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Departamento de Direito 1 VIÉSES IMPLÍCITOS DOS JURADOS E A CARACTERIZACÃO DE HOMICÍDIO PRIVILEGIADO NO BRASIL Aluno: Diego Borghetti de Queiroz Campos Orientador: Noel Struchiner Co-Orientador: Ivar Hannikainen Sumário: 1. Introdução – 1.1 Do Homicídio Privilegiado – 1.2 Da Competência do Tribunal do Júri – 1.3 Da Seleção dos Jurados – 1.4 Dos Viéses Implícitos – 1.5 Da Relação Entre Viéses e a Caracterização de Homicídio Privilegiado e da Necessidade de se Conduzir Um Experimento – 2. Objetivo 3. Metodologia Do Experimento – 3.1 A Vinheta – 4. Dos Resultados e Discussões – 4.1 Da Análise Do Experimento – 5. Da Conclusão 6. Referências 1. Introdução O presente trabalho examina a tese de que a ausência de definição e esclarecimento em lei do conceito de “relevante valor moral” presente no dispositivo legal que prevê o homicídio privilegiado contribui para que o processo de tomada de decisão do jurado esteja mais suscetível a problemas de parcialidade e viéses, e gera, consequentemente, sérios riscos aos princípios de igualdade, isonomia de julgamento e imparcialidade. Para que a tese supracitada fosse devidamente avaliada foi conduzido um experimento sobre os viéses dos jurados na decisão de caracterização de homicídio privilegiado. Esse trabalho encontra-se dividido em seis partes. A introdução por sua vez possui cinco subtítulos, pois ela fornece a explicação de uma série de conceitos que são de suma importância para a compreensão da metodologia do experimento, dos seus resultados e conclusões. 1.1 Do Homicídio Privilegiado O caput do artigo 121 do Código Penal Brasileiro prevê a figura do homicídio simples. De acordo com esse dispositivo legal, o ato de matar alguém resulta em uma pena de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. O parágrafo primeiro desse mesmo artigo introduz, por sua vez, um caso de diminuição de pena denominado pela doutrina de homicídio privilegiado. De acordo com o texto legal, existem algumas hipóteses em que o juiz pode caracterizar o crime como sendo homicídio privilegiado, e consequentemente aplicar uma

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VIÉSES IMPLÍCITOS DOS JURADOS E A CARACTERIZACÃO DE

HOMICÍDIO PRIVILEGIADO NO BRASIL

Aluno: Diego Borghetti de Queiroz Campos Orientador: Noel Struchiner Co-Orientador: Ivar Hannikainen

Sumário: 1. Introdução – 1.1 Do Homicídio Privilegiado – 1.2 Da Competência do Tribunal do Júri – 1.3 Da Seleção dos Jurados – 1.4 Dos Viéses Implícitos – 1.5 Da Relação Entre Viéses e a Caracterização de Homicídio Privilegiado e da Necessidade de se Conduzir Um Experimento – 2. Objetivo – 3. Metodologia Do Experimento – 3.1 A Vinheta – 4. Dos Resultados e Discussões – 4.1 Da Análise Do Experimento – 5. Da Conclusão – 6. Referências 1. Introdução

O presente trabalho examina a tese de que a ausência de definição e esclarecimento em

lei do conceito de “relevante valor moral” presente no dispositivo legal que prevê o homicídio

privilegiado contribui para que o processo de tomada de decisão do jurado esteja mais

suscetível a problemas de parcialidade e viéses, e gera, consequentemente, sérios riscos aos

princípios de igualdade, isonomia de julgamento e imparcialidade. Para que a tese supracitada

fosse devidamente avaliada foi conduzido um experimento sobre os viéses dos jurados na

decisão de caracterização de homicídio privilegiado.

Esse trabalho encontra-se dividido em seis partes. A introdução por sua vez possui

cinco subtítulos, pois ela fornece a explicação de uma série de conceitos que são de suma

importância para a compreensão da metodologia do experimento, dos seus resultados e

conclusões.

1.1 Do Homicídio Privilegiado

O caput do artigo 121 do Código Penal Brasileiro prevê a figura do homicídio simples.

De acordo com esse dispositivo legal, o ato de matar alguém resulta em uma pena de reclusão

de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. O parágrafo primeiro desse mesmo artigo introduz, por sua vez,

um caso de diminuição de pena denominado pela doutrina de homicídio privilegiado.

