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1 O Colar Sophia de Mello Breyner Andresen PERSONAGENS POR ORDEM DE ENTRADA EM CENA VENEZIANO / VANINA / BONINA/ GIOVANNA / D. GERALDINA /TUTOR / PIETRO / BRUNO / CONDESSA ZETI / COMENDADOR / GIOVANNI / JULIANO / TOCADORES DE VIOLA / MORDOMO / NOTÁRIO / LORDE BYRON Esta peça foi representada pela primeira vez no Teatro Nacional de São João, no Porto, em Fevereiro-Março de 2002, e no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, em Março-Abril de 2002, pelo Teatro da Cornucópia, com encenação de Luís Miguel Cintra. VENEZIANO: Esta história aconteceu PRÓLOGO Num país chamado Itália Cidade é de mercadores Na cidade de Veneza E também de apaixonados Que é sobre água construída Sempre perdidos de amores E noite e dia se mira E cada dia ali chegam Sobre a água reflectida Persas judeus e romanos Franceses e florentinos Suas ruas são canais Artistas e bailarinos Onde sempre gondoleiros E ladrões e cavaleiros Vão guiando barcas negras Em Veneza tudo é belo Aqui só há uma sombra Tudo rebrilha e cintila As prisões da Signoria E os esbirros do doge Há quatro cavalos gregos Que espiam a noite e o dia Sobre o frontão de São Marcos De resto em Veneza há só E a ponte da Giudeca Dansa canções fantasia Desenha aéreo o seu arco Em Veneza tudo existe Cada ano aqui se tecem Pois é senhora do mar Histórias tão variadas Que às vezes até parecem Dos quatro cantos do mundo Aventuras inventadas Os navios carregados Desembarcam no seu cais Sedas tapetes brocados Pérolas rubis corais Colares Por isso aqui sempre digo Que Veneza é como aquela Cidade de Alexandria Onde há sol à meia- I ATO (Vanina, de costas, debruçada na janela. Ouve-se lá fora uma voz a cantar) VANINA: Está um dia lindo. Vou sair. Vou correr Veneza toda. Que dia lindo! (Pega na campainha que está em cima da cómoda e toca) Está tudo a brilhar: brilha a água, brilha o Sol, brilham os vidros da janela, brilham os olhos das pessoas. BONINA: Haveis tocado, Senhora? VANINA: Traz o meu chapéu novo! BONINA: É já, Senhora!

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O ColarSophia de Mello Breyner Andresen

PERSONAGENS POR ORDEM DE ENTRADA EM CENA

VENEZIANO / VANINA / BONINA/ GIOVANNA / D. GERALDINA /TUTOR / PIETRO / BRUNO / CONDESSA ZETI / COMENDADOR / GIOVANNI / JULIANO / TOCADORES DE VIOLA / MORDOMO / NOTÁRIO / LORDE BYRON

Esta peça foi representada pela primeira vez no Teatro Nacional de São João, no Porto, em Fevereiro-Março de 2002, e no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, em Março-Abril de 2002, pelo Teatro da Cornucópia, com encenação de Luís Miguel Cintra.

VENEZIANO:

Esta história aconteceu

PRÓLOGO

Num país chamado Itália Cidade é de mercadoresNa cidade de Veneza E também de apaixonadosQue é sobre água construída Sempre perdidos de amoresE noite e dia se mira E cada dia ali chegamSobre a água reflectida Persas judeus e romanos

Franceses e florentinosSuas ruas são canais Artistas e bailarinosOnde sempre gondoleiros E ladrões e cavaleirosVão guiando barcas negrasEm Veneza tudo é belo Aqui só há uma sombraTudo rebrilha e cintila As prisões da Signoria

E os esbirros do dogeHá quatro cavalos gregos Que espiam a noite e o diaSobre o frontão de São Marcos De resto em Veneza há sóE a ponte da Giudeca Dansa canções fantasiaDesenha aéreo o seu arcoEm Veneza tudo existe Cada ano aqui se tecemPois é senhora do mar Histórias tão variadas

Que às vezes até parecem

Dos quatro cantos do mundoAventuras inventadas

Os navios carregadosDesembarcam no seu cais Sedas tapetes brocados Pérolas rubis corais Colares anéis e pulseiras Perfumes orientais

Por isso aqui sempre digo Que Veneza é como aquela Cidade de AlexandriaOnde há sol à meia-noiteE há lua ao meio-dia

I ATO

(Vanina, de costas, debruçada na janela. Ouve-se lá fora uma voz a cantar)

VANINA: Está um dia lindo. Vou sair. Vou correr Veneza toda. Que dia lindo! (Pega na campainha que está em cima da cómoda e toca) Está tudo a brilhar: brilha a água, brilha o Sol, brilham os vidros da janela, brilham os olhos das pessoas.

BONINA: Haveis tocado, Senhora?

VANINA: Traz o meu chapéu novo! BONINA: É já, Senhora!

VANINA: Tenho que me pentear melhor. (Vanina vê-se outra vez ao espelho) Tenho que me pentear melhor! BONINA: Está aqui o chapéu, Senhora.VANINA (a falar sozinha e a pentear-se em frente do espelho): O pior é ter de levar comigo a D. Geraldina. E está sempre a espiar-me e conta tudo ao meu tutor. Mas hei de arranjar maneira de a distrair e de a «semear» quando for preciso! Estou um bocado pálida, preciso de rouge...

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(Bonina entra com um pente numa pequena bandeja)

VANINA: Obrigada. Traz a minha caixa de pintura!

BONINA: É já, Senhora!

(Bonina vai a sair, mas Vanina chama outra vez)

VANINA: Traz também a minha caixa de perfumes.

(Vanina continua a arranjar-se em frente do espelho, a pentear-se e a pôr rouge)

VANINA: Se for preciso, depois de termos tomado um gelado na Praça de São Marcos, peço à D. Geraldina que vá à igreja comprar uma vela benta, e digo que não posso sair dali porque estou à espera das minhas amigas. (Olha-se bem ao espelho, e diz) Os meus olhos também brilham. Hoje estão completamente azuis, estou bem bonita, bem bonita - ai, adoro- me a mim própria!

(Entretanto, toca a campainha e Bonina entra de novo)

VANINA: Bonina, vai dizer à D. Geraldina que se prepare para sair porque eu quero dar um passeio até à Praça de São Marcos.

BONINA: Ai, Senhora, ela vai resmungar tanto! Ela só gosta de ficar em casa, sentada à janela a bordar aquela colcha que nunca mais está pronta... Detesta ir à rua.

VANINA: Ela só gosta de estar quieta como um armário, imóvel como a maçada. Chama-se Geraldina. Mas não quer girar. É preciso arrastá-la. Vai depressa, Bonina, que ela leva tanto tempo a fazer a toilette.

BONINA: É já, Senhora!

VANINA: Tu ao menos gostas de girar. És rápida, és súbita! Vai, vai. E põe a D. Geraldina a girar... (Vanina fica só. Ri.

Edepois de a criada sair diz) Querida, querida Bonina! (Depois aproxima-se da boca de cena e vira-se para o público) Vou

sair porque está um dia lindo. Mas não é para ver o dia, nem as lojas, nem os vestidos das mulheres bonitas, nem o leão de

bronze de São Marcos, nem as gôndolas a passar debaixo da ponte do Rialto. Quero sair é para ver, quer seja ao longe,

quer seja ao perto, ver ou ao menos avistar, sequer ao menos a sombra da mais bela maravilha de Veneza. Do mais belo

dos jovens fidalgos de Veneza. Está claro que já sabeis que estou a falar do Pietro, do filho do Conde Alvisi que morreu

arruinado. Por isso ele é pobre como Job, belo como um príncipe e misterioso como um pirata. O meu tio, que é meu tutor,

quer que eu case com o Comendador Zorzi. Mas como é que eu hei de casar com ele, quando existe um homem como o

Pietro Alvisi? Já disse o meu segredo, e espero que ninguém vá repetir ao meu tio! Porque ele detesta o Pietro! Mas eu

apaixonei-me por ele desde o primeiro instante e para sempre. Foi há quinze dias, em casa da minha amiga Giovanna que é

prima dele. Era igual a uma pintura que havia num quadro na sala dela. Olhei bem para ver se a pintura não tinha saído do

sítio... Todos pararam de dançar quando ele chegou. Mas algumas pessoas, com ar importante, saíram... Mas as outras

correram para ele a pedir: «Pietro, Pietro, canta!» Ele respondeu: «Canto na varanda», e fomos atrás dele para a varanda.

