vida renovada, liberta, sem pecado. Osacrifício do cordeiro era um símbolo den-tro de um rito.

Não há necessidade de que o Filho de

Deus tenha o próprio sangue derramadocomo condição para que Deus nos perdoe ospecados, Deus Pai não é sanguinário. Jesus éaquele que se dedica à humanidade e ao bem

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comum e dá início ao Reino de Deus a partirda vida dele. A vida inteira de Jesus foi dedoação ao próximo, sem excluir ninguém. Avida terrestre de Jesus de Nazaré foi uma

oferta total ao Pai e à humanidade. O sanguede Cristo é a vida de Cristo, o corpo de Cristoé a vida de Cristo. Nessas espécies está figu-rada a vida inteira de Cristo, incluindo suamorte e ressurreição. Tal vida foi uma oferta,e por isso Cristo é a humanidade ofertada aDeus, libertada integralmente do egoísmo,do pecado e da morte. Por isso Cristo nosrepresenta, sua vida substitui a nossa. É isso

que celebramos na ceia eucarística.Nesse sentido, comungar da eucaristia éassumir a vida de Cristo na própria vida, éacolher a todos, não ter preconceitos, desa-mor, rancor, não praticar qualquer exclusão.

10º domingo do Tempo Comum

7 de junho

No Senhor estáa misericórdia ecopiosa redenção

I. Introdução geral

 As leituras de hoje falam sobre pecado,condição que atinge todo ser humano, con-forme afirma o apóstolo Paulo, quando dizque em Adão “todos pecaram” (Rm 5,12). Adão e Eva representam todos os seres hu-manos pecadores diante de Deus. Mas a ênfa-se das leituras não é o tema do pecado, e simda misericórdia divina que perdoa o pecador. Afirma o Concílio Vaticano II que o próprioDeus “veio libertar o homem e dar-lhe força,renovando-o no íntimo e expulsando ‘o prín-cipe deste mundo’ (Jo 21,31), que o manti-nha na escravidão do pecado” (GS 13).

   I  m  a  g  e  n  s  m  e  r  a  m  e  n   t  e   i

   l  u  s   t  r  a   t   i  v  a  s .

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IgrejaComunhão viva

Paul Lakeland, diretor doCentro de Estudos Católicosda Universidade de Fairfield,debruça-se sobre as “marcasclássicas da Igreja”, com sua

atenção voltando-se especialmentepara o que podemos aprendersobre a natureza da Igreja comocomunhão viva, a partir doexame dos valores e práticas daspessoas de fé comum. Lakelandadota um enfoque decididamenteindutivo à reflexão eclesial. Eleanalisa questões que a Igreja deveabordar, tanto as que afetam aatuação interna da comunidade de

fé quanto as que dizem respeito àssuas relações com outros grupos,religiosos ou seculares.

Paul Lakeland 

   2   8   0   p

   á  g  s .

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 Jesus verdadeiramente homem, Filho deDeus, realizou a vocação humana, destruiudefinitivamente o mal e nos associou à suavitória sobre o pecado e a morte. Essa inter-

venção de Jesus na história é algo tão concre-to, que ignorá-la constitui pecado contra oEspírito Santo. Esse tipo de pecado não éalgo que se pratique aqui e ali, é opção devida somente conhecida por Deus, que sondaos corações. Trata-se de decisão consciente elivre de recusa ao perdão divino.

 Afirma o Catecismo da Igreja Católicaque a “misericórdia de Deus não tem limites,

mas quem se recusa deliberadamente a aco-lher a misericórdia de Deus rejeita o perdãode seus pecados” e a ação santificadora doEspírito Santo (cf. n. 1.864). O perdão denossos pecados é uma graça, mas essa graçasomente nos alcança se quisermos: a salvaçãoé obra de Deus em nós, mas não sem nós.

Por outro lado, quem se torna discípulo emissionário de Cristo se associa intimamente

à família de Deus, da qual nunca se aparta,pois fazer a vontade de Deus é a perfeita co-munhão com o mistério de Cristo. Somos fa-mília de Jesus.

II. Comentário dos textosbíblicos

1. Evangelho (Mc 3,20-35): Tudo

vos será perdoadoCristo, com sua fidelidade ao Pai até a

morte de cruz, realizou aquilo que foi o opos-to da desobediência humana simbolizada pelopecado de Adão e Eva. A intervenção de Cristona história instaura a partir de então o Reinodefinitivo. Os exorcismos de Jesus são a provade que o Reino de Deus chegou e de que o malé obrigado a ceder espaço à verdadeira sobera-nia deste mundo, o senhorio de Cristo.