De acordo com o texto legal, existem algumas hipóteses em que o juiz pode

caracterizar o crime como sendo homicídio privilegiado, e consequentemente aplicar uma

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redução de pena. Por motivo de maior clareza, os dispositivos de lei citados estão transcritos a

seguir:

Homicídio simples Art.121. Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de diminuição de pena

§ Se o agente comete o crime impelido por relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.1

Diante de exposto, observa-se que o parágrafo primeiro prevê três hipóteses que

admitem a caracterização do homicídio privilegiado. A primeira delas ocorre quando um

sujeito comete um crime por algum motivo de relevante valor moral, devendo-se esclarecer

que o relevante valor moral é aquele que se refere à pessoa do agente. Um exemplo clássico

citado por Rogério Greco em seu “Código Penal Comentado” a respeito dessa hipótese é a de

quando um pai mata o estuprador de sua filha. De acordo com esse doutrinador, o sujeito que

cometeu o homicídio nesse exemplo, claramente se sentiu motivado a cometer o crime por um

relevante valor moral. Em suma, pode-se considerar o relevante valor moral como sendo

“aquele que, embora importante, é considerado levando-se em conta os interesses do

agente”2.

A segunda hipótese descrita no parágrafo único é a de relevante valor social. Essa, por

sua vez, está caracterizada quando o sujeito comete um crime por algum motivo que interessa

à comunidade. Nas palavras de Rogério Greco, “relevante valor social é aquele motivo que

atende aos interesses da coletividade. Não interessa tão somente ao agente, mas, sim, ao

corpo social.3” O exemplo citado por esse autor que melhor representa esse caso é o da morte

de um traidor da pátria.

A última hipótese é a de quando um sujeito comete um homicídio sob o domínio de

violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. A lei não define o que é

                                                                                                               1  Código Penal Brasileiro.  2  Greco, Rogério. Código Penal Comentado. Editora: Impetus. 6a ed. 2012. P. 276. 3  Greco, Rogério. Código Penal Comentado. Editora: Impetus. 6a ed. 2012. P. 276  

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logo em seguida, contudo, a doutrina determina que deve haver contemporaneidade entre a

injusta agressão e a violenta emoção. Ademais, de acordo com Greco, “sob o domínio

significa que o agente deve estar completamente dominado pela situação.4” Um exemplo

recorrente dessa hipótese é a de quando um sujeito mata o seu cônjuge logo após flagra-lo em

um momento de traição.

Embora tenhamos observado todas as hipóteses que podem levar à caracterização de

homicídio privilegiado, para o escopo desse trabalho, apenas a primeira será analisada. Ou

seja, o experimento testará apenas se a ausência de definição e exemplificação em lei do

conceito de “relevante valor moral” presente no dispositivo legal que prevê o homicídio

privilegiado torna o processo de tomada de decisão do jurado mais suscetível a problemas de

parcialidade e viéses.

1.2 Da Competência do Tribunal do Júri

De acordo com o parágrafo primeiro do artigo 74 do Código Processual Penal

Brasileiro, “compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos art. 121

parágrafos 1o e 2o, 122 parágrafo único, 123, 124, 125, 126, 127 do Código Penal,

consumados ou tentados.5” Disso se extrai que o Tribunal do Júri tem competência para julgar

crimes conexos e crimes dolosos contra a vida, como por exemplo, o homicídio doloso,

infanticídio, participação em suicídio e o aborto. Ademais, é imprescindível observar que os

jurados decidem somente a matéria de fato.

Diante do exposto, observa-se que o Tribunal do Júri é quem possui a competência

para analisar a caracterização do homicídio privilegiado. Cabendo assim, aos jurados,

decidirem se o determinado caso em análise deve ou não se enquadrar nessa hipótese.

1. 3 Da Seleção dos Jurados

Uma vez observado que são os jurados os responsáveis por caracterizar ou não o

homicídio como sendo privilegiado, torna-se imperioso compreender quem são as pessoas

selecionadas para formar o tribunal do júri e qual é o mecanismo de seleção de jurados

previsto na legislação nacional.                                                                                                                4  Greco, Rogério. Código Penal Comentado. Editora: Impetus. 6a ed. 2012. P. 277  5  Código Processual Penal Brasileiro.  