Que bela voz! Nunca ouvi cantar assim, com tanta doçura e tanta paixão. Quando ele acabou de cantar, as pessoas, depois

de muitos aplausos, começaram a sair para a ceia. Eu ia a sair também. Mas ele colheu uma rosa da trepadeira, e disse: «A

rosa mais bonita para a menina mais bonita da festa!» Eu fiquei louca de alegria e de espanto, e não fui capaz de dizer uma

única palavra. E sem abrir a boca, afastei-me quase a correr. E agora que é que eu hei de fazer? Como é que eu lhe hei de

agradecer? Ai, vou-lhe escrever uma carta!

BONINA (entrando): Senhora, está ali a vossa amiga D. Giovanna Alvisi.

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VANINA: Diz-lhe que suba, que suba. (Bonina sai) Ai, vou mandar uma carta por ela ao Pietro, a explicar tudo e a agradecer- lhe.

GIOVANNA: Querida Vanina!

VANINA: Querida Giovanna! Gosto tanto de te ver!

GIOVANNA: Gosto tanto de te ver. E gosto de te ver tão bonita e com tão boa cara. Passei por aqui porque ouvi dizer

que no dia do meu baile tinhas saído a correr. Mas vejo que já estás ótima. Também me disseram que o meu primo Pietro

te deu uma rosa vermelha, mas que tu não agradeceste, nem abriste a boca, nem fizeste um sorriso e saíste muito

depressa, Penso que, de facto, não te sentiste bem.

VANINA: Pois, pois, não sei explicar, não me senti bem. Senti-me

tonta. GIOVANNA: Também me disseram que tinhas ficado muito

pálida. VANINA: Foi o perfume da rosa que era tão forte.

GIOVANNA: Ai pobre Vanina, não resistes ao perfume de uma rosa. Mas é verdade que a rosa era perfumada de mais. Ai de ti, Vanina!

VANINA: Estou tão aflita por não ter agradecido ao teu primo. Vou escrever já.

(Corre para a mesa, pega num papel e começa a escrever)

GIOVANNA: Calma, não tenhas pressa, não é preciso, eu levo o teu recado e explico tudo ao Pietro.

VANINA (enquanto escreve): Diz-lhe tudo, diz-lhe que a voz dele me maravilhou, mas que o perfume da rosa me estonteou. Fiquei incapaz de falar e de agradecer. A minha garganta ficou seca.

GIOVANNA: Digo tudo, sossega. O pobre Pietro, coitado, está afogado em

problemas. VANINA: Ai, que aconteceu?

GIOVANNA: O pai dele morreu arruinado. Ele teve que vender o palácio, a quinta, os quadros, as joias. Reuniu-se a

família

para arranjar um remédio. Um tio nosso que é embaixador convidou-o para ser seu secretário. Mas ele respondeu que

queria trabalhar para a Senhoria de Veneza, porque a Senhoria tinha uma grande prisão escura e húmida, onde os presos

desaparecem e nunca mais voltam à luz do Sol. Então outro tio, que é general, convidou-o para se alistar no seu regimento.

Mas o Pietro respondeu que não podia passar a vida a matar homens e que detestava música militar. Declarou que ia

trabalhar como músico a troco de dinheiro; cantar em concertos, em festas, em serões, a troco de dinheiro, e cantar

serenatas que os apaixonados com má voz ou mau ouvido encomendassem.

VANINA: Ai que vida divertida! (Bate palmas)

GIOVANNA: Divertida, sim, mas impossível, indigna, vergonhosa e

escandalosa. VANINA: Mas porquê? Eu não acho! Acho uma vida ótima.

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GIOVANNA: Ser cantor errante é um ofício indigno de um fidalgo. Não queremos que o Pietro seja um

desclassificado.

VANINA: Então, que há de ele fazer?

GIOVANNA: Tem que se casar já, já, muito depressa, com uma herdeira muito

rica.

VANINA (fica um instante muda): Mas isso não é indigno, vergonhoso, escandaloso? Não é horrível?

GIOVANNA: Mas não há outro remédio!

VANINA: Mas se ele não quiser?

GIOVANNA: Tem de querer. A vida é difícil, Vanina. Não queremos que o Pietro seja um fidalgo desclassificado, um

vagabundo, e acabe como um mendigo ou na prisão da Senhoria. Sei que é horrível, tenho o coração partido em dois. (Tira

do peito o coração partido em dois. Mostra) Vês? (Mete rapidamente o coração dentro do peito) Mas temos que engolir o

desgosto.

VANINA: Ai!

GIOVANNA: Engole a tua pena como eu. (Vanina começa a chorar) Engole o choro, minha querida. E agora tenho que ir embora. Vou visitar todas as herdeiras ricas da cidade, para ver qual é a mais doce, mais alegre e mais paciente. A mulher que casar com o Pietro tem que ser muito paciente. Adeus! (Sai)

VANINA (só): Ai de mim! O meu coração está partido em sete bocados. (Tira do peito o coração partido aos pedaços) Anjos do céu, ajudai-me! (Ouve-se uma música celestial. A cabeça de Vanina começa a subir devagar, enquanto o corpo permanece em baixo, com o coração partido nas mãos D. Geraldina entra)

D. GERALDINA: Ai, Senhora, estais toda descomposta! Senhora, onde estais? (A cabeça de Vanina desce lentamente e as mãos escondem o coração no peito)

D. GERALDINA: Ai Vanina, Vanina, se o vosso tutor vos vê nessas posturas!... Por tudo vos peço, deixai estas habilidades, impróprias de uma senhora de boa família. Ai, se o comendador Zorzi vos vê neste estado...

VANINA: Não quero que esse abutre me veja de maneira nenhuma.

D. GERALDINA: - Ai, Senhora, que injustiça, que ingratidão, homem tão distinto, tão atencioso, tão delicado!

VANINA: D. Geraldina, estais a enfrenesiar-me.

D. GERALDINA: Senhora, acalmai-vos, acalmai-vos.

VANINA: Acabais de me dar uma boa ideia, D. Geraldina. Se o Comendador aqui vier, divido-me em quatro bocados, e ele, com o susto, desaparece para sempre.

D. GERALDINA: Ai credo, não vos fica bem, Senhora, dizer estas coisas.VANINA: Vamos sair, D. Geraldina. Ide descendo para a entrada que eu já lá vou ter. (Toca a campainha. Sai D. Geraldina. Vanina, só) Tenho de ter calma, tenho de ser inteligente, tenho de fazer um plano e não fazer nenhum erro. (Entra Bonina) Está muito calor. Traz-me o leque. (Bonina sai. Vanina, só, virada para o público) A Bonina é espertíssima e fina como um coral. Sabe tudo quanto se passa em Veneza. Tem amigos por todos os lados que são um verdadeiro serviço de informações. Vamos a ver o que é que ela diz. (Volta Bonina com o leque)

BONINA: Está aqui o leque.

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VANINA: Obrigada. Fazes tudo sempre tão bem. Que seria de mim sem ti?

BONINA: Obrigada, Senhora. (Vanina põe o pó-de-arroz e, por fim, põe o chapéu)

VANINA: Dá-me notícias de Veneza. Diz-me quem é agora o cantor da moda.

BONINA: Ai, Senhora, é um fidalgo chamado Pietro Alvisi. É um homem belo, belo, belo. E é um cantor maravilhoso. Dizem que todas as mulheres de Veneza estão apaixonadas por ele.

VANINA (aparte): Ai!

BONINA: O quê, Senhora?

VANINA: Nada! E ele por quem está apaixonado?

BONINA: Não se fala de nenhuma namorada. Ri com todas e diz galanteios a todas as mulheres novas e

bonitas. VANINA (aparte): Ai! Mais uma espada.

BONINA: O quê, Senhora?

VANINA: Nada! Nada. (Vê-se ao espelho) Estou tão pálida, tenho de ir sair depressa. Traz-me o meu véu de renda

preta. BONINA: É já, Senhora. (Bonina sai)

VANINA: Namora com todas as mulheres novas e bonitas... Anjos musicais, consolai-me! (A cabeça começa a subir. Bonina entra com o véu de renda preta e pousa-o em cima da mesa. Entra o Tutor)

TUTOR: Vanina, Vanina! Estás toda descomposta. (Vira-se para Bonina) Sai! (Para Vanina) Vanina, põe-te no teu lugar! (A cabeça de Vanina começa a descer) Andas sempre com a cabeça no ar. Que é que tu vais fazer lá em cima?

VANINA: Quando estou triste, vou ouvir a música dos anjos.

TUTOR: Minha sobrinha, acaba com essas fantasias. Sou teu tio e teu tutor e gosto muito de ti - mas tenho muito medo das tuas fantasias. Para te curares, precisas de casar depressa com um homem de uma certa idade e muito sensato.

VANINA: Ai, ai! (A cabeça começa de novo a subir)

TUTOR: Vanina, põe-te no teu lugar. Achas que é digno e decente uma rapariga, quando lhe falam a sério, começar a falar da música dos anjos? Hoje quero falar contigo muito a sério, Vanina. (A cabeça de Vanina volta ao seu lugar) O Comendador Zorzi veio ontem à minha casa pedir-me a tua mão. Eu disse-lhe que esse casamento seria para mim uma grande honra e uma grande alegria.