Nos esportes de luta corporal, ficamoscientes de que o lutador mais forte, seja pela

força física, seja pelas estratégias mais elabo-radas, é quem vence o mais fraco. A luta de Jesus contra o mal é explicada com metáforasesportivas ou bélicas. Jesus é o mais forte, ele

veio em socorro da nossa fraqueza no embatecotidiano contra todas as manifestações domal. Cabe a nós aderir a esse nosso campeãoe saborear essa vitória que também é nossa,pois Jesus nos representa.

É nesse tipo de simbolismo que podemosentender o pecado sem perdão, o qual nadamais é que atribuir ao mal aquilo que é ação re-dentora do Espírito Santo em Jesus. É sem per-dão porque Deus respeita nosso livre-arbítrio e,portanto, não pode nos perdoar quando o nossoorgulho atribui ao mal a ação libertadora de Je-sus. É sem perdão não por causa de Deus, que atodos perdoa, mas por causa de quem se excluivoluntariamente do perdão e da salvação.

Somente o Pai que conhece as profundezasdos corações sabe quem assim procede, nãonos cabe julgar ninguém. Portanto, devemosfocalizar nossa atenção na palavra de Jesus, se-

gundo o qual o Pai está disposto a perdoar todopecado. Lembremos que Jesus pediu perdão aoPai por aqueles que o torturaram e o mataram.Se os algozes de Jesus se abriram ao perdão,foram perdoados, porque Deus tudo perdoa.

De outra parte, não esqueçamos que to-dos os que abraçam a vontade do Pai e acumprem perfeitamente, seguindo o exem-plo do Filho, estão unidos a Jesus com fortes

vínculos, comparados aos mais estreitos la-ços afetivos familiares. Dessa união com Cris-to, na única vontade do Pai, é que os cristãostiram a força para vencer o mal.

2. I leitura (Gn 3,9-15): E,chamando-os, disse o Senhor:“Onde estás?”

Culpada por transgredir o mandamento di-

vino, a humanidade é reencontrada por Deus,que toma a iniciativa de retomar os vínculos deamizade rompidos. O homem lança a culpa nacompanheira, e esta, na serpente. Mas Deus os

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conduz pedagogicamente a assumir a responsa-bilidade pelos próprios atos e as consequênciasde suas atitudes. A justiça de Deus é pedagógi-ca; ele se compadece do ser humano, não o dei-

xa à mercê do próprio egoísmo e promete-lhe avitória sobre o mal, simbolizada no esmaga-mento da cabeça da serpente.

Uma luta deve ser travada entre o ser hu-mano e o mal; dessa luta ele sairá machucadono calcanhar, mas será totalmente vitorioso enão terá ferimento mortal, suas feridas serãosinais de que lutou intensamente. Eis a subli-me vocação humana.

3. II leitura (2Cor 4,13-5,1): OSenhor nos dará o perdão e asustentação

Quaisquer que sejam as obrigações e osproblemas, próprios das limitações da criaturae da história, os cristãos têm motivo suficientepara não sucumbir ou desanimar. Os cristãospossuem a fé, antídoto eficaz contra o desâni-

mo em tempos de angústias e tribulações. A fé permite discernir tudo corretamente.Ela nos dá como foco aquilo que é invisívelaos que não têm fé. Ver além das aparências éacreditar no perdão para todos, acreditar nabondade de quem age de modo que nos pare-ce errado, acreditar na fé de quem parece afas-tado da Igreja. Ver com o olhar de fé é ver ooutro como Deus o vê; por isso, onde existe fénão há preconceito nem exclusão. Quem nãotem fé se apega às aparências, ao que é transi-tório, temporário, superficial. Ao contrário doque comumente se pensa, as coisas invisíveissão muito mais reais e verdadeiras do que ascoisas que nos parecem mais concretas.

 A expectativa da felicidade após a morteé assegurada pela fé na misericórdia de Deus,que a todos perdoa. A Bíblia usa um símbolomuito forte para expressar isso. A nossa vidaterrestre é comparada a uma tenda, que podeser desarmada a qualquer momento, e a vidapós-morte é como uma “moradia”, um lugar

de descanso, a casa do Pai. Quem deu mora-da a Deus na tenda terrestre terá lugar asse-gurado na cidade celeste.

III. Pistas para reflexãoO evangelho de hoje traz questões apa-

rentemente difíceis, como o pecado contra oEspírito Santo e “os irmãos de Jesus”. São di-fíceis quando se tira o foco da intenção doevangelista e se passa a concentrar a atençãono que é secundário.