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O doutrinador, Guilherme de Souza Nucci, afirma que “Os jurados são selecionados

dentre cidadãos de notória idoneidade, com mais de dezoito anos, isento os maiores de

setenta anos, que requeiram sua dispensa.6” O parágrafo 2o do artigo 425 do Código de

Processo Penal prevê, por sua vez, que “o juiz presidente buscará requisitará as autoridades

locais, associações de classe e de bairros, instituições de ensino em geral, entidades

associativas e culturais universidades, sindicatos, repartições públicas, e outros núcleos

comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de

jurado.7”

Contudo, de acordo com Nucci, “a colheita dos nomes de jurados para compor as

listas do Tribunal do Júri se faz, na maioria das Comarcas brasileiras, de modo aleatório,

sem conhecimento direito e pessoal do magistrado em relação a cada um dos indicados.

Utiliza-se a há anos, como regra, a listagem dos cartórios eleitorais, que coletam vários

nomes, enviando ao juiz presidente. Dificilmente cumpre-se o disposto no parágrafo 2o deste

artigo, perscrutando interessados em associações de classe... O máximo que se faz, após o

recebimento das listas formadas aleatoriamente nos cartórios eleitorais, é uma pesquisa de

antecedentes criminais.8“.

Diante do exposto, podemos concluir que os jurados são selecionados a partir de

listagem de cartórios eleitorais, e raramente são utilizados mecanismos mais seletivos de

seleção de jurados, tais quais aqueles presentes no parágrafo 2o. Entre esse primeiro

mecanismo de seleção e a escolha final dos jurados que irão compor o Tribunal existem uma

série de outras fases nesse processo, contudo, elas não serão relevantes para o escopo do

presente trabalho.

1.4 Dos Viéses Implícitos

Nas últimas décadas foram publicados uma multiplicidade de obras, artigos e

experimentos sobre os fatores que afetam a tomada de decisões de agentes. Muitos deles,

inclusive, buscaram analisar a forma na qual viéses implícitos influenciam as decisões de

                                                                                                               6  Nucci, Guilherme S. Código de Processo Penal Comentado. 5th ed. Rio De Janeiro: Forense, 2014. P. 905 – 906.  7  Código de Processo Penal Brasileiro.  8  Nucci, Guilherme S. Código de Processo Penal Comentado. 5th ed. Rio De Janeiro: Forense, 2014. P. 893.  

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jurados e juízes. Existe hoje toda uma literatura, que afirma que as decisões de jurados são

frequentemente influenciadas por certos vieses implícitos.

Diferentemente dos vieses explícitos, os implícitos são aqueles em que os sujeitos não

tem ciência de que os possui. Muitos indivíduos acreditam ser imparciais e não portar certos

preconceitos, contudo, experimentos tem demonstrado que essa crença costuma ser

injustificada.

Um dos testes que tem melhor evidenciado esses preconceitos implícitos são os

Implicit Association Tests. De acordo com o pesquisador Brian Nosek, as estatísticas dos

IATs evidenciam que a maioria das pessoas que dizem não fazerem julgamentos enviesados e

preconceituosos acabam demonstrando através do teste, terem fortes julgamentos enviesados

implícitos.

Um dos estudos recentes mais marcantes a respeito da influência dos viéses no

processo decisório dos jurados foi um conduzido pelos professores Patrick Bayer, Shamena

Anwar e Randi Hjalmarsson. Os pesquisadores supracitados examinaram mais de 700

julgamentos de casos criminais de competência do tribunal do júri que ocorreram entre os

anos 2000 e 2010 nos condados de Sarasota e Lake na Florida. Entre as conclusões desse

experimento está a de que “Defendants of each race do relatively better when the jury pool

contains more members of their own race”9. Ou seja, observa-se aqui um claro víeis. Esse

estudo indica que fatores que não deveriam interferir no processo de decisão como, por

exemplo, as cores de pele do jurado e do réu, acabam na verdade o afetando.

Outra modalidade de estudo que tem demonstrado esses viéses são as analises de MRI.

Através dela, o neurocientista Jason Mitchell da universidade de Harvard concluiu, por

exemplo, que o cérebro humano utiliza conjuntos de neurônios diferentes ao pensar em

pessoas diferentes, e que o nível de identificação que a pessoa tem com a outra é o que

determina qual conjunto de neurônios é ativado.10

Em seu livro denominado de Psicologia Social, David G Myers, analisa uma série de

estudos que revelam vieses implícitos de jurados. Dentre eles, está o estudo conduzido por

Michael Efran em 1974. Nesse estudo perguntou-se aos participantes se a atratividade deveria

                                                                                                               9  Bayer, Patrick, Randi Hjalmarsson, and Shamena Anwar. "The Impact of Jury Race in Criminal Trials." The Quarterly Journal of Economics (2012)  10  Levinson, Justin D., and Robert J. Smith. Implicit Racial Bias across the Law. Cambridge: Cambridge UP, 2012.  