VANINA: Não, não, não, meu tio. Não quero, é muito velho.

TUTOR: Muito velho, não. É um homem de uma certa idade.

VANINA: É certo que é um homem de uma certa idade mas a idade dele não acerta com a minha. Tem quase quatro vezes a minha idade!

TUTOR: Não, três vezes. E é um homem muito civilizado e com muito bom aspecto.

VANINA: Parece um peru estufado. Está todo seco. Mas com todas as suas penas vistosas à vista.

TUTOR: É um homem elegantíssimo. Já viste que belas maneiras tem, e que belos fatos, e que belíssimas capas, e que belíssimas botas florentinas?

VANINA: Antes quero um homem novo com fatos velhos.

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TUTOR: A juventude é só riso e leveza, mas é cheia de ignorância, de sonhos, de loucuras, e qualquer suspiro ou brisa a perturba. É cheia de paixões perigosas e de ilusões arrogantes. Não, Vanina, não quero que cases com um jovem, maluco, impertinente. Quero que cases com um homem sensato, cheio de experiência da vida, como o Comendador.

VANINA: É a vossa vontade, meu tio, mas não é a minha livre vontade.TUTOR: Deixa falar o tempo, Vanina. Precisas de conhecer melhor o Comendador. Ontem ele convidou-nos para irmos jantar a casa dele. Vais ver que é um palácio Iindíssimo. Eu infelizmente não posso ir, porque a essa hora tenho uma entrevista marcada com o embaixador da Pérsia.

VANINA: Então vou só eu? Vou sozinha?

TUTOR: Não, vai contigo a digníssima D. Geraldina, e também lá estará uma tia do Comendador que vive com ele.

VANINA: Tia do Comendador? Deve ter noventa anos!

TUTOR: É verdade. Mas é uma senhora lucidíssima e interessantíssima.

VANINA: Calculo... (aparte) Que jantar sinistro!

TUTOR: Por agora só te peço isto: que vás jantar amanhã com o Comendador.

VANINA: Sim, meu tio.

TUTOR: Bem, Agora só mais uma coisa: contaram-me que há quinze dias, num baile em casa da tua amiga Giovanna, o primo dela, o Pietro Alvisi, te deu uma rosa vermelha. VANINA: Muito vermelha, meu tio.

TUTOR: Esquece a rosa, o perfume e o gesto. Pietro Alvisi é um fidalgo desclassificado e arrogante. Não há nada pior. É um daqueles jovens loucos de que te falei. Vive para festas contínuas e para a ruína próxima. É um caçador de aventuras. É um barco que anda à procura do naufrágio. (Vanina põe a mão no peito)

VANINA (aparte): Pietro Alvisi parece filho do mar e do vento.

TUTOR: Estás a ouvir, Vanina?

VANINA: Estou a ouvir, meu tio.

TUTOR: Mas também me contaram que, quando ele te deu a rosa, ficaste branca, muda e saíste a correr. Muito bem, portaste-te muito bem. É assim que te deves portar se voltares a encontrar o Pietro Alvisi. Estás a ouvir, Vanina?

VANINA: Estou a ouvir, meu tio.

TUTOR: Tenho que me ir embora. Tenho um dia muito ocupado. Adeus, minha querida sobrinha. Porta-te bem, com muito juízo. Guarda como um tesouro as minhas palavras, porque são as palavras da experiência. (Beija-a na testa) Estás a ouvir, Vanina?

VANINA: Estou a ouvir, meu tio.

TUTOR: Bem, tenho de ir. (Sai)

VANINA: Tenho de sair depressa! (Entra Bonina) Estavas aí atrás da porta a ouvir?

BONINA: Não, Senhora, estava à espera de ouvir a campainha!

VANINA: Vou sair, já, já. Traz-me o meu chapéu de palha!

BONINA: Mas já cá está um!

VANINA: Mas quero outro. Quero o azul, com o véu de renda azul. Já, já!

BONINA: Já, já, Senhora. (Sai)

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VANINA: Tenho de ir depressa, tenho de encontrar o Pietro para lhe levar a carta que a Giovanna não quis levar e ver se consigo falar com ele! Por isso é melhor levar um véu na cara, para que ninguém me conheça e ninguém venha dizer ao meu tio que me viu a falar com o Pietro. (Entra Bonina com o chapéu) Obrigada, Bonina. (Em frente do espelho pequeno, de frente para o público, põe o chapéu azul) Não, é muito transparente. (Escolhe o chapéu rosa com o véu preto à frente) Ah, assim está bem!

BONINA: Senhora, é pena irdes com a cara tão tapada num dia tão bonito.

VANINA: É por isso mesmo, Bonina, não quero que o sol me queime. (Sai a correr)

BONINA (vai até à boca de cena, virada para o público): Algo há de estranho. A Senhora sai com a cara tapada, escondidapara não a verem. Sai a correr como um gamo. E tão agitada. É esquisito. Vai tão enfeitada, e não quer que a vejam. Não quer que ninguém a reconheça. Mas vai muito pintada, porque quer que alguém a reconheça... Há aqui grande enredo. Deve ser um caso de amor.

(Cai o pano. Ouvem-se barulhos vindos de fora. Vozes, gritos, chamamentos, bater de remos na água, vozes que cantam, vozes que discutem, risos, gargalhadas, insultos, pregões, até que um sino, muito devagar, bate nove pancadas. Enquanto o sino bate, o pano abre devagar. E, na janela onde havia sol, é noite escura. Quarto de Vanina vazio. Cama, cómoda com espelho. Passam uns instantes. Ouvem-se vozes e passos no corredor. Entra Vanina seguida de Bonina que traz uma vela; pousa-a em cima de uma mesa, enquanto acende duas velas em cima da cómoda)

BONINA: Senhora, como haveis demorado tanto? Estávamos todos tão aflitos! O dia inteiro fora, até cair a noite. Que perigo, Senhora.

VANINA: Não digas mais nada. Não quero ouvir.

BONINA: Onde quereis cear, Senhora?

VANINA: Não quero ceia, traz-me um copo de água. Mas primeiro vai dizer que levem a ceia ao quarto da D. Geraldina, quedeve estar muito cansada. (Vanina só. Aproxima-se do espelho grande. Tira o chapéu e o véu, que põe em cima da cómoda. Silêncio) Nada, nada!! O dia inteiro a correr a cidade, sem conseguir encontrar o Pietro. Primeiro, na minha gôndola, percorri todos os canais, passei debaixo de todas as pontes. Depois fomos a pé pelas ruas e pelas praças. Passámos por cima de todas as pontes, mas não o encontrei. Deixei a D. Geraldina a descansar numa igreja e disse-lhe: «Venho já.» Voltei duas horas depois, quando começava a escurecer. Nas trattorias e em toda a parte perguntei se sabiam onde cantava esta noite o Pietro Alvisi, mas ninguém sabia... Até que um garoto que ouviu a conversa, me disse: «Eu sei, Senhora, vai cantar uma serenata a uma dama.» «Que dama?», perguntei. Mas o rapazinho não sabia. Disse-me só: «É uma dama por quem ele está apaixonado.» Fui ter com a D. Geraldina. A igreja já tinha a porta fechada, e ela estava sentada no degrau de uma escada. Resolvi voltar para casa, mas levámos muito tempo a encontrar o nosso gondoleiro, porque ele tinha decidido ir à nossa procura. Nunca vi noite tão escura. Escura como o meu coração. (Atira-se para cima da cama, a soluçar. Entra Bonina alvoroçada)

BONINA: Senhora, Senhora! Imaginai o que aconteceu: olhai pela janela.

VANINA: Não quero ver nada, e está tudo escuro; não se pode ver nada.

BONINA: Não, Senhora, a lua cheia já começou a subir. Daqui a pouco estará acima dos muros, dos palácios, do leão de SãoMarcos e dos campanários das igrejas.

VANINA: Não quero ver nada. (Bonina abre a janela e espreita)

BONINA: Senhora, vinde espreitar!

VANINA: Fecha a janela. Não quero saber de nada. Estou triste. Caiu-me a alma aos pés. Estou vencida.

BONINA: Mas, Senhora, em frente da vossa janela está uma cena que vos vai fazer rir.

VANINA: Nada hoje me pode fazer rir.

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BONINA: Em frente da vossa janela está uma gôndola, e dentro da gôndola, a olhar para a vossa janela, está o ComendadorZorzi que vos vem fazer uma serenata! Será possível que ele cante bem? Tem uma voz tão rouca...