Primeiramente, o principal é a misericór-dia de Deus, que nos perdoa sempre. Se al-guém não quer ser perdoado, isso é problemade Deus, não cabe a nós resolver, isso é dacompetência do Pai. A menção ao pecadocontra o Espírito tem por objetivo apenas ga-rantir o livre-arbítrio do ser humano e umachamada de atenção para que não confunda-mos a ação de Deus com a ação do mal, total-mente distintas uma da outra.

Na nossa época não é diferente, muitas

pessoas confundem o bem com o mal. Atual-mente muitos consideram bom algo que émau, como a pena de morte, a eutanásia, aintolerância, o enriquecimento ilícito pormeio da desonestidade, da corrupção ou dainjustiça etc., ou consideram más coisas quesão boas, como a fraternidade, a justiça social,a tolerância. Quem assim procede, orientandotoda a vida nesse sentido, está apostando na

vitória do mal sobre o bem no mundo atual edificilmente pode ter fé num mundo futuro,definitivo, sem a presença do mal.

Também tira o foco do que é essencialuma homilia que se dedique a explicar a ex-pressão “irmãos de Jesus”. Sobre essa expres-são, o presidente da celebração deve remeteros fiéis para que leiam na própria Bíblia asnotas de rodapé que a explicam. Isso educaos católicos a usar a Bíblia ou a fazer um es-tudo bíblico introdutório. A homilia nãodeve perder tempo com isso, porque vai tiraro foco do que é essencial.

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O evangelista está tentando mostrar que osparentes de Jesus, da mesma forma que os escri-bas, não entendiam a missão dele. Enquanto osescribas orgulhosos e invejosos atribuíam as

ações de Jesus ao poder do mal, os parentes de Jesus pensavam que ele estava em perigo e tenta-vam protegê-lo, faziam o que é próprio da famí-lia. Amar as pessoas é preocupar-se com elas. Je-sus sabe disso e, sem desfazer-se dos familiares,amplia a noção de família para além dos laçossanguíneos, remetendo aos vínculos de amor.

Não esqueçamos que a narrativa mencio-na que Jesus e seus discípulos chegaram à casade alguém e pretendiam tomar uma refeição,mas um grande número de pessoas foi ali àprocura dele e Jesus lhes deu atenção. Ele jánão tinha tempo para si, e seus familiares sepreocuparam, achando que estivesse ficandolouco – literalmente, “fora de si”. Os familiaresnão entenderam aquelas atitudes e queriamlevá-lo de volta para cuidar dele. Jesus pensanuma família mais ampla, nos que são filhosobedientes da vontade do Pai, quer doar-se a

esses irmãos, servir a essa família universal.Nos tempos atuais, também soa como lou-

cura doar-se aos serviços da comunidade, noserviço a Deus e aos irmãos, pois vivemosnum mundo de relações mercantilizadas, se-gundo as quais “tempo é dinheiro” e é consi-derado “coisa de louco” perder tempo comaquilo que não dá nenhum retorno financeiro.

11º domingo do Tempo Comum14 de junho

“Nos átrios de meuDeus florescerão”I. Introdução geral

 As leituras de hoje tratam do agir soberanode Deus sem a dependência da intervenção hu-mana. Primeiramente, isso é assegurado a Israel

no momento da maior crise de fé do povo daaliança: o exílio da Babilônia. Quando o povopensou que tudo estava perdido, porque nãohavia nenhuma possibilidade humana de solu-

cionar o problema do retorno à terra prometi-da, Deus enviou o profeta Ezequiel para reani-mar a esperança nas promessas divinas.

Um resto de gente humilde e despreza-da permanecerá fiel. A palavra do profetacompara esse resto a um raminho que Deuscortará da copa do grande cedro e o trans-plantará no alto de um monte elevado. Elecrescerá e ramificará a ponto de aves de todaespécie fazerem ninho em seus ramos (Ez17,22-23). Trata-se de profecia messiânica:Deus mesmo providenciará a solução, en-viando o Salvador.

Desse modo Deus age no mundo parainstaurar seu Reino, deixando de lado osgrandes e poderosos e se servindo de humil-des, pobres, desprezados e pequeninos,como o raminho cortado da copa ou a se-mente lançada no campo. Dessa imagem se

serviu Jesus para falar sobre o Reino, umarealidade que não se impõe pelo poder, comoos grandes impérios mundiais, mas como re-alidade oculta, semeada nos corações humil-des e, entretanto, com força de expansão ini-maginável. O Reino se impõe por intermédiodos simples e apesar das forças contrárias,porque é agir soberano de Deus na história.