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afetar o julgamento de presunção de culpa. Os participantes responderam que não. Contudo,

ao testar essa hipótese através do experimento, ficou comprovado que sim, pois “Quando

Efran deu a outros estudantes uma descrição do caso com uma fotografia de um réu atraente

ou não atraente, eles julgaram o mais atraente menos culpado e condenaram aquela pessoa a

uma pena menor.11“.

Um experimento conduzido pro Paul Amato em 1979, por sua vez, “fez estudantes

Australianos lerem evidências relativas a uma pessoa de direita ou de esquerda acusada de

um assalto motivado por questões políticas. Os estudantes julgaram menos culpado quando

as visões políticas do réu eram semelhantes as suas.12” Isso demonstra, novamente, uma outra

forma de viés implícito no processo decisório.

Cabe observar, ainda, os estudos de Jones & Kaplan e Mazella & Feignold, que

demonstraram que “quando a raça de um réu se encaixa em um estereótipo de crime –

digamos, um réu branco acusado de desfalque ou um negro acusado de furto de imóvel-,

jurados simulados oferecem veredictos negativos e punições.13”

Sonja Starr, professora de direito da Universidade de Michigan, concluiu também

recentemente que homens recebem sentenças 63% maiores do que mulheres em crimes

comparáveis. Outro estudo extremamente relevante a respeito desses vieses implícitos foi um

conduzido por Zebrowitz-McArthur em 1998. Essa pesquisa concluiu que “adultos com rosto

de bebê pareciam mais inocentes e foram considerados culpados com mais frequência por

crimes de mera negligência, mas com menor frequência por atos criminais intencionais.14”

Em outro experimento, Esses e Webster concluíram que quando pessoas pouco

atraentes eram condenadas, elas também acabavam sendo consideradas mais perigosas.15 Por

último cabe fazer uma breve referência aos estudos realizados por Mark Alicke e Teresa Davis

e por Michael Enzle e Wendy Hawkins, que demonstraram que “os julgamentos dos jurados

de culpa e punição podem ser afetados pelas características da vitima.16”.

Vemos que todos esses estudos revelam uma série de vieses implícitos que afetam o

processo de tomada de decisão. As pessoas raramente possuem conhecimento a priori de que                                                                                                                11  Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 438.  12  Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 439.  13  Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 439  14  Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 438  15  Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 438  16  Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. P. 438  

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seu julgamento é parcial e sujeito a preconceitos. Pode-se observar que os diversos vieses

implícitos apresentam riscos ao processo de tomada de decisão, pois eles levam os jurados à

decisões parciais, e consequentemente violam os princípios de igualdade, isonomia do

julgamento e imparcialidade.

1.5 Da Relação Entre Viéses e a Caracterização de Homicídio Privilegiado e da Necessidade

de se Conduzir Um Experimento

Conforme foi exposto anteriormente, o Código Processual Penal Brasileiro prevê que o

Tribunal do Júri é o competente para caracterizar um homicídio cometido como sendo

privilegiado. O Código Penal elenca no parágrafo primeiro do artigo 121, as três hipóteses que

permitem essa caracterização, dentre elas a hipótese denominada de relevante valor moral.

O problema com esse dispositivo é que ele se encontra em uma zona de penumbra,

pois não define ou exemplifica quais são os valores moralmente relevantes para o direito

brasileiro. Não há nenhuma taxatividade, exemplificação ou orientação na legislação penal

sobre quais situações devem ser interpretadas como sendo moralmente relevante ou não. A

decisão dos jurados torna-se, portanto, totalmente subjetiva ao juízo crítico dos jurados. A

falta de orientação da norma e o espaço para o jurado fazer uma decisão completamente

subjetiva geram decisões mais suscetíveis aos diversos vieses descritos na seção anterior.

Diante desse quadro, um experimento foi conduzido com o intuito de investigar se as

decisões dos jurados no caso específico de caracterização de homicídio privilegiado são de

fato afetadas por viéses. Sustenta-se aqui que as características físicas dos sujeitos envolvidos

vão afetar as decisões a respeito do que é ou não moralmente relevante.