VANINA: Ai, Bonina, só isto me podia fazer rir esta noite: tem má voz, é rouco, gosta pouco de música. Ai, Bonina, rio e choro ao mesmo tempo. Ele disse-me que só gostava de música militar. (Ri e torna a rir. Ouve-se o afinar das violas) Vai o Comendador cantar para mim enquanto o Pietro vai cantar para outra. O mundo é um jogo trocado. Ai de mim, Bonina. (E recomeça a chorar)

BONINA: Senhora, os músicos já estão a afinar as violas.

VANINA: O Comendador a cantar ao som das violas vai ser um concerto de gatos. Os músicos, coitados, até vão desafinar. (Os músicos começam a tocar e levanta-se uma voz jovem, quente e bela que canta)

PIETROQuanto é bela a juventude Se queres o amor O amor é perfume Colhe a rosa dadaQue depressa foge; Deixa-me agarrar-te Da rosa vermelha Com as duas mãosQuem quer ser feliz escolha Sou eu e só eu Para quem hesita,Agora, o dia de hoje Saberei amar-te Só há solidão

VANINA (quando Pietro começa a cantar): Abre as janelas de par em par. (No fim, ainda dedilham as violas) Em todos os cantos do mundo, reconheceria esta voz: voz bela e sedosa como a brisa do estio ao cair da tarde, mas forte e vibrante como o ressoar do mar bravo, e plena e feliz como o cheiro do jardim de Agosto, quando acaba de ser regalo.

BONINA: É certo que é uma bela voz!

VANINA: A mais bela voz do mundo.

BONINA: Senhora, que entusiasmo. Com certeza que vos quereis casar com o cantor que assim

cantou. VANINA (estendendo a mão): Juro que casarei com o homem que acaba de cantar!

BONINA: Ai que grande festa que vai ser! (Batem à porta. Bonina abre) É o Bruno, Senhora.

VANINA: Que entre. (Bruno entra com uma bandeja, onde estão uma carta e uma caixa de pele lavrada)

BRUNO: O Comendador Zorzi mandou entregar-vos esta carta e esta caixa, Senhora.

VANINA: Obrigada, podes ir embora; se eu quiser alguma coisa, toco. (Abre a carta e lê em voz alta) “Senhora, como estou um pouco rouco, contratei para vos cantar esta serenata o Pietro Alvisi, o melhor cantor de Veneza segundo se diz. Se a serenata vos agradar, eu vos peço que, em prova do vosso agrado, eu possa ver as pérolas que aí envio, à volta do vosso pescoço branco e fino...” Bonina, traz-me a minha mesa de escrever. (Bonina traz uma mesinha, Vanina vai lendo à medida que escreve) «Senhor, foi uma bela serenata, e, para vos mostrar quanto me agradou, peco-vos que amanhã à noite convideis o mesmo cantor para cantar em vossa casa. Levarei o colar à roda do meu pescoço, mas hoje quero ouvir mais canções. Por tanta amabilidade, tanto vos agradeço. Vanina.» (Enquanto mete a carta no envelope) Chama o Bruno. (Entra Bruno) Leva já esta carta ao Comendador Zorzi.

BRUNO: É já, Senhora. (Sai)

VANINA (tira do peito a carta para Pietro): Bonina, vai depressa atrás do Bruno. E enquanto o Comendador ler a carta que eu lhe mandei, tu dás esta carta, sem que ninguém te veja, ao cantor que cantou esta noite. O nome do cantor é Pietro Alvisi.

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BONINA: Ai, que emoção!

VANINA: Então vai depressa.

BONINA: E se o gondoleiro do Comendador, o Tita, me vê? Ele é o meu namorado, vai ficar muito desconfiado.

VANINA: Diz que uma amiga tua, que é uma grande admiradora do Senhor Pietro, te pediu que lhe desses este recado urgente.

BONINA: Tanto enredo, Senhora, não compreendo.

VANINA: Faz o que te digo, e não compreendas. És minha amiga?

BONINA: Do coração, Senhora.

VANINA: Então vai rápida e esperta como és sempre, e faz o que te disse. (Bonina sai. Só, abre a caixa e tira o colar, olha-o)Ai pérolas maravilhosas, ai o brilho do seu oriente. (Em frente do espelho, põe as pérolas em volta do pescoço) A secreta luz do abismo do mar agora rodeia o meu pescoço e ilumina a minha cara e todo o meu corpo. Mas só por um dia. Amanhã devolvo o colar. Não quero enganar o bom Comendador nem mais uma hora do que estas vinte e quatro horas. Amanhã devolvo o colar, e troco as pérolas pelo meu destino. Mas hoje é um dia difícil, hoje é um dia de engano, hoje tenho de defender a minha vida com toda a minha força. Por isso, agora vou, à janela mostrar-me e iludir. (Pega nos castiçais e avança para a varanda. Entra Bonina)

BONINA (vendo a caixa das pérolas vazia): Ai, a Senhora já pôs o colar. (Avança para a varanda e chama) Senhora!

(Vanina vira-se e dá alguns passos para dentro do quarto)BONINA: O Comendador diz que amanhã depois do jantar o mesmo cantor virá cantar a sua casa.

VANINA: E Pietro, que disse Pietro quando leu a minha carta?

BONINA: A cara iluminou-se mais do que essas pérolas vos iluminam.

VANINA: E que disse?

BONINA: «Amanhã à noite lá estarei.»

VANINA: E o Comendador não deu por nada?

BONINA: Não, o Senhor Pietro leu a carta por trás das costas do Comendador que estava a olhar enlevado para a vossa varanda.

VANINA: O gondoleiro, o Tita, não viu nada?

BONINA: Viu, mas eu contei-lhe que aquela carta era de uma rica herdeira, que está apaixonada pelo Senhor Pietro e sabia que ele hoje vinha cantar aqui.

VANINA: Ótimo, correu tudo muito bem.

BONINA: Bem não, Senhora, houve muita mentira, muito fingimento, muito engano.

VANINA: Não penses mal de mim. E o Comendador não me quer enganar a mim, com palavras doces, reverências, elogios, amabilidades, convites, flores, e pérolas belas como a lua? Quer-me iludir; pior, quer-me matar; pior, quer matar a minha vida e deixar-me a mim viva, fechada no seu palácio escuro, com a tia de noventa anos, cheia de rugas empoadas, fatos novos e cabeleiras postiças, ali os três, entre velhos quadros e velhos espelhos, à espera da morte, a chorar pela juventude perdida.

BONINA: Isso é verdade, Senhora.

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VANINA: Não penses mal de mim, querida Bonina. Amanhã vou dizer a verdade toda ao Comendador e vou mandar-lhe de volta o colar que ele me deu.

BONINA: Ai, Senhora, o coração dele vai arder-lhe.

VANINA: O que arde, cura. Ele vai curar-se depressa. Talvez se apaixone por uma admiradora dele que é quase da sua idade...

BONINA: Sim?

VANINA: Não viste nada, Bonina? Não viste como a D. Geraldina o olha sempre com os olhos postos na cara dele, e os ouvidos atentos a cada palavra que ele diz, como se fosse o evangelho?

BONINA: Lá isso é verdade, Senhora. (As violas recomeçam a tocar)

VANINA: Não fales mais, vamos ouvir a música. (Corre para a varanda. A voz de Pietro começa a cantar)

PIETRO:Antes de eu ver-te já me pertencias. Tão interior a mim tão necessária Que o céu e o mar e tudo te dizia

Reconheci-te logo e prometidaSem te poder perder porque tu erasO próprio coração da minha vidaE eu esperei-te em todas as esperas

Por isso não direi que eu te perdiQuando voltar a voz das primaveras

(Cai o pano)

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II ATO

(Uma varanda com uma mesa e duas cadeiras. Entra a Condessa Zeti agarrada a uma bengala com um criado chamadoBruno atrás)

CONDESSA ZETI: Traz um copo de champagne com uma rodela de pêssego e diz à Josefa que traga o meu espelho. (O criado sai e a Condessa fica só) Que bela noite, que noite de veludo e uma bonita noite para uma serenata. Mas não dou nada por este casamento - é tudo um teatro de ilusões e desilusões, iludidos e desiludidos.

(Entra Bruno com um copo de champagne numa bandeja que poisa em cima da mesa)

CONDESSA ZETI: Obrigada. (Bebe um golo) Está uma maravilha - a medida certa de champagne, de pêssego e de gelo. Não há ninguém que faça isto como tu. Obrigada, podes ir.