II. Comentário dos textosbíblicos

1. Evangelho (Mc 4,26-34):O Reino de Deus é como amenor das sementes

No trecho do evangelho de hoje, temosduas pequenas parábolas por meio das quais

 Jesus nos esclarece sobre o Reino de Deus.Na parábola da semente que cresce sozi-nha, Jesus mostra que o Reino tem uma forçaintrínseca, independente da ação humana. Isso

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 já tinha sido entrevisto no Antigo Testamento,após o fracasso da monarquia. Desde então, oReino de Deus passou a ser entendido comoum reino futuro do final dos tempos, como

uma ação escatológica própria de Deus e inde-pendente da ação humana. O Novo Testamen-to afirma que esse Reino tem início com Jesuse não se restringe ao aspecto geográfico; aocontrário, é formado por todos os que aceitam Jesus como Senhor, Caminho, Verdade e Vida.

Exceto pelo fato de ter sido semeada peloagricultor, a semente cresce e se desenvolvesem a intervenção humana: “Pois por si mesmaa terra frutifica primeiramente a erva, depois aespiga, depois o trigo pleno na espiga” (v. 28). Assim é o Reino de Deus na história, que, combase em acontecimentos aparentemente insig-nificantes aos olhos do mundo, provoca signifi-cativas transformações irrevogáveis.

Na segunda parábola, afirma-se que oReino, aparentemente insignificante nos tem-pos de Jesus, se estenderá pelo mundo intei-ro. O objetivo da narrativa está em explicitar

a diferença entre a pequenez da semente e aexuberância da planta no final. Não se deveperder o foco da homilia, mencionando coi-sas insignificantes como opiniões de pesqui-sadores sobre que tipo de mostarda seria.

Trata-se de uma parábola sobre o cresci-mento do Reino. No primeiro momento, Jesusnos apresenta o Reino como algo que começapequenino, semelhante a uma semente mi-

núscula, e se desenvolve como um vegetal naépoca da colheita. Em um segundo momento,o Reino nos é apresentado como algo que atraias pessoas, à semelhança de pássaros que sur-gem em bandos, procurando abrigo.

Há, na parábola, um contraste entre a in-significância aparente do ministério de Jesuse o desenvolvimento do Reino de Deus a par-tir desse ministério. O mesmo se pode con-

cluir da atuação dos cristãos na história. Essaparábola ilustra a presença do Reino na histó-ria e a expectativa que devemos ter da plenarevelação do Reino no futuro.

2. I leitura (Ez 17,22-24): À suasombra as aves farão ninhos

Os descendentes do rei Davi quebraram aaliança com Deus e grande parte de Judá foilevada para o exílio na Babilônia. Mas Deus ésempre fiel e preparou outra descendência deDavi, por meio da qual as promessas divinasseriam levadas ao pleno cumprimento.

 A metáfora de uma árvore é aqui apre-sentada para assegurar a plena realização daspromessas divinas no Reino do Messias. Doraminho cortado da copa, Deus fará umagrande árvore e a plantará num alto monte.

Naquela época, Nabucodonosor orgulha-va-se de ter instaurado o grande império daBabilônia, e os exilados de Judá não viamcomo Deus poderia manter suas promessas.É exatamente nesse cenário histórico que en-tra o profeta, para assegurar que o próprioDeus está comprometido com a revitalizaçãoe a restauração da descendência de Davi. Osprojetos ambiciosos dos poderosos deste

mundo fracassarão, mas a ação de Deus nahistória é eficaz e irreversível. Quem pode ar-rancar o que Deus vai plantar?

O estabelecimento do Reino do Messiasdeverá mostrar mais claramente às nações domundo (todas as árvores do campo) queDeus é o rei de toda a terra. O texto da profe-cia termina com a chamada inversão escato-lógica; à semelhança do Magnificat de Maria,

Deus rebaixará o alto e exaltará o baixo, eis o julgamento dos poderes do mundo.

3. II leitura (2Cor 5,6-10): Darfrutos agradáveis ao Senhor

O texto se inicia mencionando a confian-ça do apóstolo. O termo traduzido por con-fiança, no idioma original da epístola, signifi-ca ter ousadia, ser audaz. O apóstolo está

confiante, apesar de estar encarnado nestemundo e ausente da morada definitiva.O apóstolo nos exorta a não nos apegar a

esta vida, a este mundo. Seria preferível mor-

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rer para estar com Cristo, mas, seja lá o queaconteça, devemos nos esforçar para ser agra-dáveis ao Senhor. É necessário produzir fru-tos. O sentido mais adequado do v. 9 é: “Con-

tudo, quer estejamos na presença do Senhor,quer vivamos exilados dele, o que nos interes-sa é agradar a Deus”. Estar exilado do Senhoré estar vivendo ainda neste mundo.