2. Objetivo

O objetivo do presente trabalho é de demonstrar através de um experimento que a

ausência de definição e exemplificação em lei do conceito de “relevante valor moral” presente

no dispositivo legal que prevê o homicídio privilegiado colabora para que o processo de

tomada de decisão do jurado seja mais suscetível a problemas de parcialidade e vieses, e gera,

consequentemente, sérios riscos aos princípios de igualdade, isonomia de julgamento e

imparcialidade.

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3. Metodologia Do Experimento

Esse experimento baseia-se em uma pesquisa quantitativa baseado em vinhetas.

Busca-se simular o processo decisório que jurados têm que fazer na hora de caracterizar uma

determinada situação como sendo um homicídio privilegiado.

Um questionário que narra um caso hipotético onde um pai enfurecido mata o sujeito

que estuprou sua filha foi elaborado. Conforme vimos anteriormente, esse caso hipotético é

justamente o exemplo citado na doutrina penal de um caso típico de hipótese de relevante

valor moral. Junto ao caso descrito foram anexados as fichas criminais do autor do crime de

estupro, do autor do crime de homicídio e da vítima do estupro. Cada ficha criminal continha

algumas informações irrelevantes para o caso e as fotos dos sujeitos supracitados.

Nas páginas subsequentes do questionário tinha-se uma pergunta que pedia para que o

participante agisse como um jurado e qualificasse, com base na redação do parágrafo primeiro

do artigo 121 do Código Penal, o homicídio como sendo privilegiado ou não. Em seguida, o

questionário demandava que o jurado determinasse se a redução de pena a ser aplicada deveria

ser de 1/6 ou 1/3. Por último, os participantes eram indagados a atribuir qualquer redução de

pena dentre as opções elencadas na questão.

Oitenta questionários narrando o mesmo caso e fazendo as mesmas perguntas foram

distribuídos, contudo, havia uma diferença crucial entre os questionários: as fotos da vítima do

estupro, do autor do estupro e do autor do homicídio mudavam. Havia ao total, quatro

combinações de fotos, portanto, tinham-se quatro grupos de questionários.

Na primeira combinação de fotos, a vítima do estupro era negra, o estuprador branco e

o sujeito que cometeu o homicídio era negro (Grupo 1). Na segunda, a vítima do estupro era

negra, o estuprador negro e o sujeito que cometeu o homicídio era negro (Grupo 2). Na

terceira, por sua vez, a vítima era branca, o estuprador era branco e o sujeito que cometeu o

homicídio era branco (Grupo 3). Por último, na quarta combinação de fotos, a vítima do

estupro era branca, o estuprador negro, e o sujeito que cometeu o homicídio era branco (Grupo

4).

Vinte cópias de cada um dos quatro grupos foram distribuídas, totalizando um número

total de oitenta questionários. A única mudança de uma foto para a outra era o sujeito da foto

em si, pois as condições e expressões faciais dos sujeitos das fotos eram basicamente

idênticas. Todas as fotos utilizadas foram impressas em preto e branco. As fotos utilizadas

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foram retiradas dos seguintes bancos de dados: Glasgow Unifamiliar Face Data-base17,

Utrecht ECVP18 e The ORL Data-base of Faces19.

Segue quatro exemplos das fotos utilizadas:

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Os questionários foram todos distribuídos aleatoriamente em diversos ambientes, tais

como universidades e lugares públicos, afinal, o objetivo era o de reproduzir o caráter

aleatório de seleção de jurados previsto na legislação brasileira. Cada participante respondeu

apenas uma das quatro vinhetas. Os únicos requisitos para poder respondê-la era o de obter

um título de eleitor e ser maior de idade, afinal, como vimos anteriormente, esse é o único

requisito necessário para ser um jurado.

O fato dos sujeitos serem de diferentes raças pode ter causado algum víeis racial em

alguns participantes, contudo, como vimos, existe uma pluralidade de outros viéses suscetíveis

a afetar também os indivíduos julgando; tais como viéses de identificação e viéses de

atratividade. Portanto, o objetivo estabelecido para essa pesquisa era apenas o de averiguar se

a simples alteração das fotos iria afetar a decisão dos participantes. Não houve nenhuma

tentativa de buscar controlar variáveis de seleção de jurados com o intuito de analisar um viés

específico. Buscava-se tão somente observar a influencia dos vieses como um todo. Uma

possível alteração da decisão de um grupo para o outro seria o suficiente para demonstrar que

os jurados foram de fato influenciados por vieses. Afinal, as situações eram análogas, e

somente as fotos eram diferentes.