BRUNO: Obrigado, Senhora. (Sai)

CONDESSA ZETI (sozinha): Mesmo com este sabor gelado, a vinho e a pêssego, este noivado não me agrada. Quando era novo o meu sobrinho nunca teve sucesso com as raparigas - não era que fosse feio - mas era muito maçador, muito comendador. E agora aos sessenta anos, o meu sobrinho sensato tornou-se insensato. Quer ser um galã, um galante, um elegante – todas as semanas manda fazer um casaco novo e quer casar com uma rapariga nova, novíssima. Isto deve ser ideia do tio dela – um homem simpático, muito bem-parecido mas muito assustadiço. E agora deve estar assustadíssimo sem saber como há de casar esta sobrinha sem dote. Mas hoje o meu sobrinho teve uma boa ideia, convidou o Pietro Alvisi para vir cantar depois do jantar - só não percebo por que é que não o convidou para jantar -, mas depois vai ser uma maravilha ouvirmos aqui neste jardim tão perfumado a voz única do Pietro. Uma ideia tão boa, tão especial, será mesmo uma ideia do meu sobrinho? Parece mais uma ideia de rapariga nova. Não será ideia da Vanina?

(Ouvem-se vozes de pessoas que se aproximam)

CONDESSA ZETI: Estão a chegar. (Põe-se em pé)

(Entram o Comendador, Vanina, D. Geraldina)

COMENDADOR: Tia, esta é a Vanina de que tanto lhe tenho falado.

VANINA: Boa tarde, Senhora. (Faz uma pequena reverência)

CONDESSA ZETI: Querida Vanina, estou tão contente de a conhecer. Conheci tanto a sua mãe e o seu pai - e até a sua avó. É assim: quando vivemos muitos anos cada pessoa é para nós uma geração de pessoas. E dá-me alegria ver, Vanina, que herdou a beleza da sua família.

VANINA: - Obrigada, obrigada, Senhora.

COMENDADOR: Minha tia, quero apresentar-lhe a D. Geraldina Geraldini. (Avança D. Geraldina)

D. GERALDINA: Boa noite, Senhora.

CONDESSA ZETI: Ai, D. Geraldina, quanto prazer me dá a sua presença. Também conheci muito bem todos os Geraldini. Sobretudo sua mãe, que era uma verdadeira Senhora.

D. GERALDINA: Obrigada, obrigada, Senhora.

(Entra o criado com copos de bebida)

CONDESSA ZETI (aparte abrindo o leque): Com a Geraldina é que o meu sobrinho devia casar! Deve andar à roda dos cinquenta mas tem um ar saudável e um ar muito sensato. Ainda tem bons olhos para nos fazer leituras na biblioteca, forças para tratar de doenças, boas pernas para me acompanhar quando eu quiser ir passear ou ir às compras. Realmente é a idade mais útil: já não tem os insistentes desejos da mocidade, mas ainda tem energia para pôr uma casa na ordem. Cá

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em casa a única coisa que bate certo são os relógios porque o meu sobrinho lhes dá corda todos os dias. (Um relógio bate oito horas e abre-se o reposteiro deixando ver uma mesa com pratos e copos)

(Entram dois convidados um pouco mais novos do que o Comendador que vão beijar a mão à Condessa Zeti)

GIOVANNI: Boa noite, querida tia. Boa noite, caro primo.

JULIANO: Boa noite, querida tia. Boa noite, caro primo.

(O Comendador e os primos abraçam-se. O Comendador apresenta-os a Vanina e a D. Geraldina)

COMENDADOR: Cara Vanina, cara D. Geraldina, este é o meu primo Juliano, este é o meu primo Giovanni.

(Todos se vão servir de um copo)

JULIANO (a Vanina): Que prazer, Senhora, ver a vossa juventude e a vossa beleza nesta casa bela mas um pouco triste.Bebo à vossa saúde pois trazeis convosco a juventude e a alegria!

GIOVANNI (a D. Geraldina): Senhora, o meu irmão e eu moramos fora da cidade numa quinta e temos um vizinho que muito estimamos que se chama Giuseppe Geraldino. Suponho que seja vosso parente.

D. GERALDINA: Sim, é meu primo, como está ele?

GIOVANNI: Bem, Senhora, no campo está-se sempre bem, sobretudo quando chega a Primavera.

D. GERALDINA: Ai isso é verdade. Tenho muitas saudades do campo.

GIOVANNI: Vamos combinar com o meu primo virem com ele passar um dia à nossa quinta. Se vós e Vanina aceitais este convite, Senhora.

D. GERALDINA: Eu certamente aceito.

JULIANO (ao Comendador que se aproxima): Primo, a tua convidada é uma rosa.COMENDADOR: Obrigado, obrigado. (Vira-se para Vanina) Tenho de lhe dizer uma coisa. (Puxa Vanina para o lado)

VANINA: Esperai um momento.

(Mas Giovanni avança e passa o braço no do Comendador)

GIOVANNI: - Quero a todos fazer um convite. (E afastam-se os dois)

VANINA (avançando para a boca do palco): - Que bela noite, que bela noite para ouvir uma voz amada. (Ergue o copo e bebe-o de um só trago)

COMENDADOR: - Vamos para a mesa, Vanina. É mau para a saúde beber sem comer. E é mau para a cabeça falar só. E é mau beber em exagero.

VANINA: - Quando gosto de uma coisa gosto sempre com exagero.

COMENDADOR: - Isso não é boa ideia. Tens de ser comedida.

VANINA: - Ai, Comendador, não quero discutir ideias.

JULIANO (avançando para a boca de cena e aparte): - Realmente a Vanina não liga nada com o meu primo. É nova de mais.

BRUNO (entrando): - Posso servir, Senhora?

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COMENDADOR: -Sim, sim.

CONDESSA ZETI: - Sim, Bruno.

(O Comendador dá o braço à tia e Vanina e Geraldina seguem-nos. Giovanni e Juliano caminham também para a mesa.Sentam-se à mesa com a Condessa Zeti numa cabeceira, um dos primos à sua direita, o outro à sua esquerda, D. Geraldina entre o primo e o Comendador que está ao centro e com Vanina à sua direita. Mal estão todos sentados começam a beber o consommé enquanto o criado vai servindo o vinho branco)

GIOVANNI: - Este consommé é uma delícia.

JULIANO: - Uma pura delícia e muito bem gelado, à saúde do cozinheiro!

GIOVANNI: - E o teu Verdicchio hoje está melhor do que nunca.

VANINA (bebendo): - É um Verdicchio extraordinário.

COMENDADOR: - As meninas novas não podem falar de vinhos.

VANINA: - Ah! Mas eu pude.

JULIANO: - Vanina, de que música gosta mais?

VANINA: -De todas.

CONDESSA ZETl: - É uma lista vasta?

VANlNA: - Muito, querida Condessa: gosto de ópera, de música de dansa, gosto de Vivaldi e de Mozart, gosto das belas canções italianas como as que vamos ouvir esta noite. E o Juliano de que música gosta?

JULIANO: - Na nossa família os homens só gostam de música militar.VANINA (abre o leque e fala aparte para o público): - Por isso é que nunca ninguém quer casar com eles.

JULIANO: - E a D. Geraldina?

D. GERALDINA: - Gosto de uma bela marcha militar: é uma música alegre,

vigorosa! VANINA (por trás do leque): - Enfim têm uma candidata!

CONDESSA ZETI (por trás do leque): - Que dirá Vanina por trás do leque?

VANINA: - Este esparguete é uma maravilha.

(Há uma pausa solene e ouvem-se tilintar os talheres)

COMENDADOR: - O cozinheiro deixou conchas de mais no esparguete. Eu só gosto quando tiram as conchas todas.

GIOVANNI: - Não, o esparguete com amêijoas tem que ser servido com as conchas. Não com todas evidentemente, mas

com o número suficiente. As conchas fazem parte da estética do prato, e aumentam o cheiro a mar. Os moluscos sem

concha fazem fraca figura. Sou como a Vanina, acho que este esparguete está perfeito.

JULIANO: - E este Verdicchio com o marisco fica ainda melhor!

(Um breve silêncio em que todos comem)

CONDESSA ZETI: - Estou encantada com a ideia de irmos passar um dia à vossa quinta do Rosal. Há tanto tempo que lá não vou. Há anos e anos! Às vezes tenho a impressão de que as coisas passam tão depressa porque estamos distraídos e as deixamos passar!

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(Lá fora ouve-se um leve dedilhar de viola)

VANINA (levantando-se num salto): - O Pietro Alvisi já chegou!

COMENDADOR (agarrando um pulso de Vanina): - Vanina, calma.

(Vanina sacode o braço e, sem que ninguém veja, o colar cai no prato do Comendador)

VANINA: - Largue-me, o Pietro Alvisi já chegou!

BRUNO: - Não, Senhora, foram só os acompanhantes que chegaram.

(Vanina senta-se e há um momento de silêncio. Todos comem em silêncio. Vanina bebe um grande copo de Verdicchio e oComendador também)

CONDESSA ZETI: - Vanina, eu quando era nova também tinha uma paixão pela música. Lembro-me de ter chorado a noite inteira quando a minha mãe não me levou à ópera. Minha querida, a paciência e a calma são virtudes que se aprendem devagar.