Todos nós seremos julgados pelo Pai, ouseja, teremos de prestar contas da administra-ção de nossos dons e projetos de vida àqueleque é fonte de nossa existência e de toda dádi-va. Por isso, estar na vida presente é um risconão porque Deus seja um juiz implacável, masporque não somos fonte de nossa própria exis-tência: nós a recebemos de Deus, com tudo queela tem de bom e com todas as ferramentas paratransformar a nós mesmos e ao mundo. A vidaaqui neste mundo exige que produzamos fru-tos agradáveis a Deus.

III. Pistas para reflexão

Nas parábolas, Jesus não dá uma definiçãosistemática do Reino. Na primeira destas pará-bolas de hoje, temos a exposição de como oReino se expande com uma força que não de-pende dos seres humanos, mas do próprioDeus. A parábola descreve a força interna doReino. Na segunda parábola, encontramos avisão externa do Reino. Seu crescimento seriaespetacular, desde um pequeno grupo insigni-

ficante – como é a semente da mostarda – atéchegar a ser uma árvore exuberante.

 A homilia deverá enfatizar que o Reino éuma realidade que não se pode ignorar. Deveesclarecer que o Reino não é sinônimo deIgreja, como muitos grupos atribuem. A Igre- ja está a serviço da expansão dele.

O Reino não se identifica com nenhumainstituição. É a irrupção da presença de Deus na

história, uma transformação e conquista nãoviolenta, a partir do interior dos corações, asquais mudam tanto o modo de o ser humano serelacionar com Deus quanto as relações sociais,

que deverão se basear nos critérios divinos, a justiça e o direito.

12º domingo do Tempo Comum

21 de junho

Não tenham medo!

I. Introdução geral

 As leituras de hoje nos convidam a deixarnossos lugares costumeiros, a perder o medo e

partir para a outra margem. Enquanto estiver-mos dando demasiada atenção aos nossos pro-blemas pessoais (à semelhança de Jó), não tere-mos abertura para evangelizar o mundo. Omundo parece estar no caos, as ondas se lan-çam contra a barca, mas Deus está no controle;é necessário arriscar-se em direção ao novo.

 Aventurar-se a sair do ambiente judaico foio desafio das comunidades do final do primeiro

século de nossa era. Após a morte de Jesus, emtempos de conflito, perseguições e medo, econtra aqueles que queriam fechar-se num gue-to, alguns cristãos sabiam que o Evangelho de-veria ser anunciado ao mundo inteiro e deraminício a uma ousada marcha de saída de si.

Por isso, assegura-nos o apóstolo que ascoisas velhas passaram, temos de nos reno-var. Vamos abrir as janelas da Igreja para queo vento do Espírito Santo remova todo omofo que ali se acumulou, como diria o papa João XXIII. Que os pastores tenham o cheirodas ovelhas, diz o papa Francisco.

II. Comentário dos textosbíblicos

1. Evangelho (Mc 4,35-41): Vamos

para a outra margemNo trecho anterior ao que foi proclamado

hoje, Jesus permanecia no barco, ensinando às

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multidões por meio de parábolas. Mas no finaldo dia ele convocou seus discípulos para sedirigirem à outra margem do mar da Galileia.

Do outro lado do mar estavam as cidades de

cultura helenista, a maioria das cidades da Decá-pole. Jesus diz aos seus discípulos que assumamo risco de sair de seu habitat original e o levem alugares diferentes, a pessoas de outra cultura,através das águas bravias e dos perigos costu-meiros de uma viagem. Sair de si é sempre arris-cado, e é comum sentir medo do desconhecido.

 A tempestade simboliza as dificuldadesde uma jornada que leva para a outra mar-gem. As multidões ficaram para trás, pessoasque poderiam dar apoio permaneceram dooutro lado, agora é a vez de contatar diferen-tes culturas, religiões, tradições e costumes.Uma nova etapa, um novo começo na vidadas comunidades. Trata-se simbolicamentedo início da longa marcha da missão univer-sal da Igreja que temos de estar dispostos acontinuar, até que Cristo venha.

 Às vezes a barca parece afundar, sentimos

pânico, mas Cristo está na popa (v. 38), lugaronde fica o piloto que dirige o barco. Podeparecer que Cristo dorme enquanto corre-mos o risco de perecer, mas ele continua láno controle do barco, das ondas e do vento.

