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Artigo: Juizados Criminais: ampliação, inclusive para crimes com PROCEDIMENTOS ESPECIAIS Luiz Flávio Gomes Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, co-editor do site ibccrim.com.br e Diretor-Presidente do Centro de Estudos Criminais (www.estudoscriminais.com.br) GOMES, Luiz Flávio. Juizados Criminais: ampliação, inclusive para crimes com procedimentos especiais. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 13.05.2002 O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Quinta Câmara) já tinha reconhecido (pioneiramente no Brasil) que o novo conceito de infração de menor potencial ofensivo dado pela Lei 10.259/01 (crimes até dois) vale também para o âmbito dos juizados estaduais. É o que ficou decidido no Recurso em Sentido Estrito 70003736428, rel. Amilton Bueno de Carvalho, que sublinhou: "Penal. Processual penal. Recurso em sentido estrito. Porte e disparo de arma de fogo. Competência. Isonomia. Derrogação do artigo 61 da lei 9.099/95. Retroatividade da lei 10.259/01. Com o advento da Lei 10.259/01, restou ampliado o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, por exigência da isonomia Constitucional". "O comando normativo contido no art. 2°, da Lei 10.259/01 possui contornos penais suficientes a atrair a observância imperativa do disposto no inciso XL do rol das garantias constitucionais (art. 5°). As demandas iniciadas antes de 14.01.02 tramitarão no juízo comum, assegurado ao réu os benefícios da Lei 9.099/95. Recurso provido, em parte, por unanimidade." (cf. a íntegra desse acórdão no www.estudoscriminais.com.br - banco de dados). Em novo julgado (de 24.04.02), o TJRS não só ratificou seu entendimento anterior a respeito da ampliação da competência dos juizados especiais (para dois anos) como firmou posição no sentido de que alcança também os procedimentos especiais.

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Artigo: Juizados Criminais: ampliação, inclusive para crimes com PROCEDIMENTOS ESPECIAIS

Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, co-editor do site ibccrim.com.br e Diretor-Presidente do Centro de Estudos Criminais (www.estudoscriminais.com.br)

GOMES, Luiz Flávio. Juizados Criminais: ampliação, inclusive para crimes com procedimentos especiais. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 13.05.2002

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Quinta Câmara) já tinha reconhecido (pioneiramente no Brasil) que o novo conceito de infração de menor potencial ofensivo dado pela Lei 10.259/01 (crimes até dois) vale também para o âmbito dos juizados estaduais.

É o que ficou decidido no Recurso em Sentido Estrito 70003736428, rel. Amilton Bueno de Carvalho, que sublinhou: "Penal. Processual penal. Recurso em sentido estrito. Porte e disparo de arma de fogo. Competência. Isonomia. Derrogação do artigo 61 da lei 9.099/95. Retroatividade da lei 10.259/01. Com o advento da Lei 10.259/01, restou ampliado o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, por exigência da isonomia Constitucional".

"O comando normativo contido no art. 2°, da Lei 10.259/01 possui contornos penais suficientes a atrair a observância imperativa do disposto no inciso XL do rol das garantias constitucionais (art. 5°). As demandas iniciadas antes de 14.01.02 tramitarão no juízo comum, assegurado ao réu os benefícios da Lei 9.099/95. Recurso provido, em parte, por unanimidade." (cf. a íntegra desse acórdão no www.estudoscriminais.com.br - banco de dados).

Em novo julgado (de 24.04.02), o TJRS não só ratificou seu entendimento anterior a respeito da ampliação da competência dos juizados especiais (para dois anos) como firmou posição no sentido de que alcança também os procedimentos especiais.

O art. 61 da Lei 9.099/95 dizia que eram infrações de menor potencial ofensivo as contravenções assim como os delitos punidos até um ano, ressalvados o casos de procedimentos especiais. O art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259/01, não só ampliou o conceito para dois anos, como não fez qualquer ressalva procedimental. Logo, também os casos de procedimentos especiais (como por exemplo: crimes contra a honra) incluem-se agora no âmbito dos juizados criminais (estaduais e federais).

Cf. TJRS, CC 70004092680, Amilton Bueno de Carvalho, j. 24.04.02, v.u, onde ficou assentado: "Processual penal. Conflito de competência. Crime contra a honra. Lei 10.259/01 e crimes com rito especial. Com o advento da lei 10.259/01, restou ampliado o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo no âmbito da justiça estadual, por exigência da isonomia constitucional. O comando normativo contido no art. 2°, parágrafo único, da lei 10.259/01 deu novo conceito à menor potência, ficando excluída a restrição aos crimes com rito especial contida no art. 61, in fine, da lei 9.099/95. À

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unanimidade, negaram provimento ao conflito, mantendo a competência do juizado especial criminal".

Muito correto esse entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Quinta Câmara). Não existia razão plausível, fundada na razoabilidade, para a exclusão dos crimes com procedimento especial do âmbito dos juizados. O procedimento, por si só, não podia (e agora inequivocamente não pode) constituir obstáculo para que um delito fosse ou não da competência dos juizados (cf. Gomes, L.F., Juizados especiais criminais, São Paulo: RT, 2002, p. 26). Leonardo Coelho do Amaral

Advogado/MG

AMARAL, Leonardo Coelho do. Críticas ao artigo Juizados Criminais: ampliação, inclusive para crimes com procedimentos especiais, de autoria do Dr. Luiz Flávio Gomes Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 23.07.2002

Por certo, sérias dúvidas acerca do alcance do parágrafo único do art. 2o. da Lei 10.259/01 surgiram como ainda surgem, haja vista, em particular, as medidas despenalizadoras próprias do JESPCRIM - Juizado Especial Criminal -. Uma delas abordada pelo douto Luiz Flávio Gomes, no artigo "Juizados Criminais: ampliação, inclusive para crimes com procedimentos especiais", publicado neste site e acessado nesta data.