VANINA: - Ai senhora, creio que para essas virtudes tenho muito pouca vocação. Sou por natureza impulsiva e impaciente.

COMENDADOR: - Este esparguete está cru, mal se pode comer, ai, estou engasgado! (Põe-se em pé)

VANINA: - Bebei. (Põe-se em pé)

(O criado enche o copo do Comendador que bebe de um só trago)

VANINA (ao Comendador): - Estais melhor?

COMENDADOR: - Já passou, consegui engolir, mas sinto uma coisa no pescoço.

VANINA: - Bebei outro copo.

(O Comendador bebe)

VANINA: -Já passou?

COMENDADOR: -Não sei.

D. GERALDINA: - Como está a sentir-se cansado, não seria melhor ir-se deitar?

COMENDADOR: - Sim, é melhor ir para o meu quarto e deitar-me na chaise-Iongue, ficar em silêncio.

D. GERALDINA: - Posso acompanhá-lo?

COMENDADOR: - Sim. Como são belos os vossos olhos castanhos cheios de piedade. Como os de um cão perdigueiro.

GIOVANNI: - Disse uma bela coisa, o Comendador, nada é mais cheio de piedade do que um perdigueiro.

CONDESSA ZETI: - Não quer vir connosco?

VANINA: - Não posso, Senhora, estou muito nervosa. A D. Geraldina é muito melhor enfermeira do que eu.

COMENDADOR: - É melhor que não venhas, Vanina.

(Detrás dos arbustos da varanda ouve-se cantar a voz de Pietro. O Comendador agarra-se ao braço de D. Geraldina e diz)

COMENDADOR: - Vamos, Senhora. (Mas agarra-se ao estômago com um grito de dor)

D. GERALDINA: -Que foi?

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COMENDADOR: - São as cascas das amêijoas a cortar o meu estômago. (Recomeça a gemer)

CONDESSA ZETI: - Sobrinhos, levem o vosso tio para o quarto dele e chamem o médico. Vanina, cala esse cantor.

(Todos saem e Vanina, mal os vê sair, corre para baixo)

CONDESSA ZETI: - Vai com juízo! Não cantar, não rir, não chorar, não gritar. E depressa!

VANINA: - Vou já, Senhora. (Desce as escadas e corre para os arbustos atrás dos quais Pietro se esconde de forma a não ser visto da casa de jantar mas ser visto pelo público)

(Pietro para de cantar quando vê Vanina com um dedo sobre a boca em sinal de silêncio)

TOCADORES DE VIOLA (parando de tocar): - Boa noite, Senhora.

VANINA: - Boa noite. Tenho tanta pena de vos dizer que por hoje a festa acabou: tudo era lindo, a voz do cantor, o som das violas e o ar desta noite de luar. O Comendador adoeceu e foi preciso chamar o médico. Amigos, ide lá dentro e pedi ao Bruno que vos traga refrescos.

PIETRO: E como não podemos nem cantar nem tocar, ficai lá dentro até que vos chame. (Saem os músicos)

(Vanina e Pietro ficam um instante em silêncio)

VANINA: - Deve estar com sede, a noite está quente.

PIETRO: - Muita sede, de uma bebida gelada e muita sede de ti.

VANINA (ri): - Vou tocar pelo Bruno para ele trazer champagne gelado. (Dirige-se para uma mesa pequena e estende as mãos para a campainha)

PIETRO (dá um salto e agarra a sua mão): - Não, não chames ninguém. É a primeira vez que posso falar contigo. Além disso estou a ver uma garrafa de vinho tinto e vários copos em cima daquela mesa. (Em dois saltos sobe as escadas e traz o vinho com um copo e estende-o a Vanina)

VANINA: - Gosto mais de vinho branco.

PIETRO: - Bebe o tinto para te lembrar a rosa que te dei naquele dia em que te vi pela primeira vez.

VANINA: - Para eu também beber. (Bebe e diz) Sabe a rosa.

PIETRO (tira-lhe o copo da mão): - Agora bebo eu para saber os teus pensamentos - na verdade vi pouco de ti. Só a cor dosolhos e agora o sabor da boca. (Beijam-se)

(Bruno aparece com uma carta numa bandeja)

BRUNO: - Uma carta do Comendador, Senhora.

(Vanina, abrindo a carta, lê)

«Cara Vanina: sabeis que há quási um ano que por vós passeio na ópera, nos passeios até ao Lido, seguidos sempre pela excelente D. Geraldina ao vosso lado. Pedi a vossa mão ao vosso tutor. Ele disse que nada lhe daria mais prazer, mas que vós, sendo tão nova, queríeis esperar mais uns meses até poder responder com consciência. Mas quási seis meses passaram e cada dia estais mais irrequieta e caprichosa, e até esta noite ao jantar senti a vossa impaciência. Por isso vos deixo livre de dar a outro a mão que nunca me destes. E como na minha idade a solidão é perigosa e desassossegada, resolvi casar-me com alguém que como eu ame o sossego e a paz. Acreditai que guardo reconhecido a lembrança de tantas horas alegres e vivas que me destes.»

(Vanina acaba de ler e fica um instante calada)

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VANINA: - Pobre Comendador! Mas não tenho remorsos, ele vai ser felicíssimo com a sossegadíssima D. Geraldina. (Bebe mais um golo e diz) Pietro, será verdade que te estou a ver e que até te dei um beijo?

PIETRO: -É verdade. VANINA: - Não imaginas o que foi a minha vida nestes últimos tempos desde o baile da tua prima Giovanna. Pensava em ti de manhã, à tarde, à noite, em toda a parte, nas igrejas, nas pontes. Eu acho que tens a voz mais bonita do mundo, és o homem mais bonito do mundo, e tenho a certeza de que és valente e corajoso. De manhã à noite desde que te encontrei imagino que vamos casar os dois e que vamos ser muito felizes.

PIETRO: - Casar não é assim tão fácil!

VANINA: -Porquê?

PIETRO: - Depois falaremos!

VANINA: - Depois não, agora. A vida é agora, neste momento. Tem que se saber sempre em que momento estamos! Tu não podes imaginar o quanto eu tenho imaginado. Tenho imaginado como seria o nosso casamento, a nossa casa, como seria a nossa vida. Eu não posso ficar à espera.

PIETRO: - Dei-te uma rosa e disse-te um piropo. Vanina, isso não são coisas muito importantes. Tu és uma criança, uma inocente, dás a estas coisas uma importância que eu não lhes dou.

VANINA: - O que é que isso quer dizer?

PIETRO: - A vida é muito difícil Tu não compreendes como a vida é difícil E além disso para casar é preciso estar

livre. VANINA: - Mas eu estou livre!

PIETRO: - Ai, Vanina, mas eu não, eu não estou.

(Vanina agarra-se a Pietro)

VANINA: - Mas o que dizes? O que é que tu estás a dizer? O que é que estás a dizer?

(Pietro explica-se)

PIETRO: - Conheces o meu tio Segismundo, que é quem manda na família toda?

VANINA: - Só o vi ao longe. Tem uma cara muito séria, muito maçadora.

PIETRO: - Maçador ainda é o menos mau, coitado. É um mandão que manda na família inteira. No dia seguinte à noite emque estive a cantar a serenata encomendada pelo Comendador Zorzi, ele chamou-me e disse-me:

“SEGISMUNDO: - Mas o que é isto? Agora andas a fazer serenatas a raparigas conhecidas, de boas famílias, filhas de amigos meus, como se isso não tivesse consequência nenhuma!

PIETRO: - Não sei que consequências é que pode ter, se isto são coisas correntes, que se passam todos os dias! Eu já fiz; na minha vida mil serenatas.

SEGISMUNDO: - Mas agora, agora não podes continuar. Esta rapariga é uma rapariga nova, não tem pai nem mãe, o tutor dela é um meu grande amigo. Vou à caça com ele todos os anos, não quero que estragues a minha vida de caçador e a vida dos meus amigos.

PIETRO: - Mas o que é que os seus amigos têm a ver com isto?

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SEGISMUNDO: - É evidente que eles nunca mais me falavam se tu te portasses mal com a Vanina! PIETRO: - Mas eu não tenciono portar-me mal. E o meu tio insistiu e insistiu imenso e eu não pude fazer outra coisa senão ir com ele, nesse mesmo dia, a casa da mãe da noiva que ele me destinou pedir-lhe a mão da filha. Mas disse-lhe que não poderia fazê-lo dessa maneira. E então ele perguntou-me:

SEGISMUNDO: - Mas tens algum compromisso com a Vanina?

PIETRO: - Não tenho compromisso nenhum com a Vanina, mas não quero casar com alguém que eu não conheça. Por que é que eu hei de ficar noivo de uma rapariga de quem não gosto, que é feia, só porque é rica? Não quero!