Não tenhamos medo, vamos à outra mar-gem. Cristo está no barco, este jamais afun-dará. Vamos sair de nosso comodismo, háum mundo a ser evangelizado.

2. I leitura (Jó 38,1.8-11): O Senhorestá no controle

Esse trecho curtinho do livro de Jó pareceincompreensível. Mas, na verdade, é de umaprofundidade admirável. Jó tinha acabado deexigir uma audiência com Deus para pergun-tar-lhe sobre os motivos dos sofrimentos pe-los quais estava passando. Jó não conseguia

entender a ação de Deus, parecia que o Sobe-rano estava muito mudado ou tinha perdidoas rédeas do universo. Jó tinha muitas per-guntas a fazer a Deus. Quem de nós, na hora

do sofrimento, deixou de perguntar: “Porque, meu Deus...?”

Na leitura que acabamos de ouvir, Deusresponde a Jó do meio da tempestade, mostran-

do que nenhum caos na nossa vida ou na natu-reza está acima dele. Ele é o Senhor do céu, daterra e do mar. Isso significa que Deus está nocontrole do universo. Não devemos ter medo,não devemos desanimar quando o sofrimentoou o pânico quiserem se apoderar de nós.

Devemos estar atentos a essa conversa queDeus tem com Jó, ela é bem didática. Ao chamara atenção para os poderes da natureza e colocar--se acima deles, Deus leva Jó a considerar suaspróprias limitações, pois o ser humano não éDeus, mas sim uma criatura entre as outras. Eassim, do meio de suas crises, Jó é levado a con-siderar que sua efêmera existência é marcadapor limites, por isso lhe é possível o sofrimento.

 Ao constatar a grandeza do universo e o po-der de Deus, Jó para de centralizar-se em simesmo e realiza um êxodo existencial em dire-ção ao outro. Deus conduz Jó para fora de si

mesmo. E assim Deus faz com cada um de nós.

3. II leitura (2Cor 5,14-17): Tudoagora é novo

Paulo chama a atenção dos coríntios para osentido mais profundo da fé pascal. Afirma oapóstolo que o “amor de Cristo nos constrange(nos envergonha, v. 14)”. Cristo morreu pornós, e pouca coisa fazemos para corresponder a

tão grande dom. Se Cristo morreu por nós, con-clui-se que o antigo modo de viver deve serabandonado e que assumimos uma nova vida,nos mesmos moldes da vida de Cristo. É neces-sário sair dos nossos túmulos do egoísmo, re-mover a pedra do comodismo, para o raiar dodia novo da ressurreição.

Paulo havia mudado radicalmente devida, por isso tinha autoridade para exortar

seus compatriotas a não se apegar ao fato deterem convivido com Jesus pelos caminhosda Galileia. O mais importante não é ter co-nhecido Cristo segundo a carne, ter sido tes-

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temunha ocular ou ser parente de Jesus. Omais importante é viver a vida nova que oRessuscitado nos trouxe. O mais importantepara Cristo não é estarmos na Igreja católica

somente por tradição, é assumirmos o proje-to missionário que ele nos confiou.

Saiamos do fechamento das estruturasconservadoras, pois, “se alguém está em Cris-to, é nova criatura; as coisas antigas já passa-ram; eis que novas são todas as coisas” (v. 17).

III. Pistas para reflexão

Não tenhamos medo, vamos para a outramargem. Este deve ser o grito de ordem paraas comunidades de nosso tempo. Apesar doque vem insistindo o papa Francisco, aindahá muitos católicos que querem uma Igrejafechada, com o Evangelho enclaustrado emestruturas arcaicas. Mas Jesus, por meio dasSagradas Escrituras, Palavra de Deus que jul-ga nossas ações, insiste ainda agora, no cre-púsculo da história do cristianismo: “Vamos

à outra margem, meu Pai está no controle, euconduzo o barco, as coisas antigas passaram,novas são todas as coisas, não tenham medo!”

São Pedro e São Paulo

28 de junho

Combateram obom combateI. Introdução geral

 A Igreja celebra o martírio de Pedro e Paulona mesma data porque eles estiveram unidosno mesmo propósito: seguir Jesus até a morte.

 Ambos são alicerces vivos do edifício espiritual

que é a Igreja. Pedro evangelizou os judeus;Paulo fez a mensagem de Jesus chegar às de-mais nações. A incessante pregação de ambosfoi fecundada com o martírio. Eles dão provas

de até que ponto pode ir o ser humano quandoelege o projeto de Deus como opção de vida.Não foram pessoas apenas de palavras, mas tes-temunhas de que a fé remove as montanhas do

egoísmo. O modo como viveram e como mor-reram questiona o comodismo de nossa fé.