                                                                                                               17  Burton. A.M. , White. D, & McNeill. A. (2010) The Glasgow Face Matching Test. Behaviout Research Methods, 42 (1), 286 – 291. doi: 10.3758/BRM. 42.1.286  18  Psycologial Image Collection at Sterling. 2D face sets. Utrecht ECVP. Web: http://pics.stir.ac.uk/.  19  DataBase of Faces. AT&T Laboratories. Cambridge University Computer Laboratory. 2002.  20  Glasgow Unifamiliar Face Data-base  

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3.1 A Vinheta

Pesquisa 100% Anônima Instruções: Preencha as informações básicas iniciais. Em seguida, leia atentamente o caso

hipotético descrito e responda as questões. A ordem das questões deve ser respeitada, e você

só deve virar a página após ter marcado sua resposta.

Informações Básicas:

____Idade

____Sexo (F/M)

____Possui Título de Eleitor (S/N)

____Concluiu o Ensino Médio? (S/N)

Atualmente, você é estudante universitário? Se sim, qual curso?

Você concluiu o ensino superior? Se sim, qual curso?

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Caso:

No dia 09/10/2011, Ana Vitória foi estuprada por Pedro Paulo na saída da faculdade

onde estudava localizada no centro da cidade do Rio de Janeiro. Uma hora depois, ao chegar

em casa, Ana relatou o incidente para seu pai Antônio, e em seguida foi à delegacia fazer um

exame de corpo e delito. Através do referido exame ficou comprovado o estupro cometido por

Pedro Paulo.

Enfurecido e abalado com toda essa situação, Antônio decidiu que iria fazer de tudo

para encontrar o estuprador de sua filha e matá-lo. Na semana seguinte, Antônio conseguiu

fazer aquilo que havia prometido a si mesmo ao disparar um tiro no tórax de Pedro Paulo.

Após a realização do crime, a polícia encaminhou Ana Vitória e Antônio para a 13a Delegacia

de Polícia do Rio de Janeiro para apurar os fatos do crime e averiguar os antecedentes dos

envolvidos. Depois de analisadas todas as provas do crime e observado o devido processo

legal, não restaram dúvidas de que Antônio havia de fato cometido o crime de homicídio. A

pena base nesse caso concreto é de 12 anos.

Você no papel de juiz deve determinar se você acredita que o crime deve ser

caracterizado como homicídio privilegiado ou como homicídio simples. De acordo com o

código penal, o homicídio privilegiado é aquele em que o sujeito que cometeu o crime o

cometeu por causa de algum motivo moralmente relevante, e que, portanto a pena base pode

ser reduzida de 1/6 a 1/3. É uma forma de não se punir de forma excessiva aquele que

cometeu um crime por causa de algum motivo de valor moral substancial.

Não há nenhum dispositivo legal que determine ou exemplifique o que é moralmente

relevante e o que não é, logo é uma decisão completamente subjetiva sua e dependente de uma

análise do caso concreto. Através desse questionário, queremos saber se você considera o

estupro que motivou Antônio a matar Pedro Paulo um motivo moralmente relevante.

Dispositivo Legal: Art. 121. Matar Alguém: Pena – reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de diminuição de pena (homicídio privilegiado) §1o Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor moral, o juiz pode reduzir a pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço).

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Ficha Criminal No 1777829-81

Ana Vitória Vieira Galvão

(Foto Aqui) Registro da 13o DP do RJ.

Antecedentes Criminais: Nada Consta. Informações Adicionais: Estudante de Psicologia, 23 anos. Ficha Criminal No 1454825-77

Antônio Vieira Galvão

(Foto Aqui) Registro da 13o DP do RJ. Antecedentes Criminais: Nada Consta. Processo Atual: Acusado de cometer homicídio. Informações Adicionais: Engenheiro Civil, 45 anos. Ficha Criminal No 1456822-61

Pedro Paulo Souza

(Foto Aqui) Registro da 13o DP do RJ. Antecedentes Criminais: Preso anteriormente por quatro anos por crime de roubo. Processo Atual: Acusado de cometer estupro. Informações Adicionais: Desempregado, 29 anos.  