SEGISMUNDO: - Já pensaste na desgraça que vai ser a vida da tua mãe e da tua irmã se tu continuares a viver assim despreocupado, só a pensar em cantigas e namoradas? Tu tens que pensar imediatamente que a tua mãe e a tua irmã vivem numa casa que está a cair. Todos os invernos chove em casa. A tua mãe chamou-me lá e mostrou-me como a casa está. E chorou porque não tem dinheiro para nada. A tua irmã não sai de casa porque nunca tem um vestido bonito, nunca tem uns sapatos bonitos. Passa a vida como uma gata borralheira. Nenhum rapaz se aproxima dela porque todos sabem que ela não tem um chavo de dote. Nada disto pode continuar assim. E só tu é que podes mudar estas coisas, só tu é que podes mudar a vida da tua mãe e da tua irmã. Lembra-te de que és um homem e que te deves comportar como um homem. (Silêncio) Veste o teu casaco. Vai-te pentear e veste o teu casaco e vamos a casa deles pedir a mão da filha dos meus amigos.

PIETRO: - Mas eu não quero casar assim. Esperamos um pouco. As coisas às vezes mudam de repente.

SEGISMUNDO: - As coisas não mudam assim. As coisas são organizadas para serem sólidas. Nada muda assim de repente como tu imaginas.

PIETRO: - Tudo, mas tudo pode mudar. Agora eu comprometer- -me, ficar noivo já, quando eu não gosto dela nem penso nela! Não pode ser. Bem, se eu ficar noivo, meu tio, eu vou¬-me portar tão mal que o pai e a mãe vão desfazer o casamento.

SEGISMUNDO: - Talvez, talvez seja possível. Mas talvez não, porque há muito tempo que a filha está solteira e eles vivem doidos para a casar seja lá como for.

PIETRO: - Mas eu não estou para me casar seja lá como for!

SEGISMUNDO: - És um homem novo e és um homem responsável, e tens que responder pela honra e pela tua família. Não digas mais nada porque senão não é só o teu outro tio que te deserda, eu também te deserdo.

PIETRO: - Tio, porquê tanta pressa e tanta severidade? Não posso compreender. Isto parece um jogo, uma fatalidade! SEGISMUNDO: - Talvez seja! Mas de qualquer maneira, vai-te pentear, lava a cara e põe o casaco melhor e vem comigo.»

(Fica um silêncio)

VANINA: - E depois?

PIETRO: - E depois eu não fui capaz de resistir. Fui com ele, e ele pediu a mão da filha deles. Foi o meu tio que pediu, pediu- a por mim, mas como a palavra dele é uma palavra de honra, eu não posso fazer nada. Imagina o cúmulo da pouca sorte, é que dias depois morreu o meu querido tio e deixou-me a maior parte da sua fortuna. E agora eu sou rico e vou casar com uma herdeira rica e feia. Estou desesperado, desesperado!

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VANINA: - Mas nessas coisas há sempre um remédio. Vai ter com o teu tio e diz que não queres casar com ela.

PIETRO: -Não tenho coragem para ir ter com o meu tio, nem tenho coragem para ir ter com os pais dela. Não posso fazer nada, a única coisa que eu posso fazer é esperar. Talvez qualquer coisa aconteça, talvez.

VANINA: -Disse-te que gostava de ti com todo o meu coração. Não quero compromissos, nem quero coisas duvidosas. Tu não compreendes que depois de ter passado este tempo todo a pensar em ti, eu vou endoidecer por tu ficares noivo de outra mulher?

PIETRO: - Apaixonares-te por um homem que viste só uns instantes é uma coisa que não existe. E uma história dos romances de cavalaria.

VANINA:- Eu sou como os romances de cavalaria.

PIETRO: -Só me viste um instante. O que tu viste foi o próprio brilho da tua juventude, a rosa muito vermelha e muito perfumada.

VANINA: - Então por que cantaste com tanta paixão por debaixo da minha varanda naquela quinta-

feira? PIETRO: - Porque é assim que se cantam as serenatas.

VANINA: - Eu não vivo de acordo com os costumes, eu vivo de acordo com os meus

sentimentos. PIETRO: - Eu sou um homem, e não se brinca com um homem.

VANINA: - Mas eu não brinquei contigo!

PIETRO: - Não brincaste? Deste-me um beijo infinito, que veio até ao fundo da minha garganta e agora queres-me obrigar a cumprir o que eu não devo!

VANINA:- O amor é uma coisa séria e deste-me um beijo apaixonado.

PIETRO: - Ai, querida! Eu apaixono-me por todas as mulheres que vejo. Tu imaginas tudo. Dei-te uma rosa e disse-te um piropo e tu imaginaste que eu era o teu Romeu.

VANINA: - Estás a fazer troça de mim.

PIETRO: -Não. Estou a ensinar-te o que é a vida. É muito perigoso não saber o que é a

vida. VANINA: -Há tanto tempo que só penso em ti! Isso não é a vida?

PIETRO: -Não.

VANINA: - Então o que é que fizeste todo o tempo?

PIETRO: - Por que havia eu de me apaixonar por uma menina que só tinha visto um instante?

VANINA: -Eu apaixonei-me por ti no instante em que te vi. Porque eras tu, porque eras pálido como o luar e misterioso e brilhante e belo como a noite.

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PIETRO: - Falas como um romance e como uma balada. A vida não e assim!

VANINA: - Apaixonei-me pela tua voz que é cheia de luz e sombras.

PIETRO: - Bem, isso é mais lógico e mais real. Mas em Veneza todas as mulheres estão apaixonadas pela minha vo

VANINA: -Todas?

PIETRO: - Sonhaste, imaginaste mil fantasias.

VANINA: - E tu que é que fizeste? Namoraste todas as mulheres bonitas que encontraste?

PIETRO: - Todas! Tive (e conta pelos dedos) vinte e seis namoradas desde que nos vimos, imagina.

VANINA: - Ai de mim! Não te lembravas às vezes de mim?

PIETRO: - Não, a minha vida tem sido difícil e cheia de problemas. Mas quando cantei para ti, na serenata encomendada, reconheci-te e gostei de te reconhecer.

VANINA: - E quando soubeste que vinha cá jantar hoje?

PIETRO: - Isso para mim foi uma ocasião de ganhar dinheiro. Sou um cantor profissional - não engano ninguém porque canto bem.

VANINA (depois de um silêncio): -Quero só dizer-te um poema e depois não tenho mais nada a dizer.

Reconheci-te logo destruídaSem te poder olhar porque tu erasO próprio coração da minha vidaE eu esperei-te em todas as esperas

PIETRO: - É muito bonito, um pouco metafísico. Faz-me medo. Vanina, eu não quero abusar da tua inocência. Que faria eu com a tua inocência?

VANINA: - Então adeus, Pietro.

PIETRO: - Não, espera um instante.

(O Mordomo avançando)

MORDOMO: - Senhor Alvisi, está aqui o vosso notário.

PIETRO: - Manda-o entrar.

NOTÁRIO (com ar azafamado) - Estão todos à vossa espera na reunião por causa do testamento do vosso tio.

PlETRO: - Tenho de ir já, depressa.

VANINA: - Até um dia destes.

PIETRO: - Como vês, a minha vida é cheia de complicações.

VANINA: -Vai!

CONDESSA ZETI: - Um instante, Pietro!

PIETRO: - É verdade que todas as mulheres de Veneza estão apaixonadas pela minha voz. Mas como me chamam meu príncipe, suponho que é porque estão apaixonadas por num.

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VANINA: - Acham-te um príncipe! Visto daqui ninguém diria!

(Pietro inclina-se e sai)

CONDESSA ZETI: - Vanina, vamos falar.

VANINA: - Não, não há que falar. Não há nada para dizer. Eu morri sem dizer nada.CONDESSA ZETI: - Não sofras tanto por um desgosto que vai passar tão depressa!

VANINA: - Não, quebrei a minha confiança na vida. Isto fez desaparecer o perfume da noite, e o cheiro da rosa - isso durará para sempre.

CONDESSA ZETI: - Como diz o Pietro, é muito perigoso não conhecer a vida. Esta história ensina-te, como diz o Pietro, a não viver só numa balada.

VANINA: - Mas assim não sei viver. Vou até ao fundo do bosque para beber água da fonte e lavar a minha cara da humilhação e da vergonha.

CONDESSA ZETI: - Não há humilhação nem vergonha. Como todos os conquistadores, o Pietro engana mesmo sem

querer. VANINA: - Adeus, Condessa.

CONDESSA ZETI: - Não rasgues o teu vestido que é tão bonito nas silvas. (Vanina desce as escadas) Não te demores porque fico preocupada.

VANINA: - Não, é só o tempo de chorar sozinha e de beber água limpa da fonte. Nesta altura não me apetece champagne com pêssego.

III ATO

CONDESSA ZETI: - Traz-me champagne com pêssego.