II. Comentário dos textosbíblicos

1. Evangelho (Mateus 16,13-19): Asportas do inferno não vencerão

No evangelho de hoje, Jesus faz duas per-guntas aos discípulos. Na primeira ele quersaber o que as pessoas em geral estão dizen-do a respeito dele e, na segunda, o que osdiscípulos pensam sobre ele.

Com essas perguntas, parece que Jesus estáfazendo uma pesquisa de opinião, para ver se amensagem dele está sendo entendida pelo pú-blico. Ele está ocupado em construir, na consci-

ência coletiva, a identidade dele, ou seja, querestabelecer exata compreensão a respeito doMessias e, além disso, do tipo de Messias queele é. Jesus faz essas perguntas aos discípulosporque sabe que da correta assimilação daidentidade dele depende a correta compreen-são de sua mensagem. Se alguém entende deforma errada quem é Jesus, compreenderá erro-neamente a sua mensagem e terá uma práxis

totalmente diferente da que ele espera.Nas respostas dos discípulos à primeirapergunta, são explicitadas as diversas espe-ranças messiânicas de Israel.

Pedro toma a iniciativa de responder à per-gunta feita aos discípulos sobre a identidade de Jesus. Mas é a comunidade dos discípulos, re-presentada por Pedro, quem diz corretamentequem é Jesus e qual é sua missão. A resposta dacomunidade representada por Pedro é umaprofissão de fé no “Cristo, Filho do Deus vivo”.

Essa profissão de fé não é fruto da lógica edo esforço humano, mas é revelação divina,

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pois quem o revela à comunidade é o próprioPai, que está no céu. Foi a abertura da comuni-dade à revelação divina que possibilitou reco-nhecer e confessar a fé no Cristo. E é sobre a fé

confessada no Cristo, Filho do Deus vivo, que aIgreja é edificada. A expressão “esta pedra” refe-re-se à confissão de fé e é um trocadilho com apalavra “Pedro”, por cujos lábios ela é pronun-ciada. O fundamento da Igreja é Jesus, pedraangular (Mt 21,42), confessado como Messias/ Cristo pela comunidade de seus seguidores(são João Crisóstomo, Homilia XXI,1).

Porque a comunidade dos seguidores con-fessou a verdadeira identidade de Jesus comoMessias/Cristo, pedra angular ou fundamento,ela recebeu “as chaves do Reino” (e não daIgreja). O termo “chaves” significa ter acesso e,nesse caso, remete a Is 22,22. Então, é tarefa daIgreja cuidar da obra divina não como um pro-prietário, pois o Reino é de Deus, mas comoum mordomo ou despenseiro que cuida dacasa de seu verdadeiro senhor, ao qual prestarácontas de seu serviço. E cuidar do Reino signi-

fica fazer que ele cresça neste mundo.Então a principal tarefa da comunidade

dos discípulos de Jesus, a Igreja, é proporcio-nar o avanço do Reino dos Céus (ou deDeus). Esse avanço significa uma ofensiva atudo que se constitui em antirreino (repre-sentado pelo termo “inferno”). “As portas”,naquela época como hoje, significavam o po-der de defesa. Uma cidade (murada) com

portas resistentes tinha grande poder de de-fesa numa batalha. “As portas do inferno nãoresistirão” significa que a comunidade dosdiscípulos de Jesus faz o Reino avançar con-tra o antirreino (o inferno), e por mais fortesque sejam os poderes de defesa (as portas) doinferno, eles não conseguirão resistir pormuito tempo ao ataque da Igreja, a qual porfim verá o Reino vencer e ser instaurado ple-namente. As portas do antirreino cairão aofinal do ataque feito pela Igreja.

Em vista do avanço do Reino, uma das ta-refas da Igreja é “ligar ou desligar”, mas isso

não diz respeito a uma autoridade soberanado líder da Igreja. O sentido de “ligar ou desli-gar” refere-se ao âmbito da comunhão entre ofiel e a comunidade, ou melhor, ao sacramen-

to da reconciliação. É precisamente no âmbitodo ministério da reconciliação que a Igrejaexerce a tarefa de excluir oficialmente ummembro da comunhão plena ou de readmiti--lo (reconciliá-lo), uma vez cumpridas certascondições. Desse modo, “ligar ou desligar”significa fundamentalmente a faculdade deperdoar os pecados, reconciliando o pecadorcom Deus, mediante a visibilidade do sacra-mento, impondo-lhes condições e obrigaçõesque sejam o sinal da verdadeira conversão.