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Responda:    1)Você   consideraria   o   estupro   cometido   como   sendo   um   motivo   moralmente  relevante,  e  consequentemente  caracterizaria  o  crime  cometido  por  Antônio  como  homicídio  privilegiado,  fazendo  assim  com  que  a  pena  dele  fosse  reduzida  de  1/6  a  1/3.      ____  Sim    ____  Não      2)  Marque  na  escala  abaixo  o  quão  certo  você  está  de  sua  decisão.  (1  sendo  o  mínimo  e  7  o  máximo)        1-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐2-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐3-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐4-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐5-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐6-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐7  

                 

 Somente  vire  a  página  e  responda  as  próximas  questões  se  você  caracterizou  o  

crime  descrito  como  homicídio  privilegiado.                                

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3)  Você  diminuiria  a  pena  base  que  é,  nesse  caso,  de  12  anos,  em:    ____  1/6  (pena  final  seria  de  10  anos)    ____  1/3  (pena  final  seria  de  8  anos)      4)  Marque  na  escala  abaixo  o  quão  certo  você  está  da  sua  decisão  (1  sendo  o  mínimo  e  7  o  máximo).      1-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐2-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐3-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐4-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐5-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐6-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐7        5)  Caso  não  houvesse  dispositivo  legal  determinando  que  a  pena  base  só  pudesse  ser  diminuída  em  1/6  e  1/3,  e  fosse  possível  diminuir  a  pena  base  de  10  anos  em  qualquer  uma  das  opções  abaixo.  Qual  você  escolheria?      ____  1/6  (pena  final  seria  de  10  anos)    ____  2/3  (pena  final  seria  de  8  anos)    ____  3/6    (pena  final  seria  de  6  anos)    ____  4/6  (pena  final  seria  de  4  anos)    ____  5/6  (pena  final  seria  de  2  anos)        6)  Marque  na  escala  abaixo  o  quão  certo  você  está  de  sua  decisão  (1  sendo  o  mínimo  e  7  o  máximo).        1-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐2-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐3-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐4-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐5-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐6-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐-­‐7  

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4. Resultados e Discussões Após analisar todas as 80 vinhetas distribuídas e comparar os quatro grupos chegou-se

a diversos resultados e conclusões relevantes ao escopo desse trabalho. Todos os participantes

do grupo 1 (100%) caracterizam o homicídio como sendo privilegiado. Os membros desse

grupo reduziram, em média, a pena base em 6.5 anos.

Apenas 65% dos participantes do grupo 2 classificaram o homicídio como sendo

privilegiado. Dentre os que reduziram, a média de redução foi de 5.5 anos. No grupo 3, por

sua vez, 55% dos participantes caracterizam o crime como sendo privilegiado, e a média de

redução de pena dentre eles, foi de somente 4 anos. Por último, 75% dos participantes do

grupo 4 caracterizaram o crime como privilegiado. Esses participantes reduziram a pena, por

sua vez, em 4.5 anos. Observa-se os seguintes gráficos:

0.00%  

20.00%  

40.00%  

60.00%  

80.00%  

100.00%  

Grupo  1   Grupo  2   Grupo  3   Grupos  4  

Homicídio  Privilegiado  

%  Homicídio  Privilegiado  

0  1  2  3  4  5  6  7  

Grupo  1   Grupo  2   Grupo  3   Grupo  4  

Redução  de  Pena  

Redução  de  Pena  Em  Anos  

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4.1 Da Análise Do Experimento

Conforme foi dito anteriormente, o objetivo estabelecido para o experimento era

apenas o de averiguar se a simples alteração das fotos iria afetar a decisão dos participantes.

Não houve nenhuma tentativa de buscar controlar variáveis com o intuito de analisar um viés

específico. Buscava-se tão somente observar a influencia dos vieses como um todo. Uma

possível alteração da decisão seria o suficiente para demonstrar que os jurados foram de fato

influenciados por vieses, afinal, as situações eram análogas.

Diante dos resultados expostos, vemos o impacto dos viéses na tomada de decisão dos

participantes. A mera alteração da foto gerou significantes diferenças nas decisões. No grupo

1, por exemplo, 100% dos participantes caracterizaram o homicídio como sendo privilegiado

enquanto que no grupo 3 apenas 55%, ou seja, quase a metade. Esse número expressa uma

diferença notável. Ademais, observa-se que o Grupo 1 reduziu a pena em 2.5 anos a mais do

que o grupo 3.