Defende o ilustre doutor, com apoio em precedente jurisprudencial do TJ/RS, que a nova definição das infrações de menor potencial ofensivo alcançaria, a partir da vigência da Lei 10.259/01, aqueles crimes submetidos à processo especial, dentre outros, os crimes contra a honra, como se vê verbis: - "O art. 61 da Lei 9.099/95 dizia que eram infrações de menor potencial ofensivo as contravenções assim como os delitos punidos até um ano, ressalvados o casos de procedimentos especiais. O art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259/01, não só ampliou o conceito para dois anos, como não fez qualquer ressalva procedimental. Logo, também os casos de procedimentos especiais (como por exemplo: crimes contra a honra) incluem-se agora no âmbito dos juizados criminais (estaduais e federais). "

Não obstante, por óbvio, a profundo respeito que se possui pelo ilustre Professor, impossível deixar de constatar que tal interpretação acabou por estender em demasiado o conceito de "infração de menor potencial ofensiva".

Importante, todavia, antes mesmo de ir ao "centro da questão", destacar que, indepedente do crime ser ou não de competência do JESPCRIM, sempre se aceitou a aplicação, nos respectivos "procedimentos especiais", das medidas despenalizadoras previstas na Lei 9.099/95. E mais, tal competência para julgamento dos delitos de menor potencial ofensivo, segundo se observa daquela lei, não pode ser vista como de natureza absoluta, pois que, dependendo da complexidade do caso ou da própria identificação do réu, os autos devem ser remitidos ao "juízo comum", quando então se submetem ao rito processual compatível com a espécie delituosa.

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Feitas tais considerações prévias, no que se refere ao alcance da moficação do conceito legal de infração de menor potencial ofensivo, urge observar que, segundo a LC n. 95/98, com a alteração do art. 9o. pela LC n. 107/01, a lei nova deverá sempre apontar as normas ou as leis que por ela estão sendo revogadas. Não sendo assim, a revogação parcial ou total poderá ocorrer quando houver o tratamento de matéria idêntica, naquilo que se costuma apelidar de revogação tácita por "incompatibilidade de conteúdo". Neste caso, nada impede que uma norma anterior permaneça no tempo com seus efeitos legais de maneira parcial, convivendo harmonicamente com a norma mais nova, ou seja, inexistindo a tal "incompatibilidade de conteúdo", verifica-se a derrogação da norma, permanecendo em vigor a parte em que não trata da questão abordada pela nova norma.

O art. 61 da Lei 9.099/95, conquanto tenha, em relação aos crimes, optado por um critério objetivo - pena máxima de 01 ano prisão ou multa - para a definição dos de menor potencial ofensivo, deixou explicitado que aqueles que, mesmo encaixando em tal conceito, mas submetidos a procedimento especial, estariam fora da competência do JESPCRIM. Ante a excessão contida na lei, o entendimento predominante, seja na doutrina, como nos Tribunais pátrios, tendeu à aceitação de tal distinção, preservando-se como isso os procedimentos específicos de alguns crimes e a respetiva competência da Justiça comum .

Com a Lei do JESPCRIM Federal, por sua vez, não podem existir dúvidas de que o conceito de infração de menor potencial ofensivo foi realmente alterado em relação aos crimes com pena máxima até 02 anos de prisão. Contudo, não há como afirmar que a lei nova acabou revogando por completo o art. 61 da Lei 9.099/95, porque em tal situação, chegar-se-ía ao ponto de se concluir que até mesmo as contravenções penais deixaram de ser consideradas como infrações de menor pontencial ofensivo.

Ora, a modificação operada limitou-se ao critério objetivo, vale dizer, o tamanho da pena máxima, não tendo alcançado o restante da norma mais antiga, de forma que, se de um lado as contravenções permanecem como infrações de menor potencial ofensivo, de outro os crimes com procedimento especial também continuam fora de tal conceituação, sujeitos pois à competência da Justiça comum e não do JESPCRIM.

Se se optar por um discurso mais radical, como visto, em que se defenda a tese da total revogação do art. 61 da Lei 9.099/95 pela Lei 10.259/01, o resultado seria a exclusão das contravenções penais e a inclusão dos delitos com procedimento especial no conceito de infração de menor potencial ofensivo. Agora, se a escolha for no sentido de sustentar a vigência, ainda que parcial, daquela primeira norma, a conclusão limitaria os efeitos da nova norma aos crimes com pena até 02 anos de prisão, permitindo, outrossim, a manutenção do original sistema do JESPCRIM, cuidando também das contravenções, mas incompetente para os delitos submetidos a rito processual próprio e especial.

Crimes contra a honra, contra a propriedade intelectual, o porte de droga para uso e outros tantos submetidos a procedimento específico, em minha modesta opinião, muito embora possam atrair a aplicação das medidas despenalizadoras, inclusive a suspensão condicional do processo, não se adequam ao conceito de infrações de menor potencial ofensivo, permanecendo a Justiça comum com a competência, aqui sim absoluta, para os repectivos processos e julgamentos.

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São estes, pois, meus singelos comentários ao trabalho do douto Luiz Flávio Gomes, uma vez que, apesar do respeito e da admiração que dele possuo, a conclusão por mim alcançada a respeito de tal tema é no sentido contrário a que chegou o citado mestre, estando os crimes submetidos a procedimento especial fora do conceito de infração de menor potencial ofensivo, sendo o JESPCRIM incompetente para conhecer e julgar eventual denúncias ou queixa neles fundadas.