2. I leitura (Atos 12,1-11): Foilançado na prisão

Na primeira leitura, Pedro é envolvido nomesmo destino de Jesus, primeiramente porquefoi preso na festa dos pães sem fermento (a Pás-coa). Além disso, o texto começa com a decisãodo rei Herodes de tentar destruir a Igreja, pren-

dendo e matando seus líderes. O rei deseja re-mover os pilares da casa para fazer a construçãointeira ruir. A prisão de Pedro não é um fato iso-lado – na mesma época, Tiago (filho de Zebe-deu) foi martirizado. O governante condenapessoas inocentes para garantir a própria popu-laridade, algo semelhante ao que foi feito a Jesus.

Os detalhes de como Pedro estava sendoguardado pelos soldados romanos apenas as-

seguram que uma fuga seria impossível. En-quanto Pedro estava preso, a Igreja reunidaorava incessantemente, solidarizando-se coma situação dele, pois constituíam um só corpono Senhor. E ao fervor da oração, Deus res-pondeu com a libertação. Na noite anteriorao dia em que Herodes apresentaria Pedro aosinédrio para ser condenado, Deus agiu emresposta à oração da Igreja.

O texto enfatiza que Pedro dormia enquan-to esperava o próprio julgamento e condenação.Pedro teve dificuldade de saber se o que estavaacontecendo era real; isso significa que ele não

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esperava uma libertação. E se mesmo assimconseguia dormir, fazia-o porque confiava ple-namente em Deus e estava preparado para mor-rer por sua fé. Enquanto Pedro está sendo liber-

tado, o texto faz questão de mencionar nova-mente que a prisão era de segurança máxima e,apesar de todas as precauções, Herodes nãoconseguiu o seu intento de destruir a Igreja.

3. II leitura (2Tm 4,6-8.17-18):Terminei minha carreira,guardei a fé

O texto da segunda leitura se refere ao mo-

mento em que Paulo estava preso e pensavaque seria condenado à morte. Suas palavrasnão revelam nenhuma amargura, mas a sereni-dade de quem se abandonou nas mãos deDeus. O apóstolo estava pronto para ser imola-do, isto é, estava à disposição para ser mortopor causa do Evangelho. Além disso, consideraque a morte por causa do Evangelho é aceitapor Deus como verdadeira oferta ou sacrifício.

 A vida do cristão é comparada a uma bata-

lha e a um esporte de Olimpíada: “Combati obom combate, terminei minha carreira” (v. 7),mas em tudo a fé saiu vitoriosa, faltava apenassubir ao pódio e receber a coroa de louros queconfirmava a vitória. Isso significa que o apósto-lo sabe que Deus não deixará sua morte semresposta. A última palavra não é a morte, a últi-ma palavra é de Deus, que dá vida plena àquelesque nele se abandonam. A ressurreição não sig-

nifica um prêmio, mas sim que Deus partilha a

vida que lhe é própria (eterna) com aqueles quea ele doaram a vida humana e efêmera. A ressur-reição é grande dom de Deus, e não simples tro-ca de uma vida por outra. A vida que doamos a

Deus em nada se compara à vida eterna que elegratuitamente nos dá. Por isso não é um prê-mio. A coroação de que o apóstolo fala significaque a última ação é de Deus e não do carrasco.

III. Pistas para reflexão

 A prisão dos dois apóstolos atesta que so-mente é verdadeiro discípulo de Cristo quempor ele enfrenta perseguições e martírios, man-tendo a fé/fidelidade. Os exemplos de Pedro ede Paulo mostram que a Igreja não é edificadasobre pessoas, mas sobre a confissão de fé noCristo ressuscitado e ressuscitador. Tal confis-são de fé não é apenas um discurso de belaspalavras, mas testemunho de vivência na fideli-dade a Deus, custe o que custar, mesmo queseja a própria vida. Muitas pessoas se orgulhamde que Cristo tenha entregado as chaves do

Reino a Pedro e não se lembram de que as cha-ves significam serviço. Outras pessoas se ufa-nam de que Pedro tenha recebido a missão de“ligar e desligar” e não sabem que o objetivodisso é manter a Igreja numa fé autêntica e ope-rante no mundo.

É oportuno que fique claro, mesmo quan-do Pedro é o padroeiro do lugar, que a festa étambém de são Paulo. Ambos são as duas co-

lunas principais da Igreja.

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A Igreja e seus ministrosUma teologia do ministério ordenado

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