Todos esses dados indicam que a falta de definição e exemplificação em lei do

conceito de “relevante valor moral” gera sérios problemas. Observa-se claramente que a

decisão dos jurados, mostrou-se suscetível a viéses.

É importante notar que o caso descrito de situação moralmente relevante é um

exemplo clássico da doutrina, logo era de se esperar que os jurados fossem caracterizá-lo

como tal. Contudo vemos que em todos os grupos exceto o grupo 1, uma quantidade

substancial de participantes não enquadrou o caso descrito na figura do homicídio

privilegiado. Isso reforça a minha hipótese de que essas normas na zona de penumbra trazem

consequências negativas para o direito, tais como decisões norteadas por viéses implícitos, e

que isso, por sua vez, viola os princípios de imparcialidade de julgamento e igualdade.

5. Conclusão

Através do experimento, ficou comprovado que a ausência de definição em lei do

conceito de “relevante valor moral”, torna a decisão do jurado mais suscetível a problemas de

imparcialidade e vieses. Embora o caso do questionário fosse o mesmo, as decisões dos

jurados variaram significantemente de um grupo para o outro devido tão somente às

características físicas das pessoas retratadas pelas fotos.

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A falta de explicação ou orientação do que são situações moralmente relevantes é,

como vimos, perigosa, pois ela abre caminho para a parcialidade. Diversos viéses implícitos

encontram nela a oportunidade de se manifestar.

Conforme o experimento evidenciou, as características dos sujeitos retratados nas fotos

afetaram a caracterização do homicídio privilegiado. Não foram as ações descritas no caso que

definiram a pena a ser aplicada, mas sim aquilo que podia se extrair das fotos presentes nas

fichas dos personagens da vinheta.

Diante do exposto, torna-se imprescindível buscar algumas soluções para esse

problema que vem trazendo preocupações alarmantes ao nosso sistema de direito e aos

princípios de igualdade e da segurança jurídica. A primeira possível solução seria a de mostrar

para os jurados literatura e informação sobre viéses. As práticas de “debiasing” já são muito

utilizadas em países como os Estados Unidos. Quando um jurado faz uma decisão sabendo de

vários dos seus possíveis viéses implícitos sua decisão corre um risco menor de ser parcial.

Outra solução interessante para o caso dos viéses na caracterização de homicídio

privilegiado é a do legislador fornecer um rol exemplificativo. Uma série de exemplos poderia

ajudar a nortear o julgamento do jurado e também acabaria por evitar que alguns casos mais

recorrentes e clássicos ficassem suscetíveis a esse problema.

Diante de todos os fatos expostos, conclui-se que a hipótese estava correta, e que as

soluções supracitadas deveriam ser implementadas para que possamos nos aproximar cada vez

mais de um processo de tomada de decisão mais imparcial.

6. Referências

1 - Nucci, Guilherme S. Tribunal Do Júri. 5th ed. Rio De Janeiro: Forense, 2014. 2 - Levinson, Justin D., and Robert J. Smith. Implicit Racial Bias across the Law. Cambridge: Cambridge UP, 2012. 3 – Greco, Rogerio. Curso de Direito - Penal Parte Especial. Volume II. 10a ed. Niteroi, Rio de Janeiro: Impetus, 2013. 4 – Myers, David G. Pscicologia Social. AMGH Editora Ltda, 2014. 5 – Bayer, Patrick, Randi Hjalmarsson, and Shamena Anwar. "The Impact of Jury Race in Criminal Trials." The Quarterly Journal of Economics (2012) 6 – Greco, Rogério. Código Penal Comentado. Editora: Impetus. 6a ed. 2012

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7 – Burton. A.M. , White. D, & McNeill. A. (2010) The Glasgow Face Matching Test. Behaviout Research Methods, 42 (1), 286 – 291. doi: 10.3758/BRM. 42.1.286 8 – Psycologial Image Collection at Sterling. 2D face sets. Utrecht ECVP. Web: http://pics.stir.ac.uk/. 9 – DataBase of Faces. AT&T Laboratories. Cambridge University Computer Laboratory. 2002. 10 – Nucci, Guilherme S. Código de Processo Penal Comentado. 5th ed. Rio De Janeiro: Forense, 2014.