BRUNO: - Está a ficar frio. Não seria melhor se eu lhe trouxesse uma xícara quente de cacau? A noite está a arrefecer.

CONDESSA ZETI: - Não, dá-me o que eu pedi. (A sós) Pobre Vanina, queria estar a ajudar-te, mas tu és orgulhosa de mais e queres fazer tudo sozinha. Eu disse-te que ias esquecer muito depressa: é mentira. Um primeiro amor pode ser substituído mas continua a surgir-nos em todas as esquinas. Mas pode ser que o extremo cinismo que Pietro usou ao contar a sua história tenha levado Vanina a pôr sobre o seu deslumbramento o selo do esquecimento e da indiferença. Pensando agora bem, creio que Pietro não a quis prender, quis libertá-la de si própria, da sua imaginação, talvez porque tinha reconhecido a sua inocência.

BRUNO (anunciando): - Lorde Byron.

CONDESSA ZETI: -Byron!

(Byron, em três passos, desce as escadas, puxa uma cadeira e senta-se ao lado da Condessa)

BYRON: - Caríssima amiga, sempre bonita, sempre serena, sempre alegre.

CONDESSA ZETI: - Tu, caríssimo Byron, estás óptimo, sempre jovem, elegante, magro e alegre. Mas não me digas piropos porque a minha querida jovem e linda inocente, para quem a verdade estava nos romances de cavalaria e nos versos das baladas, teve a sua primeira desilusão de amor. O Pietro Alvisi, que é bom cantor mas que ficou sem um tostão e agora só pensa em dinheiro, quando Vanina lhe disse a mais bela palavra de amor respondeu-lhe que a vida é difícil, «que faria eu com a tua inocência?», e depois saiu atrás do seu procurador.

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BYRON: -E ela?

CONDESSA ZETI: - Vanina não disse nem uma palavra - é uma rapariga cheia de orgulho, de domínio sobre si

própria. BYRON: - É mais belo assim, mas deve sofrer imenso porque o desgosto do primeiro amor é o pior

desgosto.

CONDESSA ZETI: - Nem sempre.

BYRON: - O desgosto do meu primeiro amor seguiu-me como uma sombra. Um dia sonhei que ela voltava a viver na casa da sua infância e do nosso namoro. Pensei correr para lá, mas quando subi a colina, de repente, senti que já tudo era só imaginação. Depois nunca mais a procurei.

CONDESSA ZETI: - Também eu nunca mais procurei o meu namorado, daí em diante os meus anos passaram a ser diferentes. Não falemos mais nisso, sim?

BYRON: - Vanina é linda. Quando voltar, ajuda-me a conquistá-la. Achas que sou muito velho para a Vanina?

CONDESSA ZETI: - Não, estás mesmo na idade certa! Mas a Vanina não muda de amor de um dia para o outro. Diz que o seu amor é como o amor dos romances de cavalaria e como o amor das baladas.

BYRON: - São fantasias da idade romântica. Ai, minha cara amiga, penso tanto na minha juventude! Viajava continuamente, passava a noite no mar a olhar para as estrelas - as estrelas do sul, puras e cintilantes, e o cheiro do mar que eu respirava de boca aberta. Depois, em terra, a beleza única da Grécia: Atenas; o Parténon; Delphos; as montanhas, as fontes de água gelada; os enormes arvoredos; a enorme presença da montanha e dos abismos; e o voo das águias sobre as ruínas e os abismos. No primeiro dia em que jantei em terra comemos numa taverna à beira da estrada uma grande pratada de lulas acabadas de pescar com uma grande caneca de vinho chamado Retzina, o típico vinho grego. Foi a primeira vez que provei o seu sabor, misto de vinho e resina, que parecia inventado pelo próprio Dionysos. Quando acabámos era noite escura e pela primeira vez dançámos com os marinheiros a dança só de homens, com os braços passados sobre os ombros dos companheiros.

(Ouve-se um rumor no arvoredo e Vanina aparece. Tem o cabelo em desordem caído pelos ombros, o vestido molhado e coberto por múltiplos raminhos de flores silvestres e verdes)

BYRON: - Encontraste o Rei dos Álamos, Vanina?

VANINA: - Não, meu senhor, nem mesmo Dionysos criança, abandonado numa clareira, nem o temível adolescente que transtorna o coração das mulheres. Só encontrei a fonte da alvorada onde se lavam os pastores, e que é o melhor produto de beleza que conheço.

BYRON: - De facto, a tua cara brilha e ri! Posso tocar-lhe?

VANINA: - Para quê fazer o que não é necessário? A minha cara vê-se bem com os olhos, é suficiente e é o melhor, o mais natural. Aliás está ali o meu tutor que me veio buscar e o Giovanni. (Todos se viram para a sala de jantar. O Tutor e Giovanni descem e todos se abraçam)

VANINA (dirigindo-se a Giovanni): - Giovanni, é tão tarde, passou tanto tempo, parece que passou uma vida!

GIOVANNI: - Uma vida boa ou má?

VANINA: - Má, mas para mim mudou tudo. Já não sou a mesma. Estou cansada, levem-me para casa. Mas sabes, na fonte dos pastores lavei a cara de tudo.

GIOVANNI: - Que belo! Vamos esperar para ver como és agora.

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(O Tutor recusa o champagne com pêssego que o criado lhe vem servir)

TUTOR: - Não, hoje não bebo mais, obrigado. (Põe-se em pé) Viemos só buscar a Vanina que está com um ar muito cansado.

CONDESSA ZETI: - Tão depressa? Mas nem cheguei a apresentar-te o Lorde Byron!

GIOVANNI: - Querida tia, são quatro da manhã. Quero estar em casa antes de luzir o dia. (Dirige-se a Lorde Byron) Em breve voltarei aqui para ter oportunidade de conhecer melhor o brilho da vossa conversa.

(Vanina beija a Condessa, agradece e faz um Leve sorriso a Byron. Saem todos, ficando a sós a Condessa Zeti e Byron)

CONDESSA ZETI: - Quando eu era pequena adorava este sítio: ia à fonte dos pastores beber água; no Verão voltava toda molhada, e pensava no meu próximo baile com um vestido branco e um colar de safiras e esmeraldas rente ao pescoço. Era a mais bonita do baile e, enquanto dançava, olhava nos espelhos a minha imagem. Vós em que pensais, Lorde Byron?

BYRON: - Na minha primeira viagem a Itália e à Grécia. Vivia cada momento com fúria e deslumbramento. Nunca mais a minha vida foi assim.

CONDESSA ZETI: - E o vosso sucesso em Londres?

BYRON: - Depois foi a época parva do sucesso em que foram semeados tantos desastres. Agora estou em Veneza. Aqui vivi uma terceira juventude, que conhecia noitadas, amores. Passou tudo muito depressa.

CONDESSA ZETI: - Mas agora ouvi dizer que fazeis corte à jovem Condessa Guicioli.

BYRON: - É verdade. É muito nova, doce e ingénua. Poderá talvez vir a ser o grande amor do meu outono. Mas não será nunca o amor da minha juventude.

CONDESSA ZETI: - Estais a ver tudo escuro. A vossa namorada, a Condessa Guicioli, é uma criança e vós estais ainda na primeira juventude.

BYRON: - Se eu estivesse ainda na juventude a vossa amiga Vanina, com certeza, não me teria tratado tão desprezivelmente.

CONDESSA ZETI: - Bem sabeis o desgosto que a impede neste momento de olhar qualquer homem.

BYRON: - Não me parece, ainda há instantes ela falava apaixonadamente com o seu amigo Giovanni.

CONDESSA ZETI: - Era pura amizade e intimidade do meu grande amigo.

BYRON: - Estava certo de que ela está ou vai estar apaixonadíssima por ele e a mim mal me olha.

CONDESSA ZETI: - Ela estava a tentar apoiar-se na amizade de Giovanni, mais nada.

BYRON: -Sim?

CONDESSA ZETI: - É evidente. Diz-me uma coisa, tens escrito ultimamente?

BYRON: - Pouco, mau e triste.

CONDESSA ZETI: - Dizei-me um dos vossos últimos poemas.

BYRON: - Se quereis um poema alegre, cheio de amor, de vida e de destino, não tenho.

CONDESSA ZETI: - Dizei-me um poema que me faça compreender essa nostalgia de que falais.

BYRON: -Então vou dizer-vos um dos últimos poemas que escrevi:

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Não iremos mais juntos divagandoPela noite foraEmbora a lua brilhe tanto como outroraEmbora como outrora

Não cesse do amor a voz uivanteQue me devora

Pois o coração gasta o peitoE a espada gasta a bainhaO tempo rói o coração desfeitoE a alma é sozinha

Embora a noite sempre peça amorE o dia volte demasiado cedoE o luar corte como espada nua Não irei mais em pânico e segredo Sob a luz da lua.

8 de Julho de 2000

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